Grandes Iniciados – Lao-Tsé

Lao Tsé, sem dúvida, foi um dos mais elevados seres entre os que viveram na terra, tendo legado à humanidade uma obra imortal o Tao Te Ching que atravessou milênios chegando até os nossos dias com o mesmo valor de há 2600 passados. Não se trata de um livro volumoso, pois não é uma obra enciclopédica e sim uma coletânea de 81 pequenos aforismos, mas que representam um imenso manancial da sabedoria comum aos Grandes Mestres da humanidade.

Os ensinamentos de Lao Tsé expressos no Tao Te King representam para o povo chinês aquilo que os ensinamentos de Jesus representa para o mundo ocidental. Por certo o Tao Te Ching e a Bíblia são as duas obras editadas em maior número de volumes e de línguas.

Sabe-se com certeza que Lao Tsé (Lao Tzu) viveu na China, porém há muitas divergências quanto à data exata. Realmente há dúvida se a data do nascimento de Lao Tzu seja aquela citada pela maioria dos autores, desde que os dados sobre a vida desse Mestre se baseiam em mitos e lendas.

Sobre a infância de Lao Tsé pouco se sabe comprovadamente. Há uma obra chinesa muito antiga chamada Shi Chi (Apontamentos Históricos) que diz que Lao Tsé[1], cujo nome real era Erh Dan Li teria nascido no Sul China numa região chamada Ch’u, em torno do ano 604 a.C. Além da referida obra pouco se sabe de fonte comprovada sobre sua vida, além dos versos do Tao e Ching. Algumas lendas atribuem haver ele nascido entre 600 e 300 a.C.

Dizem os mitos que Lao Tzu tinha uma personalidade marcante e dotada de grande afabilidade e inteligência e que recebeu tudo o que o seu pai poderia oferecer-lhe em conhecimentos. Por sua dedicação aos estudos e pelo carisma que detinha, lhe foi facilitado o ter se tornado discípulo de grandes mestres de sua época.

Todos os mitos dizem Lao Tsé haver sido um ser excepcional e até mesmo existe uma lenda que diz haver ele sido “concebido imaculadamente por uma estrela cadente” e permanecido no ventre materno por 62 anos, até que surgiu na terra no ano 604 a.C. já com a cabeleira branca.

Fontes confiáveis atribuem a Lao-Tsé a missão de haver sintetizado o Monismo numa doutrina que recebeu o nome de Taoísmo, em parte numa obra milenar conhecida pelo nome de Tao Te Ching.

De acordo com a tradição, Lao Tsé foi contemporâneo de Kung Fu Tsé (Confúcio) de quem foi discípulo de Confúcio após haver vivido na China durante 80 anos se dirigiu para o Tibet tendo antes deixado um pequeno livro, o Tao Te Ching que haveria de se constituir a síntese do pensamento Monista Chinês.

Não há bastante evidência histórica de alguém de grande influência que haja vivido na China com o nome de Lao Tzu no 6º século a.C., porém há registros históricos (Shih-chi) de Suma Ch’ien do 2º século a.C. que citam um arquivista do Tribunal de Tribunal de Chou e que pessoalmente instruíra Kung Fu Tzu (Confúcio). Mas essa afirmação é incompatível com outras crônicas que datam a morte de Lao Tzu meio um século antes do nascimento de Confúcio.

De acordo com a Tradição Lao Tzu foi o guardião dos arquivos do tribunal imperial e que aos oitenta anos partiu para a fronteira ocidental de China, onde é agora o Tibet, entristecido e desiludido com as pessoas que estavam pouco dispostas a seguirem o caminho da bondade natural.

Entre os autores chineses há também aqueles que dizem que Lao Tsé se tornou o guardião dos Arquivos Imperiais de Loyang (província chinesa de Honan), onde viveu até a idade de 160 anos, quando, então, enojado com a hipocrisia e a decadência da época, decidiu-se a procurar a virtude em um ambiente mais natural. Vemos, portanto, que a data específica de nascimento de Lao Tzu é desconhecida desde que grande parte da sua vida e obra se baseia em lendas. É a Lao Tzu atribuída a autoria do “Tao-Te Ching” (tao-significando o modo de toda a vida; te-significando o ajuste de vida pelo homem; e ching-significando texto ou clássico).

Nem mesmo se tem certeza de que o verdadeiro nome do autor do Tao Te Ching haja sido Lao Tzu; e sim (Erh Dan Li). Lao Tzu seria apenas um apelido, não o seu nome real. Lao Tzu seria apenas de um título honorifico cujo significado seria “O Velho Mestre”. Esta afirmativa tem como base um mito que diz que o termo “Velho Mestre” tem como base o fato dele haver nascido já com uma cabeleira branca, portanto, como um homem velho. Também se pode considerar que, no contexto de ensinar e aprender, a palavra “mestre” pode significar “O Estudante Velho” tal como na língua japonesa o nome “roshi” significa mestre de ensino de Zen.

Assim como o nascimento de Lao Tsé é envolto em certo grau de mistério, mais ainda a sua morte. Na verdade oficialmente nada mais se sabe dele após haver saído da China, mas há uma lenda que ele partiu da terra com a idade de 162 e transforma em um dragão.

Com certeza Lao Tsé viveu por muitos anos na China até que decidiu partir em direção a uma região que hoje constitui o Tibet. Foi nessa viagem que ele ao atravessar a fronteira da China, em Hank Pass, um guarda chamado Yin Xi (Yin Hsi), lembrou-lhe que possivelmente todos os seus ensinamentos logo cairiam no esquecimento se alguma coisa não ficasse gravada, e assim pediu-lhe que, antes de abandonar a China, deixasse alguns ensinamentos básicos registrados por escrito a fim de tudo aquilo que havia transmitido durante tantos anos não caísse no esquecimento, para que pelo menos em parte pudessem ser preservados para a posteridade. Lao Tzu, que antes jamais aceitara escrever os ensinamentos por admitir que a observação da natureza era um mestre bem mais confiável do que as palavras dos homens, mesmo assim resolveu atender ao pedido do guarda e redigiu numa coletânea de 81 versos a síntese de sua sabedoria.

OBRA DE LAO TZU

De acordo com a lenda, Lao Tzu era um arquivista da corte imperial e que aos 80 anos deixou seu cargo e saiu da China triste e desiludido em direção ao Tibet. Mas também há os que afirmam que o Tao Te Ching é apenas uma compilação de versos escritos por vários pensadores que genericamente usavam o título de Lao Tzu. Também existe afirmativa de que o Tao Te Ching provavelmente é uma compilação, ou antologia, de declarações de vários escritores e escolas de pensamento datando do 3º século a.C.

Coerentemente com a sua maneira de pensar ele não escreveu princípios doutrinários, e sim aforismos (versos) de forma tal que pudessem ser adaptados por qualquer pessoa ante diversas situações. Algo aplicável a tudo e a todos, um escrito de forma genérica e não especifica; um texto de natureza aberta que não possibilitasse uma forma textual capaz de ser desvirtuado intencionalmente, ou simplesmente ser deformado pelas traduções. Assim nasceu o fabuloso o Tao Te Ching, um livro de conhecimentos profundíssimos embora pouco volumoso desde que nele constam 81 aforismos em forma de versos, que mostram uma maneira de aplicação prática de se viver em harmonia, dentro do equilíbrio das polaridades da manifestação do TAO e simbolizada pelo Tei Gi.

Os aforismos que compõem os 81 versos são de uma simplicidade desconcertante e o que é bem especial, eles são adaptáveis a todas as atividades, a todos os lugares, e a todas as épocas. Por esta razão é que existem centenas de interpretações, cada uma delas especialmente direcionada para um determinado campo de atividade. Por esta razão, de inicio o Tao Te Ching era uma obra destinada aos sábios, aos líderes políticos, e aos governantes da China, mas, com o transcorrer dos séculos, tornou-se uma obra destinada a qualquer pessoa.

Pela razão exposta o Tao Te Ching é mais um texto de aplicação prática do que de ensinamentos doutrinários diretos. Originalmente no Tao Te Ching foram usados cerca de 5.000 caracteres descrevendo o modo de funcionamento e a manifestação do poder presente no mundo.

No Extremo Oriente o Taoísmo é praticado sob duas formas: o Taoísmo Filosófico e o Taoísmo Religioso; cada uma estuda a natureza sob um ponto de vista próprio. Os Taoístas filosóficos vêem os ensinamentos do Tao apenas como um método de vida, como um guia para a vida buscando essencialmente achar a harmonia entre o ser com a natureza. Esta corrente acredita que se entendendo a harmonia da natureza é possível alterá-la mediante um processo alquímico.

A escola filosófica Taoísta tem suas raízes nos escritos do séc. XV e relacionadas com Lao Tsé. Após haver ensinado durante toda sua vida Lao Tzu estava decepcionado com o homem, que parecia não desejar seguir o caminho da divindade.[2]

Os Taoístas religiosos acreditam na existência de um lugar de grandes e pequenos deuses, estudam a natureza procurando encontrar formas de mudá-la (alquimia). Os Taoístas Religiosos desenvolveram complicadas cerimônias mágicas, e também algumas formas de artes marciais, práticas mágicas, sendo a mais popular aquela conhecida pelo nome de Bágua.

Na realidade o Taoísmo baseia-se num dos Princípios Herméticos, o Principio da Polaridade que diz ser a natureza bipolar, pois tudo nela tem um oposto. Na essência o universo conhecido é composto de componentes opostos; vezes físicos hard/soft; claro/escuro; vezes morais, bom / ruim; vezes biológicos, masculino/feminino. Etc. Tudo no universo pode ser classificado em duas polaridades Yang (pronuncia “yong”) ou Yin.

Há muitos sentidos para o significado do nome Tao Te Ching. Um deles define o Tao Te Ching como “As Leis da Virtude e seus caminhos”. Tao Te King, também escrito Tao Te Ching ( pronuncia-se: Dao Dê Jing ) significa: Ching ( livro, escrito, manuscrito), Tao ( Infinito, a Essência, a Consciência Invisível, o Insondável, o como, de como as coisas acontecem ). Literalmente, portanto, significa “O livro de como as coisas funcionam” e na realidade é este o seu objetivo, mostrar como as coisas no universo funcionam segundo o Tao. Também significa “O Livro que Revela Deus” e “O livro que leva à Divindade”.

Cita-se uma terceira obra atribuída a Lao-Tsé, a Chuang Tse, mas em nossos dias pouco se sabe do modo como ele apresentou o Taoísmo.

Uma indagação comumente feita diz respeito à diferença que existe entre o Taoísmo e o Confucionismo. O Taoísmo tem base metafísica e com aplicação prática. Confúcio foi mais um legislador, cujos ensinamentos ser direcionam mais para o aspecto político da vida.

Qualquer verdade atribuída ao Taoísmo e ao Confucionismo tem que ser vistos lado a lado como duas formas distintas direcionadas às condições sociais, políticas e filosóficas da China. Enquanto o Confucionismo está muito relacionado às relações sociais, com a conduta e a sociedade humana, por sua vez o Taoísmo tem um caráter muito mais pessoal e místico.

Lao Tsé pelo que se sabe foi verdadeiramente um sábio conselheiro, razão pela qual atraiu muitos seguidores, embora sempre haja se recusado a fixar suas idéias por escrito, por acreditar que as palavras poderiam estabelecer algum dogma formal. Lao Tzu desejava que a sua filosofia permanecesse apenas como um modo natural de vida estabelecido sob uma base de bondade, serenidade e respeito. Assim ele não estabeleceu nenhum código rígido de comportamento, preferindo ensinar que a conduta de uma pessoa deve ser governada pelo instinto e pela consciência.

Lao Tsé ensinava que nenhuma tarefa deveria ser apressada, bastante, que tudo deve acontecer no seu devido tempo acreditava que a “simplicidade” era a chave para a verdade e a liberdade, assim encorajava seus seguidores para observarem mais a natureza do que aos ensinamentos de mestres; a observarem e entenderem as leis da natureza, a desenvolverem a intuição e a construir um poder pessoal a ser usado para se conduzir na vida com carinho e sem imposição da força. Pelos seus sábios conselhos atraiu muitos seguidores, mas recusava-se a fixar suas idéias por escrito por temer que as palavras pudessem ser convertidas em dogma formal. Primava para que a sua filosofia fosse mais um modo natural de vida com bondade, serenidade e respeito, do que um corpo de doutrina, por isto não estabeleceu nenhum código rígido de comportamento, acreditando que a conduta de uma pessoa deveria ser governada pelo instinto natural e pela consciência moral.

Disse Lao-Tsé: “Nas profundezas do Insondável jaz o Ser. Antes que o céu e a terra existissem, Já era o Ser. Imóvel, sem forma. O Vácuo, o Nada, berço de todos os Possíveis. Para além de palavra e pensamento está o Tao, origem sem nome nem forma, a Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante: O ciclo do Ser e do Existir”.

Por José Laércio do Egito – F.R.C.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/grandes-iniciados-lao-ts%C3%A9

Casamento Alquímico e Taoísmo: A Síntese Perfeita

“Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe”
– Mateus 19:6

Na primeira parte deste artigo, entendemos um pouco sobre o simbolismo alquímico e vimos algumas correlações com a psicologia analítica de Jung. Os arquétipos Solar e Lunar, tanto para Jung quanto para os alquimistas, deviam ser integrados para sintetizar uma consciência mais equilibrada, que permitisse um diálogo saudável com o inconsciente. Através do conceito de Anima e Animus apresentados, compreendemos a natureza bipolar da psique. Bipolaridade esta que não deve ser confundida com estigmas de diagnósticos, mas aquela dualidade primordial que nos habita, que é convidada a se harmonizar para acessar uma unidade ainda mais primordial.

No entanto, não é exclusividade de Jung apresentar esse tipo de conceito. No livro “O Caibalion”, um clássico de literatura hermética, são apresentados sete princípios chaves para o funcionamento da realidade e do universo. Vejam só o que dizem os princípios 4 e 7:

Quarto Princípio, da Polaridade: Tudo é Duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados. Este Princípio encerra a verdade: tudo é Duplo; tudo tem dois polos; tudo tem o seu oposto […] A Tese e a Antítese são idênticas em natureza, mas diferentes em grau; os opostos são a mesma coisa, diferindo somente em grau; os pares de opostos podem ser reconciliados; os extremos se tocam; tudo existe e não existe ao mesmo tempo; todas as verdades são meias-verdades; toda verdade é meio-falsa; há dois lados em tudo, etc., etc. Ele explica que em tudo há dois pólos ou aspectos opostos, e que os opostos são simplesmente os dois extremos da mesma coisa, consistindo a diferença em variação de graus.

Sétimo Princípio, do Gênero: “O Gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos. Este princípio encerra a verdade que o gênero é manifestado em tudo; que o princípio masculino e o princípio feminino sempre estão em ação. Isto é certo não só no Plano físico, mas também nos Planos mental e espiritual. Todas as coisas e todas as pessoas contêm em si os dois Elementos deste grande Princípio. Todas as coisas macho têm também o elemento feminino; todas as coisas fêmea têm o elemento masculino.

Percebemos, portanto, que a dualidade nada mais é do que uma questão de perspectiva, e que a integração dos paradoxos se mostra altamente necessária para obtenção de uma perspectiva mais aproximada da natureza real das coisas. Vale a pena frisar que tudo isso é de caráter psicológico e simbólico, de forma alguma a orientação sexual ou a identidade de gênero deve ser interpretada frente estes vieses. A presença desses arquétipos serve para contrapor a consciência e apresentar alternativas visando ampliar a percepção da mesma quanto a sua própria natureza, além de produzir novas ferramentas para lidar com suas próprias contradições.

“A Anima como a contraparte interna da personalidade do homem visa dar um equilíbrio a personalidade, pois compensa o intelectualismo racional do mesmo com um eros compreensivo, assim como o Animus da mulher equilibra sua personalidade com o saber sobre o que se quer realmente do outro clivando seu caos de estados afetivos em uma ideia diretora com um estatuto de subordinação das emoções, no caso a transformação de impulsos afetivos em sentimentos racionais” (JUNG, 2011).

A psique busca de forma tão intensa a união dos opostos e a integração que quando ficamos ‘polarizados’ demais, ou seja, quando manifestamos apenas uma polaridade e negligenciamos outra, ela tende a nos forçar a manifestar o lado reprimido num processo chamado ‘enantiodromia’. Apesar de o nome ser complicado, este termo criado pelo filósofo Heráclito nada mais é do que a ideia de que quando uma grande força é gerada numa direção, uma força de mesmo valor é criada na direção oposta. Ninguém menos do que Jung, reutilizou este termo para definir o fenômeno de forças compensatórias entre o consciente e o inconsciente.

“O velho Heráclito, que era realmente um grande sábio, descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Deu-lhe o nome de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que um dia tudo reverte em seu contrário” (JUNG, 1987)

Agora que começamos a entender melhor como funciona a psique, e percebemos que nela habitam ambas as energias, masculina e feminina, que necessitam de harmonia, é possível deslocarmos ligeiramente nosso enfoque. Quando pensamos em duas energias a princípio conflitantes, mas cujo fluxo e interação é harmônico, facilmente visualizamos este símbolo:

O Yin e Yang é o símbolo que mais representa toda essa dinâmica de polaridades que estamos discutindo. Veja só o que Jung tem a dizer sobre este símbolo milenar:

“Não há positivo sem sua negação. Apesar da extrema oposição, ou por isso mesmo, um termo não pode existir sem o outro. É exatamente como formula a filosofia chinesa: yang (o princípio luminoso, quente, seco e masculino) contém em si o geme do yin (o princípio escuro, frio, úmido e feminino), e vice-versa” (JUNG, 2007)

Herder Lexicon (1990) assinala que “a mútua dependência de ambos os princípios, às influências de yin-yang nunca se opõe como princípios inimigos, pelo contrário, acham-se em uma contínua relação de influências mútuas”. É mister compreender que os aspectos paradoxais da psique se completam, e não se excluem. A dinâmica, que a priori pode aparecer um conflito, talvez seja melhor entendida como uma dialética.

“Segundo a lei da enantiodromia, dos fluxos contrários, tão bem interpretada pelos chineses, com o final de um ciclo dá-se o início de seu oposto. Assim, Yang em seu limite transforma-se em Yin, e o positivo, em negativo” (JUNG, 1986)

A unilateralidade é, eventualmente, prejudicial a nossa psique, sendo responsável por diversos problemas, tanto enfermidades de natureza psicológica quanto somatizações físicas. Além disso, o problema não se limita a natureza individual, um exemplo do dano causado pela unilateralidade da consciência, expressado na esfera social, é bem elaborado por Robert Johnsson, quando este afirma que:

“O homem tem visto seu lado sombrio como feminino e, ao empurrá-lo cada vez mais para as profundezas do seu ser, acabou por transformá-lo numa bruxa. Grande parte da escuridão do elemento rejeitado durante a idade média era feminino – daí a caça às bruxas e as fogueiras. E isso não se constituiu apenas de incidentes isolados que ganharam muita notoriedade. Estima-se que quase quatro milhões de mulheres foram queimadas nos patíbulos no auge da contra-reforma na Europa” (JOHNSSON, 1993)

Como podemos ver, o exagero da parcialidade é extremamente perigoso e prejudicial, tanto individualmente quanto socialmente. Mas por que a psique apresenta todos estes mecanismos para incentivar o diálogo entre as diferentes polaridades que nos habitam? Pura e simplesmente para nos ajudar a superar a nós mesmos. Para nos possibilitar transcender o maniqueísmo estático que parece tanto nos agradar. A totalidade é o objetivo final dessa luta constante das polaridades, permitir que atinjamos a plenitude, a consciência, que nos aproximamos cada vez mais da onisciência divina, ao menos à onisciência de nós mesmos.

“Após uma vivência de muitos anos no rico mundo da psique, aprendendo suas leis, Jung notou uma enorme força evolutiva atuando no universo psíquico. Ele percebeu que a psique humana desenvolve um esforço constante em busca da totalidade um esforço no sentido de se completar e se tornar mais consciente. O inconsciente procura transferir o seu conteúdo para o nível da consciência, onde pode ganhar existência e ser assimilado, formando uma personalidade consciente mais completa. A psique de cada indivíduo tem um estímulo inerente para evoluir, para integrar os elementos do inconsciente, juntando as partes que ainda faltam ao indivíduo total para formar um self completo, pleno e consciente” (JOHNSSON, 1993)

Como dito no início do texto, Jung deslocou alguns conceitos originais da Alquimia, adaptando-os a um sistema de compreensão psicológica. Os antigos alquimistas já sabiam há tempos dessas leis que governavam a mente, suas polaridades e interações. Não à toa que uma operação alquímica essencial pra a obtenção da pedra filosofal era a Coniunctio, ou Casamento Alquímico. Esta operação era quase sempre representada pela união de uma figura masculina, como um Rei ou o Sol e outra feminina, como uma Rainha ou a Lua, mas também como Hauck aponta “um coração pegando fogo, um terra frutífera, casamentos, hermafroditas, galos e galinhas” entre outros.

Esse casamento é a grande chave para a integração dos opostos complementares, com ele, é possível transcender o maniqueísmo, e através de uma interação de tese e antítese, permitir o nascimento de uma síntese. Novamente, conseguimos perceber o nascimento deste terceiro elemento quando analisamos figuras alquímicas que representam o casamento alquímico. Na imagem seguinte, vemos com exatidão a união simbólica do Rei (Sol) e da Rainha (Lua) obtendo como resultado ao criança, que na alquimia é representada como andrógina e perfeita.

“Jung constatou que a psique é andrógina: ela contém componentes masculinos e femininos. Assim homens e mulheres vêm equipados com uma estrutura psicológica que em sua totalidade inclui a riqueza de ambos os lados, de ambas as naturezas, de ambos os conjuntos de capacidades e forças. A psique espontaneamente se divide em opostos complementares e os representa como uma configuração masculina-feminina. Ela assinala algumas características como sendo “masculinas” e outras, como “femininas”. Como o yin e o yang, na antiga psicologia chinesa, estes opostos complementares se equilibram e se completam mutuamente. Nenhum qualidade ou característica da personalidade humana é completa em si: cada um deve se fazer acompanhar de seu “par” masculino ou feminino, numa combinação consciente, se quisermos alcançar equilíbrio e totalidade” (JOHNSSON, 1995)

E essa ideia da criança andrógina, representando simbolicamente a inocência e a pureza, não é exclusiva do pensamento alquímico, como vemos no Evangelho de Tomé, capítulo 22:

“Jesus viu crianças de peito a mamarem. E ele disse a seus discípulos: Essas crianças de peito se parecem com aqueles que entram no Reino. Perguntaram-lhe eles: Se formos pequenos, entraremos no Reino? Respondeu-lhes Jesus: Se reduzirdes dois a um, se fizerdes o interior como o exterior, e o exterior como o interior, se fizerdes o de cima como o de baixo, se fizerdes um o masculino e o feminino, de maneira que o masculino não seja mais masculino e o feminino não seja mais feminino – então entrareis no Reino”.

Apesar da representação sexual nas pranchas alquímicas, é sabido que tais experiências refletem experimentos interiores, subjetivos e que a relação sexual deve ser encarada com temperança. Além de técnicas antigas como o sexo Tântrico, que visa harmonizar as energias masculinas e femininas através da troca de energias ao longo do ato sexual, existe um conceito na alquimia taoísta chamado “Cultivação Dual”, na qual, em suma, os homens desenvolvem técnicas para interagir e absorver a energia feminina, sem desperdiçar a sua própria, acumulando assim ambas. Evidentemente essas técnicas orientais estão muito distantes da nossa realidade, e acredito que devemos sim estudar e nos aprofundar nas diferentes práticas, afinal, unir oriente e ocidente nada mais é que um reflexo da harmonia dos opostos que tanto discutimos ao longo do texto. Além disso, a meditação e análise psicológica podem ser ferramentas que realmente ajudam no autoconhecimento.

Mas acredito que para nós, ocidentais, existe algo que é uma chave igualmente efetiva, e mais próxima para nosso entendimento: o Amor. Quando abrimos nosso coração e permitimos essa força incrível da natureza se manifestar, podemos atingir patamares inimagináveis. O amor é transformador e é um ingrediente indispensável.

“Assim como na alquimia, a psique, dentro do processo analítico, vai transformando-se, ora dispondo-se num lado e ora de outro, no sentido das suas polaridades, até que lhe seja capaz a absorção de uma terceira figura, gradativa e construída, surgida de dentro da sua própria alma que lhe traduz essa expressão de convivência com o dual. […] O casamento Divino, que somente existirá se ali houver o Amor, sua causa e seu efeito. […] Revela-se no mundo como o altruísmo em seu sentido extrovertido e na psique, como a conexão com o Si-mesmo, gerando a unidade” (MASSAN, 2009)

Na imagem acima vemos o deus Marte (Animus) e a deusa Vênus (Anima) e seu filho Cupido, também conhecido como Eros e Amor. Coincidência?

Na Tábua de Esmeralda encontramos a seguinte inscrição:

“E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas”.

Concluímos então que existe uma aproximação muito evidente entre conceitos da alquimia e da psicologia analítica, e que ensinamentos antigos de filosofia grega e da sabedoria taoísta são fontes ricas de informações que podem nos ajudar a fortalecer a reflexão e, literalmente, integrar ideias. No final, nosso objetivo principal é voltar a Unidade, e dissolver todos os conflitos neuróticos e polarizados que nos impedem de ver as coisas como realmente são. Devemos buscar sempre fazer as coisas com o coração e amor, pois só assim podemos ter empatia e perceber os ‘dois lados das coisas’ e unir os paradoxos. Nem cara, nem coroa, somos todos moedas rodopiando.

Referencias Bibliográficas:

CAMAYSAR, Rosabis. O Caibalion. São Paulo Editora Pensamento. 2000

Evengelho de Tomé traduzido por Huberto Rohden

HAUCK, Dennis Willian. The Emerald Tablet: Alchemy for Personal Transformation. Arkana. Ed.Pengun Group. 1999.

JOHNSON, Robert A. HE: A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina. São Paulo: Mercúrio, 1993

JOHNSON, Robert A. WE: A Chave da Psicologia do Amor Romântico. São Paulo: Mercúrio, 1995

JUNG, C. G. Fundamentos de Psicologia Analítica. OC XVIII/I. Petrópolis: Vozes, 1987a.

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. OC IX/1. Petrópolis: Vozes, 2007.

JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. OC VII/1. Petrópolis: Vozes, 1987b.

JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. OC XII. Petrópolis: Vozes, 1991b.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião. OC XI/1. Petrópolis: Vozes, 1987c.

JUNG, Carl Gustav. Civilização em Transição. Petrópolis. Vozes. 2011.

LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolos. São Paulo. Cultrix. 1990

MASSAN, Francisco. Opus Alquímica e Psicoterapia. Disponível em: www.clinicapsique.com/doc/opus.doc. 14/05/2013

VON FRANZ, Marie Louise. A Alquimia: Introdução ao Simbolismo e a Psicologia. São Paulo. Ed. Cultrix. 1993.

Tábua de Esmeralda – Tradução de Isaac Newton , 1680 , encontrada em seus textos alquímicos. Folger, Washington 1988

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano, Mestrando em Ciências da Religião e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br ou envie um e-mail para contato@antharez.com.br

Imagens:

‘Philosophical Mercury’. Itália. Século XV.
Perspectivas circulares de Luz e Sombra, imagem encontrada na internet.
Yin-Yang.
“Spirals” de M. C. Escher (1953).
Cena de uma bruxa na fogueira (Série “American Horror Story: The Coven”)
Princípios Alquímicos do Masculino e Feminino.
Gravuras Alquímicas de “Donum Dei”.
“Mars, Venus and Cupid”. 1808, Leopold Kiesling.

#Alquimia

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