Esperamos que durante esta pausa de dois meses todos tenham aproveitado para ler as demais colunas deste portal, apanhar um ou mais livros que estavam aguardando na fila de leitura ou simplesmente caminhar por aí e conhecer novas pessoas e novos eventos. Todos os homens devem morrer, mas antes, deve-se viver.
Em novembro do ano passado, apresentamos a primeira parte deste artigo sobre a Sexta Virtude, a Pureza, tão importante para os jovens em formação. Depois de um certo ponto, é muito complicado retificar e limpar aquilo que foi poluído por anos e, infelizmente, como não se deve colocar vinho novo em odres velhos, com o risco de perder tanto o vinho quanto os odres, a atitude pura já não pode mais se manifestar em quem não só vive neste mundo, mas tornou-se parte dele.
Foi com propósito que o autor da nossa ritualística, o Dad Frank Marshall, jamais escreveu um guia oficial explicando todas as palavras dos nossos trabalhos – desta forma, cada DeMolay poderia refletir e discutir com seus Irmãos, aplicando aquelas lições em sua vida diária e conhecendo-as pela prática reiterada nas Reuniões e fora delas.
Seria, de qualquer forma, completamente irreal um “manual de como ser um DeMolay”. A sociedade muda com o passar das décadas e cada país e estado é completamente diverso do próprio vizinho. Se um DeMolay conhecer de verdade seu juramento e suas Virtudes através do Ritual, deverá ser capaz de agir como se espera dele.
Isto não quer dizer que os DeMolays não devam escrever materiais sobre os ensinamentos da Ordem. Apenas que não devem colocar suas ideias como absolutas e incontestáveis. Este, contudo, é o assunto de um artigo posterior, sendo mencionado para que todos compreendam que definir a “atitude pura” que todo Iniciado deve ter não pode ser feito em dois ou três parágrafos, mas que as diretrizes gerais podem ser lançadas.
Ser puro, então, é agir livre de malícia e de segundas e terceiras intenções. Como explicitado na primeira parte, pureza é diferente de ingenuidade e de inocência. É uma atitude consciente, uma escolha resoluta de ser verdadeiro nas palavras, nos gestos e nos pensamentos.
Com o estímulo contínuo à busca do poder e do prazer, é difícil encontrar candidatos à Iniciação que já não se vejam lutando justamente para se manter no caminho desse ideal. Esmagado entre o clamor hipócrita pela “moral da família e dos bons costumes” e o incentivo ao orgulho de ser dissoluto, o jovem deve tomar cuidado para não justificar seus desvios com argumentos falaciosos.
É esta Virtude, aliás, que deve nortear os relacionamentos dos DeMolays. Com sua família, deve ser um bom filho, vendo em seus pais e irmãos zeladores e companheiros de jornada. Com seus amigos, deve forjar laços de intimidade reforçados não por hábitos em comum ou frequência nas mesmas mesas de bar, mas por pensamentos e desejos igualmente bem direcionados. Por fim, o amor nunca se desenvolverá sobre solo traiçoeiro e fantasioso – aliás, quem não for puro com aquele que ama jamais descobrirá que o amor evolui e se transforma continuamente.
Uma última observação é que a Pureza, por si só, não é atributo unicamente do justo. Todas as ações sob seu prisma são genuínas, mas como muito bem ensinado pelo Príncipe Vegeta, um coração pode ser puro de maldade.
O Rei Davi, ao cantar seus Salmos pelos ares, suplicou muitas coisas a YHWH. Ele pediu justiça e consolo, amor e confiança, fidelidade e realização. Rogou também por um coração puro e o espírito de firmeza para mantê-lo no Salmo L.
Este Salmo que corresponde à quarta-feira, o dia de Mercúrio, no Enchiridion do Papa Leão III, é chamado de “Prece de um Coração Contrito”. Nele, Davi diz que não pode se apresentar diante de Deus como um homem sem faltas e sem iniquidade. Mais importante do que isso, ele reconhece que toda vez que pecou ou fez algo ruim, foi contra Deus que agiu. Mais tarde, essas palavras serão ecoadas por Jesus: “cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes”.
A Pureza, portanto, se relaciona à Reverência pelas Coisas Sagradas, a Segunda Virtude, muito diretamente, embora esta ligação não seja óbvia. Ao ser maldoso ou cruel com qualquer outra pessoa, mesmo em pensamento, a falta é cometida contra a fagulha divina presente em todos os seres.
O Rei Davi ainda lembra que a Deus não interessa sacrifícios rituais – palavras da boca pra fora, ofertas de dinheiro por obrigação ou com intenções ocultas, fazer o que deve ser feito com a mente e o coração em outro lugar. O verdadeiro sacrifício é o coração contrito, a percepção do erro e o desejo de fazer melhor com o auxílio divino.
Para manter essa decisão, é necessário o espírito de firmeza. Apenas chegar no final do dia e pedir desculpas por todos os erros e acreditar que magicamente amanhã você será melhor é tolice. Ao fim dos trabalhos, ao revisar suas ações, você deve identificar claramente onde errou e se resolver a não falhar novamente naquilo.
Por conta desses atributos a forma como o DeMolay se porta durante as reuniões do Capítulo é tão importante. Como se fosse um microcosmo, cada palavra dita ali se verá refletida no macrocosmo do dia-a-dia… mas este também é assunto de uma próxima coluna.
—
Hugo Lima é Sênior DeMolay do Capítulo Imperial de Petrópolis, nº 470.
Virtude Cardeal é uma coluna com o propósito de desenvolver a reflexão sobre características fundamentais de todo DeMolay, bem como apresentar a Ordem aos olhos dos forasteiros.
#Demolay #VirtudeCardeal
Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/cria-em-mim-%C3%B3-deus-um-cora%C3%A7%C3%A3o-puro-parte-2-de-2