Fins do Mundo, o Guia Definitivo

Ligia Cabús

O mundo já acabou! Em maio de 2008! Isto para os seguidores da seita cristã Verdadeira Igreja Ortodoxa, liderada pelo russo Peter Kuanersov. O mundo vai acabar! Em 2012, segundo uma antiga profecia maia. O mundo já devia ter acabado! para os profetas apocalípticos medievais. O mundo já acabou! Muitas vezes, antes e depois do Dilúvio bíblico, e ainda vai acabar outras tantas vezes, afirmam as doutrinas esotéricas, como a Doutrina Secreta dos teósofos, por exemplo.

“Os continentes perecem pelo fogo e pela água, alternadamente: ora por terremotos e erupções vulcânicas, ora por submersão e em virtude de um grande deslocamento das águas. Os nossos continente deverão perecer pela primeira espécie de cataclismos. Os constantes terremotos podem ser um sinal.”  – BLAVASTKY, A Doutrina Secreta, p 345

Ao longo da História, as expectativas do fim do mundo é uma constante. A razão desta idéia fixa certamente reside no fato de que a transitoriedade de tudo o que existe na Natureza física é uma evidência que há muito se impõe na consciência dos homens. Seja pela finitude inevitável de suas próprias vidas, seja pelos testemunhos ancestrais de grandes catástrofes que exterminaram tantos povos, impérios, civilizações.

Confira aqui sua versão favorita:

Para Saber Mais/Bibliografia:

Alguns dos Grandes Sinais do Quiyamah. In ISLAM.ORG ─ acessado em 276/02/2008.
Asteroid Apophis, spirit of evil and destruction, approaches Earth. PRAVDA ON-LINE, 11/01/2007 acessado em 27/02/2008. [Trad. Ligia Cabús].
ARMOND, Edgar. Os Exilados da Capela, capítulo XXII ─ A Passagem do Milênio. São Paulo: aliança, 2006.
As profecias sobre o futuro de Edgar Cayce. In ÁREA 51 Website: publicado em 08/01/2007 ─ acessado em 25/022008
AS SETE PROFECIAS MAIAS. In ANJO DE LUZ Website ─ acessado em 25/02/2008
BASQUERA, Renzo. Os Grandes Profetas. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
BERGIER, Jacques e PAUWELS, Louis. O Despertar dos Mágicos: Introdução ao Realismo Fantástico, capítulo VI. [Trad. Gina de Freitas]. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. BIBLICAL CHRONOLOGY. Acessado em 23/02/2008
BLAVATSKY. H. P.. A Doutrina Secreta, vol IV ─ O Simbolismo Arcaico das Religiões do Mundo e da Ciência. [Trad. Raymundo Mendes Sobral]. São Paulo: Ed Pensamento, 2003.
__________________ A Doutrina Secreta, vol III Antropogênese. {trad. Raymundo Mendes Sobral]. São Paulo: Pensamento, 2001.
CHAISSON, Eric. A Aurora Cósmica. [Trad. José Guilherme Linke]. Estrelas: Forja dos Elementos, p 90. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984.
Crença no dia do Quiyamah. In ISLAM.ORG ─ acessado em 26/02/2008.
FERRER, Débora L. A Profecia Maia: Uma Transformação do Sol. Revista Planeta on-line ─ acessado em 25/02/2008.
EPOPÉIA DE GILGAMESH: A Busca da Imortalidade. [Trad. Norberto de Paula Lima]. São Paulo: Hemus.
HERCÓBOLUS, EL PLANETA FRIO.In Biblioteca Pleyades ─ acessado em 25/02/2008
NIBIRU, O DÉCIMO PLANETA. [trad. e pesquisa: Ligia Cabús] ─ acessado em 25/02/2008
http://www.misteriosantigos.com/codbiblia.htm. In Mistérios Antigos ─ acessado em 28/02/2008
Rússia: Seita Espera o Fim do Mundo ─ por Ligia Cabús | Mahajah!ck, IN Rastablog acessado em 23/02/2008
REZENDE FILHO, Cyro de Barros. A Redescoberta do Paraíso Terrestre: o milenarismo messiânico medieval. Departamento de Ciências Sociais e Letras Universidade de Taubaté, 2005. Documento on-line: acessado em 23/02/2008.
ROSS, Allen. http://www.bibliotecapleyades.net/esp_leyenda_hopi11.htm. [Trad. espanhol: Adela Kaufmann] In Blibioteca Pleyades ─  acessado em 28/02/2007.

por Ligia Cabús

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/fins-do-mundo-o-guia-definitivo/

H. P. Lovecraft, Charles Dexter Ward, Joseph Curwen e Necromancia

No início do ano de 1927, Howard Phillips Lovecraft escreveu o seu único romance, entitulado “O Caso de Charles Dexter Ward“, um romance que o autor não pôde ver publicado. A história foi impressa de forma resumida em 1941, quatro anos após a morte do escritor, nas edições de Maio e Julho da revista Weird Tales e em sua forma completa apenas dois anos depois, na coleção Beyond the Wall of Sleep publicada pela editora Arkham House.

O livro conta a história de Charles Dexter Ward, um jovem preso ao passado, especialmente à figura de seu tataravô Joseph Curwen, um feiticeiro que fugiu da caça às bruxas que tomou conta da cidade de Salem indo se estabelecer na província de Providência, na Ilha de Rodes. Joseph Curwen ganhou notoriedade em sua época por seus estranhos hábitos, como vagar por cemitérios, e pelas experiências alquímicas que realizava. A semelhança física que compartilha com o antepassado é motivo de espanto para Ward, que se torna obcecado em reproduzir as experiências cabalísticos e alquímicas registradas nos diários de Curwen e, pesquisando as anotações do mago, descobre uma forma de trazer de volta à vida qualquer ser já morto, e decide que conversar com seu ascendente renderia mais frutos do que apenas estudar sobre sua vida.

Apesar do resumo da obra, o primeiro presuposto deste texto é que o leitor já tenha lido o romance. Caso não seja o seu caso seria interessante parar agora para ler a obra antes de prosseguir, não apenas porque o texto que segue contém o que pode ser considerado como spoilers, mas também porque isso contribui com um compreendimento mais amplo sobre o que será apresentado. Você pode fazer o download do texto integral clicando aqui.

Antes de continuar é importante frisar que este tratado não defende de forma alguma que Lovercraft tenha se envolvido com o ocultismo, tenha participado de alguma ordem iniciática secreta ou que praticasse qualquer forma de magia além de sua própria escrita. Ele era um homem extremamente culto, um gênio até para os padrões modernos, e tinha acesso a muita informação. De mitologia a obras de ocultismo, que já eram de conhecimento geral como os escritos de Papus, Blavatsky e Eliphas Levi – todos esses livros que poderiam ser adquiridos por qualquer curioso na época. Lovecraft cresceu entre livros e aproveitou cada oportunidade que tinha para ler e estudar. Outro ponto que não será desenvolvido aqui é o argumento que defende que mesmo não sendo mago ele era um médium, um portal de contato com uma realidade maior e mais sombria. Sabemos que ele era vítima de sonhos e devaneios que lhe serviam de inspiração para muito do que escrevia, mas qualquer tentiva de desenvolver a hipótese de um dom de vidência do desconhecido merece um tratado próprio que desenvolva o assunto com a seriedade que merece.

 

Despertando os Mortos

Conforme a história se desenrola Ward, a princípio gradualmente e então de maneira brusca, vai perdendo a sanidade e a substituindo com rituais mágicos, evocações e experimentos alquímicos que o distanciam não apenas de seus entes mais próximos como também da realidade, atingindo seu clímax quando é realizado o ritual para trazer da morte Joseph Curwen. O ritual em si é descrito de forma simples mas traz implicações profundas.

O ritual e seus elementos podem ser organizados da seguinte forma:

 

– Sais Essenciais

“Sobre a imensa mesa de mogno jazia virado para baixo um exemplar de Borellus, gasto pelo uso, trazendo muitas notas misteriosas escritas à mão por Curwen ao pé da página e entre as linhas”, este livro trazia um “trecho sublinhado” de “forma febril”. O trecho dizia:

“Os Sais Essenciais dos Animais podem ser preparados e preservados de tal forma que um Homem engenhoso possa ter toda a Arca de Noé em seu próprio Estúdio e fazer surgir a bela Forma de um Animal de suas próprias Cinzas a seu Bel-prazer; e, pelo mesmo Método, dos Sais essenciais do Pó humano, um Filósofo pode, sem recorrer à Necromancia criminosa, evocar a Forma de qualquer ancestral Falecido das cinzas resultantes da incineração de seu Corpo”.

 

– Um Local Reservado ou Afastado Para o Ritual

Conforme sua obcessão por seu antepassado, Curwen, crescia, Ward comprou uma “fazenda na Pawtuxet Road que havia sido propriedade do bruxo. Um lugar para onde se mudava, durante o verão. A propriedade era habitada apenas por duas pessoas, além do próprio Ward, um casal de índios da tribo Narragansett “o marido mudo e com curiosas cicatrizes, e a mulher com uma expressão extremamente repulsiva”, eles eram “seus únicos empregados, trabalhadores braçais e guardas”.

Em um anexo dessa casa ficava o laboratório onde era realizada a maior parte das experiências químicas. Os vizinhos mais próximos à fazenda se encontravam a uma distância de mais de um quarto de milha. Também existe menção “a um grande edifício de pedra, pouco distante da casa, com estreitas fendas em lugar das janelas”.

 

– Diagramas e figuras geométricas desenhados no chão

Dr. Willet, outro personagem central na história, quando investiga o sótão onde Ward passava tanto tempo, percebe “restos semi-apagados de círculos, triângulos e pentagramas traçados com giz ou carvão no espaço livre no centro do amplo aposento” e mais tarde, investigando o laboratório subterrâneo de que Ward montara no antigo bangalô de Curwen, em Pawtuxet, “um grande pentagrama no centro, com um círculo simples de cerca de noventa centímetros pés de diâmetro, entre este e cada um dos outros cantos”

 

– Invocação Per Adonai

Durante uma Sexta-Feira Santa, no fim do dia, “o jovem Ward começou a repetir certa fórmula num tom singularmente elevado” enquanto queimava “alguma substância de cheiro tão penetrante que seus vapores se expandiram por toda a casa”. A repetição da fórmula se prolongou por tanto tempo que a mãe de Ward foi capaz de reproduzí-la por escrito.

A fórmula descrita pela senhora Ward era:

Per Adonai Eloim, Adonai Jehova, Adonai Sabaoth, Metraton On Agla Mathon, verbum pythonicum, mysterium salamandrae, conventus sylvorum, antra gnomorum, daemonia Coeli God, Almonsin, Gibor, Jehosua, Evam, Zariatnatmik, veni, veni, veni. 

Depois de duas horas repetindo initerruptamente a evocação “se desencadeou por toda a vizinhança um pandemônio de latidos de cachorros”, tamanho foi o estardalhaço dos latidos que viraram manchetes de jornal no dia seguinte.

 

– A Invocação Dies Mies Jeschet

Então o pandemônio causado pelos cães da região foi sobrepujado por um “odor que instantaneamente se seguiu; um odor horrível, que penetrou em toda parte, jamais sentido antes nem depois” e então se seguiu “uma luz muito nítida como a do relâmpago, que poderia ofuscar e impressionar não fosse dia pleno”. Uma voz, “que nenhum ouvinte jamais poderá esquecer por causa de seu tonitroante tom distante, sua incrível profundidade e sua dissemelhança sobrenatural da voz de Charles Ward […] abalou a casa e foi claramente ouvida pelo menos por dois vizinhos, apesar do uivo dos cães”. A voz dizia claramente:

DIES MIES JESCHET BOENE DOESEF DOUVEMA ENITEMAUS 

 

– A Invocação Yi-nash-Yog-Sothoth

Logo após a poderosa voz declarar seu intento, “a luz do dia escureceu momentaneamente, embora o pôr-do-sol demorasse ainda uma hora, e então seguiu-se uma lufada de outro odor, diferente do primeiro, mas igualmente desconhecido e intolerável”. Ao mesmo tempo Ward volta a entoar de forma monótona uma nova fórmula, que era percebida como sílabas aparentemente sem sentido:

Yi-nash-Yog-Sothoth-he-lgeb-fi-throdog

Sendo seguida por um grito de YAH!, “cuja força desvairada subia num crescendo de arrebentar os tímpanos”.

Instantes depois um “grito lamentoso que irrompeu com uma explosividade desvairada e gradativamente foi se transformando num paroxismo de risadas diabólicas e histéricas”, este episódio foi seguido por um segundo grito, desta vez proferido certamente por Ward, se fez ouvir, ao mesmo tempo em que a risada continuava a ser ouvida.

 

Tão Morto Quanto Um Morto Pode Estar

Necromancia é uma forma de divinação que envolve os mortos. Na grécia antiga o objetivo do ritual era enviar o mago praticante para o mundo subterrâneo, onde ele consultaria os mortos e voltaria com o conhecimento adquirido. Com o passar do tempo a viagem às profundezas foi substituída por uma evocação, o morto era arrancado do domínio da morte e por momentos poderia se comunicar com os vivos em nosso mundo. Nekros, “morte”, e manteia, “divinação”, o termo foi adotado pelos povos cuja língua se derivou do latim, como os italianos, espanhois e franceses, como nigromancia, nigro significando também “negro”, uma forma negra, escura, de divinação; termo que deu origem a magia negra ou artes negras, uma prática que causava resultados maravilhosos graças à intervenção de espíritos mortos.

Conforme o cristianismo foi se tornando a crença dominante na europa, os espíritos dos mortos que se envolviam com tais rituais começaram a ser considerados espíritos cruéis, almas atormentadas e eventualmente demônios do próprio inferno. Se havia uma magia “negra”, em um mundo de dualidade com certeza haveria o seu oposto, a magia “branca”, se a primeira lidava com almas de mortos que habitavam o submundo e com demônios a segunda obviamente colocava o mago em contato com os espíritos dos Santos e com os Anjos de Deus. Em uma analogia ao Gênese bíblico ou ao Big-Bang moderno, a escuridão e trevas “nigro” deu origem à luz. Nesta aspecto a magia negra é muito mais antiga do que a sua contraparte branca.

 

Necromancia à Moda Antiga

A necromancia é encontrada com outras formas de divinação e magia em praticamente todas as nações da antiguidade, mas nada pode ser dito com certeza a respeito de suas origens. Strabo afirmou que era a principal forma de divinação dos Persas, ela também era praticada na Caldéia, Babilônia e Etrúria. O livro de Isaias, da Bíblia, se refere à prática entre os egípcios – 19:3 – e no livro de Deuteronômio – 18:912 – alerta os israelitas contra a sua prática, chamada de “abominação dos Cananeus”.

Como vimos, as práticas mais antigas eram de ir ao submundo buscar os mortos no reino do qual não podiam escapar, assim na Grécia e em Roma o ritual tinha lugar especialmente em cavernas ou vulcões, que supostamente tinham ligação com o submundo, ou próximo a lagos e rios, já que a água era vista como um “canal de acesso” de comunicação com os mortos, sendo o rio Acheron o mais procurado.

A menção mais antiga à prática da necromancia é a narrativa da viagem de Ulisses ao Hades e sua evocação das almas dos mortos através de vários rituais que lhe foram ensinados por Circe. Outra romantização da evocação de mortos está no sexto livro da Eneida, de Virgílio, que relata a descida de Enéas às regiões infernais, mas neste caso não existe um ritual, o herói vai fisicamente à morada das almas.

Além das narrativas poéticas e mitológicas existem inúmeros registros, por parte de historiadores, de praticantes da necromancia. Em Cabo Tenarus, Callondas evocou a alma de Archilochus. Periandro, o tirano de Coríntio, conhecido como um dos sete sábios da Grécia, enviou mensageiros para o oráculo do Rio Acheron para interrogar sua falecida esposa, depois de dois encontros os mensageiros conseguiram a resposta que buscavam. Pausanis, rei de Esparta, matou Cleonice ao confundí-la com um inimigo durante a noite, e como consequência não encontrava mais paz de espírito nem descanso, após tentativas infrutíferas de se livrar dos sentimentos que o afligiam ele se dirigiu para o Psicopompeion de Phigalia e evocou a alma da morta, recebendo a garantia de que assim que voltasse para Esparta seus pesadelos e medos desapareceriam, assim que voltou para a cidade ele morreu. Após sua morte os espartanos viajaram para Psicagogues, na Itália, para evocar e aplacar sua alma. Entre os romanos, Horácio constantemente alude à evocação dos mortos. Cícero testemunha que seu amigo Appius praticava a necromancia e que Vatinius conjurava as almas do além. O mesmo é dito a respeito do imperador Drusus, de Nero e de Caracalla.

Não existe certeza sobre os rituais realizados, ou os encantamentos feitos. A cada relato surgem descrições complexas e completamente diferentes entre si da maneira de chamar os mortos. Na odisséia Ulisses cava uma trincheira, entorna libações nela e sacrifica uma ovelha negra, cujo sangue será bebido pelas sombras, antes que elas lhe respondam a qualquer pergunta. Lucan descreve em detalhes inúmeros encantamentos e fala de sangue fresco sendo injetado nas veias de um cadáver para que ele retorne à vida. Cícero nos relata sobre Vatinius, que oferecia à alma dos mortos as entranhas de crianças e São Gregório fala de virgens e meninos sendo sacrificados e dissecados para que os mortos pudessem ser evocados ou para que o futuro pudesse ser visto.

Nos primeiros séculos depois de Cristo, os patriarcas da nova religião testemunharam a adoção da prática dentre seus novos convertidos, a necromancia era praticada em conjunto com outras artes mágicas que passaram a ser associadas com demônios, e passaram a advertir seus novos seguidores contra essas práticas nas quais: demônios se apresentavam como se fossem a alma dos mortos” (Tertuliano, De anima, LVII, em P.L., II, 793), mesmo assim, como seria de se esperar, muitos ignoravam os alertas e se entregavam à prática. Surgiram então os esforços das autoridades eclesiásticas, Papas e conselhos em suprimir por completo tal abominação. Leis criadas por imperadores cristãos como Constantino, Constantius, Valentino, Valens e Teodósio não se restringiam apenas à necromancia mas a qualquer forma de magia considerada pagã – precisamos nos lembrar que a igreja aceita que de acordo com a vontade de Deus as almas de pessoas mortas podem aparecer para os vivos lhes revelando coisas desconhecidas, ou que milagres podem ser realizados. Graças a este combate contra magia, rituais e superstição pagã, com o tempo o termo necromancia perdeu seu sentido estrito e passou a ser aplicado a toda forma de “magia negra”, se tornando associado com alquimia, bruxaria e magia. Mesmo com todos seus esforços, a igreja não conseguiu abolir essas práticas e a necromancia sobreviveu, se adaptando quando necessário, à Idade Média ganhando um novo ímpeto pela época do renascimanto.

 

As Raízes da Necromancia de Charles Dexter Ward

smackDuas coisas precisam ser levadas em consideração quando estudamos os rituais de necromancia apresentados por Lovecraft em sua obra, especialmente no Caso de Charles Dexter Ward.

Em primeiro lugar a superstição causada pela religião dominante. O cristianismo abominava qualquer ato religioso e ou mágico que não os rituais consagrados pela igreja e realizado por seus clérigos. Qualquer coisa além disso era vista de forma agressiva pelos religiosos, isso se refletiu no grande público frequentador de igreja e formado por uma sociedade criada a partir de uma moralidade cristã. O medo do sobrenatural acompanhou a raça humana desde seus primórdios, mas além deste sentimento natural houve, a partir do século IV, uma campanha focada em cristalizar esse medo e mudar seu status de característica humana em virtude humana. Isso é o motivo por até hoje religiões que não flertem diretamente com o cristianismo sejam vistas com preconceito, medo ou indiferença por uma sociedade religiosamente “morna”.

No início do século XX, a menção de rituais depravados era tabu. Ordens religiosas como a Golden Dawn, O.T.O., Maçonaria, Teosofia, Wicca e Rosa-Cruz, haviam mostrado para a Europa que cultos mágicos haviam sobrevivido ao feudo religioso da Idade Média, grimórios mágicos falavam sobre as práticas de evocação e negociação com espíritos vindo do inferno. E rumores sobre tais feitos e grupos chegavam através do oceano a um continente onde por anos a luta contra a feitiçaria havia sido uma realidade. A Inquisição teve seus ecos em solo americano, onde bruxas eram caçadas, torturadas e queimadas ainda com vida. Novas religiões nasciam em segredo e tinham que se afastar de áreas populadas para poderem ser seguidas – religiões que se derivavam do cristianismo, como os Mórmons por exemplo. Esses rumores assustavam muitas pessoas que consideravam estar a salvo da sombra do diabo e de seus seguidores.

Em segundo lugar havia a literatura gótica e fantástica. Escritores de contos de terror tinham inspiração de sobra na época. Cultos pagãos que haviam sobrevivido em segredo. Criaturas demoníacas que roubavam crianças recém nascidas e colocavam cópias maléficas em seu lugar. Livros que ensinavam a evocar o próprio demônio. Histórias que se aproveitavam dos temores mais profundos das pessoas e os exploravam para se tornarem fenômenos comerciais, em uma época, diga-se de passagem, em que o analfabetismo era a regra.

Dos principais temas góticos que se tornaram sucesso, e por isso recorrentes em inúmeros livros, temos o dos fantasmas que surgiam como pessoas vivas, interagindo com os protagonistas para apenas revelar sua natureza sobrenatural no clímax da obra, e o do alquimista que após concluída a aventura se revelava uma pessoa com séculos de idade, prolongada de forma artificial através de rituais, acordos e da química proibida. Esses livros inspiraram muito o trabalho de Lovecraft e estão presentes em muitos de seus contos como por exemplo Ar Frio, O Alquimista e A Coisa Na Soleira da Porta.

Quando Lovecraft escrevia ele buscava transpor para o papel algo que despertasse no leitor seus medos mais ocultos e violentos, um temor puro e inexplicável de algo incompreensível para a mente humana. E assim ele combinou em um texto a ficção que admirava com a superstição que dominava as pessoas, e para isso ele buscou bases reais para seu romance.

 

Senhor Mather e Mestre Borellus

Durante o desenrolar da história o nome do livro de Borellus não é citado, e nem qualquer outra informação direta sobre seu autor, mas Lovecraft nos dá uma pista importante. Durante sua narrativa ele escreve uma passagem sobre uma carta escrita por Jebediah Orne, de Salem, para Curwen na qual lemos:

“[…]Não possuo as artes químicas para imitar Borellus e confesso que fiquei confuso com o VII Livro do Necronomicon que o senhor recomenda. Mas gostaria que observasse o que nos foi dito a respeito de quem chamar, pois o senhor tem conhecimento do que o senhor Mather escreveu nos Marginalia de______”

Aqui entram dois personagens importantes na solução do mistério, Mather e suas escritas marginais em algum livro.

Mather muito provavelmente se trata de Cotton Mather, o ministro puritano da Nova Inglaterra que teve grande influência nos tribunais de caças a bruxas nos Estados Unidos, especialmente na cidade de Salém. A mera citação do nome de Mather no texto é importante pois ajuda a dar credibilidade ao passado de Joseph Curwen, um bruxo que deixou Salém na época em que bruxos era perseguidos e se isolou para dar continuidade a seu trabalho, sem perder o vínculo com os feiticeiros de lá. Em 1702, a maior obra de Mather é publicada, o Magnalia Christi Americana – Os Gloriosos Trabalhos de Cristo na América, o livro traz biografias de santos e descreve o processo de colonização da Nova Inglaterra. A obra, composta de sete livros, traz também o livro entitulado “Pietas in Patriam:  A vida de Vossa Excelência Sir William Phips”. Pietas havia sido publicado anonimamente em Londres em 1697.

Aqui se faz necessária a apresentação de outro escritor, Samuel Taylor Coleridge. Coleridge foi um famoso poeta e ensaista inglês, considerado um dos fundadores do Romantismo na Inglaterra. Dentre de suas obras mais conhecidas se destacam Balada do Antigo Marinheiro – conhecida também por ter inspirado a música de mesmo nome da banda Iron Maiden – Kubla Khan e Cristabel. Lovecraft conhecia e admirava o escritor, como deixa claro em seu O Horror Sobrenatural na Literatura. Mas além de escrever os próprio poemas e prosas, Coleridge era famoso por suas marginália nos livros que possuia. Como todo leitor da revista MAD ou qualquer fã de Sérgio Aragonés já sabe, marginália (do latim marginalia, como também é usado – sem o acento) é o termo geral que designa as notas, escritos e comentários pessoais ou editoriais feitos na margem de um livro, o termo é também usado para designar desenhos e floreados nas iluminuras dos manuscritos medievais. Tantas foram que hoje existem volumes com suas anotações pessoais sendo impressos e um livro em particular se encaixa nesta obra de Lovecraft, o Magnalia Christi Americana de Mather. A Biblioteca de Huntington contém alguns dos livros que Coleridge cobriu com suas notas e comentários e um deles é a edição de 1702 do Magnalia. A principal característica dessas notas são o tom anti puritano e anti Mather, Coleridge se surpreende com a credulidade do ministro e se perturba com suas descrições sobre bruxaria, como detectar e tratar as acusadas de feitiçaria. Em um ponto Coleridge se aborrece com a incapacidade de Mather fornecer dados suficientes para que o poeta pudesse calcular a velocidade com que um fantasma se desloca.

Neste ponto é importante frisar que não há evidência de que Lovecraft tenha descoberto o livro de Mather por causa de Coleridge, existe uma chance dele próprio ter possuido uma cópia do Magnalia, ou ao menos do Pietas. Muitas das coisas descritas ali com certeza seriam de seu interesse, especialmente as alusões ao sobrenatural e à bruxaria, um tema também tratado por ele em muitos contos. Mas de fato este livro contém a chave para a identificação de Borellus. Mather o inicia com algumas palavras sobre a natureza da arte da biografia, comparando o biógrafo com a teoria defendida por Borellus de se evocar a forma dos ancestrais – Livro II, Capítulo XII. Na época de Mather viveu um químico, alquimista, físico e botânico francês que ganhou muita notoriedade escrevendo sobre ótico, história antiga, filologia e também sobre bibliografia, Pierre Borel (1620-1679). Não é difícil de se supor que Mather, também um biógrafo apaixonado, conhecesse Pierre Borel e sua obra. Dos muitos textos existentes de Borel não existe a passagem literal citada por Mather, o que leva a crer que Mather parafraseou o alquimista francês usando suas próprias palavras. Este ponto também é importante porque mostra que Lovecraft de fato teve acesso ao livro de Mather e não à obra de Borel, cujo nome em latim era escrito Petrus Borellius, ou simplesmente Borellus, já que atribui ao alquimista a passagem literal.

Fora isso, a menção de uma Marginalia de punho do próprio Mather pode servir como subterfúgio para indicar que Curwen e Jebediah possuiam anotações não publicadas de Mather, o que agrega ao romance um ar muito mais sinistro; uma das grandes contribuições de Mather para os tribunais de feitiçaria foi o incentivo do uso de provas sobrenaturais para acusar as supostas feiticeiras. Notas marginais de Mather em  um livro de evocações demoníacas seria o mesmo que um selo legitimando o ritual.

 

A Alquimia do Sal

“Se um químico renomado como Quercetanus, juntamente com uma tribo inteira de ‘trabalhadores no fogo’, um homem culto encontra dificuldades em fazer a parte comum da humanidade acreditar que eles podem pegar uma planta em sua consciência mais vigorosa, e após a devida maceração, fermentação e separação, extrair o sal da planta, que, como se encontra, no chaos, de forma invisível reserva a forma do todo, que é seu princípio vital; e que, mantendo o sal em um pote hermeticamente selado, podem eles então, ao aplicar um fogo suave ao pote, fazer o vegetal se erguer ao poucos de suas próprias cinzas, para surpreender os espectadores com uma notável ilustração da ressurreição, na mesma fé que faz os Judeus, ao retornarem das tumbas de seus amigos, arrancarem a grama da terra, usando as palavras da Escritura que dizem “Seus ossos florecerão como uma erva”: desta forma, que todas as observações de tais escritores, como o incomparável Borellus, encontrarão a mesma dificuldade de criar em nós a crença de que os sais essenciais dos animais podem ser preparados e preservados de tal forma que um homem engenhoso possa ter toda a Arca de Noé em seu próprio estúdio e fazer surgir a bela forma de um animal de suas próprias cinzas a seu bel-prazer: e, pelo mesmo Método, dos sais essenciais do pó humano, um filósofo pode, sem recorrer à necromancia criminosa, evocar a Forma de qualquer ancestral falecido das cinzas resultantes da incineração de seu corpo. A ressurreição dos mortos será da mesma forma, um artigo tão grandioso de nossa crença, mesmo que as relações desses homens cultos se passem por incríveis romances: mas existe ainda a antecipação da abençoada ressurreição, carregando em si algumas semelhanças a estas curiosidades, quando em um livro, como no pote, nós reservamos a história de nossos amigos que partiram; e ao aquecermos tais histórias com nosso afeto nós revivemos, de suas cinzas, a forma verdadeira desses amigos, e trazemos com uma nova perspectiva tudo aquilo que era memorável e reprodutível neles.”

Magnalia Christi Americana – Livro II, Capítulo XII

Como descrito por Mather, Borellus, Quercetanus e os membros da tribo dos “Trabalhadores no Fogo” afirmam que para ressucitarmos os mortos, precisaríamos apenas de um processo puramente químico, isso se torna evidente na passagem “sem recorrer à necromancia criminosa”. Mas, em sua história, Lovecraft sugere que Borellus, em seu livro misterioso, afirmava a necessidade de componentes ritualísticos. Na troca de correspondência entre Jebediah, Hutchinson e Curwen lemos:

Jebediah:

“Eu ainda não possuo a arte química para seguir Borellus…”

Curwen:

“As substâncias químicas são fáceis de serem conseguidas, eu indico para isso bons químicos na cidade. Doutores Bowen e Sam Carew. Estou seguindo o que Borellus disse, e consegui ajuda no sétimo livro de Abdul Al-Hazred.

Hutchinson:

“Você me supera em conseguir as fórmulas para que um outro o possa dizê-las com sucesso, mas Borellus supôs que seria assim, se apenas as palavras corretas fossem proferidas.”

Isso faria com que o processo alquímico da obtenção dos sais e da sua conseguinte restauração em suas formas originais deveria ser acompanhado de certos rituais, fórmulas pronunciadas, combinando a química com a Alta Magia.

 

Entra em Cena Eliphas Levi

A fórmula recitada por Ward na Sexta-Feira Santa, anotada por sua mãe foi identificada por especialistas como uma das evocações encontradas “nos escritos místicos de ‘Eliphas Levi’, aquele espírito misterioso que se insinuou por uma fenda da porta proibida e teve um rápido vislumbre das terríveis visões do vazio além”.

Eliphas Levi era o nome mágico do ocultistas francês Alphone Louis Constant (1810-1875), um dos grandes, se não o maior, responsável pelo renascimento do ocultismo moderno. Paracelso elevou a magia ao status de ciência, Cagliostro a incorporou na religião que buscava a regeneração da espécie humana, mas foi Levi que a tranformou em literatura. A atmosfera e densidade com que trata o ocultismo diferenciava as obras de Levi dos outros grimórios que existiam e circulavam na época. O assunto que parecia tomar a forma de livros de receitas demoníacas e angelicais, passou a ser tratado com reverência, como uma filosofia e um estudo no qual eram necessários anos de aprimoramento para se dominar.

Seu livro mais conhecido do grande público é o Dogma e Ritual da Alta Magia, e é exatamente nesta obra que encontraremos a fórmula usada por Ward, mas muito provavelmente não foi este livro que Lovecraft teve em suas mãos para inspirar esta passagem.

Crowley sempre fez questão de ser conhecido e lembrado como o mais depravado dos homens, o mago negro de sua geração, a Grande Besta 666, e fez um bom trabalho nisso. Mas como devemos chamar então o seu arqui-inimigo, aquele que inspirou a vilão Arthwate do livro Moonchild escrito por Crowley?

Arthur Edward Waite se tornou um místico muito menos popular do que Crowley, mas em alguns pontos muito mais poderoso. Durante sua vida escreveu extensamente sobre ocultismo e esoterismo. Foi um dos criadores do Tarô Raider-Waite, considerado um Tarô clássico até os dias de hoje. Ele fez parte da Ordem Hermética da Aurora Dourada, Sociedade Rosa-Cruz Inglesa, Sociedade da Cruz Rosada, dentre outras. Seus trabalhos atravessaram o atlântico e acabaram chegando às mãos de Lovecraft que inclusive o incluiu em um de seus contos, também como um vilão, o mago negro Ephraim Waite de A Coisa Na Soleira da Porta. Mas não foi com seus trabalhos que Waite influenciou O Caso de Charles Dexter Ward. Além de escrever sobre Tarô, divinações, esoterismo, os Rosacruz, Maçonaria, Cabala e alquimia, Waite também traduzia e publicava muitos livros ainda inéditos na língua inglesa, e Eliphas Levi havia se tornado uma celebridade entre os praticantes de magia cerimonial. Em 1886 Waite publicou um livro intitulado Os Mistérios da Magia, formado por vários artigos tirados de livros de Levi, posteriormente em 1896 conseguiu publicar as duas obras do ocultista francês, Dogma da Alta Magia e Ritual da Alta Magia, em uma versão em inglês, rebatizada para Magia Transcedental, Sua Doutrina e Rituais. Ambos os livros possuem um mesmo capítulo entitulado O Sabbat dos Feiticeiros, e neste capítulo encontramos a fórmula Per Adonai. Hoje não há como saber com certeza de qual livro de Waite Lovecraft tirou o encantamento, mas muitos pesquisadores apontam para o livro de coletânia de textos, o Mistérios da Magia.

O capítulo em questão, trata do que Levi define como “o fantasma de todos os espantos, o dragão de todas as teogonias, o Arimane dos persas, o Tifon dos egípcios, o Píton dos gregos, a antiga serpente dos hebreus, a vouivre , o graouilli , tarasque , a gargouille , a grande besta da Idade Média, pior ainda do que tudo isso, o Baphomet dos templários, o ídolo barbado dos alquimistas, o deus obsceno de Mendes, o bode do Sabbat”. Dentro do assunto tratado em seu romance, Lovecraft não podia ter escolhido uma fonte melhor de onde tirar a porção de magia cerimonial do ritual realizado por Ward. Mas apesar de tratar do ritual de adoração ao Diabo, Levi deixa clara sua visão quando afirma que “digamos bem alto, para combater os restos de maniqueísmo que ainda se revelam, todos os dias, nos nossos cristãos, que Satã, como personalidade superior e como potência, não existe. Satã é a personificação de todos os erros, perversidades e, por conseguinte, também de todas as fraquezas”. Indo mais a fundo em sua exposição, Levi classifica tais rituais em três grupos distintos:

– Os que se referem a uma realidade fantástica e imaginária;

– Aqueles que revelam os segredos expostos nas assembléias ocultas dos verdadeiros adeptos;

– Aqueles realizados por loucos e criminosos, tendo como objetivo a magia negra.

E prossegue:

“[…]e existiu realmente; até ainda existem as assembléias secretas e noturnas em que foram e são praticados os ritos do mundo antigo, e destas assembléias umas têm um caráter religioso e um fim social, outras são conjurações e orgias. É sob este duplo ponto de vista que vamos considerar e descrever o verdadeiro Sabbat , quer seja o da magia luminosa, quer o da magia das trevas.”

Levi então descreve a personalidade de alguém que será bem sucedido em suas evocações infernais. A pessoa deve ser teimosa, ter uma consciência ao mesmo tempo endurecida e acessível ao remorso e ao medo, acreditar naquilo que “a parte comum da humanidade” não acredita ser real. Para o ritual ter sucesso são necessários sacrifícios sangrentos.

Por toda a cidade se comentavam sobre os hábitos estranhos adotados pelo jovem ward, que incluíam encomendas de quantidades imoderadas de carne e sangue fresco fornecidas pelos dois açougues da vizinhança mais próxima, uma quantidade muito grande para uma casa em que habitavam apenas três pessoas.

Levi então diz que após os preparativos, que podem levar dias a evocação deve ser feita, de segunda para terça-feira ou de sexta-feira para sábado, o que coincide com o ritual realizado na Sexta-Feira Santa por Ward. A pessoa então deve traçar círculos e triângulos e os molhar não com o sangue de uma vítima, mas do próprio operador.

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“A pessoa pronunciará, então, as fórmulas de evocação que se acham nos elementos mágicos de Pedro de Apono ou nos engrimanços, quer manuscritos, quer impressos. A do Grande Grimório , repetida no vulgar Dragão Vermelho , foi voluntariamente alterada na impressão. Ei-la como deve ser lida:

“Per Adonai Elohim, Adonai Jehova, Adonai Sabaoth, Metraton On Agla Adonai Mathom, verbum pythónicum, mystérium salamándrae, convéntus sylphórum, antra gnomórum, doemónia Coeli Gad, Almousin, Gibor, Jehosua, Evam, Zariatnatmik, veni, veni, veni ”.

 

Veni, Veni, Veni

Como Levi afirma, a evocação Per Adonai já existia muito tempo antes dele a publicar em seu livro, dizendo que a do Grande Grimório, talvez mais antiga que tenha visto pessoalmente, foi reimpressa de forma alterada no Dragão Vermelho.
Apesar de na cabeça das pessoas a história dos grimórios, ou engrimaços, se perder no tempo, eles não são tão antigos assim. A maior fonte de todos os livros mágicos que surgiram na Europa até recentemente, foi a Bíblia. Os primeiros cinco livros das Escrituras Sagradas, conhecidos como Pentateuco, são atribuídos a Moisés. Muitas pessoas acreditavam que Moisés escreveu muito mais coisas do que apenas os cinco livros e não demoraram a aparecer cópias do livro entitulado o oitavo livro de Moisés. Esse livro, datado de aproximadamente IV d.C., trazia, supostamente, os ensinamentos de Deus que ficaram fora do Pentateuco, as maneiras de se chamar anjos e realizar maravilhas, curiosamente os manuscritos mais antigos retratavam Moisés como um egípcio e não um judeu. Outros textos que diziam ter sido escritos por Salomão, existiam na forma de um livro que circulava no primeiro século cristão. Outro autor bíblico que fazia sucesso era Enoque, haviam inúmeros manuscritos mágicos que descreviam o que Deus supostamente havia lhe ensinado sobre o controle das forças por trás da Criação. Todos esses livros, obviamente, não tinham ligação direta com os patriarcas bíblicos, mas eram muito populares porque as pessoas que os adquiriam acreditavam nisso, o que torna os primeiros grimórios excelentes exemplos de jogadas de marketing séculos antes do marketing sequer ser criado. Em 1436, com o advento da prensa móvel por Gutenberg, dezenas de grimórios “antigos” começaram a circular, dentre eles as Claviculas de Salomão, o Pequeno Alberto, o Grimório de Honório, o Sexto e Sétimo Livros de Moisés, o Galo Negro, Grande Grimório, Grimorium Verum e inúmeros outros. Os livros mais caros eram grandes, ilustrados, os mais baratos eram cópias mal feitas, com coletânias de textos vindo de outros livros sem muita explicação de como seguí-las, eram de fato livros de receitas em que anjos e demônios eram evocados em horas planetárias pré determinadas.
O Grande Grimório, citado por Levi, traz uma introdução que afirma que a obra foi impressa em 1552, mas não existem registros de publicações anteriores ao século XVIII. Seu autor é apresentado como Alibek, o Egípcio. Em sua página de introdução está escrito:
“Este livro é tão raro e procurado em nosso país que foi chamado, por nossos rabinos, de a verdadeira Grande Obra. Foram eles que nos entregaram este precioso original que muitos charlatães tentaram inutilmente reproduzir, tentando imitar a verdade que eles nunca encontraram, de forma a tirar vantagem de indivíduos ingênuos que tem fé em encontros com pessoas quando buscam a Fonte original.
Este manuscrito foi copiado de inúmeros escritos do grande Rei Salomão. Este Grande Rei passou muitos de seus dias na mais árdua busca atrás dos mais obscuros e inesperados segredos.”
Ao examinar o Grande Grimório é fácil perceber que a evocação Per Adonai não se encontra nele, a maior parte das evocações lá presentes são variantes da fórmula:
“Eu Te imploro, O grande e poderoso ADONAI, lider dos espíritos. Eu Te imploro, O ELOHIM, eu Te imploro O JEHOVA, O grande Rei ADONAI, seja condescendente e favorável. Que assim seja. Amém.”
Mas isso não é uma surpresa. Grimórios eram colchas de retalhos, hoje um exemplo disso é o Livro de São Cipriano, diferentes editoras o lançam com diferentes nomes, O Livro de São Cipriano, O Verdadeiro Livro de São Cipriano, São Cipriano da Capa Preta, São Cipriano da Capa Metálica, etc. Na época de Levi ainda havia o agravante de cada tradução ser uma versão diferente do grimório traduzido, partes eram introduzidas ou retiradas, assim quando mudava de língua, o livro mudava de conteúdo, não eram traduções e sim editorações de conteúdo. Outro problema era a origem do livro e seu nome real. Muitos grimórios afirmavam ser versões modernas inspiradas por livros mais antigos, no caso do Grande Grimório, há aqueles que acreditem que ele foi amplamente inspirado no livro conhecido como o Grimório Jurado de Honório, o Liber Juratus – não confundir com o Grimório do Papa Honório III. No Liber Juratos é possível se encontrar fórmulas muito mais próximas à de Levi, como por exemplo:
“HAIN, LON, HILAY, SABAOTH, HELIM, RADISH~~, LEDIEHA, ADONAY, JEHOVA, YAH, TETRAGRAMMATON, SADA!, MESSIAS, AGIOS, ISCHYROS, EMMANUEL, AGLA”
O que pode indicar que talvez o Grande Grimório ao qual Levi se referia seria na verdade o Liber Juratus. Levi o compara ao Dragão Vermelho, que se conecta de forma diferente aos dois livros, Grande Grimório e Liber Juratus. Muitos afirmam que o Dragão Vermelho e o Grande Grimório são os mesmos livros, outros afirmam que são livros diferentes, mas que o Dragão Vermelho, por seu conteúdo também era conhecido como um grande grimório, o maior e mais perverso de todos, dai o nome Grande Grimório ser mais um título no ranking dos maiores grimórios do que simplesmente o nome que trazia. Como Levi o descreve nos leva a crer que ao menos na França, onde circulava com o nome “Le Veritable Dragon Rouge” o Dragão Vermelho poderia ser uma versão mais popular do Grande Grimório original. Neste caso ele poderia ter alguma relação ao Liber Juratus e trazer uma versão mais próxima da fórmula apresentada, mas sem o livro que Levi tinha em mãos, não há como saber se a evocação se manteve fiel ao original ou não, mas hoje é sabido que Levi tinha uma estranha atração pelo livro, o que pesa a favor da fidelidade do texto, por outro lado Levi era um romancista e adorava “corrigir” textos que ele percebia haver chegado em suas mãos com desvios do original, assim essa evocação pode ter sido desenvolvida pelo próprio Levi para sua obra.
Independente de sua origem a evocação se consagrou, fazendo parte de inúmeros livros publicados posteriormente. Tais evocações, mesmo conflitantes entre si em sua formulação, eram muito comuns nos livros. Como grande parte dos os grimórios, se não todos eles, se derivaram da Bíblia, por mais nafasta que fosse a criatura evocada, ela deveria se curvar perante o poder de Deus, assim a fórmula era recitada, após os diagramas desenhados, para obrigar, em nome de Deus, que o espírito se materializasse.
Nas palavras de Cornelius Agrippa, quando fala sobre necromancia em seus Três Livros de Filosofia Oculta:
“Para a empreitada de chamar e compelir os maus espíritos, adjurando por um certo poder, especialmente aquele dos nomes divinos; pois sabemos que toda criatura teme, e reverencia, o nome de quem a criou, não é de admirar, se infiéis goetians, pagãos, judeus, sarracenos, e homens de toda seita profana e da sociedade, conseguirem controlar demônios ao se invocar o nome divino.”
Assim, a evocação Per Adonai traduzida se lê:
Por meu Senhor Deus, meu Senhor que Vive, meu Senhor Das Hostes Celestes, por Metraton[1] On[2] e o Senhor Eternamente Forte, pela quinta hora da noite, pela palavra profética, pelo mistério das salamandras, pelos espíritos das florestas, pelas cavernas dos gnomos, pela fortuna descrita nos céus pelos espíritos, por Almousin, Senhor da Força, por Jesus, por Evam[3], o Filho de Deus, VENHA, VENHA, VENHA.”
[1] Metraton é o príncipe dos Anjos, o único que fala diretamente com Deus, por isso chamado também A Voz de Deus.
[2] ON é outro nome de Deus.
[3] Evam é um termo que permanece incerto
O objetivo era, assim que um canal com o mundo dos mortos fosse aberto, obrigar, através da menção dos nomes/qualidades de Deus, o espírito escolhido a se manifestar. Mas, seguindo a lógica do texto de Lovecraft, as conversas trocadas pelo círculo de Curwen, o espírito deveria animar a forma, ou seja o corpo, criado alquimicamente a partir dos sais do corpo original, não apenas se manifestar em sua forma etérea. A alquimia criava um corpo físico, uma versão antiga da gentética de hoje, e a magia devolvia o espírito original a esse novo corpo.
E aparentemente Ward obteve sucesso em sua evocação, já que junto com seus clamores uma segunda voz lhe respondeu, uma voz que com certeza não era a sua.
Corta Para o Signore Pietro d’Abano
Também conhecido como Petrus De Apono ou Aponensis, viveu entre as décadas de 1250 e 1310, ele foi um filósofo italiano, que estudava astrologia e medicina em Pádua. Eventualmente, como toda pessoa culturalmente prolífera que não fazia parte da igreja, foi acusado de heresia e ateísmo e acabou caindo nas mãos da Inquisição, morrendo na prisão em 1315.
Durante sua vida estudou por muitos anos em Paris, onde recebeu os três graus de doutorado em filosofia e medicina, se tornando um médico talentoso e de muito renome, chegando a ser chamado de O Grande Lombardo. Foi em Pádua que ganhou sua reputação como astrólogo e físico e foi acusado pela primeira vez de praticar magia – diziam que com a ajuda do demônio ele conseguiu recuperar todo o dinheiro que gastou em sua educação e que possuia uma pedra filosofal, as pessoas que o acusavam disso não deviam saber dos honorários salgados que cobrava para exercer a medicina.
Pietro também gostava de escrever e registrar os conhecimentos que ia coletando, criando uma verdadeira enciclopédia de ciências ocultas, procurando sempre provar através de experimentos, aquilo que registrava sobre fisiognomia – diferente de fisionomia -, geomancia e quiromancia entre outros. E foi dentre esses estudos que registrou o seguinte:
pega saci“A peneira é sustentada por tenazes ou pinças que são erguidas pelos dedos médios de dois assistentes. Desta forma pode ser descoberto, com a ajuda de demônios, as pessoas que cometeram um crime ou que roubaram algo ou feriram alguém. A conjuração consiste de seis palavras – que não são compreendidas nem por aqueles que as proferem nem pelos que as escutam – que são DIES, MIES, JUSCHET, BENEDOEFET, DOWIMA e ENITEMAUS; uma vez que sejam pronunciadas elas compelem o demônio a fazer a peneira, apoiada nas tenazes, a girar no momento que o nome da pessoa culpada for pronunciado (pois o nome de todos os suspeitos devem ser pronunciados), tornando o culpado imediatamente conhecido.”
Mais de 200 anos depois da morte de Pietro, Agrippa começa a coletar o conhecimento ocultista existente até então em seus próprios escritos, que posteriormente foram coletanos em dois volumes entitulados Opera omnia em 1600 pela editora Lyons. Em seu total os volumes traziam seus três volumes do De occulta philo-sophia, De incertitudine et vanitate scientiartn argue artium declamatio, Liber de Iriplici ratione cognoscendi Dewn e In artem brevem Ravtnundi Lulli commentaria. Popularmente esse trecho foi apontado como saindo de algum dos três livros do Occulta, mas ele não se encontra neles, o que fez muitos pesquisadores modernos o atribuirem ao apócrifo quarto livro do Occulta philo-sophia, um livro que surgiu, escrito em latim, aproximadamente 30 anos após a morte do autor e que foi denunciado como fraude por Johann Weyer, um dos estudantes de Agrippa. Esse tipo de confusão entre D’Abano e Agrippa é comum já que um dos maiores tratados ocultos, o Heptameron – ou Elementos Mágicos – atribuído a D’Abano apareceu como apêndice no quarto livro de filosofia oculta atribuído a Agrippa. Em ambos os casos parece que os livros apenas foram atribuídos aos ocultistas como forma de marketing, já que parece que nenhum dos dois redigiu nenhuma das obras. Mas Agrippa faz menções a D’Abano em seu trabalho, especificamente em seu terceiro livro da Filosofia oculta, apontando o italiano como sendo sua fonte para o alfabeto Thebano, desenvolvido por Honório de Thebas, o suposto autor do Liber Juratus.
Assim um texto escrito por D’Abano se tornou famoso como sendo a Grande Evocação de Agrippa:
“Dies Mies Jeschet Boenedoesef Douvema Enitemaus”
As seis palavras, que antes surgiam como fórmulas mágicas individuais, agora são uma única frase, ou fórmula. Levi provavelmente a incluiu nesta parte de seu tratado por se tratar de uma fórmula de evocação ao demônio, e a associou ao ritual do sabbat, onde o diabo era supostamente evocado, mas como podemos ver, o objetivo original da fórmula não era chamar O diabo, e sim forçar algum diabo a identificar um malfeitor. Levi provavelmente teve acesso aos dois volumes do Opera omnia de Agrippa e reproduziu de lá a frase. E de lá cai nas mãos de Lovecraft.
Em seu texto sobre o Sabbat Levi esclarece:
“A grande evocação de Agrippa consiste somente nestas palavras: Dies Mies Jeschet Boenedoesef Douvema Enitemaus . Não temos a pretensão de entender o sentido destas palavras que, talvez, não têm nenhum, e ao menos não deve ter nenhum que seja razoável, pois que têm o poder de evocar o diabo, que é a soberana irracionalidade.”
Esta declaração talvez tenha tornado este trecho da obra de Levi irresistível a Lovecraft, pai dos livros que não podiam ser lidos, dos cultos inomináveis e dos nomes impronunciáveis. Giovanni Pico della Mirandola, o cabalista italiano do século XV, era outro que afirmava que  as palavras mais bárbaras e absolutamente ininteligíveis são as que produzem melhores resultados em rituais na magia negra. Até nas Mil e Uma Noites encontramos referências a tal prática, onde uma feiticeira apanha uma porção de água lago com as mãos e sussurra sobre ela “palavras que não podiam ser compreendidas”, e as Mil e Uma Noite foram uma das maiores fontes de inspiração de Lovecraft, tanto quando criança quanto quando adulto.
 
Eis o Professor de Aleister Crowley
O encontro de Darth Vader e Obi Wan Kenobi, no filme Uma Nova Esperança da saga Guerra nas Estrelas, se tornou um clássico do cinema, mas poderia ter sido plagiado da vida de dois outros grandes ocultistas: Samuel Liddell MacGregor Mathers e Aleister Crowley. Mathers, antigo amigo e mestre de Aleister Crowley nas artes mágicas, com o tempo se tornou um vilão para o ex-aprendiz.
Mathers era um Mestre Maçom, um membro da Societas Rosicruciana in Anglia e então em 1888 fundou a Ordem Hermética da Aurora Dourada. Ele também era um poliglota que dominava, entre outras línguas, o inglês, o francês, o latim, o grego, o hebraico, o gaélico e o copta, e dedicou parte da vida a traduzir e publicar antigos livros de magia em inglês, sua língua nativa. Um desses livros foi o grimório conhecido como A Clavícula Maior de Salomão – ou a Chave do Rei Salomão. Mathers aceitava a tradição que dizia que livro havia de fato sido escrito pela Rei Bíblico, mesmo que o manuscrito mais antigo que tenha estudado fosse datado do século XVI. Até a publicação da versão de Mathers o texto da Clavicula se encontrava fragmentado, partes dele circulavam em diferentes países até ser reunido em um único tomo na edição de 1889. No trabalho traduzido e publicado por Mather a evocação Dies Mies Jeschet aparece no capítulo IX do livro I no feitiço para “Como Saber Quem Cometeu o Roubo”, a fórmula aparece ligeiramente diferente e apesar de não haver uma tradução oferecida Mathers oferece, de forma discreta um possível significado:
“DIES MIES YES-CHET BENE DONE FET DONNIMA METEMAUZ; Deus Meu, Que liberou a santa Susanna da falsa acusação do crime”
Este feitiço descreve exatamente o mesmo procedimento do de D’Abano, se utilizando de uma peneira para descobrir quem realizou um roubo. Isso indica que Mathers pode ter tido acesso ou a algum texto de D’Abano ou a algum texto ao qual D’Abano teve acesso.
Curiosamente Lovecraft usa esta fórmula como uma resposta por parte do morto que foi trazido de volta a este mundo graças ao ritual realizado por Ward, ou talvez Lovecraft tenha achado interessante um espírito que volta da morte proferir as palavras usadas em rituais de demonologia antigos que ninguém sabe o significado. Mas historicamente Joseph Curwen e seus associados poderiam ter obtido a fórmula Dies Mies Jeschet tanto da Opera omnia de Agrippa, algum manuscrito que poderia fazer parte da Clavicula de Salomão.
Muito Trabalho, Sem Diversão
Tudo o que Jack Torrance precisou para resolver dar um fim em sua mulher e filho com um machado foi um tempo isolado nas entranhas do Hotel Overlook. De fato a isolação pode perturbar uma mente comum e ordinária, mas ela é ingrediente fundamental para a magia – tanto o isolamento quando a perturbação mental.
A magia é real e nos cerca, mas enxergá-la e lidar com ela é algo trabalhoso. O mago ou feiticeira deve aprender a percebê-la e a trabalhar com ela e para isso deve se distanciar da rotina que o cerca. Da mesma forma que um casal pode buscar lugares que despertem o desejo sexual e a inspiração luxuriante quando desejam novas experiências, o praticante deve buscar ambientes que tornem mais fácil para seus sentidos perceberem os poderes ocultos. Quando o ritual tem a ver com necromancia, o local de isolamento deve evocar sentimentos característicos no mago.
Levi recomenda “um lugar solitário e assombrado, tal como um cemitério freqüentado por maus espíritos, uma ruína temida no campo, os fundos de um convento abandonado, o lugar onde foi cometido um assassinato, um altar druídico ou um antigo templo de ídolos”.  Esta citação tem uma origem judaica, nos livros do antigo testamento que faz um alerta sobre rituais e sacrifícios realizados no alto de montanhas ou nos profundezas da terra.
Ward realizou rituais tanto no porão da casa da família, quanto no bangalô de seu antepassado, na cripta subterrânea. Curwen, antes dele, era conhecido também por vagar em cemitérios, e posteriormente construiu um laboratório subterrâneo em seu bangalô, sua “ruína no campo”.
Yog-Sothotheria: A Cabeça e a Cauda do Dragão
 
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Seguindo a agenda de Ward, após a invocação Dies Mies, seguiu-se uma invocação a Yog-Sothoth, quando ele volta a entoar de forma monótona uma nova fórmula, que era percebida como sílabas aparentemente sem sentido:
“Yi-nash-Yog-Sothoth-he-lgeb-fi-throdog”
Sendo seguida por um grito de YAH!, “cuja força desvairada subia num crescendo de arrebentar os tímpanos”.
Esta nova fórmula descrita por Lovecraft não possui origem clássica; ou invés de se utilizar de um ritual tradicional Lovecraft parece ter inventado um ritual próprio dedicado a uma das deidades que apresentou ao público. A invocação a Yog-Sothoth criada por Lovecraft segue um padrão usado não apenas pelo autor, mas também por outros escritores, de se fazer valer da linguagem alienígena, batizada de Aklo, sempre que se tenta evocar, banir ou chamar algum de seus antigos. Essa “pseudo-liguagem” está presente em outros contos, como O Chamado de Cthulhu e o Horror de Dunwich e não possui um significado claro.
O Portão, a Chave e o Guardião
Em o Horror de Dunwich, Lovecraft nos oferece a seguinte descrição deste Antigo:
“Também não é para se pensar (dizia o texto, que Armitage ia traduzindo mentalmente) que o homem é o mais velho ou o último dos mestres da Terra, nem que a massa comum de vida e substância caminha sozinha. Os Antigos foram, os Antigos são e os Antigos serão. Não nos espaços que conhecemos, mas entre eles. Caminham serenos e primitivos, sem dimensões e invisíveis para nós. Yog-Sothoth conhece o portal. Yog-Sothoth é o portal. Yog-Sothoth é a chave e o guardião do portal. Passado, presente e futuro, todos são um em Yog-Sothoth. Ele sabe por onde os Antigos entraram outrora e por onde Eles entrarão de novo. Ele sabe por quais campos da Terra Eles pisaram, onde Eles ainda pisam e por que ninguém pode vê-los quando pisam […] Yog-Sothoth é a chave para o portal, onde as esferas se encontram.”
No conto Através dos Portões da Chave de Prata, Randolph Carter identifica Yog-Sothoth com a origem de todo o universo criado:
“Era um Tudo em Um e Um em Tudo de ser e existir ilimitado – não meramente uma coisa de um continuum de espaço-tempo, mas aliado à essência criadora máxima de toda a existência – aquele último ímpeto sem limites que não possui fronteiras e que transcende tanto a fantasia quanto a matemática. Foi, talvez, isso que certos cultos secretos da terra sussurraram como sendo Yog-Sothoth…”
Podemos dividir os seres do universo Lovecraftiano em alguns grupos. Existem aqueles que podem ser classificados como seres, indivíduos, como o próprio Cthulhu, Nyarlatothep, Shub Niggurath, e outros. Existem também as criaturas “menores” como Bronw Jenkings, shoggoths, o sabujo voador e entidades que fazem parte de uma história maior ou que estão ligadas a outros seres maiores. E existem aqueles que são como forças da natureza, Azathoth e Yog-Sothoth são exemplos desses. Eles cumprem uma função quase cósmica. Enquanto Cthulhu pode ser considerado um líder ou um sacerdote alienígena Yog-Sothoth está além da mera existência, ele não tem um propósito da forma que compreendemos propósitos. Em um primeiro momento Yog-Sothoth parece ser alguém excessivamente poderoso para ser usado apenas com o objetivo de se trazer alguém de volta da morte. Mas dentro da mitologia Lovecraftiana ele também se mostra uma escolha lógica para essa tarefa. Como vemos pela descrição do Horror de Dunwich, Yog-Sothoth é aquele que será usada pelos antigos “mortos”, como Cthulhu por exemplo, para retornarem à vida. Isso nos mostra que nossa compreensão de vida e morte é extremamente limitada, se comparada àquela de criaturas que mesmo mortas sonham, e com a afirmação de que até mesmo a morte um dia pode morrer. Assim, magos como Curwen talvez tenham enxergado uma vantagem em entrarem em contato com algo tão poderoso assim. Podemos acompanhar essa decisão na correspondência trocada por ele com outros magos de seu círculo:
“Mas eu estou disposto a enfrentar tempos difíceis, como lhe disse, e tenho trabalhado muito sobre a maneira de reaver o que perdi. Na noite passada, descobri as palavras que evocam YOGGE-SOTHOTHE e vi pela primeira vez aquele rosto de que fala Ibn Schacabac”.
Em uma carta escrita por Simon Orne encontramos a saudação “Yogg-Sothoth Neblon Zin” e mais adiante em outra escrita por Curwen lemos:
“Evoquei três vezes Yog-Sothoth e no dia seguinte fui atendido.”
Evidentemente o poder de Yog-Sothoth é reconhecido como algo que jamais poderia ser controlado após a primeira morte de Curwen, em uma carta escrita por Ezra Weeden, onde o escritor cita um aviso de Simon Orne enviado anteriormente para Curwen:
“Eu lhe digo novamente, não chame aquilo que você não possa dispensar depois; e com isso me refiro a ninguém que, por sua vez, possa evocar algo contra o senhor, algo contra o qual seus recursos mais poderosos não terão nenhuma eficácia. Busque os menores, para que aqueles que são grandes não respondam mostrando um poder maior do que o seu”.
Este não é o primeiro conto de Lovecraft onde Yog-Sothoth é evocado mas traz uma peculiaridade que não surge em nenhum outro lugar. A evocação usada por Ward, como mais tarde é descoberto por Willett, é uma das duas partes de um feitiço aparentemente maior. As fórmulas descobertas são:
Y’AI ‘NG’NGAH,
YOG-SOTHOTH
H’EE—L’GEB
F’AI THRODOG
UAAAH
OGTHROD AI’F
GEB’L—EE’H
YOG-SOTHOTH
‘NGAH’NG AI’Y
ZHRO
Assim como Willett percebeu, basta uma olhada cuidadosa em ambas as fórmulas para notarmos que uma é o inverso da outra. Se excluimos os dois gritos finais, UAAAH e ZHRO, uma fórmula é exatamente a outra com cada letra escrita de trás para frente, à excessão do nome de Yog-Sothoth. Os gritos finais são uma pista da funcionalidade das fórmulas – indicam o início e o fim, talvez uma aluzão ao A e ao Z do alfabeto, ao “Alfa et Ômega”. Junto com as  fórmulas encontramos dois símbolos:
caput e  cauda
conhecidos respectivamente como a Cabeça do Dragão e a Cauda do Dragão.
Esses dois conceitos estão presentes em três ciências que possuem ligações íntimas: a alquimia, a geomancia e a astrologia.
Quando Lovecraft escreveu o texto, seu personagem lidava com a alquimia, e nela o dragão tem um papel fundamental, como explicou Carl Gustav Jung em seu Psicologia e Alquimia:
“Quando o alquimista fala de Mercúrio ele está falando de duas coisas, superficialmente ele está falando do elemento químico mercúrio, mas de forma mais profunda ele se refere ao espírito criador do mundo que se encontra aprisionado na matéria. O dragão é provavelmente o mais antigo símbolo pictórico na alquimia que temos evidência. Ele surge como o Ouroboros, deverando a própria cauda, no Codex Marcianus, que data do século X ou XI, juntamente com a legenda ‘O Um o Todo’. Vezes sem fim o alquimista reafirma que a obra se origina no um e leve de volta ao um, que é como um círculo tal qual um dragão que devora a própria cauda. Por essa razão a obra já foi chamada de circulare (circular) e rota (roda). O Mercúrio está presente no início e no fim do trabalho: ele é a matéria prima (primeira matéria), o caput corvi, o nigredo; como o dragão ele também se devora, morrendo para então ressurgir no lápis.”
Assim um símbolo draconiano deixa claro o objetivo do trabalho, ou obra, que estava sendo realizado, seria um trabalho lidando com morte e renascimento. Algo que tanto Curwen quanto Ward estavam fazendo.
na geomancia ambos os símbolos tem uma relação oposta. Cauda Draconis está relacionada à má orientação, mau conselho, más companhias, engano, etc., já a Caput Draconis à boa orientação, bom conselho, bons contatos, boa dica. A geomancia é uma arte muito antiga, uma das ferramentas oraculares mais primitivas que se tem notícia. Suas origens remontam à Pérsia antiga, e traz consigo muitas semelhanças com o I-Ching chinês. Algumas pessoas mais exaltadas inclusive apontam para as passagens bíblicas que mostram Jesus escrevendo nas areias antes de responder aos questionamentos de alguns homens que o procuravam como evidências de Jesus ser um geomante. Os 16 símbolos geomânticos possuem hoje uma ligação direta com os planetas e signos da astrologia e com os Planetas da Alquimia.
A escolha dos símbolos atrelados à fórmula de evocação de Yog-Sothoth se mostram curiosos, pois apesar de existirem em tratados alquímicos antigos, como o Últimos Desejos e Testamento de Basil Valentine, publicado em 1671, traz um símbolo semelhante ao Caput Draconis com o significado de Sublimação ou o Medicinisch Chymisch und Alchemistisches Oraculum, publicado em 1755, que traz o símbolo equivalente ao Caput Draconis com o significado de purificação, estão ligados à astrologia a aos nodos lunares. Os dois símbolos usados na obra de Lovecraft se derivam, então, da astrologia.
A Cabeça e a Cauda do Dragão, ou Caput Draconis e Cauda Draconis, são os nomes dos dois nós ou nodos lunares; são pontos imaginários que mostram onde a órbita da lua ao redor da Terra atravessa a órbita que a terra faz ao redor do sol. Essas órbitas coincidem a cada 28 dias, em 2 momentos,como se fossem 2 nós, amarrando aquelas órbitas naquele momento específico.
Na interpretação astrológica, todos os signos têm os seus nós que em algum momento cortam a órbita ascendente e descendente. O nós ascendente é onde a lua atravessa o norte da elipse, o descendente onde cruza o sul, é por isso que as eclipses só podem ocorrer próximos aos nós lunares, os eclipses solares ocorrem apenas quando a lua cruza o nó em sua fase Nova e eclipses lunares quando a lua cruza o nó em sua fase Cheia.
Os nós recebem diferentes nomes em diferentes lugares do mundo. O nó ascendete, também chamado de nó norte, era conhecido na europa antiga como Cabeça do Dragão, ou Anabibazon, e representado pelo símbolo à esquerda. O nó descendente, ou sul, era chamado de Cauda do Dragão, ou  Catabibazon, e representado pelo símbolo da direita – uma inversão do primeiro.
Com a popularização da astrologia e seu distanciamento com a estronimia, esses nós acabaram se relacionando com aspectos ocultos e indicadores do destino das pessoas. A crença é que a Cabeça do Dragão se relacione com o caminho do destino da pessoa, enquanto a Cauda do Dragão se relaciona com o passado da pessoa, ou o Karma que traz consigo.
Não há como apontar uma obra específica que tenha inspirado Lovecraft a usar esses dois signos, mas com certeza ele estava familiarizado com eles de estudos que realizou e de contatos que tinha com entusiastas do assunto, como mostra este trecho de uma carta que escreveu para E. Hoffmann Price em fevereiro de 1933:
“Quanto a astrologia – como sempre fui um devoto da ciência real da astronomia, que tira todo o apoio no qual se baseiam os arranjos celestes irreais e aparentes todas nos quais se derivam todas predições astrológicas, eu desprezo essa arte de forma que não tenho interesse nela – exceto quando refutando suas afirmações pueris. Pelos idos de 1914 eu realizei uma pesada campanha contra um defensor local de astrologia em um de nossos jornais, e em 1926 eu li uma bela quantidade de livros astrológicos (desde então esquecidos em sua maioria) para que pudesses trabalhar como escritor fantasma em uma obra que expusesse de forma irrefutável a falsa ciência, tendo como cliente ninguém menos do que Houdini. Isto resume a soma do meu conhecimento astrológico – já que criar horóscopos nunca foi uma de minhas ambições. Se eu em algum momento me utilizar de qualquer subterfúgio astrológico em algumas de minhas histórias eu com todo o prazer lhe escreverei atrás de detalhes mais realistas”
Com o desenrolar da história a fórmula acaba se revelando não apenas a chave para de evocar o morto, para que possa se manifestar em nosso mundo, mas também a chave para despachá-lo de volta para a morte. Isso se reflete na escrita das duas chamadas, uma sendo o inverso da outra, a primeira cria a obra, a segunda a descria.
Curiosamente, o efeito reverso “Caput Draconis” parece ser muito mais poderoso do que a obra para se trazer o vivo e se recriar seu corpo a partir de seus sais. Qual o possível motivo disso?
E Se Eu Cortasse Seus Braços e Cortasse Suas Pernas?
Outro livro de ocultismo que com certeza fez parte da coleção de Lovecraft foi a Enciclopádia de Ocultismo de Lewis Spence. O artigo sobre necromancia no livro a define como “divinação através dos espíritos dos mortos”. Lovecraft foi muito além disso.
A história nos fala de duas pessoas que foram trazidas de volta: Curwen e Daniel Green.
Daniel Green foi trazido de volta por Curwen e posteriormente escapa de sua fazenda em Pawtuxet. O processo utilizado por Curwen difere em muito daquele descrito no livro de Spence, que escreve:
“Se o fantasma de uma pessoa morta deve ser chamado, a sepultura deve ser procurada à meia-noite e uma forma diferente de conjuração se faz necessária. Ainda outra é o sacramento infernal “todo corpo que já foi enforcado, afogado ou de outra forma liquidado”; e neste caso as conjurações são realizadas sobre o corpo, que finalmente se erguerá e, de pé, responderá com uma fraca voz oca as questões que lhe forem feitas.”
Parte do trabalho de Curwen reflete a necromancia clássica. Ele violou a sepultura de Green, que posteriormente foi encontrada vazia, e tinha o costume de interrogar o morto:
“A natureza das conversas pareciam sempre ser uma espécie de catequismo, como se Curwen estivesse tentando extorquir algum tipo de informação de horrorizados prisioneiros rebeldes […] a maior parte das questões que podia compreender eram de cunho histórico ou científico; ocasionalmente relativas a lugares e eras remotas.”
Mas sua obra não tinha como objetivo apenas prender uma alma a um corpo morto, ele desejava restaurar a vida ao corpo morto. Ao contrário dos processos descritos em outros livros que falam sobre necromancia, como O Livro da Magia Negra de A. E. Waite – que Lovecraft chegou a recomendar a um amigo escritor em uma carta escrita anos depois de ter terminado O Caso de Charles Dexter Ward -, o corpo utilizado por Curwen não precisava ser o de um suicida. O corpo não precisava ser de alguém que havia morrido há pouco tempo. Não necessitava ser revivido no local. O processo envolvia substâncias químicas que podiam ser obtidas de “bons químicos na cidade”
O morto deveria então ser incinerado para que seus sais – ou cinzas – fossem conseguidos antes que a operação tivesse início. A reanimação necessitava de grandes quantidades de sangue fresco, não importando se animal ou humano. Posteriormente quando revivido, Curwen diz para Ward que precisa de sangue humano por três meses – o que deu origem à série de ataques vampíricos.
O corpo revivido aparentemente pode permanecer vivo por longos períodos, mas não é imortal. Daniel Green, assim que foge da fazenda de Curwen é encontrado morto, se pelo frio ou pela falta de novas infusões de sangue não há como dizer. Curwen depois de ressuscitado viveu por mais de um ano.
A chave para esse ligação mais duradoura pode ser a presença de Yog-Sothoth, que é evocado com a fórmula da Cabeça do Dragão depois de longos rituais – Ward passou horas recitando a evocação Per Adonai, a fórmula Dies Mies, além de qualquer outra coisa que possa ter realizado que não foi percebida graças ao desmaio de sua mãe, a única testemunha do ocorrido.
E mesmo assim, o novo corpo recriado pelo trabalho com os sais não é perfeito: Daniel Green apresentava certas “peculiaridades” como um aparelho digestivo que parecia nunca ter sido usado, “enquanto toda a sua pele tinha uma textura grosseira e frouxa impossível de explicar”. Curwen também possuia os tecidos grosseiros e suas funções vitais eram mínimas, mesmo assim ele foi capaz de personificar e então tomar o lugar de seu descendente, Ward.
A necessidade constante de quantidades de sangue e a indicação de que o sistema digestivo dos novos corpos pareciam nunca ter sido usados sugerem que os novos corpos não possuiam um metabolismo próprio e necessitavam ser constantemente “alimentados”. Além da alquimia e do sangue a magia era parte fundamental de sua manutenção. Quando o Dr. Willet acaba se confrontando com Curwen, ele usa a fórmula OGTHROD AI’F, associada à Cauda Draconis, para desfazer o feitiço que mantinha a alma presa ao corpo, fazendo com que ele “morra” imediatamente. Isso indica que apesar de ser necessário muito trabalho e muita energia para se recriar e reviver alguém, apenas um encantamento pode desfazer o trabalho. Outra sugestão é que o corpo permanecesse funcional pela intervenção de Yog-Sothoth, e que a menção da fórmula Cauda Draconis encerra o acordo, Yog-Sothoth encerra seu contato, seja lá qual for, com o corpo e ele morre novamente, isso tornaria o papel de Yog-Sothoth no ritual muito mais importante do que uma mera evocação para liberar uma alma.

por Rev. Obito

Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/h-p-lovecraft-charles-dexter-ward-joseph-curwen-e-necromancia/

Caim e Abel

Shirlei Massapust

Gênesis 4:8 informa:

“Caim se lançou sobre seu irmão Abel e o matou”. Antes ambos estavam no campo (בַּשּׂדֶה) onde Caim cultivava sua horta. Eles conversaram (אמֶר) a respeito do problema, mas não houve acordo. Seguindo a lógica da estória este lavrador certamente possuía um machado para abrir terreno, uma enxada e um arado para trabalhar o solo, uma foice para ceifar a colheita, etc. Tudo notoriamente útil para matar seu desafeto. Mas, considerando que não está escrito que Caim usou armas brancas, fica presumido que ele lutou com unhas e dentes.

Numa época em que havia várias teorias a respeito da motivação e da forma de execução do assassinato, R. ʿAzariah e outros rabinos defenderam a hipótese de que Caim observou atentamente enquanto Adão sacrificava um bezerro e, por isso, deduziu que um sacrifício humano deveria agradar mais a YHWH do que o sacrifício animal. Então perfurou a garganta de Abel. (Midrash Genesi Rabbah 22:8).[1] O Talmude ressalta que Caim não conseguiu tirar a vida até perfurar o esôfago e a traqueia (Sanhedrin 37 b).

Caim segurando um machado de lenhador. Desenhado em 1511 pelo ex-lenhador Dürer.

Num livro apócrifo grego Eva tem um sonho profético e vê o sangue de Abel escorrer na boca de Caim, que o bebia com sofreguidão, embora o irmão suplicasse para não sorvê-lo todo[2]. Lendo diretamente no grego encontramos enunciados exóticos, tipo o trecho onde Caim se transformou (γεγονὸς αὐτοῖς) enquanto brigava. Portanto optou-se por uma tradução aproximada:

2 1 Eva falou ao esposo Adão: 2 “Meu marido, esta noite sonhei ver o sangue de meu bom filho, Abel, escorrer da boca de Caim, seu irmão, que o bebia sem piedade. Ele pediu para deixar um pouco, 3 mas, ao invés de o escutar, continuou bebendo até o fim. Nem tudo ficou no estômago, pois acabou vomitando”.4 Adão respondeu a Eva: “Vamos sair e ver o que está acontecendo com eles, caso estejam brigando furiosamente”. 3 1 Ambos saíram e encontraram Abel morto pelas mãos de Caim.

John Levison consultou nove manuscritos e descobriu quatro formas textuais diferentes desta estória, sendo que a fonte material mais antiga teria sido escrita em Milão durante o século XVII:

A forma textual posterior, aqui chamada de “redação II”, apagou aquilo que não convinha aos interesses do escriba doutrinador: “The other text forms read infelicitously that the blood Cain drank he drank completely and let sit in his stomach. Text form II blunts the impact of this graphic detail. Manuscript R does so by omitting it entirely, while manuscript M abbreviates the wording”.[3]

Robert Henry Charles publicou uma versão crítica, informando que o Manuscrito D (Ambrosiana gr. C 237 Inf.) está corrompido a ponto de substituir o nome de Caim (Κάϊν) por Adiàphotos (‘Αδιάφωτον).[4] Contudo, outra fonte do século XVII confirma a tradição oral sobre mordidas: Na página 1431 do Quæstiones celeberrimæ in Genesim (1623), Mersenne menciona que “Abelem fuisse morsibus dilaceratum ad Cain”. Recentemente o teólogo Daniel Lifschitz opinou que “Caim matou seu irmão mordendo-o como uma serpente[5]”.

 Vampiro Caim em frenesi. The Book of Nod (1993).[6]

Armas com dentes ou informação oculta?

A mais enigmática entre as versões que dão uma arma branca a Caim é aquela conhecida por José Saramago onde o personagem mata Abel “a golpes de uma queixada de jumento que havia escondido antes num silvado”[7]. A cena foi esculpida em 1432, por Jan van Eyck, no altar da Catedral de Saint-Bavo, Ghent, Bélgica; encomendado pelo bispo local na intenção de educar os católicos em matéria de teologia por meio de imagens. Paralelamente, uma tímida iluminura colorida e anônima foi produzida na mesma época.

1) Detalhe da arte sacra no altar da Catedral de Saint-Bavo, Ghent, Bélgica, esculpido por Jan van Eyck (1432). 2) Iluminura anônima (séc. XV).

No quadro a óleo A Tentação de Santo Antônio (c. 1512-15), de autoria de Matthias Grünewald (1480-1528), integrante do acervo permanente do Musée d’Unterlinden, em Colmar, encontramos vários diabos espancando o idoso santo. A figura central, diabo que lhe puxa os poucos cabelos que a calvície ainda não derrubou, se prepara para acertá-lo com um maxilar de burro.[8]

A Tentação de Santo Antônio (c. 1512-15), de Matthias Grünewald.

O inconfundível objeto reaparece nas mãos de Caim em três gravuras assinadas por Lucas Van Leyden em 1520, 1524 e 1529[9]. O fato de um artista haver passado nove anos aperfeiçoando a cena da morte de Abel atingido pela estranha mandíbula, mirada na direção de seu pescoço, ao lado do altar de sacrifícios, demonstra que este tema específico era procurado e apreciado pelo público consumidor.

Conjunto de xilogravuras de Lucas Van Leyden datadas de 1520, 1524 e 1529. Todas trazem o mesmo tema: Caim matando Abel com uma mandíbula de equino.

Gravação de Mabuse (c 1527), impressos de Johann Sadeler (1576) e Jan Lievens (1640).

Lucas Van Leyden viajou pela Europa, vendendo panfletos. Em 1527 ele conheceu o pintor flamenco Mabuse (Jan Gossaert), em Middelbur, e parece tê-lo convencido a divulgar a nova versão da morte de Abel. Foi Mabuse quem teve a ideia de tampar o sexo de cada personagem com um chute de seu rival.

Na última versão de Van Leyden, aparentemente influenciada por Mabuse, só Abel chuta o sexo de Caim enquanto este tenta lhe acertar o pé no coração. Outros pintores adotaram a arma iconográfica, mas mantiveram os personagens com os pés no chão. Encontramos impressos assinados por Johann Sadeler em 1576 e Jan Lievens em 1640. É também este o tema dum rascunho de Rembrandt van Rijn (1606-1669).

Isto não parece com armas medievais tais como a Morgenstern e outras clavas com espetos que passam a impressão de serem porretes com dentes. Logo, é um padrão iconográfico onde Caim utiliza o recurso encontrado por Sansão na ocasião em que o herói foi possuído por Ruach YHWH (יהוה רוח), o espírito de deus, e matou mil homens (Juízes 15:15). Sansão e Caim ganharam טְרִיָּה לְחִי־חֲמוֺר יִּמְצָא — “uma novíssima mandíbula de equino[10]”. Mas, considerando que a melhor tradução de טְרִיָּה é “carne fresca”, por que YHWH teria a ideia estapafúrdia de usar um bife como porrete? Seria isto algum tipo de oferenda ritual?

Obviamente a mandíbula não era um porrete comum. Isto foi usado para fazer magia, pois antes de emprestar poderes para Sansão vencer sozinho uma guerra (Juízes 15:15) e fazer fluir água potável das rochas (Juízes 15:18-19), YHWH encantou o cajado de Aarão com poderes para vencer sozinho uma guerra transformando água em sangue (Êxodo 7:19), etc., e fazer fluir água potável das rochas (Êxodo 17:5). Na época do cerco de Ben-Hadade à capital de Israel a população foi obrigada a passar fome e uma cabeça de jumento chegou a valer oitenta peças de prata (II Reis 6:25).

Sobre a antiguidade do uso, possivelmente religioso, de mandíbulas de equinos, sabemos que uma delas foi encontrada junto aos restos mortais dum homem adulto, falecido na faixa etária dos 50 anos, hoje conhecido como Šamani Brno. Um fragmento de sua costela foi submetido ao teste de radiocarbono, o qual indicou a datação de 23.680 ± 200 anos RCYBP, ou uma idade provável entre 23.280 e 24.080 anos RCYBP.[11] Por isso Jill Cook estimou a idade do esqueleto e suas pertenças em 26.000 anos.[12] O túmulo Brno II estava localizado a quatro metros de profundidade na estrada Francouská, no cruzamento com a rua Předlácká, em Brno, na República Tcheca.

Nomes de poder

O nome de Caim (קין) vem de uma raiz que significa a criação dum produto artesanal. Por exemplo, a atividade do oleiro ao fazer um vaso de argila. Moisés Maimônides observou que os verbos criar (ברא) e fazer (עשו) são sinônimos (Gênese 2:4) em estreita relação com o verbo adquirir (קנה) – radical de Caim (קין) – porque YHWH se tornou adquirente do céu e da terra (Gênese 14:19 e 22). Então Caim ganhou um nome que significa “Criador” no sentido de artesão inventor, em homenagem a YHWH. Eva explicou a paródia quando o pariu: את־יהוה איש קניתי — “Eu gerei um homem de YHWH” (Gênese 4:1).

Uma das coisas a respeito das quais tu deverias conhecer e prestar atenção é o conhecimento manifesto pelo fato dos dois filhos de Adão serem chamados Caim e Abel; porque foi Caim quem matou Abel no campo. Ambos morreram apesar da trégua concedida ao agressor (Guia dos Perplexos II:30, folio 71b).[13]

YHWH nunca falou diretamente com Eva exceto na ocasião em que explicou a ela como nascem os bebês. Eva estava tão feliz que agradeceu pela punição da fecundidade sem a qual ela nunca sentiria as dores do parto, mas também nunca seria mãe (Gênese 3:16). O nome do segundo filho, Abel (הבל), significa luto. Não qualquer luto, mas as dramáticas demonstrações de pesar próprias dos orientais. Luto cheio de gritos e lagrimas, com pessoas rasgando as roupas e arrancando os cabelos.

Segundo o exemplo da narrativa bíblica, José fez luto por Jacó durante setenta dias, chorando com todo o Egito. Foi tão impressionante que deram ao lugar o nome de Abel Mesraim, ou seja, “Luto dos Egípcios” (Gênese 50:11).

Sacrifício dos primogênitos

Até hoje muitos tentaram e não conseguiram traduzir Gênese 4:7 de forma bela e elegante. O teólogo Domingos Zamagna chegou a sugerir que o problema está na corrupção do livro e não no leitor interessado em encontrar o espelho da sua ideologia. Daí a necessidade de oferecer ao leigo nada mais que a “tradução aproximada de um texto corrompido[14]”. Mesmo assim às vezes aparecem pessoas excêntricas afirmando não ter dificuldade em entender o que está escrito. Certa vez o ex seminarista Alphonse Louis Constant (1810-1875) pretendeu desvelar o segredo:

Caim foi o primeiro sacerdote do mundo. Todavia Abel exercera, antes de Caim, uma espécie de sacerdócio e fora o primeiro a derramar sangue. (…) Ele oferecia ao Senhor, diz a Bíblia, os primeiros animais de seu rebanho; Caim, pelo contrário, só oferecia frutas. Deus rejeitou as frutas e preferiu o sangue; mas ele não tornou Abel inviolável, porque o sangue dos animais é antes a expressão do que a realização do verdadeiro sacrifício. Foi então que o ambicioso Caim consagrou suas mãos no sangue de Abel; em seguida, construiu cidades e fez reis, pois se tomara sumo pontífice[15].

O contexto problematiza a exigência de YHWH de que todo filho primogênito, de sexo masculino, animal ou humano, fosse sacrificado em sua honra (Êxodo 34:19-20) ou substituído por um sacrifício expiatório (Gênese 22:13). Caim, que era lavrador, colheu frutos da terra e ofertou a YHWH, mas a comida vegetariana não despertou o interesse da divindade carnívora.

Logo depois Abel, que era pastor de ovelhas, sacrificou os filhos primogênitos do seu rebanho (Gênese 4:4). YHWH olhou para Abel e sua oferenda. Não olhou Caim e sua oferenda. Então a verdade se tornou óbvia. O irmão menor, Abel, possuía os requisitos necessários ao culto, mas Caim não tinha animais.

Caim começou a demonstrar sintomas de desespero porque ele próprio era um filho primogênito predestinado ao sacrifício. Ele tinha a obrigação de morrer ou comprar sua própria vida, mas a tentativa de resgatar a si mesmo falhou e ele já não sabia o que fazer. Na literatura paralela o agricultor recusa veementemente o suicídio e não economiza palavras para ofender YHWH, dizendo: “Eu pensava que o mundo havia sido criado para a bondade, mas vejo que as boas obras não produzem fruto algum. Deus governa o mundo usando arbitrariamente o seu poder[16]”.

Não existe justiça e nem há juízo. Não existe futuro nem vida eterna. Os bons não recebem nenhuma recompensa e para os maus não existe nenhuma punição (Midrash Aggadah 4,8)[17].

Ao contrário do personagem medieval que parece servir de válvula de escape para os incrédulos reprimidos dizerem tudo que pensam, culpando o vilão da estória, o herói bíblico nada fala e nada faz além de ficar nervoso e cabisbaixo. É neste momento que YHWH, olhando para Abel, fala pela primeira vez com Caim:

ךינפ ולפנ המלו ךל הרח המל ןיק לא הוהי רמאיו

Gênese 4:6

וב לשמת התאו ותקושת ךילאו ץבר תאטח חתפל ביטית אל םאו תאש ביטית םא אולה

Gênese 4:7

Primeiro a divindade questiona porque Caim está deprimido. Presumimos que, ao ouvir isso, o humano compreendeu outra premissa básica da antiga religião: Deus não olha nos olhos de quem vai viver porque ninguém pode continuar vivendo após ver sua face (Êxodo 33:20). YHWH não estava olhando somente para o altar repleto de carneiros assados. Deus olhava para “Abel e sua oferenda” (Gênese 4:4).

Pela antiga lei bíblica o primogênito era herdeiro universal do patriarca e os irmãos mais novos lhe deviam obediência. Caim “falou” com Abel, provavelmente tentando negociar a compra de um carneiro, mas este nada fez, notoriamente sabendo que ele herdaria tudo se o irmão morresse. Então, sem nenhum animal para sacrificar no seu lugar, Caim matou a única criatura disponível que, em tese, lhe era subordinada.

No fim de tudo Caim perdeu a memória e acordou dum estado de transe semelhante àquele que acometia Sansão quando este guerreava, possuído por YHWH, e depois não conseguia lembrar o fato de ter matado pessoas. Na versão apócrifa ele tem um acesso de vampirismo e acorda vomitando sangue.

Um texto corrompido?

Com certeza não há nada mais importante em Gênese 4 do que o conselho que YHWH deu a Caim. Seria uma lástima se Domingos Zamagna estivesse certo e o texto corrompido. Rabinos problematizaram a diferença de gêneros entre a palavra feminina chatath (תאטח) e o verbo masculino rovetz (ץבר) que a segue à semelhança de erro ortográfico[18]. Seria isto um indício de que ali termina uma frase e outra começa?

É fato que podemos traduzir tudo. Só não é possível forçar um significado politicamente correto perante as normas de conduta da nossa época. A redação presume um padrão estético onde as feridas são belas e o sangue é uma tinta sagrada.

Considere o costume de decorar a porta da tenda onde vive um primogênito com sangue pincelado com um ramo de manjerona (Origarum maru) para que YHWH não o matasse (Êxodo 12:22-23). Como Caim não tinha animais, e este era seu problema, ele teria a obrigação de usar seu próprio sangue. YHWH disse:

וב לשמת התאו ותקושת ךילאו ץבר תאטח חתפל ביטית אל םאו תאש ביטית םא אולה — Porque se [Caim] não fez uma bela ferida em si mesmo e se não embelezou a porta [pintando-a com sangue, então fará] matança expiatória. Curve-se para satisfazer tua paixão e então reine sobre si mesmo.

Talvez não seja inútil mencionar que o verbo reinar diz respeito à atividade do rei, melek (מלך), título homônimo homógrafo do interventor ou mōlek (מלך) que, de acordo com alguns historiadores, era um ser humano sacrificado no altar de YHWH.[19] Philo de Alexandria (20 a.C-50-d.C.) conheceu uma versão onde efetivamente “Caim se levantou e cometeu suicídio” (Philo. Quod det. Pol. § 14). Só que não é assim que acaba a estória que nós possuímos, baseado na compilação de Mōšeh bem’Āšēr.

A última frase dita a Caim, em Gênese 4:7, parafraseia palavras ditas a Eva, em Gênese 3:16, quando YHWH explica como acontece o coito, a gravidez, o parto e como se mantém a hierarquia duma estrutura familiar: “Ele [Adão] reinará sobre você [Eva]” (בך ימשל והוא). “Você [Caim] reinará sobre si mesmo” (וב לשמת התאו). Se Abel morresse Caim reinaria apenas sobre seus próprios filhos e descendentes. Não reinaria sobre Abel e seus descendentes, mas pelo menos continuaria vivo.

Nos discursos paralelos de YHWH, em Gênese 3:16 e 4:7, a palavra תְּשׁוּקָה com certeza descreve o sentimento de atração irresistível que resultou no doloroso parto de Eva, apaixonada pelo esposo (אישך), e, depois, na tremenda angústia do filho ansioso pela realização dum sacrifício expiatório (חַטַּאת).

A condenação de Caim ao ostracismo

Sansão era o tipo de médium que acordava desmemoriado no meio duma pilha de gente morta. Caim se fez de desmemoriado ou desentendido quando questionado por YHWH a respeito do que aconteceu com Abel.

4 9 E disse o Eterno a Caim: “Onde está Abel, teu irmão?” E disse: Não sei; acaso o guarda do meu irmão sou eu? 10 E disse: “Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão está clamando a Mim desde a terra. 11 E agora maldito és tu da terra, que abriu sua boca para receber o sangue do teu irmão, da tua mão. 12 Quando lavrares, o solo não dará mais a sua força para ti; fugitivo e vagabundo serás na terra”. 13 E disse Caim ao Eterno: “É tão grande o meu delito de não se poder suportar? 14 Eis que me expulsas hoje de sobre a face da terra, e da Tua presença não poderei me ocultar. E serei fugitivo e vagabundo na terra, e acontecerá que todo o que me encontrar matar-me-á”. 15 E disse o Eterno: “Por isso, quem matar a Caim, sete vezes será vingado”. E o Eterno pôs em Caim um sinal para que não o ferisse quem quer que o encontrasse. 16 E saiu Caim da presença do Eterno e habitou na terra de Nod, ao oriente do Édem[20].

Sangue está no plural, damēy āchiykhā (אָחִיךָ רְּמֵי). Se o texto não se referir a manchas espalhadas por várias partes do chão, então este sangue é dos animais sacrificados por Abel ou de Abel e seus sacrifícios. Isto era um problema para Caim. O corpo delito provava a morte que deveria ser punida por Adão ou por qualquer outro parente colateral de sexo masculino. Abel estava longe de ser um adversário tolo e fraco. A julgar pelo poder dos nomes sobre as personalidades míticas, não seria exagero dizer que ele era uma espécie de mestre das mentiras e dissimulações[21].

Nesta cosmogonia existem fantasmas e Abel se defende intercedendo por si mesmo junto aos seus sacrifícios, certamente clamando por um vingador de sangue para matar Caim[22]. Mas YHWH percebe que precisa ajudar afastando-o da família vingativa e abençoando-o com uma marca protetora. No final Caim foi condenado ao ostracismo (ארור  אתה מן־האדמה ) na terra (אדמה) de seu pai, Adão (אדם), para expiar a culpa coletiva. Depois que a terra, isto é, a humanidade, abriu a boca para beber sangue (אשר פצתה את־פיה לקחת את־דמי)alguém devia pagar por isso[23].

“O Sacrifício de Caim”, pintado por Amico Aspertini (c.1474-1552). Adão e Eva estão exaustos e famintos, junto a prato e jarro vazios, lembrando da expulsão dos campos do Éden. Caim segura um espelho, possivelmente imaginando a si mesmo sendo sacrificado nas chamas da churrasqueira do altar.

Pelo menos uma das numerosas versões judaicas deste mito termina com final feliz. Rabinos descreveram o dia em que Adão encontrou Caim no exílio e perguntou a respeito da conversa que este teve com YHWH: “Como você foi castigado?” Caim respondeu: “Prometi arrepender-me e foi-me dada anistia”. Adão se flagelou batendo no próprio rosto e disse: “Eu não sabia que o arrependimento tem tanto poder!” (Pĕsiḳta dĕ-Raḇ Kahăna 11:18)[24]. Porém era tarde para assumir a culpa pelo furto dos frutos proibidos. A sentença de Adão já havia transitado em julgado, condenando-o a viver duma dieta de cactos comestíveis (דרדר)[25], moyashi (תצמיח), centeio (לחם) e verdura (עשב) cultivada por ele mesmo com sofreguidão (Gn. 3:18-19).

A fábula do corvo

Uma das fábulas de Rumi (1207-1273) descreve Caim em dúvida sobre o que fazer para ocultar o cadáver de Abel. Neste momento ele viu um corvo vivo carregando um corvo morto pousar no solo e abrir uma cova para lhe ensinar, pois a ave carniceira estava inspirada por deus. Depois que o corvo vivo terminou de enterrar o corvo morto, Caim imitou-o e assim aprendeu a cavar sepulturas (Mathnawí IV:1300-1310)[26].

No Corão a história continua após um dos filhos de Adão matar o outro como sacrifício expiatório:

Deus enviou um corvo que se pôs a escavar a terra para ensinar-lhe como ocultar o cadáver do irmão. Disse: “Ai de mim! Sou, acaso, incapaz de ocultar o cadáver de meu irmão, se até este corvo é capaz de fazê-lo?” Contou-se depois entre os arrependidos. (Corão 5:31).[27]

Rabbi Louis Ginzberg (1873-1953) explicou que a variante judaica desta fábula é um comentário ao Salmo 147:9 onde YHWH alimenta os filhos do corvo (עֹרֵב בְנֵי) quando os pais lhes abandonam[28]. Fora de contexto, vale lembrar que na natureza os corvos não enterram os mortos. Eles eliminam cadáveres comendo a carniça.

Na Bíblia o profeta Balaão faz um trocadilho entre Caim (קין = qyn) e ninho (קנך = qen) comparando o rei em sua cidade fortificada a um pássaro no ninho. Provavelmente isto diz respeito a uma cidade redonda e côncava, sobre uma montanha, semelhante à Tel Dan. A cidade está segura, mas Caim tem um problema. O seu reino foi reivindicado como colônia pela Assíria e ele se rendeu sem organizar nenhuma campanha militar defensiva. Então Balaão, em nome de deus, mandou uma mensagem para Caim mandando-o parar de pagar impostos e atacar sem medo: “A tua morada está segura, Caim, e o teu ninho firme sobre o rochedo. Contudo, o ninho pertence a Beor. Até quando serás cativo de Assur?” (Números 24:21-24).

Espírito de Caim. Desenho de Collin de Plancy no Dictionnaire Infernal (1863).

O medo do Rei Caim era fundamentado, pois quando Ben-Hadade declarou guerra contra Israel, a situação na capital sitiada era tão calamitosa que a população precisou recorrer ao canibalismo dos primogênitos para sobreviver (II Reis 6:27-29).

A marca de Caim

Está escrito que YHWH pôs em Caim um sinal para impedir que ele fosse ferido por qualquer pessoa que o encontrasse e prometeu que se algum vingador de sangue vingasse a morte de Abel, matando-o, então outros sete vingadores seriam enviados para vingar a morte de Caim (Gênese 4:15). Noutras palavras, deu carta branca para Enoch, Irad, Mehuyael, Methushael, Lamech e Yaval chacinarem os culpados caso Caim sofresse retaliação.

Se eu fosse YHWH jamais escreveria “assassino” na testa de alguém que, em tese, deveria ser auxiliado e escondido. Eu faria em Caim a mesma tatuagem (קעקע) ou corte (תתגדו) tradicional que servia para fazer demonstrações públicas de luto e proteger contra atividade paranormal (Deuteronômio 14:1 e Levítico 19:28). Isto calaria o clamor do sangue de Abel e confundiria seus perseguidores porque a primeira coisa que alguém pensaria ao vê-lo seria: “Caim está de luto pela morte do irmão”.

Muitas tentativas de explicar a aparência da marca de Caim resultaram em conclusões diversas. O Targum Jonathan descreve o sinal na fronte com a forma de uma das letras do nome de deus.[29] Considerando que uma superstição dos tempos bíblicos incentiva os pais a iniciar nomes de bebês com Yod (י) ou Yod e He (יה) para proteger contra o mau-olhado e atividade paranormal, notadamente o Yod (י) seria a melhor opção[30]. Caim não fez uma bela ferida em si mesmo (תאש ביטית) conforme aconselhado desde o início (Gênese 4:7), mas acabou marcado (אות) igual a certos hindus que pintam o terceiro olho com sangue ao invés de usar pó. (Gênese 4:15)

 1) Imagem duma fábula onde Lamech, cego, prepara o arco para flechar Caim, apontado por Tubal Caim. (Ilustração de Lucas Van Leyden, de 1524). 2) Caim com chifres. (Arte digital © 2009, Kuroi Tsuki e DeviantArt)

Existem outras variantes da lenda. Certa vez compararam o versículo onde YHWH pôs a marca na fronte de Caim (Gênese 4:15) com aquele onde YHWH pôs uma figura de Lichtenberg ou chifres (קרן) na fronte de Moiséis (Êxodo 34:35) e deduziram que sempre que deus perambula por aí e se agrada de alguém, ele dá esse lindo par de chifres de presente para a pessoa. Resultado: Quando Caim clamou por proteção “cresceram-lhe chifres, para amedrontar os animais[31] que pudessem atacá-lo[32]”.

Claro que nem todo mundo entendeu a analogia ou encarou a coroa de chifres como um presente benéfico. Num livro apócrifo é dito que YHWH inflige sete punições “piores que a morte” sobre Caim: 1) Crescimento de chifres constrangedores. 2) Um decreto proibindo que qualquer outra pessoa o mate ou faça amizade com ele. 3) Capacidade de escutar o uivo do vento ecoando nos vales e montanhas como um pranto fúnebre pela morte de Abel. 4)  Insônia eterna. 5) Fome voraz e insaciável. 6) Ereção persistente ou priapismo[33]. 7) Insatisfação. (Adamschriften 35:43)[34].

A informação que a cultura moderna tem sobre a associação de Caim com o mito do vampiro vem principalmente dos livros de ficção The Book of Nod (1993) de autoria de Sam Chupp e Andrew Greenbery, e da sequência autorizada Revelations of the Dark Mother (1998), escrita por Phil Brucato e Rachelle Udell.[35]

Já vi brasileiros compartilhando cópias não autorizadas disto como se fossem livros de doutrina esotérica; mas na verdade ambos foram publicados pela editora White Wolf, distribuídos no Brasil pela livraria-editora Devir, como meros suplementos do jogo de interpretação Vampire Masquerade (1991) onde Mark Rein·Hagen define o personagem bíblico como sendo o primeiro vampiro amaldiçoado com a imortalidade.

Era das hipóteses ad hoc

Alguns religiosos incapazes de se conformar com a literalidade da redação duma estória que protege um assassino mitológico sugeriram que os sete protetores de Caim na verdade seriam sete gerações a serem contadas até o nascimento daquele que executaria a pena de morte porque na sua lei divina revista e anotada não deveria existir esse negócio de prescrição, perdão judicial, anistia, etc. Caim só precisava viver mais um pouco para ter um monte de filhinhos, netinhos, etc., todos ruinzinhos, necessários para servir de exemplo de maldição hereditária e morrer no dilúvio.

Na versão de Flávio Josefo, deus bizarramente decidiu despersonalizar o crime de Caim e aplicar em Lamech a pena pela morte de Abel. O sétimo herdeiro, Lamech, descobriu que estava condenado à pena de morte ao estudar religião e profecias. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:65). Noutras versões Lamech mata o tataravô porque “Caim se arrependeu e confessou seu pecado”. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:3). Shlomo Yitzhaki (1040-1105) opinou que Caim seria castigado “somente após sete gerações”. Meir Matzliah Melamed resumiu a revisão do mito:

Conta o Midrash que sendo Lamech cego, saía a caçar com seu filho Tubal Caim, que o guiava e indicava a presença de caça. O menino confundiu Caim com algum animal e foi assim que Lamech o matou com uma flechada. Ao perceber o seu erro, feriu a si próprio e um dos golpes atingiu a cabeça de filho, matando-o também. Por isso, suas mulheres o acusavam pelo duplo assassinato e Lamech se desculpou.[36]

De acordo com o folclorista Alan Unterman, o tataraneto de Caim disparou uma flecha “após ter sido erroneamente informado de que o chifrudo Caim era um animal selvagem”.[37] Essa lenda é interessante embora tenha sido mal formulada. Gênese 5:23-24 não cita os nomes das pessoas que Lamech matou. Seria relevante nomear caso fossem o tataravô e o filho do assassino. Sobretudo, se Tubal Caim fosse o menino morto em Gênese 5:23, ele não teria crescido para exercer uma profissão de adulto em Gênese 4:22. Também não está escrito na bíblia hebraica que Lamech era cego.

Interpretações cristãs

O Novo Testamento afirma que Abel e Zacarías morreram no altar (εκζητηθησεται). Isto era um problema grave e específico. (Lucas 11:50) Jesus fala de Abel como vivendo na “fundação do mundo” (Lucas 11:50). A palavra grega para “mundo” é Kósmos (κοσμου). O termo “fundação” verte a palavra grega ka•ta•bo•lé (καταβολης) e significa literalmente “lançamento (de semente) para baixo”. Noutra parte lemos que a semente (σπερμα) plantada na terra é literalmente o DNA próprio ou impróprio perante um rígido controle de qualidade eugênica. Todos os filhos de deus (τεκνα του θεου) são incapazes de errar (αμαρτανειν). Por outro lado, Caim nasceu incapaz de praticar a justiça (δικαιοσυνην) por pertencer à linhagem opressora (εκ του πονηρου ην) e ser “filho do diabo” (τεκνα του διαβολου). (1 João 3:9-12).

Abel (Αβελ) conhecia a verdade (πιστει) e ofereceu um sacrifício (θυσιαν) melhor que o de Caim (Καιν), sendo por isso rotulado pelo adjetivo dikaious (δικαιος) o qual define a “observância de um costume” e é comumente traduzido como “piedoso” e “justo”. Desta forma ele comprou um super poder: Mesmo depois de morto ainda fala. (Hebreus 11:4) Abel sofreu uma espécie de ressurreição espiritual temporária semelhante à de Jesus, diferente da de Lázaro e do filho da viúva de Naim.

Apócrifos gnósticos cristãos

Os apócrifos gnósticos trazem variantes onde Caim já nasce com o “coração duro” – cheio de ódio por tudo e todos – enquanto Abel é um religioso compulsivo de “coração manso”. Nestas fontes Caim e Abel decidiram casar com a mesma mulher ao mesmo tempo, quando tinham respectivamente quinze e doze anos.

Caim achava que Luluva era a mulher mais bela do mundo. Abel só queria casar com a irmã mais velha porque o pai mandou. Luluva nasceu com Caim e ele acreditava que, por isso, esta era sua esposa predestinada. Quando chegou aos seus ouvidos a fofoca de que os pais prendiam casá-lo com uma garota feia e dar Luluva em casamento para Abel, ele lembrou o antigo costume israelita de dar a viúva do irmão morto como esposa ao irmão vivo e formulou a dúvida: “Por que pretendeis tomar minha irmã e uni-la em matrimônio com meu irmão? Acaso estarei morto?” (Primeiro Livro de Adão e Eva 78:12)[38]. Então aconteceu o episódio da seleção dos sacrifícios e ele teve a certeza de que havia algo errado. Tudo termina com o afável Abel esperando pacientemente enquanto Caim procura paus e pedras para espancá-lo até a morte.

Uma vez enterrado, o corpo é cuspido pela terra falante que, zombando de Caim, se recusa a receber Abel. Deus demonstra misericórdia para com Caim e amaldiçoa “o solo que bebeu o sangue de teu irmão” (Primeiro Livro de Adão e Eva 79:22)[39]. Não muito longe dali, escondido na floresta, satanás bate palmas rindo muito de tudo isso.

Os perpétuos

O Livro da Gênese menciona a data da morte de todos os personagens exceto a de Caim e seus descendentes. Para complicar mais o caso, um regente chamado Caim aparece em vários pontos da bíblia hebraica, a exemplo de Números 24:22, sempre em datas impossíveis nas quais qualquer ser humano normal já teria morrido. Outras referências são tão ambíguas quanto o discurso do azarado Jó reclamando da vida: “Por que eu não fui abortado? Por que Caim não me ajudou?” (Jó 3:12).

Será que Caim fez jus ao efeito literal da antiga bênção “ó rei, viva para sempre” (Daniel 6:6)? Se a genealogia de Seth for levada a sério, ali qualquer um vivia oitocentos anos… Certa vez o jornalista Hyam Maccoby achou algo muito estranho:

There can be little doubt that the Cain of the Bible is derived from the Cain whom the Kenites regarded as their ancestor and the founder of their tribe. (…) The truth is that the line of Seth has no real existence at all, but is a shadow or reflection of the line of Cain. For it requires little enquiry to see that the two lines of Seth and Cain are really one line, and that the line of Seth was derived from the line of Cain and not vice versa. If we examine the names in both lists, we see that there is only one list with slight variations, for the names are basically the same in both lists[40].

Comparando as listas genealógicas, Hyam percebeu que tanto Caim quanto Seth tiveram um filho chamado Enoch (חנוך)[41] que, por sua vez, teve um descendente chamado Lamech (למך). Quatro nomes foram corrompidos de forma que Irad (עירד) virou Jared (ירד), Mehuyael (מחויאל) virou Mahalalel (מהללאל), Methushael (מתושאל) virou Mathuselaḥ (מתושלח), e o próprio Caim (קין) virou Cainã (קינן) que viveu novecentos e dez anos (Gênese 5:14).

É como se alguém tivesse tentado memorizar sem sucesso todos esses nomes corrompidos e embaralhados. Dois intrusos foram importados e adaptados. Seth é o deus egípcio que matou seu irmão Osíris. Uma duplicata de Caim. Noé foi o apelido que o autor da revisão deu ao herói babilônio Utnapishtim. (Se ele não conseguia memorizar nomes nacionais, imagine se tentasse transliterar o cuneiforme Utnapishtim! Isso parece Arnold Schwarzenegger. Ninguém lembra como se escreve).

“Outra semelhança é que cada lista termina com um trio de nomes, ainda que tais nomes não sejam idênticos[42]”. A bigamia de Lamech, a repartição igualitária de bens entre o par de filhos primogênitos com os irmãos mais novos e o reconhecimento do direito de herança de uma filha foi demais para a cabeça do revisor.

O orientalista escocês Willian Robertson Smith (1846-1894) propôs uma hipótese onde a marca de Caim seria uma espécie de distintivo que levavam sobre sua pessoa os membros da tribo e que lhes servia de proteção, ao indicar que seu portador pertencia a uma comunidade que não deixaria de vingar sua morte. J.G. Frazer refutou tal hipótese argumentando que “uma marca semelhante protegia igualmente a todos os membros da tribo, fossem ou não homicidas”.[43] Entretanto, Caim ensinou algo que seu tataraneto aprendeu muito bem: Pela lei da selva, manda quem pode e obedece quem tem juízo. Regras só atingem a quem não é capaz de contra-atacar represálias. Quando até os vingadores de sangue perdem não há vingança contra os sentenciados.

Lamech disse às suas mulheres:
“Ada e Sela, ouvi minha voz,
mulheres de Lamech, escutai minha palavra:
Eu matei um homem por uma ferida,
Uma criança por uma contusão.
É que Caim é vingado sete vezes,
mas Lamech, setenta e sete vezes!”[44]

Se alguém vingasse o sangue de Abel matando Caim sofreria vingança por parte do próprio deus ou dos descendentes de Caim. Devemos concluir que se alguém vingasse o sangue do homem ou do garoto morto por Lamech sofreria vingança de setenta e sete defensores do patriarca? Tudo isso parece um círculo vicioso.

Não sabemos se Lamech matou de forma dolosa, culposa ou em legítima defesa. Só porque tem um menino envolvido não significa que Lamech não corria perigo. Quem nunca viu um menor de idade assaltar um adulto ou idoso? Não é impossível que Lamech tenha matado duas pessoas porque teve filhos primogênitos com duas esposas diferentes e preferiu realizar sacrifícios expiatórios com humanos substitutos ao invés de oferecer animais ou dinheiro ao templo. Mas ele estava com tanto medo da represália que contratou setenta e sete guarda costas! É óbvio que os mortos pertenciam a clãs ou quadrilhas perigosas. É igualmente óbvio que Lamech tinha recursos para dispor de tantos protetores. Riqueza atrai cobiça.

O filho primogênito de Caim foi Enoch (חנוך). Caim edificou uma cidade que recebeu o nome deste filho (Gênese 4:17). Mais tarde, em Judá, outra cidade foi chamada Caim em honra ao mitológico herói nacional (Jos 15:1,48,57). M. Gaster traduziu isto dum manuscrito judaico do século XIV, do acervo da Bodleian Library:

Caim fecundou Qalmana, sua esposa, e Enosh nasceu. Ele construiu uma cidade e a chamou de Enoch, em homenagem ao seu filho. Ele costumava raptar e alojar pessoas ali. Ele construiu aquela cidade cercando-a com muralhas e trincheiras. Foi o primeiro a fortificar uma cidade deste jeito por medo de seus inimigos. Enoch foi a primeira entre todas as cidades. (…) Quando Caim terminou de construir a cidade de Enoch ela foi habitada por seus descendentes, que existiam no dobro do número daqueles que saíram do Egito. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:1-3)[45].

O filho primogênito de Enoch foi Irad (עירד), o de Irad foi Mehuyael (מחויאל), o de Mehuyael foi Methushael (מתושאל) e o de Methushael foi o polêmico Lamech (למך). Lamech tomou para si duas mulheres: ‘Adah (עדה) e Ṣillah (צלה). Ada teve dois filhos chamados Yaval (יבל) e Yuval (יובל). O primogênito foi pai dos que viviam em tendas e tinham propriedades rurais naquela região, como era costume entre os criadores de rebanhos. O outro foi pai de todos os habitantes da cidade que tocavam musica usando um antigo instrumento de corda chamado Kinor (כנור) juntamente com os complexos instrumentos de sopro (עוגב) que antecederam o órgão hidráulico.

Zilah teve uma filha, Naamah (נעמה), que os comentários bíblicos afirmam ter sido uma excelente cantora. Ela devia cantar na banda da família da mesma forma que Michael Jackson iniciou a carreira cantando na banda Jackson Five. Mesmo assim sua ocupação principal era a tecelagem. Naamah inventou vários instrumentos usados para tecer e costurar seda, lã e outros tecidos. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).[46]

O filho de Zilah foi Tubal Caim (תובל־קין), que trabalhava amolando as lâminas de cobre e ferro fabricadas por seus conterrâneos. (Gênese 4:17-22) Segundo Rashi, “Lotêsh Col Chorêsh” refere-se ao artesão que afia e lustra artefatos de cobre e ferro, um tipo de serralheiro e polidor dos nossos dias. O açacalador realiza ambas as atividades[47].

Desde então Caim passou a ser uma espécie de prenome ou sobrenome de alguns descendentes do pai hipônimo. O sogro de Moisés, Héber Caim, filho de Hobabe Caim, pertencia a esta família (Juízes 4:11). Hervé Masson compilou uma lenda de influência islâmica de data incerta que inclui Hiram Abi, o construtor do templo de Jerusalém, entre os descendentes de Tubal Caim[48]. Collin de Plancy afirma que ainda existiam cainitas no século II, mas estes procuravam fazer tudo que era errado, eram falsos, mal interpretados ou mal compreendidos[49].

Evolução dos trabalhos

Após o imenso trabalho de construir a primeira cidade, Caim se tornou rei. A julgar pelo cargo ostentado expressamente por Héber Caim, o título da nobreza cainita não era o dum Faraó ou Cezar qualquer, mas um impressionante kohen (כהן)[50] que reúne os poderes legislativo, executivo, judiciário e eclesiástico.

Em toda a Bíblia só mais um personagem foi kohen, além dos cainitas, e este era Melchizedek (Gênese 14:18) cujo conhecimento e poderio teria sido invejado por Jesus (Hebreus 7:17). A versão de Flávio Josefo sobre como Caim teria iniciado a vida urbana é diferente da que lemos no Gênese 4:16. Sendo o autor um apologista romano, a sua revisão do personagem segue o exemplo dos saques de Roma a outros povos:

(60) Após viajar por muitas terras, Caim, com sua esposa, construiu uma cidade chamada Nod. Lá ele fez sua morada e teve filhos. Consequentemente ele abandonou a penitência e aumentou sua maldade, porque só pensava em buscar tudo que fosse útil aos prazeres da carne – mesmo que implicasse no prejuízo de seus vizinhos. – (61) Ele aumentou os bens de família do seu clã adquirindo muitas riquezas por meio de rapina e violência. Tornou-se um grande líder de homens que seguiam rumos impiedosos ao exercer sua habilidade de obter prazeres e espólio por meio de assaltos. Também introduziu uma mudança na vida simples dos homens que viveram antes dele, pois inventou o cálculo de pesos e medidas. Considerando que todos viviam na inocência e generosidade enquanto desconheciam tais artes, ele mudou o mundo introduzindo os valores econômicos. (62) Primeiramente ele demarcou terras e fixou fronteiras. Então construiu uma cidade e fortificou com muralhas, compelindo sua família a ir junto com ele para lá. Chamou aquela cidade de Enoch em honra ao filho mais velho. (Antigudade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:60-62)[51].

Enquanto a bíblia hebraica informa apenas que Tubal Caim trabalhava polindo e amolando lâminas de ferro e cobre, produzidas na cidade, Flávio Josefo sugeriu que este personagem inventou a arte de produzir bronze. (Antiguidade Judaica. I, 2, 2:64)

Outros continuaram aumentando as habilidades de Tubal, alegando que ele descobriu a arte de juntar chumbo e ferro para temperar o ferro e fazer lâminas mais afiadas. Ele também inventou a pinça, o martelo, o machado e outros instrumentos de ferro. No fim Tubal já sabia trabalhar com estanho, prata e ouro. Ele forjava utensílios de guerra e foi artífice em todos os ramos da indústria siderúrgica. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).

Tal como os gregos, romanos e outros povos do mundo antigo, os descendentes de Caim costumariam guerrear em busca de espólio, escravos e belas mulheres:

Ainda no tempo de vida de Adão, os descendentes de Caim se tornaram cada vez mais impiedosos. Morriam continuamente, um após o outro, mas o sucessor era sempre mais impiedoso que o antecessor. Eram insuportáveis na guerra e destemidos nos assaltos. Se algum deles era lento para matar pessoas, ainda era ousado em seu comportamento libertino, agindo injustamente e causando lesões corporais por lucro. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:66)[52].

Tubal Caim usava produtos feitos por ele mesmo. “Sua força superava a de todos os homens. Ele era famoso pelo domínio das técnicas de artes bélicas, usadas na busca de tudo que favorecia os prazeres corporais”. (Antiguidade Judaica. I, 2, 2:64). Foi graças à descoberta da metalurgia ensinada por Tubal que os homens começaram a fazer estátuas para o culto religioso (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).[53]

Juntamente com seu poderoso clã, ao longo do tempo, o rei Caim construiu ou reformou mais seis cidades: Mauli, Leeth, Teze, Iesca, Celeth e Tebbath. Nesta época Caim e sua esposa Themech tiveram mais três filhos, Olad, Lizaph e Fosal, e duas filhas, Citha e Maac.[54] Diz-se que ele “foi progenitor de muitos povos”.[55]

Nos dias de Enoch os homens começaram a ser designados por títulos de juízes e príncipes, foram deificados e erigiram templos em sua homenagem. A prosperidade do reino de Caim durou até a conquista da capital cainita pelo Rei Reu, quando toda a classe governante foi deposta. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:9).[56]

Em tempos de paz os cainitas continuavam trabalhando em busca de ascensão social. Yaval inventou trancas de porta em forma de χ para evitar a entrada de ladrões nas casas, fez cercas e estábulos para separar o rebanho bovino do ovino, e também dos bois castrados. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:5). Depois de descobrir a ciência da música, Yuval escreveu-a sobre duas estelas[57], uma de mármore branco e outra de barro cozido, porque se a erosão destruísse a mais frágil ainda restaria uma cópia para transmitir seu conhecimento à posteridade (Crônicas de Jeraḥmeel 24:6-7).[58]

Caim rumando para construir a primeira cidade. Gravura de F. Cormon.

Conclusão

Caim é um personagem mitológico e literário que, tal como inúmeros outros, existe no mundo das ideias desde épocas imemoriais. A condenação de Caim ao ostracismo se assemelha parcialmente ao rito grego de purificação do ágos.

Explica-se: Todo homicida é amaldiçoado (enagés) por uma condição peculiar (ágos) capaz de contaminar outras pessoas ao seu redor. A comunidade da época arcaica sabia-se obrigada a “expulsar” o ágos e com ele o homicida que buscaria no exterior um local, um senhor protetor que aceitasse executar a sua purificação.

Até aí, o homicida não poderia ser recebido em casa, nem partilhar as refeições. O exemplo mítico é o matricida Orestes que fugiu para o estrangeiro. Locais diferentes com os seus rituais locais são associados à sua purificação: Em Tréizen, defronte do santuário de Apolo, havia uma “cabana de Orestes” que se dizia ter sido construída para não aceitar o homicida numa casa normal (Pausânias, 2, 31,8).

Um grupo de sacerdotes encontrava-se ali regularmente para uma refeição sacra[59]. Mas nem todos estavam felizes com isso. Por exemplo, Heráclito de Éfeso criticou a falta de lógica ou paradoxo do ritual:

Purificam-se manchando-se com outro sangue, como se alguém, entrando em lama, em lama se lavasse. E louco pareceria, se algum homem o notasse agindo assim. E também a estas estátuas eles dirigem suas preces, como alguém que falasse a casas, de nada sabendo o que são deuses e heróis (Heráclito, B 5).[60]

Quem pisa em lama não fica limpo tomando banho com mais lama. Por que a primeira morte haveria de ser expirada por outra(s) morte(s)? Talvez o objetivo não fosse purificar o amaldiçoado, mas fazê-lo passar por um rito de passagem. O homicida coloca a si próprio fora da comunidade. Sua reintegração a um nível diferente é, portanto, uma iniciação. Assim, a purificação de Hércules, antes da consagração em Elêusis, e a purificação de Orestes parecem ter paralelos estruturais.

De acordo com Walter Burket, “oferecer às potências da vingança que perseguem o homicida um sacrifício sucedâneo, parece ser uma ideia natural”. O essencial, porém, parece ser o fato de o indivíduo maculado pelo sangue entrar de novo em contacto com o sangue: Trata-se de uma repetição demonstrativa do derramamento de sangue durante a qual a sua consequência, a mácula visível, é eliminada de modo igualmente demonstrativo. Assim, o acontecimento não é recalcado, mas sim superado.

Comparável a este é o costume primitivo de o homicida beber o sangue da sua vítima e o expelir logo de seguida: Ele tem de aceitar o fato pelo contacto íntimo com o mesmo e simultaneamente livrar-se dele de modo efetivo.[61]

Noutras ocasiões o sangue é derramado com objetivo de purificação. Isto é comprovado, de modo mais detalhado, na purificação do local da assembleia popular e do teatro em Atenas: No início da reunião, funcionários especiais, peristíarchoi, transportam leitões ao redor do local, lhes cortam a garganta, polvilham os assentos com sangue, lhes cortam os testículos e deitam-nos fora.

Os mantineus purificam todo o seu território transportando animais sacrificados (sfágia) ao longo das fronteiras e aí os executando. Walter Burket sugeriu a existência de ritos paralelos na tradição do Velho Testamento e dos Persas.

A crueldade deliberada faz parte do “robustecimento” para a peleja. Contava-se então que quem recusasse o serviço militar era levado como vítima de sacrifício; uma forma particular da preparação da batalha pela sfágia. Isto também é um rito de passagem. Por isso, tanto a expiação do homicídio como a iniciação à guerra podem ser igualmente denominadas “purificações”.[62]

(57) God convicted Cain, as having been the murderer of his brother; and said, “I wonder at thee, that thou knowest not what is become of a man whom thou thyself has destroyed”. (58) God therefore did not inflict the punishment [of death] upon him, on account of his offering sacrifice, and thereby making supplication to him not to be extreme in his wrath to him; but he made him accursed, and thereatened his posterity in the seventh generation. He also cast him, together with his wife, out of that land. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 1:57-58)[63].

Com o passar dos séculos o mito de Caim foi mudando e ganhando variantes. A influência helênica logrou transformar herói em vilão (Sabedoria 10:1-4). Existem várias versões da morte de Caim. A mais surreal é aquela em que acontece um abalo sísmico no momento em que ele tenta enterrar Abel num terreno lamacento, escorrega e afunda na cova como alguém que pisa em areia movediça, enquanto o cadáver de Abel torna a subir e fica boiando até ser descoberto.

Dizem que o corpo de Abel permaneceu incorrupto, em perfeito estado de conservação, durante setecentos e oitenta e oito anos. Um cão ficou do seu lado todo este tempo, espantando os corvos. Depois Abel foi enterrado[64]. O Testamento dos Vinte Patriarcas diz que Caim morreu no dilúvio (Benjamin 7:4) junto com todos os cainitas, a despeito do fato de Balaão haver falado a seu clã em data posterior (Números 24:22).

Até hoje o personagem continua a morrer e ser ressuscitado pela arte. Não existe folclore certo ou errado. Algumas estórias vieram antes das outras e isto é tudo. Caim tem múltiplas personalidades. Viverá para sempre no mundo das ideias desde que nós, os vivos, lembremos dele por toda a eternidade.

Na condição de personagem fictício, o mítico Caim pode virar vampiro, sem dúvida: “A tradição sustenta que Caim, o assassino bíblico de seu irmão Abel, é o senhor de toda a Família. Há muita controvérsia a este respeito dentro da comunidade dos vampiros, posto que não há nenhum membro que possa garantir com absoluta certeza já haver encontrado Caim. Certamente, aqueles de Segunda Geração saberiam, mas estes já não dizem nada”. (Mark Rein-Hagen. Vampiro: A Máscara)[65].

Notas:

[1] MIDRASH RABBAH: GENESIS. Trad. Rabbi Freedman & Maurice Simon. London, Soncino Press, 1961, Vol I, p 187-188.

[2] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trd. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 29.

[3] LEVISON, john R. Texts in Transition: The Greek Life of Adam and Eve. Georgia, Society of Biblical LKiterature, 2000, p 26.

[4] 2. 1 Εὔα τῷ κυρίῳ αὐτῆς Ἀδάμ· 2 κύριέ μου, ἴδον ἐγὼ κατ᾽ ὄναρ τῇ νυκτὶ ταύτῃ τὸ αἷμα τοῦ υἱοῦ μου Ἀμιλαβὲς τοῦ ἐπιλεγομένου Ἄβελ βαλλόμενον εἰς τὸ στόμα Κάϊν τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ, καὶ ἔπιεν αὐτὸ ἀνελεημόνως. παρεκάλει δὲ αὐτὸν συγχωρῆσαι αὐτῷ ὀλίγον ἐξ αὐτοῦ, 3 αὐτὸς δὲ οὐκ ἤκουσεν αὐτοῦ, ἀλλὰ ὅλον κατέπιεν αὐτό· καὶ οὐκ ἔμεινεν ἐπὶ τὴν κοιλίαν αὐτοῦ, ἀλλ᾽ ἐξῆλθεν ἐκ τοῦ στόματος αὐτοῦ. 4 εἶπεν δὲ Ἀδὰμ τῇ Εὔᾳ· ἀναστάντες πορευθῶμεν καὶ ἴδωμεν τί ἐστιν τὸ γεγονὸς αὐτοῖς,  μή ποτε πολεμεῖ ὁ ἐχθρός τι πρὸς αὐτούς. 3 1 Πορευθέντες δὲ ἀμφότεροι εὗρον πεφονευμένον τὸν Ἄβελ ἀπὸ χειρὸς Κάϊν τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ. (CHARLES, Robert Henry. The apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament in English. Oxford, 1913, Vol.II, σελ. 138).

[5] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trad. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 43.

[6] CHUPP, San & GREENBERG, Andrew. The Book of Nod. Georgia, White Wolf, 1993, p 37.

[7] SARAMAGO, José. Caim. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, p 34.

[8] The Temptation of Saint Anthony, ca. 1512-15. Em: Artsy. Acessado em 25/02/2017 as 19h13. URL: <https://www.artsy.net/artwork/matthias-grunewald-the-temptation-of-saint-anthony>

[9] Tais gravuras se encontram respectivamente nos acervos do Rijksmuseum, em Amsterdam, do Metropolitan Museum of Art, de New York, e na National Gallery of art, em Washington D.C. Lucas Van Leyden também recorreu à tradição oral a respeito da morte de Caim antes de pintá-lo, em 1524, sob a mira imprecisa do arco de Lamech (Referência M28417 do catálogo do Museum of Fine Arts, Boston). Em 1529 ele completou a primeira seqüência onde Adão e Eva encontram o cadáver de Abel.

[10] No hebraico bíblico não existia termo específico para diferenciar o cavalo (Equus caballus) ou jumento (Equus asinus) de seus filhos híbridos. Então חֲמוֺר tanto pode ser um jumento como um hibrido destas ou doutras espécies. Certa vez se tentou proibir a criação de eqüinos (Dt 17.16) e o sacrifício ritual de eqüinos (2 Rs 23:11), mas a população continuou usando estes animais para montaria e trabalhos no campo (Isaías 28:28, Jó 39:19-25).

[11] PETTITT, Paul B & TRINKAUS, Erik. Direct Radiocarbon Dating of the Brno 2 Gravettian Human Remains. Em:  Anthropologie XXXVIII/2. Brno, Anthropos institute (Moravian museum), 2000, p 149-150. URL: <http://puvodni.mzm.cz/Anthropologie/article.php?ID=1603>.

[12] COOK, Jill. Ice Age Art: The arrival of the modern mind. London, The British Museum Press, 2013, p 99-102.

[13] MAIMÔNIDES, Moisés. The Guide of The Perplexed: Vol II. Trd. Shlomo Pines. London, University of Chicago, 1963, p 357.

[14] ZAMAGNA, Domingos. Gênesis. Em: BÍBLIA DE JERUSALÉMA. São Paulo, Paulus, 1995, p 36, nota t.

[15] LEVI, Éliphas. A Ciência dos Espíritos. Trd. Setsuko Ono. SP, Pensamento, 1997, p 109.

[16] GINZBERG. The Tem Generations, notas 15 e 16. Em: LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. São Paulo, Paulinas, 1998, p 35.

[17] LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. SP, Paulinas, 1998, p 35.

[18] Midrash Genesi Rabbah 22,6 e Tifereth Tzion a Midrash Genesi Rabbah 22,6. Em: LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. SP, Paulinas, 1998, p 35.

[19] STAVRAKOPOULOU, Francesca. King Manasseh and Child Sacrifice: Biblical distortions of historical realities. New York, Walter de Gruyter, 2004, p 310-311.

[20] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 10-11.

[21] A palavra que originou o nome de Abel aparece noutras partes da bíblia hebraica agregada à ruína (Isaías 49:4), falsidade (Salmo 31:7), frustração (Eclesiastes 4:4), aflição (Eclesiastes 4:8), decepção (Eclesiastes 4:16) e sofisma (Eclesiastes 6, 11). Hebēl (הבל) está sempre em “má companhia”. Jeremias, os Salmos e principalmente o Eclesiastes, como também Jó e Isaías, dão-nos o pior dos retratos de seu significado.

[22] A palavra hebraica go∙’él, que tem sido aplicada ao vingador de sangue, é um particípio de ga∙’ál, que significa, “reivindicar” ou “recuperar”. O termo aplicava-se ao parente masculino mais próximo, que tinha a obrigação de vingar o sangue daquele que fora morto. (Números 35:19,  Gênese 9:5 e Números 35:19-21, 31).

[23] Gênese 4:11 diz, para Caim, que “a terra abriu a boca para receber os sangues do irmão, das suas mãos” (מידך אחיך את־דמי לקחת את־פיה פצתה אשר אדמה). Isto é uma óbvia metáfora, pois אדמה é a forma feminina de אדם. A terra representa os outros familiares de Abel.

[24] BRAUDE, Willian G. Pĕsiḳta dĕ-Raḇ Kahăna. Philadelphia, The Jewish Publication Societh, 1975, p 499.

[25] Hoje chamado de sabra (צבר), o cacto Opuntia fícus-indica é um símbolo de Israel.

[26] NICHOLSON, Reynold A. The Mathnawí of Jalálu’ddin Rúmí: Translation of Books III and IV. Great Britain, Gibb Memorial Trust, 1990, p 344.

[27] ALCORÃO SAGRADO. Trd. Samir El Hayek. São Paulo, Cetro de Divulgação do Islam para América Latina, 1989, p 83.

[28] Na variante judaica compilada no Pirké do Rabbi Eliezer 21:5 (séc. XIII), foi Adão quem aprendeu com os corvos a sepultar Abel. (LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trd. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 44). Collin de Plancy parece ter interpretado mal essas lendas ao afirmar que rabinos ensinam que Caim viu um corvo matar outro corvo esmagando entre duas pedras: “Les rabbins disent que, ne sachant comment s’y prende pour tuer son frère Abel, Caïn vit venir à lui le diable, qui lui donna une leçon de meurire em mettant un oiseau sur une pierre et en lui écrasant la tête avec une autre pierre”. (PLANCY, J. Collin. Dictionnaire Infernal. Paris, Société de Saint-Victor & Sagnier et Bray, 1853, p 109).

[29] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trad. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 55.

[30] Outra variante de influência cristã carece de lógica: “Um velho midrash descreve a marca de Caim como uma letra tatuada no seu braço. A proposta de identificação com a letra hebraica ṭēth, em textos medievais, talvez seja inspirada por Ezequiel 9:4-6 onde deus raspa uma marca nas sobrancelhas de alguns justos, em Jerusalém, que serão salvos. Caim não foi julgado digno deste emblema. Contudo o hieróglifo do tav, última letra do alfabeto fenício e do proto-hebraico, era uma cruz (U); e disto derivou a letra grega tau (Θ) que, de acordo com o Lis Consonantium, de Lucian de Samosata, inspirou a ideia da crucificação. Desde que o tav fora reservado para identificar os justos, o midrash substituiu a marca de Caim pela letra mais parecida com o tav tanto no som quanto na forma escrita; chamada ṭēth”. (GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 96-97).

[31] Este comentário é relacionado à versão de Flávio Josefo que, apesar do contexto similar, não menciona que a marca de Caim eram chifres: “Ele estava com medo de ser atacado por animais selvagens enquanto perambulava pela floresta. Deus o tranquilizou para que não tivesse preocupações tão funestas e conseguisse andar pelo mundo sem temer emboscadas de animais selvagens”. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 1:59. Em: WHISTON, Willian. The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31).

[32] UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Trad. Paulo Geiger. RJ, Jorge Zahar, 1992, p 54-55.

[33] Literalmente “que o endurece feito folhas de álamo”, planta afrodisíaca que, segundo a superstição, assegurava a reprodução dos animais (Gênese 30:37-38).

[34] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 93.

[35]Este material afasta a ideia de deus, pondo na boca de Adão a ordem de ostracismo. Na crônica suplementar Caim não se transforma no momento pré-estabelecido pelo editor. Ele é desperto pela magia de Lilith que oferece sangue numa tigela. Neste ponto existe um erro aparente na grafia da palavra “magick” com “k”, que muito provavelmente é uma mensagem subliminar relativa aos ritos de fertilidade de Aleister Crowley. (CHUPP, San & GREENBERG, Andrew. The Book of Nod. Georgia, White Wolf, 1993, p 28).

[36] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 10, nota 15 e p 12, nota 23.

[37] UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Trd. Paulo Geiger. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p 54-55.

[38] TRICCA, Maria Helena de Oliveira. Apócrifos II: Os proscritos da Bíblia. São Paulo, Mercuryo, 1995, p 126-127.

[39] TRICCA, Maria Helena de Oliveira. Apócrifos II: Os proscritos da Bíblia. São Paulo, Mercuryo, 1995, p 131.

[40] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 17-18.

[41] A segunda coluna teria sido truncada quando o nome de Enoch (חנוך), filho de Cain, foi corrompido para Enosh (אנוש), filho de Seth, e depois corrigido de volta para Enoch (חנוך), tataraneto de Seth, donde vem o defeito inicial do processo de interpolação. A seguir praticamente todo o resto foi truncado.

[42] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 18.

[43] FRAZER, Sir James George. El Folklore em el Antiguo Testamento. Trad. Geraldo Novás. Madrid, Fondo de Cultura Económica, 1993, p 50.

[44] ZAMAGNA, Domingos. Gênesis. Em: A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo, Paulus, 1995, p 36.

[45] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Traslation Fund, 1899, p 50.

[46] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.

[47] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 11-12, nota 22.

[48] MASSON, Hervé. Dictionnaire Initiatique (1970). Em: COUSTÉ, Alberto. Biografia do Diabo. Trad. Luca Albuquerque. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1997, p 161.

[49] Ele escreveu: “Il y a eu, dans le deuxième siècle, une secte d’hommes effroyables qui glorifiaient le crime et qu’on a appelés caïnites. Ces misérables avaient une grande vénération pour Caïn”. (PLANCY, J. Collin. Dictionnaire Infernal. Paris, Société de Saint-Victor & Sagnier et Bray, 1853, p 109).

[50] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 14 e 16.

[51] WHISTON, Willian (trad. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.

[52] WHISTON, Willian (trad. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.

[53] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.

[54] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 94.

[55] ROTH, Cecil. Enciclopédia Judaica A-D. Rio de Janeiro, Tradição, 1959, p 268, verbete CAIM.

[56] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.

[57] Na versão de Flávio Josefo foi Seth e seus descendentes quem escreveu sobre ciências variadas nestas estelas a fim de evitar que o conhecimento fosse perdido (Antiguidade Judaica, Livro I, capítulo 2, 2:70-71).

[58] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.

[59] Desde Ésquilo se imaginava que o próprio Apolo purificou Orestes em Delfos com o sacrifício de um porco. Pinturas sobre vasos fornecem uma ideia do procedimento, análogo à purificação das Preitides: O porco é segurado sobre a cabeça de quem vai ser purificado, o sangue tem de escorrer diretamente sobre a cabeça e pelas mãos. Naturalmente, o sangue é depois lavado e a pureza de novo adquirida torna-se então visível. (BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 173-174).

[60] ARISTÓCRITO, Teosofia, 68; Orígenes, Contra Celso, VII, 62. Em: OS PRÉ-SOCRÁTICOS. São Paulo, Abril Cultural, 1978, p 79-80.

[61] BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 174.

[62] BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 174-175.

[63] WHISTON, Willian (trd. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.

[64] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 93.

[65] REIN●HAGEN, Mark. Vampiro: A Máscara. Trad. Sylvio Gonçalves. São Paulo, Devir, 1994, p 52.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/vampirismo-e-licantropia/caim-e-abel/

Do Universo e Tudo Mais

Apareceu pela primeira vez no mar há quase quatro bilhões de anos na forma de vida de uma célula única. Em uma explosão de vida ao longo de milhões de anos, os primeiros organismos multicelulares da natureza começaram a se multiplicar.

E então pararam.

440 milhões de anos atrás uma grande extinção em massa matou quase todas as espécies no planeta, deixando os vastos oceanos mortos e vazios.

Vagarosamente as plantas começaram a evoluir. Então os insetos. Apenas para desaparecerem na segunda extinção em massa da Terra. O ciclo repetiu-se inúmeras vezes. Répteis emergindo do oceano, apenas para serem extintos.

Então os dinossauros lutando pela vida, juntamente com os primeiros pássaros, peixes e plantas desabrochando. Sua dizimação: a quarta e quinta grande extinção da Terra.

Há apenas 100.000 anos atrás o homo sapiens apareceu. O homem. Das pinturas nas cavernas à Bíblia, de Colombo a Apollo 11, temos sido uma força incansável sobre a Terra e além, catalogando o mundo natural a medida que ele se revela para nós. Crescendo para uma população mundial de mais de cinco bilhões de pessoas, todos decendentes daquela célula única original. Aquela primeira centelha de vida.

Mas apesar de todo nosso conhecimento, o que ninguém pode dizer ao certo é o que ou quem acendeu aquela centelha original. Existe um plano, um propósito, ou uma razão para a nossa existência?

Nós cairemos, como aquele antes de nós, no esquecimento? Na sexta extinção que os cientistas já nos alertam que já está em andamento? Ou o mistério será revelado através de um sinal? Um símbolo? Uma revelação?

Começou com um ato de extrema violência. Um big-bang expandindo-se constantemente. Um cosmo nasceu de matéria e gás. Matéria e gás. Dez bilhões de anos atrás.

De quem foi a idéia? Quem teve a audácia para tal invenção? E a razão? Fazíamos parte daquele plano, dez bilhões de anos atrás? Nascemos apenas para morrer?

Para crescer, multiplicar e encher a Terra para abrir caminho para as nossas gerações? Se há um início, deve haver um fim? Queimamos como fogueiras em nossa época, somente para sermos extintos. Para render-nos à eterna regeneração dos elementos.

Tudo isso acabará um dia? A vida não se transformará em vida? A Terra se tornará árida como as estrelas no céu? Como o cosmo? Será que a mão que acendeu a chama deixará que se apague? Nós também nos tornaremos extintos? Ou se o fogo que vive dentro de nós deve continuar, quem decide? Quem cuida das chamas? Ele pode reanimar a centelha até mesmo quando ela estiver fria e enfraquecida”?

Hoje temos recursos nunca sonhados pelas civilizações antigas. Podemos ver desde grandes estrelas e galáxias distantes até células e átomos. Nossa visão se ampliou de maneira exponencial em poucas décadas do século passado e nosso tempo corre cada vez mais rápido, com novas tecnologias surgindo a cada hora. Mas onde ficou a fé?

A fé não é apenas ir à missa ou no culto sempre num certo dia, isso é um ritual, a fé é acreditar, mesmo sem provas. O que grandes místicos do passado podiam apenas teorizar, acreditar, ter fé, hoje podemos comprovar, ter certeza que o comportamento de planetas e galáxias se assemelha ao comportamento de células e átomos, “assim como é em cima, também é embaixo”. Hoje vivemos na era da ciência, da razão, podemos ver muito além do que nossos olhos poderiam, captar sons e outras vibrações que nosso corpo não teria capacidade de assimilar, hoje sabemos. Mas ao mesmo tempo perdemos parte da capacidade de imaginar e de acreditar.

Nessa Era da Razão, a maior parte das “descobertas” já haviam sido previstas por místicos do passado, muito já se sabia, apenas não se podia provar. Hoje provamos muito, mas como em outros tempos, muito é lançado ao descrédito por não conseguir provar com a tecnologia que temos. Para nós não há dúvida que daqui há anos, décadas ou séculos todas nossas crenças serão efetivamente provadas, conforme a humanidade evoluir. Pseudo-cientistas pseudo-céticos se multiplicam defendendo o empirismo puro, desacreditando teses bem embasadas, apenas por sua moralidade torta, pela sua própria incapacidade de acreditar. Capacidade esta que não é estimulada nas escolas, o pensamento próprio é subestimado em função de fórmulas prontas, oferecidas de pronto para desestimular a iniciativa, o Sonho.

As fórmulas e rituais, como bem sabemos, são importantes e fazem sua função, porém não devem estar acima do próprio indivíduo, são ferramentas, não objetivos.

E todo esse empirismo cai por terra quando confrontados com os escritos dos nossos precursores no estudo místico. Esses místicos souberam de assuntos além de seu tempo por sua capacidade de intuir, de sonhar e de se harmonizar com o princípio criador, o Cósmico, Deus, ou qual quer que seja o nome que tenha dado à nossa Origem. O que é dito hoje é que apenas vivemos e que nossa essência estaria limitada a apenas essa curta vida. Porém é difícil acreditar que somos fruto de um resultado aleatório e caótico, que depois de bilhões de anos a vida originou-se em nosso planeta e neste milhões de anos de história até a vida humana surgir tenha sido fruto de mero acaso químico.

E se não somos um mero acaso, se há um plano para nós, qual seria ele? Estaremos vivendo para apenas sermos vitimados por uma extinção em massa? Possivelmente não. Pelas ações humanas o planeta está doente, mas ele em si continuará existindo, o que pode ocorrer é do planeta não poder mais comportar a vida humana, mas para o planeta está tudo bem. Devemos nos desenvolver e evoluir para que possamos manter a vida no planeta, como a conhecemos. Hoje nossa chama está enfraquecida e corremos o risco que ela se acabe como resultado da ação humana no planeta, a quem cabe a decisão de manter essa chama queimando? Ora, não pode ser de outrem que não o próprio responsável, nós mesmos, nossa raça, cabe a nós tomar a decisão de preservar nosso lar para nós mesmos e nossos descendentes, nossas outras vidas. Somos dotados do livre-arbítrio para podermos escolher entre o bem e o mal, cabe a nós a decisão de acreditar e ter fé, de preservar e esse lindo presente que é nosso planeta.

#Filosofia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/do-universo-e-tudo-mais

As origens do culto de Cosme e Damião

Júlio Cesar Tavares Dias
juliocesartdias@hotmail.com

“Aqui queremos lembrar
Dois Dois a biografia
Pouco vamos encontrar
Porque pouco se escrevia
O que pude pesquisar
Só resolvi publicar
Porque muitos me pediam”
– Frei Urbano de Souza (1991, p. 7)

Nós compartilhamos o sentimento de Frei Urbano de Souza expresso nos seus versos de cordel que vêm à epígrafe deste artigo. No Brasil existe a prática de distribuir balas e doces como pagamento de promessas aos Santos Cosme e Damião, padroeiros das crianças. Em 2010, quando resolvemos escrever sobre este tema (Dias, 2010), frisávamos que o modo de distribuir o doce de Cosme e Damião vem sofrendo mudanças devido à recusa dos evangélicos em receber o doce. Mas, além do fato de que Cosme e Damião foram sincretizados no Brasil com os Ibeji e que os evangélicos rejeitavam o doce justamente por conta desse sincretismo, praticamente nada sabíamos sobre essa devoção e suas origens. Pesquisar as origens do culto desses santos é encarado por nós, então, como um desafio.

Celeno de Figueiredo (1953, p. 5), na introdução de sua obra, afirma que escrever sobre os santos gêmeos é um desejo da mocidade, não realizado há mais tempo, “em virtude da inegável escassez de literatura”. Acreditamos que, ainda hoje, embora passadas décadas desde o seu trabalho, há escassa biografia sobre esse tema em relação à força que essa devoção continua demonstrando no Brasil.

O culto aos santos

Como sabemos, nos inícios do cristianismo, o termo “santo” (que significa separado) era usado de forma geral para se referir aos cristãos. Para se verificar isso basta dar uma olhada rápida nas saudações das epístolas (BÍBLIA, 1993, 1 Coríntios 1: 2 e Efésios 1: 1, e. g.). Com o tempo, esse termo passou a designar as pessoas na comunidade cristã dignas de admiração por alguma virtude ou feito particular. O problema, como coloca Bárbara Lucas (1969, p. 417), ocorre porque “com o tempo, grande número de lendas […] começou a envolver alguns dos santos”, como resultado disso, “a Igreja decidiu que no futuro só se deveriam aceitar como santas as pessoas que fossem formalmente declaradas como tais pelo Papa. Dá-se a isso o nome de Canonização”. O processo visa constatar se o candidato possui uma “virtude verdadeiramente heroica” (Lucas, 1969, p. 418).

As honrarias católicas dos santos e o próprio processo de canonização, a nosso ver, devem-se muito a heroização que os romanos faziam de seus entes falecidos: “tais crenças eram largamente tributárias aos usos tradicionais por meio dos quais os pagãos honravam seus defuntos e especialmente aquêles que criam promovidos à heroização” (Danieloo; Marrou, 1966, p. 320, sic).

O culto dos mártires

Luiz Mott (1994, p. 4) propõe uma tipologia dos santos adorados no Brasil Colonial: “Mártires, Clérigos e Religiosos, Santas Mulheres, concluindo com uma relação dos que tiveram a má sorte de serem considerados Falsos Santos”. A devoção a Cosme e Damião se enquadra no culto aos mártires, pois “chama-se mártir quem derrama seu sangue pela causa de Cristo” (Martins, 1954, p. 5). Claro que não só no cristianismo existem mártires, o mártir cristão seria caracterizado por uma atitude especial ao enfrentar o martírio. Mondoni (2001, p. 56) procede à caracterização do mártir cristão:

[…] não procurava o perigo, mas quanto possível o evitava, […] enfrenta a morte não como cortejo triunfal, mas numa via solitária e em pleno abandono […]; sua fortaleza aparecia não do desejo do sofrimento, mas da serenidade com que ia ao encontro do fim inevitável.

Para o estudo da vida dos mártires, podemos contar com os seguintes documentos: Acta, Passio, Gesta (narrações posteriores às perseguições com justaposição de elementos históricos e lendários) (Mondoni, 2001, p. 56). São critérios para historicidade de um mártir: testemunho direto (Acta, Passio3), inscrição tumular com o qualificativo ‘mártir’, traços seguros de um antigo culto (basílica, cemiterial), menção nos antigos martirológios (Mondoni, 2001, p. 56-57).

Martirológio era, basicamente, “um fichário ou catálogo daqueles que com, com sangue, abonaram o testemunho de sua fé em Cristo. Os antigos martirológios constituíam uma espécie de calendário litúrgico” (Martins, 1954, p. 5). O Martirológio Romano consiste da junção dos vários martirológios regionais, sendo considerado definitivo o texto de Barônio, que depois foi muitas vezes revisto, corrigido e ampliado, tendo sido atualizado pela última vez em 1922, por ordem de Bento XV. Ele é um dos livros litúrgicos oficias da igreja, os quais são, a saber: Missal, Breviário, Ritual Pontifical, Cerimonial e Martirológio.

Claro que no Martirológio Romano “Alguns dados são passíveis de revisão histórica […]. A Santa Igreja desde muito procura escoimá-lo de erros e inexatidões históricas” (Martins, 1954, p. 6). Aliás, “A Igreja é a primeira a querer a verdade histórica. Mas convenhamos. Corrigir não é arrasar, sem mais nem menos, textos venerandos” (Martins, 1954, p. 7).

Foxe4 (2005, p. 13) lembra que ao fundar sua igreja Cristo deixou claro que haveria perseguição, mas que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Assim deve-se ler a história dos mártires como “proveito do leitor e da edificação da fé cristã” (Foxe, 2005, p. 14). Para esse autor:

As causas de tanta perseguição aos Cristãos por parte dos imperadores romanos foram principalmente estas: o medo e o ódio. Primeiro o medo, porque os imperadores e o senado, por ignorância cega, […] temiam e desconfiavam que ele (Cristo) pudesse subverter o seu império. Por isso buscaram todos os meios possíveis […] para extirpar totalmente o nome e a memória dos cristãos. Em segundo lugar, o ódio em parte porque este mundo […] sempre odiou e tratou com maldade o povo de Deus […] Em parte, porque os cristãos, tendo uma natureza e uma religião contrária às dos imperadores […] desprezavam os seus falsos deuses […] e muitas vezes detiveram o poder de Satanás que agia nos seus líderes […]. Por isso, Satanás […] instigou os príncipes romanos e os idólatras cegos a nutrir contra eles um ódio e despeito cada vez maiores (Foxe, 2005, p. 25)

O mais seguro documento acerca de um mártir são as atas: “Para nosso objeto é importante notar uma formalidade que não faltava em nenhum processo: as atas”5 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre). Convém-nos aqui esclarecer, portanto, de que se constitui esse documento:

“As atas dos mártires não são outra coisa que a transcrição exata, ou pouco menor, dos processos verbais redigidos pelos pagãos e conservados nos arquivos oficiais, transcrição que os cristãos recuperavam por diversos meios, por exemplo, a compra a os agentes do tribunal”6 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre).

Essas atas eram obtidas pelas comunidades cristãs através da compra. Mas uma ata, claro, como tudo que é valioso, “era objeto de engano e falsificação”7 (Bueno, 2003, p. 137, tradução livre).

Para Danieloo e Marrou (1966, p. 320), “não resta dúvida que já se conhecia [o culto aos mártires] […] desde o final do segundo século, e de alguma forma se oficializara na Igreja Cristã”, mas sublinham que no quarto século “O fato mais considerável é o desenvolvimento realmente exuberante do culto dos mártires”, desenvolvimento motivado pelo fim das grandes perseguições e pela paz constantiniana.

O arquétipo dos gêmeos

Divindades duplas, gêmeas ou não, aparecem na cultura e na literatura de muitos povos da Antiguidade: Castor e Polux entre os gregos, Osíris e Seth no Egito, Rômulo e Remo em Roma, Vishnu e Lakshmi, na Índia (cf. Araújo, 2010, p. 1); “estes seres costumam ser divindades benfeitoras” (Cirlot, 1984, p. 274). Aliás, “todos os heróis gêmeos da cultura indo-européia são benéficos” (Chevalier, 1997, p. 466). No Candomblé também existe o orixá Ibeji, “representado pelos gêmeos na África, sendo estes sagrados” (Cacciatore, 1988, p. 141), com quem Cosme e Damião foram sincretizados. Ibeji8 significa gêmeos, sendo o orixá Ibeji, o único permanentemente duplo.

Então, Cosme e Damião seriam mais uma manifestação do arquétipo dos gêmeos, presente “na maioria de tradições primitivas e de mitologias relativas às altas culturas” (Cirlot, 1984, p. 273), o que haveria permitido seu sincretismo com os Ibeji. Isso nos levaria a pensar o sincretismo, como fez Pedro Iwashita (1991), a partir de conceitos jungianos. Mais exatamente a partir da psicologia dos arquétipos. Isso significa que foi possível o sincretismo entre os santos e orixás, por serem equivalentes “para a experiência humana, no seu sentido profundo e existencial” (Iwashita, 1991, p. 247). Assim, perguntar pelas origens do culto de Cosme e Damião não significaria apenas estabelecer e fixar uma data, mas verificar a força desse arquétipo.

Para Cirlot (1984, p. 274), “O sentido simbólico mais geral dos gêmeos é que um significa a porção eterna do homem […], a alma; e o outro a porção mortal”. Isso faz muito sentido em relação a Cosme e Damião, pois se, como médicos, buscavam a cura do corpo, essas curas objetivavam a conversão, ou seja, a cura também da alma.

Essa recorrência da figura dos gêmeos em várias lendas e mitologias teria origem em personagens históricos que foram depois mitologizados? Acreditamos que possa ter tido origem em diversos personagens históricos em diversas culturas. Entendemos que a pergunta pela motivação dessa recorrência possa ser respondida não na perspectiva histórica, mas na esfera existencial. “Todas as culturas e mitologias testemunham um interesse particular pelo fenômeno dos gêmeos” (Chevalier, 1997, p. 465). O nascimento de gêmeos envolvia um mistério que causava espanto nos povos antigos.

A Vida de Cosme e Damião

Cosme e Damião são santos católicos que foram médicos9 e, por isso, são tidos como protetores das crianças. Eles teriam exercido a medicina sem nunca cobrar nada, por isso são chamados de “anargiros”, ou seja, que não são comprados por dinheiro. Conforme Figueiredo (1953, p. 7), teriam conhecido o cristianismo através de sua mãe Teódota, que os criou na fé cristã. Nos livros litúrgicos ocidentais10 sua festa foi fixada a 27 de setembro11. Uma reforma litúrgica no ano de 1969 moveu sua comemoração para o dia 26 de setembro, contudo o povo mantém a devoção no dia 27. O padre Michelino Roberto explica que “pelo calendário oficial da igreja, a festa é celebrada no dia 26. Mas o povo prefere 27, data da inauguração da basílica que o papa Félix IV mandou erguer para os dois em Roma, no ano 500” (Roberto, 2000). Na fala do padre Josevaldo, pároco da Igreja de Cosme e Damião na Liberdade, Salvador (BA), parece haver a necessidade de frisar a diferença das datas para combater o sincretismo com as religiões afro:

No candomblé, explica o padre, o dia de homenagear as crianças ou seja a falange de Ibejí é dia 27, enquanto que na igreja católica o dia de Cosme e Damião é 26. Mas, no imaginário popular ficou marcado mesmo o dia 27, explicou o padre. (Sodré, 2012).

São santos do século III cuja data de nascimento é incerta, como, aliás, vários outros aspectos de suas vidas. “Devemos, pois, contentar-nos com as poucas noticias que a seu respeito se extrahiram de varios autores de reconhecida probidade”, como lemos na obra Vidas de S. Cosme e Damião e S. Cesário, Médicos da Federação das Congregações Marianas de São Paulo (1935, p. 3, sic), na qual temos essa descrição de como eles procediam para ocorrer a cura: “começavam por fervorosa oração. Informando-se da natureza do mal, faziam sobre o enfermo o signal da cruz, e com isto, em geral, sem necessidade de remédios, […] o paciente via-se restituído a saúde” (Federação de…, 1935, p. 4, sic) . Essa obra, de cunho devocional, tem, na verdade, por pressuposto, que “As enfermidades do corpo vêm por castigo das desordens da alma”, assim, “Aplaque-se a ira de um Deus ofendido e recobrará saúde o enfermo” (Federação…, 1935, p. 6), e, assim, seu intento é o incentivo à prática da confissão.

Seus atos caridosos que eram motivo de conversões ao cristianismo “não passaram despercebidos aos inimigos da fé cristã” (Basacchi, 2003, p. 7). Denunciados pelo procônsul Lísias, acusados de serem “inimigos dos deuses”, foram mortos por ordem do imperador Diocleciano por não se curvarem diante dos deuses pagãos. Uma tradição diz que foram alvejados por dardos, mas miraculosamente os dardos se desviaram deles, por isso depois foram decapitados12. “O Passio descreve-os como sendo queimados, apedrejados, serrados, e finalmente decapitados13, mas isto é pura lenda14” (Cosmas…, 1967, p. 361, tradução livre). Outra tradição conta que eles foram atirados de sobre um despenhadeiro. “Seus restos mortais, segundo consta, encontram- se em Ciro na Síria, repousando numa basílica a eles consagrada. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente” (Cosme…, 2013, s/p). Depois, no século VI, uma parte das Relíquias foi levada a Roma e está na igreja que adotou seus nomes. “Outra parte foi guardada no altar-mor da igreja de São Miguel, em Munique, na Baviera” (Encyclopedia…, 1997, p. 449).

Embora muitas lendas tenham sido agregadas a história de seu martírio, podemos acreditar que tenham realmente sofrido muitas torturas15, conforme afirma Foxe (2005, p. 26):

Os tiranos […] não se contentavam apenas com a morte […]. Tudo o que a crueldade da invenção do homem pudesse conceber para castigar o corpo humano era posto em prática contra os cristãos […] os seus corpos eram amontoados e junto a eles deixavam cães para guardá-los a fim de que ninguém pudesse vir dar-lhes sepultura.

Mas a ênfase dada nos relatos da igreja sobre a intensidade do sofrimento por que eles passaram mostra a clara intenção de impressionar os fiéis. No Martirológio Romano (Vaticano, 1954, p. 222), sobre o dia 27 de setembro, lê-se sobre eles:

Em Egéia, o natalício dos santos irmãos mártires Cosme e Damião, que, com o auxílio de Deus, aturaram muitos tormentos, grilhões, cárceres, águas, fogueiras, cruzes, pedras, e flechas, antes de serem degolados na perseguição de Diocleciano. Conta-se que, com eles, padeceram três irmãos seus: Ântimo, Leôncio e Euprébio.

Conforme Danieloo e Marrou (1966, p. 400, 401), “Nos anos que seguem ao Concílio de Éfeso16, desenvolve-se o culto, até então estritamente local dos Santos Cosme e Damião”. Assim, o desenvolvimento dessa devoção segue o grande crescimento do culto aos mártires, ocorrido com o fim das grandes perseguições.

Conforme a historiadora Ignez Aquiar o culto aos irmãos foi introduzido no catolicismo pelo papa São Félix que mandou trazer os corpos dos santos para Roma, colocando-os no cemitério da igreja de Santa Cecília, dando início à veneração dos santos na Itália e por toda a Europa. A fé dos devotos nos santos gêmeos era tanta, que apareceu uma relíquia curadora – o óleo de São Cosme e Damião, cuja distribuição nas igrejas católicas predominou até 1780. Como ritual para curar-se, […] o doente ia à igreja, expunha a parte afetada diante da imagem junto ao altar dos santos, uma rezadeira esfregava o óleo no local doente, rezando: Per intencessionem beati Cosmi, liberetabomni malo. Amém, destaca a pesquisadora. (Aquiar apud Pernambuco…, 2011, s/p).

O óleo também serviria para dar filhos a mulheres estéreis (Basacchi, 2003, p.8

O culto na Europa e a Basílica de Cosme e Damião em Roma

Ainda que seja difícil precisar uma data de início do culto, “Sabemos que o culto aos dois irmãos é muito antigo, pois no século V já existiam escritos sobre eles” (Basacchi, 2003, p. 8). Conforme o Dicionário Patrístico (Di Berardino, 2002, p. 347), “Teodoreto de Ciro (458 d. C.) é o primeiro a falar do culto dos santos ‘anárgiros’, culto prestado na cidade sede de seu episcopado”, conforme ele menciona em uma carta, havia, em 434, um local dedicado aos santos em Ciro, no norte da Síria (Harrold, 2007, 28). Harrold (2007, p. 26, tradução livre) considera que:

Sem nenhuma prova histórica dos verdadeiros santos denominados Cosme e Damião, as origens do culto são impossíveis de identificar com absoluta certeza, mas um quadro pode ser construído da evidência proveniente pelas notações litúrgicas, documentos históricos e os primeiros lugares de adoração e as coleções associadas de milagres. Além disso, o rápido alastramento do culto popular obscureceu suas origens17.

A primeira data disponível aos hagiógrafos é, portanto, uma omissão (Harrold, 2007, p. 27). Mas sabe-se que “os santos doutores eram certamente conhecidos bem o bastante no início do século quinto para um santuário ter sido construído em honra deles18” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre). A autora segue citando várias construções feitas aos gêmeos e, então, levanta uma hipótese:

[…] dentre estas primeiras dedicações é possível levantar a hipótese de um ponto geográfico inicial para o culto […] há alguma evidência apoiando a crença na existência da tumba dos dois na região de Ciro, no norte da Síria de uma data antiga”19 (Harrold, 2007, p. 30, tradução livre).

Daí, a “adoção dos santos em muitos lugares seguiu rapidamente. Por exemplo, por meados do século V, ao mínimo duas igrejas dedicadas aos SS. Cosme e Damião tinham sido erguidas em Constantinopla20” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre).

Porém, como se sabe, há uma basílica que o “papa Félix IV mandou construir em honra deles no Foro Romano […]. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente”, sendo que com a “meta mais de turistas que de devotos, pelo esplêndido mosaico que lhe decora a abside” (Cosme…, 2013, s/p). Assim, a Basílica de SS. Cosme e Damião em Roma21 é importante para o estudo do desenvolvimento e expansão da devoção. Teodorico, o Grande, rei dos Ostrogodos e a sua filha Amalasunta, doou ao papa Félix IV, em 527 d. C., a biblioteca do Templo da Paz (Bibliotheca Pacis) e também uma parte do Templo de Rómulo. Félix IV uniu os dois edifícios e criou a basílica dedicada aos dois santos gregos Cosme e Damião, um contraste ao culto pagão a Castor e Pólux, outrora adorados num templo situado no Fórum Romano (Basilica…, s/d)22. A fundação da igreja está descrita no LiberPontificalis:

“Aqui ele erigiu a basílica dos Santos Cosme e Damião no lugar chamado Via Sacra, perto do templo da cidade de Roma”(apud Harrold, 2007, 34, tradução livre)23.

Como coloca Harrold (2007, p. 34, 35), não se sabe as razões exatas porque essa igreja foi construída nessa área, mas podem-se levantar algumas especulações. Aliás, a área em que foi construída a Basílica não era populosa. No começo do quinto século mostrava-se interesse pelos santos orientais (uma igreja à Santa Anastácia é dedicada também nessa época). Acreditamos que é bom o argumento de que a igreja intencionava competir e combater cultos pagãos de cura que ocorriam na mesma área. “A locação da igreja, no lado oposto do fórum para os centros devocionais dedicados a Dioscuri e Asclépio, pode ter intentado providenciar uma alternativa cristã a  estes lugares” 24 (Harrold, 2007, p. 35, tradução livre).

O culto de Cosme e Damião em Portugal

Augusto da Silva Carvalho, em 1928, escreveu O Culto de Cosme e Damião em Portugal e no Brasil – História das Sociedades Médicas Portuguesas. Segundo ele, a devoção a esses santos em Portugal está muito  ligada ao  fato das confrarias se constituírem naquele país principalmente reunindo pessoas de uma mesma profissão em volta de um santo protetor. A escolha pelos médicos dos santos Cosme e Damião como patronos entre tantos outros santos médicos (Carvalho faz uma longa lista) deve-se ao fato de que eles, além de terem sido médicos, foram santos. Por isso, para Carvalho, acompanhar essa devoção em Portugal termina por desembocar em falar da história das sociedades médicas.

Conforme Carvalho (1928, p. 3), “Nos séc. XII e XIII o culto dos dois santos espalhou-se pela Europa Central e Ocidental”. Como padroeiros dos médicos, nota-se que o prestígio da medicina e dos santos estão relacionados. Carvalho (1928, p. 7) nota que “Na Itália o culto dos dois irmãos foi muito extenso”, extensão relacionada “a alta consideração que na Itália tinham pelos médicos”. Assim, a manutenção do culto dos santos e crescimento por obra de confrarias não é algo peculiar ao país lusitano.

Por serem padroeiros dos médicos, um dos materiais para pesquisa dessa devoção em Portugal é um tanto inusitado: os livros de medicina. “Nos livros de medicina publicados em Portugal encontram-se muitas referências aos patronos dos médicos e algumas vezes até esses livros lhes foram dedicados” (Carvalho, 1928, p. 17). Contudo, estudar em Portugal esse culto a partir da devoção às relíquias não é tão promissor porque Portugal é “muito pobre em relíquias dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 15).

Conforme Carvalho (1928, p. 9), “Em Portugal o culto dos dois santos data dos primeiros tempos da monarquia, ou melhor, começou antes da constituição do nosso reino”. Vestígios disso são quadros, monumentos e documentos, incluindo testamentos onde o falecido deixava alguma imagem de santos para um herdeiro. Devoção realmente muito antiga, já em 568, numa freguesia de Azar ou Azere, “no actual concelho dos Arcos de Val houve um mosteiro de frades bentos dedicado a Cosme e Damião” (Carvalho, 1928, p. 21, sic). Em Portugal também “Foi uso em tempos dar a gémeos os nomes dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 17), uso que continua no Brasil. Parece mesmo que os pais portugueses destinavam os filhos à medicina desde o berço dando-lhes o nome desses santos, e “Algumas vezes os médicos e cirurgiões escolhiam para seus filhos os mesmos nomes” (Carvalho, 1928, p. 18), demonstrando não só sua devoção aos santos, mas o desejo de que os filhos seguissem na mesma devoção. Assim, uma família de médicos seria também uma família de devotos.

No entanto, a veneração dos patronos dos médicos não é encontrada somente nos grandes centros, onde haveria concentração tanto de médicos como dos cursos de medicina, mas também “nas mais humildes aldeias, em tôscas e pobres capelas, onde os oragos são representados por ingénuas imagens, em que os sapateiros de província consubstanciaram as lendas e tradições do povo humilde daqueles lugarejos” (Carvalho, 1928, p. 20, sic). Assim, outros profissionais responsáveis pela popularidade dos santos são os sapateiros, que se não têm o mesmo prestígio que os médicos estão mais próximos do povo das aldeias do que aqueles.

Carvalho segue em seu livro listando várias localidades, pequenas aldeias, com nomes dos gêmeos ou nomes derivados dos deles (Cosmode, por exemplo), assim, ele nos mostra que a toponomia e a antroponomia são estudos importantes para acompanhar a expansão da devoção, o que serve certamente também para o caso brasileiro. Aliás, “No Brasil ha várias localidades com o nome dos dois mártires” e “Nos nomes de homens tambêm se encontra vestígio do culto dos mesmos santos” (Carvalho, 1928, p. 54, sic).

A origem do culto de Cosme e Damião em Igarassu e no Brasil

Como sabemos o catolicismo brasileiro é santorial, a ponto de que em “certas casas mais devotas, podemos encontrar folhetos de cordel, quadros ou até imagens reproduzindo a figura de alguns destes santos mais populares” (Mott 1994, p. 3). E catolicismo santeiro brasileiro tem suas origens na religiosidade ibérica, pois “Portugal e Espanha costumavam disputar entre si para saber qual dos reinos ostentava o maior número de santos e beatos reconhecidos” (Mott, 1994, p. 4). Assim, é um tanto natural que a devoção aos santos gêmeos, trazida pelos portugueses, tenha se fixado e se expandido em solo brasileiro.

A Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu25, Pernambuco, de 1535, “considerada uma das principais relíquias da arte colonial brasileira” (Basacchi, 2003, p. 9), é a igreja mais antiga26 do Brasil ainda em atividade.

No dia 27 de setembro de 1530, dia dos Santos Cosme e Damião, com a expulsão dos índios, pelos portugueses, das terras margeantes ao Rio Igarassu, inicia-se o processo de ocupação de Pernambuco. A Construção da Vila de Igarassu é, assim, a marca original da cultura portuguesa nesta região do país. (Programa…, 1979, p. 15).

As despesas para sua edificação correram por conta do Capitão Afonso Gonçalves, que, em carta ao rei de Portugal, datada de 10 de maio de 1548, diz textualmente: “Senhor eu quisera os dízimos desta igreja para os gastar nela e em coisas necessárias para o culto divino e ornamentos, pois sou fundador dela e a fiz à minha custa própria” (Pereira da Costa, 1983, p. 248, 249).

A capela primitiva, provavelmente em taipa, ruiu por volta de 1590/94, segundo informação contida no livro “Primeira Visitação do Santo Ofício: Denunciações e Confissões de Pernambuco”. No mesmo sítio e obedecendo a um alvará real datado de 11 de novembro de 1595, foi construída entre 1595/97, uma nova capela, desta vez de pedra e cal. Hoje, após processo de restauração iniciado em 1958, a igreja recuperou suas características primitivas (Prefeitura de Igarassu, 2010, p. 9).

O professor C. Smith, titular da Cadeira de História da Arte na Universidade da Pensilvânia, nos informa: “A igreja paroquial dos Santos Cosme e Damião, fundada em 1535, foi ampliada no século XVIII por ter sido considerada como a mais antiga do Brasil e o dinheiro usado proveio dos cofres reais” (Biblioteca…, 2011, p. 14). Nos Anais Pernambucanos lemos acerca da conquista dessa terra e acerca dessa igreja:

Dêste porto dos marcos, escreve Jaboatão, saiu Duarte Coelho, e deixando esse braço do rio que cerca a ilha de Itamaracá pelo poente e buscando outra vez o mesmo rio para o sul pouco mais de uma légua, navegando por êle acima duas ao mesmo poente ou meio dia, deram fundo e saltaram em terra, não sem grande oposição do gentio, que no alto, à margem daquele porto tinha uma mui forte e abastada aldeia, que depois de larga resistência, combates e pelejas, foram vencidos e afugentados os seus habitadores. Foi a última vitória a vinte e sete de setembro, dia dos gloriosos mártires Santos Cosme e Damião, e a sua memória consagraram logo aquêle lugar, levantando nêle igreja sua e dando princípio a uma povoação, que depois passou a vila com os nomes dos santos mártires, e foi a primeira da capitania de Pernambuco. […] Aquela igreja, com a invocação dos referidos santos, já estava construída em 1548, como se vê de uma carta de Afonso Sanches, seu fundador, dirigida ao rei a 10 de maio daquele ano, e teve depois a categoria de matriz com a criação da paróquia de Igarassu, em época porém desconhecida; mas como se vê da Informação da Província do Brasil, do Padre José de Anchieta, escrita em 1585, já então estava ereta e canônicamente provida […].(Pereira da Costa, 1983, p. 170-176, sic).

Num dos painéis27 da igreja28 retratando a vitória sobre os índios caetés lê-se:

Vencidos os índios pelos Portuguezes em o dia dos Santos Cosme e Damião, em reconhecimento de tão grande benefício, no mesmo lugar da vitória, que he este de Iguaraçú, fundarão logo este templo, o primeiro que houve em Pernambuco, e o consagrarão aos gloriosos Santos, d’onde forão sempre continuas suas victorias e maravilhas, e debaixo da proteção dos mesmos Santos fundarão esta villa, que também foi a primeira que houve (Igreja…, 1729, s/p, sic).

Augusto da Silva Carvalho (1928), porém, no seu O Culto de S. Cosme e S. Damião em Portugal e no Brasil, não faz nenhuma referência a essa igreja, o que é uma grande falha em sua pesquisa, que a respeito do culto desses santos em Portugal é tão rica de detalhes. Uma das riquezas da obra de Carvalho, no entanto, sobre essa devoção no Brasil, é recuperar a memória da existência de confrarias dedicadas aos gêmeos. Conforme ele, as confrarias “constituíram-se e mantiveram-se durante muito tempo com a designação do santo patrono de cada profissão” (Carvalho, 1928, p. 1).

A escolha dos santos gêmeos para serem os patronos dos médicos no meio de tantos santos que também se dedicaram a medicina (entre os quais S. Lucas, evangelista) explica- se por serem eles mártires. Por extensão, se tornaram santos de todos profissionais da área da saúde. Interessante terem sido tomados também como padroeiros dos sapateiros. Jaime Sodré, em vídeo a TVE Bahia, explica que isso se deve a eles, como médicos, terem feito botas de funções ortopédicas (na azulejaria portuguesa do interior da capela do Convento de Santo Antônio em Igarassu, há a figura deles cuidando da perna de um homem usando desse artifício). Acreditamos que também se deva a associação feita entre Cosme e Damião e Crispim e Crispiniano29, mártires também do século III, patronos dos sapateiros devido a um trocadilho feito entre seus nomes e a palavra grega para sapatos (Di Berardino, 2002, p. 358).

Diferente de Portugal, no Brasil não perecia ter havido confrarias dedicadas a Cosme e Damião, já que o autor não encontrara memória30 delas na população que investigara; “no entanto existem documentos que provam sua existência” (Carvalho, 1928, p. 56). Trata-se dos documentos do Santo Ofício referentes a Manuel Mendes Morforte e Francisco de Siqueira Machado. O primeiro veio à baía em 1698, e lá se tornou irmão da Confraria de S. Cosme e S. Damião e mandou dourar o retábulo da capela desses santos. O segundo, cristão novo, natural do Rio de Janeiro, para provar sua crença na religião católica, lembra, durante o interrogatório, que quando no Rio de Janeiro estava quase extinta a irmandade dos gêmeos, ele que se esforçou para que ela se restabelecesse (Carvalho, 1928, p. 56,57). Em entrevista, o professor Jorge Barreto, diretor do Museu Histórico de Igarassu, afirmou-nos haver nas dependências do Museu, onde funciona o Departamento de Pesquisa Histórica, uma prestação de contas, datada de 1854, da Irmandade de São Cosme e Damião, já dando sinais de falência. Segundo ele, a Irmandade não alcançou a República31.

No Rio de Janeiro32 pareceria “haver uma devoção por estes santos na Igreja de Gonçalo Garcia e S. Jorge, sita na Praça da República. Mas noutros estados a devoção é mais viva e sobretudo na população portuguesa é conservada como grande amor” (Carvalho, 1928, p. 57). É na Bahia, contudo, onde a devoção é mais intensa, onde “não ha casa de gente do povo que não tenha as imagens dos santos, muito tóscas e ingénuas” (Carvalho, 1928, p. 58, sic). Em Salvador, a devoção aparece ligada ao candomblé, onde se distribui o caruru, iguaria feita de quiabo e camarão. Como explica o professor Jaime Sodré (apud Caruru…, 2012), por serem vistos como meninos nas religiões afro, Cosme e Damião têm uma ligação muito especial com os orixás, pois “não tem orixá que não vá ouvir o canto de um menino”. Na zona rural da Bahia, como mostra o documentário Bahia Singular e Plural (Cosme…, 2012), é comum a prática do “Lindro Amor”, quando homens e mulheres saem33 de casa em casa cantando, usando chapéus enfeitados com folhas de seda, e duas crianças à frente levando uma caixa enfeitada contendo a imagem dos santos e flores, para arrecadar donativos (dinheiro, mantimentos, velas…) para fazer a festa.

Como frisamos, a devoção foi trazida ao Brasil de Portugal, onde em muitas de suas localidades “os santos eram invocados para proteger os que faziam longas viagens”, como a devoção aqui chegou “pelos que os tinham como patronos dos navegantes […] o seu culto se radicou sobretudo na beira-mar” (Carvalho, 1928, p. 58). Devoção trazida pelos portugueses e que se espalhou pelo litoral, depois se interiorizou com o garimpo. Os negros eram a grande “máquina” produtiva do garimpo, e, reduzidos a “coisa”, tinham que – como forma de resistência cultural – “sincretizar seus orixás com os santos católicos que lhe foram impostos” (Araújo, 2010, p. 2). Sincretismo esse que perdurou até os dias de hoje, fazendo parte da religiosidade popular do povo brasileiro.

Conclusão

Como no início deste texto, gostaríamos de novamente lembrar a literatura de cordel do Frei Urbano de Souza (1991, p. 23):

É religiosidade
De roupagem popular
Espiritualidade
Com certeza aí está
Toda a criatividade
De nossa modernidade
Muito tem a escutar

O que achamos importante destacar, ao chegar agora ao final desse texto, é que a devoção a Cosme e Damião, tão antiga, como mostramos, no Brasil ainda permanece viva, principalmente na religiosidade popular.

Notas:

Notas:

1 Texto referente a uma comunicação apresentada na 2ª Semana de Ciência da Religião da UFJF realizada entre os dias 16 e 19 de setembro de 2013.

2 Doutorando em Ciência da Religião pela UFJF. Bolsista CNPq

3 Interessante que Acta e Passio sejam atribuídos como os “verdadeiros” nomes de Cosme e Damião.

4 Foxe escreve de dentro do seio protestante, assim, é claro que ele assume o pensamento de o protestantismo é o verdadeiro herdeiro da fé dos mártires, por isso, ele inclui no seu “livro dos mártires” nomes como os de William Tyndale, John Wyclif e John Huss.

5“Para nuestro objeto es importante notar uma formalidade que no faltaba em ningún processo: las actas”.

6 “Las actas de los mártires no son otra cosa que la transcripcion exacta, o poco menor, de los procesos verbales redactados por los paganos y conservados em los archivos oficiales, transcripción que los cristianos reprocuraban por diversos médios, por ejemplo, la compra a los agentes del tribunal”

7“era objeto de trampa e falsificación”

8 Conforme Cacciatore (1988, p. 141) o termo advém do iorubá: “ìbi” – parto; “èji” – dois. A Enciclopédia Barsa (Encyclopedia…, 1997, p. 449) informa que “No Rio Grande do Sul, os Ibejis são denominados Beifes”.

9 Conforme Figueiredo (1953, p. 8), eles se dedicaram a curar não apenas os homens, mas também os animais.

10 Estes são “O Liberorationum visigodo, dos inícios do séc. VIII, o sacramentário Leonino, o Gregoriano de Pádua, o Calendário de Nápoles” (Di Berardino, 2002, p. 347).

11 Já “O sinaxário de Constantinopla contém a 1º de julho três pares de santos homônimos”, ao passo que numa paixão grega sua data aparece como 25 de novembro (Di Berardino, 2002, p. 347).

12 Na imaginação do poeta Frei Urbano de Souza (1991, p. 18), eles morreram abraçados: “Eles então se abraçam/ No auge da santidade/ A Deus do céu adoraram/ Em espírito e em verdade”. Lembrando a clássica distinção aristotélica entre poesia e história, como poeta, ele tem o direito de cantar o que poderia ter sido, diferente do historiador, que tem o dever de contar o que foi.

13 Um dos milagres dos santos doutores teria sido que após serem decapitados, a cabeça deles voltou a se encaixar sobre o pescoço. Esse milagre seria para gente “não perder a cabeça”, ou seja, não perder o juízo.

14 “The Passio describes them as being burnt, stoned, sawed, and finally decapitated, but it is pure legend”

15 Harrold (2007, p. 26) propõe dividir o estudo sobre esses santos entre a tradição latina e bizantina, conforme Harrold (2007, p. 28), no Ocidente desenvolveram-se menos lendas do que na tradição do Oriente.

16 O Primeiro Concílio de Éfeso foi realizado em 431 na Igreja de Maria em Éfeso, na Ásia Menor. Foi convocado pelo imperador Teodósio II e debateu sobre os ensinamentos cristológicos e mariológicos.

17“With no historical proof of actual saints named Cosmas and Damian, the beginnings of the cult are impossible to identify with absolute certainty, but a picture can be built up from the evidence provided by liturgical notices, historical documents and the earliest locations of worship and associated collections of miracles. The rapid spread of the popular cult further obscured its origins”.

18 “doctor saints were certainly known well enough by the early fifth century for a sanctuary to have been built in their honour”

19 “From amongst these early dedications it is possible to hypothesize a geographic starting point for the cult (…) there is quite a bit of evidence supporting the belief in the existence of the tomb of the saints in the region of Cyrrhus in northern Syria from an early date”.

20“The adoption of the saints in many places quickly followed. For example by the mid fifth century at least two churches dedicated to SS. CosmasandDamianhadbeenbuilt in Constantinople.”

21                       Há                       várias                       imagens                          disponíveis         em:

<http://www.franciscanfriarstor.com/archive/theorder/Basilica/index.htm>. Acesso em 21 nov. 2014.

22 As pinturas e o texto desta página da internet são a reprodução permitida do livro The Basilica of Santi Cosma e Damiano e é propriedade da FranciscanFriars.

23″Hic fecit basilicam sanctorum Cosmae et Damiani in urbe Roma, in loco qui appellatur II Via Sacra, iuxta templum urbis Romae.”

24“The location of the church, on the opposite side of the forum to devotional centres dedicated to the Dioscuri and Asklepios, could have been intended to provide a Christian alternative to these places”

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

27 São quatro painéis, todos de 1729: o primeiro retrata vitória sobre os índios caetés, marco da fundação da cidade; o segundo, a construção da Igreja; o terceiro, a invasão e saque de Igarassu pelos holandeses, (ocorrida em 1632, os holandeses ao terem tentado saquear as telhas do telhado da Igreja de Cosme e Damião, teriam sido surpreendidos pela aparição dos santos numa nuvem e, pelo esplendor dos santos, caíram cegos); o quarto painel retrata a peste de febre amarela de 1685 (Igarassu, diferente das cidades suas vizinhas, esteve ilesa a esta peste, o painel retrata várias cidades sendo invadidas pela morte – retratada como tradicionalmente com um esqueleto com uma foice, enquanto em Igarassu os santos, postos nas fronteiras, barram a entrada da morte na cidade. Esses painéis foram transferidos para o Museu Pinacoteca de Igarassu, que funciona no Convento de Santo Antônio, em 1969, para fins de melhor preservação.

28 Não é acessível a todos viajar para Igarassu para conhecer essa igreja, mas é possível “visitar” seu interior         virtualmente   através    de              um                        vídeo                       disponível       em:

<http://www.youtube.com/watch?v=8szLsX1HV2M>. Acesso em 21 nov. 2014.

29 Na Bahia, Crispim e Crispiniano também foram sincretizados com os Ibêjis, por isso, no dia 25 de outubro, dia desses santos, ocorre comemorações como as feitas a Cosme e Damião, porém, com menor intensidade.

30 Seria o caso de perguntarmos quais forças operaram ou contribuíram para que operasse esse esquecimento. Quais razões e circunstâncias motivaram o apagamento das reminiscências?

31 Não pude ter acesso a esse documento porque quando estive em Igarassu (19/09/2013 – 28/09/2013) para minha pesquisa de campo, o acesso ao Departamento de Pesquisa Histórica estava suspenso devido às festividades dos santos. As visitas ao museu aumentam nessa época.

32 No Rio de Janeiro, como o policiamento é feito por duplas de soldados, essas duplas ganharam do povo a alcunha de “Cosme e Damião”, gesto que foi recebido com simpatia pelos policiais, assim “os santos gêmeos tornaram-se também patronos da Polícia Civil da Guanabara” (Basacchi, 2003, p. 9).

33 Já que São Cosme e Damião são vistos como crianças, é natural que eles gostem de passear. Uma das músicas de tradição do “Lindro Amor” chama a dona da casa: “Ô minha senhora/ abra essa porta/ porque São Cosme é tradição/ é coisa nossa”. Como a caixa é levada ao interior da residência ninguém fica sabendo o valor exato que a pessoa depositou, o que evita constrangimento.

Referências

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Disponível                                                                                                         em:

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Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/as-origens-do-culto-de-cosme-e-damiao/

O Comando do Olhar

Morbitvs Vividvs

Glamour é o termo pelo qual os encantamentos e manipulações de bruxas e feiticeiros eram conhecidos antigamente. Agora, o significado da palavra mudou para denotar uma exibição deslumbrante de beleza mas em baixa magia glamour é a qualidade daquilo que atrai a atenção visual geralmente distraindo o espectador de outras coisas. Intimamente relacionada a isso há outra palavra usada por muito tempo em conexão com feitiçaria – a fascinação. A chave para isso é dada por Anton LaVey em mais de uma ocasião quando ele fala do “Comando do Olhar”.  Trata-se de uma fórmula criada pelo fotógrafo William Mortensen na década de 1930 e teve um enorme impacto em toda estética proposta pela Church of Satan. A fórmula pode ser resumida nos seguintes termos:

  1. A Imagem deve por seu mero arranjo fazer você olhar para ela.
  2. Tendo olhado – ver!
  3. Tendo visto – desfrutar.

Vamos entender às três partes em detalhes:

O Imperativo Pictórico

A primeira parte da fórmula é puramente visual. Esta qualidade do “pare e olhe” é chamado por Mortensen de “O Imperativo Pictórico”. Quando você folheia uma revista ou álbum de foto ao imperativo pictórico pode ser visto nas fotos que fazem você parar. São as imagens que tocam um sino no sua cabeça, emitem um sinal e prendem sua atenção. Para isso a imagem deve acionar alguns gatilhos biológicos. Como o primeiro gatilho é o da sobrevivência, a RESPOSTA AO MEDO. Damos atenção às impressões sensoriais que representam coisas que ancestralmente provocam temor. Isso não significa que toda boa imagem é assustadora. Mas para fazer você parar ela usou algum destes quatro estímulos visuais:

  • A DIAGONAL nos remete a algo rápido e ameaçador em nosso campo de visão
  • A CURVA EM S nos lembra a aproximação furtiva como a das cobras e do tigre que desliza pela mata.Esta é a base real do fascínio da chamada “Linha da beleza”
  • A COMBINAÇÃO DE TRIÂNGULOS  que nos lembram dentes, lâminas e chifres
  • A MASSA DOMINANTE, algo que ocupa boa parte do enquadramento nos lembram obstáculos que nos fecham como animais enormes ou perto demais

Podemos incluir outras formas que despertam o senso de perigo como coisas que surgem no escuro da noite, esferas paralelas que remetem aos olhos de predadores, enxame de pontos, a perspectiva da altura elevada. Em termos de cores o vermelho remete ao sangue jorrado E termos de sons o ritmo que remete ao coração acelerado pela adrenalina e os sons altos e repentinos como os das sinfonias de Beethoven. Mas por hora basta aprendermos estes quatro gatilhos em destaque que fomos forçados por milhares de anos de sobrevivência a identificar.

O Cativeiro do olhar

Tendo conseguido a atenção precisamos ser capazes de ver sem demora “do que se trata a imagem”. É neste momento que o Comando para Olhar usa as três grandes fontes de apelo emocional:

SEXO. Coisas eróticas e sensuais. O mais primitivo e direto dos apelos.

SENTIMENTO. Coisas suaves e meigas que nos trazem conforto.

MARAVILHA. Coisas misteriosas, exóticas, fantásticas ou mesmo grotescas e impossíveis.

Estes três temas foram desenvolvidos por LaVey tanto na Bíblia Satânica como em Bruxa Satânica.

O Convite ao Desfrute

Auto-retrato de William Mortense, criador da fórmula do Comando do Olhar

Na terceira parte devemos dar ao espectador uma oportunidade de participar na imagem. Depois de ter sua atenção capturada e seu interesse mantido devemos dar a ele algo para fazer com seus olhos. Alguns exemplos incluem:

⦁    Contornos para acompanhar

⦁    Partes para comparar

⦁    Simetrias e quebras de simetria

⦁    Detalhes para ser encontrados

⦁    Sugestões táteis como maciez, aspereza, umidade, etc..

⦁    Repetições (Ecos da forma)

O objetivo da terceira parte da fórmula é desacelerar a visão e fornecer experiências dentro da imagem que causem a permanência nela.

A imagem a direita atende todos os requisitos do Comando do Olhar. É impossível não olhar para ela. A partir de agora tente identificar estes padrões em todas as formas significativas que elas surgirem.

Não foi só Marilyn Monroe que soube usar o Comando do Olhar. Os melhores filmes de Hitchcock, às obras de  Michelangelo, os clipes Michael Jackson todos seguem esta receita conscientemente ou não. A fórmula do Comando do Olhar está presente nas propagandas da Coca-cola (inclusive seu logo), nas fotos de Sebastião Salgado e no próprio Sinal de Baphomet na capa da Bíblia Satânica. Com este conhecimento você poderá agora usar também em suas criações e em seu estilo pessoal.

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.

Satisfação total em ter vocês de volta!

Estava com saudades desses textos. Muito bom ter de volta! Sucesso!

Sem paravras Morbitvs. Parabéns ao retorno 🤘

Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/o-comando-do-olhar/

Evolucionismo, o Conto de Fadas de Darwin

Todos nós fomos presos em uma fábula sem saber. Todos vivemos um conto de fadas sem nos atentarmos a isso, acreditamos que ele seja real. Sempre que…

Ok, você já leu o título do artigo, na verdade clicou nele para chegar aqui, vamos deixar o melodrama introdutório de lado. Na verdade, ao contrário do que possa parecer, este texto não tem como objetivo mostrar como Darwin está errado, como seus seguidores levaram o naturalismo ao patamar de uma religião e como os evolucionistas querem dominar o mundo. Este texto está sendo escrito apenas para mostrar como Darwin e o Darwinismo não estão certos.

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOHHHHHHHH!

Breque sua mente agora. Antes que qualquer idéia de Deus não existe, Monstro do Espaguete Voador, Eles Vs Nós continue a se desenvolver. A genética é uma ciência séria e bem desenvolvida. Milhões e mais milhões de dinheiros são gastos a todo o instante com ela para provar. Existem centenas e milhares de terabytes de códigos genéticos armazenados em arquivos de computadores e graças a ela você pode dizer hoje que o seu segundo dedo do pé ser maior do que o seu dedão é uma lembrença de seus antepassados egípcios. Mas o que muitos se esquecem é que a genética é uma ferramenta, apenas isso, não uma verdade final e nem algo que nos ajude a descobrir algo sobre o surgimento da vida, que parece ser o uso que estão dando para ela nos dias de hoje, a genética e a biologia sendo usadas como forma de confirmar o evolucionismo, e isso é engraçado, já que não existem provas de que a evolução exista.

Agora acredito que podemos começar com o texto de fato, e assim sendo vamos começar estabelecendo uma base comum para podermos dialogar; vamos, por assim dizer, nos familiarizar com alguns termos e conceitos para tentar eliminar o máximo possível de futuros desentendimentos. Se você é um “cético-ateu-materialista” já devo ter ganhado seu ódio a essa altura do texto. Mas como você ainda está lendo, há esperança. Comporte-se e no final ganhará uma banana.

 

Religião Vs Ciência, o vencedor é…

 

Acredito que uma das maiores frustrações dos ateus brasileiros é não haver por aqui o fundamentalismo religioso que existe em outras partes do mundo (Especialmente nos países mais primitivos como Estados Unidos e Afeganistão). Nestes lugares a religião ou tem o posto de política ou faz parte do cerne político. Aqui no Brasil não. Claro que terá gente gritando “COMO NÃO? VOCÊ NÃO ASSISTE TELEVISÃO? NÃO LÊ JORNAL?”. Respondo que não, prefiro estragar meu cérebro com algo mais saudável, como fumar meio quilo de metanfetamina por dia, do que com nossa mídia privada[1], e então novamente respondo que mesmo tendo evangélicos se elegendo deputados, tendo a igreja pressionando leis anti-aborto, religiosos pedófilos e romarias a Nossa-Senhora Aparecida todo ano no aniversário de Aleister Crowley, nossa religião é como nosso carnaval, um bando de bundões pra cima e pra baixo. Eymael, o democrata cristão tenta se eleger ha décadas, ele até mudou o jingle de sua campanha agora. Mas o máximo que temos são religiosos que de vez em quando falam que homossexualismo é doença, que roubam sem parar aqueles que querem ser roubados e que fazem passeatas pela paulista. Por Deus, pare para pensar que neste país, a pessoa que se diz a encarnação de Jesus Cristo é um senhor que aparece na televisão jogando boliche e sinuca, ele não está construindo o maior Templo religioso do mundo, nem pedindo para enviarem dinheiro para ele. Se parar para ver ele inclusive fala mal do que hoje os ateus consideram ser o cristianismo.

Assim a igreja aqui é mulata, tem seus altos e baixos, mas como toda empresa que não quer perder sua fatia do mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem regiões conhecidas como Cinturões da Bíblia – Bible Belts – onde o protestantismo é levado a ferro e fogo. O filme Footloose aqui pode ser uma prova de que Kevin Bacon talvez dance melhor do que atue, lá isso é realidade. Aqui quando dizem que vão obrigar escolas a ter uma bíblia não se compara com o que acontece lá quando falam que vão tirar biologia do currículo escolar. Como no caso de Galileu, e mais para frente vamos voltar a isso, aqueles que de fato foram contra a sua idéia não foram os religiosos, foram os outros cientistas de sua época. Nos EUA, quando descem uma lei religiosa não é a igreja se impondo, são os cidadãos pedindo. Aqui uma playboy de uma bela mulher nua carregando um crucifixo pode deixar pessoas bravas, no Irã um livro sem imagens pode causar uma ordem política de morte do escritor. Nos EUA, em contra partida, as pessoas acham divertido queimar livros sagrados para mostrar como a religião está ultrapassada no melhor estilo nazista, Deus pode não existir para ficar bravo com eles, mas Hitler, se estivesse vivo, com certeza ficaria orgulhoso.

Desta forma, ser ateu no brasil é meio sem graça, da mesma forma que foi ser um hippie aqui nos anos 1960 e 1970, a tropicália podia ser boa, mas nunca foi um Woodstock. Hoje alguém dizer, por aqui, que é discriminado por ser ateu é um berro por atenção. E não digo isso da boca para fora. Já fui contratado em empresas grandes e tradicionais mesmo afirmando que era Satanista na entrevista de emprego. Se ateus sofrem discriminação, imaginem satanistas. Mas não aconteceu nada. É por isso que campanhas atéias em ônibus neste país nunca passarão de mera curiosidade. Assim, a primeira coisa que os ateus devem fazer é ter em mente que seu ateísmo deveria afetar apenas a si mesmos. Ser agressivos em relação à religião apenas torna uma crença que deveria ser arreligiosa em uma crença religiosa – “Minha fé é que Deus não existe”.

Por outro lado, religião não é catolicismo, cristianismo e islamismo. Os judeus se deram bem nessa porque uma pessoa que fale do judaísmo da mesma forma que se costumam falar de suas duas religiões irmãs é tachada de anti-semita e isso é muito feio hoje em dia. No Brasil de fato é pior ser anti-semita assumido do que ateu assumido, nessa os nazistas levaram a melhor, eles tem uma discriminação real em cima deles. A religião é simplesmente o meio que um indivíduo tem de se re ligar ao que considera sagrado. A própria palavra religião de deriva de religare.

Mas esse sagrado é Deus?

No caso dos Judeus, Cristãos, Mulçumanos, Rastafaris, Bahais, etc. sim. No caso do paganismo esse sagrado é uma mulher. No caso dos Satanistas esse sagrado é seu próprio ego satânico. No caso do Budismo é a iluminação interior. Para os Xintoistas são os antepassados, a natureza e várias deidades. No caso dos pitagóricos eram números, no caso de alguns é a música, de outros é a matemática. No caso do Morbitvs é aquela coisa que ele esconde naquela caixinha preta. Nem toda religião precisa de um Deus, e nem todo Deus é um senhor de barbas que fica bravo cada vez que você se masturba. Einsten disse certa vez que “todo aquele que está seriamente envolvido na busca da ciência se torna convencido de que um espírito está manifesto nas leis do universo, um espírito muito superior ao do homem, um espírito diante do qual nós, com nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes”.

Da mesma maneira que é fácil confundir religião com “Deus”, é fácil se confundir ciência com método científico. Enquanto o método científico é uma série de procedimentos pelo qual uma experiência é repetida na busca de um resultado – se depois de vários experimentos o resultado se repete então a experiência comprova ou desprova algo. O método científico necessita rigor, um rigor tão fundamental e sério que muitos cientistas acabam forjando resultados para conseguir comprovar idéias, conseguir fundos, ou mais fundos para suas pesquisas e fama. Neste aspecto cientistas não são diferentes de pastores evangélicos, independente de alguma coisa que queiram vender para os outros, também podem fazer de tudo para encher suas cuecas de dinheiro.

Já a ciência representa o conhecimento. Assim como religião se deriva de uma palavra latina, neste caso scientia. A ciência é o meio que um indivíduo tem de se ligar a uma fonte de conhecimento. E assim como os protestantes afirmam que os católicos são o diabo, que os mulçumanos juraram acabar com os infiéis cristãos e que todo mundo já tentou dar um fim ao judaísmo, as diferentes áreas da ciência adoram se atacar umas às outras. A alopatia desdenha a homeopatia, os físicos tiravam sarro de quem defendia que o universo era formado por cordas, os astrônomos gritam que ufologia é a maior fraude de todas e nenhum cientista sério leva os estudos parapsicológicos a sério. Para cada Aiatolá mulçumano que condena escritores à morte em nome da religião temos um doutor Menguele injetando tinta nos olhos de pessoas despertas em nome da ciência. Isso nos mostra que nem todo mundo sabe de fato o que é religião nem ciência, assustadoramente que nem aqueles que hoje representam a religião e a ciência parecem saber o que significa aquilo que representam.

Assim da mesma forma que é mister que se compreenda que a religião não está dentro de uma igreja e sim a igreja está dentro da religião, a ciência não está dentro de um laboratório, o laboratório está dentro da ciência. E já que Einstein foi citado uma vez, citê-mo-lo mais uma:

“Ciência sem religião é manca. Religião sem ciência é cega.”

Hoje um encontro dos mais estimados porta-vozes de ambos os lados não passa de um confronto de gente que não anda direito com gente que não sabe pra que lado deve xingar. Mas as coisas estão começando a mudar.

 

Evolucionismo Vs Criacionismo, o vencedor é…

Existe uma expressão muito interessante que, embora usada raramente em português, é bem popular nos países de língua inglesa: Cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho. O termo em inglês “Throw out the baby with the bath water” chegou a ser usado por Martin Luther em seus discursos, mas ele é ainda mais popular entre os alemães como Johannes Kepler, Johann Wolfgang von Goethe, Otto von Bismarck, Thomas Mann and Günter Grass já mostraram. A expressão deriva-se de um provérbio alemão “das Kind mit dem Bade ausschütten” e tem sua versão impressa mais antiga no livro Narrenbeschwörung de Thomas Murner, publicado em 1512. O livro de Murner traz uma ilustração de uma mãe jogando fora uma criança junto com a água suja do banho[2].

Essa expressão sugere que devemos nos livrar de erros onde algo bom é eliminado com algo supérfluo, ou pior: onde algo essencial é descartado enquanto o supérfluo é mantido. Ambas as sugestões se encaixam como uma luva aqui. A discussão de Evolucionismo Vs Criacionismo deixou o objetivo de tentar se chegar ao conhecimento sobre a vida (sua origem e seu desenvolvimento) e se tornou um braço de ferro para se provar se Deus existe ou não!

Novamente o Brasil ficou parcialmente de fora dessa discussão, que teve seu campo de batalha em solo estadunidense e se espalhou para as terras de sua antiga senhora, a Inglaterra tomando as dores da antiga colônia. Toda vez que esse assunto surge no Brasil ele é mostrado como um ignorante discutindo com um alucinado, esse assunto dificilmente encontra solo cultural para se desenvolver aqui, mas os religiosos-mirins e os pseudo-céticos adoram discuti-lo como se fosse a bolacha mais saborosa do pacote.

Na prática o que acontece é que nos EUA os religiosos e os cientistas entraram em guerra e se perderam nos detalhes, deixando o assunto principal para trás. O nome de Darwin é usado como exemplo de um herói, mesmo seu Darwinismo tendo sido revisado e corrigido até se tornar algo diverso do que ele havia proposto da mesma forma que Deus é evocado na esperança de lavar a terra dos pagãos com um novo dilúvio – ignorando que no capítulo da Bíblia que descreve como Ele criou a vida, Ele era retratado como uma presença física que fazia barulho quando caminhava e tinha uma presença real como a das árvores.

Tecnicamente o que ambas as teorias defendem são coisas diferentes. Uma defende que a vida não surgiu no planeta como resultado de acasos químicos e elétricos, a outra defende que a vida uma vez presente se adapta ao meio ambiente. Na verdade as duas poderiam se complementar, mas como todo mundo tem um lado racista esperando um motivo para brotar, os defensores de ambas as filosofias se atacam e consideram a existência do oponente um crime contra a própria fé.

Agora vejamos o centro da discussão:

“Hoje eu existo, e acesso a internet. Existem outros como eu que também acessam. Meu cão não acessa a internet nem tem diploma. Um macaco pode acessar a internet e jogar pac-man, mas ele fede mais do que eu e é mais peludo. Me convenço que existem criaturas inferiores a mim e como sou eu que estou pensando não admito nenhuma superior. De onde veio isso tudo?”

No início, milhares e milhares de anos atrás, as pessoas não possuíam a nossa tecnologia mas possuíam nossa curiosidade. Tentando explicar a vida diferentes povos chegavam a diferentes conclusões.

Os Antigos Egípcios diziam que no início havia apenas trevas e a água primordial Num, uma espécie de oceano, que continha todos os germes da vida. Surgiu então a forma suprema Khepera, que se criou a sim mesmo pronuncinado o próprio nome, Atum. Dele vieram o Ar Seco e o Ar Úmido, que deram origem ao céu e às águas, surgiram então a Terra Seca e o Céu. O mundo e a vida teriam surgido da união do céu com a terra.

Os Gregos diziam que no início havia o Caos, dele surgiu Ébero, a parte mais profunda do submundo, e Nyx a noite. Deles vieram o Ar e o Dia. Veio Gaia, a terra, que seria a base em que todas as coisas vivas tem sua origem. Urano, o céu, se casou com Gaia, a terra e deram origem a todas as criaturas.

O mito Abrahâmico diz que no princípio Deus criou o céu e a terra. A terra era sem forma e vazia e havia trevas sobre a face do abismo. O espírito de Deus se movia sobre as águas. Deus diz Faça-se a Luz e houve a luz. Então houve a separação das águas, criando o firmamento e os oceanos. Dos oceanos veio a terra seca. Da terra seca veio a vida.

Essas e incontáveis outras idéias pré século XVII acabam, em sua maioria, apontando para um princípio antes do princípio onde reinava o Caos, as Trevas, a Escuridão. De lá um princípio criador se fez, alguns o identificam com um princípio masculino, outros feminino, alguns como um casal e ainda aqueles que dizem que esse princípio era impessoal. Dai houve uma separação, as águas do céu e as águas da terra, e das águas da terra surgiram as porções de terreno seco. E da união do céu e da terra veio a vida.

Em alguns casos, antes do surgimento da matéria propriamente dita há uma explosão, um fogo insuportável, uma luz. E então tudo surge. Lembre-se que essas idéias tem sua origem há mais de 2000 anos atrás, quando espectrômetros, radares, medidores de microondas ainda não existiam – se vamos acreditar nos antropólogos e arqueólogos de plantão.

E então no século XX surge uma nova idéia que curiosamente se originou dos trabalhos de um padre católico. Em 1927 Georges Lemaitre, trabalhando com as equações de campo de Einstein chegou a algumas equações interessantes que mostravam que os desvios espectrais observados em nebulosas se deviam a uma expansão do universo. Se o universo estava se expandido algo devia ter acontecido, como uma grande explosão. Mas o que teria explodido? Um átomo primordial foi a resposta. Dois anos depois Edwin Hubble forneceu bases observacionais para a teoria de Lamaitre.

De acordo com a crença do Big-Bang, não há como se descrever o que havia antes, acredita-se que nem espaço nem tempo. Então algo explodiu, talvez uma uma concentração de matéria e energia extremamente densa e quente, e então essa explosão cria nuvens de matéria que se tornam densas. Se separam da matéria mais esparsa do universo formando estrelas e planetas. Os planetas se solidificam, e no caso da terra, assim que a massa gasosa se torna uma esfera sólida, ela se cobre de água e nuvens de vapor, com o tempo surge a terra seca desse oceano primevo e a vida surge no planeta. Hoje o Big-Bang evoluiu para novas teorias como a teoria que o nosso universo é criado quando duas membranas se chocam e energia vira energia + matéria e a história segue dai.

Todas essas histórias são ótimas para explicar o surgimento do universo, dos planetas e daquilo que nos cerca. Mas todas falham ao chegar no cerne da questão: o surgimento da vida!

O criacionismo, em sua pluralidade, afirma que a vida não brota do nada, ela precisa de um princípio criador para surgir.

O evolucionismo, proposto por Darwin, aponta que a vida evolui, mas não tem nada a ver com a origem da vida, a não ser em um aspecto distante e filosófico: se seres complexos evoluem de seres mais simples, qual teria sido o primeiro ser?

Assim os estudos científicos da origem da vida acabam envolvendo mais de uma área da ciência: química, biologia, física, astronomia e geologia. Grande parte dos evolucionistas acabam sendo os biólogos. Por algum motivo a ciência tropeçou na religião que tropeçou na ciência que tropeçou na religião e criou-se um debate que perdura hoje, principalmente nos EUA, praticamente por birra. Em teoria, enquanto o evolucionismo afirma que no momento em que a vida surge ela evolui, o criacionismo defende que um princípio criador é necessário para que se haja vida. Na prática o que acontece é que protestantes radicais ficam trocando insultos com ateus radicais e ninguém nunca chegará a lugar nenhum. Mancos tentando alcançar cegos que não sabem para que lado correr.

 

 

Surge a vida – e uma vaga idéia sobre mudança

 

Ninguém sabe como a vida surgiu. Para sermos sinceros ninguém sabe o que é a vida e como classificar um ser vivo. A vida em si é um conceito que admite mais de uma definição. Podemos dizer que vida é o período entre o nascimento e a morte de um organismo ou então aquilo que torna um ser vivo algo vivo. Mesmo na biologia há confusão, se considerando algo como “ser vivo” se esse algo demonstra pelo menos uma vez durante sua existência os seguintes fenômenos:

– Crescimento, produção de novas células;
– Metabolismo, consumo, transformação e armazenamento de energia e massa; crescimento por absorção e reorganização de massa; excreção de desperdício;
– Movimento, quer movimento próprio ou movimento interno;
– Reprodução, a capacidade de gerar entidades semelhantes a si própria;
– Resposta a estímulos, a capacidade de avaliar as propriedades do ambiente que a rodeia e de agir em resposta a determinadas condições.

O problema com essas definições é que existem exemplos que as tornam insatisfatórias:

– Um fungo é um ser vivo

Se adicionarmos o requisito de limitação espacial, através da presença de alguma estrutura que delimite a extensão espacial do ser vivo, como por exemplo a membrana celular. O problema com isso é que surgem novos problemas na definição de indivíduo em organismos como a maioria dos fungos e certas plantas herbáceas.

– As estrelas são seres vivos

Por motivos semelhantes aos do fungo.

– O fogo é um ser vivo.

Por motivos semelhantes a estrelas. O fogo nasce, cresce, se reproduz assexuadamente, possui um metabolismo (oxida), tem movimento e responde a estímulos externos. Como um rato ou um rapper ele até mesmo morre se você tira seu ar. Na verdade em alguns momentos da história (como na Pérsia Antiga) as pessoas tinham até fogo de estimação.

– Vírus e afins não são seres vivos porque não crescem e não se conseguem reproduzir fora da célula hospedeira

Mas muitos parasitas externos, que são considerados seres vivos, levantam problemas semelhantes.

Assim não há como saber exatamente o que podemos considerar algo vivo e, assim sendo, não há como apontarmos se a vida pode se originar de matéria sem vida ou não. Mas do momento em que a vida surge ela passa a se comportar de uma maneira previsível, ou não.

O evolucionismo sugere apenas uma resposta para algumas perguntas interessantes: De onde viemos? Por que existe tanta variedade de coisas no mundo? Por que uma pessoa é tão diferente de um coelho, embora tenham tanto em comum?Tecnicamente tudo o que o evolucionismo afirma é que as espécies podem sofrer transformações ao longo do tempo. Ele é um conto de fadas como todos os outros que temos e até que tenhamos alguma evidência da origem da vida continuará assim. Para entender isso vamos mergulhar na história da evolução.

A teoria da evolução das espécies teve seu primeiro defensor em um senhor que ficou conhecido por suas longas barbas, sua cabeça calva e suas roupas exóticas. Ele viveu do outro lado do oceano no século VI antes de Cristo e se chamava Anaximandro. Em sua época ele defendeu que os organismos vivos se transformam gradualmente a partir da água graças à ação do calor até que se formam as formas mais complexas e que o Homem tem a sua origem em animais de outro tipo. Demócrito, outro grego clássico, defendeu no século V antes de Cristo que as formas de vida mais simples tinham origem no “lodo primordial”.

Essa idéia voltou a surgir mais de dois mil anos depois nos trabalhos de George-Louis Leclerc no século XVIII, que permitiram o surgimento da ideia de “Transformismo”, onde se admite que as diferentes espécies derivam uma das outras por degeneração num processo lento e progressivo, existindo espécies intermediárias até surgirem as formas atuais. Leclerc afirmava que as condições ambientais a que as espécies estavam sujeitas eram fundamentais ao processo de degeneração, criando a necessidade da noção de tempo geológico em suas idéias. Outro europeu do século XVIII que trabalhou com a idéia do transformismo foi Pierre Louis Maupertuis, que acreditava que as espécies resultavam de uma seleção provocada pelo meio ambiente resultando na infinidade de seres vivos existentes.

Ainda no século XVIII outra área da ciência surge para influenciar a visão da evolução da vida. Em 1778, James Hutton publica o livro Theory of the Earth, Teoria da Terra, um tratado sobre os fenômenos geológicos onde estabelece uma idade para a Terra, bastante superior àquela admitida até então, e defende que as forças naturais de hoje são as mesmas desde sempre, isto é, os fenômenos geológicos repetem-se ao longo da história da Terra. No século XIX Charles Lyell, um geólogo britânico, desenvolve o trabalho de Hutton concluindo que:

  • as leis naturais são constantes no espaço e no tempo;
  • a maioria das alterações geológicas dá-se de forma lenta e gradual.

O que Lyell fez foi lançar a idéia de que a natureza avançava, mudava, de forma gradual e assim, mesmo contra a sua vontade, sua teoria acabou servindo de mais combustível para a discussão sobre a evolução biológica.

E assim se abrem as portas para Lamark, Wallace e Darwin.

 

Surge Darwin

 

Charles Darwin nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, em 12 de fevereiro de 1809, pertencente à proeminente e abastada família Darwin-Wedgwood e à elite intelectual da época. Desde jovem mostrou interesse por história natural, antes de se tornar um naturalista famoso atendeu a um curso de medicina, que abandonou por causa da brutalidade médica da época – e a um de teologia. Terminado o curso de Teologia Darwin não desejou ser ordenado imediatamente, desejando conhecer o mundo antes. Foi então que embarcou em sua famosa viagem de 5 anos a bordo do Beagle, as anotações e estudos que fez à época lhe trouxeram reconhecimento como geólogo e fama como escritor. As observações da natureza que coletou durante a vida, até então, ao estudo da diversificação das espécie.

Darwin tinha plena consciência de que outros antes dele haviam publicado idéias que sugeriam que a vida evoluia e se adaptava, e todos haviam sido punidos de forma severa por defender aquele tipo de idéia, por isso ele apenas compartilhou suas hipóteses com amigos próximos e continuou a desenvolver suas pesquisas tentando antecipar possíveis ataques de críticos a suas idéias. Em 1859 publica A Origem das Espécies, onde introduz a idéia de evolução a partir de um ancestral comum graças ao mecanismo da seleção natural. E então o mundo enlouqueceu.

Hoje muito se discute sobre a posição religiosa de Darwin, como ele pulou de um brilhante estudante de teologia para um ateu que não via mais sentido na bíblia ou em Deus. Supostamente seus estudos eram tão contundentes de que a vida não precisava de um Deus que isso acabou com a tolice que era sua religião. Outros dizem que com a morte de sua filha ele ficou recentido com um Criador capaz de algo tão mesquinho quanto a morte de uma criança inocente.

Tudo isso, é claro, é totalmente irrelevante para sua teoria da evolução. Se algo é verdade, não importa o mensageiro que distribui a mensagem, a mensagem é que se torna relevante. O que é de fato relevante é que Darwin tinha em mãos as ferramentas de sua época para realizar suas pesquisas, o que ele fazia como um cientista “bona fide”. Vejamos então no que consiste o trabalho que ele desenvolveu.

Darwin não criou uma teoria, ele trabalhou com várias. Suas teorias consistiam de sete hipóteses principais, sendo apenas duas e meia originais:

– Transmutação das Espécies

– Luta pela Sobrevivência

– Descendência Comum

– Especiação Biogeográfica

– Seleção Natural

– Seleção Sexual

– Hereditariedade – Uso e Desuso e Pangênesis

  • 1. Transmutacionismo (também chamado de Descendente Modificado por Darwin)Na Grécia antiga, se formulou a idéia de que espécies eram entidades fixas, imutáveis. Platão, observando as variações dentro das espécies, concluiu que estas eram imperfeições, e o imutável seria a essência do organismo, idêntica para todos membros de uma mesma espécie. Erasmus Darwin (o avô) escreveu alguns ensaios sobre suas teorias transformistas, que foram lidas por Charles Darwin na adolescência, sendo relembrados assim que teve sua primeira idéia de que as espécies pudessem se transformar em outras.

 

  • 2. Luta Pela ExistênciaEste aspecto abordado frequentemente na teoria de Darwin dizia respeito à competição inter e intra espécies. As primeiras idéias sobre o tema veio da leitura do ensaio de Malthus (1838), Principle of Population, onde se falava que em breve o mundo teria mais pessoas do que a quantidade de comida produzida. Se nascessem mais pessoas do que pudessem sobreviver, isto geraria uma alta competição na espécie humana.
  • 3. Descendência comum (ancestralidade)Lamarck apresentou sua teoria em 1809, na qual apareciam as primeiras idéias de origem das espécies, mas estas eram restritas a determinados grupos de animais e plantas, que no princípio eram derivados de diferentes eventos de geração espontânea. Richard Owen utilizou anatomia comparada e introduziu os princípios de Homologia e Analogia. Asas de patos e colibris seriam homólogas, mas no entanto as asas de morcegos e borboletas seriam análogas a estas primeiras. Von Baer publicou sua “Teoria da Recapitulação” em 1832 onde o desenvolvimento do embrião recapitulava os estágios anteriores das histórias das espécies. Então os arcos branquiais dos embriões de mamíferos seriam resquícios de sua vida aquática. Ernest Haeckel (após a publicação de Darwin) renovou a “Teoria da Recapitulação” dizendo estar esta totalmente de acordo com os princípios de Darwin, publicando a chamada Lei Biogenética – Ontogenia recapitula a Filogenia.Durante as viagens a bordo do Beagle, Darwin leu atentamente as obras do grande geologista e criacionista Charles Lyell. Incorporando a teoria do “uniformitarismo”, o qual a Terra estava em constante mudança, Darwin sincronizou a mudança geológica com a biológica, e passou a observar os fósseis como possíveis ancestrais dos organismos modernos.

 

  • 4. Especiação BiogeográficaAlguns precursores, tais como Bufon e Gmelin, hipotetizaram múltiplos centros de criação das espécies no mundo e estas eram produto das condições da região onde se originavam. Uma série de zoologistas da época de Darwin acreditava que as espécies se distribuíam a partir de um ponto de origem. Esta distribuição, quando interrompida por uma barreira geográfica, levou Darwin a propor um modo de especiação alopátrica. No entanto Darwin parecia dar mais peso aos modos de especiação simpátrica, sem necessidade de isolamento geográfico.Darwin, assim como Alfred Russel Wallace, utilizara-se de extensa informação advinda de suas coletas de material biológico de diferentes regiões: América do Sul e Galápagos durante a viagem do Beagle por Charles Darwin e na Amazônia e Arquipélago Malaio por A.R. Wallace. Os dois independentemente descobriram os princípios de especiação geográfica e seleção natural.
  • 5. Seleção naturalLamarck apontava duas causas para a mudança evolutiva: direcionamento à perfeição (progresso) e capacidade de adaptação do organismo (uso e desuso). A primeira parte foi inteiramente discordante da teoria de Darwin, mas a possibilidade de influência do ambiente na herança foi também evidenciada na obra de Darwin. Na verdade, os mecanismos de herança não eram conhecidos, e se imaginava que as chamadas gêmulas pudessem captar sinais do ambiente e transferi-los às próximas gerações.No entanto, Darwin atribuiu como causa principal de mudança evolutiva, a seleção natural, que se baseava na ação do ambiente sobre variações previamente existentes, geradas aleatoriamente. A seleção natural, parecida com a que Darwin publicara, foi abordada brevemente em alguns ensaios por Patrick Mathew, em 1831, e Charles Wells, em 1813, este último trabalhando sobre “raças” humanas. Darwin deu um sentido global, abrangente a todos os organismos, para o papel da Seleção Natural. Além disto, Darwin didaticamente, fez analogias entre os métodos de seleção artificial de animais domésticos e o princípio da seleção natural.
  • 6. Seleção sexualAparentemente não houve precursores a abordarem este tema, mas Darwin e Wallace exploraram bastante o tópico para explicar a plumagem diferencial de machos e fêmeas em alguns pássaros. No entanto, Wallace não concordava com Darwin a respeito da escolha da fêmea se relacionar com a plumagem mais colorida dos machos, e somente considerava que estas eram selecionadas assim para proporcionar camuflagem.
  • 7. HereditariedadeO princípio das gêmulas de Hipócrates foi reformulado por Darwin com a Pangênese para explicar o mecanismo de herança por mistura de caracteres que poderia envolver algum direcionamento ambiental, tal como Lamarck sugeria. No entanto a maior parte da variabilidade de acordo com Darwin teria uma origem alheia ao ambiente, sendo este apenas o fator direcionador de características relacionadas à adaptabilidade do indivíduo que foram geradas ao acaso.

A Herança por Mistura, uma crença comum na época, dizia que em geral os filhos herdavam caracteres que seriam a média daqueles dos pais. Deste modo a variabilidade ia se perdendo a cada geração como muitos argumentavam, e em contrapartida Darwin sugeria que talvez o ambiente fizesse com que novas variações aparecessem em alguns casos, aumentando a variação que era perdida pela mistura. No entanto esta variação seria ainda gerada ao acaso e não sendo para um determinado propósito como Lamarck sugeria.

Após a sétima edição do “Origem das espécies” a Pangênese recebeu maior ênfase, o que hoje é visto como resultado da perplexidade de Darwin em não conseguir explicar a hereditariedade e seu papel na Evolução, que apesar de ter sido explicada por Gregor Mendel em 1865, não foi reconhecida e divulgada até o ano de 1900. Para muitos, Darwin se tornou um pouco “Lamarckiano” com o passar dos anos. No entanto, apesar do desconhecimento de Darwin acerca da hereditariedade, os princípios evolutivos e o mecanismo de seleção natural se mostraram compatíveis com a moderna visão da genética, o que levou a uma fusão das duas que teve início em 1930, com estudos de genética das populações na chamada Síntese Evolutiva.

Dessas a Transmutação das Espécies já havia sido estudada por Lamarck e por Erasmus Darwin – o avô de Darwin – e já havia sido explorada nos escritos anti lamarck de Lyell. A Luta pela Sobrevivência já vinha sendo debatida desde a época de Heráclito, e já havia sido estudada e publicada em obras e inúmeros cientistas, como Malthus, contemporâneo e conhecido de Darwin. Já a  Descendência Comum, apesar de ter sido tratada por outros cientistas como von Baer, Owen e Maupertuis, foi usada pela primeira vez para sugerir a existência de um único ancestral por Darwin. Especiação Biogeográfica também já era um assunto conhecido, Wallace, Gmelin, von Buch eram alguns de seus estudiosos. A Seleção Natural foi um dos insights de Darwin, ela chegou a ser proposta de maneira independente por Wallace, e Wells já a havia discutido, mas nunca como um dos mecanismo que torna a evolução possível. A Seleção Sexual também já era discutida desde a antiguidade, mas foi com Lamark que se desenvolveu na época de Darwin. A Hereditariedade foi outra das inovações originais de Darwin.

Desde que começou a trabalhar em sua obra, nos momentos livres, Darwin temia publicar sua teoria. Não pelo fato de suas idéias serem bombásticas, mas temendo a crítica que poderiam receber. Em sua época ele não era o primeiro a se embrenhar com a origem do homem e das espécies mas todos aqueles que se arriscavam a publicar suas idéias eram duramente criticados, especialmente o trabalho de Jean-Baptiste Lamarck, que não penas haviam sido consistentemente rejeitadas pela comunidade científica britânica como também foram associadas à noção de radicalismo político. Outra publicação sobre o assunto, a “Vestígios da História Natural da Criação” – Vestiges of the Natural History of Creation- editada de forma anônima em 1844, foi novamente alvo de críticas, inclusive de muitos amigos e conhecidos de Darwin, e novamente associada a idéias de radicalismo político.

Antes de prosseguirmos é interessante notar que Darwin sempre foi uma pessoa extremamente fragilizada, alguns estudiosos, cínicos e não, chegaram a sugerir que fosse homossexual, como se homossexualismo fosse sinônimo de fragilidade. Independente de suas preferências eróticas, Darwin durante sua vida sofreu inúmeras crises de saúde, que o obrigavam a buscar tratamentos que às vezes duravam meses. Essa natureza também fazia com que ele buscasse evitar conflitos e atritos com as autoridades, eclesiásticas ou não. O tratamento que os “evolucionistas” de sua época vinham recebendo lhe dava a entender que nenhum cientista de reputação iria querer estar associado com tais ideias.

Em um de seus retiros para tratar a saúde em 1849 Darwin conheceu um jovem naturalista e livre pensador chamado Tomas Huxley. Huxely nos próximos anos teria um papel funcamental para a aceitação da Teoria da Evolução, não como pesquisador ou como biólogo, mas como defensor de Darwin.

Assim que Darwin começou a anunciar suas idéias, as mencionando em algumas resenhas que escrevia, ela atraiu pouca atenção. Muitos apenas a encaravam como mais uma dentre as várias teorias evolutivas independentes que existiam na época. Mas então a saúde da Darwin piora novamente e ele precisa de um novo retiro de 13 meses. Incentivado por amigos, Darwin escreveu um resumo de seu trabalho, que foi publicado por Lyell e Murray. Este primeiro livro, resumido, tinha o título de “Sobre a origem das espécies por meio de seleção natural” – On the Origin of Species by Means of Natural Selection – e assim que foi colocado à venda teve sua tiragem de 1250 cópias esgotada. Na época muitas pessoas associavam palavras como “evolução” com uma criação sem a participação de Deus, por isso Darwin tentou evitá-la sempre que possível. Outro cuidado que Darwin tomou foi o de escrever de forma um tanto sutil sobre a idéia de que os seres humanos, a não apenas os animais, deveriam evoluir.

Na mesma época, começavam a surgir outros trabalhos que também lidavam com a evolução da vida, como o escrito por Walace. Lyell então começou a pressionar Darwin para que publicasse logo sua teoria na íntegra. Em 1857 o próprio Wallace, ciente das teorias de Darwin e do projeto da publicação de suas idéias, perguntou ao naturalista se ele pretendia se aprofundar na questão das origens do homem, Darwin respondeu: “Eu acho que irei evitar completamente este assunto, uma vez que ele é rodeado de preconceitos, embora eu admita que este é o maior e mais interessante problema para um naturalista […] não há observações boas e originais sem especulação”.

Sua teoria, assim que publicada, deu início a uma controvérsia que foi acompanhada avidamente por Darwin. Apesar de ter sido extremamente cauteloso em teorizar qualquer coisa sobre a origem do homem, os críticos de sua obra foram rápidos em apontar as implicações que Darwin tentara deixar de fora: os seres humanos também evoluíam, e o homem deveria então ter o macaco como antepassado! Homens evoluíam dos macacos!

Houve críticas e resenhas favoráveis a Darwin e foi ai que suas amizades lhe prestaram o que talvez tenha sido seu maior e mais importante auxílio. Huxley, dentre todos, se tornou um defensor incansável de Darwin, servindo não apenas de entusiasta de sua teoria, mas também de escudo para os contra-ataques. O próprio Darwin não defendia suas ideias em público, se restringindo a fazer comentários através de cartas e correspondência, o “trabalho sujo” ficou a cargo de seu círculo central de amigos cientistas – Huxley, Hooker, Charles Lyell e Asa Gray – que colocavam seu trabalho em discussão nos palcos científico e públicos, defendendo-o de seus muitos críticos e ajudando-o a ganhar respeito.

Foi nesta época que começaram a surgir boatos de um debate acalorado entre Wilberforce, o bispo de Oxford, e huxley onde tendo sido questionado por Wilberforce se ele descendia de macacos por parte de pai ou de mãe, Huxley murmurou: “O Senhor o deixou em minhas mãos” e respondeu que “preferia ser descendente de um macaco que de um homem educado que usava sua cultura e eloquência a serviço do preconceito e da mentira”. Huxley dizia que preferia ser um macaco a um bispo.

A teoria de Darwin, que lhe valeu a medalha Copley da Royal Society em 1864, acabou com o tempo, eliminando a distinção que entre homem e animais. Contrário à sua vontade, sua teoria também foi usada como base para vários movimentos da época ajudando a criar e fortalecer inúmeros movimentos políticos, um dos maiores exemplos sendo o trabalho de Francis Galton, o primo de Darwin, que aplicou as idéias evolucionistas à sociedade, de forma a promover o conceito de “melhorias hereditárias”. Darwin concordava com Galton que “talento” e “genialidade” em humanos eram provavelmente herdados. Em 1883, depois da morte de Darwin, Galton começou a chamar a sua filosofia social de Eugenia, uma idéia que ganhou muitos admiradores na alemanha Nazista que não pouparam esforços para de alcançar a “pureza” racial.

 

Onde o Darwinismo Peca

 

Se o objetivo de Darwin era de fato criar uma ferramenta anti-religiosa ou não, não há como afirmar, talvez nem ele mesmo soubesse responder isso.

Como vimos há forte evidência de que a história da perda gradual de fé do velho britânico seja um pouco exagerada, que talvez desde o princípio a única preocupação de Darwin fosse apenas a resposta do meio científico e nunca tenha tido nada a ver com a igreja. Mas o fato é que hoje se os ateus fossem criar uma bandeira para o seu movimento – que eles juram não ser uma nova religião – provavelmente seria um triângulo com a foto de darwin no meio e um LIBERTAS QUAE SERA TAMÉN ao redor e um padre chorando fora do triângulo. O evolucionismo se tornou um dos argumentos contra a religião, a fé religiosa e, em última instância, contra a existência de Deus, e isso o transformou, ironicamente, em uma nova vaca sagrada, ou bezerro dourado, ou dogma se prefirir, tente não concordar com ele e automaticamente você receberá um rótulo e o que disser não será mais levado a sério, não importa o que seja.

Dizer que Darwin errou é apenas uma afirmação do óbvio. Darwin estava errado, independente da religião ou não religião de quem debate esta questão. Praticamente tudo o que ele escreveu foi reescrito nessas últimas décadas. Da mesma forma que Newton estava errado – a relatividade e a física quântica estão ai para provar isso. O argumento de Darwin apenas faz sentido no mesmo âmbito que o de Newton, para explicar superficialmente uma idéia a uma pessoa que não perderá tempo se aprofundando nela.

As idéias de Darwin sofreram mutações, em alguns casos foram substituídas por outras completamente diferentes e viraram o evolucionismo contemporâneo. Esse novo evolucionismo, como qualquer outra idéia tida por pessoas, é falho e cheio de lacunas, mas como ele calhou de se tornar uma arma anti-religiosa, essas falhas e lacunas são completamente ignoradas. Vamos nos atentar a algumas delas:

 

1- Evolucionismo não pode ser provado cientificamente

 

O evolucionismo como é defendido nos dias de hoje combina duas idéias diferentes: Variação e Mudanças em novas espécies. Uma dessas idéias é real e pode ser observada, a outra não.

Variação, que podemos chamar de micro evolução, é o que muda o formato e tamanho de bicos de pássaros, cores de penas, formato de asas, etc.

A variação acontece da seguinte forma: em seu material genético você tem a informação de como seu corpo irá se formar – dois braços, duas pernas, etc. Essa informação traz características principais e características que estão presentes mas que não serão impressas em você, são recessívas. Por exemplo a cor dos seus olhos. Uma pessoa de olhos azuis pode ter um filho de olhos castanhos, e essa criança pode, mesmo fazendo sexo com outra pessoa de olhos castanhos, ter uma criança de olhos claros. Existe uma variação possível na cor dos olhos.

Agora algo que o público em geral não tem muita idéia é que existem limites para essa variação. Biólogos sempre tentam aperfeiçoar animais, criar vacas que ocupam menos espaço e dão mais leite, abelhas que produzam um mel mais doce, aranhas com teias mais resistentes, etc. Uma coisa que todos esses biólogos sabem, graças à suas experiências, é que essa variação tem um limite. Se você tenta ir além desse limite começa a criar um bando de animais estéreis. Todo criador de animais e plantas sabe disso. Chega um momento que a manipulação cria um beco sem saída, onde os seres não poderão mais procriar e levar essas características adiante.

Um exemplo conhecidíssimo disso são as mariposas da Inglaterra. Séculos atrás as mariposas eram de uma coloração clara, mas com o advento da Revolução Industrial todo o meio ambiente foi bombardeado com grande emissão de poluentes e os troncos das árvores ficaram mais escuros. As mariposas podiam ser vistas mais facilmente, se tornando alvo fácil para predadores. Por causa disso, essa mudança no meio ambiente, as mariposas tiveram que evoluir para sobreviver e se tornaram mais escuras.

Esse é um dos estudos de caso dos evolucionistas para mostrar como a seleção natural acontece e como a evolução pode ser acompanhada e estudada. Mas essa conclusão é um erro, e um erro conhecido hoje em dia.

Com o desenvolvimento da genética, hoje podemos afirmar que qualquer mudança de característica em uma espécie só pode ocorrer se seu material genético o permitir, e essa mudança, essa variação, apenas ocorre nos limites permitidos pela carga genética do indivíduo. As mariposas não mudaram de cor, apenas começaram a nascer mariposas mais escuras dentre aquelas que tinham em seu DNA uma variação genética para a cor escura. Assim como continuaram a nascer mariposas claras, dentre aquelas cujo DNA ditava a cor clara. Mas eram todas mariposas, e da mesma espécie. Não houve o surgimento de uma nova espécie.

Suponha que Hitler houvesse vencido a II Guerra Mundial e que criasse programas de eugenia para todo o mundo. Depois de 100 anos a população de pessoas que não se enquadrassem em seu ideal ariano teriam sido exterminadas. O mundo seria como uma versão maior da Suécia, todos de pele clara e cabelos claros. Isso significa que o ser humano teria evoluído? Ou apenas que a nova leva de pessoas teria sido selecionada? Provavelmente de quando em quando nasceriam crianças de olhos escuros. Isso mostra uma seleção, mas não uma evolução.

E esse é um dos problemas. Nós temos como observar as micro evoluções – uma mudança dentro da própria espécie – mas não há como observar as macro evoluções.

O evolucionismo depende da idéia de que as espécies de hoje, todas elas em sua enorme variedade, se derivam de uma única origem. O homem e o macaco evoluíram de um mesmo ancestral, os pássaros evoluíram dos dinossauros (répteis), os répteis dos peixes, os peixes das algas e as algas das bactérias.

Só que isso não apenas não é observável como também não pode ser testado, e todas as experiências feitas para se procurar a macro evolução, o surgimento de uma nova espécie, deram resultados negativos.

Evolucionistas afirmam que nós não podemos observar a evolução acontecendo porque ela é muito lenta. Uma geração humana leva, em média, 20 anos para nascer e poder ter filhos. A crença evolucionista é que foram necessárias dezenas de milhares de gerações para que os humanos se tornassem uma raça diferente da dos outros símios. E mesmo então a população de novos seres era composta por algumas centenas ou milhares de indivíduos.

A idéia é simples: um ancestral X, através da evolução e da seleção natural teve descendentes que viraram macacos e descendentes que viraram nós. Duas espécies diferentes vindo de um mesmo indivíduo, depois de dezenas de milhares de gerações. De fato não temos como acompanhar esse tipo de evolução, mas podemos acompanhar outro tipo: o de bactérias.

Diferente de seres humanos um geração de bactérias leva de 12 minutos a 24 horas para crescer – dependendo da bactéria e do ambiente onde é criada. Hoje existem mais bactérias no mundo do que grãos de areia nas praias – a grande maioria desses grãos, inclusive, está coberto de bactérias.

Bactérias existem em praticamente qualquer ambiente, frio quente, seco, úmido, alta pressão, baixa pressão, pequenos grupos, colônias imensas, isoladas, onde há abundância de alimento, onde não há alimento, onde há oxigênio, não há oxigênio, em gases tóxicos, em químicos tóxicos, etc.

Existe hoje uma enorme variedade de bactérias catalogada. Existe também um número enorme de mutações – acreditasse hoje que quanto menor for o organismo maior a taxa de mutação. Mas nunca se ouviu falar de uma bactéria se transformando em algo diferente. Em um ano é possível se criar mais de 26.000 gerações de um grupo de bactérias e mesmo assim elas permanecem bactérias.

Moscas de fruta. Muito mais complexas do que bactérias, uma geração leva 9 dias para se desenvolver. Elas são testadas sob todas as condições imaginadas. Existem muitas variações de moscas de fruta. Existem muitas mutações. Mas elas nunca viram uma nova espécie. Elas permanecessem moscas de fruta.

Décadas de estudos em incontáveis gerações de moscas de frutas, bactérias e tudo mais o que você possa imaginar e a evolução nunca foi observada. Temos mudanças, mas não a evolução em novas espécies.

 

2- A Seleção Natural é um mecanismo anti-evolução

 

De acordo com os evolucionistas a evolução ocorre através de um mecanismo que foi batizado: seleção natural. A seleção natural explica que as características favoráveis que são hereditárias tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem, e que características desfavoráveis que são hereditárias tornam-se menos comuns.

O primeiro problema ao lidarmos com seleção natural é que ela também não pode ser observada, apenas seus resultados. Como no caso das mariposas visto acima. A mudança no meio foi “artificial” – o aumento de poluentes sujando os troncos de árvore – e a seleção “favoreceu” os indivíduos escuros. Isso é o mesmo que depois de um terremoto dizermos que a evolução natural “favoreceu” os sobreviventes, ou que um meteoro que caiu na terra há milhões de anos matando quase toda a vida “favoreceu” o surgimento da raça humana.

Logo que Darwin concluiu seu texto sobre a evolução das espécies ele usou o termo a sobrevivência do mais apto – the survival of the fitest – para explicar como uma espécie nova evolui. O problema com isso é que não há como dizer quem é o mais apto. Seriam os indivíduos mais fortes, mais rápidos, mais ociosos, mais inteligentes, mais burros? Apenas podemos observar quem sobreviveu e dizer que eles foram os mais aptos, seja qual for o motivo. É como dizer que a seleção natural favorece o sobrevivente. A máxima de Darwin poderia ser alterada para A Sobrevivência do Sobrevivente.

Curiosamente a seleção natural, se a tomamos como algo ativo e não apenas uma constatação, vai contra a evolução. Ela seria a responsável pela sobrevivência dos seres em uma ambiente que muda – troncos ficam escuros as mariposas ficam escuras.

Agora, à medida que a seleção natural possibilita a predominância das características consideradas mais vantajosas ou superiores em um determinado meio, isso torna os indivíduos que variaram mais parecidos entre si e não mais diferentes. Um estudo recente inclusive diz que no futuro todas as pessoas do mundo serão brasileiras.

Assim podemos ver que em um meio onde a seleção natural opera ela funciona como uma força conservadora, evitando a diferenciação, já que qualquer diferença que não reflita a característica mais vantajosa, é prejudicial ao ser. A seleção natural preveniria o surgimento de novas espécies, isso porque seu mecanismo se mostra antagônico ao mecanismo proposto pela evolução.

Suponha que um réptil desenvolva asas. As asas só lhe seriam úteis, ou seja, ele apenas se beneficiaria das asas quando elas fossem práticas. Agora, asas não brotam prontas em uma espécie, elas teriam que evoluir ao longo do tempo. Só que nesse tempo entre começo de desenvolvimento e as asas serem minimamente utilizáveis, elas seriam prejudiciais. Por que a seleção natural iria favorecer um animal com um órgão em formação? Essa característica nova, essa asa em formação não apenas deixou de cumprir as funções da estrutura original como ainda não desempenha sua própria função, já que ainda está “evoluindo”.

Assim como poderíamos explicar a evolução de peixes em anfíbios, anfíbios em répteis e répteis em mamíferos e aves? Imagine um peixe que começa a desenvolver-se. A converter suas nadadeiras em patas. Nas primeiras gerações ele não conseguiria nadar tão bem quanto os outros peixes – que teriam suas nadadeiras evoluídas de forma mais vantajosa – nem conseguiriam se locomover, por suas patas estariam ainda rumo à forma mais vantajosa. A seleção acabaria eliminando esse peixe capenga.

 

3- Seres Imunes à Evolução

 

Os foraminíferos e radiolários são seres unicelulares, que tiveram sua presença confirmada em rochas sedimentárias datadas do período Pré-Cambriano e existem até os dias de hoje. Curiosamente, mesmo depois de tantos milênios eles permanecem animais unicelulares, não evoluíram para seres pluricelulares. Por que?

Esses animais não são o único mistério evolutivo, o elo perdido que liga os seres humanos aos macacos é fichinha se comparado ao elo perdido que liga bactérias unicelulares a seres pluricelulares. Não se sabe como seres pluricelulares simples começaram a desenvolver órgãos novos, como um núcleo protegido por membrana e todas as organelas celulares. O evolucionismo prega que houveram mutações que criaram esses novos seres, mas isso é complicado. Esses órgãos foram criados, não simples variações do que havia antes. Muitos estudiosos hoje afirmam que os novos seres não foram resultado de evolução e sim de simbiose. Um exemplo claro disso é a nossa mitocôndria, uma das organelas mais importantes de nossas células. Basicamente é ela que produz a energia da célula. E ninguém sabe de onde veio ou como surgiu, apenas que parece ser alienígena a nosso organismo e que no passado criou uma relação simbiótica e está ai até hoje. Todos temos hoje mitocôndrias, mas não a evoluímos.

Como vimos anteriormente, o estudo com milhares de bactérias não causou em nenhum momento o surgimento de uma nova forma de vida, apenas de bactérias diferentes. Como explicar a evolução de um ser unicelular em nós?

Além disso existem seres mais complexos que também não mostram sinais de evolução, como o celacanto.

O celacanto é um peixe que aparece em estratos geológicos com mais de 300 milhões de anos. Os registros fósseis mais recentes desse animal datam de 60 milhões de anos atrás. Pensava-se que era uma espécie extinta até que em 1938 vários espécimes vivos e saudáveis foram encontrados no Oceano Índico.

Temos então hoje um exemplo de um animal que possui mais de 300 milhões de anos de existência que, apesar das variações, não evoluiu. Durante esse tempo os evolucionistas afirmam que peixes se tornaram anfíbios, esses se tornaram répteis, que se tornaram mamíferos, mas o celacanto não se tornou nada, permaneceu um peixe. É como se a evolução ignorasse certas criaturas.

4- O Silêncio Paleontológico

A Paleontologia é o ramo da ciência que estuda a vida do passado da Terra e o seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico, bem como os processos de integração da informação biológica no registro geológico, os fósseis.

O objeto imediato de estudo da Paleontologia são os fósseis, pois são eles que, na atualidade, encerram a informação sobre o passado geológico do planeta Terra, mas oo contrário do que se pode imaginar as grandes durações da história geológica e seu registro, ao invés de favorecer as especulações evolucionístas, fornecem objeções a elas.

Quando paramos para estudar a documentação fóssil existente hoje fica evidente uma sucessão hierárquica das formas de vida ao longo do tempo – quanto mais antigos os estratos fósseis, menos complexas são as espécies da escala biológica.

O evolucionismo olha para essa sucessão e deduz que então as formas mais complexas surgem das formas menos complexas.

Antes de prosseguirmos é interessante entender o porque disso. Toda a discussão que envolve a vida neste planeta tem como fundo a busca em responder a questão: de onde ela surgiu?

A terra é, supostamente, um sistema fechado. Não temos naves alienígenas, ou portais dimensionais se abrindo e jogando aqui novos tipos de seres de tempos em tempos. Pelo menos não de forma que possamos observar. Nós temos a vida que existe ao nosso redor e que podemos observar diretamente e registros, tanto fósseis quanto artificiais[3]. Agora o problema surge quando os registros mostram que em determinada época não havia determinada espécie de vida no planeta e logo depois ela surgiu. A lógica do evolucionismo é simples e direta: se antes não havia mastodontes e depois eles surgiram e não chegaram aqui em um disco voador vindo de vênus, eles devem ter sido criados aqui. Agora como eles foram criados? Não havia laboratórios de manipulação genética, não havia cientistas ou criadores que manipulassem as espécies, logo esse novo tipo de animal deve ter acontecido naturalmente. E como ele aconteceu? Se a teoria diz que a vida evolui de forma simples para mais complexas ele deve ter vindo de uma forma de vida mais simples!

Essa é uma idéia simples e bonita, mas nem tudo o que acontece vem de algo simples e bonito. Só estamos aqui porque os dinossauros foram varridos para fora do planeta por um evento, não porque somos o próximo passo evolutivo natural.

Mas então como uma nova espécie como o mastodonte surge? A tentação da evolução como causa é grande. Tão grande quanto a tentação da explicação de um Deus que resolveu criar um mastodonte para ver como ele seria.

O evolucionismo vê os registros de seres menos complexos para os mais complexos, e, depois de os enfileirar, enxerga um padrão evolutivo, como se eles indicassem um filão genealógico da primeira bactéria em uma ponta e a Michelle Pfifer na outra.

O problema com essa visão é: se uma ameba evoluiu ao longo da história genealógia, até se tornar um ser mais complexo, criando no processo uma vastidão de criaturas diferentes, haveria o registro das milhares de formas intermediárias do primeiro ser até os seres atuais, mas o que existem são milhares de lacunas, todas batizadas de “o elo perdido” entre espécies. Como vimos, não existe um experimento que mostre um ser eucarionte se tornando um ser procarionte, ou um ser unicelular se tornando um ser pluricelular. Cientificamente essa evolução não passa de uma hipótese não confirmada, não pode nem ser chamada de teoria, pelos padrões do próprio processo científico.

E o próprio Darwin sabia dessas lacunas, ele chegou a afirmar que essa descontinuidade no registro fóssil ““talvez fosse a objeção mais óbvia e mais séria” à sua teoria. Assim a confirmação da hipótese evolucionista ficou dependendo de se encontrarem esses elos perdidos. Dois séculos após o apelo de Darwin e nenhum foi encontrado.

Mas isso não significa que o registro de novas espécies não exista, ou que sua existência seja especulativa. Os fósseis dessas novidades existem, e em abundância, mas de uma forma curiosa.

No livro “Dopo Darwin. Critica all’ evoluzionismo”, o doutor G. Sermont, especialista em genética dos microorganismos, diretor da Escola Internacional de Genética Geral e professor da Universidade de Peruggia e R. Fondi, professor de paleontologia da Universidade de Siena, afirmam que:

“é se constrangido a reconhecer que os fósseis não dão mostras de fenômeno evolutivo nenhum… Cada vez que se estuda uma categoria qualquer de organismos e se acompanha sua história paleontológica… acaba-se sempre, mais cedo ou mais tarde, por encontrar uma repentina interrupção exatamente no ponto onde ‘segundo a hipótese evolucionista’ deveríamos ter a conexão genealógica com uma cepa progenitora mais primitiva. A partir do momento em que isso acontece, sempre e sistematicamente, este fato não pode ser interpretado como algo secundário, antes deve ser considerado como um fenômeno primordial da natureza.”

Isso porque sempre que vemos o aparecimento de novidades evolutivas, ou seja, o aparecimento de novos grupos de plantas e animais, isso ocorre como um estrondo, de forma abrupta. Não há evidências de que haja ligações entre esses novos grupos e seus antecessores. Até porque, em alguns casos, esses animais estão separados por grandes intervalos de até mais de 100 milhões de anos.

O exemplo mais gritante de descontinuidade no registro fóssil é o que encontramos na passagem do Pré-Cambriano (primeira era geológica), para o Cambriano. No primeiro encontramos uma certa variedade de microorganismos: bactérias, algas azuis etc. Já no Cambriano, repentinamente, o que surge é uma infinidade de invertebrados, muito complexos: ouriços-do-mar, crustáceos, medusas, moluscos… Esse fenômeno é tão extraordinário que ficou conhecido como “explosão cambriana”.

Susume Ohno, em seu livro “The Notion of the Cambrian Pananimalia Genome, afirma:

“Segue daí que 6 a 10 milhões de anos na escala de tempo evolutiva não é mais do que um piscar de olhos. A explosão cambriana, demonstrando o quase simultâneo aparecimento de virtualmente todos os animais no espaço de 6 a 10 milhões de anos não pode ser explicada por divergências de mutações em funções genéticas individuais.”

O próprio Richard Dawkins, ao tratar da “explosão cambriana” em seu livro “O Relojoeiro Cego” afirma que a fauna deste período:

“já está em estado avançado ou evoluído, no mesmo momento em que surge. É como se eles tivessem sido simplesmente plantados lá, sem qualquer histórico evolutivo”.

Pois bem, se a evolução fosse uma realidade, o surgimento dessa enorme variedade de espécies mais complexas do período Cambriano deveria imprescindivelmente estar precedida de uma série de formas de transição entre os seres unicelulares do Pré-Cambriano e os invertebrados do Cambriano. Nunca foi encontrado nada no registro fóssil. Esse é, aliás, um ponto que nenhum evolucionista ignora.

Isso nos levanta a primeira dúvida: onde estão os registros dos elos perdidos? Das seres intermediários? Por que não existem registros fósseis deles?

Outra questão interessante é: os organismos registrados de uma era, permanecem sempre os mesmos, desde quando surgem até se extinguirem. De fato apresentam variações, como já vimos, mas não mudanças que caracterizariam o início de uma mudança que acarretaria em uma nova espécie. Assim, mesmo que o fóssil de um animal mostre que ele possui características que pertençam a dois grupos diferentes de seres, ele não pode ser tratado como um elo perdido enquanto não surgirem os registros dos outros estágios intermediários de sua “evolução”.

Outro ponto que serve como peso contra a idéia da evolução é que sempre que surge um suposto elo perdido, ligando duas espécies, não se passa muito tempo antes que provem que esse elo era uma falsificação. Um dos mais recentes foi o caso do archeoraptor, a criatura que supostamente seria o elo perdido entre os dinossauros e as aves e que descobriram não passar de uma construção mal-feita de diferentes fósseis criado com o único intuito de dar “uma mãozinha a uma idéia que acreditam ser real”. O mesmo acontece sempre que surge um elo perdido entre primatas e humanos. Passa-se um tempo e se descobrem ser apenas uma montagem feita por alguém que queria por um motivo ou outro criar provas da evolução.

Essa inclusive é uma das questões mais perturbadoras levantadas pelo evolucionismo: de onde vem os humanos?

Existem inúmeras hipóteses, como a hipótese de que nos desenvolvemos na África e então nos debandamos de lá nos espalhando ao redor do mundo, tomando o lugar de outras espécies humanóides que porventura vivessem no lugar. Mas essa não é a única hipótese existente, existem outras que afirmam que na verdade os humanos modernos evoluíram de diferentes tipos arcaicos de humanóides ao redor do globo, que habitavam diferentes regiões.

Independente de nossa origem evolutiva, o evolucionismo não consegue explicar questões mais práticas, como por exemplo:

  • Por que nosso cérebro cresceu tanto?Evolutivamente isso seria um desperdício de energia – um órgão que possui apenas 2% da massa do corpo e consome mais de 20% de nossa energia. Isso seria um acidente de apenas uma espécie? Não existem outros com um cérebro como o nosso, se existe mesmo uma vantagem evolutiva em ter cérebros como os nossos, por que somos os únicos a te-los?
  • Por que andamos sobre duas pernas?Nossos ancestrais, de acordo com a teoria evolutiva, desenvolveram a postura erguida muito antes de desenvolver o cérebro diferenciado dos humanos, ou seja, começamos a andar como andamos hoje quando ainda não éramos diferentes de outros símios. Por que então nos tornar bípedes se todas as outras espécies se viravam e continuam se virando usando os quatro membros para se locomover?
  • O que aconteceu com os pêlos de nosso corpo?

Por que outros humanóides não votam para presidente hoje? Por que outras espécies de homo se extinguiram? Hoje temos diferentes espécies de cães, de pássaros, de peixes, de cetáceos, mas apenas uma espécie de humanos que sofrem variações regionais e culturais.

 

5- O problema das mutações

Tudo isso acaba levando o evolucionismo a buscar apoio em sua última grande cartada. As mutações!

Em muitos casos, afirmam, essas mudanças são o resultado de mutações genéticas. É curioso ver o papel que a mutação teve na cultura popular e pseudo científica através dos meios de cultura em massa a partir das décadas de 1940 e 1950. Os filmes, livros e quadrinhos de ficção científica da época mostravam criaturas e pessoas ganhando poderes extraordinários. Animais radioativos davam super-poderes àqueles que picavam ou mordiam, a radiação era usada para se criar híbridos horripilantes. Raios cósmicos transformavam pessoas comuns em seres com habilidades jamais vistas. Com o tempo, é claro, esses mitos foram negados pelos cientistas, mas servem para nos mostrar como a visão de mutação acaba nos dando a idéia errada dos rumos que a vida pode tomar.

Ao contrário do que muitos fãs de X-Men acreditam, mutações não costumam ser tão positivas. O problema é que o evolucionismo, apesar de saber disso, parece fingir que não sabe.

Vejamos como a crença nas mutações se comporta: 

Em raras ocasiões surge uma mutação no DNA de uma criatura – a mutação ocorre em indivíduos em uma primeiro momento e não em uma espécie. Essa mutação aumenta a habilidade dessa criatura de sobreviver, sendo assim é muito provável que ela seja passada adiante quando essa criatura se reproduzir. Essa seria então uma das ferramentas mais importantes – se não a única como vimos até agora – da evolução para se criar novas espécies.

E essa mutação poderia ser benéfica se ela ocorresse em apenas um gene e ele fosse o único e exclusivo responsável pela habilidade aumentada. O problema começa quando começamos a estudar genética. O corpo de qualquer criatura, por mais simples que seja, é construído de uma forma bem mais complexa do que essa. Não existe apenas um botão que controle apenas uma função do corpo, na verdade o corpo é muito mais intrincado do que isso, é necessário que todos os seus componentes estejam funcionando para que o todo esteja em ordem.

Além disso uma mutação não ocorre como forma de adaptação, ela é um processo completamente aleatório. Uma mutação é um erro de leitura de um DNA quando ele está sendo copiado. A mutação só acontece se a alteração no DNA modificar o organismo. Em geral esses erros não provocam nenhum resultado porque o código genético está engendrado de modo tão formidável, que torna neutras as mutações nocivas. Mas quando geram efeitos, eles são quase que sempre negativos, quando não o são acabam se revelando neutros.

Em seres humanos, por exemplo, existem mais de 6 mil doenças genéticas catalogadas como o melanoma maligno, a hemofilia, o alzheimer e anemia falciforme, para citar apenas quatro delas. Essas doenças – e grande parte das catalogadas – foram localizadas nos genes correspondentes. Desta forma as mutações acabam tento um peso negativo na “evolução” da vida.

Para que um novo ser surgisse seria necessário que ele fosse acometido de inúmeras mutações específicas de forma que nenhuma causasse algum traço degenerativo e que todas elas ocorressem pelo mero acaso. Isso é como o famoso exercício de colocar centenas de chimpanzés datilografando centenas de páginas aleatoriamente para depois de algum tempo ver que um deles havia criado uma peça de Sheakespeare.

Com efeito, não há registro de mutações benéficas e a possibilidade delas existirem é tão reduzida que pode ser descartada, ainda mais se pensarmos que milhares ou milhões delas deveriam acontecer cada vez que surge uma explosão com novas formas de vida. As experiências de T. Morgan com a mosca da fruta atestam isso. Ele nos mostrou que as mutações, em geral, mostram deterioração, desgaste ou desaparecimento geral de certos órgãos, nunca o surgimento de um órgão novo ou uma função/habilidade nova. A maioria das mutações provoca alterações em caracteres secundários tais como cor dos olhos e pelos, sendo que, quando provocavam maiores modificações, eram sempre letais. Os mutantes criados que poderiam ser comparados à mosca normal, no que diz respeito ao vigor são uma minoria e, mutantes que tenham sofrido um desenvolvimento realmente valioso na organização normal, em ambientes normais, são desconhecidos. Ou seja, houve mutações, várias delas, mas nenhuma foi passada adiante e a experiência acabou se chocando com os limites da variação permitida pelos genes.

 

E Por Que a Insistência?

 

Inúmeras respostas poderiam ser dadas tentando se explicar porque uma idéia acaba sendo adotada por um grupo como verdade a ponto de cegar o próprio grupo, mas na verdade a única que faz sentido é: porque as pessoas são humanas, e os humanos preferem estar juntos a estar certos.

Richard Dawkins escreveu no prefácio da edição de bolso de seu livro Deus um Delírio que:

“O verdadeiro cientista, por mais apaixonadamente que ‘acredite’ na evolução, sabe exatamente o que é necessário para fazê-lo mudar de opinião: evidências. Como disse J. B. S. Haldane, quando questionado sobre que tipo de evidência poderia contradizer a evolução: ‘Fósseis de coelho no Pré-cambriano’. Cunho aqui minha própria versão contrária ao manifesto de Kurt Wise: ‘Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista.”

Uma opinião muito sensata, mas curiosamente em uma sessão do livro cujo o objetivo não é analisar algo e sim atacar algo.

Desde o momento em que passou a ser usado como arma anti-religiosa, o evolucionismo acabou criando novos monstros, como as novas teorias de design inteligente e outras ainda mais esdrúxulas, e passou a atacar todas como se elas tivessem se originado na religião como forma de atacar a ciência. O Dr. Frankestein passou a ser perseguido pelo monstro que ele mesmo criou.

Nenhuma das duas hipóteses – criacionista e evolucionista – são verdades absolutas, deveriam parar de se comportar como candidatas a uma única vaga. É claro que uma filosofia não sai andando por conta própria na rua, ela precisa de hospedeiros humanos para poder crescer, se desenvolver e se multiplicar. É curioso notar como muito do material escrito hoje não busca desenvolver nenhuma das idéias que defende e sim tenta atacar a idéia alheia geralmente atacando as pessoas que a defende e não pontos fortes e fracos da própria hipótese. Dawkins afirmou que “Se todas as evidências do universo se voltarem a favor do criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, e mudarei de opinião imediatamente. Na atual situação, porém, todas as evidências disponíveis (e há uma quantidade enorme delas) sustentam a evolução. É por esse motivo, e apenas por esse motivo, que defendo a evolução com uma paixão comparável à paixão daqueles que a atacam. Minha paixão baseia-se nas evidências”, o problema começa justamente quando essas evidências começam a se manifestar, juntamente com a falta das evidências que deveriam haver.

Acredita-se hoje que a vida surgiu há 3,5 bilhões de anos, na forma de bactérias e pouco depois algas. Mariscos e Moluscos surgiram posteriormente, por volta de 500 milhões de anos. Mais alguns anos de evolução e surgiram peixes e logo depois anfíbios. Os répteis só apareceram no planeta a 360 milhões de anos, quando os dinossauros se espalharam pelo Planeta Terra. Seu domínio extende-se até aproximadamente 65 milhões de anos atrás, quando eles desapareceram repentina e misteriosamente. Os mamíferos, por sua vez, teriam surgido somente por volta de 3 milhões de anos atrás. A humanidade, como civilização, teria apenas 45 mil anos, segundo a Ciência da Arqueologia.

Mas… em 1882, prisioneiros da cadeia da cidade de Carson descobriram acidentalmente pegadas fossilizadas, com aproximadamente 55,88 centímetros cada uma. Logo surgiram outras descobertas no mesmo local. Todas as marcas identificadas eram de pés calçados, e datavam de 5 milhões de anos.

Em 26 de maio de 1910, foram descobertos alguns fósseis em um granito na região de Gravelbourg, Saskatchwan, no Canadá. Investigações de especialistas indicaram que o fóssil, um conjunto de pegadas humanas, teria vários milhões de anos de idade.

Em 1919, o cientista Wilhelm Freudenberg descobriu “possíveis pegadas humanas” impressas no começo do período Plioceno, entre 4 e 7 milhões de anos atrás. A descoberta ocorreu nas proximidades de Meuleken, na Antuérpia, Bélgica.

Em 1938, o geologista Wilbor G. Burroughs, anunciou ter descoberto dez pegadas humanas perfeitas, com cinco dedos semelhantes aos pés humanos atuais. Elas mediam 23,73×10,25 cm e foram encontradas ao norte de Mount Vernon, nos Estados Unidos. A descoberta dataria do período Carbonífero, cerca de 250 milhões de anos atrás. Pegadas semelhantes foram descobertas em Jackson County, e também nos Estados da Pensilvânia e Missouri, todos no Estados Unidos. Arqueologistas e geologistas estão divididos quanto à  origem destas pegadas. Em Mount Victória, também nos Estados Unidos, foram descobertas pegadas humanas gigantes medindo 59 x 18 cm, indicando um peso de 250 kg. As pegadas são reais. Não são fraudes ou marcas de erosão.

Em 1959, o cientista chinês, Dr. Tschu Myn Tschen e sua equipe (Tschau Ming Tschen/Chow Mingchen) descobriram uma pegada com idade estimada em 15 milhões de anos. Trata-se de uma marca produzida por um calçado com sola.

Em 3 de junho de 1968, William Meister e Francis Shape descobriram pegadas calçadas em Antelope Springs, próximo a Delta, no estado de Utah, (EUA). Elas mediam 32,5 x 11,25 cm. O interessante destas pegadas é que elas esmagaram um trilobite, no momento em que foram impressas, sendo que o trilobite está extinto a 240 milhões de anos!

Na primavera de 1983, uma expedição do Instituto de Geologia do Turcomenistão descobriu mais de 1500 pegadas de dinossauros na região sudeste da república. O chefe da expedição, Dr. Kurban Amanniyazov, declarou ao jornal Moscow News que “nós temos descoberto pegadas semelhantes à  pegadas humanas, mas até o momento falhamos em determinar, com metodologia cientifica, à  quem elas pertencem. É claro, se nós pudermos provar que elas pertencem à  um hominídio, isto causaria uma revolução na ciência humana. A humanidade vai ficar 150 milhões de anos mais velha”.

Em 1987, o paleontologista Jerry MacDonald descobriu várias pegadas fossilizadas de diferentes espécies de animais, incluindo seres humanos, em uma camada de rocha originada no período Siluriano, uma época entre 290 e 248 milhões de anos atrás.

Além dessas na localidade de Navalsaz, em Soria, na Espanha, mais de 500 pegadas de Tiranossaurus rex foram descobertas. Junto destas pegadas haviam pegadas humanas produzidas na mesma época em que o resto do conjunto de pegadas foram produzidas, a aproximadamente 70 milhões de anos atrás.

O paleontologista Dr. C.N. Dougherty descobriu possíveis pegadas humanas de aproximadamente 140 milhões de anos. Segundo a ciência nessa época, os dinossauros dominavam a Terra e o ser humano ainda não existia. A descoberta de Paluxy, se comprovada, poderia causar uma revolução na ciência pois ela seria a prova de que a humanidade seria muito mais antiga do que se supõe e teria coexistido com os dinossauros. Neste local encontram-se pegadas de aproximadamente 54 cm no seu eixo maior. Em 1986, o pesquisador Glen J. Kuban descobriu que as marcas de dedos presentes na pegada apresentam coloração diferente do resto das marcas. Isso sugere, segundo os cientistas, uma possível manipulação nas marcas. Na verdade esta é uma explicação simplista utilizada pelos cientistas para explicar aquilo que eles não podem explicar. Se houvesse manipulação nas marcas, a estranha coloração seria encontrada em todas as marcas impressas pelo pé humano, e não apenas na região dos dedos. Além disso, a pegada humana é mais profunda e estreita que a do dinossauro. Esta estranha coloração pode ser explicada pela presença de um rio nas proximidades que poderia lixiviar os sedimentos próximos à superfície da rocha.


Pegada Delk: foi descoberta em um afluente do Rio Paluxy, cerca de
meia milha rio acima dos limites do parque.  

Homens caminhando junto com dinossauros é algo ainda mais estranho, paleontologicamente se falando, do que coelhos no Cambriano, mas o evolucionismo se tornou tão arraigado e mecânico, que esse tipo de evidência quando surge é automaticamente descartada como fraude ou como ilusão. O que nos faz lembrar Nietzsche que nos avisava para nos acautelarmos quando lutássemos contra monstros, para que nãos nos tornássemos monstros também.

“Minha paixão baseia-se nas evidências. A deles, que ignora as evidências, é verdadeiramente fundamentalista.”

Notas:

[1] Lembre-se, ingênuo leitor ou leitora, vivemos em uma sociedade onde existe a privatização de imprensa e não a liberdade de imprensa. Só porque não há mais linhas pretas cobrindo textos nos jornais, como na época da ditadura, não quer dizer que sua informação não está sendo censurada ou adulterada. Vivemos em um mundo de ignorantes e esses ignorantes não são apenas aqueles que lêem jornais, mas a maioria dos que os escreve também.

[2] Tenha em mente que nossos costumes de higiene de hoje em dia não são os mesmos de séculos atrás, especialmente os europeus. Há uns 400 anos, por exemplo, o banho diário não era costume, e não haviam chuveiros e duchas. Semanalmente juntava-se uma quantidade de água numa grande bacia e toda a família tomava banho naquela água. Primeiro entrava o chefe da família seguido pelos homens, por idade, então era a vez das mulheres ordenadas também por idade e por último, caso houvesse, os bebês. Imagine então a situação da água no fim da semana, era costume se pegar a bacia e a virar para fora para mandar aquele líquido escuro rua a fora para tornar a enchê-la para a próxima semana.

[3] Existem muitas espécies hoje extintas que foram registradas por pessoas na época que existiam, o pássaro Dodô é um exemplo.

Lon Plo

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/evolucionismo-o-conto-de-fadas-de-darwin/

O Politicamente Correto e as Qlipoth

animal-farm

“Quando a Educação não é Libertadora,

O Sonho do Oprimido é se tornar o Opressor”

Depois do post polêmico no Facebook no qual eu alertava sobre os perigos do Politicamente correto e de como ele é um câncer tão nocivo quanto o radicalismo religioso, fascista ou extrema direita, muitas pessoas pediram para que eu escrevesse um post no Blog explicitando melhor estas comparações. Para ser justo, farei as comparações das atitudes dos radicais politicamente corretos comparando-as com as atitudes da direita-religiosa, fascista e no totalitarismo, para ficar mais simples a compreensão. Este post será mais complexo do que a média, mas como a maioria de vocês já deve estar com o Livro de Kabbalah Hermética (e se você ainda não tem, o que está esperando?) e podem consultá-lo para a comparação dos túneis com os Caminhos.

Thantifaxath (O Túnel abaixo de TAV)
Para entender a Árvore da Morte, precisamos entender sua contraparte na Árvore da Vida. Se TAV é o Caminho que abre os portões do Templo, permitindo ao Iniciado que descubra um mundo maior e melhor, seja através da imaginação, seja através da expansão da consciência, Thantifaxath atua como “Os portões fechados do Paraíso”, ou seja, toda atitude de censura, bloqueio ou restrição Saturniana (seu Regente) que impede as vítimas de ampliar a consciência.

No Politicamente Correto: todo militante radical começa a se estreitar em um gueto, utilizando vocabulários próprios, banindo o contato com qualquer pessoa que pense diferente (ou simplesmente não concorde com qualquer coisa que é dita pelo grupo), bloqueando o acesso e cortando qualquer tipo de debate sadio. O uso de força (“ocupações”), destruição de patrimônio público (pichações, depredações… tudo é “justificado” pela militância), impedimento da manifestação do outro lado no debate (vide Centros Acadêmicos e DCEs de faculdades “de humanas”) chegando à agressão verbal, moral e até física de qualquer um que se posicione contra o movimento. Proibição de literatura considerada blasfêmica (ex. Monteiro Lobato, Mark Twain) por motivos unilaterais.

No Fanatismo Religioso/partidário: o fiel é proibido de ler qualquer texto sobre outros pontos de vista, qualquer outro livro filosófico ou qualquer outra doutrina. Quem nunca escutou a frase “Harry Potter e RPG são do demônio”?

Gamaliel (A Qlipha de YESOD)
Se YESOD representa a Intuição, Imaginação e a Expansão de Consciência, Gamaliel representa o lado sombrio da Imaginação (ou falta de imaginação), a Ilusão e a Distração. Drogas, Vícios, Fuga da Realidade, Aprisionamento na Maya e o lado sombrio do Sexo. Novelas contam vários pontos nessas tabelas! Futebol, Álcool, Cigarros e Drogas também têm papel fundamental em Gamaliel, principalmente em nosso país onde traficante é “vítima da sociedade”, Big Brother é “herói nacional” e agentes dos direitos humanos trabalham para o PCC. Novela, Futebol, Redes Sociais e Drogas… quem precisa de iluminação?

No Politicamente Correto: A ilusão de fazer alguma coisa é uma constante… na Europa, homens usam minissaia para “protestarem” contra estupros, militantes mudam bandeirinhas em seus perfis de Facebook e pintam as unhas contra o Bullying. Teve até umas radicais que adoram protestar peladas ou com os peitos de fora contra sei-lá-o-que-qualquer-coisa. Enquanto isso, o mundo das drogas (sempre atrelado à violência e assassinatos e ao crime) é louvado nos campi universitários. Como diz o Capitão Nascimento, “É você que financia essa porra!”. Fazem textões de Facebook e precisam de “Espaços Seguros” para protegerem suas frágeis bolhas emocionais e ao mesmo tempo fecham completamente os olhos para atrocidades religiosas cometidas contra as minorias (gays, mulheres e ateus) em países fundamentalistas.

No Fanatismo Religioso/partidário: A primeira coisa que qualquer Igreja que se preze faz é conseguir uma rádio, jornal e televisão, para controlar os meios de comunicação (vide Samael e Thantifaxath) e para providenciar distração para seu rebanho. A Mídia também serve para criar heróis e modelos a serem seguidos (figuras públicas, artistas e big brothers a serem imitados em Raflifu) e principalmente servir como vício e DISTRAÇÂO.

Samael (Qlipha de HOD)
Se HOD lida com a Informação, sua contraparte escura é a MENTIRA, a Falsidade e a Manipulação. O lado sombrio de Mercúrio. Está bem representada na Mídia e nos “jornalistas imparciais” que vemos todos os dias defendendo partidos políticos e igrejas nas Redes Sociais.

No Politicamente Correto: a militância usa de falácias, mentiras e falsidades para pregar idéias absurdas como “Teoria Queer”, “Lugar de Fala”, “Apropriação Cultural”, “Vivência”, “Dívida Histórica” e outras papagaiadas como se tivessem qualquer tipo de embasamento científico (nenhuma delas tem!) ou manipular dados, números e estatísticas ao bel prazer para justificar ações políticas e ativistas. Acusações falsas, Linchamentos virtuais e Coerção são comuns ao atacar adversários ideológicos e personas non gratas.

No Fanatismo Religioso/partidário: Os grupos no poder usam justificativas mentirosas para impulsionar o racismo, machismo e segregações. Por exemplo, a escravidão só foi possível e aceita porque a Igreja tinha como “base científica” que “os negros não tinham alma”; a justificativa para os horrores dos experimentos nazistas era que os judeus eram “uma raça inferior”; a agressão a umbandistas é incentivada por pastores pois eles “adoram o diabo” (também vale para bruxas e a Inquisição); a religião Islâmica permite que se minta e trapaceie se isto ampliar as causas da Sharia (procurem no google por “Taqiyya”, a “Mentira Sagrada”).

Shalicu (O Túnel abaixo de SHIN)
Shin é o Caminho da Iniciação e do Julgamento. É a barreira de testes que separa o Mundo profano do Mundo Sagrado e que seleciona aqueles que estão aptos a prosseguir na Jornada. Sua Qlipha é Shalicu, o Preconceito. Todos os lados radicais são exímios em apresentar preconceitos contra o outro lado: “todo homem é estuprador”

No Politicamente Correto: Shalicu age como uma barreira que privilegia partidários e militantes. As fraudes na Lei Rouanet são um excelente exemplo de como pessoas talentosas e com projetos excelentes eram bloqueadas em detrimento de aberrações culturais alinhadas com o partido e com a linha de pensamento politicamente correta radical. Criação de “cotas” e “bolsas” que logo eram fraudadas em favorecimento a militantes, ao mesmo tempo em que criavam uma situação de guerra ideológica de “Nós contra eles”, gerando MAIS segregação e MAIS preconceito. Sem falar nos “Tribunais Raciais” para julgar aqueles que se declaravam “negros” para ter direito à “cotas”. Goebbels ficaria orgulhoso!

No Fanatismo Religioso/partidário: barreiras raciais e segregações são as desgraças mais comuns neste Túnel. Bloqueio de acesso de pessoas de outras religiões na política, chegando a absurdos maiores como segregação racial, Apartheid e extermínio de homossexuais na Rússia e nos territórios Islâmicos.

A’arab Zaraq, ou “Corvos da Dispersão”
Se cada Qlipha na Árvore Sombria é uma antítese da Sephirah correspondente na Árvore da Vida, devemos primeiro dar uma olhada em A’arab Zaraq com relação à Sephira Netzach, “Vitória” (Emoção). As forças de Netzach são conectadas com a influência planetária de Vênus e representam emoções e paixões, Desejo como uma força motriz que supera os obstáculos no caminho da Ascensão e inspira o adepto ao avanço, para buscar iluminação espiritual. Esta é a energia bruta que precisa ser equilibrada, e este equilíbrio é encontrado na Sephirah Hod, que representa intelecto, pensamento racional e auto controle. No Lado Sombrio da Árvore, estas forças existem em sua forma pura, primitiva, desequilibrada e desenfreada. No plano físico elas se manifestam como ganância, ciúmes, atitudes possessivas, paixões desenfreadas e luxúria descontrolada – a negatividade de Netzach, o lado sombrio de Vênus. Têm este nome porque o desequilíbrio e hipocrisia geram uma ruptura entre “pecado” e “culpa” que destrói qualquer equilíbrio emocional.

O Politicamente Correto: Enquanto uma parte dos movimentos politicamente corretos deturpam o feminismo na cartilha do “meu corpo, minhas regras” incentivando a promiscuidade, luxúria descontrolada, tentam criar um estado de perpétuo medo com “homem é tudo estuprador”, “cultura de estupro” (e curiosamente ignorando completamente a REAL “cultura de estupro” religiosa, que possui até mesmo regras para como “tratar suas escravas sexuais” em seus manuais). Coletivos extremamente revoltados com a Mulher Maravilha ser uma “mulher branca hétero cis magra” e com o tamanho do shortinhos da Arlequina enquanto Feministas alemãs deixam de reportar estupros para proteger refugiados muçulmanos ou até mesmo o caso onde a mulher que foi estuprada pediu desculpas ao seu agressor por ser uma “vítima da sociedade patriarcal”.

No Fanatismo Religioso/partidário: O sexo é considerado tabu, com proibição até do uso de preservativos pelas autoridades eclesiásticas. Sexo antes do casamento? Nem pensar! Sexo anal? Direto para o inferno! As mulheres são obrigadas a se cobrir integralmente “para não despertar a libido pecaminosa do diabo nos homens”, porém ao mesmo tempo, algumas religiões incentivam o “estupro corretivo” e o “estupro das infiéis (infiéis no sentido de que não segue a mesma religião… se for no sentido de traição, ai a pena é apedrejamento… mas APENAS na mulher!)

Rafliflu (O túnel abaixo de RESH)
Chamado de “Caminho dos falsos ídolos”, Rafliflu é a deturpação de RESH, o Caminho da Aurora onde ocorre o Autoconhecimento e a Individualização dos Iniciados.

O Politicamente Correto: Os seguidores da seita precisam primeiro perguntar o que “o movimento” pensa para depois responderem alguma pergunta. Posicionar-se contra qualquer uma das “lideranças” é tornar-se vítima (ops, “opressora”, “passador de pano para machista/racista/hitler”, “vítima do patriarcado”, etc) e nesta condição agora, ser atacado com toda a fúria irracional da militância (ver Perfaxita e Thantifaxath). Quando um negro se posiciona “do lado errado da política”, então está tudo bem xingá-lo e atacá-lo sem piedade (outro exemplo: se a mulher pode fazer o que quiser como quiser, porque a fúria virulenta de ataques quando Marcela Temer, esposa do Vice da Dilma, declarou que era recatada e do lar?). Chamar uma mulher de “grelo duro” é um elogio ou xingamento? Pela cartilha do Politicamente Correto, depende de quem falar…
No Túnel dos Falsos Ídolos, a Militância do Politicamente Correto cria leis que devem ser obedecidas e copiadas por todos os seguidores, como Clones.

No Fanatismo Religioso/partidário: Geralmente esta Qlipha se manifesta na cópia de ídolos como Big Brothers, criaturas fabricadas pela mídia, artistas de TV e cantores pré-moldados. ídolos da Moda e ditadores de modinhas e tendências que fazem com que as pessoas, ao invés de tentarem a individualização do pensamento, se tornam cardumes em uma militância. Transformam facínoras, homofóbicos e assassinos em ídolos (Che Guevara, por exemplo) ou defendem bandidos/corruptos como se fossem heróis da Nação. Pastores e Líderes Religiosos, então, são intocáveis. No mundo profano mais baixo, alguém ai se lembra da moda do corte de cabelo ridículo que surgiu do nada, imitando jogador de futebol? Então…

Tzuflifu (O Túnel abaixo de TZADDI)
O Túnel onde a Arte e a Fé são substituídos pelos dogmas e pelo lixo cultural. Tudo aquilo que não se encaixa no padrão ditado deve ser queimado na fogueira enquanto qualquer lixo mental que se encaixe nos ditames da Mídia é martelado goela abaixo da população. Tzuflifu conecta as Qlipoth de Gamaliel (a Ilusão, Drogas, Vícios e Fuga da Realidade) com A´Arab Zarak (a Luxúria e depravação).

O Politicamente Correto: Doenças como obesidade mórbida são transformadas em “empoderamento”, louvando a desarmonia, feiura e desequilíbrio; defecar, introduzir objetos religiosos nas cavidades em público vira “movimento artístico de protesto” e exploração do ânus dos amiguinhos vira “peça de teatro”, entre diversas outras aberrações.

No Fanatismo Religioso/partidário: Qualquer coisa com “Gospel” no final já prova minha teoria, nem precisa ser Axé Gospel… No mundo mais profano, Tzuflifu está bem representado pelo Funk (“patrimônio cultural brasileiro”, não esqueçamos!), pelos bondes, pelas MCs-qualquer-coisa-empoderada e suas letras edificantes; pelas letras que louvam o crime, tráfico, estupros grupais, “novinhas” e drogas (curiosamente, traficantes e criminosos são colocados como “vítimas da sociedade”); mas nem preciso ir tão longe… basta assistir qualquer novela em TV aberta ou avaliar a qualidade literária de nossos youtubers e seus best-sellers.

Parfaxitas (O Túnel abaixo de PEH)
O Túnel com o lado sombrio da Fornalha do Alquimista não poderia ter um nome melhor: “Ódio ao Diferente”. Enquanto PEH faz a Síntese entre o Mental e o Emocional; o “Calcinatio” da Alquimia e a desconstrução da Torre; seu lado sombrio prega o Ódio ao Diferente. Não preciso me alongar muito aqui, todos nós presenciamos as eleições de 2014 e perdemos muitos amigos nas Redes Sociais. Aliás, vimos todas as Qlipoth inferiores em Ação nos posts falsos disseminados pela mídia regiamente paga de todos os lados, coerção em empregados, alunos e bolsistas, shows de música podre superfaturados e artistas de TV regiamente pagos para defenderem ideologias.

O Politicamente Correto: prega o ódio ao diferente e a segregação ainda mais radical. Ao invés de explicar, unir forças e colaborar, os militantes do “politicamente correto” utilizam-se da mesma truculência para agredir e atacar qualquer coisa que considerem “diferente”. E o ódio não respeita nem eles mesmos… temos Mulheres versus Trans, “Manas Brancas” levando esculacho de “Manas Pretas” porque usavam turbantes (e logo em seguida, as “Manas Pretas americanas” levaram esculacho das “Manas Pretas da África” pelo mesmo motivo).

No Fanatismo Religioso/partidário: O termo “Guerra Santa” já diz muito. No Âmbito das ditaduras, podemos ir até a Coréia do Norte, mas nem precisa ir mais longe do que Cuba para ver o que um regime totalitário faz com seus cidadãos. No âmbito religioso podemos citar a perseguição (com direito a pena de morte) aos homossexuais nos países Islâmicos (nem precisa ir tão longe, basta pregar a bíblia em público em alguns destes países para ser condenado à morte) mas, curiosamente, o Politicamente Correto e sua incoerência protege este tipo de coisa, dando o nome eufemístico de “Multiculturalismo”. Em um panorama mais popular e profano, quantas mortes ocorrem por ano por causa de futebol mesmo?

Acredito que já tenhamos elementos para debate por hoje. Se você se interessou em conhecer e estudar as Qlipoth, recomendo o Curso Avançado sobre a Árvore da Morte na Daemon Editora, mas somente para quem já tem conhecimento sobre Kabbalah Hermética.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-politicamente-correto-e-as-qlipoth

Stairway to Heaven

There’s a Lady who’s sure,

All that glitters is gold,

And she’s buying a Stairway to Heaven.

Há uma senhora que está certa

De que tudo o que brilha é ouro

E ela está comprando uma escadaria para o Paraíso

Esta “Lady”, ao contrário do que as pessoas imaginam, não é a Shirley Bassed (essa idéia apareceu em uma referência de Leonard tale no CD Australiano). A “Lady” que Robert Plant fala é Yesod, a Qualidade Universal do Espírito, a Princesa aprisionada dos contos de fada, a vontade primordial que nos leva á meditação, ao auto-conhecimento e ao início da Escada de Jacob, que é a Starway to Heaven, (Caminho das estrelas), trocadilho com o nome da música e que também foi utilizado em outros contextos para expressar as mesmas idéias, como por exemplo, no nome “Luke Skywalker” na Saga do Star Wars. Um dia falo mais sobre isso…

Na Mitologia Nórdica, a Lady é Frigga, também conhecida como Ísis, Maria, A Mãe, Iemanjá, Diana, Afrodite, etc… um aspecto de toda a criação e presente em cada um de nós.

Robert plant fará novas referências a esta “Lady Who´s sure” em outras músicas (Liar´s Dance, por exemplo, que trata do “Book of Lies” do Aleister Crowley).

Ao contrário do senso comum, que diz que “Nem tudo que reluz é ouro”, esta Lady possui dentro de si a esperança e o otimismo para enxergar o bem em todas as coisas; ver que tudo possui brilho e que mesmo a menor centelha de luz divina dentro de cada um possui potencial de crescimento.

E dentro deste entendimento, ela vai galgando os degraus desta escada para os céus. Na Kabbalah, os 4 Mundos formam o que no ocultismo chamamos de “Escada de Jacob”, descrita até mesmo em passagens da Bíblia. Esta “escada” simbólica traz um mapa da consciência do ser humano, do mais profano ao mais divino, que deve ser trabalhada dentro de cada um de nós até chegar à realização espiritual.

Aqui que os crentes e ateus escorregam. Eles acham que deuses são reais no sentido de “existirem no mundo físico” e ficam brigando sobre veracidade de imagens que apenas representam idéias para um aprimoramento interior.
When she gets there she knows,

If the stores are all closed,

With a word she can get what she came for.

E quando chega lá ela sabe,

Se as lojas estão fechadas,

Com uma palavra ela consegue o que veio buscar

Aqui é mencionado o “verbo”, ou a “palavra perdida” capaz de dar criação a qualquer coisa que o magista desejar. A Vontade (Thelema) do espírito do Iniciado é tão forte que “quando ela chegar lá ela sabe que se todas as possibilidades estiverem fechadas, ela poderá usar a palavra para criar o que precisar”. Este primeiro verso coloca que a dama está trilhando o caminho até a Iluminação e tem certeza daquilo que deseja, ou seja, conhece sua Verdadeira Vontade..
There’s a sign on the wall,

But she wants to be sure,

’cause you know sometimes words have two meanings.

Há um sinal na parede,

Mas ela quer ter certeza,

Pois você sabe, às vezes as palavras têm duplo sentido

Ainda trilhando este caminho, a dama precisa ser cautelosa. Porque todo símbolo possui vários significados. Todas as Ordens Iniciáticas trabalham e sempre trabalharam com símbolos: deuses, signos, alegorias e parábolas. Os Indianos chamam estes caminhos falsos de Maya (a Ilusão) e em todos os caminhos espirituais os iniciados são avisados sobre os desvios que podem levá-los para fora deste caminho (ou o “diabo” na Mitologia Cristã).
In a tree by the brook

There’s a song bird who sings,

Sometimes all of our thoughts are misgiven.

Em uma árvore à beira do riacho

Há uma ave que canta

Às vezes todos os nossos pensamentos são inquietantes

A Árvore a qual ele se refere é, obviamente, a Árvore da Vida da Kabbalah, ou Yggdrasil, na Mitologia Nórdica, a conexão entre todas as raízes do Inferno (Qliphoth) e as folhas nos galhos mais altos (Runas). Brook (Riacho) também é um termo usado no Tarot para designar o fluxo das Cartas em uma tirada, e o pássaro representa BA, ou a alma em passagem, considerada também o símbolo de Toth (que, por sua vez, é o lendário criador do Tarot, ou “Livro de Toth”, segundo Aleister Crowley) então a frase fica com dois sentidos: literal, que é uma árvore ao lado de um rio onde há um pássaro; e esotérico, que trata de Toth, deus dos ensinamentos (Hermes, Mercúrio, Exú, Loki…) aconselhando o iniciado enquanto ele trilha a subida simbólica pela Árvore da Vida.
There’s a feeling I get when I look to the west,

And my spirit is crying for leaving.

Há algo que sinto quando olho para o oeste

E o meu espírito clama para partir

O “Oeste” na Rosacruz, na Maçonaria e em várias outras Ordens Iniciáticas, representa a porta do Templo, os profanos ou a parte de Malkuth, o mundo material (enquanto o Oriente representa a luz, o nascer do sol). Ela não gosta do que vê e seu espírito quer trilhar um caminho diferente.
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees

And the voices of those who stand looking.

Em meus pensamentos tenho visto anéis de fumaça através das árvores

E as vozes daqueles que estão de pé nos observando

Os anéis de fumaça são o símbolo usado para representar os espíritos antigos, os ancestrais dentro do Shamanismo. Os grandes professores e os Mestres Invisíveis que auxiliam aqueles que estejam dentro das ordens iniciáticas
And it’s whispered that soon if we all call the tune

Then the piper will lead us to reason.

And a new day will dawn for those who stand long,

And the forests will echo with laughter.

E um sussurro nos avisa que cedo, se todos entoarmos a canção,

Então o flautista nos conduzirá à razão

E um novo dia irá nascer para aqueles que suportarem

E a floresta irá ecoar com gargalhadas

O “piper” é uma alusão ao flautista, ou Pan. O “Hino a Pã” é uma poesia de 1929 composta por Crowley (e traduzida para o português pelo magista Fernando Pessoa) que trata do Caminho de Ayin dentro da Árvore, que leva da Razão à Iluminação e é representada justamente pelo Arcano do Diabo no Tarot e pelo signo de Capricórnio, o simbólico Deus Chifrudo das florestas. As “florestas ecoando com gargalhadas” sugere que aqueles que estão observando (os Mestres Iniciados) estarão satisfeitos quando os estudantes e todo o resto do Planeta chegarem ao mesmo ponto onde eles estão e se juntarem a eles.
If there’s a bustle in your hedgerow,

Don’t be alarmed now,

It’s just a spring clean for the May Queen.

Se há um alvoroço em sua horta

Não fique assustada

É apenas a purificação da primavera para a Rainha de Maio

Esta parte não tem nada a ver com garotas chegando à puberdade. As mudanças referem-se à morte do Inverno e chegada da Primavera, que representa a superação das Ordálias e caminhada em direção à Verdadeira Vontade.
Yes there are two paths you can go by,

But in the long run

There’s still time to change the road you’re on.

Sim, há dois caminhos que você pode seguir

Mas na longa jornada

Há sempre tempo para se mudar de estrada

A lembrança de que sempre existem dois caminhos, e também uma referência ao Caminho de Zain (Espada, que conecta o Iniciado em Tiferet à Grande Mãe Binah, representada pelo Arcano dos Enamorados no Tarot). Separa a parte dos prazeres terrenos (chamados de “pecados” na cristandade ou de “Defeitos Capitais” na Alquimia) e o caminho da iluminação espiritual. A escolha é nossa e é feita a cada momento de nossa vida em tudo o que fazemos, e qualquer pessoa, a qualquer momento pode mudar de caminho (espero que do mais baixo para o mais elevado…)
And it makes me wonder.

Oh, e isso me faz pensar e me deixa maravilhado (uso duplo de “wonder”)

Robert Plant coloca várias vezes esta frase na música, em uma referência ao Arcano do louco (e o Caminho do Aleph na Kabbalah), como o sentimento de uma criança que se maravilha com tudo no mundo pela primeira vez (no catolicismo “Vinde a mim as criancinhas”, Mateus 18:1-6 sem trocadilho desta vez). Este é a sensação que um ocultista tem a cada descoberta de uma nova galáxia ou maravilha do universo, ou novas invenções da ciência e a descoberta de novos horizontes. No hinduísmo, esta sensação tem o nome de Sattva (em oposição a Rajas/atividade ou Tamas/ignorância).
Your head is humming and it won’t go,

In case you don’t know,

The Piper’s calling you to join him.

Sua cabeça lateja e isto não vai parar,

Caso você não saiba

O flautista lhe chama para que se junte a ele

Nesta altura da música, já fica claro que quem a escuta está sendo guiado pela Lady através da Árvore da Vida em direção à Iluminação. O aspirante a Iniciado está sendo conduzido pelo caminho pelo soar da música. Ou, em um caso mais concreto, o mesmo tipo de música que o Blog do Teoria da Conspiração toca para vocês…
Dear Lady can you hear the wind blow, and did you know,

Your stairway lies on the whispering wind.

Querida senhora, não pode ouvir o vento soprar? Você sabia

Que a sua escadaria repousa no vento sussurrante?

Esta frase tem duas analogias com símbolos muito parecidos, de duas culturas. O primeiro é a própria Yggdrasil, em cujas raízes fica um dragão (a Kundalini) e em cujo topo fica uma águia que bate suas asas resultando em uma suave brisa. A Águia representa o espírito iluminado (daí dela ser o símbolo escolhido pelos maçons americanos como símbolo dos EUA) e o vento é o elemento AR (Razão). Na Kabbalah, em um significado mais profundo, tanto os caminhos de Aleph (Louco/Ar) quanto de Beth (Mago/Mercúrio) que conduzem a Kether (Deus) são representados pelo elemento AR – O Led Zeppelin fala sobre águias em outras canções, igualmente cheias de simbolismo… algum dia eu falo sobre elas.
And as we wind on down the road,

Our shadows taller than our soul,

E enquanto seguimos soltos pela estrada

Nossas sombras se elevam mais alto que nossas almas

As Sombras, no ocultismo e especialmente nos textos do Crowley, são os defeitos ou aspectos negativos de nossa personalidade que mancham a pureza de nossa alma.
There walks a lady we all know,

Who shines white light and wants to show

How everything still turns to gold,

Lá caminha uma senhora que todos nós conhecemos

Que irradia uma luz branca, e quer nos mostrar

Como tudo ainda vira ouro

O terceiro Caminho até Kether é Gimmel, a sacerdotisa, o caminho iniciado em Yesod (Lua) que passa novamente pelos Grandes Mistérios. A analogia com o Ouro é óbvia. O processo alquímico na qual transformamos simbolicamente o chumbo do nosso ego no ouro da essência.
When all are one and one is all,

Unity.

To be a rock and not to roll.

Quando todos são um e um é todos,

Unidade

Ser como uma rocha e não rolar

Quando finalmente ultrapassamos o Abismo, chegamos a Binah, que representa a Ordem (“rock” em oposição ao Caos, que é o “roll”, em um genial jogo de palavras). Na Umbanda, o orixá representado ali é Xangô, senhor das “pedreiras” e da certeza das leis imutáveis do Universo. Representa a mente focada no caminho, sem deixar-se levar por qualquer evento ou adversidade.
And she’s buying a Stairway to Heaven.

E ela está comprando uma escadaria para o Paraíso

Novamente, a mensagem de esperança… a Dama do Lago está sempre ali, criando oportunidades para todos os buscadores no Caminho da Libertação.

***

análise e comentários por Marcelo Del Debbio

tradução dos versos em inglês por Rafael Arrais

#Arte #Música

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/stairway-to-heaven

Apocatástase: A salvação é obrigatória

Cada templo e religião alega saber quem está condenado ao inferno e quem vai para o céu. Na maioria das vezes a receita é muito simples, para o inferno vão todos aqueles que discordam de mim enquanto o céu é reservado para aqueles que dividem comigo as mesmas crenças. Muito diferente do que o próprio Jesus deixou que se registrasse em João 12;47-48; “Se alguém ouvir minhas palavras e não crer, eu não o julgo, pois, não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. Quem me rejeitar, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado essa o julgará no último dia.” Este conceito simples é a essencia no Novo Testamento, e ele se traduz na boa notícia que é: Sabe o que você precisa fazer para ser salvo e viver uma vida abundante, tanto aqui quanto ao lado de Deus? ABSOLUTAMENTE NADA!

Quase a totalidade das igrejas na ânsia de angariar membros e dinheiro para seus clubes sociais, acabaram esquecendo-se de anunciar de modo suficientemente claro o fato de que não existem pré-requisitos para ganhar a graça de Deus. Não há nada que você possa fazer porque Jesus já fez todo o trabalho sujo para você.

Você pode ser um assassino, o pior dos criminosos, pode ter batido na mãe e quebrado cada um dos dez mandamentos e ainda assim irá para o céu, alcançará o paraíso e a eternidade na glória e alegria de Deus. A Apocatástase é o nome dado a restauração final de todas as coisas em sua unidade absoluta com Deus. A apocatástase representa a redenção e salvação final de todos os seres, inclusive os que habitam o inferno. É, assim, um evento posterior ao próprio apocalipse.

A apocatástase sintetiza o poder do Logos ou Verbo encarnado, ou seja, o próprio Cristo como poder redentor e salvador que não conhece limite algum.

Você duvida? Então vejamos alguns fatos muito claros na Biblia:

A – SOMOS TODOS UNS MERDAS. Segundo a Biblia TODOS os homens são pecadores. Romanos 3:23 diz “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus.” Essa mensagem de que todas as pessoas são pecadoras é amplamente repetida nas Escrituras, tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Isso significa que você não é nada diferente de um estuprador e nada melhor do que é um pedófilo. Mas por favor, não entenda isso da maneira errada; isso não quer dizer que você não faz nada direito e que deveria estar apodrecendo em alguma cela nalgum lugar afastado, isso significa tão somente que ninguém no mundo, absolutamente NINGUÉM NO MUNDO, e isto inclui você, faz todo o bem que poderia fazer. Isso é um fato.

B – ESTAMOS NA MERDA. Já que somos todos imperfeitos não podemos nos salvar. Ninguém pode salvar a si mesmo, se você pensa o contrario além de ser um merda e estar na merda é burro! Jesus deixou esse fato bem claro em Mateus 5:48, quando disse: “Portanto, sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste.” Agora, se todos precisamos ser perfeitos aos olhos de Deus, como alguém poderá ir ao céu se a Bíblia declara diversas vezes que TODOS são pecadores? Quem em sã consciência se declara perfeito como Deus? A conseqüência disso é que não importa o quanto você reze, quanta caridade pratique, quantos rituais conheça ou quantas reuniões da sua igreja você assista. Aos olhos de Deus você continuará onde está agora. Talvez conheça mais gente e se ocupe nos fins de semana, mas continuará na mesma situação de imperfeição.

Basicamente os pontos A e B são um resumo do Antigo Testamento. Em outras palavras Deus nos deu uma infinidade de mandamentos que deveríamos seguir para sermos perfeitos a seus olhos, mas que ninguém consegue obedecer de fato. Mas se estamos na merda e somos uns merdas, quem poderá nos salvar? Como evitar o destino reservado para todos os pecadores? É ai que entra o segredo da Nova Aliança.

A Boa Notícia (e este é o significado literal da palavra “evangelho”) é que quando Jesus morreu na cruz ele pagou todos os nossos erros no nosso lugar. O evangelho é bem claro ao dizer que Jesus morreu como um sacrifício substituto pelos nossos pecados e que assim conquistou vida eterna no céu como um Dom Gratuito! (Romanos 5:8, Romanos 5:19, Timóteo 1:15, Timóteo 4:10, Lucas 2:11, Tito 3:3-7).

E ele fez isso por todos nós, este é o maior presente de Cristo para você. Você pode ser branco ou negro. Homem ou mulher. Judeu ou muçulmano. Isso vale para cristãos de qualquer uma das igrejas ou para criminosos de todas as espécies. Em Romanos 6:23 está escrito: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor.” E em João 4:42 lemos: “E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.”

O apóstolo Paulo escreveu a Timóteo: “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (ITim 2,4). TODOS SE SALVEM. Esta é a vontade de Deus. Deus não quer que apenas os membros fiéis desta ou daquela seita sejam redimidos. Ele quer todo mundo. E tudo o que Deus quer ele consegue. Negar este fato é negar sua onipotência e sua própria condição como Criador e Senhor do Universo.

A vida eterna é um dom gratuito de Deus, por meio do sacrifício de Jesus na cruz. Você não pode comprar a vida eterna, e com certeza mesmo que pudesse não a mereceria – já que você é um merda – mas Deus, sabendo disso, a oferece DE GRAÇA. Em Efésios 2:8-9, Paulo reitera este ensinamento que a vida eterna com Deus é um dom gratuito para todos: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se vanglorie.”

Este plano universal de salvação divide um espaço igualmente importante com os ensinamentos da ética revolucionária nos escritos dos apóstolos e é necessária uma boa dose de má-fe para negar os fatos. Em João 1:29 está escrito “‘Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado mundo!” Oras, em absolutamente todos os contextos a palavra “mundo” é usada para se referir a totalidade da existência, obviamente ‘mundo’ não significa apenas a palestina, os eleitos ou a igreja. Quando foi crucificado ele rasgou o veu do Templo, terminando assim com a distinção entre o Judaísmo e qualquer outra religião. Ao acabar com o Templo ele deixa claro que a salvação é para todos, em Romanos 5:10 está escrito: “Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida”. Mais para frente o apóstolo usa a mesma palavra ao escreve: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu filho Únigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Então alguém pergunta: E se eu não crer?

Em Marcos 16:16 essa preocupação se reafirma: “Quem crer e for batizado será salvo, quem não crer não será salvo.” Isso absolutamente não representa qualquer problema e em especial não deveria ser motivo de acusações entre os crentes de diferentes opiniões. Isso deixa apenas as pessoas com uma escolha em mãos, uma liberdade que por ser dada por Deus não pode ser retirada pelos caprichos desta ou daquela religião: você pode escolher receber esse dom gratuíto, que já lhe foi garantido, AGORA, pela fé ou pode esperar MORRER para recebê-lo. Ou seja, basta SABER DE FATO que já está salvo, isso não quer dizer ter fé no que igrejas e pastores e templos pregam, isto quer dizer já assumir que está salvo e ponto. Você não precisa de sinais, de confirmações de nada, Atos dos Apóstolos 16:31: “E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” e Romanos 8:24: “Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará?”

Se não fosse isso como o amor de Deus poderia coexistir com as milhares de pessoas que nasceram e morreram antes de cristo ou aquelas que nasceram em outras religiões ou regiões sem a notícia da salvação ainda em vida? Simples assim! Você é livre para fazer o que quiser e acreditar no que quiser, mas se confiar sua vida a Jesus Cristo desde já, tomará imediatamente consciência de que está de fato salvo e que portanto você não é mais um servo de Deus, você se tornou seu filho ou filha. E como filho de Deus será herdeiro legítimo para tomar posse de todas as benção que Deus lhe tem reservado.

Em Efésios 2:encontramos: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)”. Este é o poder da Fé. “Ora a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” – Hebreus 11:1. Agora surge o momento de falarmos de fé real, não a fé de plástico vendida em igrejas pela módica quantia de 10% do seu salário. Quando falamos em fé, não estamos falando do adesivo de para-choques “ora que melhora!”, estamos falando da fé de sermos redimos de quaisquer erro que tenhamos cometido ou que venhamos a cometer. Jesus nunca vendeu aspirinas para sanar nossas dores de cabeça, nem nunca nos vendeu um empréstimo com juros menores para pagarmos nosso carro ou quitarmos a dívida de nossa casa. Nós vivemos nossas vidas de acordo com nossos erros e acertos. Quando recebemos o dom do livre arbítrio com ele ganhamos a responsabilidade por nossos atos. O que fazemos com nossas vidas diz respeito a nós, tratar Jesus como um super-herói que nos salvará nos momentos de perigo ou Deus como um juiz de testes que iniciará a experiência sempre que der errado é um ainocência que beira a ignorância. A fé em Cristo não garante que passaremos no vestibular ou que encontraremos uma pessoa para passar o resto da vida ou mesmo que nossa empresa prosperará. A fé em Cristo não é uma certeza infundada de que na hora H nossos problemas serão resolvidos ou que alguém nos tirará da forca. Significa apenas que somos puros, limpos, que somos responsáveis por toda e qualquer coisa que façamos agora e que independente do que isso for, nós temos a graça de Deus: “Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira.” Romanos 5:9. Quem tem uma vida mesquinha tem preocupações mesquinhas. A Salvação é tudo, menos mesquinha.

A salvação de Deus através de Cristo nos ensina que podemos viver sem culpa. Pra que serve a culpa? Se sentir culpado é o mesmo que afirmar que Jesus não fez seu serviço direito, que sua morte foi meia boca: “apenas para o povo daquela época!” – Besteira, o dom de Deus é ETERNO, para todo o tempo e além do tempo.

Nenhum sacerdote, padre ou pastor poderá estar diante de Deus na eternidade e se vangloriar de ter “comprado” sua entrada no céu. Ao contrário, todas as pessoas no céu estarão ali somente porque Jesus obteve esse direito, com sua morte em nosso lugar na cruz. Em vez de punir os pecados individuais de cada pessoa, Deus acumulou esses pecados sobre Jesus (Isaías 53:2-12) quando ele estava sofrendo.

Por isso em João 3:17 o versículo se completa: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele”. E o mundo, meu amigo, inclui você – quer você queira ou não!

Tamosauskas


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Postagem original feita no https://mortesubita.net/jesus-freaks/apocatastase-a-salvacao-e-obrigatoria/