Ordálias, Moedas e Consagrações

Estou bem feliz com o alto nível dos comentários; acho que seria o caso de abrir alguns Posts para as perguntas mais pertinentes ou que dariam respostas mais longas para debatermos.

Mglls disse: Oi Marcelo essas “Ordálias” chegam a nos levar p/a Noite Negra da alma, fazem um tsunami em nossas vidas???? isso é muito cruel….quantos impedimentos …tô chocada…eu estava em busca de conhecimento e os meus exs-irmãos diziam “Cuidado voce está mexendo nos Mistérios de Deus” ele vai tocar no que vc mais ama…e…tocou mesmo e agora depois de tres anos de sofrimento abro mão do conhecimento e gostaria muito de voltar no tempo essa busca custou a minha familia e é muito triste pq a minha intenção era compartilhar, ajudar as pessoas a deixarem de viver como gado…pq eu não costumava comer de tudo que era servido eu examinava, pesquisava e via que nem tudo era comestível e me entristecia de ver as pessoas nem se preocuparem com o que estavam comendo, simplesmente engoliam e inclusive eu era discriminada nesse meio porém eu não me importava, e quando alguém necessitava de esclarecimento eu ajudava…ah se eu soubesse. Por favor tem como reverter essa situação e reaver o que foi perdido????? e na Biblia tá escrito “Aquele que é de Deus o Maligno não lhe toca”????

Oi, mglls,

As Ordálias são as maiores e mais perigosas provas de um ocultista de verdade. São elas que separam as crianças dos magistas. As Ordálias podem ser simplificadas como sendo a resposta direta da Mente Coletiva contra o Iniciado desperto, em sua tentativa de despedaçá-lo antes que ele consiga forças suficientes para se defender. Fazendo uma analogia, é como os veteranos surrando Noobs no World of Warcraft… Não é porque você começou agora que o lado negro vai pegar leve com você…

Este texto do Aleister Crowley ajuda a entendê-las melhor:

Essas ordálias cegas, presumivelmente, referem-se a tais testes de aptidão, como os referidos a pouco. Nos mistérios antigos, era possível distinguir as ordálias formais.

Um jovem entraria num templo para ser iniciado, e ele saberia bem que sua vida dependia de provar-se merecedor. Hoje o candidato sabe que as iniciações não são fatais, e que qualquer ordália proposta a ele, obviamente, aparecem apenas como pura formalidade. Na sala da Maçonaria por exemplo, ele pode jurar absolutamente disposto a manter o silêncio sob pena de ter sua garganta cortada, sua língua arrancada, e tudo mais e o juramento ser quebrado mais tarde.

Em uma Ordem Mágica genuína, não existem juramentos extravagantes. O candidato aceita o compromisso por si só, e sua obrigação é apenas “obter um conhecimento científico da natureza e forças do meu próprio ser”. Não há punições relacionadas a violação da obrigação, porém, como esta resolução está em contraste com os juramentos de outras Ordens no tocante a simplicidade e naturalidade, assim também com relação as punições. O rompimento com a egrégora atualmente envolve os mais assustadores perigos para a vida, liberdade e razão. A menor negligência é encarada com a mais implacável justiça.

O que acontece é isso: quando um homem afirma cerimoniosamente sua ligação com a Ordem (A verdadeira Iniciação), ele adquire, toma contato, com todas as forças daquela Ordem (egrégora).

Ele é capacitado, a partir desse momento, a fazer sua verdadeira vontade, da melhor forma possível, sem interferência. Ele adentra uma esfera em que cada perturbação é, direta e instantaneamente, compensada. O indivíduo colhe a conseqüência de cada ação imediatamente. Isso é porque ele entrou no que posso chamar de mundo fluídico, onde cada distúrbio é ajustado automática e instantaneamente.

Assim, normalmente, supõe-se um homem como Sir Robert Chiltern (“Um Marido Ideal”) que age de forma corrupta. Seu pecado sempre o assombra, não diretamente, mas depois de muitos anos, de modo a não manifestar uma conexão lógica com seu ato.

Se Chiltern fosse um probacionista da A.’.A.’. seus atos seriam respondidos imediatamente. Ele vendeu um segredo oficial por dinheiro. Ele teria descoberto , dentro de poucos dias, que um de seus próprios segredos foi revelado, com desastrosas conseqüências pessoais.

Além disso, tendo iniciado uma corrente de deslealdade, por assim dizer, ele seria vítima de uma torrente da mesma até conseguir eliminar a possibilidade de vir a agir desse modo novamente. Seria prematuro classificar este aparente exagero de punições como injustas. Não seria suficiente para cumprir a regra de pagar um “olho por um olho”.

Se você perdeu sua visão, você não tropeça em alguma coisa uma vez só, mas continuaria tropeçando de novo até recobrar o sentido perdido.

As punições não são aplicadas deliberadamente pelos Chefes da Ordem, elas ocorrem respeitando o curso natural dos eventos. Eu não deveria me conter em dizer que esses eventos foram arranjados pelos Chefes Secretos. O método, se eu o compreendo corretamente, pode ser ilustrado por uma analogia: suponha que eu tivesse sido avisado por Eckenstein, a testar a firmeza das rochas numa escalada, antes de me apoiar nelas. Eu negligencio a instrução. É desnecessário a ele, percorrer o mundo todo e enfraquecer as rochas em meu caminho – elas estarão lá. E eu começo a escalar, e as falhas ocorrerão ou não, à medida que eu as encontrar. Da mesma maneira, se eu esquecer de alguma instrução mágica, ou cometer alguma falha de magia, minha própria fraqueza me punirá à medida que as circunstâncias determinarem o apropriado método.

Pode se dizer, que essa doutrina não seja uma questão de Magia(k), mas de bom senso. Verdade. Mas Magia(k) é bom senso. Qual é a diferença então, entre o Magista e o profano? A diferença, é que o Magista determinou que a natureza será para ele, um modo fenomenal de expressar sua realidade espiritual. As circunstâncias, portanto, de sua vida são uniformemente adaptadas à sua obra.

Outro exemplo: O mundo revela-se ao advogado de modo totalmente diferente do que o faz ao carpinteiro e, o mesmo evento, ocorrendo aos dois homens, sugerirá dois diferentes treinos de pensamento e conduzirá os dois, a diferentes resultados.

Meus erros de julgamento, devido a aniquilação de meu ego e a conseqüente falta de direção sentida por meu corpo e mente, produziram seu efeito imediato. Eu não compreendi a extensão do meu erro e até sua real causa, porém, senti-me forçado a voltar à minha própria órbita.

As Ordálias afetam TODOS os despertos ou aqueles que estão começando a emanar alguma luz. Gosto muito do filme Matrix, quando o Morpheus explica para o Neo que “Até que todos os aprisionados sejam libertados, eles são potenciais agentes do outro lado”. Não há exceções. Vocês não fazem idéia das torrentes de problemas e privações que eu passei até conseguir publicar a Enciclopédia, que é um verdadeiro trabalho de tributo às Egrégoras dos Deuses. Todos os tipos de problemas que vocês puderem imaginar ocorreram; de divórcio à falta de grana à perda de arquivos à escolha entre retornar para uma vida acadêmica ortodoxa confortável (ensinando Semiótica e História da arte em uma faculdade) ou dedicar meus últimos recursos e esforços para enfrentar alguns MESES de problemas até a publicação da obra…

Nos relatos da Consagração, vi que ocorreram todos os tipos de problemas… de gente que perdeu a hora porque o despertador não tocou, até criança chorando, esposa reclamando, falta de materiais, falta de condições, falta de local, etc, etc, etc… todos os tipos de problemas para impedir que a consagração fosse feita… justamente porque ela funciona e o outro lado não está a fim simplesmente de te deixar ter um objeto desses sem nenhum problema.

No Sefirah ha Omer, muitos de vocês estão sendo testados, e vai ficar pior ainda antes de melhorar… quanto mais potencial você tiver, mais vai apanhar para verem se você desiste e volta para a vidinha confortável.

Mglls, não tem como “reaver” o que foi perdido porque estas pessoas não estão mais no mesmo grau de consciência que você. A única maneira de haver um reencontro é se eles atingirem o mesmo padrão de pensamentos que você. E isso é uma ordália apenas deles. Ninguém ajuda quem não quer ser ajudado.

#Consagrações #Thelema

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A Lei da Kimbanda

A Lei da Kimbanda vem dos bantos, dos povos Angola-Congo. A “misturança”, ou ainda podemos dizer “sincretismo” entre o Exu-iorubá, os Ngangas e Tatás (almas de chefes kimbandeiros das nações bantas) foi o que deixou esse ar de confusão no povo, que muitos até mesmo sendo “feitos na kimbanda”, não entendem, ou o que é pior, tratam-no de diabo. Na verdade, o Exu da kimbanda não é o Exu-Iorubá (Orixá ou Imalé dessa cultura). Os Espíritos que chegam na linha da kimbanda são espíritos de Ngangas ou Tatás, aqueles que quando encarnados na terra eram sacerdotes bantos adoradores de algum Nkisi ou Npungu.

No Brasil, o culto aos Npungus e Nkisis através dos seus mensageiros – os Ngangas – foi misturado na escravidão com o culto aos Encantados e aos pajés (da cultura tupi-guarani) e também com o dos Iorubás, surgindo os seguintes novos cultos, fruto da miscelânea: Makumba – que vem de “ma-kiumba” (espíritos da noite). Foi assim chamado o mais primitivo culto sincretista no sul do Brasil (e o primeiro originado no Brasil), dada sua maior preponderância banto; é dela que descendem os outros cultos afro-brasileiros com influência das nações Angola-Congo, Tupi-guarani, Nagô e a Igreja, nessa ordem. A razão de se chamar makiumba (logo após por deturpação da palavra ficaria makumba ou macumba) foi justamente, porque é um culto que se faz na noite, onde se deveriam chamar necessariamente os espíritos da noite (almas de outros sacerdotes do culto – Eguns ou Ancestrais). No culto iorubano-nagô conhece-se e rende-se culto aos Ancestrais-Egun, porém eles são afastados dos rituais aos Orixás, tentando ter um contato com outro tipo de energia. Isto contribuiu para que os rituais onde se chamavam os eguns fossem menosprezados, tratados pejorativamente e mal interpretados.

Por outro lado, a Igreja também condenava os cultos com influência índio-banto onde se fazia beberagem e supostamente “orgias”.

Na verdade, as danças bantús eram no Brasil e ainda são na África, bastante eróticas, e também é verdade que os Guias bebem e fumam, porém é muito distante de ser uma orgia ou uma bebedeira. Depois, quando os grupos de nações começaram a procurar sua identidade, dividiram-se os principais componentes da makumba, aparecendo: Candomblé de Angola; Candomblé de Congo; Candomblé de Caboclo ou dos Encantados; Catimbó; – todos eles à procura de uma raiz cultural – e também, ao final do século XIX surgem da macumba urbana, (onde se tinha muita participação dos brancos pobres e os descendentes de escravos) a Umbanda e a Kimbanda com influências para o Espiritismo e com muito sincretismo. Na Kimbanda, permaneceu grande parte do culto aos Ngangas da nação Angola-Congo, porém misturado com o diabo (pelas influências dos mitos e tabus dos próprios integrantes – que não tinham conhecimento das origens) e também embaixo do pé do Orixá Iorubá Exu.

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Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-lei-da-kimbanda/

Ser seu próprio mestre…

Já pararam de fato para pensar nisso? Talvez com o romantismo da adolescência isso soe de algum modo prático e funcional, mas há uma questão conflituosa neste ponto. Se pensarmos bem, esse tipo de motivação está intimamente relacionada ao fato de que não existem tantos mestres por ai afora (incluindo ironicamente os diplomados) e que ao desejar isso é por que esperamos alcançar algo que está além da nossa realidade. Sendo assim e descartando o primeiro motivo, o fato de não sermos aptos a fazer algo ainda, significa inexperiência e portanto uma distinta e distante posição dos mestres. Assim sendo, como ser aquilo pelo qual almejamos se ainda somos iniciantes, ou nos termos do gueto… neófitos?

Nossa carne ainda tem muito em que se espetar e sofreremos devidamente cada arranhão. Serão estes, pois, demonstrados como troféus da labuta e quando por fim chegarmos ao ponto áureo de nossa jornada o ser mestre parecerá ainda longínquo como o próprio horizonte.

A Montanha Sagrada

Esse conflito nada mais é do que um jogo de sedução, pois quanto menos se possui mais se deseja. Vale ressaltar que o motivador é bom somente enquanto formos capazes de não nos confundirmos com ele, nossa integridade deve permanecer, senão perderá o sentido/nome se tornando qualquer outra coisa…

Mesmo assim convenhamos que há de fato necessidade de se reconhecer o mérito, ainda que esse auto reconhecimento ocorra tão somente por intermédio deste Eu, nosso, que vive no outro. A soberba, o orgulho, o peito inflado, o status é tão somente pó inútil do qual deveríamos lidar com flanelas ou espanadores. Livrar os olhos destes brilhos ajuda a não perder o foco e como bem sabemos, o foco é o quinhão do momento. Brindemos ‘pois’ a cada boa conquista, sem gritar como os embriagados (sentiram o Eliphas?), sem enfraquecer no que é de fato importante que é aquilo que continua a desenvolver-se… pois, logo quando o sorriso passa, o que ficará no lugar se nossos olhos ainda estiverem inebriados?

Ser seu próprio mestre é em si um desafio aterrorizador, ou deveria, mas as tantas literaturas new age, filmes hollywoodianos e etc., tornam o “SER – mestre” um produto acessível em qualquer conveniência. E o pior é que isso é verdade!

O mestre não é e nunca foi, como nunca será, o clichê que pensamos ser ou que chegamos a imaginar. Talvez já tenha sido, na época em que ser mestre era ofício; mestre no sentido de ter pala de mestre: barbas longas (perdão às mulheres, mas bem sabemos todos dos machismos de outrora), vestes sacerdotais, olhar penetrante, palavras certas e todo tipo de fetiches do personagem. O mestre é tão somente aquele que por força da situação está preparado mesmo que de forma inusitada. Há de se considerar levemente que os bêbados, os loucos e as crianças tem um certo quê deste tipo-mestre…

Se bem nos permitirmos olharmos com mais cautela para as coisas ao redor podemos nos deparar com nosso mestre sem nunca nos darmos conta disso na vida. Esse mestre, que não somos, mas que está em nossos olhos choraria amargamente se não fosse mestre e já não soubesse do descaso destes novatos que somos. O desprezo ao olhar no justo momento o plástico que envolve o chiclete que contém em si dizeres tais que mudam nossa vida, faz com que a vida não mude um mísero centímetro sequer, mas somos jovens e isso tudo é permitido. E o plástico cai de nossas mãos sem ter significado nada além do que o açúcar nos permite, voando silente e insignificante tanto quanto o significado que nos permitimos doá-lo. Isso tudo poderia até comover, mas só comove o gari que tem mais uma partícula de sua tonelada diária para recolher.

Esses insights, intuições, eurecas nada mais são do que as intervenções deste mestre em potencial que somos para o calouro que de fato contamos a todo instante. É a velha balança que nos enxerta um ritmo do qual poderemos ser espectador, músico acompanhante, solista ou regente. Essa escolha há de parecer não ser nossa, mas o mestre sabe que sempre fora nossa e ri prazerosamente, por que rir é para os mestres como o chorar é para os fracos! E o silêncio envergonha a todos.

Este é um bom momento para o ato de se retirar, pois, tão claro como a regra ‘geek-iluminati’ nos adverte: não tem como um jogo funcionar se um bug já deu o ar da graça, mesmo que o primeiro estágio já tenha sido iniciado, no mínimo o save vai dar o trava final e levar as boas risadas há um choro emputecido. Raro aquele que não tem uma mísera partícula de esperança e permanece no lugar acreditando que na verdade o mestre está em algum outro canto escrevendo textos em folhas de ouro para o seu mais puro e fiel aluno, num futuro distante qualquer. É assim que morrem os filhos e ficam os pais emburrecidos pelos seus próprios mimos acreditando realmente que a vida existe para ser pano de fundo para as nossas vãs crenças. E quando o corpo definha por falta do fôlego vívido seria o momento em que o mestre choraria se este não esvaísse junto com o olhar que esfria. Mas ainda assim há sempre um novo dia, como a esperança que se implica como agonia.

Ser seu próprio mestre é, portanto, não esperar encontrar esta resposta aqui, desde já em canto algum, mas abrir-se à resposta como se esta já estivesse sempre ao lado esperando na verdade do olhar um mísero perceber… já que é certo que Ele ri… e que Ele chora… rindo… chorando… cooptando sincronicamente.

Djaysel Pessôa

#hermetismo

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Quem chora pelos demônios?

» Parte 1 da série “Todas as guerras do mundo”

Guerra é um confronto sujeito a interesses da disputa entre dois ou mais grupos distintos de seres, que se valem da violência para tentar derrotar o adversário.

Columbine sempre fora um local pacato. Situada em Colorado, nos EUA, a escola sempre teve um dos índices mais elevados do país na aceitação de seus alunos em universidades, com cerca de 82%. Columbine também se orgulhava de não registrar casos de violência. O policial de plantão se limitava a multar alunos que estacionavam os carros nas vagas destinadas a professores. A escola também era famosa por ser conservadora e privilegiar aos atletas, que defendiam os times da própria instituição. Foi esse o provável estopim da tragédia…

Em Abril de 1999, dois alunos que se sentiam excluídos dos outros grupos, particularmente por não serem atletas e nem muito dados ao convívio social, entraram armados até os dentes em Columbine, e atiraram em quem viram pela frente, matando 13 e ferindo 21, dentre professores, alunos e funcionários. Quando a polícia chegou, os jovens assassinos atiraram contra as próprias cabeças, morrendo imediatamente. Deixaram uma nota, encontrada perto dos corpos, que dizia: “Não culpem mais ninguém por nossos atos. É assim que queremos partir”.

Mas não era apenas um suicídio, e sim um verdadeiro ato de terror. A mídia na época procurou analisar minuciosamente a vida dos dois jovens, na tentativa de encontrar uma possível motivação para ato tão brutal… Como não era conveniente culpar as grandes indústrias do entretenimento, na época a maior parte da “culpa” caiu no colo da indústria dos videogames que, há mais de uma década atrás, não tinha a força política e econômica de que dispõe hoje. Os assassinos de Columbine eram assíduos jogadores de Doom, um dos primeiros games de tiro com visão em primeira pessoa e cenários 3D.

Em Doom, o personagem controlado pelo jogador é um fuzileiro espacial de um mundo futurista fictício. Ele é deportado da Terra para Marte quando se recusa a atirar em civis desarmados (ordem de um oficial superior). Para seu infortúnio, em Marte uma experiência militar secreta dá errado, e abre uma espécie de “portal para o Inferno”, de onde saem demônios e zumbis, que precisam ser dizimados pelo jogador. O jogo foi muito criticado pelos conservadores por exibir muito sangue (apesar de ser o sangue dos demônios) e muitas “imagens satânicas” (afinal, eram demônios ora essa). O fato de o personagem estar agindo heroicamente para proteger a Terra e, principalmente, o fato de ele estar nessa situação exatamente por ter se recusado a atirar em civis desarmados, é sumariamente ignorado pelos críticos conservadores. Doom foi o primeiro bode expiatório que a sociedade americana encontrou para “explicar” o massacre em Columbine.

Mesmo após Doom, muitos outros games similares sofreram a acusação de incitar a violência nos jovens, incluindo outros baseados nas guerras modernas, onde os inimigos não eram demônios, mas membros de um exército inimigo… Com o tempo, as acusações foram “esfriando”, até que se soube que o próprio exército dos EUA via com muito interesse o impacto que tais games provocavam nos jovens.

Com o alistamento caindo ano após ano, o exército americano precisava de um chamariz que pudesse realmente “seduzir” os jovens. Assim foi criado o America’s Army, um jogo inteiramente gratuito onde todo o treinamento militar americano é simulado, até que os jogadores são aprovados no “exército virtual”, e podem então realizar missões militares pelo mundo afora, numa simulação de guerra que privilegia a estratégia, o trabalho em equipe, e que é elogiada por seu realismo. Interessante como, após o lançamento do America’s Army, os produtores de games de guerra passaram de personas não gratas para grandes colaboradores da tecnologia de treinamento e alistamento militar.

Ao contrário de Doom, no entanto, games como o America’s Army, Full Spectrum Warrior e outros, apesar de agora serem reconhecidos como “algo sério” pela sociedade americana, tem um grande problema, ironicamente ignorado pelos conservadores: neles os inimigos são soldados, pessoas como nós, seres humanos, e não demônios ou zumbis. Para um jovem americano, pode ser entusiasmante jogar uma simulação da guerra no Iraque. Para um jovem israelense, pode ser incrível simular um conflito com palestinos terroristas… Mas, para os jovens palestinos, iraquianos, ou árabes, nem tanto.

Dizem os generais que a guerra não tem nada de bonito há não ser a vitória. Eles talvez estejam errados: na guerra, nem a vitória é bonita. Ainda assim, segundo o psicólogo Steven Pinker, “provavelmente vivemos na época mais pacífica da existência de nossa espécie” — mesmo que, “confrontados com intermináveis notícias sobre guerra, crimes e terrorismo, pudéssemos facilmente pensar que vivemos na era mais violenta jamais vista”. Em seu livro Os melhores anjos de nossa natureza, Pinker defende a tese de que, grosso modo, a violência tem diminuído muito no mundo civilizado, ao menos se formos considerar números relativos, e não absolutos. E ele provavelmente tem toda razão, se hoje vivemos alarmados com a violência, é muito mais pela atenção que a mídia dá a ela, do que por ela estar realmente crescendo. Entretanto, mesmo Pinker concorda: é exatamente na guerra que a moral humana é subitamente reprimida, e os ecos da nossa animalidade, nossa propensão à barbárie, retornam com toda a força. Mas, como acabar com a guerra? Seria com a educação?

Pode até ser, mas vai depender de que tipo de educação que estamos falando, e da real atenção que queremos dar a ela. Os gastos militares do exército dos EUA, por exemplo, são exorbitantes (de longe o maior do mundo), e superam em muito não só o investimento em educação, como em saúde, em ciência, e em quase tudo o mais somado. Ainda assim, lado a lado com alguns países do Oriente Médio, como Omã, Iraque e Israel, os gastos militares americanos, numa comparação percentual com o PIB (Produto Interno Bruto), não mais figuram entre os primeiros da lista. Em todo caso, o gasto com a indústria bélica é muito elevado no mundo todo, principalmente se considerarmos que ainda temos milhões de miseráveis, e um clima global cada vez mais instável para tomarmos conta…

Se parte do gasto do exército dos EUA vai para produzir games de simulação como o America’s Army, porque não investir também em games ainda mais educativos, que simulem estratégias de paz, e não de guerra? No game Peacemaker (Pacificador), cabe ao jogador escolher jogar como o Primeiro Ministro de Israel, ou a Autoridade Palestina. Neste jogo muito elogiado pela crítica especializada, o objetivo da simulação é chegar a um tratado de paz duradouro entre Isreal e a Palestina, e, ao contrário de tantos outros jogos, chegar a uma situação de guerra significa perder o jogo, e não ganhar – independente do resultado final da guerra. Para os jovens que desenvolveram esse game como um projeto numa universidade americana, tendo sido lançado comercialmente em 2007, apenas a paz é bela, apenas a paz indica que o jogo foi vencido.

Em tantos e tantos games de simulação de guerra, os “demônios” a serem mortos estão sempre do outro lado, na nação inimiga. Mas, e quem chora pelos demônios? Os palestinos choram pelos seus mortos da mesma maneira que os israelenses. Quando são atingidos por balas, sangram da mesma maneira, e até mesmo o sangue é da mesma cor… Talvez os assassinos de Columbine tenham se espelhado mais nos senhores da guerra, nos ditadores de ideologias falsas que pretendem nos fazer crer que existem seres “do outro lado”, inimigos, que não são como nós, que não pensam como nós, que não sangram ou sofrem como nós, e que merecem morrer como demônios, pois é mais fácil pegar um fuzil e matar do que negociar acordos e tratados de paz.

Infelizmente (ou felizmente) os demônios de Doom nunca existiram. Em todas as guerras do mundo, nunca existiu um único inimigo que não fosse humano, que não tivesse alma, como nós temos. Talvez o exército dos EUA esteja investindo nas ideias erradas: precisamos de gente criativa e pacífica, como os criadores de Peacemaker, e não de jovens sedentos por atirar em demônios… Afinal, é capaz de eles um dia acreditarem, como os generais acreditam, que a vitória é bela, e que os demônios da nação vizinha são realmente demônios.

» Na próxima parte, o mito das nações…

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Crédito das imagens: [topo] Divulgação (Doom); [ao longo] Divulgação (America’s Army); Divulgação (criadores do game Peacemaker)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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#guerra #política

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O Sagrado mora no seu Coração

Por Yoskhaz

Certa vez assisti a um filme, desses hollywoodianos, com muita ação, onde o protagonista era um frio assassino profissional que passa a ser perseguido tanto pela polícia quanto pela máfia. Sua aparente indiferença em relação a qualquer tipo de sentimento era a tônica da sua personalidade e a principal razão de sua nefasta eficiência. No entanto, durante a sua fuga carregou por todo o tempo um vaso de plantas, salvo engano, pois faz muito tempo, com uma orquídea. Aquela singela flor era o depositário de todo e único amor que esse homem conhecia. Ele se preocupava com ela, pois era preciso que a colocasse no sol, regasse, vigiasse de eventuais pragas para que não morresse. A planta era motivo de preocupação, pois dependia completamente dele para continuar viva; a orquídea tinha a capacidade de fazer florescer o melhor de um homem embrutecido em sua consciência. Aquela flor era sagrada.

Sagrado é tudo aquilo que nos religa à divindade, que permite que possamos exercitar nossos sentimentos mais nobres, nos ensina a ser pessoas melhores e alavanca a nossa evolução. Em um pequeno altar que tenho em casa há vários objetos aparentemente mundanos, mas que trazem tamanha significação pessoal que os tornam sagrados para mim. Algumas pessoas mais distraídas nem percebem que ali reside importante parte do meu templo. Por exemplo, tenho três malabares de circo. Quando me recolho para as minhas reflexões, meditações e orações eles me lembram que distribuir alegria por onde passar é a melhor forma de agradecer a Vida pelas bênçãos e lições disponibilizadas a mim durante a jornada. Eles são sagrados para mim.

O sagrado está oculto no profano.

Em todas as tradições religiosas os avatares que lhes inspiraram foram contrários ao culto de imagens. No entanto, igrejas e templos mundo afora estão repletos deles. Estariam errados? Não. E é necessário entender a diferença. O objeto em si não traz nenhum poder, no entanto o sagrado em uma estátua de Buda ou de Francisco de Assis existe e é importante para nos lembrar de suas lições de sabedoria e amor, mapa e bússola a nortear a caminhada rumo ao Sol. A partir do momento que algo descortina o véu de sombras para que sentimentos mais sutis nos sirvam de régua e compasso torna-se sagrado.

O sagrado estará onde estiver seu coração.

Assim como nos objetos comuns, são nas nossas relações cotidianas, sejam familiares, profissionais ou sociais, simples ou complexas, que podemos descobrir e revelar o melhor de nós. As pessoas que amamos, por razões óbvias, serão sempre sagradas, pois nelas depositamos nossos melhores e incondicionais sentimentos. Uma pessoa estranha que nos traga complicações também pode se tornar sagrada se deste convívio passarmos a entender e a viver formas mais sublimes de sabedoria e amor. A razão de ser das dificuldades é tão somente para alavancar nossa evolução.

O mesmo vale para os lugares sagrados. Jerusalém, Meca, Budigaia, Fátima ou Sedona são locais onde há séculos peregrinos ancoram suas melhores energias e, sem dúvida, têm muita força e fazem você se sentir diferente caso esteja aberto para isso. No entanto não podemos esquecer que o mar é um santuário; as florestas e montanhas são catedrais; sua casa, um templo. Qualquer espaço que te permita a conexão com a outra esfera é divino. Todo local que nos permita colocar o ego para dialogar com a alma fará brilhar a mais pura luz.

Tudo que toca o seu coração é sagrado.

Um olhar, um abraço ou um beijo podem ser mundanos ou sagrados, dependem dos sentimentos depositados. Um sincero e humilde ato de compaixão sempre, sempre, será sagrado. Idem para qualquer ato de boa vontade ou quando a sua escolha privilegiar o amor em detrimento a qualquer outro interesse.

O sagrado reside mansamente no seu coração. Convide-o para dançar contigo em todas as canções do Grande Baile da Vida!

Publicado originalmente em http://yoskhaz.com/pt/2015/08/11/o-sagrado-mora-no-seu-coracao/

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-sagrado-mora-no-seu-cora%C3%A7%C3%A3o

A Instrução de Ptah-hotep

Por Ptah-hotep

A Instrução do Governador de sua Cidade, o Vizir, Ptah-hotep, no Reino do Rei do Alto e Baixo Egito, Isôsi, vivendo para sempre, até o fim dos tempos.

A. O Governador de sua Cidade, o Vizir, Ptah-hotep, disse: ‘Ó Príncipe, meu Senhor, o fim da vida está próximo; a velhice desce [sobre mim]; a fraqueza vem, e a infantilidade se renova’. Ele [que é velho] se deita na miséria todos os dias. Os olhos são pequenos; os ouvidos são surdos. A energia é diminuída, o coração não tem descanso. A boca é silenciosa, e ele não diz nada; o coração para, e ele não se lembra de ontem. Os ossos são dolorosos em todo o corpo; o bem se transforma em mal. Todos os gostos partem. Estas coisas fazem a velhice para a humanidade, sendo o mal em todas as coisas. O nariz é parado, e ele não respira por fraqueza (?), seja em pé ou sentado.

Comanda-me, portanto, teu servo, a fazer sobre minha princesa autoridade [para meu filho]. Deixe-me falar-lhe as palavras dos que ouvem os conselhos dos homens de outrora; os que escutavam os deuses”. Que isto seja feito, para que o pecado seja banido do meio das pessoas de entendimento, para que ilumine as terras”.

Disse a Majestade deste Deus:[1] ‘Instruí-o, pois, nas palavras dos velhos tempos; que ele seja um prodígio para os filhos dos príncipes, para que entrem e o ouçam com ele’. Endireitem todos os seus corações; e discutam com ele, sem causar cansaço”.

B. Aqui começam os provérbios do discurso justo, proferido pelo Chefe Hereditário, o Santo Sacerdote[2], Amado de Deus, o Filho mais velho do Rei, de seu corpo, o Governador de sua Cidade, o Vizir, Ptah-hotep, ao instruir os ignorantes no conhecimento da exatidão da linguagem justa; a glória daquele que obedece, a vergonha daquele que o transgride.

Ele disse a seu filho:

1. Não te orgulhes porque és instruído; mas discursa com o ignorante, como com o sábio. Pois nenhum limite pode ser fixado à habilidade, nem há nenhum artífice que possua todas as vantagens. O discurso justo é mais raro do que a esmeralda que é encontrada pelas escravas nos seixos.

2. Se você encontrar um argumentador falando, um que seja bem disposto e mais sábio que você, deixe cair seus braços, curve suas costas[3], não se zangue com ele se ele concordar (?) não com você. Abstenha-se de falar mal; não se oponha a ele em momento algum quando ele falar. Se ele se dirigir a ti como um ignorante, tua humildade levará consigo suas contendas.

3. Se você encontrar um argumentador falando, seu companheiro, alguém que esteja ao seu alcance, não se cale quando ele disser algo que seja maligno; assim você será mais sábio do que ele. Grande será o aplauso dos ouvintes, e teu nome será bom no conhecimento dos príncipes.

4. Se você encontrar um argumentador falando, um pobre homem, ou seja, não seu igual, não seja desprezível para com ele porque ele é humilde. Deixe-o em paz; então ele deve confundir-se. Interroga-o para não agradar ao teu coração, nem derramar tua ira sobre aquele que está diante de ti; é vergonhoso confundir uma mente má. Se estás prestes a fazer o que está no teu coração, supera-o como uma coisa rejeitada pelos príncipes.

5. Se você for um líder, como alguém que dirige a conduta da multidão, procure sempre ser gracioso, que a sua própria conduta seja sem defeitos. Grande é a Verdade, indicando um caminho reto; nunca foi derrubado desde o reinado de Osíris[4]. Aquele que ultrapassa as leis deve ser punido. Exceder é pelo homem ganancioso; mas as degradações (…) suportam suas riquezas, pois a época de suas más ações não cessa. Pois ele diz: ‘Eu obterei por mim mesmo’, e não diz: ‘Eu obterei porque me é permitido’. Mas os limites da justiça são firmes; é o que um homem repete de seu pai.

6. Porque não há medo entre os homens; pois [isto] o Deus castiga da mesma forma. Pois há um homem que diz: “Ali está a vida”; e é despojado do pão de sua boca. Há um homem que diz: ‘O poder está nele’; e ele diz: ‘Eu tomo para mim aquilo que percebo’. Assim, um homem fala, e ele é golpeado. É outro que alcança dando a quem não tem; não aquele que causa pavor aos homens. Pois acontece que o que o Deus ordenou, mesmo essa coisa vem a acontecer. Vivam, portanto, na casa da bondade, e os homens virão e darão presentes de si mesmos.

7. Se você estiver entre os convidados de um homem que é maior que você, aceite o que ele lhe dá, pondo-o em seus lábios. Se você olhar para ele que está diante de você (seu anfitrião), não o fure com muitos olhares. É abominável para a alma[5] olhar fixamente para ele. Não fales até que ele se dirija a ti; não se sabe o que pode ser mau em sua opinião. Fala quando te questionar; assim será teu discurso bom em sua opinião. O nobre que se senta antes da comida o divide à medida que sua alma o move; ele lhe dá o que ele gostaria de favorecer – é o costume da refeição da noite. É sua alma que guia sua mão. É o nobre que a dá, não o inferior que a atinge. Assim, o comer do pão está sob a providência de Deus; ele é um homem ignorante que o contesta.

8. Se você for um emissário enviado de um nobre a outro, seja exato conforme a maneira daquele que o enviou, dê sua mensagem como ele a disse. Cuidado para fazer inimizade com tuas palavras, colocando um nobre contra o outro, pervertendo a verdade. Não a superestime, nem repita o que qualquer homem, seja príncipe ou camponês, diz ao abrir o coração; é repugnante para a alma.

9. Se lavraste, ajunta a tua colheita no campo, e o Deus a fará grande sob a tua mão. Não enchas tua boca na mesa de teus vizinhos….[6] Se um homem astuto for o possessor da riqueza, ele rouba dos sacerdotes como um crocodilo.

Que não haja inveja de um homem que não tem filhos; que não seja abatido nem briguento por causa disso. Pois um pai, ainda que grande, pode ficar triste; quanto à mãe dos filhos, ela tem menos paz que outro. Na verdade, cada homem é criado [para seu destino] pelo Deus, que é o chefe de uma tribo, confiante em segui-lo.

10. Se fores humilde, serve a um homem sábio, para que todas as tuas ações sejam boas diante de Deus. Se conheceste um homem de nenhuma categoria, não sejas altivo para com ele por causa do que sabes a respeito dele, mas honra aquele que foi avançado, de acordo com o que ele se tornou.

Eis que as riquezas não vêm de si mesmas; é a regra deles para aquele que as deseja. Se ele mesmo o agitar e as recolher, o Deus o fará próspero; mas o castigará, se ele for preguiçoso.

11. Segue teu coração durante tua vida; não mais do que te é ordenado. Não diminua o tempo de seguir o coração; é abominável à alma, que seu tempo [de facilidade] seja tirado. Não encurte o dia mais do que o necessário para manter a sua casa. Quando a riqueza é adquirida, siga o coração; pois a riqueza não serve de nada se alguém estiver cansado.

12. Se quiseres ser um homem sábio, gera um filho para o agrado de Deus. Se ele seguir seu exemplo, se organizar seus assuntos na devida ordem, faça-lhe tudo o que é bom, pois seu filho é ele, gerado de sua própria alma. Não lhe arranjeis o vosso coração, ou o vosso próprio filho vos amaldiçoará. Se ele for descuidado e transgredir tuas regras de conduta, e for violento; se todo discurso que sai de sua boca for uma palavra vil; então bate nele, para que sua fala seja adequada. Mantém-no afastado daqueles que fazem luz do que é ordenado, pois são eles que o fazem rebelde[7]. E os que são guiados não se desviam, mas os que perdem o rumo não conseguem encontrar um rumo reto.

13. Se você estiver na câmara do conselho, aja sempre de acordo com os passos que lhe são ordenados no início do dia. Não esteja ausente, ou será expulso; mas esteja pronto para entrar e fazer relatório. Ampla[8] é a sede de quem fez discurso. A Câmara Municipal acata por regra estrita; e todos os seus planos estão de acordo com o método. É o deus que conduz alguém para se sentar nela; o mesmo não se faz para os cotovelos.

14. Se você estiver entre as pessoas, faça para si mesmo o amor, o começo e o fim do coração. Aquele que não conhece seu curso dirá em si mesmo (vendo-te): ‘Aquele que se ordena a si mesmo, devidamente se torna o dono da riqueza; eu copiarei sua conduta’. Teu nome será bom, ainda que não fales; teu corpo será alimentado; teu rosto será [visto] entre teus vizinhos; ser-te-á providenciado o que te falta. Quanto ao homem cujo coração obedece ao seu ventre, ele causa repugnância no lugar do amor. Seu coração é miserável (?), seu corpo é bruto (?), ele é insolente para com aqueles dotados de Deus. Aquele que obedece ao seu ventre tem um inimigo [9].

15. Relate suas ações sem esconder; descubra sua conduta quando estiver em conselho com o seu soberano. Não é mal para o enviado que seu relatório não seja respondido, “Sim, eu sei” pelo príncipe; pois o que ele sabe não inclui [isto]. Se ele (o príncipe) pensa que vai se opor a ele por causa disso, [ele pensa] ‘Ele ficará em silêncio porque eu falei'[10].

16. Se você for um líder, faça com que as regras que você ordenou sejam cumpridas; e faça tudo como alguém que se lembra dos dias que se seguem, quando o discurso não tem valor. Não sejas pródigo em favores; isso leva à servidão (…), produzindo preguiça.

17. Se você for um líder, seja gracioso ao ouvir o discurso de um suplicante. Que ele não hesite em se livrar do que ele pensou em te dizer; mas deseje remover sua lesão. Que ele fale livremente, para que se possa fazer o que ele veio a ti. Se ele hesita em abrir seu coração, é dito: “É porque ele (o juiz) faz o mal que não lhe sejam feitas súplicas a esse respeito por aqueles a quem isso acontece? Mas um coração bem instruído ouve prontamente.

18. Se você deseja continuar a amizade em qualquer morada em que entre, seja como mestre, como irmão ou como amigo; onde quer que você vá, tenha cuidado para não se misturar com mulheres. Nenhum lugar prospera em que isso seja feito. Nem é prudente tomar parte nele; mil homens foram arruinados pelo prazer de um pouco de tempo curto como um sonho. Até mesmo a morte é alcançada por ela; é uma coisa miserável. Quanto ao fígado maligno, deixa-se por aquilo que ele faz, ele é evitado. Se seus desejos não forem gratificados, ele não considera (?) nenhuma lei.

19. Se você deseja que suas ações sejam boas, salve-se de toda malícia e tenha cuidado com a qualidade da cobiça, que é uma dolorosa (?) maldade interior. Não deixeis cair aí por acaso. Ela se coloca em desacordo com os sogros e os parentes da nora; ela se coloca em desacordo com a esposa e o marido. Ela recolhe para si todos os males; é o cinturão de toda maldade [11]. Mas o homem que é justo floresce; a verdade segue seus passos, e ele faz habitações nela, não na morada da cobiça.

20. Não seja cobiçoso ao tocar as ações, na apreensão do que não é sua própria propriedade. Não seja cobiçoso para com o próximo, pois com um homem gentil o elogio vale mais do que o poder. Aquele [que é cobiçoso] vem vazio entre seus vizinhos, ficando sem a persuasão da fala. A pessoa tem remorso até mesmo por um pouco de cobiça, quando sua barriga arrefece.

21. Se você for sábio, providencie sua casa e ame sua esposa que está em seus braços. Enche-lhe o estômago, veste-lhe as costas; o óleo é o remédio de seus membros. Alegra o coração dela durante sua vida, pois ela é uma propriedade lucrativa para seu senhor. Não seja duro, pois a doçura a domina mais do que a força. Dá-lhe (…) aquilo por que ela suspira e aquilo para o qual ela olha; assim a manterás em tua casa….

22. Satisfaz os teus servos contratados com as coisas que tens; é o dever de quem tem sido favorecido por Deus. Em tão pouco tempo, é difícil satisfazer os servos contratados. Pois alguém[12] diz: ‘Ele é uma pessoa pródiga; não se sabe o que pode vir [dele]’. Mas no dia seguinte ele pensa: ‘Ele é uma pessoa de exatidão (parcimônia), contente com isso’. E quando são mostrados favores aos criados, eles dizem: ‘Nós vamos’. A paz não habita naquela cidade onde habitam os servos miseráveis.

23. Não repita o discurso extravagante, nem o escute, pois é a expressão de um corpo aquecido pela ira. Quando tal discurso te for repetido, não o ouças, olha para o chão. Não fales a respeito, para que aquele que está diante de ti possa conhecer a sabedoria. Se te for ordenado que faças um roubo, faze com que a ordem seja tirada de ti, pois é uma coisa odiosa de acordo com a lei. O que destrói uma visão é o véu sobre ela.

24. Se quiseres ser um homem sábio, e um que se senta em conselho com seu soberano, aplica o teu coração à perfeição. O silêncio é mais proveitoso para ti do que a abundância da fala. Considere como você pode ser oposto por um especialista que fala em conselho. É uma tolice falar sobre todo tipo de trabalho, pois aquele que contestar suas palavras as colocará à prova.

25. Se você for poderoso, faça-se honrado pelo conhecimento e pela gentileza. Fale com autoridade, isto é, não como se estivesse seguindo injunções, pois aquele que é humilde (quando altamente colocado) cai em erros. Não exalte o seu coração, que não se abaixe [13]. Não se cale, mas tenha cuidado com a interrupção e com a resposta às palavras com calor. Coloque-o longe de si; controle-se a si mesmo. O coração irado fala palavras inflamadas; ele ousa o homem de paz que se aproxime, interrompendo seu caminho.

Aquele que conta relatos o dia todo não passa um momento feliz. Aquele que alegra seu coração durante todo o dia não providencia para sua casa. O arqueiro acerta a marca, enquanto o boi reage à terra, pela diversidade de objetivos. Aquele que obedece ao seu coração comandará [14].

26. Que um príncipe não seja impedido quando estiver ocupado; nem oprima o coração dele que já está carregado. Pois ele será hostil para com aquele que o retarda, mas que lhe dará à luz sua alma para com aquele que o ama. A disposição das almas está com Deus, e o que Ele ama é sua criação. Ponha-se, pois, em paz com aquele que é hostil a [você] seu oponente, depois de uma violenta briga. São essas almas que fazem o amor crescer.

27. Instrua um nobre em coisas que lhe sejam proveitosas; porque ele seja recebido entre os homens. Que sua satisfação caia sobre seu amo, pois tua provisão depende de sua vontade. Por causa disso, tua barriga será satisfeita; tuas costas serão assim revestidas. Que ele receba o teu coração, para que a tua casa floresça e a tua honra – se assim o desejares – floresça. Ele te estenderá uma mão amável. Além disso, ele implantará o amor de ti nos corpos de teus amigos. É uma alma que ama ouvir” [15].

28. Se você for filho de um homem do sacerdócio, e um enviado para conciliar a multidão,….[16] fale sem favorecer um dos lados. Que não se diga: “Sua conduta é a dos nobres, favorecendo um dos lados em seu discurso”. Vire o seu objetivo para julgamentos exatos.

29. Se você foi gracioso em um tempo anterior, tendo perdoado um homem para guiá-lo, evitá-lo, não o lembre depois do primeiro dia que ele tenha ficado calado para você [a respeito disso].

30. Se tu és grande, depois de não teres sido de nenhuma conta, e se enriqueceste depois da miséria, sendo o mais importante na cidade, e tens conhecimento sobre assuntos úteis, de modo que a promoção te venha a ti; então, não enfaixes o teu coração no teu tesouro, pois te tornaste o mordomo dos dons de Deus. Tu não és o último; outro será teu igual, e a ele virá o semelhante [fortuna e estação].

31. Dobra as tuas costas ao teu chefe, teu superintendente no palácio do Rei, pois tua casa depende de sua riqueza, e de teu salário na época deles. Quão tolo é aquele que discute com seu chefe, pois só se vive enquanto ele é gracioso….

Não roubes as casas dos inquilinos; nem roubes as coisas de um amigo, para que ele não te acuse em tua audiência, que te devolve o coração [17]. Se ele souber disso, ele te fará um dano. A briga no lugar da amizade é uma coisa tola.

32. [Sobre a continência].

33. Se você quiser procurar a natureza de um amigo, não peça a nenhum companheiro seu; mas passe um tempo com ele sozinho, para não ferir seus negócios. Debata com ele depois de uma temporada; teste seu coração em uma ocasião de discurso. Quando ele te contar sua vida passada, ele te dará a oportunidade de que ou você se envergonhe dele ou se familiarize com ele. Não te reserves com ele quando ele abre o discurso, nem lhe respondas depois de uma maneira escarnecedora. Não te afastes dele, nem interrompas (?) aquele cujo assunto ainda não está encerrado, a quem é possível beneficiar.

34. Que teu rosto seja luminoso o tempo que vives. O que entra no armazém deve sair dali; e o pão deve ser repartido. Aquele que se agarra no entretenimento deve ter a barriga vazia; aquele que causa contendas se entristece a si mesmo. Não tome tal coisa por seu companheiro. São os atos de bondade de um homem que são lembrados dele nos anos após sua vida [18].

35. Conhece bem os teus comerciantes; pois quando os teus negócios estão em maus casos, a tua boa reputação entre os teus amigos é um canal (?) que é preenchido. É mais importante do que as dignidades de um homem; e a riqueza de um passa para outro. A boa fama do filho de um homem é uma glória para ele; e um bom caráter é para a lembrança.

36. Corrigir principalmente; instruir confortavelmente [com isto]. O vício deve ser tirado, para que a virtude possa permanecer. Também não é uma questão de infortúnio, pois aquele que é um opositor se torna um causador de lutas.

37. Se fizeres uma mulher envergonhada, desavergonhada de coração, conhecida por seus habitantes para ser colocada falsamente, seja gentil com ela por um espaço, não a mande embora, dê-lhe de comer. A falta de coração dela deve estimar a sua orientação.

C. Se obedeceres a estas coisas que te disse, todo teu comportamento será do melhor; pois, em verdade, a qualidade da verdade está entre suas excelências. Ponha a memória deles na boca do povo; pois seus provérbios são bons. Nem tampouco cessará para sempre desta terra qualquer palavra que aqui tenha sido proferida, mas será feita um padrão pelo qual os príncipes falarão bem. Eles (minhas palavras) instruirão um homem; como ele falará, depois de tê-las ouvido; sim, ele se tornará como um hábil em obedecer, excelente em falar, depois de tê-las ouvido. A boa fortuna lhe sucederá, pois ele será do mais alto nível. Ele será gracioso até o fim de sua vida; ele será sempre contente. Seu conhecimento será seu guia (?) para um lugar de segurança, onde ele prosperará enquanto estiver na Terra. O erudito[19] estará satisfeito em seu conhecimento. Quanto ao príncipe, por sua vez, por sua vez, seu coração será feliz, sua língua endireitada. E [nestes provérbios] seus lábios falarão, seus olhos verão, e seus ouvidos ouvirão, o que é proveitoso para seu filho, para que ele lide com justiça, sem enganos.

38. Uma coisa esplêndida é a obediência de um filho obediente; ele entra e escuta obedientemente.

Excelente na audição, excelente na fala, é todo homem que obedece ao que é nobre; e a obediência de um obediente é uma coisa nobre.

A obediência é melhor do que todas as coisas que são; ela faz a boa vontade.

Como é bom que um filho tire aquilo de seu pai pelo qual alcançou a velhice (Obediência).

O que é desejado por Deus é obediência; a desobediência é abominada por Deus.

Em verdade, é o coração que faz seu mestre obedecer ou desobedecer; pois a vida sã e segura de um homem é seu coração.

É o homem obediente que obedece ao que é dito; aquele que ama obedecer, o mesmo deve cumprir as ordens.

Aquele que obedece, torna-se obedecido.

É realmente bom quando um filho obedece a seu pai; e ele (seu pai) que falou tem grande alegria com isso. Tal filho será brando como um mestre, e aquele que o ouve obedecerá àquele que falou. Ele será bem humorado no corpo e honrado por seu pai. Sua memória estará na boca dos vivos, os que estão sobre a terra, enquanto eles existirem [20].

39. Que um filho receba a palavra de seu pai, não sendo desatento a nenhuma regra sua. Instrua teu filho [assim], pois o homem obediente é perfeito na opinião dos príncipes. Se ele dirigir sua boca pelo que lhe foi ordenado, vigilante e obediente, teu filho será sábio, e seus passos parecerão ser bons. A desatenção leva à desobediência no dia seguinte; mas a compreensão o estabelecerá. Quanto ao tolo, ele será esmagado.

40. Quanto ao tolo, desprovido de obediência, nada fará. O conhecimento ele considera como ignorância, coisas lucrativas como coisas dolorosas. Ele comete todo tipo de erros, de modo que é repreendido por isso todos os dias. Ele vive na morte com ela; é a sua comida. Ao falar, ele se maravilha, como à sabedoria dos príncipes, vivendo na morte todos os dias. Ele é evitado por causa de seus infortúnios, por causa da multidão de aflições que se abate sobre ele todos os dias.

41. Um filho que ouve é como um seguidor de Hórus[21]. Ele é bom depois de ouvir; ele envelhece, ele recebe honra e reverência. Ele repete da mesma forma a seus filhos e filhas, renovando assim a instrução de seu pai. Cada homem instrui como seu procriador, repetindo-o a seus filhos. Deixe-os [por sua vez] falar com seus filhos e filhas, para que sejam famosos em seus atos. Que aquilo que você fala implante coisas verdadeiras e justas na vida de seus filhos. Então chegará a mais alta autoridade, e os pecados [deles] se afastarão. E os homens que virem estas coisas dirão: ‘Certamente que o homem falou com bom propósito’, e farão o mesmo; ou: ‘Mas certamente esse homem foi experimentado’. E todos os homens declararão: ‘São eles que dirigirão a multidão; as dignidades não estão completas sem eles’.

Não retirar nenhuma palavra, nem acrescentar uma; não colocar uma no lugar de outra. Cuidado com a abertura…[22] em si mesmo.

Tem cuidado com a fala quando um homem instruído te ouve; desejo de ser estabelecido para o bem na boca daqueles que te ouvem falar. Se você entrou como especialista, fale com lábios exatos (…), para que sua conduta possa ser bem parecida.

42. Seja teu coração transbordante; mas refreia tua boca. Que tua conduta seja exata enquanto estiveres entre os nobres, e aparente diante de teu senhor, fazendo o que ele ordenou. Tal filho falará aos que o ouvirem; além disso, o seu procriador será favorecido. Aplica o teu coração, a que horas falas, a dizer coisas tais que os nobres que ouvem declarem: “Quão excelente é o que sai de sua boca”!

43. Cumpre a ordem de teu senhor a ti. Quão bom é o ensinamento do pai de um homem, pois ele veio dele, que falou de seu filho enquanto ele ainda estava por nascer; e o que é feito por ele (o filho) é mais do que o que lhe é ordenado. Assim, um bom filho é do dom de Deus; ele faz mais do que está unido a ele, ele faz o bem, e põe seu coração em todos os seus passos.

D. Se agora atingires minha posição, teu corpo florescerá, o Rei se contentará com tudo o que fizeres, e tu recolherás anos de vida não menos do que eu passei sobre a terra. Reuni até mesmo cinco e dez anos de vida, pois o Rei me concedeu mais favores do que aos meus antepassados; isto porque eu fiz verdade e justiça para o Rei até a minha velhice.

É O FINAL

DESDE SEU INÍCIO ATÉ SEU FIM

MESMO COMO ENCONTRADO POR ESCRITO.

[1] O Rei.

[2] Título de uma ordem do sacerdócio.

[3] A atitude habitual de um inferior submisso naquela época.

[4] Acreditava-se que o Deus Osíris tinha reinado na terra muitos milhares de anos antes de Menés, o primeiro rei histórico.

[5] Alma = ka’, e ao longo deste trabalho. Ka’ é traduzido pessoa em § 22, testamento em § 27.

[6] Segue-se uma frase obscura ou corrupta, que não admite uma tradução satisfatória.

[7] Tradução duvidosa.

[8] ou seja, confortável.

[9] Sua barriga, presumivelmente.

[10] A tradução acima não é satisfatória; o texto pode ser corrupto. Ainda não foi feita nenhuma tradução inteligível do mesmo.

[11] ou seja, toda a maldade está contida nele.

[12] Um servo.

[13] Comparar com o livro bíblico de Provérbios. 17:18.

[14] Assim também na vida, pela diversidade de objetivos, alternando trabalho e diversão, a felicidade é assegurada. A pirataria é evidentemente destinada no caso do remador.

[15] Esta seção se refere às relações entre o filho de um nobre e seu tutor, que se detém nos benefícios de ex-alunos em lugares altos, se seus tempos de escola tiverem sido agradáveis. A última frase desta seção, a partir das seções 23 e 25, é um pouco à propos des bottes (sem razão aparente).

[16] Uma frase obscura está aqui.

[17] Literalmente, “É aquilo que previne o coração de avançar (…)” Uma frase curiosa.

[18] Literalmente, depois de seu bastão ou cetro.

[19] Quem os conhece.

[20] A maior parte desta seção é um jogo sobre a raiz ‘sôdem, que em seu significado inclui nosso ouvir (ouvir) e obedecer. Esta cansativa tortura de palavras é frequente no Egito, especialmente em textos religiosos antigos.

[21] Os “Seguidores de Hórus” são uma lendária dinastia de semideuses, que os egípcios acreditam ter governado por cerca de 13.400 anos após o reinado de Hórus, e antes do de Menés. Há também uma ordem de espíritos com este nome.

[22] Uma palavra de significado desconhecido; aparentemente algum tipo de planta. Tal palavra parece fora de lugar aqui, e pode ser idiomática, como nossa “linguagem florida”. Mas a linha anterior obviamente se refere a este livro.

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Fonte:

The Instruction Of Ptah-Hotep.

https://www.gutenberg.org/files/30508/30508-h/30508-h.htm

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-instrucao-de-ptah-hotep/

Etimologias

» Parte 2 da série “Reflexões sobre a linguagem” ver parte 1

“Etimologia é a origem dos vocábulos, já que por essa interpretação captamos o vigor das palavras. Aristóteles denominou-a symbolon; Cícero, adnotatio, porque a partir de uma instância de interpretação tornam conhecidas as palavras e os nomes das coisas: como flumen (rio), que deriva de fluere, porque fluindo, cresce. O conhecimento da etimologia é freqüentemente necessário para a interpretação do sentido, pois, sabendo de onde se originou o nome, mais rapidamente se entende seu potencial significativo. Contudo, não foi a todas as coisas que os antigos impuseram nomes segundo a natureza, pois alguns foram impostos arbitrariamente, tal como nós mesmos também fazemos quando damos a bel-prazer nomes a nossos servos e propriedades. Há etimologias de causa, como reges (reis) que vem de regere (reger) e de recte agere (conduzir retamente); outras de origem, como homo (homem) que provém de humus (terra); ou de contrários, como lucus (bosque), que, opaco pelas sombras, tem pouca luz (luceat).”

O homem brilhante que redigiu o texto original de onde foi retirado o parágrafo acima (que é apenas um resumo) foi também bispo católico, e depois da morte, nomeado santo – Santo Isidoro de Sevilha. Basta um estudo rápido sobre as páginas de sua grande obra, “Etimologias”, para perceber o quão meticuloso era Isidoro ao tratar e organizar todo o conhecimento de sua época, entre os anos 560 e 636 d.C.

Esta que foi a primeira enciclopédia que o mundo conheceu, freqüentemente utilizada por todos os grandes escritores medievais, denota o quão importante é não só a organização do conhecimento, o “banco de dados” de tudo o que o homem já estudou, como também a interpretação do conhecimento, que afinal é o que separa os pensadores dos meros compiladores, ou imitadores.

O gosto que os autores medievais tinham pela etimologia deriva de uma atitude pró-ativa em relação à compreensão de cada palavra, quase como se “saboreassem” o sentido de cada palavra, sem as tratar como meros vocábulos que “marcam” algum conhecimento. Ou seja, para eles, palavras não eram códigos. Para a tradição medieval do Ocidente, e boa parte do Oriente ainda nos dias atuais, as palavras abrem portas para novos pensamentos, e não apenas trancam conceitos em pequenas caixas de saber.

O grande problema em se acreditar que as palavras encerram idéias, e não apenas caminhos para o pensamento, é quando pessoas com “conceitos solidificados” entram em discussões, debates ou diálogos – que quase sempre não terminarão tão amigavelmente quanto começaram. Muitas vezes, tais pessoas falham em reconhecer metáforas ou situações em que as palavras são usadas no sentido poético. Por exemplo, na frase “disciplina é liberdade”, para uma pessoa que tem o conceito de “disciplina” solidificado como algo em torno de “seguir regulamentos, ser obediente as leis ou agir sempre da mesma maneira ordenada”, a frase parecerá absurda. Já para quem consegue levantar o véu e compreender a frase em seu sentido mais profundo, poético, a “disciplina que leva a liberdade” é antes a indicação de um caminho, talvez árduo de início, mas que propicia uma “liberdade mais completa” ao final – mas qual seria tal liberdade? Ora, talvez a liberdade de pensar por si próprio, sem ser influenciado pelos outros? Talvez a liberdade de se viver livre de desejos inúteis para nosso progresso? Talvez apenas “ser livre de verdade”. Em todos esses casos, a idéia de “liberdade” não é encerrada, não chega a um final, mas abre caminhos para diversas interpretações – e todas elas são muito mais profundas do que a idéia de “seguir regulamentos”.

Dessa forma, duas pessoas podem concordar no sentido que dão a liberdade, mas ainda assim discutir arduamente sobre o sentido da frase acima. Basta que uma delas tenha o conceito de “disciplina” solidificado em meros verbetes de dicionário, e a discussão, absolutamente inútil, seguirá noites afora.

Mas toda discussão não é totalmente inútil. Porém, notem que o contexto em que usarei a palavra “inútil” não é mais o mesmo do parágrafo acima. Afinal, o ato de dialogar envolve não só pensamento próprio, como pensamento alheio – é esse intercâmbio que moldou nossa cultura, e que produziu os grandes pensadores. Homens e mulheres que simplesmente conheceram o mundo, sem se preocupar em solidificar conceitos em dogmas. Nesse sentido, o problema dos debates é quando terminam em violência, que nem precisa ser física, mas a violência de se ignorar o modo de pensar alheio, a violência de se impor o conhecimento adiante, como se este conhecimento pudesse realmente ser “empacotado”, quando não pode.

É preciso estar atento, portanto, não somente para o contexto em que as palavras são usadas, mas principalmente para a forma de pensar das pessoas que trazem tais palavras a nós. Não é a toa que Sócrates passou boa parte de sua época áurea apenas dialogando com seus discípulos. Ora, um dos grandes pensadores da humanidade poderia realmente aprender algo com aqueles que o cercavam? Certamente, todo sábio está sempre atento ao mundo e, principalmente, as pessoas. Segundo Espinosa e Epicuro, as pessoas são o maior bem que podemos buscar nesta vida, isto é: as pessoas que são nossas amigas, porque nos compreendem, e porque nós também as compreendemos. Ora, se dois filósofos que viveram em épocas tão distintas concordam quase que completamente sobre isso, é porque no mínimo o conceito tem alguma base de verdade…

Quanto sangue derramado, quantas guerras inúteis seriam evitadas se as pessoas aprendessem a enxergar efetivamente umas pelos olhos das outras, e deixassem de classificar pessoas como “coisas”. Assim, não teriam existido escravos nem castas, nem ontem, nem hoje. Entretanto, é preciso seguir em frente, é preciso compreender o belo e profundo mundo que nos cerca, e a etimologia sem dúvida nos ajuda na frugal e divertida tarefa de buscar a origem do pensamento humano.

Na sequência, irei falar sobre os inúmeros nomes de Deus, e como o debate sobre sua existência ou inexistência é quase sempre inútil…

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Leitura recomendada: “Revista Língua Especial: Religião e Linguagem”, artigo “O padroeiro dos etimologistas”, por Luiz Jean Lauand (Editora Segmento).

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Crédito da imagem: Wikipedia (página de “Etimologias”).

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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#Filosofia #Linguagem

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/etimologias

Migração de Almas

O que leva um povo a ser o que ele é? Cultura, tradições? Por que certas gerações dão um salto qualitativo em um país e depois desaparecem ser deixar vestígios? O que é a Grécia de hoje senão um pálido reflexo do seu passado glorioso? E onde estão os ousados navegadores portugueses e espanhóis de outrora? Como uma nação medíocre (adequadamente representados na figura do seu presidente atual) atinge o nível de única potência mundial?

Em um capítulo do livro A caminho da Luz Emmanuel nos fala das transmigrações de povos, que seriam a mudança da coletividade de almas de um país para outro, obedecendo aos desígnios do Alto, para que se cumpram as obrigações kármicas coletivas e a evolução da humanidade como um todo.

Assim, vimos nos últimos séculos os antigos fenícios reencarnarem na Espanha e em Portugal, entregando-se de novo às suas predileções pelo mar. Em Paris estava a alma ateniense nas suas elevadas indagações filosóficas e científicas, abrindo caminhos claros ao direito dos homens e dos povos. Na Alemanha e na Rússia reencarnou o belicoso grupo espiritual de Esparta, cuja educação defeituosa e transviada construiu o espírito detestável do pangermanismo na Alemanha e o atraso do Socialismo na União Soviética.

Abro aqui um imenso parêntese para falar mais do fenômeno de guerra alemão. Não através do meu ponto de vista, mas do de alguém que esteve no comando da resistência inglesa contra o avanço germânico, alguém que não era nenhum santo (nem poderia sê-lo) e a quem todos os povos livres devem a sua liberdade:

Certamente não caberá a esta geração pronunciar o veredicto final sobre a Grande Guerra. O povo alemão merece explicações melhores do que a versão leviana de que ele estava solapado pela propaganda inimiga… No entanto, os registros humanos não contêm nenhuma manifestação igual à erupção do vulcão alemão

(Winston Churchill)

Em seu livro sobre a primeira guerra, Churchill analisa a beligerância alemã:

Durante quatro anos, a Alemanha combateu e desafiou os cinco continentes do mundo por terra, mar e ar. Os exércitos alemães sustentaram seus vacilantes confederados, intervieram com êxito em todos os teatros de guerra, resistiram em toda parte no território conquistado e infligiram aos inimigos mais do dobro do derramamento de sangue que sofreram. Para lhes dominar a força e a técnica e para lhes refrear a fúria, foi necessário levar todas as maiores nações da humanidade ao campo de batalha contra eles. Populações imensas, recursos ilimitados, sacrifício incomensurável, o bloqueio marítimo não conseguiram triunfar durante cinqüenta meses. Estados pequenos foram calcados no conflito; um poderoso Império foi demolido em fragmentos irreconhecíveis; e quase vinte milhões de homens pereceram ou derramaram seu sangue antes que a espada fosse arrancada daquela terrível mão.

Na Inglaterra ficou a nata dos antigos fundadores romanos, com a sua educação e a sua prudência, retomando de novo as rédeas perdidas do Império Romano, para beneficiar as almas que aguardaram, por tantos séculos, a sua proteção e o seu auxílio.

Isso foi em 1938, quando foi escrito o livro A caminho da Luz. Mas Emmanuel já profetizava uma mudança de forças, com o crescimento da importância das Américas no cenário mundial:

“Embora compelida a participar das lutas próximas, pelo determinismo das circunstâncias de sua vida política, a América está destinada a receber o cetro da civilização e da cultura, na orientação dos povos porvindouros. Condenada pelas sentenças irrevogáveis de seus erros sociais e políticos, a superioridade européia desaparecerá para sempre, como o Império Romano, entregando à América o fruto das suas experiências, com vistas à civilização do porvir. Vive-se agora, na Terra, um crepúsculo, ao qual sucederá profunda noite; e ao século XX compete a missão do desfecho desses acontecimentos espantosos.”

Ao menos esse foi o “plano” da espiritualidade. Os norte-americanos agarraram a oportunidade e se tornaram um Império. O Brasil (que deveria ser o celeiro do mundo e a pátria do evangelho) não. Talvez tenha sido melhor, afinal os EUA são hoje a representação decadente do Império Romano, mantendo consigo seus símbolos (capitólio, águia, etc) e seu espírito belicoso e puramente explorador, entrando novamente em combate com os “bárbaros”.

Mas como toda ação gera uma reação em sentido contrário, no mundo árabe vemos o surgimento dos grupos suicidas (coisa impensável para quem segue o Alcorão, que é claramente contra o suicídio). De onde esses jovens fanáticos vieram? Que grupo espiritual alimentaria um ódio recente pelos EUA a ponto de encarnar num país apenas pela oportunidade de vingança? Como em tudo na vida, discernimento é fundamental, e devemos levar em consideração todos os fatores políticos e sociológicos, mas, como estamos falando exclusivamente da parte espiritual, podemos perceber claramente traços do espírito guerreiro japonês da segunda guerra no modus operandi desses terroristas. Morrer para matar o inimigo (mesmo que não se cumpra nenhum grande objetivo, a não ser vingança) é morrer com honra, e em 1944, nos combates do Pacífico, os Norte-americanos viram tal pensamento se materializar como um pesadelo (seja na luta ferrenha pra defender uma ilha já cercada, seja nos aviões kamikaze, ou nas bombas-oka, torpedos-humanos, etc). O ataque final do filme O último samurai não é uma licença poética: está plenamente de acordo com o espírito japonês que persistia até há pouco (hoje em dia os japoneses são umas moças, em comparação com seus ancestrais).

#Espiritualidade

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Arcano 10 – Roda da Fortuna – Koph

Sobre o aro de uma roda de seis raios, suspensa no ar por um apetrecho de madeira, seguram-se três animais estranhos.

O fundo é branco; o chão está cortado por listas negras. A roda se apóia sobre dois pés ou suportes paralelos; o da esquerda não chega ao eixo.

Do centro da roda saem seis raios – azuis até menos da metade e em seguida brancos – que se fixam na parte interna do aro: dois deles formam ângulo reto com o chão; os outros quatro representam um xis (ou o dez romano, número da carta, ou ainda uma cruz de Santo André).

À direita, um animal intermediário entre cachorro e lebre (com patas traseiras que não combinam com esses animais) parece subir pela roda; à esquerda, uma espécie de macaco desce de cabeça para baixo. Na parte superior, uma plataforma suporta uma figura que pode ser vista como uma esfinge coroada; três das suas patas repousam sobre a base, enquanto a pata anterior esquerda empunha uma espada desembainhada.

Significados simbólicos

Os ciclos sucessivos na natureza e na vida humana. A manifestação, o movimento de ascensão e de declínio.

Influências lunares e mercurianas.

Interpretações usuais na cartomancia

Boa sorte, louvor, honra.

Alternativas da sorte. Instabilidade.

Esperteza, presença de espírito que não deixa escapar as boas oportunidades. Iniciativa feliz, adivinhação de ordem prática, sorte. Êxito casual, como o ganho na loteria. Espontaneidade, disposição inventiva. Animação, brio, bom humor.

Mental: Lógica, regularidade. Juízo equilibrado e sadio.

Emocional: Traz animação e reforça os sentimentos.

Físico: Os acontecimentos não serão estáveis, porque necessitam de uma mudança, uma evolução. Esta mudança tende a ser para melhor, no sentido do desenvolvimento.

Segurança na dúvida. Do ponto de vista da saúde: não haverá problemas circulatórios. Bons augúrios para um futuro casamento.

Sentido negativo: A transformação se fará com dificuldade, mas poderá ocorrer quando fizer falta. É preciso modificar desde o princípio, partir de outras bases. Descuido.

Especulação, jogo, abandono ao azar.

Insegurança. Imprevisão, caráter boêmio, pouca seriedade.

Situação instável: ganhos e perdas. Aventuras, riscos. Diminuição da sorte.

História e iconografia
Uma das alegorias mais antigas e populares, a imagem que reproduz o Arcano X causa uma impressão estranha ao observador contemporâneo. Isto se deve ao fato de que nos últimos séculos a iconografia do tema tornou-se puramente verbal: qualquer um entende o conceito de “roda do destino”, mas dificilmente se faz dela uma representação visual. Desde a antigüidade clássica, contudo, até o Renascimento, foi justamente o contrário que aconteceu. Em vários textos romanos descreve-se o Destino como uma mulher cega, louca e insensível, que atravessa a multidão caminhando sobre uma pedra redonda (para simbolizar a sua instabilidade); a roda aparece com freqüência nos sarcófagos, como evidente alusão ao caráter cíclico da vida.

Até o final do primeiro milênio não se encontram outros exemplos valiosos sobre o tema, mas depois de uns séculos ele ressurge com maior esplendor que nunca. É já na sua plenitude iconográfica que o reencontramos a partir de meados do século XIII em rosetas de várias catedrais góticas (Amiens, Trento, Lausanne) e de numerosas igrejas: pequenas figuras, representando os momentos e estados da vida, que sobem e descem pelos raios de uma roda.

Um exemplo muito antigo pode ser visto no Hortus deliciarum, de Herrade de Landsberg, abadessa do claustro de Santa Odília (Estrasburgo), morta em 1195.

Nesta imagem completa, como em muitas posteriores, quatro personagens, que aparecem representados como reis, são movidos pela roda que é manejada pelo Destino ou Fortuna em pessoa.

As legendas que acompanham os personagens não deixam dúvida sobre o significado da alegoria: Spes, regnabo (esperança, reinarei), diz o rei ascendente da esquerda; Gaudium, regno! (Alegria, reino!), exclama o que se encontra sobre a plataforma superior; Timor, regnavi… (Temor, reinava…) murmura o da direita, que desce de cabeça para baixo; enquanto que o quarto, que foi atirado da roda e jaz na terra, aceita a evidência da sua condição: Dolor, sum sine regno (Dor, estou sem reino).

É evidente que, numa leitura alegórica, os quatro personagens não passam de um, submetido às variações do destino.

O simbolismo deste personagem quatro-em-um refere-se também às fases da lua e às idades do homem (infância, juventude, maturidade, velhice).

A substituição dos reis por animais ou monstros é um pouco mais tardia (século XIV, ou final do XIII), mas a idéia que este arcano simboliza é certamente mais antiga que a civilização ocidental.

No livro de Ezequiel, diz Wirth, encontra-se a explicação transparente do Arcano X. No plano simbólico, segundo esse autor, muitos dados podem ser extraídos do simbolismo geral da roda. “Refere-se em última instância à decomposição da ordem do mundo em duas estruturas essenciais e distintas: o movimento rotatório e a imobilidade; a circunferência da roda e seu centro, imagem do ‘motor imóvel’ aristotélico”.

O aspecto solar e zodiacal do simbolismo da roda a relaciona sem dúvida com o conceito dos ciclos (o dia, as estações, a vida do homem), ou seja, daquele que nasce para morrer, mas que também morre para ressuscitar.

Guénon afirma que a roda é símbolo de origem céltica e assinala seu evidente parentesco com as flores emblemáticas (rosa no Ocidente, lótus no Oriente), com as rosetas das catedrais góticas e, em geral, com as figuras mandálicas. No taoísmo aparece como metáfora do processo ascendente-descendente (evolução e involução, progresso espiritual e regressão).

Por Constantino K. Riemma
http://www.clubedotaro.com.br/

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Krishnamurti e a dissolução da Ordem da Estrela

A Ordem da Estrela no Oriente foi fundada em 1911 para proclamar o advento do Instrutor do Mundo. Krishnamurti fora nomeado o Dirigente da Ordem. Em 3 de agosto de 1929, dia da abertura do Acampamento Anual da Estrela, em Ommen, Holanda, Krishnamurti dissolveu a Ordem diante de 3.000 membros. Abaixo está o texto completo da palestra que ele deu naquela ocasião.

“Vamos discutir nesta manhã a dissolução da Ordem da Estrela. Muitas pessoas ficarão encantadas, enquanto outras ficarão um tanto tristes. Não é uma questão nem para júbilo nem para tristeza, porque é inevitável, como eu vou explicar. “É possível que vocês se lembrem da história de como o diabo e um amigo dele estavam descendo a rua quando viram à sua frente um homem se agachar e pegar algo do chão, dar uma olhada e colocar no bolso. O amigo perguntou ao diabo: “Que foi que o homem pegou?” “Ele pegou um pedaço da verdade”, respondeu o diabo. “Isso é um negócio muito ruim pra você, então”, disse o amigo dele. “Oh, de modo algum”, retrucou o diabo, “Vou deixar que ele a organize”.

Eu afirmo que a Verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem alcançá-la por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita. Este é o meu ponto de vista, e eu o confirmo absoluta e incondicionalmente. A Verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível por qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem pode qualquer organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda particular. Se vocês logo compreendem isso, verão o quanto é impossível organizar uma crença. Uma crença é algo puramente individual, e vocês não podem e não devem organizá-la. Se o fizerem, ela se torna morta, cristalizada; torna-se um credo, uma seita, uma religião a ser imposta aos outros. Isto é o que todos estão tentando fazer mundo afora. A Verdade é restringida e usada como joguete por aqueles que são fracos, por aqueles que estão apenas momentaneamente desgostosos. A Verdade não pode ser rebaixada, mas, em vez disso, deve o indivíduo fazer esforço para ascender até ela. Vocês não podem trazer o topo da montanha para o vale. Se querem atingir o cume da montanha, vocês devem atravessar o vale e escalar as escarpas sem medo dos perigosos precipícios.

Portanto, esta é a primeira razão, do meu ponto de vista, pela qual a Ordem da Estrela deva ser dissolvida. Nada obstante, vocês provavelmente formarão novas Ordens, continuarão a pertencer a outras organizações em busca da Verdade. Eu não quero pertencer a nenhuma organização do gênero espiritual, por favor, compreendam isto. Eu faria uso de qualquer organização que me levasse a Londres, por exemplo; isso é um tipo bastante diferente de organização, meramente mecânica, como o correio e o telégrafo. Eu usaria um automóvel ou um vapor para viajar, esses são apenas mecanismos físicos, os quais nada têm a ver com espiritualidade. Novamente, eu sustento que nenhuma organização pode conduzir o homem à espiritualidade.

Se uma organização for criada com esse propósito, ela se transforma numa muleta, um ponto fraco, uma dependência, incapacita o indivíduo, e impede-o de crescer, de estabelecer sua singularidade, que reside na descoberta que ele deve fazer – por si mesmo – daquela Verdade absoluta, não condicionada. Esta é, portanto, outra razão pela qual eu decidi, uma vez que aconteceu de ser eu o Dirigente da Ordem da Estrela, dissolvê-la. Ninguém persuadiu-me a tomar esta decisão. Isto não é nenhuma grande façanha, porque eu não quero seguidores, deixo isso claro. No momento em que vocês seguem alguém, deixam de seguir a Verdade. Não estou preocupado em saber se vocês prestam atenção ao que eu digo ou não. Eu quero fazer determinada coisa no mundo e eu vou fazê-la com resoluta concentração. Estou interessado somente numa coisa essencial: libertar o ser humano. Eu desejo libertá-lo de todas as prisões, de todos os temores, e não fundar religiões, novas seitas, nem estabelecer novas teorias e novas filosofias. Então vocês naturalmente me perguntam por que eu sigo mundo afora, falando continuamente. Eu lhes direi por que razão eu faço isso: não porque eu deseje seguidores, não porque eu queira um grupo especial de discípulos especiais. (Como os homens gostam de ser diferentes de seus semelhantes, por ridículas, absurdas e banais que suas distinções possam ser, inclusive o uso de vestimentas e adereços especiais! Eu não quero encorajar esse disparate). Não tenho discípulos ou apóstolos, quer na terra quer no reino da espiritualidade. “Não é a sedução do dinheiro nem o desejo de viver uma vida confortável o que me atrai. Se eu quisesse uma vida confortável eu não teria vindo a um acampamento ou a viver num país úmido. Estou falando francamente porque quero isso estabelecido de uma vez por todas. Não quero essas discussões pueris ano após ano.

Um jornalista que me entrevistou considerou uma façanha o ato de dissolver uma organização na qual havia milhares e milhares de membros. Para ele isso foi um grande feito, porque ele disse: “O que você fará doravante, como você viverá? Você não terá nenhum séquito, as pessoas não mais o ouvirão”. Se houver apenas cinco pessoas que ouçam, que tenham suas faces voltadas para a eternidade, isso será suficiente. De que serve ter milhares de pessoas que não compreendem, que estão totalmente imersas em preconceitos, que não querem o novo, mas que até mesmo traduziriam o novo para satisfazerem seus próprios eus estéreis e estagnados? Se eu falo de forma contundente, por favor, não me entendam mal, não é por falta de compaixão. Se vão um cirurgião para uma operação, não seria bondade da parte dele operar mesmo que lhes cause dor? Da mesma forma, se eu falo de maneira direta, não é por falta de afeto verdadeiro – pelo contrário.

Tal como disse, tenho um só propósito: tornar o homem livre, impulsioná-lo para liberdade, auxiliá-lo a romper com todas as limitações, por que somente isso lhe dará felicidade eterna, lhe dará a incondicionada realização do ser.

Porque eu sou livre, incondicionado, completo, não a parte – não a relativa mas a Verdade inteira que é eterna – eu desejo que aqueles que buscam compreender-me sejam livres: não que me sigam, não que façam de mim ma prisão que se transforme em religião, uma seita. Ao contrário, eles deveriam estar livres de todos os medos, do medo da religião, do medo da salvação, do medo da espiritualidade, do medo do amor, do medo da morte, do medo da própria vida. Assim como um artista pinta um quadro porque se deleita com essa pintura, porque ela é sua autoexpressão, sua glória, seu bem-estar, assim faço isso, e não porque eu queira algo de alguém. “Vocês estão acostumados com a autoridade, ou com a atmosfera de autoridade, a qual vocês acham que os conduzirá à espiritualidade. Vocês pensam e esperam que alguém possa, por meio de seus extraordinários poderes – um milagre – transportá-los a esse reino de eterna liberdade que é a Felicidade. Toda sua concepção de vida está baseada nessa autoridade.

Vocês têm-me ouvido por três anos, sem que qualquer mudança tenha ocorrido, exceto em uns poucos. Analisem agora o que eu estou dizendo, sejam críticos, de forma que vocês entendam radicalmente, fundamentalmente. Quando vocês procuram uma autoridade que os conduza à espiritualidade, vocês são automaticamente instados a construir uma organização em torno daquela autoridade. Pela simples criação de tal organização, a qual, vocês pensam, auxiliará essa autoridade a conduzi-los à espiritualidade, vocês estão encerrados numa prisão.

Se falo com franqueza, por favor, lembrem-se de que assim o faço não por aspereza, não por crueldade, não por entusiasmo do meu propósito, mas porque eu quero que vocês entendam o que eu estou dizendo. Esta é a razão porque vocês estão aqui, e seria uma perda de tempo se eu não explicasse claramente, decisivamente, meu ponto de vista. “Por dezoito anos vocês vêm-se preparando para este evento, para a Vinda do Instrutor do Mundo. Durante dezoito anos vocês se organizaram, procuraram alguém que desse um novo deleite para seus corações e mentes, que transformasse toda a sua vida, que lhes desse uma nova compreensão; por alguém que os alçasse a um novo plano de vida, que lhes desse um novo alento, que os libertasse – mas agora, vejam o que está acontecendo! Reconsiderem, ponderem consigo mesmos, e descubram de que maneira essa crença os tornou diferentes – não com a diferença superficial de usar de um crachá, que é banal, absurda. De que maneira tal crença lhes varreu da vida todas as coisas inessenciais? Essa é a única maneira de ponderar: de que modo vocês estão mais livres, mais nobres, mais perigosos para qualquer Sociedade que seja baseada no falso e no inessencial? De que maneira os membros desta organização da Estrela tornaram-se diferentes? Como eu disse, vocês vêm-se preparando para mim durante dezoito anos. Não me importa se vocês acreditam que eu sou o Instrutor do Mundo ou não. Isto tem muito pouca importância. Desde que vocês pertencem à organização da Ordem da Estrela, vocês têm dado seu apoio, sua energia, reconhecendo que Krishnamurti é o Instrutor do Mundo – parcial ou inteiramente: totalmente, por aqueles que estão realmente buscando, apenas parcialmente por aqueles que estão satisfeitos com suas próprias meias verdades.

Vocês vêm-se preparando por dezoito anos, e vejam quantas dificuldades há no processo de sua compreensão, quantas complicações, quantas coisas vulgares. Seus preconceitos, seus temores, suas autoridades, suas igrejas, novas e antigas, tudo isso, afirmo, são uma barreira para a compreensão. Não consigo fazer-me mais claro do que isso. Não quero que concordem comigo, não quero que me sigam, quero que entendam o que eu estou dizendo. “Essa compreensão é necessária porque sua crença não os transformou, mas apenas os complicou, e porque vocês não estão dispostos a enfrentar as coisas como elas são. Vocês querem ter seus próprios deuses, – novos deuses em vez dos antigos, novas religiões no lugar das antigas, novas fórmulas no lugar das antigas, todos igualmente sem valor, todos barreiras, todos limitações, todos muletas. No lugar de velhas preferências espirituais vocês têm novas preferências espirituais, em vez de antigas adorações vocês têm novas adorações. Todos vocês dependem, para sua espiritualidade, para sua felicidade, para sua iluminação, de outra pessoa; e nada obstante vocês estejam se preparando para mim por dezoito anos, quando eu digo que essas coisas são inúteis, quando eu digo que vocês devem jogá-las fora e olhar para dentro de vocês próprios para a iluminação, para a glória, para a purificação, e para a incorruptibilidade do ser, nenhum de vocês está disposto a fazê-lo. Pode haver uns poucos, mas muito, muito poucos. Então, por que se ter uma organização?

Por que ter pessoas falsas, hipócritas me seguindo, a personificação da Verdade? Por favor, lembrem-se de que não estou dizendo algo cruel ou indelicado, mas chegamos a uma situação em que vocês têm que enfrentar as coisas como elas são. Eu disse no ano passado que não transigiria. Muito poucos me ouviram, então. Este ano eu tornei isso absolutamente claro. Eu não sei como milhares de pessoas mundo afora – membros da Ordem – têm-se preparado para mim durante dezoito anos, e ainda agora não querem escutar incondicionalmente, inteiramente o que eu digo.

Tal como disse antes, meu propósito é tornar o ser humano incondicionalmente livre, daí eu reafirmo que a única espiritualidade é a incorruptibilidade do eu que é eterno, é a harmonia entre razão e amor. Esta é a absoluta, incondicionada Verdade que é a própria Vida. Quero, por isso, libertar o ser humano, exultante como o pássaro no céu claro, aliviado, independente, extático nessa liberdade. E eu, para quem vocês estão se preparando por dezoito anos, digo agora que vocês devem estar livres de todas essas coisas, livres de suas complicações, suas confusões. Para isto vocês precisam não possuir uma organização baseada em crença espiritual. Por que ter uma organização para cinco ou dez pessoas no mundo que compreendem, que estão batalhando, que puseram de lado todas as coisas banais? E para as pessoas frágeis não pode haver organização nenhuma que as ajude a encontrar a Verdade, porque a verdade está dentro de todos; ela não está longe nem perto; está eternamente aí.

Organizações não podem torná-los livres. Nenhum homem de fora pode torná-los livres; nem o pode o culto organizado, nem a imolação de vocês mesmos por uma causa os torna livres; nem enfileirando-se em uma organização, nem lançando-se em trabalhos, os torna livres. Vocês usam uma máquina de escrever para escrever cartas, mas vocês não a colocam em um altar e a adoram. Mas é isto que vocês estão fazendo quando as organizações tornam-se seu principal interesse.

“Quantos membros ela tem?” Esta é a primeira pergunta que me fazem os jornalistas. “Quantos seguidores você tem? Pelo número deles julgaremos se o que você diz é verdadeiro ou falso”. Não sei quantos eles são. Não estou preocupado com isso. Como disse, se houvesse mesmo um que se tenha tornado livre, isso seria suficiente.

De novo, vocês têm a ideia de que somente determinadas pessoas possuem a chave do Reino da Felicidade. Ninguém a possui. Ninguém tem a autoridade para possuir tal chave. Essa chave é seu próprio eu, e no desenvolvimento e na purificação e na incorruptibilidade desse eu particular está o Reino da Eternidade.

Então vocês verão como é absurda toda a estrutura que vocês construíram, procurando ajuda externa, dependendo de outros para o seu consolo, sua felicidade, para sua força. Estes somente podem ser encontrados dentro de vocês mesmos.

Vocês estão acostumados a que lhes digam o quanto vocês avançaram, qual é sua posição espiritual. Quanta infantilidade! Quem além de você mesmo pode dizer se você está bonito ou feio por dentro? Quem além de você mesmo pode dizer se você é incorruptível? Vocês não são sérios nessas coisas.

Mas aqueles que realmente desejam compreender, aqueles que estão tentando encontrar o que é eterno, sem começo e sem fim, caminharão juntos com uma intensidade maior, serão um perigo para tudo que não seja essencial, para fantasias, para obscuridades. E eles se concentrarão, eles se tornarão luz, porque compreendem. Tal união nós devemos criar, e este é o meu propósito. Por causa dessa real compreensão, haverá verdadeira solidariedade. Por causa dessa verdadeira solidariedade – que vocês não parecem conhecer – haverá verdadeira cooperação da parte de cada um. E isto não devido à autoridade, não por causa da salvação, não devido à imolação por uma causa, mas porque vocês realmente compreendem, e então são capazes de viver no eterno. Isso é uma coisa mais elevada que qualquer prazer, que qualquer sacrifício.

Essas são, portanto, algumas das razões porque, após cuidadosa consideração durante dois anos, eu tomei esta decisão. Não foi um impulso momentâneo. Não fui persuadido a isso por ninguém. Não me persuadem em tais coisas. Durante dois anos tenho pensado sobre isto, morosamente, cuidadosamente, pacientemente, e agora decidi dissolver a Ordem, uma vez que aconteceu ser eu seu Dirigente. Vocês podem formar outras organizações e esperar por outra pessoa. Não estou preocupado com isso, nem com a criação de novas prisões, novas ornamentações para esses cárceres. Meu único interesse é tornar o ser humano absolutamente, incondicionalmente livre.

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