Referências Ocultistas em Promethea

O Alan Moore é um gênio. E Promethea é uma de suas obras primas, com referências muito mais complexas do que Watchmen ou mesmo a Liga Extraordinária.

Recentemente, comentei sobre uma sequencia de páginas de Promethea referentes a Daath e o pessoal me pediu para escrever sobre toda a série. Nesta série de posts, que começará no Sedentário e continuará no Teoria da Conspiração, tentarei comentar sobre as referências ocultistas que ele utilizou enquanto escrevia Promethea.

Não será um trabalho simples. Ao longo de 32 edições (que por si só já foi uma escolha pensada, visto que a Árvore da Vida possui 32 Paths (entre 10 Esferas e 22 Caminhos) que relacionam praticamente todos os Sistemas magísticos e filosóficos que existem.
A primeira HQ, “The Radiant Heavenly City”, traz na capa Promethea desenhada por ninguém menos do que Alex Ross, em um estilo egipcio, mas a própria capa já traz dentro de si algumas surpresas e referências:

O Nome “The Radiant Heavenly City” é uma referência bíblica; Apocalipse 22,14 “Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na Cidade Celestial pelas portas.”. A Cidade Celestial mencionada é o Paraíso que os crentes pensam que é de verdade e os ateus pensam que é de mentira mas, na realidade, é apenas simbólica para representar Kether, o Universo e a origem de todas as idéias. A Árvore da Vida é uma estrutura simbólica que representa todos os níveis de consciência humanos, de Malkuth (a pedra bruta) a Kether (o todo).

“Se Ela não existisse, nós teríamos de inventá-la” é uma referência ao maçon Voltaire, que disse “Se deus não existisse, nós teríamos de inventá-lo“.

E finalmente, o conjunto de imagens à direita de Promethea não são apenas desenhos aleatórios: são hieróglifos egipcios e símbolos esotéricos que contam uma história: O Sol (que acompanha Promethea durante sua jornada – o iniciado, iluminado); Ibis (que representa o Pai); O Por do Sol (que representa o fim de um período ou era); o Labirinto (que representa a jornada); O capacete (representando as muralhas de tróia, o conflito e a guerra); As águas e o olho (o despertar da consciência e a pesquisa – a protagonista entra na Jornada do Herói fazendo uma pesquisa a respeito de Promethea); os dois ankhs (herança – promethea é filha do sábio que morre no início da HQ), o escaravelho (renascimento de Promethea) e o Alef (o Começo)… em resumo para quem não leu: Alan Moore conta a história da primeira HQ em hieroglifos!

No Lado esquerdo, os hieroglifos representam as águas (consciência, emoções), a serpente e os dois lados da árvore da Vida (A via úmida e a via Seca dos alquimistas), a pena de Maat queimada (a incompletude), o abismo (a separação entre o reino material e o das idéias) a Lira e louros (representando a poesia e poetas), o Ankh (o domínio da árvore, a própria Promethea) e finalmente Hórus, filho do Sol. Novamente, para quem não leu, spoilers: Alan Moore explica que a idéia de Promethea e a escalada até a iluminação não pode ser destruída, permanecendo dormente até cruzar novamente o abismo através da poesia (ou textos).

O caduceu e as duas vias de subida na Árvore da Vida são representadas no bastão que Promethea segura. A palavra “Promethea” vem de Prometeus, o titã que roubou o fogo dos deuses para trazer aos mortais e, por causa, disso foi punido e condenado a permanecer acorrentado a uma rocha pela eternidade, com uma águia comendo seu fígado, que renascia a cada novo dia. Tal qual os símbolos, cujos significados atravessam o tempo e as culturas.

e acabamos a CAPA… faltam 32 paginas. Agora vocês têm uma idéia do porquê o Alan Moore é foda!

Alexandria 411 DC – Ano em que Santo Agostinho faz o discurso sobre “A imutabilidade de Deus é percebida através da mutabilidade de suas criações”. O mesmo tema de Promethea, já que estamos falando de idéias e formas mutáveis. Voce pode conferir este discurso no site do Vaticano. Obviamente a escolha da data não é uma coincidência.

O pai de Promethea está terminando traduções do egipcio para o grego (note as estátuas de Hermes e Toth sobre a mesa, representando o mesmo deus na cultura grega e egípcia) quando é abordado pelos fanáticos cristãos malucos. Ele possui o dom da profecia, não apenas avisando Promethea sobre seu reencontro (que só vai acontecer lá pela edição 19) mas também falando as frases dos cristãos antes deles próprios, demonstrando que já sabia seu destino e o aceitava (se ele previa o futuro, poderia ter fugido, mas não o fez, e estava sorrindo quando o mataram). Note as imagens do Sol nos cantos dos quadrinhos, desenhados como se estivesse pondo. A partir do começo da história, o Sol é retratado de uma forma moderna, mas DE OLHOS FECHADOS no presente, até o final do capítulo, quando o sol moderno abre os olhos ao renascimento de Promethea.

Na página 20-21, Promethea conversa pela primeira vez com Toth-Hermes. Ambos conversam com ela como se fossem uma única pessoa e explicam o que Moore chamou de Immateria, ou o que os cabalistas conhecem como Ruach, o Mundo das Idéias e Emoções. Ali, todas as histórias possuem vida e podem acessar nosso mundo de tempos em tempos. Carl Jung chamou este estado de consciência de Inconsciente Coletivo e Richard Dawkins chamou estas “idéias vivas” de Memeplexes.

Na página 22 é mostrado um Centauro como sendo o tutor de Promethea. Centauros são construções imagéticas que representam o signo de Sagitário. Sagitário, ou Fogo Mutável, é a essência espiritual/filosófica manifestada no estado mental; é o processo de síntese: de reunir várias teorias e configurá-las em uma tese, como uma espiral.
No arquétipo grego, este período de tempo no qual estas energias estavam mais manifestas coincidia com a fase próxima ao inverno, quando eram valorizados os caçadores e os cavalos (a caça era necessária para obter carne e peles para o inverno e o cavalo para percorrer estas distâncias), daí a fusão de cavalo + cavaleiro em uma única figura, que absorvia o arquétipo de acadêmico e se tornava Quíron, o professor de Herakles (o Sol, filho de Deus com uma humana, Jesus, o Iniciado).

Na última página, uma referência o Arcano do Mundo, do tarot. Moore coloca como símbolos dos quatro elementos o Escaravelho (Terra), os Louros (Fogo), o pássaro/Toth (Água) e o Homem/Hermes (Ar).
Esta representação iconográfica acaba confundindo um pouco os iniciantes, porque aparentemente o pássaro deveria representar o Ar, mas a razão para isso é astronômica. Quando os primeiros zodíacos foram criados na Babilônia, o posicionamento das constelações no céu era diferente do que está ai hoje e a que ocupava o correspondente às emoções era a Constelação de Aquila (daí a imagem da Águia Dourada estar associada à Coragem) e o Ar é a constelação de Aquadeiro (era representado por um homem carregando uma jarra de água, o que causa confusão nos esquisotéricos com o nome Aquário e a correlação com o elemento AR). Constelações e os Signos nunca tiveram nada a ver um com o outro, ao contrário do que a Veja e os leigos astrônomos afirmaram recentemente.

#AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/refer%C3%AAncias-ocultistas-em-promethea

A Sombra na vida cotidiana

CONNIE ZWEIG e JEREMIAH ABRAMS

Em 1886, mais de uma década antes de Freud sondar as profundezas da escuridão humana, Robert Louis Stevenson teve um sonho altamente revelador: um homem, perseguido por um crime, engolia um certo pó e passava por uma drástica mudança de caráter, tão drástica que ele se tornava irreconhecível. O amável e laborioso cientista Dr, Jekyll transformava-se no violento e implacável Mr. Hyde, cuja maldade ia assumindo proporções cada vez maiores à medida que o sonho se desenrolava.

Stevenson desenvolveu o sonho no seu famoso romance The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde [O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde]. Seu tema integrou-se de tal modo na cultura popular que pensamos nele quando ouvimos alguém dizer, “Eu não era eu mesmo”, ou “Ele parecia possuído por um demônio”, ou “Ela virou uma megera”. Como diz o analista junguiano John Sanford, quando uma história como essa nos toca tão a fundo e nos soa tão verdadeira, é porque ela contém uma qualidade arquetípica — ela fala a um ponto em nós que é universal.

Cada um de nós contém um Dr. Jekyll e um Mr. Hyde: uma persona agradável para o uso cotidiano e um eu oculto e noturna) que permanece amordaçado a maior parte do tempo. Emoções e comportamentos negativos — raiva, inveja, vergonha, falsidade, ressentimento, lascívia, cobiça, tendências suicidas e homicidas — ficam escondidos logo abaixo da superfície, mascarados pelo nosso eu mais apropriado às conveniências. Em seu conjunto, são conhecidos na psicologia como a sombra pessoal, que continua a ser um território indomado e inexplorado para a maioria de nós.

A apresentação da sombra

A sombra pessoal desenvolve-se naturalmente em todas as crianças. A medida que nos identificamos com as características ideais de personalidade (tais como polidez e generosidade) que são encorajadas pelo nosso ambiente, vamos formando aquilo que W. Brugh Joy chama o “eu das decisões de Ano Novo”. Ao mesmo tempo, vamos enterrando na sombra aquelas qualidades que não são adequadas à nossa autoimagem, como a rudeza e o egoísmo. O ego e a sombra, portanto, desenvolvem-se aos pares, criando-se mutuamente a partir da mesma experiência de vida.

Carl Jung viu em si mesmo a inseparabilidade do ego e da sombra, num sonho que descreve em sua autobiografia Memories, Dreams, Reflections [Memórias, Sonhos, Reflexões]: Era noite, em algum lugar desconhecido, e eu avançava com muita dificuldade contra uma forte tempestade. Havia um denso nevoeiro. Eu segurava e protegia com as mãos uma pequena luz que ameaçava extinguir-se a qualquer momento. Eu sentia que precisava mantê-la acesa, pois tudo dependia disso.

De súbito, tive a sensação de que estava sendo seguido. Olhei para trás e percebi uma gigantesca forma escura seguindo meus passos. Mas no mesmo instante tive consciência, apesar do meu terror, de que eu precisava atravessar a noite e o vento com a minha pequena luz, sem levar em conta perigo algum.

Ao acordar, percebi de imediato que havia sonhado com a minha própria sombra, projetada no nevoeiro pela pequena luz que eu carregava. Entendi que essa pequena luz era a minha consciência, a única luz que possuo. Embora infinitamente pequena e frágil em comparação com os poderes das trevas, ela ainda é uma luz, a minha única luz.

Muitas forças estão em jogo na formação da nossa sombra e, em última análise, determinam o que pode e o que não pode ser expresso. Pais, irmãos, professores, clérigos e amigos criam um ambiente complexo no qual aprendemos aquilo que representa comportamento gentil, conveniente e moral, e aquilo que é mesquinho, vergonhoso e pecaminoso.

A sombra age como um sistema imunológico psíquico, definindo o que é eu e o que é não-eu. Pessoas diferentes, em diferentes famílias e culturas, consideram de modos diversos aquilo que pertence ao ego e aquilo que pertence à sombra. Por exemplo, alguns permitem a expressão da raiva ou da agressividade; a maioria, não. Alguns permitem a sexualidade, a vulnerabilidade ou as emoções fortes; muitos, não. Alguns permitem a ambição financeira, a expressão artística ou o desenvolvimento intelectual; outros, não.

Todos os sentimentos e capacidades que são rejeitados pelo ego e na sombra contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana. No entanto, nem todos eles são aquilo que se considera traços negativos. De acordo com a analista junguiana Liliane FreyRohn, esse escuro tesouro inclui a nossa porção infantil, nossos apegos emocionais e sintomas neuróticos bem como nossos talentos e dons não-desenvolvidos. A sombra, diz ela, “mantém contato com as profundezas perdidas da alma, com a vida e a vitalidade — o superior, o universalmente humano, sim, mesmo o criativo podem ser percebidos ali”.

A rejeição da sombra

Não podemos olhar diretamente para esse domínio oculto, A sombra é, por natureza, difícil de ser apreendida. Ela é perigosa, desordenada e eternamente oculta, como se a luz da consciência pudesse roubar-lhe a vida.

O analista junguiano James Hillman, autor de diversas obras, diz: “O inconsciente não pode ser consciente; a Lua tem seu lado escuro, o Sol se põe e não pode iluminar o mundo todo ao mesmo tempo, e mesmo Deus tem duas mãos. A atenção e o foco exigem que algumas coisas fiquem fora do campo visual, permaneçam no escuro. Não se pode olhar em duas direções ao mesmo tempo.”

Por essa razão, em geral vemos a sombra indiretamente, nos traços e ações desagradáveis das outras pessoas, lá fora, onde é mais seguro observá-la. Quando reagimos de modo intenso a uma qualidade qualquer {preguiça, estupidez, sensualidade, espiritualidade, etc.) de uma pessoa ou grupo, e nos enchemos de grande aversão ou admiração — essa reação talvez seja a nossa sombra se revelando. Nós nos projetamos ao atribuir essa qualidade à outra pessoa, num esforço inconsciente de bani-la de nós mesmos, de evitar vê-la dentro de nós.

A analista junguiana Marie-Louise von Franz sugere que essa projeção é como disparar uma flecha mágica. Se o destinatário tem um “ponto fraco” onde receber a projeção, então ela se mantém, Se projetamos nossa raiva sobre um companheiro insatisfeito, ou nosso poder de sedução sobre um atraente estranho, ou nossos atributos espirituais sobre um guru, então atingimos o alvo e a projeção se mantém. Daí em diante, emissor e receptor estarão unidos numa misteriosa aliança, como apaixonar-se ou encontrar o herói (ou vilão) perfeito.

A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades nãodesenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra… até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.

O encontro com a sombra

Embora não possamos fitá-la diretamente, a sombra surge na vida diária. Por exemplo, nós a encontramos em tiradas humorísticas (tais como piadas sujas ou brincadeiras tolas) que expressam nossas emoções ocultas, inferiores ou temidas. Analisando de perto aquilo que achamos engraçado (como alguém escorregando numa casca de banana ou se referindo a uma parte “proibida” do corpo), descobrimos que nossa sombra está ativa. John Sanford diz que é possível que as pessoas destituídas de senso de humor tenham uma sombra muito reprimida.

A psicanalista inglesa Molly Tuby sugere seis outras maneiras pelas quais, mesmo sem saber, encontramos a nossa sombra no dia-a-dia:

  • Em geral, é a sombra que ri das piadas.
  • Nos nossos sentimentos exagerados em relação aos outros (“Eu simplesmente não acredito que ele tenha feito isso!”, “Não consigo entender como ela é capaz de usar uma roupa dessas!”)
  • Na opinião negativo que recebemos daqueles que nos servem de espelhos (“Já é a terceira vez que você chega tarde sem me avisar.”)
  • Nas interações em que continuamente exercemos o mesmo efeito perturbador sobre diversas pessoas diferentes (“Eu e o Sam achamos que você não está sendo honesto com a gente.”)
  • Nos nossos atos impulsivos e não-intencionais (“Puxa, desculpe, eu não quis dizer isso!”)
  • Nas situações em que somos humilhados (“Estou tão envergonhada com o jeito que ele me trata.”)
  • Na nossa raiva exagerada em relação aos erros alheios (“Ela simplesmente não consegue fazer seu trabalho em tempo!”, “Cara, mas ele perdeu totalmente o controle do peso!”)
  • Em momentos como esses, quando somos dominados por fortes sentimentos de vergonha ou de raiva, ou quando descobrimos que nosso comportamento é inaceitável, é a sombra que está irrompendo de um modo inesperado.

E em geral ela retrocede com igual velocidade; pois encontrar a sombra pode ser uma experiência assustadora e chocante para a nossa autoimagem, Por essa razão, podemos mudar rapidamente para a negação, deixando de prestar atenção a fantasias homicidas, a pensamentos suicidas ou a embaraçosos sentimentos de inveja, que revelariam um pouco da nossa própria escuridão. O falecido psiquiatra R. D. Laing descreve de modo poético o reflexo de negação da nossa mente: O alcance do que pensamos e fazemos é limitado pelo que deixamos de notar. E por deixarmos de notar que deixamos de notar pouco podemos fazer para mudar, até que notemos como o deixar de notar forma nossos pensamentos e ações.

Se a negação permanecer, então, como diz Laing, talvez nem sequer notemos que deixamos de notar. Por exemplo, é comum encontrarmos a sombra na meia-idade, quando nossas mais profundas necessidades e valores tendem a mudar de direção, talvez até fazendo um giro de 180 graus, Isso exige a quebra de velhos hábitos e o cultivo de talentos adormecidos. Se não pararmos para ouvir atentamente o chamado e continuarmos a nos mover na mesma direção anterior, permaneceremos inconscientes daquilo que a meia-idade tem a nos ensinar.

A depressão também pode representar uma confrontação paralisante com o lado escuro, um equivalente moderno da “noite escura da alma” do místico. Nossa exigência interior para que desçamos ao mundo subterrâneo pode ser suplantada por considerações de ordem externa (como a necessidade de trabalhar por longas horas), pela interferência dos outros ou por drogas antidepressivas que amortecem a nossa sensação de desespero. Nesse caso, deixamos de apreender o propósito da nossa melancolia.

Encontrar a sombra pede uma desaceleração do ritmo da vida, pede que ouçamos as indicações do nosso corpo e nos concedamos tempo para estar a sós, a fim de podermos digerir as mensagens misteriosas do mundo oculto.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/psico/a-sombra-na-vida-cotidiana/

As figuras da corte e suas associações elementais

Leonora Dias

Para entendermos melhor as figuras da corte, precisamos buscar nas raízes de sua significância, o número 4. A estrutura numérica dos chamados Arcanos Menores é totalmente baseada nesse número – são cinquenta e seis cartas, divididas em quatro grupos de catorze cartas – os naipes. Dessas catorze cartas, dez são numeradas e quatro são figuras da corte. Ao que se sabe, a estrutura quaternária dos naipes existe desde a origem das cartas – ao menos, quando cartas de jogar surgiram na Europa, no final do século 14, já seguiam um sistema de quatro naipes. Experiências com mais naipes e figuras da corte foram feitas, mas o que realmente perdurou foi o esquema de quádruplo. Não se sabe ao certo a razão da existência desse princípio, mas isso não é exatamente estranho, se considerarmos que o número 4 acompanha a humanidade desde tempos ancestrais.

Os Quatro Elementos (da esquerda para a direita: terra, água, ar e fogo
Tratato alquímico “Viridarium chymicum”, 1624, Francfort-sur-le-Main

Nossa consciência é quaternária. Nossos corpos, com dois braços e duas pernas, naturalmente sugerem o número quatro. Percebemos quatro direções básicas – frente, atrás, direita e esquerda; essa consciência espacial é reproduzida naturalmente em nossas construções – nossas casas têm quatro paredes. Também são quatro os pontos cardeais. A percepção da natureza como se modificando através de quatro estações também pode figurar entre outro fator quaternário que ficou gravado no pensamento humano desde seus primórdios, tendo suas origens na percepção dos solstícios, também em número de quatro. Além disso, a cruz figura entre os símbolos mais antigos desenhados em cavernas.
Os elementos primordiais tradicionais, que servem de base para a existência de todas as coisas no universo, são um grupo de quatro – Fogo, Água, Ar e Terra. No mundo ocidental, a tradição dos elementos surgiu na filosofia grega antiga e, consolidada por Aristóteles, permeou todo o pensamento científico do ocidente desde a Antiguidade até o século 17, marcado pelo início da Era Moderna, que introduziu uma concepção de mundo mais calcada no pensamento racional, ligado aos fatos e seus desdobramentos lógicos – concepção essa que permanece em voga até hoje.

O sistema de associações entre as cartas do Tarot e a tradição dos quatro elementos é um dos fundamentos do entendimento esotérico do Tarot. Nesse sentido, as Figuras da Corte são um caso à parte. Além de estar associada ao elemento de seu respectivo naipe, cada figura da corte relaciona-se também a um dos quatro elementos por meio de sua posição hierárquica. O cruzamento entre esses dois fatores abre uma ampla dimensão de significado para as cartas da corte. Esse esquema de associações elementais, junto com as associações das figuras da corte com a Astrologia e com elementos cabalísticos, formam a tríade dos principais elementos na atribuição de significado a essas cartas. Sendo assim, entender esse esquema de associações elementais é entender melhor as próprias figuras da corte no contexto do Tarot.
Cada naipe é associado a um dos quatro elementos, que determina o tema tratado no naipe. As associações elementais de cada naipe e os temas tratados em cada um podem ser sumariamente esquematizados na tabela abaixo:

Naipe
Elemento
Tema
Paus
Fogo
  Movimento, ação, as lutas (e conflitos) da vida, realização pessoal
Copas
Água
  Emoções, relacionamentos, sonhos
Espadas
Ar
  Lições de vida, valores, aprendizado, compreensão da vida,
(daí) conflitos, sofrimento, dificuldades
Ouros
Terra
  Assuntos materiais, o vai-e-vem do dinheiro, os resultados da
nossa energia aplicada

As cartas que compõem o naipe falam do desenvolvimento da experiência no tal tema. Começando com o ás, que é a energia do elemento em seu estado bruto, vamos subindo até o dez, passando por diversas situações que representam um aspecto específico da experiência com o tema em questão, de forma progressiva. Sucedendo a ordem das cartas numeradas, as cartas das figuras da corte representam um estágio a mais no desenvolvimento da experiência no tema – o desenvolvimento da relação com a energia elemental no âmbito do indivíduo. Em outras palavras, as figuras da corte são personificações sucessivas de cada elemento, desde seu estado embrionário ou infantil em nós (os Pajens) até seu estado maduro e completamente desenvolto (os Reis/Rainhas). Enquanto as cartas numeradas representam a ação das forças elementais em nossas vidas, as figuras da corte representam a manifestação de tais energias em nós. É só pensar nas cartas numeradas como as situações do enredo de uma estória, e as figuras da corte como os personagens. Cada figura da corte é, portanto, um estágio de desenvolvimento da relação com a energia elemental no campo pessoal. Tal desenvolvimento é representado na progressão das quatro posições hierárquicas dentro do sistema da corte:
• os Pajens representam essa energia manifestando-se na personalidade em seu estado primário, pouco desenvolvido e bruto. Eles são as bases do naipe;
• os Cavaleiros personificam a energia do naipe se desenvolvendo a pleno vapor, com toda sua força. Representam a intensidade da energia do naipe crescendo;
• as Rainhas representam essa energia já desenvolvida, de forma madura e profunda. São a energia do naipe amadurecida;
• os Reis também representam o completo desenvolvimento dessa energia. Eles são os reis do naipe, o estágio mais alto que eles podem alcançar em seu desenvolvimento.
Até agora, descobrimos então que:
1. cada naipe, relacionado a um dos quatro elementos, trata sobre as experiências em um determinado tema da vida;
2. enquanto as cartas numeradas falam de situações nas quais a energia desses elementos se manifesta, as figuras da corte representam a manifestação dessa energia no indivíduo;
3. tanto no caso das cartas numeradas quanto no caso das figuras, a ordem numérica imprime um senso de progressão na experiência com as energias elementais, que vai da inexperiência à experiência.
O ocultista inglês MacGregor Mathers, em seu livro Book T, escrito no final do século 19, baseou-se na Qabalah, astrologia e geomancia para traçar os paralelos entre os elementos e as figuras da corte. Seu sistema vigora até hoje, servindo de base para a maior parte de novos esquemas de associação. Um dos traços mais marcantes do sistema de Mathers foram as mudanças feitas por ele na hierarquia da corte do Tarot. Acreditando estar fazendo uma retificação, Mathers modificou os nomes e importância das posições, trocando os títulos tradicionais de Rei, Rainha, Cavaleiro e Pajem por Rei, Rainha, Príncipe e Princesa. Sua modificação mais discutida foi a alteração da importância de certas figuras na dinâmica da corte – Mathers colocou o Cavaleiro no posto mais alto, e rebaixou o Rei à posição de príncipe. Os motivos para tais mudanças baseiam-se no que supôs como uma melhor associação do Tarot com a Qabalah.
Mathers foi um dos fundadores da Ordem Hermética da Golden Dawn. Os criadores dos dois baralhos de Tarot mais famosos da modernidade foram membros dessa Ordem – Aleister Crowley, que junto com Lady Frieda Harris criou o baralho de Thoth, entre 1938 e 1943; e Arthur Waite e Pamela Smith, criadores do baralho Waite-Smith, lançado em 1909. Ambos os baralhos exibem claramente influências do sistema esotérico e mágico da Golden Dawn em vários pontos, sendo um deles a associação elemental das Figuras da Corte. Dada a sua popularização através dos dois baralhos acima mencionados, o sistema desenvolvido pela Golden Dawn é hoje o mais aceito e reproduzido. Abaixo, a título de informação, uma tabela com as variações das figuras da corte, de acordo com os Mathers, Crowley e Waite:

Mathers
Crowley
Waite
    Rei (antigo Cavaleiro)
    Cavaleiro
    Rei
    Rainha
    Rainha
    Rainha
    Príncipe (antigo Rei)
    Príncipe (antigo Rei)
    Cavaleiro
    Princesa (antigo Pajem)
    Princesa (antigo Pajem)
    Pajem

Percebemos pela tabela que, enquanto Crowley adotou mais inteiramente o sistema de Mathers nas figuras da corte, Waite preferiu manter-se fiel à estrutura tradicional de Rei-Rainha-Cavaleiro-Pajem. O esquema tradicional faz mais sentido para mim, talvez por eu usar o Waite-Smith e estar habituado a esse esquema de hierarquia. Portanto, é dele que vamos tratar aqui. Contudo, é importante mencionar que não há um sistema certo e absoluto; tais associações foram feitas de acordo com a forma de pensar de cada ocultista, fazendo sentido no contexto do sistema de pensamento dele. Cabe a cada estudante escolher o sistema com o qual se sentir mais confortável, o que fizer mais sentido para ele.
Isto posto, agora temos as bases para estabelecer as associações elementais a cada posição hierárquica da corte.
As associações elementais e as quatro funções da psique
Usando a imagem da ascensão social, o caminho progressivo do Pajem ao Rei ilustra o desenvolvimento da energia elemental dentro de nós. Da manifestação primária dos Pajens ao completo desenvolvimento dos Reis, cada figura da corte representa um dos quatro estágios de manifestação dessas qualidades. A ideia esotérica por trás disso é a de que a manifestação do espiritual ao material é quaternária, e cada estágio subdivide-se em quatro estados, num total de dezesseis. Entendendo que a manifestação ocorre do mais sutil ao mais bruto, a ascensão ou retorno ao espírito faz logicamente o caminho inverso, do mais bruto ao mais sutil, onde está o Uno, a fonte primordial de tudo. De acordo com o pensamento místico, esse conceito serve como molde para o desenvolvimento de qualquer coisa existente, incluindo as pessoas e as coisas que elas produzem, os acontecimentos, a natureza e o cosmos. Vale lembrar que nenhum estágio é mais importante ou sagrado que o outro. Cada um tem sua própria importância e seu papel, fundamentais no processo de manifestação/ascensão.
Uma maneira de abordar a relação das figuras da corte com os quatro elementos é através da teoria das funções do ego, desenvolvida na primeira metade do século 20 pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. Segundo Jung, o ego tem quatro funções, quatro formas fundamentais diferentes de perceber e interpretar a realidade e de lidar com o mundo; são elas Sensação, Intuição, Sentimento e Pensamento. Esse grupo de quatro funções consiste em dois pares de elementos opostos. De um lado temos o par Sensação-Intuição, que Jung chamou de funções irracionais, caracterizando-se pela percepção e simples resposta a estímulos . Do outro, temos o par Sentimento-Pensamento. Jung chamou as duas funções que compõem esse segundo par de racionais, pois ambas envolvem o ato de tomar decisões ou fazer julgamentos, mais do que simplesmente receber estímulos.
A função da Sensação consiste na recepção de informação por meio dos sentidos físicos. A função da Intuição define-se por uma percepção que funciona fora do processo consciente comum, consistindo numa complexa integração de grandes quantidades de informação, mais do que simplesmente ver ou ouvir. Ambas são irracionais, no sentido de que não envolvem julgamento. A Sensação é uma percepção mais voltada para o exterior, enquanto que a Intuição é uma percepção de estímulos psíquicos, interiores.
No segundo par, ambas as funções Sentimento e Pensamento são formas de avaliar a informação recebida, ou seja, dar a ela um valor, atribuir-lhe um sentido. Sentimento é a capacidade de fazer julgamentos baseando-se nas respostas emocionais, seguindo valores de bom/mau, agradável/desagradável. A função do Pensamento distingue-se de sua função oposta por basear-se na lógica e na razão para avaliar informações. Enquanto Emoção é voltada para dentro, ou seja, para a realidade interior dos sentimentos, Pensamento volta-se para o exterior, isto é, para as evidências e os fatos do mundo objetivo.
O próprio Jung baseou-se nas tradições antigas dos quatro elementos, através da teoria dos quatro humores de Hipócrates, para formular seu esquema de quatro funções psíquicas. Hipócrates, por sua vez, baseou-se na teoria dos quatro elementos de Empédocles, onipresente no pensamento filosófico grego antigo desde 600 a.C.

Os Pajens

Elemento
Função Psíquica
Fase de desenvolvimento humano
Terra
Sensação
Infância

O Pajem é o estágio inicial do desenvolvimento. Nele, a energia do naipe está em seu estado bruto, não desenvolvido e primário. Como crianças, relacionam-se com o mundo de maneira bem simples e direta. Ligado ao elemento Terra, o Pajem no Tarot mostra que tudo começa no chão, e a ele está incondicionalmente ligado.

A figura do Pajem representa o aprendiz. Na Idade Média, o pajem era o servo de um cavaleiro, um aprendiz a escudeiro. Após sete anos servindo o cavaleiro, o pajem tornava-se um escudeiro que, depois de mais sete anos, poderia vir a ser ele mesmo um cavaleiro. O pajem executava as funções mais básicas, como cuidar da organização e limpeza dos aparatos de seu cavaleiro, ou levar e trazer mensagens. Simbolicamente, o pajem do Tarot representa o estágio mais básico do desenvolvimento no naipe. Ele é a experiência direta com o naipe, sem abstrações ou sofisticações. Sendo uma criança, o Pajem é neutro – pode ser tanto masculino quanto feminino.
O elemento Terra é o plano material, o mundo objetivo ao nosso redor, e o nosso próprio corpo. No ser humano, a experiência mais primária é a relação com nosso próprio corpo, que percebe o mundo que nos circunda através dos estímulos de nossos sentidos. Relacionados ao elemento terra, os Pajens representam essa experiência sensória, táctil, básica a todo ser humano. Eles estão em contato direto com a energia do elemento ao qual pertencem, sem abstração nenhuma. Psicologicamente, a figura do Pajem equivale à função da sensação, que se caracteriza pela consciência dos estímulos físicos.
As características dos pajens incluem:
• Curiosidade
• Criatividade
• Dedicação
• Inocência
• Sensitividade (no sentido de fisicalidade)
• Inexperiência
• Certa arrogância inocente
• Visão limitada

Os Cavaleiros

Elemento
Função Psíquica
Fase de desenvolvimento humano
Fogo
Intuição
Juventude

O Cavaleiro é um impulso de energia; retrata o estágio de ascensão da intensidade da energia do naipe. Nele, a energia está subindo, ficando cada vez mais intensa. Os Cavaleiros são cheios de si. Enquanto os pajens são dedicados, quase despersonalizados (tal como as

crianças, os pajens, estão ainda desenvolvendo sua personalidade), os cavaleiros são personalidades desenvoltas; eles sabem quem são, e sabem o que querem – ou melhor dizendo, pensam que sabem. Relacionados ao elemento Fogo, os cavaleiros são o impulso da vida, que brota da terra em direção ao céu.
Na Idade Média, os cavaleiros eram os representantes da classe militar. Assim, a figura do cavaleiro é naturalmente associada à guerra, à missão, à luta por um ideal, uma crença (típicos do elemento Fogo). No Tarot, os cavaleiros tipicamente agem por impulso, seguindo seu coração e perseguindo os ideais onde depositam sua fé. No contexto evolutivo ilustrado na corte, a figura do cavaleiro representa o impulso criador fecundo, o ímpeto rumo ao progresso. Se os pajens são associados à infância, os cavaleiros estão ligados à juventude. Assim como os jovens, os cavaleiros são cheios de energia e disposição para negar, questionar e contestar tudo, preferindo sempre seguir seu próprio caminho.
O elemento Fogo corresponde à força criativa. Ele é a vida, o espírito que preenche a estrutura física formada pelo elemento Terra. Sem a vida do Fogo, toda a estrutura do elemento Terra torna-se um mero objeto inanimado. Psicologicamente, esse impulso vital traduz-se pela intuição, a função psíquica que se caracteriza pela
manifestação de uma experiência espontaneamente trazida à consciência, em vez de provir de atividade mental (ou seja, pensamentos e emoções), ou de estímulos físicos (sensações). Trata-se de um sentimento instintivo, a fonte da inspiração, criatividade e ideias espontâneas. Psicologicamente, os cavaleiros também se relacionam à vontade. As características dos cavaleiros incluem:
• Ação
• Coragem
• Idealismo
• Impulsividade
• Iniciativa
• Paixão
• Entusiasmo
• Egocentrismo
• Imaturidade
• Teimosia

O Casal Monárquico

Existe uma tênue divisão na corte do Tarot entre o casal monárquico (o Rei e a Rainha) e os par de servos, o Cavaleiro e seu Pajem. Enquanto entre o Pajem e o Cavaleiro existe um movimento de ascensão perceptível (a diferença entre eles é comparável à diferença entre um aluno do ensino fundamental e um estudante universitário), as figuras do casal monárquico são mais estáticas e semelhantes. Nelas, o processo de desenvolvimento não é tão evidente como entre o Pajem e o Cavaleiro. A diferença está no fato de que o Rei e a Rainha são como as duas faces de uma mesma moeda. Seu poder é similar – o que distingue um do outro é o foco onde tal poder exerce sua força. Os Reis focam-se no mundo exterior, além das fronteiras de seu reino; as Rainhas concentram sua atenção ao mundo interior, dentro das fronteiras de seu reino.
Psicologicamente, poderíamos dizer que o Rei e a Rainha são os dois aspectos de uma mesma entidade, que personifica a maturidade da manifestação do elemento na personalidade, em seus aspectos ativo e passivo, yang e yin. O poder real das duas figuras do casal monárquico pode servir como metáfora para o domínio que uma pessoa completamente amadurecida tem sobre sua vida e a influência que exerce sobre os outros ao seu redor.
Na teoria jungiana das funções do ego, o grupo de quatro funções divide-se em dois pares; o par sensação-intuição caracteriza-se pela percepção de experiências irracionais, enquanto o segundo par, pensamento-sentimento se destaca por experiências racionais. A exemplo das funções psíquicas, o primeiro par de figuras da corte, Cavaleiro e Pajem, exibe formas mais imediatas de perceber a realidade; já o segundo par, Rei e Rainha, caracteriza-se pela abstração do julgamento.
O casal monárquico faz as decisões, enquanto os dois subalternos cuidam de executá-la. A exemplo do Rei e a Rainha, o par de subalternos também exibe a dicotomia de ativo/passivo, exterior/interior. O Cavaleiro é mais voltado ao mundo exterior ao reino, enquanto o Pajem ocupa-se principalmente das tarefas domésticas e cotidianas.

As Rainhas

Elemento
Função Psíquica
Fase de desenvolvimento humano
Água
Emoção
Idade adulta/maturidade

A Rainha representa o completo desenvolvimento do naipe, voltado para o interior. É o entendimento de si mesmo. E, através da compreensão de si mesma, ela é capaz de compreender o outro. O estágio da Rainha é um contraponto ao estágio anterior do Cavaleiro.
Ela representa o processo de internalização da energia do naipe, a transcendência da individualidade, e a percepção do outro. Enquanto o Cavaleiro está preocupado em se auto-afirmar, seguir seu próprio caminho e ser dono da sua própria vida (ou seja, sua individualidade), a Rainha já tem sua posição conquistada, e já tem sua identidade completamente estabelecida.

A rainha encarna a figura da matrona, da mãe, do feminino superior e autoritário. As Rainhas têm a mesma energia da Imperatriz, a carta 3, porém manifestada em um nível mais humano e imediato. De fato, é como se cada Rainha fosse um aspecto da Imperatriz.
O elemento Água é o responsável pela união, pela associação. A água serve de meio para a combinação de diversos elementos para o surgimento de algo novo. Ela é responsável pela manutenção da vida. Esse é o motivo devido ao qual o naipe de Copas se associa ao elemento Água – através de sua propriedade fluida, a Água aproxima e une as pessoas pelo que elas têm em comum, suas emoções. Por pertencerem a esse elemento, as Rainhas são sensíveis e conciliadoras.
Elas enxergam as pessoas por dentro, conhecem e compreendem suas necessidades. Empédocles, o primeiro filósofo grego a propor a ideia de quatro elementos primordiais, já associava o elemento Água a Perséfone, a Rainha dos mundos inferiores, o mundo dos mortos. Nesse sentido, note-se a relação de Perséfone com a Sacerdotisa da carta 2 dos arcanos maiores. Por trás da Sacerdotisa, no tarô de Waite,
há uma cortina estampada de romãs. Após ser raptada por Hades, o Rei dos mundos inferiores, Perséfone não pôde mais voltar por ter comido algumas sementes de romã. Através desse paralelo, a Sacerdotisa do Tarot pode ser também uma alusão a Perséfone, a Rainha dos mundos inferiores – do inconsciente, por assim dizer.
Psicologicamente, o elemento Água equivale à função psíquica da emoção. As características das Rainhas incluem:
• Autoridade
• Sensibilidade
• Percepção
• Sentimentalidade
• Conhecimento
• Receptividade
• Experiência
• Auto-segurança
• Possessividade
• Controle excessivo
• Mutabilidade

Os Reis

Elemento
Função Psíquica
Fase de desenvolvimento humano
Ar
Pensamentoo
Idade adulta/maturidade

O Rei representa o estágio de máximo desenvolvimento do naipe, voltado para o exterior e para a ação. Esse é o estágio do domínio, do poder total sobre as forças do naipe. Imagine cada naipe como um reino, então entenderá melhor o papel do Rei. Ele é a autoridade em seu campo.


Enquanto as figuras do Pajem e do Cavaleiro estão mais vinculadas a um momento específico da história, as figuras de rei e rainha estão presentes em todas as culturas, de todas as épocas. De certa forma a figura do rei era um reflexo maior da figura do pai em sua sociedade; assim como o pai era o chefe da família, o rei era chefe do povo. O papel do rei é comandar, e isso significa estabelecer as leis e dizer o que deve ser feito, e quando. Frequentemente, o rei detinha o papel de juiz máximo de seu povo, sendo responsável por definir o que era certo e o que era errado. O Rei é capaz de julgar e avaliar o exato valor de cada coisa, porque ele tem a experiência necessária para fazer um julgamento acertado, e a autoridade para ter sua palavra seguida.
Assim como as Rainhas dos naipes estão relacionadas à Imperatriz do Tarot, cada Rei representa a manifestação da energia do Imperador no nível humano e tangível. A diferença é que, enquanto o poder do Imperador é absoluto, a autoridade de cada Rei se delimita ao seu campo, ou seja, ao naipe ao qual ele pertence.
A figura do Rei é associada ao elemento Ar. Empédocles associou o elemento Ar a Zeus, o Rei dos deuses. Psicologicamente, o elemento Ar traduz-se pelo intelecto – a capacidade de combinar informações e criar abstrações a partir disso.
O aspecto intelectual do Ar está relacionado ao papel do Rei como juiz. A palavra “pensar tem origens em comum com a palavra “pesar” – ambas vêm do latim pendere, significando “pesar”.
A função psíquica associada ao elemento Ar é o pensamento, a capacidade de emitir julgamentos e tomar decisões através do raciocínio. O raciocínio, por sua vez, consiste na habilidade de alcançar a verdade através de um processo de comparações e abstrações dos fatores existentes em uma certa questão. As principais características dos Reis são:
• Autoridade
• Poder
• Liderança
• Domínio
• Julgamento
• Razão
• Discernimento
• Experiência

Cruzamentos dos elementos e seus significados

O Tarot é um jogo, um conjunto de elementos que seguem regras e têm cada qual sua função definida. Uma das “regras” do jogo do Tarot é a doutrina dos quatro elementos. Tal doutrina funciona como um denominador comum entre a quadruplicidade dos naipes e a quadruplicidade das figuras da corte. Observando a dinâmica dos quatro elementos através das cartas, podemos identificar o lugar delas no jogo do Tarot, ou seja, seu papel.
A coisa mais importante que deve ser entendida sobre esse processo de atribuição de significado é que ele acontece do geral ao específico, isto é, do âmbito simbólico do naipe ao âmbito simbólico de cada posição hierárquica. Cada figura da corte é um dos quatro aspectos de seu elemento e, como tal, incorpora um papel único entre as dezesseis figuras. Assim, todas as quatro figuras do naipe de Copas, por exemplo, pertencem ao elemento Água – são do “reino da Água”, por assim dizer; o que difere uma das outras é a associação elemental específica de sua função/posição. Todos os Pajens são de Terra, todos os Cavaleiros são de Fogo, todas as Rainhas são de Água e todos os Reis são de Ar. O Rei de Copas seria então “Ar de Água”, ou seja, a “parte ar” do elemento Água. Algumas pessoas preferem usar a fórmula “elemento do naipe + comportando-se como + elemento da posição, ou seja, “Água comportando-se como Ar”, no exemplo citado anteriormente.
Abaixo, uma tabela listando as associações para cada figura da corte:

Ouros/Terra
Paus/Fogo
Copas/Água
Espadas/Ar
Pajem/Terra
Terra de Terra
Terra de Fogo
Terra de Água
Terra de Ar
Cavaleiro/Fogo
Fogo de Terra
Fogo de Fogo
Fogo de Água
Fogo de Ar
Rainha/Água
Água de Terra
Água de Fogo
Água de Água
Água de Ar
Rei/Ar
Ar de Terra
Ar de Fogo
Ar de Água
Ar de Ar

Isto tudo pode ser confuso no começo, mas fica fácil à medida que percebemos o sentido das denominações dos elementos. Os quatro elementos da tradição ocidental são na verdade símbolos-raiz. Quando dizemos Fogo, não nos referimos apenas ao fogo que queima na lareira; no sentido esotérico, o elemento Fogo diz respeito a todo um complexo de conceitos, que, por convenção e economia, resumem-se na palavra-símbolo “Fogo”, do qual o fogo da lareira é a manifestação física.
Quando percebemos que, no lugar dos nomes dos elementos, podemos colocar outras palavras pertencentes a uma mesma categoria, as coisas começam a ficar mais fáceis. Por exemplo, em vez de dizermos que o Pajem de Copas é “Terra de Água” ou “Água comportando-se como Terra”, podemos dizer que ele é Emoção em Desenvolvimento. O elemento Terra nos Pajens traduz-se por um estado receptivo de desenvolvimento primário e inicial; o naipe de Copas caracteriza-se pela temática emocional. No Pajem de Copas temos a manifestação da emoção, do sentimento, de forma primária, direta, bruta e espontânea. É isso que faz de tal Pajem um personagem sonhador, delicado, sensível, doce, brincalhão, romântico e inocente; o contato direto que ele tem com suas emoções o faz vivenciá-las em sua forma pura. É isso também que faz o Pajem de Copas simbolizar o início de um sentimento ou sonho, ou a inspiração, ou uma afeição desapegada e espontânea. Através das chaves de dois elementos combinadas, podemos extrair uma infinidade de associações de significado. Esse sistema foi desenvolvido do final do século 19 ao começo do século 20, e perdura até hoje como uma base para a avaliação das figuras da corte.

Uma representação de conjunto dos quatro elementos
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O diagrama acima resume, em forma de imagem, os princípios que acabei de expor. No lado esquerdo temos o diagrama dos elementos, contendo em si seus aspectos quaternários; no lado direito vemos, como exemplo, o elemento Ar em destaque e, ressaltando dele, o seu aspecto Fogo – em outras palavras, Fogo de Ar, a configuração elemental correspondente ao Cavaleiro de Espadas.
Tipos de combinações
A forma que os elementos se combinam determina traços da personalidade que emerge de tal combinação. As regras das combinações são as mesmas usadas no método de Elemental Dignities
Combinações entre elementos opostos (Água + Fogo e Ar +Terra), caracterizam-se por um conflito entre o elemento geral (do naipe) e o elemento especifico (da posição hierárquica). Isso resulta em uma personalidade ambivalente e conflitante, altamente mutável e imprevisível.
Combinações entre elementos amigáveis (Fogo + Ar, Água + Terra) resultam em uma personalidade poderosa, que se destaca no naipe ao qual pertencem.
Combinações entre elementos complementares (Água + Ar, Fogo + Terra) são equilibradas, flexíveis e adaptáveis.
As personificações puras
Observando o diagrama dos elementos, abaixo, percebemos que, em cada ponta do quadrado, a parte do elemento permanece a mesma.

Esquema representativo da força específica de cada elemento
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Na tabela das associações, tais combinações estão em negrito. Esses são os aspectos puros de cada elemento, nos quais o estado de manifestação que ele representa e um dos seus próprios estados de manifestação coincidem. São o lado do elemento que permanece inalterado e puro. No Tarot, as figuras da corte relacionadas a esses aspectos personificam cada um dos quatro elementos de forma integral. Sua presença numa leitura indica – a) que a energia bruta dos ases está se manifestando no próprio consulente ou; b) que existe alguém, ou um acontecimento onde ele entrou em contato com essa energia. Tais cartas assemelham-se aos quatro ases, com a diferença de que elas não são impessoais como os ases; elas são os próprios elementos em forma de entidades.
Finalização: por que estudar tudo isso?
Quem chegou até aqui, depois de ler o texto todo, pode estar perguntando-se qual a utilidade de tanta complexidade. E a resposta é bem simples – esses sistemas são o paradigma fundamental na atribuição de significado às cartas. É neles que se baseiam os significados que geralmente lemos nos livros. Mesmo as definições populares, em última instância, têm como referência esses paradigmas. Mas isso é definitivo? É mesmo necessário estudar essas coisas para entender melhor as cartas? Bem, depende.
Ao contrário do que muita gente pode imaginar, o Tarot não surgiu como um sistema divinatório. De acordo com a grande maioria das evidências de que dispomos hoje, seu uso original foi em jogos de cartas comuns. Registros de um uso divinatório/oracular das cartas datam de cerca de 300 anos após o seu surgimento. Até que, no final do século 18, as cartas do Tarot começaram a chamar a atenção de ocultistas Europeus mais influentes, que não demoraram a incluí-lo em seu sistema esotérico. Foi a chamada redescoberta do Tarot – ou invenção, de acordo com o seu ponto de vista. Os primeiros a olharem o Tarot como portador de um conhecimento secreto encararam-no como um sistema simbólico universal. Na crença de estarem descobrindo sua grandiosidade, tais estudiosos acabaram por inventar um novo Tarot, em muitos aspectos. Esse sistema serviu de base para os voos mais altos que fazemos hoje em dia, como associar o Tarot à psicologia jungiana, por exemplo.
Qualquer pessoa que estuda o Tarot entra em contato com um conhecimento que foi estabelecido, a princípio, por essas pessoas. Independentemente do uso que fazemos das cartas, maior ou menor que seja nosso embasamento teórico, todos nós incorporamos, conscientes disso ou não, elementos das doutrinas desses estudiosos no nosso processo de entender e extrair significado das cartas. Pessoas como Court de Gébelin, Eliphas Lévi ou MacGregor Mathers são os responsáveis pela associação das cartas com a Astrologia, a Qabalah e a Tradição dos Quatro Elementos, as três doutrinas mais fortemente associadas ao Tarot. Tal união foi tão forte que o sistema imagético de versões novas do Tarot passou a ser produzido de acordo com esses novos parâmetros de significado. Não há, portanto como negar a importância de tais figuras na conceitualização e uso modernos do Tarot. Exceto no caso de usar um baralho anterior as inovações introduzidas por essas pessoas, alguém que deseja ter uma relação mais próxima com seu baralho de trabalho, bem como uma compreensão mais profunda dos símbolos contidos nele, certamente conseguirá isso melhor buscando a informação de onde ela veio, ou seja, na produção literária dessas pessoas.
Isso nos leva à seguinte conclusão – as associações das cartas com Astrologia, Qabalah ou elementos são um sistema artificial, mais inventado do que descoberto, ou percebido. Apesar do fato de a Astrologia e a doutrina dos quatro elementos terem feito parte do corpo de pensamento filosófico na época da criação do Tarot, não há hoje evidências apontando para uma profunda associação delas com as cartas que não seja anterior ao século 18. Isso quer dizer que os significados dados às cartas são sim relativos e particulares, o que significa basicamente que eles fazem total sentido quando inseridos em um sistema maior, que lhes dá a referência.
Mas, é possível não se basear nessas tradições para compor o corpo de significados das cartas? Sim, claro. Temos hoje uma infinidade de baralhos disponíveis, que se baseiam mais ou menos nos sistemas tradicionais – isso quando há algum embasamento tradicional sequer. Novos artistas, novos teóricos – e novos tarólogos – têm abordado as cartas por outros viés, contribuindo para uma nova concepção do Tarot – uma nova invenção do Tarot, por assim dizer. E eu acredito que a validade dessas novas teorias e visões não é algo que possa ser decidido objetivamente, cabendo a cada um que estuda as cartas decidir se elas cabem ou não no seu universo de concepção tarológica. Para alguém que amadurece sua comunicação com as cartas, as interpretações tradicionais servem mais como trampolins para uma relação mais íntima com as cartas. O Tarot é uma linguagem entre o tarólogo e seu próprio sistema de valores, símbolos e significados. Em última instância, o único compromisso que cada estudante de Tarot deve ter, é consigo mesmo.

Bibliografia
Livros:
The Tarot: History, Mystery and Lore – Cynthia Giles, 1992, Paragon House
Understanding the Tarot Court – Mary K. Greer & Tom Little, 2004, Llewellyn
Seventy Eight Degrees of Wisdom: a Book of Tarot – Rachel Pollack, 1980), Weiser Books
Tarot Symbolism – Robert O’Neill, 1986 (ed. 2004), ATS
The Complete New Tarot: Theory, History, Practice – Onno & Rob Docters van Leeuwen
Sites:
Taroteachings.com, de Avia Venefica – www.tarotteachings.com/tarot-court-cards-elements.html
Llewellyn.com: artigo Hidden and Secret Meanings – The Court Cards, part II, de David Allen Hulse – www.llewellyn.com/journal/article/387
Kheper.net – artigo The Four Ego Functions, M. Alan Kazlev – www.kheper.net/topics/Jung/typology.html
Wikipedia.com – verbetes Aristotle, Carl Jung, Knight, Queen, King, Page
Taroteca.multiply.com (imagens)

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alta-magia/as-figuras-da-corte-e-suas-associacoes-elementais/

Os Templários e o Baphomet

Baphomet (do grego), o andrógeno bode-cabra de Mendes. Segundo os cabalistas ocidentais, especialmente os franceses, os Templários foram acusados por adorar Baphomet. Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem do Templo, com todos os seus irmãos, morreram por causa disso. Porém, esotérica e filosoficamente falando, tal palavra nunca significou “bode” nem qualquer outra coisa tão objetiva como um ídolo. O termo em questão quer dizer, segundo Von Hammer, “batismo” ou iniciação na sabedoria, das palavras gregas Baph e Metis, significando “Batismo de Sabedoria”, e da relação de Baphometus com Pã.

Von Hammer deve estar certo, Baphomet era um símbolo hermético-cabalístico, mas a história, tal como foi inventada pelo clero, é falsa. Pã é o deus grego da Natureza, do qual deriva a palavra Panteísmo; o deus dos pastores, caçadores, lavradores e habitantes das campinas.

Segundo Homero, é filho de Hermes e Dríope; seu nome significa “Todo”. Foi inventor da chamada flauta do deus Pã, e uma ninfa que ouvisse o som desse instrumento não resistia ao fascínio do grande Pã, apesar de sua figura grotesca. Pã tem certa relação com o bode de Mendes, no que este representa, como um talismã de grande potência oculta, a força criadora da Natureza.

Toda a filosofia hermética se baseia nos segredos ocultos da Natureza e, assim como Baphomet, era inegavelmente um talismã cabalístico. O nome de Pã era de grande virtude mágica naquilo que Eliphas Levi chamava de “Conjuração dos Elementais”. Outra teoria nos leva a uma composição do nome de três deuses: “Baph”, que seria ligado ao deus Baal; “Pho”, que derivaria do deus Moloc; e “Met”, advindo de um deus dos egípcios, Set. Para conhecê-los, sugiro a leitura do livro Maçonaria – Escola de Mistérios – Seus Símbolos e Tradições, de Wagner Veneziani Costa, lançamento da Madras Editora.

A palavra “Baphomet” em hebraico é como segue: Beth-Pe-Vav-Mem-Taf. Aplicando-se a cifra Atbash (método de codificação usado pelos cabalistas judeus), obtem-se Shin-Vav-Pe-Yod-Aleph, que se soletra Sophia, palavra grega para Sabedoria.

O símbolo do Baphomet é fálico, haja vista que em uma de suas representações há a presença literal do falo, devidamente inserido em um vaso (símbolo claro da vulva). O Baphomet de Levi possui mamas de mulher, e o pênis é metaforicamente representado por um caduceu (símbolo de Mercúrio, usado hoje na Medicina). Esse tipo de simbologia sexual aparece com freqüência na alquimia (o coito do rei e da rainha), com a qual o ocultismo tem relação. O Sol e a Lua ou, até mesmo, o Sol e Vênus, a Estrela matutina e vespertina, Phosforus, Lúcifer, o Portador da Luz…

Pode ser interpretado em seu aspecto metafísico, no qual pode representar o espírito divino que “ligou o céu e a terra”, tema recorrente na literatura esotérica. Isso pode ser visto no Baphomet de Eliphas Levi, que aponta com um braço para cima e com o outro para baixo (em uma posição muito semelhante a representações de Shiva na Índia). No ocultismo, isso representaria o conceito que diz: “Assim é em cima, como é embaixo”.

Antes, porém, quero apresentar um personagem muito importante: Eliphas Levi Zahed é tradução hebraica de Alphonse Louis Constant, abade francês, nascido no dia 8 de fevereiro de 1810 em Paris. O maior ocultista do século XIX, como muitos o consideram, era filho do modesto sapateiro Jean Joseph Constant e da dona de casa Jeanne-Agnès Beaupurt. Tinha uma irmã, Paulina-Louise, quatro anos mais velha que ele. Apesar de mostrar desde menino aptidão para o desenho, seus pais o encaminharam para o ensino religioso.

Foi assim que, aos 10 anos de idade, ingressou na comunidade do presbitério da Igreja de Saint-Louis em L´lle, onde aprendeu o catecismo sob a direção do abade Hubault, que selecionava os garotos mais inteligentes que demonstravam alguma inclinação para a carreira eclesiástica. Desse modo, Eliphas foi encaminhado por ele ao seminário de Saint-Nicolas du Chardonnet, para concluir seus estudos preparatórios. A vida familiar cessou para ele a partir desse momento. No seminário, teve a oportunidade de se aprofundar nos estudos lingüísticos e, aos 18 anos, já era capaz de ler a bíblia em seu texto original.

Após 15 anos de estudos, Eliphas Levi deixou o grande seminário para ingressar no mundo; tinha então 26 anos de idade. Sua mãe, ao saber disso, suicidou-se. Abalado e sem nenhuma experiência do mundo, teve muitas dificuldades para encontrar um emprego. Essa barreira aumentava ainda mais pelo boato que correu, segundo o qual ele teria sido expulso do seminário. Após ter percorrido o interior da França, trabalhando em um circo, Eliphas encontrou em Paris alguns trabalhos como pintor e jornalista. Fundou, com seu amigo Henri-Alphonse Esquirros, uma revista intitulada As Belas Mulheres de Paris, na qual se aplicava como desenhista e pintor, e Esquirros atuava como redator.

Eliphas Levi passou por vários empregos, sempre perseguido pelo clero que via nele um apóstata. Foi então que escreveu sua Bíblia da liberdade, desejando dividir com seus irmãos as alegrias de suas descobertas (1841). Essa publicação lhe custou oito meses de prisão e 300 francos de multa! Foi acusado de profanar o santuário da religião, de atentar contra as bases da sociedade, de propagar o ódio e a insubordinação.

Ao sair da prisão, realizou pequenos trabalhos, principalmente pintura de quadros e murais de igrejas, e fez colaborações jornalísticas. Apesar dos contratempos materiais, não deixou jamais de aperfeiçoar seus conhecimentos e enriquecer sua erudição. Foi após Emanuel Swedenborg que encontrou os grandes magos da Idade Média, os quais o lançaram definitivamente no Adeptado: Guillaume Postel, Raymond Lulle, Henry Corneille Agrippa. Assim, em 1845, aos 35 anos de idade, escreveu sua primeira obra ocultista, intitulada O Livro das Lágrimas ou o Cristo Consolador.

Em 1855, fundou a Revista Filosófica e Religiosa (cujos artigos principais se encontram em seu livro A Chave dos Grandes Mistérios. Nesse mesmo ano, publicou seu Dogma e Ritual da Alta Magia e o poema Calígula, identificando no personagem o imperador Napoleão III. Por causa disso, foi preso imediatamente. No fundo da prisão escreveu uma réplica, o Anti-Calígula, retratando-se. Foi então posto em liberdade.

No dia 31 de maio de 1875, faleceu Eliphas Levi. Aqueles que o acompanharam até o último momento testemunharam sua grande coragem e resignação. No momento de expirar, estava bastante calmo. Sua vida tinha sido plena de realizações espirituais. Havia cumprido a missão de iniciado e de iniciador.

“Toda intenção que não se manifesta por atos é uma intenção vã,

e a palavra que a exprime é uma palavra ociosa. É a ação que prova a vida, e é também a ação que prova e demonstra a vontade.

Por isso está escrito nos livros simbólicos e sagrados que os homens serão julgados, não conforme seus pensamentos e suas idéias, mas segundo suas obras.

Para ser é preciso fazer…”

A ilustração mais famosa de Eliphas Levi sobre Baphomet, que muitos conhecem, seja de cartas de Tarot, como o demônio, seja como símbolo ocultista, é esta: “Figura panteística e mágica do absoluto. O facho colocado entre os dois chifres representa a inteligência equilibrante do ternário; a cabeça de bode, cabeça sintética, que reúne alguns caracteres do cão, do touro e do burro, representa a responsabilidade só da matéria e a expiação, nos corpos, dos pecados corporais. As mãos são humanas, para mostrar a santidade do trabalho; fazem o sinal do esoterismo em cima e em baixo, para recomendar o mistério aos iniciados e mostram dois crescentes lunares, um branco que está em cima, o outro preto que está em baixo, para explicar as relações do bem e do mal, da misericórdia e da justiça. A parte baixa do corpo está coberta, imagem dos mistérios da geração universal, expressa somente pelo símbolo do caduceu. O ventre do bode é escamado e deve ser colorido em verde; o semicírculo que está em cima deve ser azul; as pernas, que sobem até o peito, devem ser de diversas cores. O bode tem peito de mulher e, assim, só traz da humanidade os sinais da maternidade e do trabalho, isto é, os sinais redentores. Na sua fronte e em baixo do facho, vemos o signo do microcosmo ou pentagrama de ponta para cima, símbolo da inteligência humana que, colocado assim, embaixo do facho, faz da chama deste uma imagem da revelação divina”.

Esse panteu deve ter por assento um cubo e, para estrado, uma bola e um escabelo triangular. É uma boa representação; no entanto, peca historicamente e não deve ser tomado como “verdadeiro” Baphomet, pois essa figura é muito parecida com a curiosa representação do Diabo, esculpida alguns anos antes da sua “tese”, em 1842, no pórtico da igreja de Saint-Merri, em Paris.

Em relação aos Templários, encontramos uma gárgula que poderia ter servido de inspiração a Levi na comendoria de Saint Bris le Vineux que pertencia à Ordem.

Spectrum nos dá alguns esclarecimentos: “…Em meio às diversas polêmicas que compõem o tema do satanismo, alguns pontos não ficam totalmente esclarecidos. Por exemplo, a representação de uma cabra com corpo humano encontrada nos cultos do satanismo religioso é denominada Baphomet, que já era conhecida desde os tempos pré-cristãos. Portanto, não possui nenhuma relação com o demônio conhecido no cristianismo. Para os satanistas, Baphomet é uma energia da natureza que os motiva a conseguir nossos objetivos. Nesse caso, a cabra com corpo humano e asas simboliza força, fertilidade e liberdade, características muito valorizadas pelos povos pagãos.

O pentagrama é um símbolo encontrado originalmente nas culturas pré-cristãs com diversos significados. No caso do satanismo religioso, é utilizado com duas pontas voltadas para cima, representando a face de Baphomet.

A origem da cruz invertida nos remete a São Pedro, que não se julgava digno de morrer como Jesus e pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Esse símbolo é encontrado na Basílica do Vaticano, no trono ocupado pelo Papa. Porém, a cruz invertida também foi adotada por grupos que se intitulam satanistas ou anticristãos”.

Na época dos celtas, o homem reconhecia o espírito animador dos seres vivos. Ele era geralmente descrito como o Deus Cornudo, um homem com chifres. Era uma força sem moralidade, que não podia ser aplacada e com ela não se podia barganhar. Era simbolizada como o Deus Cornudo porque conferia certos poderes sobre os animais, e um homem com chifres porque representava algo extra que o homem poderia conquistar. Os chifres duplos simbolizavam a natureza bipolar da força que era tanto boa quanto má, luz e escuridão, beleza e terror, positivo e negativo. Ainda mais, a imagem do Deus Cornudo dava uma impressão da espantosa e temível natureza desse tipo de poder.

Blavatsky relaciona Baphomet a Azazel, o bode expiatório do deserto, de acordo com a Bíblia Cristã, cujo sentido original – segundo a célebre ocultista russa – foi deploravelmente deturpado pelos tradutores das Sagradas Escrituras. Ela ainda explica que Azazel vem da união das palavras Azaz e El, cujo significado assume a forma de um interessante “Deus da Vitória”. Não obstante a essa definição, Blavatsky vai além em seus preceitos, quando equipara Baphomet – O Bode Andrógino de Mendes – ao puro Akasha, a Primeira Matéria da Obra Magna.

O Akasha é o princípio original, o espaço cósmico, o éter dos antigos, o quinto elemento cósmico. Ele é o substrato espiritual do Prakriti diferenciado. Segundo a Teosofia, ele está relacionado a uma força chamada Kundalini. Eliphas Levi o chamou de Luz Astral. Na Filosofia Hindu é um lugar, o elemento éter. Também significa ar, atmosfera, luz. Designa o espaço sutil onde estão armazenados todos os conhecimentos e feitos humanos, desde os primórdios. É a memória da humanidade. Corresponde ao Inconsciente Coletivo de Carl Jung.

O deus Pã, antiqüíssima divindade pelágica especial para Arcádia, é o guarda dos rebanhos que ele tem por missão fazer multiplicar. Deus dos bosques e dos pastos, protetor dos pastores, veio ao mundo com chifres e pernas de bode. Pã é filho de Mercúrio. Era muito natural que o mensageiro dos deuses, sempre considerado intermediário, estabelecesse a transição entre os deuses de forma humana e os de forma animal. Parece, contudo, que o nascimento de Pã provocou certa emoção em sua mãe, ela ficou assustadíssima com tão esquisita formação. As más línguas diziam que, quando Mercúrio apresentou o filho aos demais deuses, todo o Olimpo desatou a rir. Mas como é provável que haja nisso um pouco de exagero, convém restabelecer os fatos na sua verdade, e eis o que diz o hino homérico sobre a estranha aventura: “Mercúrio chegou a Arcádia, que era fecunda em rebanhos; ali se estende o campo sagrado de Cilene. Nesses páramos, ele, deus poderoso, guardou as alvas orelhas de um simples mortal, pois concebera o mais vivo desejo de se unir a uma bela ninfa, filha de Dríops. Realizou-se então o doce enlace matrimonial. Por fim, a jovem ninfa deu à luz o filho de Mercúrio, menino esquisito, de pés de bode e testa armada de dois chifres. Ao vê-lo, a nutriz abandona-o e foge. Espantam-na aquele olhar terrível e aquela barba tão espessa. Mas o benévolo Mercúrio, recebendo-o imediatamente, colocou-o no colo, cheio de júbilos. Chega assim à morada dos imortais ocultando o filho, cuidadosamente, na pele aveludada de uma lebre. Depois, apresenta-lhes o menino. Todos os imortais se alegram, sobretudo Baco, e dão-lhe o nome de Pã, visto que para todos foi considerado um objeto de diversão”.

Conta-se que as ninfas zombavam incessantemente do pobre Pã em virtude do seu rosto repulsivo, e o infeliz deus, ao que se diz, tomou a resolução de nunca amar. Mas Cupido é cruel, e afirma uma tradição que Pã, desejando um dia lutar corpo a corpo com ele, foi vencido e abatido diante das ninfas que se riam.

O deus Pã, entidade silvestre extremamente lúbrica (por isso é metade homem, metade bode), assedia a deusa Afrodite, personificação do amor carnal, com um sorriso maroto; Eros, que personifica o impulso amoroso, empurra com ar brincalhão e malicioso os chifres de Pã, ocultando-os. Eros era considerado filho de Afrodite e de Ares, deus da guerra. Sua forma também me faz lembrar de outro deus, um deus Egípcio, AMON, que muitas vezes é representado também como um bode, com chifres grandes. Amon era o deus do oculto, do escuro… da noite… do invisível…

No século XX, o controvertido ocultista inglês Aleister Crowley desenvolveu um culto e uma religião que têm como um de seus principais fundamentos exatamente o referido ídolo templário, segundo sua própria e peculiar concepção de Baphomet. O entendimento de Crowley por certo lançará mais matérias à reflexão sobre este discutível tema, bem como ajudará a avaliar o modo polêmico de abordagem desse mistério, modo este que é típico de uma crescente vertente de ocultistas contemporâneos.

Ao longo das obras de Crowley, são fartas as referências a Baphomet, chamado por ele de “Mistério dos Mistérios”, no cânone central de sua religião, composto na forma de um missal denominado Liber XV – A Missa Gnóstica. Tal era sua identificação com Baphomet, que esse nome foi adotado como um de seus mais importantes pseudônimos, ou motes mágicos.

O assunto é tão relevante que nos Rituais de Iniciação da Ordo Templi Orientis, uma das Ordens lideradas por Crowley, praticamente todas as consagrações são feitas em nome de Baphomet, não importando se os consagrados estejam conscientes ou não a respeito do sentido de tal ato e muito menos de suas implicações futuras. Tamanha é a proeminência do conceito implícito ao termo que no VI Grau da referida Ordem, a título de ilustração, numa clara referência a suas supostas raízes orientais, a palavra Baphomet é declarada como aquela que comporta os Oito Pilares (as oito letras que formam a palavra) que sustentam o Céu dos Céus, a Abóbada do Templo Sagrado dos Mistérios, no qual está o Trono do Rei Salomão.

Ainda em sua Missa Gnóstica, Crowley identifica Baphomet com um símbolo chamado “Leão-Serpente”, que, assim como Baphomet, é a representação do andrógino ou hermafrodita. Mais especificamente, ele é um composto que possui em si mesmo o equilíbrio das forças masculinas e femininas transmu-tadas num só elemento.

O Leão-Serpente, na verdade, é uma forma cifrada de mencionar a concepção humana, a união dos princípios masculinos (Leão) com os femininos (Serpente), ou do espermatozóide com o óvulo, formando o zigoto. Há, seguindo com os preceitos de Crowley, diversos modos de mencionar essa dualidade: Sol e Lua, Fogo e Água, Ponto e Círculo, Baqueta e Taça, Sacerdote e Sacerdotisa, Pênis e Vagina, além de várias outras duplas de eternos polares. E eu tomo a liberdade de acrescentar A Espada e o Graal.

Originalmente, o símbolo representado pelo Leão-Serpente consta em alguns dos mais antigos documentos gnósticos, os quais remontam ao começo do século II d.C. Apresentado sob a forma de uma figura arcôntica com cabeça de leão e corpo de serpente, o Leontocéfalo era a própria imagem do Demiurgo do Mundo, sendo a versão gnóstica para o Jeová mosaico. Crowley, ao se utilizar desse mesmo simbolismo, pretendia resgatar os cultos de um cristianismo hoje considerado primitivo.

Crowley e seus adeptos, entretanto, não se detêm apenas em demonstrar o Mistério de uma forma puramente alegórica. A “Luz da Gnose”, como é chamada, é celebrada de modo literal. Assim, o ponto máximo da encenação de seu missal consiste na celebração do Supremo Mistério, ou seja, durante a realização das Missas Gnósticas ocorre a comunhão, por parte de todos os partícipes da cerimônia, das hóstias, também chamadas de hóstias dos céus, ou bolos de luz, preparadas com sêmen e fluido menstrual. De acordo com Crowley, Baphomet, sob o nome Leão-Serpente, surge desse composto, da matéria primeva, oriunda da grande obra, ou seja, do ato sexual entre Sacerdote e Sacerdotisa.

Por meio dos poderes mágicos dos operantes do rito da grande obra, a matéria primeva é transmutada em “Elixir”, ou “Amrita”. A grande obra, contudo, por meio das propriedades mágicas da fórmula de Baphomet, ainda teria a capacidade de transmutar os operantes do rito e não apenas as substâncias que o compõem. Baphomet, assim como concebido por Crowley, é então o Elixir ou tintura da sabedoria, o veículo da Luz da Gnose, a qual compõe o Mistério Místico Maior, também chamado segredo central de sua Ordo Templi Orientis.

Crowley considerava Baphomet como o supremo Mistério Mágico dos Templários, segredo este que estaria concentrado nos graus superiores de sua Ordem. Da mesma forma, ele clamava que esse era o mesmo mistério oculto nos graus superiores da Maçonaria. Será que ele se enganou? Ou conhecia um outro rito na Maçonaria?

Por Frater WLUX 11

Bibliografia:

BANZHAF, Hajo e THELER, Brigitte. O Tarô de Crowley – Palavras-Chave. São Paulo: Madras Editora, 2006.

BORGES, Jorge Luis. O Livro dos Seres Imaginários. Rio de Janeiro: Editora Globo, sd.

CARROLL, Peter James, texto traduzido por Pássaro da Noite.

CROWLEY, Aleister. O Livro de Thelema. São Paulo: Madras Editora, 2000.

KING, Francis. Sexuality, Magic & Pervesion, p. 98. Los Angeles: Feral House, 2002.

–. The Secrets Rituals of the O.T.O., p. 164. Nova York: Samuel Weiser, 1973.

LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual de Alta Magia. São Paulo: Madras Editora, 2004.

–. A Chave dos Grandes Mistérios. São Paulo: Madras Editora, 2005.

RAPOSO, Carlos. In: “Baphomet”, Revista Sexto Sentido.

STANLEY, Michael (coordenação). Emanuel Swedenborg. São Paulo: Madras Editora, 2006.

#Maçonaria #Ocultismo #Templários

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/os-templ%C3%A1rios-e-o-baphomet

Casamento Alquímico e Taoísmo: O Sol e a Lua

“Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo”

– Fernando Pessoa

O objetivo deste texto é explanar sobre alguns conceitos alquímicos ocidentais e orientais, evidenciar seus paralelos com a psicologia analítica de Carl Gustav Jung e, se possível, incentivar uma reflexão sobre como poderíamos melhorar nossa saúde mental através do entendimento da metáfora do “Casamento Alquímico” ou “Coniunctio” dos alquimistas. Esta é a primeira parte, de duas.

Antes de começar a falar de alquimia é necessário fazer uma breve introdução sobre o que se trata este antigo método de obtenção de conhecimento. De forma geral, a prática da alquimia se resume na obtenção da pedra filosofal, que concede a vida eterna e transforma qualquer metal em ouro.

Para aqueles que imaginaram que leriam este texto e se tornariam ricos e imortais, isso não vai acontecer, ao menos não literalmente. É de suma importância entender que a alquimia é uma prática alegórica, ou seja, ela é uma grande metáfora sobre o ser humano e suas potencialidades latentes. Os metais, nada mais são do que aspectos da personalidade que devem ser trabalhadas a fim de serem transformadas em ouro, ou seja, manifestar o melhor e mais elevado da personalidade.

Assim como todo conhecimento ocultista relacionado ao desenvolvimento psico-espiritual, sempre fora necessário certa discrição no que diz respeito à sua expressão e publicação. Sendo assim, os conhecimentos alquímicos eram expressados através de metáforas e de símbolos, o que permitia que tais conteúdos passassem despercebidos aos olhos ‘profanos’, e daqueles que não tinham, ainda, capacidade de compreender tais ensinamentos. Além disso, esta prática simbólica, não só protegia os alquimistas praticantes de preconceitos e perseguições, como permitia a expressão de conceitos complexos sintetizados em símbolos.

A alquimia tem sua origem de forma incerta e cheia de mistérios, mas é possível identificar seus ensinamentos desde o antigo Egito, através da emblemática figura do deus da magia e da sabedoria Thoth, mais tarde sincretizado com a figura do deus Hermes grego e o Mercúrio romano, culminando na criação da figura de Hermes Trismegisto, a quem é atribuído à autoria de diversos textos herméticos e alquímicos, entre eles a famosa “Tábua de Esmeralda”. Vocês podem saber mais sobre Hermes aqui.

É possível também identificar uma ‘alquimia chinesa’ cujas metáforas são presentes em diversos ensinamentos taoístas milenares. Encontramos as alegorias alquímicas atuando fortemente até o Séc. XVII, no entanto, após esta época, com a chegada do pensamento científico e iluminista, ‘bobagens’ como transmutação de metais foram esquecidas e deu-se lugar à um pensamento mais racional, que culminou, entre outras ciências, na contemporânea Química. Foi só no Séc. XX que um psiquiatra suíço fez uma interessante associação e reviveu, a luz da ciência, as metáforas alquímicas. Seu nome é Carl Gustav Jung.

Considerado como o pai da psicologia analítica, Jung tinha uma extensa formação no que diz respeito à mitologia, estudos de religiões comparadas, e evidentemente, alquimia. Percebeu, ao atender seus pacientes que muitos deles apresentavam conflitos e resoluções que podiam ser compreendidas através das metáforas alquímicas, e desenvolveu, ao longo de sua vida, muitos conceitos e teorias que podem ser consideradas uma ‘alquimia psicológica’. Vamos compreender um pouco desses conceitos para adentrar mais a frente na metáfora alquímica. Muito desses conceitos psicológicos e alquímicos já foram discutidos aqui.

Um conceito chave da psicologia analítica é o de arquétipo. Em grego, Arkhe: primórdio, origem e Typos: imagem, forma. Arquétipo pode ser considerado uma estrutura psíquica universal, que é presente em qualquer indivíduo e sociedade, de diferentes contextos sociais, geográficos e históricos. O fundamental destas estruturas são seus conteúdos, uma vez que as formas variam. Estes conteúdos são profundos e inesgotáveis, e uma pessoa quando interage com essas estruturas, sempre inconscientes, nunca esgota seus significados.

Vamos imaginar o arquétipo do guerreiro. Ele compreende diversos significados, como força, coragem, determinação, ação, movimento, caça, agressividade, persistência. Seu conteúdo, como dito, é inesgotável! Sua forma pode variar, e ultrapassa culturas: Ares (gregos), Marte (romanos), Thor (nórdicos), Ogum (africanos), entre diversos outros, todos eles representam simbolicamente o arquétipo do guerreiro. Na contemporaneidade, perdemos o contato com os mitos, e principalmente com figuras religiosas, então, é comum os arquétipos se manifestarem através de personagens e ícones da cultura que acabam carregando esses valores simbólicos.

A existência dos arquétipos está bem documentada na enorme quantidade de comprovações clínicas constituídas pelos sonhos e devaneios dos pacientes, e pela observação atenta dos arraigados padrões de comportamento humano. Também está documentada nos estudos profundos de mitologia no mundo inteiro. Vemos repetidas vezes as mesmas figuras essenciais surgindo no folclore e na mitologia. E acontece que elas aparecem também nos sonhos de pessoas que não possuem nenhum conhecimento nessas áreas. (GILLETTE e MOORE, 1993)

Uma vez entendido o conceito de arquétipo, vamos transcender. No exemplo citado o arquétipo do guerreiro é praticamente um representante do masculino. Ou seja, o próprio masculino pode ser considerado um arquétipo que se subdivide e outros arquétipos. Diversas podem ser as subdivisões, a utilizada por Robert Moore e David Gillette, divide o Arquétipo Masculino em Guerreiro, Amante, Mago e Rei. Na alquimia é muito comum vermos o simbolismo do Rei e do Sol como grandes representantes deste arcabouço masculino.

Assim, como o Arquétipo Masculino tem seus ‘sub-arquétipos’, o feminino não fica para trás. Podemos considerar o mesmo simbolismo, o da Rainha e da Lua, para representar alquimicamente o arcabouço arquetípico do feminino, que também pode ser divido em quatro categorias principais: A donzela, a mãe, a anciã e a amante. Vale a pena frisar que é difícil encontrar o termo amante, normalmente encontramos ‘meretriz’, contudo, existe a possibilidade disto ser um reflexo do patriarcado que, inclusive semanticamente, reprime a sexualidade feminina, e quando ela aparece, de alguma forma é categorizada como algo errado ou imoral, e não como uma expressão saudável e necessária.

Uma vez entendidos o significado de arquétipos, vamos entender o conceito de dois importantes arquétipos junguianos que serão de suma importância para a compreensão da metáfora do casamento alquímico. Estes arquétipos são a ‘anima’ e o ‘animus’. Tais conceitos nada mais são do que a manifestação dos arquétipos que vimos anteriormente, mas o pulo do gato está em compreender que em todo homem, vive uma figura feminina, chamada de ‘anima’ e em toda mulher, existe uma figura masculina, chamada de ‘animus’.

“São muitos os indícios da existência de padrões subjacentes que determinam a vida cognitiva e emocional humana. Esses modelos parecem numerosos e se manifestam tanto nos homens como nas mulheres. Existem arquétipos que moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações das mulheres, e outros que moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações dos homens. Além disso, os junguianos descobriram que em cada homem existe uma subpersonalidade feminina chamada Anima, formada por arquétipos femininos. E em cada mulher há uma subpersonalidade masculina chamada Animus, composto de arquétipos masculinos. Todos os seres humanos têm acesso a esses arquétipos, em maior ou menor grau. Fazemos isso, na verdade, na nossa inter-relação uns com os outros”. (GILLETTE e MOORE, 1993)

Percebemos então, que existem internamente em cada um de nós, representantes de duas energias primordiais, masculinas (Sol) e femininas (Lua), e que busca a harmonização de ambas, é um objetivo comum, não só na psicoterapia, como em diferentes sistemas religiosos, seja na alquimia, ou na Cabala, como vemos a seguir:

“Todos esses níveis (anima e animus) e muitos outros aspectos da polaridade do animus e da anima formam um sistema complementar altamente complexo e, contudo, essencialmente simples que opera entre homens e mulheres, enquanto estes trabalham dentro de si mesmos e um com o outro em busca de equilíbrio […] Esse equilíbrio vem, segunda a cabala, quando o Adão e a Eva de cada parceiro estão face a face em uma união mútua e interna. Jung diria que essa é a união entre o masculino e o feminino; na cabala é visto como o ‘casamento do Rei e da Rainha’”. (HALEVI, 1990)

Aqui termina a primeira parte deste artigo. Espero que tenham gostado e até breve!

You wanna know if I know why?

I can’t say that I do

Don’t understand the evil eye

Or how one becomes two
[…]

If I told you that I knew

About the sun and the moon I’d be untrue

The only thing I know for sure

Is what I wan’ do

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano, Mestrando em Ciências da Religião e Escritor. 

Imagens:

Mural pintado em óleo pelo norueguês Per Lasson Krohg (1889 – 1965)

Desenho de Carl Jung entre duas imagens que ele mesmo fez no seu “Livro Vermelho”

“Venus and Mars”. Antonio Canova. Italian. (1757-1822)

Gravuras do Rei (Sol) e Rainha (Lua) se encontrando

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/parte-1-2-casamento-alqu%C3%ADmico-e-tao%C3%ADsmo-o-sol-e-a-lua

Individualização e Verdadeira Vontade

Tradução:Mago implacavel

Revisão: (não) Maga patalógica

Na seção anterior deste ensaio, foi visto como a mente inibe a expressão plena da Vontade. O “fator infinito e desconhecido” é a “Vontade subconsciente”, e, portanto, se podemos eliminar os complexos de pensamento que impedem que essa Vontade se manifeste, conheceremos nossa Vontade. Este processo pelo qual conhecemos e fazemos a nossa Vontade é chamado em alguns lugares “A Grande Obra”. Crowley explica a Grande Obra de conhecer a verdadeira Vontade, de forma concisa quando escreve,

“Não devemos nos considerar como seres básicos, sem cuja esfera é Luz ou” Deus “. Nossas mentes e corpos são véus da Luz interior. O não iniciado é uma “Estrela Negra”, e a Grande Obra para ele é fazer seus véus transparentes “purificando” eles. Esta “purificação” é realmente “simplificação”; não é que o véu esteja sujo, mas que a complexidade de suas dobras torna opaco. O Grande Trabalho consiste, portanto, principalmente na solução de complexos. Tudo em si é perfeito, mas quando as coisas estão confusas, elas se tornam “malvadas”.¹

Este processo da Grande Obra que “consiste principalmente na solução de complexos” também é coincidente com uma frase Crowley freqüentemente usada: Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião. Ele afirma essa identidade o mais claramente possível quando escreve: “A Grande Obra é a realização do Conhecimento e Conversação do SAG.”

O processo pelo qual conhecemos e fazemos nossa Vontade é a solução de complexos que inibem o fluxo livre e natural da Vontade. A Grande Obra é simplesmente uma remoção das inibições do eu consciente para permitir que o Eu verdadeiro, que contenha elementos conscientes e subconscientes, reine livremente para fazer o ele Quer. A teoria é que, se só pudermos “limpar as portas da percepção” (como William Blake diz), teremos permissão para manifestar efetivamente a nossa Vontade pura. Crowley escreve: “Nosso próprio Ser silencioso, indefeso e sem palavras, escondido dentro de nós, surgirá, se tivermos arte para soltá-lo para a Luz, avançar rapidamente com seu grito de Batalha, a Palavra de nossas Verdadeiras Vontades. Esta é a Tarefa do Adepto, para ter o Conhecimento e a Conversação de Seu Santo Anjo Guardião, para tomar consciência de sua natureza e seu propósito, cumprindo-os “.³ Aqui Crowley não só faz o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda análogo a tornando-se consciente e cumprindo a natureza e o propósito de alguém, mas ele admite que tudo o que precisamos é de “ofício para soltar” esse “Eu Mágico” e então, naturalmente, a “Palavra de nossas Verdades Vontades” será “brotar luxuriante pra frente”.

As várias formas de Horus encontradas no Liber AL vel Legis (Ra-Hoor-Khuit, Hoor-paar-kraat, Heru-pa-kraath, Heru-ra-ha, etc.) 4 representam uma expressão simbólica do “Silencioso” ou “True Self” e, portanto, também um símbolo do Sagrado Anjo da Guarda. Horus é, portanto, uma expressão arquetípica do Eu a que todos aspiram a se unir ou se identificar com “A Grande Obra”. Isto é falado em Liber AL quando Hórus, o falante do terceiro capítulo, diz: “Fazei a Mim a vossa reverência! vinde vós a mim através da tribulação do ordálio que é êxtase. “.5 Crowley explica:

Vimos que Ra-Hoor-Khuit é, em um sentido, o Eu Silencioso em um homem, um Nome de seu Khabs, não tão impessoal como Hadit, mas a primeira e menos falsa formulação do Ego. Devemos venerar este eu em nós, então, não para suprimir e subordiná-lo. Nem nós devemos evadir, mas para chegar a ele. Isso é feito “através da tribulação da provação”. Esta tribulação é a experiência no processo chamado Psicanálise, agora que a ciência oficial adotou – na medida em que a inteligência inferior permite – os métodos do magus. Mas a “provação” é “êxtase”; a solução de cada complexo por “tribulação” … é o espasmo da alegria, que é o acompanhamento fisiológico e psicológico de qualquer alívio da tensão e congestionamento “.

Crowley identifica Horus como uma expressão simbólica do Eu cuja Vontade não deve ser suprimida, subordinada ou evadida. O mais surpreendente das declarações de Crowley é que ele afirma que a “tribulação da provação” da Grande Obra é coincidente com a Psicanálise, uma conexão direta novamente entre a psicologia e Thelema. Com isso, podemos ver que o processo da psicanálise é análogo ao “Grande Trabalho” e ao “Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda”: é uma realização do verdadeiro Eu.

Carl Jung considerou esse mesmo processo de “individuação”. Ele define a individuação como:

“Tornando-se um “in-divíduo”, e na medida em que a “individualidade” abrange a nossa singularidade, última e incomparável unicidade, também implica tornar-se a si próprio. Podemos, portanto, traduzir a individuação como “chegando à individualidade” ou “auto-realização …” Os egotistas são chamados de “egoísta”, mas isso, naturalmente, não tem nada a ver com o conceito de “eu”, como estou usando aqui … Individuação, portanto, só pode significar um processo de desenvolvimento psicológico que satisfaça as qualidades individuais dadas; em outras palavras, é um processo pelo qual um homem se torna o ser definitivo e único, ele é de fato. Ao fazê-lo, ele não se torna “egoísta” no sentido ordinário da palavra, mas está cumprindo apenas a peculiaridade de sua natureza, e isso … é muito diferente do egoísmo ou do individualismo.

Jung aqui afirma que a individuação é uma “auto-realização”, mas garante a qualificação dessa afirmação dizendo que isso não significa um fortalecimento do ego essencial. Este eu que se realiza está além da noção egocêntrica normal de “eu”. Em vez disso, este eu contém tanto o consciente (onde o ego reside) quanto os fatores inconscientes. Jung explica que “o consciente e o inconsciente não são necessariamente opostos um ao outro, mas complementam outro para formar uma totalidade, que é o eu” .8 Este é o Eu que vem a “através da tribulação da provação”. Horus é um símbolo desse Eu em Liber AL vel Legis, e em outros lugares o Sagrado Anjo da Guarda é mencionado como esse símbolo. Crowley escreve: “O anjo é o verdadeiro eu de seu eu subconsciente, a vida escondida de sua vida física” e “seu anjo é a unidade que expressa a soma dos elementos desse eu” 9, um paralelo quase exato de A definição de Jung do “eu”.10

Conforme afirmado anteriormente por Crowley, este processo de individuação ou “A Grande Obra … consiste principalmente na solução de complexos”, e é simplesmente tornar-se consciente e satisfazer a própria natureza. Através desta grande obra de individuação, alguém se identifica com este eu. Em Thelema, faz-se tal sob a figura de Hórus.11 Um vem a saber que “ele [ou ela] é Harpocrates, o Menino Hórus … isto é, ele está em Unidade com sua própria Natureza Secreta”. 12

Pode-se até mesmo afirmar que a Grande Obra é um processo natural da psique humana. Carl Jung diz: “a força motriz [do inconsciente], na medida em que é possível para nós entendê-lo, parece ser, na essência, apenas um impulso para a auto-realização” .13 Nesse sentido, todos os humanos estão participando de o drama da “Grande Obra”, cada um esforçando-se, conscientemente ou inconscientemente, para essa união de naturezas subconscientes e conscientes no Eu, para que eles possam realizar suas Forças de forma mais completa.

1 Crowley, Aleister. The Law is for All, I:8.

2 Crowley, Aleister. Liber Aleph, “De Gradibus ad Magnum Opus.”

3 Crowley, Aleister. The Law is for All, I:7.

4 É interessante notar que Crowley diz em seu comentário do Liber Al, “O Louco tamém é o Grande Louco,Bacchus Diphues, Harpocrates, the Eu Anão, o SAG, enfim,” essencialmente equiparando todos os símbolos. Depois, ele escreve em seu comentário do Liber Al II:8, “Harpocrates é… a Alma Anã, o Self Secreto de cada homem, a serpente com a cabeça de Leão.” Se isso for verdade, e de acordo com o Liber Al i:8 “Hoor-paar-kraat” (um nome para Harpócrates) é dado como a fonte do Liber AL vel Legis como o próprio livro proclama, então Liber AL foi de fato a manifestação do inconsciente de Crowley. O fato é que o inconsciente contém “tanto o conhecimento quanto o poder” maior que a mente consciente e, portanto, é bem possível que o Liver Al vel legis seja uma manifestação do mesmo.

5 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, III:62.

6 Crowley, Aleister. The Law is for All, III:62.

7 Jung, Carl. “The Function of the Unconscious” from The Collected Works of C.G. Jung vol.7, par.266-267.

8 Jung, Carl. “The Function of the Unconscious” from The Collected Works of C.G. Jung vol.7, par.274.

9 Crowley, Aleister. “Liber Samekh,” Ponto II, Seção G.

10 Por estas considerações será visto que o SAG é mais acertadamente não um ente externo como algum grupos thelemicos dizem. Isto é dito provavelemente devido a uma declaração feita por Crowley no Magick Without Tears, um tratado feito pra iniciantes totais. Temos que entender que o subconsciente pode e aparece um autonomo para a mente consciente. Portanto, alguém pode dizer que o Anjo está “fora” do individuo pois parece que ele funciona autonomamente considerando o ponto de vita do ego, mas em ultima instancia , chega-se a ver que o Anjo é, de fato, o somatório de ambas as naturezas subconscientes e conscientes que compõem o Eu.

11 Numa nota de rodapé do capitulo 90 do Confessions of Aleister Crowley, Symonds escreve sobre uma declaração que Crowley fez para um discípulo Frank Bennett: “Quero explicar-lhe plenamente, e em poucas palavras, o que significa iniciação, e o que se entende quando conversamos sobre o Eu Real e o que o Eu Real é. “E então, Crowley disse a ele que era tudo uma questão de conseguir que a mente subconsciente funcionasse; e quando essa mente subconsciente tem permissão a dominação total da mente, sem interferência da mente consciente, então a iluminação poderia começar; Para a mente subconsciente era nosso Santo Anjo da Guarda. Crowley ilustrou o ponto assim: tudo é experimentado na mente subconsciente, e ele (o subconsciente) está constantemente exortando sua vontade na consciência, e quando os desejos internos são restritos ou suprimidos, o mal de todos os tipos é o resultado “. Embora isso seja diretamente ade acrodo com nossas conclusões, incluí-lo apenas em uma nota de rodapé porque é uma conta de terceiros.

12 Crowley, Aleister. Liber Aleph, “De Gramine Sanctissimo Arabico.”

13 Jung, Carl. “The Function of the Unconscious” from The Collected Works of C.G. Jung vol.7, par.291.

Link texto original: https://iao131.com/2013/03/02/psychology-of-liber-al-pt-5-individuation-and-the-true-will/

#Thelema

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/individualiza%C3%A7%C3%A3o-e-verdadeira-vontade

Cada Pessoa é uma Estrela com uma Vontade

Psicologia do Liber Al pt 2 – Cada pessoa é uma estrela com uma Vontade

“A coisa realmente valiosa no desfile da vida humana não me parece o Estado, mas o indivíduo senciente e criativo, a personalidade; ela por si só cria o nobre e o sublime, enquanto o rebanho, como tal, permanece abobado em pensamento e abobado em emoções“.

-Albert Einstein, Mein Weltbild (1931)

Após as proclamações de Nuit e Hadit, vem uma das declarações mais importantes para Thelema, na terceira linha do Liber AL:

“Todo homem e toda mulher é uma estrela”.¹

Isto significa que “somos todos livres, todos independentes, todos brilhando gloriosamente, cada um sendo um mundo radiante”² e, além disso, “o indivíduo é a Autarquia”³. No mesmo sentido que o sol, como estrela, é centro do sistema solar no macrocosmo físico, todo homem e toda mulher são entendidos como uma espécie de estrela microcósmica e centro de seu próprio sistema. “Uma estrela é uma identidade individual; ela irradia energia, ela vai, é um ponto de vista. Seu objetivo é tornar-se inteira ao estabelecer relações com outras estrelas. Cada uma dessas relações é um Evento: é um ato de Amor sob a Vontade”4 – cada indivíduo é “um agregado de tais experiências, mudando constantemente com cada novo evento, que o afeta de forma consciente ou inconsciente”5.

Certamente, do ponto de vista psicológico, pode-se entender facilmente que somos todos o centro de nosso próprio universo6 e também “agregados de experiência” como mostram nossas próprias memórias. Além disso, as estrelas são auto-luminosas, implicando que poder e força derivam de nós mesmos e não de uma fonte externa (explicado com mais profundidade a frente), e também que as estrelas estão constantemente em movimento interagindo com as forças gravitacionais das infinitas outras estrelas e outros sistemas.

Thelema postula que Hadit é “a chama que queima em todos os corações do homem e no núcleo de todas as estrelas”7. Crowley escreve: “Ele é o seu eu divino mais íntimo; é você, e não outro, que está perdido no êxtase constante dos abraços da Beleza Infinita”8. Na verdade, Nuit nos diz:” Sejais Hadit, meu centro secreto, meu coração e minha língua!”9, nos mostrando que estamos intimamente interligados com a divindade, refletindo o sentimento oriental básico do vínculo da alma com Deus e o sentimento observado no Ocidente em místicos como Meister Eckhart e Miguel de Molinos:

“Tu sabes, que a tua alma é o Centro, a Habitação e o Reino de Deus”10.

Em uma palavra, dizendo que “todo homem e tda mulher é uma estrela”, afirmamos tanto a soberania do indivíduo quanto sua divindade. Assim como as estrelas físicas têm cada uma seu curso único num período do espaço, cada indivíduo é entendido como tendo sua própria Vontade única. De fato, “Thelema” significa “Vontade” (em inglês, Will) e esse é o fundamento de toda a filosofia de Thelema. É dito:

“Faze o que quiseres há de ser o todo da Lei”¹¹.

“Não há lei além de Faze o que quiseres”.¹²

Essas duas afirmações estabelecem claramente que tudo em Thelema gira em torno do dito de “fazer o que você quer”. Como Crowley observou frequentemente, isso não significa, “faça o que você gosta”, mas é um comando para executar “verdadeiro” ou “pura” vontade “e nada mais. Liber AL proclama: “Não tens direito senão fazer a tua vontade”. Faça isso, e nenhum outro deve dizer não. “13

Agora, podemos ver o ponto de vista geral da existência formulado em Thelema: cada indivíduo é considerado como uma “estrela” cujo único direito ou dever é realizar sua vontade. No núcleo desta estrela está Hadit e envolta desta estrela estão o espaço infinito e as possibilidades de Nuit. Nós estabelecemos que cada indivíduo está no centro de seu próprio universo, um “centro secreto, coração e língua” 14 do divino, cada um executando sua vontade única imerso em Nuit, o espaço infinito.

Uma vez que a Vontade é considerada absolutamente primordial em Thelema, devemos entender como um Thelemita supõe “vontade-ar” as coisas. Liber AL afirma algo distinto como “vontade pura” e explica suas condições:

“Para a vontade pura, sem um objetivo, liberado da luxúria do resultado, é perfeitamente perfeito”. 15

Portanto, para que a vontade seja considerada “pura” e “toda forma perfeita” pelas condições estabelecidas no Liber AL, deve ser

1) “desembaraçada de propósito” e

2) “livrado da luxúria do resultado”

A primeira consideração, “desembaraçada de propósito”, tem dois significados a serem considerados. O primeiro é o mais óbvio, que é que essa vontade é dificultada ou enfraquecida por um “propósito” e está destinada a seguir seu caminho irrestrita dessa noção chamada de “propósito”. A mente e a razão geralmente são um obstáculo para a expressão plena da vontade de uma pessoa e essa idéia é tratada mais detalhadamente em uma seção posterior. A próxima consideração é simplesmente que isso significa “com propósito sem compensação” ou “com energia incansável”.

Em segundo lugar, ser “liberado da luxúria do resultado” significa não ser afetado ou desapegado aos resultados das ações de alguém. Esta doutrina é um princípio central para o sistema oriental de karma yoga, onde geralmente é chamado de “não-apego aos frutos da ação”. Também pode ser dito que é conhecido pelo Ocidente sob o aforismo de “A arte pela arte”. O Bhagavad Gita descreve sucintamente essa doutrina de ser “liberto da luxúria do resultado ” quando diz,

“Aqueles cuja consciência é unificada abandonam todo o apego aos resultados da ação e alcançam a paz suprema. Mas aqueles cujos desejos estão fragmentados, que estão egoisticamente ligados aos resultados de seu trabalho, estão vinculados em tudo o que fazem. Aqueles que renunciam ao apego em todos os seus atos vivem conteúdo na “cidade dos nove portões”, o corpo, como seu mestre “. 16

Essencialmente, esta linha do Liber AL vel Legis significa que para realizar nossa “vontade pura” que “é perfeita em todas as formas,” devemos fazer a nossa vontade com energia incansável, sem consideração ao propósito, e sem preocupação com os resultados. Crowley escreveu: “Você deve (1) descobrir o que é a Tua Vontade. (2) Faça sua Vontade com a) foco, (b) desapegado, e em (c) paz. E aí, e somente aí, você está em harmonia com o Movimento das Coisas, sua vontade é parte de, e, portanto, igual à vontade de Deus. E uma vez que a vontade é apenas o aspecto dinâmico do eu, e como dois eus diferentes não podem possuir vontades idênticas; então, se a tua vontade será a vontade de Deus, Tu será Isso “17

Em Liber AL vel Legis, Nuit declara: “Invoca-me sob minhas estrelas! O amor é a lei, o amor sob vontade “. 18 Crowley explica que isso significa “enquanto a vontade é a lei, a natureza dessa vontade é amor “. Mas esse Amor é como se fosse um subproduto dessa Vontade; não contradiz ou substitui essa Vontade; e se a aparente contradição surgir em qualquer crise, é a vontade que nos guiará corretamente. “Portanto, o método ou o modus operandi de Thelema é “amor sob vontade “, o que significa a assimilação da experiência de acordo com sua vontade.19

Deve ser reconhecido que “Love” no contexto de Thelema e Liber AL vel Legis é entendido de uma maneira muito universal. Não é o que a maioria consideraria a emoção do amor ou do coração. Crowley escreve: “Eis que, enquanto no Livro da Lei, é muito amor, não há nenhuma ocorrência da palavra de Sentimentalidade. Ódio é quase como o amor! “20 para o ódio mesmo é uma experiência digna de nossa assimilação e integração. Em vez disso, refere-se essencialmente a todos os atos, qualquer “Mudança em conformidade com a vontade”, pois todas as ações são legais e necessárias. Crowley explica: “Todo evento é uma união de uma mônada com uma das experiências possíveis”, 21 e ainda que “Cada ação ou movimento é um ato de amor, unindo uma parte com uma outra parte de” Nuit “; cada um desses atos deve ser “sob vontade”, escolhido de modo a cumprir e não frustrar a verdadeira natureza do ser em questão “.22 Portanto, enquanto o” amor “pode se referir especificamente a atos de” união “(no sentido de que o sexo é união no plano físico, e samadhi 23 é união no plano mental) todas as experiências são entendidas como atos de “amor” no sentido mais universal de que “todo evento é uma união de uma mônada com uma das experiências possíveis , “Incluindo atos do que pode ser percebido como atos de “divisão”.

Agora podemos entender que “não há lei além do faça o que tu queres”, 24 e “amor sob vontade” é essencialmente a assimilação da experiência de acordo com a natureza do indivíduo. A concepção reflete as proposições de Carl Roger, que são as afirmações subjacentes ao seu sistema de “terapia centrada no cliente”. Ele escreve como sua sexta proposição,

“O organismo tem uma tendência e esforço básica -para atualizar, manter e melhorar o organismo experiente

” .25

Esses atos de “atualizar, manter e melhorar o organismo experiente” são o que nos termos de Thelema são atos de “amor”. A única condição que é importante do ponto de vista de Liber AL vel Legis é que atos de “Amor” deve ser feito “sob vontade”, ou de acordo com a natureza da circunstância singular e do indivíduo (ou o “organismo” se quisermos usar a terminologia de Rogeriano). Um ato de “amor sob vontade” que funcionou corretamente é o que Carl Rogers chamaria de “ajuste psicológico” em oposição ao “desajuste psicológico”. Rogers escreve como suas proposições quatorze e quinze:

“O ajuste psicológico existe quando o conceito do self é tal que todas as experiências sensoriais e viscerais do organismo são ou podem ser assimiladas em um nível simbólico em uma relação consistente com o conceito de si mesmo.”

Existe inadaptação psicológica quando o organismo nega a consciência de experiências sensoriais e viscerais significativas, que, consequentemente, não são simbolizadas e organizadas na gestalt da autoestrutura. Quando essa situação existe,então temos uma tensão psicológica básica ou potencial “. 26

O “ajuste psicológico” consiste em uma “assimilação” funcional de experiências equivalentes ao método “amor sob vontade” de Thelema, enquanto que o “desajuste psicológico” consiste na “assimilação” inadequada da experiência, que cria “tensão psicológica”. Essencialmente, nós podemos ver que Thelema coincide com, e de certa forma antecipada, as “proposições” de Rogerianos que formam a base de sua “terapia centrada no cliente”.

“Todo amor é expansão, toda auto-estima é contração. O amor é, portanto, a única lei da vida. Aquele que ama vive, aquele que é egoísta está morrendo. Portanto, amor por amor, porque é lei da vida, assim como você respira para viver. “-Sami Vivekananda

1 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:3.

2 Crowley, Aleister. “Liber DCCCXXXVII: The Law of Liberty” from Equinox III(1).

3 Crowley, Aleister. Magick Without Tears, ch.48.

4 Crowley, Aleister. “The Antecedents of Thelema” from The Revival of Magick.

5 Crowley, Aleister. Introduction to Liber AL vel Legis, part II.

6 This also attests to the universal import of mandala-like art pieces across cultures, for they are all expressions of that central point of consciousness and the apparent unfolding and expression of the psyche & universe around it. This was a subject of study for Carl Jung.

7 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, II:6.

8 Crowley, Aleister. “The Law of Liberty.”

9 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:6.

10 de Molinos, Miguel. Spiritual Guide of Miguel de Molinos (1685), ch.1, verse 1.

11 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:40.

12 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, III:60.

13 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:42-43.

14 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:6.

15 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:44.

16 Bhagavad Gita (trad. By E. Easwaran), chapter 5, verse 12-13.

17 Crowley, Aleister. “Liber II: Message of the Master Therion” from Equinox III(1).

18 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:57.

19 Isso casa com o que o místico Cristãos Meister Eckhart escreveu, “O lugar onde o amor tem sua o seu ser apenas na vontade; A pessoa que tem mais vontade, também tem mais amor. Mas ninguém sabe de mais ninguém, se alguém tem mais disso; que está escondido na alma, enquanto Deus estiver escondido no fundamento da alma. Este amor está inteiramente na vontade; Quem tem mais vontade, também tem mais amor.” -Meister Eckhart, Counsels on Discernment (Counsel 10).

20 Crowley, Aleister. “The Message of the Master Therion” from Equinox III(1).

21 Crowley, Aleister. Introduction to Liber AL vel Legis, part II.

22 Crowley, Aleister. Introduction to Liber AL vel Legis, part III.

23 “Samadhi” é o termo Hindu usado nas práticas de yoga para atingir o fenômeno psicológico de desaparecer (ou ‘união’ or ‘cessação’) a separação de sujeito e objeto prática comum em várias culturas e com outros nomes. Esse assunto é muito profundo e extenso para ser discutido nesse artigo.

24 Crowley, Aleister. Liber AL vel Legis, I:22.

25 Rogers, Carl. Client-Centred Therapy, ch.11.

26 Rogers, Carl. Client-Centred Therapy, ch.11.

Link texto original: https://iao131.com/2013/02/25/psychology-of-liber-al-pt-2-each-person-as-a-star-with-a-will/

Tradução:Mago implacavel

Revisão: (não) Maga patalógica

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/cada-pessoa-%C3%A9-uma-estrela-com-uma-vontade

Philip K. Dick e Gnosticismo

Por Larissa Douglass, Oxford University

A Scanner Darkly, recente filme baseado na sombria visão de futuro de Philip K. Dick, aborda a discrepância entre a experiênciasubjetiva ou pessoal e a experiência objetiva. Esta última forma de experiência seria fornecida por meio de câmeras que observam processos.
Essa discrepância é uma característica de uma série de histórias e romances de Philip K. Dick, jogando com a noção de que os meios que utilizamos para aprimorar a compreensão da realidade também podem minar e obscurecê-la. Essa confusa realidade subjetiva é, então, associada a um exterior, uma perspectiva objetiva (por meio de scanners: um espelho, uma câmera ou outro meio de vigilância ou dispositivo de gravação) que relaciona-se com a “verdadeira” realidade. O choque resultante aguarda o espectador quando é revelada a discrepância existente entre a narrativa do protagonista e a que aparentemente é a real. O uso de câmeras como um “terceiro olho” tem sido cada vez mais empregado em filmes recentes para revelar uma desconexão entre a percepção dramática dos personagens e acontecimentos reais. Em última análise, que a perspectiva objetiva deve ser colocada em dúvida.

Philip K. Dick, autor

Embora a narrativa subjetiva de Scanner Darkly e em outro romance, The Three Stigmata of Palmer Eldricht, tenha origem no vício por drogas, em outras histórias Dick oferece cifras alternadas num jogo simultâneo de expansão e distorção da percepção. Quando apressentadas em conflito com uma narrativa objetiva, força a consciência humana a níveis cada vez mais altos de vigília do espaço e tempo. Por exemplo, Dick utilizou:

• Robôs em Do Androids Dream of Eletric Sheep? (que deu origem ao filme Blade Runner) para comparar a relatividade humana sobre o “real” e “falsos” seres humanos;
• Colonização de outros planetas, isolamento e doença terminal na história “Chains of Air, Web of Aether”;
• Precognição confundida com autismo ou esquizofrenia em “Martian Time-Slip e a história “A World of Talent”;
• Sono criogênico de humanos em máquinas sencientes e espaçonaves em “Divine Invasion” e na estória “I Hope I Shall Arrive Soon”.

Gnosticismo

Não importa o expediente utilizado, essas estórias, especialmente a última de Philip K. Dick, “Valis”, inspiram-se em no moderno renascimento da antiga heresia cristã do Gnosticismo. Ela pode ser definida mais simplesmente pela Catholic Encyclopedia como “a doutrina da salvação através do conhecimento”. A única verdadeira religião gnóstica que sobreviveu diretamente da Antiguidade tardia é a seita Mandean no Iraque (ou madianitas Mandaeism). Mais ligações tênues são rastreadas na Idade Média, Renascimento e na história do Iluminismo. Um sentido de continuidade histórica foi reforçada pela descoberta arqueológica do século em torno de 1945 de cerca de quatro textos gnósticos em Nag-Hammadi, no Egito.

Com esse pano de fundo, o moderno gnosticismo popular refere-se,a grosso modo, as idéias que incluem:

• Alienação espiritual no mundo material
• Um conhecimento especial, “gnosis”, que pode despertar os seres humanos do estado atual, a falta de consciência semelhante ao sono;
• Uma separação entre os aspectos divinos da existência espiritual e a realidade material, caracterizado por qualidades femininas e masculinas;
• E uma hierarquia de expansão do entendimento através desse conhecimento especial, que pode finalmente curar a cisão entre divindades masculinas e femininas.

Literatura Comparada e Lingüística

Da obra de Dick se originou um mix de novelas, pulp fiction, música popular, vídeo games, animação e filmes cujas referências baseiam-se em muitas idéias gnósticas. Os filmes mais conhecidos incluem a trilogia de Matrix, Dark City (Cidade das Sombras), Vanilla Sky e eXinsteZ e novelas que incluem O Código Da Vinci de Dan Brown. Autores como Umberto Eco e Jorge Luis Borges trouxeram este tema para as fronteiras da literatura comparada e lingüística.
Gnosticismo (Variantes modernas)

Tais exemplos contemporâneos têm raízes culturais no século XIX e no fin-de-siècle, com os aficionados mais notáveis como o psicólogo Carl Jung e o ocultista Aleister Crowley. Crowley se refere ao Gnosticismo, Alquimia, Maçonaria e Cabala para formar suas teorias ocultas, que por sua vez influenciaram L. Ron Hubbard, o fundador da Igreja da Cientologia. Mais provocativo, o cientista político Eric Voegelin, em sua obra “Science, Politics and Gnosticism” (1958), sugeriu que as ideologias do comunismo e do nazismo eram gnósticas, com efeito, heresias cristãs. O escritor Tobias Churton alegou que as idéias gnósticas foram sendo reveladas no campo da física quântica. E com focos sobre o “real” e o “artificial”, e os do sexo masculino e feminino, o gnosticismo pode ter uma influência sobre as teorias pós-modernas e feministas. Assim, o gnosticismo demonstra ser uma gama sincrética de “espiritismo”, Nova Era “,de teorias de conspiração e investigação séria. Tais idéias manifestando-se em tantos campos diferentes sugere que a era moderna tem testemunhado um ressurgimento dessa heresia na cultura ocidental e política.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/popmagic/philip-k-dick-e-gonosticismo/

Sincronicidades, Coincidências e casualidades: O Xamã Urbano

Bate-Papo Mayhem #024 – gravado dia 28/05/2020 (quinta) Marcelo Del Debbio bate papo com Tiago Mazzon – Sincronicidades, Coincidências e casualidades: O oráculo do Xamã Urbano. Os bate-Papos são gravados ao vivo todas as 3as e 5as com a participação dos membros do Projeto Mayhem, que assistem ao vivo e fazem perguntas aos entrevistados.

Saiba mais sobre o Projeto Mayhem aqui:

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/sincronicidades-coincid%C3%AAncias-e-casualidades-o-xam%C3%A3-urbano

A Deusa Demeter e os Mistérios Eleusis

Acredita-se que o culto à Deméter tenha sido trazido à Grécia vindo de Creta durante o período micênico, carregando consigo o seu nome.. Sendo assim, ela é descendente direta da Deusa-Mãe cretense, que com suas virgens e sacerdotisas, empunhavam serpentes e prestavam culto ao touro. Neste caso, podemos afirmar que Deméter representaria a sobrevivência da religião e dos valores matriarcais durante a cultura patriarcal guerreira dos gregos clássicos.

O hino homérico relata que ela teria chegado a Eleusis disfarçada de anciã, na época em que as pessoas vinham do outro lado do mar, de Creta.

A filha de Deméter, Perséfone, também nasceu em Creta, e a lenda arcaica da união de Zeus, em forma de serpente, com sua filha também teve lugar em Creta. O filho que nasceu dessa união foi Dionísio. As coincidências demonstram que existe uma conexão entre a Deméter documentada em Creta e a que é conhecida na Grécia.

Na Grécia antiga, Deméter era responsável por todas as formas de reprodução da vida, mas principalmente da vida vegetal, o que lhe rendeu o título de “Senhora das Plantas”, “A Verde”, “A que atrai o fruto” e “A que atri as estações”. As pessoas a honravam ao usar guirlandas de flores enquanto marchavam pelas ruas, geralmente descalças. Acreditava-se que pisar na terra descalço aumentava a comunicação entre os humanos e a Deusa.

Para os gregos, Deméter era a criadora do tempo e a responsável por sua medição em todas as formas. Seus sacerdotes eram conhecidos como Filhos da Lua.

Outro vestígio da antiga consciência matriarcal da Deusa-Mãe, foi transmitido na devoção católica popular da Virgem Maria entre os povos do Mediterrâneo. Quase certamente há uma continuidade psíquica entre Maria, a Mãe de Deus, as antigas deusas da Grande Mãe no Mediterrâneo e no Oriente Próximo e a deusa Deméter. Mas embora se conheça muitas representações medievais de Maria com cereais e flores, ela não possui o poder emocional das antigas Mães da Terra e suas filhas.

Deméter era a protetora das mulheres e uma divindade do casamento, maternidade, amor materno e fidelidade. Ela regia as colheitas, o milho, o arado, iniciações, renovação, renascimento, vegetação, frutificação, agricultura, civilização, lei, filosofia da magia, expansão, alta magia e o solo.

O RAPTO DE PERSÉFONE

Quando falamos de Deméter, devemos falar de duas Deusas. O cerne do mito e do culto a Deméter, era o fato dela ter perdido sua adorada filha Coré (donzela, em grego). A intimidade entre mãe e filha ressalta o caráter profundamente feminino dessa religião e constelação mitológica. Coré mais tarde passa a ser conhecida como Perséfone.

O mais antigo documento que narra este mito é o belo “Hino à Deméter” homérico, que nos fala tanto da Deusa Deméter como de sua filha Coré. O objetivo deste poema é explicar a origem dos mistérios de Elêusis.

A jovem Coré, diz a narrativa, encontrava-se colhendo flores, quando foi atraída por um narciso muito belo, mas ao estender a mão para pegá-lo, a terra se abriu e Plutão (Hades), Senhor dos Mortos, em sua carruagem de ouro puxada por dois cavalos negros, arrebatou-a e levou-a para ser sua noiva e Rainha do Subterrâneo. Coré lutou e gritos, mas nem os deuses imortais como os homens mortais, ouviram seus clamores. Deméter só pode ouvir o eco do apelo de sua filha e então apressou-se para encontrá-la. Procurou sua filha por nove dias e nove noites, não parando para comer, dormir ou banhar-se, só andando errante pela terra, carregando em suas mãos tochas acesas. Porém quando se apresentou pela décima vez a Aurora, encontrou-se com Hécate, Deusa da Lua Escura, que lhe diz:

–“Soberana Deméter, dispensadora das estações, de esplendidos dons, quem dos deuses celestes ou dos homens mortais raptou Perséfone e afligiu teu animo? Ouvi a sua voz, porém não vi com meus olhos quem era. Em breve vamos desfazer esse engano”.

Assim falou Hécate que partiu com Deméter, levando em suas mãos as tochas acesas. As duas então chegaram até Hélio, o deus do sol, que compartilha esse título com Apolo e a mãe aflita perguntou:

-“Sol, respeita-me tu ao menos, como Deusa que sou…A filha que pari, encantadora por sua figura…ouvi sua vibrante voz através do límpido éter, como a de quem se vê violentada, mas não a vi com meus olhos. Porém tu que sobre toda a terra e por todo o mar diriges desde o éter divino a olhar de teus raios, diga-me sem enganos se teria visto a minha filha querida em alguma parte; quem dos deuses ou dos homens mortais ousou capturá-la para longe de mim, contra sua vontade, pela força”.

Hélio então respondeu:

-“Filha de Rea, ..pois é grande o meu respeito e compaixão que sinto por ti, aflita como estás por tua filha de esbeltos tornozelos. Nenhum outro dos imortais é mais culpado que Zeus fazedor de nuvens, que a entregou à Hades para que se torne sua esposa…Assim que tu, Deusa, dá fim a teu copioso pranto. Nenhuma necessidade há de que tu, sem razão, guarde então um insaciável rancor.”

Deu a entender para a Deméter que ela deveria aceitar a violação de Perséfone, pois Hades, não era um genro tão sem valor, mas a Deusa não aceitou seu conselho e agora sentia-se traída por Zeus. Retirou-se do monte Olimpo, disfarçou-se de uma mulher anciã e vagou sem ser reconhecida entre as cidades dos homens e os campos. Um certo dia, ela se aproximou de Elêusis, sentou-se perto do poço Partenio e foi encontrada pelas filhas de Céleo, o governador de Elêusis. Quando Deméter disfarçada lhes revelou que procura um emprego de babá, ela a levaram para casa, à sua mãe Metanira, para cuidar do um irmãozinho chamado de Demofonte.

Sob os cuidados da Deusa, Demofonte criou-se como um deus. Ela o alimentou com ambrosia e secretamente o colocou em um fogo que o teria tornado imortal não tivesse Metanira entrado no local e gritado por medo do filho. Deméter reagiu com fúria, reclamou à Metanira por sua estupidez, e revelou sua verdadeira identidade. Ao mencionar seu nome mudou completamente seu visual revelando sua beleza divina. Seu cabelo dourado caiu pelas costas, e seu perfume e esplendor encheram a casa de luz.

Imediatamente Deméter ordenou que fosse construído um templo só seu e lá permaneceu envolta em sua dor e não permitindo que nada germinasse na terra.

Zeus, tendo conhecimento da situação enviou sua mensageira Íris até Deméter, pedindo que Deméter retornasse ao Olimpo. Como não concordou, um a um dos deuses olímpicos vieram até ela, trazendo dádivas e honras. Mas a cada um Deméter fez saber que de modo algum retornaria ao monte Olimpo, até que sua filha lhe fosse devolvida.

Finalmente Zeus resolve enviar seu mensageiro Hermes até Hades, ordenado-lhe que trouxesse Perséfone de volta para que “quando sua mãe a visse com seus próprios olhos, abandonasse a sua raiva”. Hermes ao chegar ao mundo de Hades, encontrou-o sentado próximo à Perséfone que se encontrava muito deprimida.

O Senhor dos Mortos, antes de libertar Perséfone, deu-lhe uma semente de romã para comer, o que faria com que ela voltasse para ele. Assim, foi-lhe permitido voltar para Deméter dois terços do ano e o restante do ano no mundo das trevas com Hades.

Com a satisfação de recuperar a filha perdida, Deméter fez com que os cereais brotassem novamente e com que toda a Terra se enchesse de frutos e flores. Imediatamente mostrou esta feliz visão aos princípios de Elêusis, Triptolemo, Diocles e ao próprio rei Celeo e, além disso, revelou-lhes seus sagrados ritos e mistérios.

O amor entre Deméter e Coré é um sentimento que somente uma mãe e uma filha podem realmente compartilhar. Não importa o quanto um pai ame e adore sua filha, jamais chegará perto do estreito vínculo que existe entre mãe e filha. Ao dar á luz, a mãe, vê a si mesma em pura inocência naquela pequena pessoinha. Jung nos diria que uma mãe vê em sua filha é a percepção de seu próprio “self” feminino transcendente, a perfeição do ser feminino.

Podemos afirmar, com convicção, segundo Carl Jung, que “em toda mãe já existiu uma filha e toda a filha contêm sua mãe” e que toda mulher se estende para trás em sua mãe e para frente em sua filha. A conscientização destes laços gera o sentimento de que a vida se estende ao longo de gerações e provocam a sensação de imortalidade.

ARQUÉTIPO MATERNAL

No momento que a mulher recebe em seus braços o seu bebê, o poder arquetípico de Deméter é plenamente despertado. As dores do parto, consideradas como uma transição iniciática, desaparecem e uma irradiação de amor demétrico tudo abrange. Estará aqui e agora desperta para uma nova fase de sua vida: ser mãe. Uma vez mãe, permanecerá sempre mãe, pois nada apaga a emoção de carregar um filho sob o coração.

O arquétipo da Mãe era representado no Olimpo por Deméter. Embora muitas Deusas tenham sido mães, nenhuma se compara à esta Deusa, pois ela deseja ser mãe. Quando está grávida ou criando seus filhos, Deméter atinge o ápice de sua plenitude enquanto mãe. Ela orgulhosamente proporcionou vida nova e novas esperanças à sua comunidade. No antigo simbolismo de seu ciclo, ela corporifica agora a lua cheia, e também o verão abundante com frutos da terra. O cálice da força vital dentro de si está transbordante.

Este arquétipo não está restrito à mãe biológica. Ser mãe de criação ou ama seca, permite que outras mulheres expressem seu amor maternal. A própria Deméter representou este papel com Demofonte.

MÃE-NATUREZA

O povo grego. ano após ano, via, com natural pesar, os dias brilhantes do verão desvanecer-se com a tristeza da estagnação do inverno. Ano após ano, saudava a explosão de vida e cores da primavera. Habituado a personificar as forças da natureza e a vestir suas realidades com roupagem de fantasia mítica, ele criou para si um panteão de deuses e deusas, de espíritos e duendes, que oscilavam com as estações e seguiam as flutuações anuais de seus fados com emoções alternadas de alegria e tristeza, que expressava na forma de ritual e de mito. Um destes mitos é o da Deusa Deméter. Os romanos a conheciam como Ceres.

O símbolo principal de Deméter era um feixe de trigo e, em seus mistérios em, Elêusis, uma única espiga de milho. É retratada como uma mulher bonita de cabelo dourado e vestida com roupão azul, considerada a Senhora das Plantas. Seu animal sagrado é o porco, que representava um sacrifício de fertilidade em todo o mundo por causa de seus múltiplos úteros. Seu animal sagrado marinho era o golfinho.

AS TESMOFORIAS

O festival grego da “Tesmoforias” era celebrado anualmente em outubro, em honra a Deméter e era exclusivo para mulheres. Se constituía de três dias de celebrações pelo retorno de Core ao Submundo.

Neste festival, os iniciados compartilhavam uma beberagem sagrada, feita de cevada e bolos.

Uma das características da Tesmoforia era uma punição aos criminosos, que agiam contra as leis sagradas e contra as mulheres. Sacerdotisas liam a lista com os nomes dos criminosos diante das portas dos templos das Deusas, especialmente Deméter e Ártemis. Acreditava-se que aqueles desta forma amaldiçoados morreriam antes do término de um ano.

O primeiro dia da Tesmoforia era celebrado o “kathodos”(baixada) e o “ánodos”(subida), um ritual em que as sacerdotisas castas levavam leitões para serem soltos dentro de grutas profundas cheias de serpentes e os restos decompostos dos porcos do ano anterior eram recolhidos.

O segundo dia era chamado de “Nestía”, nele as mulheres jejuavam, sentadas no chão, imitando a forma ritual dos processos da natureza e, de acordo com uma perspectiva mitológica, representando a dor de Deméter pela perda da filha, quando, inconsolada, se sentou ao lado do poço. O ambiente era triste e, portanto, não se usavam guirlandas.

No terceiro dia, se celebrava um banquete com carne e os leitões recolhidos (do ano anterior) eram espalhados na terra arada, e se invocava a Deusa de belo nascimento, “kalligeneia”.

MISTÉRIOS ELEUSIANOS

O propósito e o significado dos Mistérios Eleusianos era a iniciação à uma visão. “Eleusis”, significa “o lugar da feliz chegada”, de onde os campos Elíseos tomam seu nome. O termo “Mistérios” provêm da palavra “muein”, que significa “fechar” tanto os olhos como a boca. Faz referência ao segredo que rodeia as cerimônias e a conformidade requerida do iniciado, ou seja, se exige de ele ou ela permita que se faça algo: daí se deduz o significado de “iniciar”. A culminação da cerimônia consistia na exposição de objetos sagrados no santuário interno à mãos do sumo sacerdote ou hierofante (hiera phainon), “o que faz que os objetos sagrados apareçam”. Era somente permitido fazer alusões indiretas sobre o que ocorria. Entre elas, a fundamental era que Deméter falava à sua filha e se reunia com ela em Eleusis. Mas, alguns escritores cristãos violaram essa regra e um assinalou que o ponto culminante da cerimônia consistia em cortar uma espiga de trigo em silêncio.

Qualquer pessoa podia assistir os Mistérios, desde que falasse grego, mulheres e escravos inclusive, desde que não tivessem as mãos sujas de sangue por nenhum crime. Os Mistérios eram realizados uma vez ao ano para mais ou menos três mil pessoas. Se sabe que esses iniciados não formavam nenhuma sociedade secreta, eles vinham de todos os pontos da Hélade, participavam da experiência e logo se separavam.

Os Mistérios menores, que se celebravam até o final de inverno no mês das flores, o Antesterion (nosso fevereiro) e era pré-requisito para a participação nos Mistérios maiores, que se celebravam no outono. Esses Mistérios exploravam o que havia acontecido à Perséfone, Deusa do Mundo Subterrâneo, quando estava colhendo flores em Nisa. Se diz que ela foi raptada por Hades enquanto colhia um narciso de cem cabeças. Os gregos chamavam de narciso toda a planta que tinha propriedades narcóticas.

Esse rapto representa várias idéias, uma é o processo que experimenta a semente ao cair na terra e decompõem-se para voltar de novo à vida. Que se representava simbolicamente como as primeiras núpcias entre os reinos da vida e da morte.

Porém, também representa o rapto extático que proporcionavam certas substâncias que estavam relacionadas com Dionísio, deus da embriaguez, que por sua vez era Senhor de Hades por sua relação com tudo que apodrecia, fermentava e se transformava em outra coisa.

O primeiro estágio da iniciação no Mistérios menores era o sacrifício de um porco jovem, o animal consagrado à Deméter, que substituía simbolicamente a morte do próprio iniciado. Como nas Tesmoforias esse rito se ajusta à variante órfica do mito, que associava a morte do leitão com o rapto de Perséfone.

O segundo estágio da iniciação era uma cerimônia de purificação na qual o iniciado era vendado. As sucessivas etapas dos ritos de iniciação são descritas, através de alusões, inteligíveis para os já iniciados, porém não para os profanos. O acontecimento central dos Mitos Eleusinos era a noite em que se consumia a poção sagrada Kykeon. Os ingredientes dessa poção se constituiu um segredo durante esses 4 mil anos.

Os Mistérios maiores se celebravam a princípio à cada cinco anos. Mais tarde passaram a celebrar anualmente, no outono: começava no dia 15 do mês Boedromión (nosso mês de setembro) e duravam nove dias. Se reuniam iniciados de todos os lugares do mundo helênico e romano, e se declarava uma trégua entre as cidades estado gregas durante quarenta e cinco dias, desde o mês anterior até o mês seguinte.

Na véspera do início, se levavam os objetos sagrados, o “hierá”, de Deméter em procissão desde Eleusis até Atenas.

1- dia 15 do boedromion: Agyrmos, reunião. Proclamação:

Nesse dia tinha lugar a convocação e preparação dos iniciados. Os hierofontes declaravam o “prorrhesis”, o início dos ritos.

2 dia- 16: Elasis ou Helade Mistay: “Ao mar, ó iniciados!”

No segundo dia os iniciados se purificavam no mar (Falero), num rito chamado de “expulsão”. Durante nove dias fariam estas abluções na água do mar, nove dias como Deméter peregrinou pela terra em busca da verdade sobre o rapto de Perséfone. Nesse mesmo dia, os iniciados sacrificavam um leitão enquanto o hierofante os instava: Helade, Mysthai!

3 dia- 17: Hiereia Deuro: Sacrifício

Parece que nesse dia se celebravam o sacrifício oficial em nome da cidade de Atenas.

4 dia- 18: Asclepia

Esse dia era chamado de Asclepia em honra de Asclepio, deus da cura, era outro dia de purificação.

5 dia- 19: Yacós ou Pampa, procissão

Esse era um dia de celebração onde se realizava um grande procissão que inciava em Ceramico (Cemitério de Atenas) até Eleusis, seguindo o itinerário sagrado. Percorriam uns 32 Km. Algumas sacerdotisas levavam as “hierás” em “kistas”fechadas, ou cestas, rodeadas por uma multidão que dançava e gritava o nome de Yaco, cuja estátua, coroada de myrto e carregando uma tocha.

Yaco era o outro nome de Dionísio que, segundo a lenda órfica, era filho de Perséfone e Zeus, pai da mesma. Fui concebido em uma noite em que o deus se aproximou de uma caverna subterrânea transformado em serpente. Não se tratava de Dionísio, deus do vinho e do touro (cujo equivalente é o cretense Zagreo), deus que é desmembrado, porém vive de novo. Era Dionísio como criança de peito místico, o deus que morre e vive eternamente, imagem da renovação perpétua.

Na fronteira entre Eleusis (era uma cidade pequena à 30km noroeste de Atenas) e Atenas, pessoas mascaradas parodiavam a procissão. Encenavam o mito que relatava como Yambe ou Baubo animou Deméter. Como em tantas festas de renovação, preparavam o nascimento do novo para substituir o velho. Quando as estrelas apareciam, os “mystai” (iniciados) rompiam seu jejum, pois o dia vigésimo do mês havia chegado e segundo as “Ranas” de Aristófanes, o resto da noite passavam entre cantos e bailes. Os templos de Poseidón e Ártemis se abriam para todos, porém atrás deles estava a porta que dava ao santuário, e nada, exceto os iniciados, poderiam passar sob pena de morte.

6 dia – 20: Telete (mysteriodites Nychtes)

Esse era um dia de descanso, jejum, purificação e sacrifícios, de acordo com o mito de jejum de Deméter, representando o ritual de esterilidade do inverno. O jejum se rompia com a bebida de cevada, mel e polén (Kykeon) que preparavam e então se permitia que os iniciados entrassem no santuário sagrado. Essa celebração acontecia em um lugar chamado de Telesterion, chamado assim porque aqui se alcançava “o objetivo” ou “telos”. Era um local enorme, que podia albergar milhares de pessoas e onde se exibiam os objetos sagrados de Deméter. No centro estava o Anactoron, uma construção retangular de pedra com uma porta em um de seus extremos, que só o hierofonte podia passar. Essa era a parte mais reservada dos Mistérios eleusianos.

Mas o que exatamente ocorria neste momento?Seria o começo da própria iniciação? Parece que se desenvolvia em três etapas: “drómena, o feito (Ação); legómena, o dito (texto falado); deiknýmena, o mostrado (visão). Depois tinha lugar uma cerimônia especial conhecida como “epoptía”, o estado de “haver visto”, se celebrava para os iniciados do ano anterior.

Em drómena os iniciados participavam de um desfile sagrado pelo qual se representava o relato de Deméter e Perséfone. Os legómena consistiam em invocações ritualísticas curtas, pequenos comentários que acompanhavam o desfile e explicavam o significado do drama. Os deiknýmena, a exibição dos objetos sagrados, culminava na revelação proferida pelo hierofante, cuja difusão era proibida. Os epoptía também incluiam a exibição de “hierá”, não se sabe ao certo o que eram esses objetos sagrados. Segundo as fontes arqueológicas de A. Kórte (Zu den Eleusinischen Mysterien, «Archiv für Religions Wissenschaft» 15, 1915, 116) supõe-se que a enigmática cesta que tomavam os iniciados, entre outros objetos, havia um que representava o órgão sexual feminino, o qual, em contato com o corpo dos mystai, contribuía com a sua regeneração e passavam a ser considerados filhos de Deméter.

M. Picard (L’épisode de Baubó dans les mystéres d’pleusis, «Revue d’histoire des religions» 1927, 220-255) adiciona o órgão masculino. O iniciado tocaria sucessivamente os dois objetos, simbolizando assim a verdadeira união sexual.

7 dia- 21: Epopteia

Somente à tarde tinha início os ritos secretos. Em determinado momentos deviam pronunciar uma contra-senha sagrada:”Jejuei, bebi o kykeon, o tomei do canasto (calathus) e, depois de prová-lo o coloquei de novo no canasto e dali, ao cesto”. Misteriosas palavras, que sem sombra de dúvida, tinham grande significado para os iniciados. Todo o resto do dia era passado em compasso de espera e somente à noite os iniciados entravam no santuário. Um muro à sua direita impedia que vissem o local da “Rocha sem alegria” (local em que se supõe que a Deusa Deméter esteve sentada). Ouviam lamentos procedentes dali. Chegavam ao Telesterion e depositavam os leitões nas “mégara”, uma espécie de sótão do templo. Em seguida peregrinavam fora do Telesterion em busca de Core (Perséfone), na escuridão e com a cabeça coberta com uma carapuça que não lhes permitia ver nada, cada iniciado era guiado por um mystagogo. Imagine andar na escuridão, totalmente desorientado, esperando em silêncio, até que um gongo soa como um trovão e o hierofonte clamando por Core, até que o mundo inferior se abre e das profundezas da terra aparece a Deusa. Daí um clarão de luz enche a câmara, crescem as chamas da fogueira e o hierofonte canta:

-“A Grande Deusa deu à luz a um filho sagrado: Brimo pariu à Brimós”. Então, em silêncio profundo, levanta com a mão uma espiga de trigo.

Para que entendam, Brimo era uma Deusa do Mundo Inferior em Tesália, ao norte. Os nomes Brimo e Brimós sugerem à introdução da agricultura e de que nos Mistérios da Grécia houve influência tesalia.

Mas que estão fazendo Brimo e Brimós em Eleusis?

Kerényi diz que Brimo é “fundamentalmente um nome que designa a rainha do reino dos mortos, atribuído à Demeter, Core e Hécate em sua qualidade de Deusas do Mundo Inferior”. Nesse caso, o filho é o espírito da renovação concebido no Mundo Inferior como testemunho vivo de que na morte há vida, já que está na “riqueza” da colheita, o “tesouro” do conhecimento intuitivo espiritual.

Brimo, portanto, foi o nome dado ao filho de Perséfone, ao qual ela deu à luz no inferno em meio as chamas. Esse nome parece referir-se à Dionísio, o deus de vida indestrutível.

8 dia – 22: Plemochoai

Era dia de sacrifício e festa. Sacrificavam-se touros à Deméter e Perséfone (Core) e outros animais, especialmente leitões. Este festival era chamado Plemochoai, porque esse era o nome dado aos vasos (ou taças) que o sacerdote enchia com um certo líquido e, virando-se para oeste e depois para leste, derrama ao solo o que continham. O povo, olhando para o céu, grita “chuva!” e, olhando para a terra, grita “concebe!”, hýe, kýe.

Harrison escreve que “o rito do matrimônio sagrado e o nascimento da criança sagrada….era o mistério central”. Entretanto, a cerimônia final nos mostra o matrimônio simbólico da chuva celestial com à terra, que havia de conceber o filho do grão (da semente), porém existia a possibilidade se ser celebrado esse casamento simbólica ou literalmente, entre o hierofante e uma sacerdotisa antes do regresso de Core.

9 dia – 23: Epistrofe

Neste dia os iniciados voltavam à Atenas. Eleusis voltava a velar-se em seus mistérios, enquanto se despedia dos visitantes, agora renascidos, levando consigo as experiências de vinculação com as divindades. Assim acabam os Mistérios de Eleusis.

A gestão desse culto era exclusiva das famílias aristocráticas, com funções definidas para cada uma delas. O sumo sacerdote, o chamado hierofante, devia pertencer a família dos Eumólpidas, enquanto a família dos Cérices procediam dos sacerdotes de traço imediatamente inferior, o portador da tocha. A sacerdotisa vivia sempre no santuário. O hierofante ostentava o privilégio de escolher seus iniciados. Sobre todos eles se sobrepunha uma outra figura, o chamado arconte rei (archon basileus) no eleusino, que era ateniense (era os atenienses que controlavam o culto), ao qual assiste uma equipe de colaboradores (epistatai), encarregados das finanças.

MORRER PARA RENASCER

Morrer para renascer, esse é o sentido da iniciação. O sangue dos animais sacrificados simbolizavam a própria morte do iniciado. É Plutarco que nos diz que “morrer é ser iniciado”. Só através da morte se regressa à luz. Clemente e Foucart realmente estão de acordo com essa idéia: representar a busca de Deméter e identificar-se com Perséfone é precisamente vagar no mundo subterrâneo da morte, do mesmo modo que encontrar Core é retornar à vida depois da morte.

Esse mito grego recupera um mito bem mais antigo conhecido como a “Descida de Inanna”, que vai e vem entre ambos os mundos. Perséfone aqui é a faceta da mãe que desce e regressa de novo à mãe, configurando uma totalidade nova. Se percebe claramente uma continuidade nessa relação: vida em morte e morte em vida. Se “vê através” de uma a outra, e isso liberta a humanidade de sua natureza de entidades antagônicas. Quando mãe e filha se percebem como uma única realidade, nascimento e renascimento se convertem em fases que provêm de uma fonte em comum: através da dita percepção se transcende a dualidade.

A DEUSA TRÍPLICE

A triplicidade pode ser vista na lua, que é: crescente, cheia e minguante. E, no fato da Deusa reger o mundo superior, a terra e o mundo inferior. Ela era também a Donzela ou Virgem, a Mãe e a Anciã, as três principais fases da vida de toda a mulher. Pois Deméter se vê “Donzela” em sua filha Coré. É “Mãe” desta filha e de tudo que brota e cresce. Mas, ao perder sua filha Coré para Hades, torna-se “Anciã” associada diretamente com a morte.

Para cada fase ou ciclo há perdas que devem ser vivenciadas por todas as mulheres. No primeiro ciclo, visualiza-se a “morte da donzela”, que torna-se uma jovem nubente e é uma iniciação para fase seguinte, que se tornará mãe, abençoada com seus próprios filhos. Quando a Mãe não pode mais conceber (menopausa), passa a tocha da maternidade para filha, transferindo para ela todos os poderes da fecundidade. A morte da mãe, constitui a mulher idosa que tem agora o potencial para ingressar na esfera espiritual das anciãs, guardiãs dos mistérios da morte.

Hoje estes ciclos raramente são reconhecidos e vividos plenamente pelas mulheres, pelo fato de habitarem um mundo predominantemente masculino. A realidade moderna e científica tornou a “Mãe” uma máquina biológica de produção de bebês, que favorece ou prejudica a política financeira de uma determinada sociedade.

DEMÉTER HOJE

Por mais belo que se pinte um quadro de uma mãe com o filho nos braços, ele estará longe de ser a realidade para a maioria das mães das sociedades industrializadas e urbanas do Ocidente. As pressões financeiras, privam a mulher de permanecer no seio da família, cuidando de seus amados filhos. Até a licença-maternidade, através de duras penas conseguida, possui um tempo vergonhosamente limitado, pois a volta ao trabalho quase de imediato, não permitem que a mãe acompanhe o desenvolvimento de seu bebê. Além de ser estigmatizada por tal feito, pois ter um filho em nossos dias, significa estar fora de ação, inativa e lhes é somente permitido olhar saudosamente para o mundo que caminha sem elas.

Deméter sofre com o eclipse em nossa civilização. As mulheres que representam seu modo de ser, não têm condições de competir com as mulheres mais instruídas, pois a Deméter natural não é tão intelectualizada. Ela adora apenas criar seus filhos e acaba ficando muito sentimentalizada, tratada com condescendência e destituída do poder por suas irmãs feministas.

Deméter nas antigas comunidades agrárias, tinha dignidade, autoridade e uma vida bastante gratificante. Tudo se perdeu numa sociedade onde tudo é subserviente às exigências econômicas do monopólio do consumo.

Por Rosane Volpatto.

#Magia #Mitologia #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-deusa-demeter-e-os-mist%C3%A9rios-eleusis