A Canção Perdida, Fraternitas Saturni e a Coroa do Equinox

Três livros essenciais para a biblioteca thelêmica

Começou hoje o Financiamento Coletivo para publicação destas três obras fantásticas sobre thelema e hermetismo. faremos uma campanha de apenas 30 dias para que os livros possam estar na gráfica no começo de novembro.

https://www.catarse.me/fraternitas_saturni

FRATERNITAS SATURNI

Figuras envoltas em mantos de seda preta com capuz desaparecem através de portas vigiadas, e guardas armados com espadas garantem que nenhum intruso entre. Esta noite, um ritual será realizado na Loja Fraternitas Saturni, uma das ordens mágicas ocultas mais antigas da Alemanha – e o que acontece atrás de suas portas é um segredo.

Um ar de silêncio solene permeia o espaço, enquanto os membros se preparam para o ritual na antecâmara e os iniciados encontram seus lugares indicados na sala principal da loja. Velas são acesas quando os aprendizes começam a se reunir no lado esquerdo da sala. Os companheiros mestres podem ser encontrados à direita, e o mestre da cadeira reivindica o espaço atrás do altar na frente. Depois que todos os membros se reuniram no átrio principal, eles formam uma cadeia mágica de fraternidade, realizando um exercício de respiração rítmica enquanto se preparam para convocar a energia de Saturno. Um martelo bate na porta três vezes.

“A Loja está aberta!” o Segundo Diretor declara.

Música, possivelmente uma composição clássica da Flauta Mágica de Mozart , toca enquanto o Primeiro Diretor se dirige aos irmãos e irmãs da ordem, convidando-os a meditar antes que o incenso seja queimado em toda a sala.

O Mestre de Cerimônias começa a entoar:

“A serpente primitiva

O grande dragão

Quem era e quem é

E quem vive por eras de eras

Ele está com o seu espírito! ”

Três velas pretas de Saturno são acesas, e o Mestre de Cerimônias usa uma adaga mágica para traçar o sigilo do planeta – que se parece com dois Vs que se cruzam divididos ao meio com uma linha reta – três vezes no ar para começar o trabalho mágico. A sala se enche de sons de cânticos e do bater constante de um gongo, e os irmãos e irmãs eventualmente tomam seus assentos e começam a trabalhar para transmitir mentalmente a energia de Saturno aos membros que não estão fisicamente presentes…

Apresentando o trabalho mais aprofundado em inglês sobre a Fraternitas Saturni, Stephen Flowers examina a história da Ordem de meados da década de 1920 ao final da década de 1960, quando a Ordem foi fundamentalmente reformada. Ele detalha seu caminho de iniciação, doutrinas secretas, práticas rituais e fórmulas mágicas e oferece biografias dos membros mais proeminentes da Ordem, incluindo o fundador Gregor A. Gregorius, Karl Spiesberger (Frater Eratus), Albin Grau (Mestre Pacitius) e Franz Saettler (Dr. Musallam). Explorando os princípios orientadores da Fraternidade, ele mostra que no cerne da ideologia de Saturno está a ideia de Saturno-Gnose: a interação de forças opostas no universo levando à realização do eu individual como uma entidade divina.

A CANÇÃO PERDIDA

Comemorando os noventa anos de nascimento de Marcelo Ramos Motta, realizamos a “Canção Perdida” dele: uma coletânea de Rituais, instruções e ensaios que visam dessa vez um acerto de contas inédito com o pensamento daquele que foi o pioneiro de Thelema no Brasil.

A COROA DO EQUINOX

O Equinócio (subtítulo: The Review of Scientific Illuminism ) era um periódico que servia como órgão oficial da A∴A∴ , uma ordem mágica fundada por Aleister Crowley (embora o material seja frequentemente importante para sua organização irmã, Ordo Templi Orientis ocultismo e magia , enquanto várias edições também continham poesia, ficção, peças de teatro, obras de arte e biografias. Foi publicado de 1909 até 1913.

Em mais de 800 páginas, David Shoemaker, Mestre da Loja 418 e sucessor da Soror Meral, também fundador do Templo da Estrela de Prata, selecionou os textos mais importantes para o Estudante Probacionista da A∴A∴.

The Equinox

Præmonstrance (2021)

Notas do Tradutor

Editoriais (1909-1919)

1. A∴A∴

Liber Causæ

Uma Estrela à Vista

Um Relato da A∴A∴

Liber Graduum Montis Abiegni

Liber Viarum Viæ

Cartões Postais para Probacionistas

Liber Collegii Sancti

2. Magia

Liber O vel Manus et Sagittæ

Liber A vel Armorum

Liber Resh vel Helios

Liber Israfel

O Rubi Estrela

A Safira Estrela

A Missa da Fênix

Liber Pyramidos

Liber V vel Reguli

Liber Samekh Theurgia Goetia Summa

Cabala

Liber Chanokh

Uma Descrição das Cartas do Tarô

Liber Gaias

3. Misticismo

Liber E vel Exercitiorum

Os Perigos do Misticismo

O Soldado e o Corcunda: ! e ?

Liber Ru vel Spiritus

Liber Astarté vel Berylli

Liber III vel Jugorum

Liber HHH

Liber Turris vel Domus Dei

Liber Yod

Liber Os Abysmi vel Daath

Liber תישארב Viæ Memoriæ

Liber Βατραχοφρενοβοοκοσμομαχια

Liber Libræ

Ciência e Budismo

4. Thelema

A Lei da Liberdade

A Mensagem do Mestre Therion

De Lege Libellum

Liber OZ

O Dever

Khabs Am Pekht

Liber Had

Liber Nu

A Visão e a Voz

#Thelema

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-can%C3%A7%C3%A3o-perdida-fraternitas-saturni-e-a-coroa-do-equinox

Jesus Adolescente no Século XXI

Capítulo 1: Jesus estuda na minha classe!

Meu nome é João. Meu sobrenome é Ninguém. Sou João Ninguém no nome e na vida. Moro numa favela, sou feio, vou mal nos estudos e não tenho nenhuma habilidade especial. Como se isso não bastasse, tenho outros três colegas que se chamam João e todos eles são muito populares. Então toda vez que alguém chama:

– Ô, João!

Eu já nem me viro. Nas primeiras três vezes eu me virei, só para ouvir essa adorável resposta:

– Não é com você não, seu idiota!

Por isso, tento ficar na minha. Na boa, eu realmente detesto os outros três Joões. Não sei o que o pessoal enxerga nesses caras. São uns esquisitões.

Tem o João Batista. O sujeito é totalmente antissocial. Ele se veste com pelos de camelo e cinto de couro, mesmo no calorão de quarenta graus. Só come mel e gafanhotos. Tá certo que a gente aqui na favela é pobre, mas também não é pra tanto.

Ele só fica lá paradão do lado do esgoto, batizando todo mundo que passa, e a galera acha o máximo. Sorte dele que o esgoto passa bem no meio do nosso colégio. Assim ele pode continuar os batismos nos intervalos.

– Eu batizo com água! Mas depois vai vir um cara mais forte do que eu que vai batizar com fogo a rapaziada, e eu não vou ser digno nem de desamarrar os tênis dele.

O Batista não para de falar esse negócio e tira notas muito baixas. Ele sempre pega recuperação em biologia, mas o prof Mendel é bonzinho e arredonda a nota. Os dois gostam de conversar sobre mel e abelhas, sabe-se lá o porquê.

Já o João da Cruz tira notas melhores, mas também não é muito sociável. Só quer saber de rezar, ou “contemplar” seja lá o que for isso. Ele não para de falar sobre a “noite escura” mesmo quando está dia.

Ele e um tal de João Clímaco (sim, outro João! Ainda bem que é de outra turma, para não gerar ainda mais confusão) são muito amigos e vivem subindo e descendo juntos os dez degraus da escada da entrada principal do colégio. Não param de filosofar sobre a subida da escada, que chamam de “escada de Jacó”. O Jacó era um aluno antigo que uma vez pegou no sono e dormiu nessa escada. Não vi nada de mais nisso, mas nesse colégio o pessoal cria caso com as menores coisas.

Dizem que o Cruz gosta da Teresa de Ávila, que é outra colega nossa, mas eu acho que eles são apenas amigos. Também está cheio de “Teresas” na nossa classe. Tem a Teresa de Lisieux, que todo mundo chama de “Teresinha”, porque ela é pequena, delicada e não para de falar de flores. E tem a Teresa de Calcutá, que é muito boazinha e sempre quer ajudar todo mundo.

Nenhuma das três se destaca em termos de notas, mas a Calcutá sempre faz uns estudos extras. Não porque quer aumentar as próprias notas, mas para ajudar quem precisa.

O sobrenome do terceiro João é Evangelista. Ele é um aluno modelo: tira ótimas notas e é extremamente educado com todos. Seus hobbies são pescar e escrever. Todos gostam dele, porque é simplesmente impossível não simpatizar com o sujeito. Eu digo que o detesto apenas para manter a minha reputação, já que considero uma questão de princípio desprezar os três Joões.

A estranheza do Evangelista é ao menos respeitável: ele não sai gritando por aí como o Batista e nem fica subindo degraus como o Cruz. Ele anuncia o Juízo Final, mas faz isso de maneira discreta. Ele escreve histórias sobre anjos com trombetas, jogando fogo e sangue na Terra e matando todo mundo.

As histórias dele são muito populares na sala. Todos estão sempre aguardando o próximo capítulo.

– Quando é que sai o próximo capítulo, João?

– O quê? – perguntei.

– Não tô falando contigo, ô abobado! – retrucou Judas, com aspereza – por que é que você acha que todo mundo sempre quer falar com você, hein?

Resolvi deixar quieto. Eu às vezes respondia por reflexo. Uma falha minha.

Não era uma boa ideia bater boca com o Judas Iscariotes. Ele era o bad boy da turma e comprava briga com qualquer um. Se bobear, até com o Evangelista ele brigava. Havia boatos de que ele já havia metido uns socos no Simão e no Francisco, outros colegas nossos, por um motivo banal: eles eram felizes. Judas não.

– Também quero ler a continuação! – exclamou Francisco de Assis, com alegria – adorei os quatro animais cheios de olhos! O que eles significam?

– Somos eu, Mateus, Marcos e Lucas – respondeu João Evangelista, com um sorriso amigável.

Esses três eram grandes amigos de João, mas eram da outra turma. Também gostavam de escrever. Lucas não andava escrevendo muito ultimamente, já que estava estudando que nem um condenado para o vestibular. Ele queria fazer medicina. Era um dos poucos no nosso colégio que pretendia fazer curso superior.

Mas os melhores amigos do Evangelista eram Simão e Tiago. Os três gostavam de pescar juntos.

– O meu primo vai se transferir para nosso colégio na semana que vem – comentou Tiago.

– Qual o motivo da transferência? – perguntou Simão.

– Jesus disse que não pode realizar milagres em sua própria terra, porque lá as pessoas não têm fé, devido à dureza de seus corações – respondeu Tiago.

– Pensei que Jesus fosse seu irmão e não seu primo – observou Martinho Lutero.

– Você sempre adora uma boa polêmica, hein, Martinho! – exclamou Tiago, aborrecido – eu já cansei de dizer que ele é meu primo e não meu irmão. Quantas vezes terei que repetir isso?

– Está bem, está bem! – disse Martinho, com urgência – não precisa ficar zangado. E não é verdade que eu adoro uma boa polêmica. Erros devem ser apontados quando são encontrados.

– Eu concordo plenamente com sua afirmação, meu caro – disse Jerônimo Savonarola – nesse momento, por exemplo, vocês estão conversando em aula, o que é proibido. É melhor que sigam as regras. Não veem que estão sendo rudes com o professor Tomás?

– Estou mais preocupado com outra coisa – comentou o professor Tomás de Aquino.

– Deixe-me adivinhar – disse Jerônimo – o senhor está preocupado que o seu colega, o professor Giordano Bruno, está nos ensinando um monte de heresias nas aulas de física! Eu acho que chegou a hora de conversarmos sobre fogueiras. Ou será que devo denunciar o romance imoral do professor Abelardo com a professora Heloísa?

Jerônimo adorava acender fogueiras nos intervalos, que ele chamava de “Fogueiras da Vaidade”. Mas ele nunca queimava pessoas, apenas objetos que ele considerava ilícitos. As garotas da sala o odiavam, porque ele mandava que elas jogassem os brincos, pulseiras e maquiagem lá dentro, porque aquelas coisas eram do demônio.

– Eu só estou me perguntando o que são essas… criaturas que Francisco está segurando – disse Tomás.

– São apenas nossos irmãos vermes, professor – explicou Francisco – eles estavam num local perigoso do pátio do colégio e poderiam ser pisados a qualquer momento. Então eu os protegi.

Hildegarda de Bingen, a aluna mais inteligente da classe, deu um grito.

– Professor, há hora e lugar para isso – argumentou Hildegarda – não questiono as boas intenções de Francisco, mas isso já é um exagero. Sabemos que os animais devem ser respeitados, mas as Escrituras nos dizem com clareza que eles não estão em primeiro lugar na hierarquia da criação.

– Minha querida irmã Hildegarda – sorriu Franscisco – em respeito à senhorita e ao professor Aquino, irei encontrar uma morada adequada aos nossos irmãos e devolvê-los à natureza. Tenho a sua autorização, mestre?

– Pode ir – disse o professor Aquino, com um aceno de mão.

E Francisco saiu da sala aos pulos e com imensa alegria, cantando.

– Espere! – exclamou Rosa de Lima – deixe alguns deles aqui para usarmos em nossa penitência. Prometo que não irei machucá-los.

– A senhorita pode usar o meu cilício em vez disso – disse Francisco lá da porta, amavelmente – tenho um para você e outro para a sua amiga Catarina. Podem pegar na minha mochila.

– Agradeço imensamente – disse Catarina de Siena.

Rosa e Catarina gostavam muito de fazer penitências rigorosas, a ponto de sangrar. Sinceramente, eu tinha um pouco de medo delas e preferia ficar bem longe. Não entendia como, apesar de tanto sangue, parecia emanar uma grande paz e amor daquelas duas.

A próxima aula foi com o professor Agostinho. Simão sussurrou para Tiago:

– Quando o seu primo chega mesmo?

– Ele acabou de me mandar uma mensagem pelo celular – sussurrou Tiago em resposta – ele chega amanhã.

– Seu primo tem celular? – perguntou Simão, surpreso – pensei que ele havia feito um voto de pobreza.

– Ah, mas o celular dele é um modelo muito antigo – disse Tiago – então não conta. O único jogo que tem nele é o da cobrinha.

Tiago e Simão foram atingidos na cabeça por duas pêras.

– Vocês estão muito barulhentos! – exclamou o professor Agostinho – e estão usando celular no meio da aula?

– Professor, estamos falando sobre algo muito importante – argumentou Simão – é sobre a vinda de Jesus!

– Eu não já avisei a vocês que quem usa celular em aula vai para o inferno? – perguntou Agostinho.

– Nunca li nada disso em seus livros – observou Hildegarda.

– Bem, isso somente porque na época em que eu os escrevi ainda não havia celular – justificou-se o professor – ou de outra forma esse artigo de fé certamente estaria lá.

No dia seguinte, estávamos muito empolgados aguardando a vinda do primo de Tiago. João Batista não se continha de felicidade e batizou muita gente no esgoto naquele dia.

Até que ele adentrou pelos portões do colégio.

Usava calça jeans e tênis. Tinha uma barba respeitável e invejável, rara de se encontrar em adolescentes como nós. Ele vinha acompanhado de outros três rapazes de roupas brancas.

Ele cumprimentou Tiago e cada um apresentou os amigos para o outro.

– Esses são Miguel, Gabriel e Rafael – disse Jesus – eles ficarão um tempo conosco.

Leia a continuação no PDF ou pelo livro impresso.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/jesus-adolescente-no-s%C3%A9culo-xxi

Teoria e Prática: o Livro e a Espada

Seja na magia do caos, na magia tradicional ou em qualquer área do conhecimento, fala-se muito da importância de aprofundar-se tanto na teoria quanto na prática. Conforme a época, o lugar e a área do saber, essas concepções mudam. Às vezes valoriza-se mais a teoria ou mais a prática, devido a motivos culturais, políticos, econômicos, dentre outros.

Na magia atual, vejo muitas críticas aos chamados “magistas de poltrona” (armchair magicians), que “só estudam e não praticam”. Eu conheço uma prática em que se fica sentado “sem fazer nada”, que segundo os relatos levaram muitos à iluminação: ela se chama meditação. Para magistas que apreciam ficar sentados em suas poltronas essa seria uma boa ideia. Mas brincadeiras à parte, será que teoria e prática são assim tão separadas? Algumas sistematizações são mais úteis que outras. Qual seria o caso aqui?

Na Idade Antiga, como na Grécia, trabalhos manuais costumavam ser pouco valorizados e os trabalhos intelectuais eram exaltados (como aqueles dos filósofos). Tanto que a palavra “escola” vem do grego “scholé”, que significa “lugar do ócio”, significado que se busca resgatar, no sentido de “ócio criativo”, que leva ao surgimento de novas ideias, e consequentemente novos paradigmas. Na Idade Média, os médicos aprendiam a teoria e quem realizava as cirurgias eram os barbeiros-cirurgiões, que recebiam pouquíssimo treinamento teórico, sendo considerada uma profissão inferior.

Hoje, o médico cirurgião com destreza manual é algo apreciado.

Na época em que vivemos, um diploma universitário costuma ter mais status do que fazer um curso técnico, sugerindo a maior valorização da teoria em relação à prática. Por outro lado, ter feito cursos técnicos de certas áreas às vezes proporciona um salário mais alto (seja a curto ou longo prazo) do que ter feito certos cursos universitários. E também há aqueles cursos universitários valorizados no mercado de trabalho por harmonizarem teoria e prática no currículo. Existem bolsas tanto para pesquisas quanto para estágios em universidades, mas é comum que a verba para muitas pesquisas importantes seja negligenciada, valorizando-se mais aquilo que tenha aplicação prática direta.

Disso tudo concluímos que não existe nenhuma verdade universal que defina a supremacia da teoria em relação à prática ou vice-versa. As duas são importantes e uma pode prevalecer sobre outra dependendo da área, do momento e de muitos outros fatores.

O que é o ser humano e o que ele busca? Ele é corpo, mas também é mente. Também é alma, é espírito, acrescentariam alguns. Nós não passamos nossa existência apenas no mundo da prática, ou no mundo material. Passamos boa parte dela dormindo, sonhando, imaginando, pensando, planejando. Pensar é teoria, certo? Mas imaginar é teoria ou prática? Se eu faço uma visualização eu estou realizando um exercício teórico ou prático? Uma visualização no interior de uma meditação que tenha como objetivo lançar um sigilo (gnose inibitória) já é definida como prática, certo? Em que ponto será que a fronteira entre teoria e prática se quebra? E será que ela é quebrada realmente em algum momento ou é só nossa mente sistemática que separa o instante em que o estudo teórico acabou e a prática começou?

Quando iniciamos um ritual de magia cerimonial, nós costumamos colocar nossa mente em modo de prática. Vestimos um robe, agitamos uma espada e anunciamos para o universo, seja em voz alta ou em silêncio, que a magia começou. Talvez você até toque um sininho ou uma trombeta para se certificar de que os espíritos entenderam.

No momento da leitura, entramos em modo de “teoria” e intencionalmente acionamos uma área do cérebro diferente. Mas será que não é possível praticar enquanto se estuda e vice-versa? Uma prática pode gerar um grande aprendizado teórico e uma leitura pode ativar fortemente as emoções e gerar um resultado. Num retiro que fiz no início desse ano, a monja me deu a seguinte sugestão: usar um livro que eu estava lendo para meditar. Fomos juntas para a capela e conforme eu lia o livro em voz baixa, entoava em voz alta certos trechos que ressoaram fortemente em mim. Ela prosseguia entoando de volta outras frases que completavam as minhas. Isso gerou um tipo de ritual sagrado (eram ao mesmo tempo entoações dirigidas para Deus alternadas por uma sessão de leitura silenciosa), que fez surgir em mim muitas emoções e foi bastante poderoso. Pude aplicar a energia residual daquele momento em outras práticas que realizei logo a seguir.

Eu honestamente acho que essa briga de qual é mais importante, teoria ou prática, é desnecessária. Ambas são importantes e possuem seu lugar e seu momento na nossa vivência espiritual. Alguns se focam mais na teoria, outros mais na prática (assim como é o caso de nossas profissões), por variados motivos: por exemplo, porque se sentem inspirados em ir mais a fundo em uma delas naquele momento e simplesmente seguem essa intuição. E em outras épocas da vida isso pode mudar, de forma completamente natural.

Acredito que exista um sentido na divisão entre teoria e prática. Não sou contra sistematizações e não critico a forma com que a linguagem atrapalha na comunicação, já que sou da posição de que os benefícios superam os malefícios nesse caso. É aceitável que um magista que julgue estar lendo demais tente separar um tempo para a prática, ou que alguém que passe o dia lançando sigilos e erre muitos deles julgue que um maior aprofundamento na teoria possa levá-lo a uma solução original para melhorar a eficácia de sua magia. Entretanto, o ritmo e o estilo de cada um  deve ser respeitado.

Não é só porque eu (ou outra pessoa) leio muito, ou pratico muito, e isso funcione muito bem para mim que irá funcionar para todo mundo. É preciso reconhecer a importância de se chegar a uma harmonia entre ambos, mas que é uma harmonia para mim e para você? A magia do caos dá muita importância à magia prática (e rápida), mas também existem centenas de livros de caoísmo. Julian Vayne propôs o movimento do “slow chaos” como uma alternativa à magia rápida (como sigilos) dos caoístas. De forma análoga, pode existir um sistema na magia (e eles de fato existem) com foco intensamente teórico. Cada paradigma tem suas vantagens e desvantagens. É melhor ou pior ter mais teoria ou mais prática? Depende de seus objetivos.

Na magia do caos não devemos nos prender a regras e fórmulas prontas. Se você está cansado de escutar: “Pare de estudar e pratique”, mas você está muito feliz atualmente na sua vida espiritual, pessoal e profissional, além de as poucas magias que você faz funcionarem muito bem, qual é o problema? E o contrário também é verdadeiro: vamos supor que você faça muitos rituais, use vários servidores e faça magias de muitos tipos, mas raramente leia, pouco sabe de teoria da magia. E é criticado por ser ignorante, por não saber o que está fazendo, por seguir superstições sem base teórica.

Da mesma forma que pessoas simples, que não sabem ler ou escrever, mas mantém uma prática fenomenal em suas religiões, indo na igreja todo dia, rezando o terço diariamente, etc, são criticadas por não conhecerem alta teologia. Se você está feliz, se as coisas estão dando certo, há algo errado? Ou será que há algo errado na pessoa que te criticou, que não aceita a diversidade da magia e a existência de diferentes caminhos para objetivos semelhantes?

Conselhos possuem seu valor. Pondere o conselho de seu amigo sobre estudar mais ou praticar mais. Porém, no final, a decisão cabe a você, que é aquele que mais sabe do que você precisa nesse momento para ir adiante. As pessoas não precisam necessariamente das mesmas coisas e não existe uma fórmula mágica para todo mundo. Sim, tente equilibrar entre teoria e prática. Mas a medida desse equilíbrio é você quem decide, e sempre lembrando que as duas não são antagônicas e nem são assim tão separadas.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/teoria-e-pr%C3%A1tica-o-livro-e-a-espada