Arcano 6 – Enamorados – Zain

Um homem, entre duas mulheres, é visado por uma flecha que parece pronta para ser disparada por um anjo, Cupido, à frente de um disco solar. O homem, no centro do grupo, olha para a mulher da esquerda. Ele tem cabelos louros, as pernas descobertas, e sua vestimenta é uma túnica de listas verticais, com mangas e um cinto amarelo. Vê-se apenas uma das suas mãos, a direita, à altura do cinto.

A mulher da direita, com os cabelos louros soltos sobre os ombros, tem um rosto jovem, fino. A mão esquerda está pousada sobre o peito do homem, enquanto a direita aponta para baixo, de modo que os braços estão cruzados.

A outra mulher, a da esquerda, está representada de costas, mas o rosto aparece de perfil. Tem cabelos que escapam livremente de um curioso chapéu. Dirige a mão direita para a terra e pousa a esquerda sobre o ombro do jovem.

O anjo, de cabelos louros e asas azuis, segura uma flecha branca com uma das mãos enquanto com a outra segura um arco da mesma cor.

Do disco solar surgem 24 raios pontiagudos, um dos quais é superposto pela asa do anjo.

Significados simbólicos

Sentimento. Livre arbítrio. Maioridade. Prova. Escolha.
Encadeamento, enredo, abraço, luta, antagonismo, combinação, equilíbrio.
Matrimônio, ligação, união. Integração de ambos os sexos ao poder gerador do universo.

Interpretações usuais na cartomancia

Decisão voluntária, eleição. Votos, aspirações, desejos. Exame, deliberações, responsabilidades. Afetos.
Mental: Amor pelas belas formas e pelas artes plásticas.
Emocional: Dedicação e sacrifícios.
Físico: Os desejos, o amor, o sacrifício pela pátria ou pelos ideais sociais, assim como todos os sentimentos manifestados fortemente no plano físico.

É a carta da união e do matrimônio. Representa para os consulentes de ambos os sexos, também, a infidelidade; em certos casos, a iminência de uma escolha a ser realizada.

Sentido negativo: Ruptura, separação, corte, desordem. Divórcio. Prova a ser suportada. Dúvida, falta de resolução. Tentação perigosa, risco de ser seduzido. Má conduta, libertinagem. Debilidade, falta de heroísmo. Infidelidade, maus relacionamentos, indecisão e impotência.

História e iconografia

Em vasos e quadros da época romana, encontra-se com frequência a imagem de um casal de namorados ante uma terceira pessoa ou elemento (em geral um Cupido).

O Arcano VI parece referir-se de forma alegórica a uma ideia diferente: a famosa parábola de Hércules na encruzilhada entre a Virtude e o Vicio, tal como conta Xenofonte nas suas lembranças de Sócrates. É bem provável que esta parábola – e suas variantes, como a de Luciano, o Jovem, disputado pela Arte e pela Ciência, entre as mais conhecidas – tenha sido popular na Idade Média, visto que é citada por vários autores dessa época (Cícero, no Tratado dos Deveres; São Basílio, no seu Discurso aos Jovens).

A ideia fundamental deste tema – ou seja, a necessidade de escolha entre dois caminhos – encontra-se igualmente em muitas imagens cristãs. Pode-se citar como exemplo uma miniatura bizantina do século X, onde Davi está representado entre duas mulheres que simbolizam a Sabedoria e a Profecia: a pomba que pousa sobre a cabeça do rei lembra em muito o Cupido do Arcano VI.

A antiguidade desta parábola é indiscutível, mesmo que as suas representações gráficas mais remotas não tenham chegado até nos. Na vida de Apolônio de Tiana, narrada por Filostrates no final do século II, há uma curiosa passagem em que um sábio egípcio diz a Apolônio:

Davi, entre a Sabedoria e a Profecia

“Tu conheces, nos livros de imagens, a representação de Hércules em que ele, jovem, ainda não escolheu o seu caminho. O Vício e a Virtude o rodeiam, tentam atraí-lo, cada um o quer para si…”

É preciso remontar mais uma vez aos pitagóricos para encontrar o simbolismo gráfico do tema, representado entre eles pela letra Y, emblema da escolha vital que todo homem realiza no final da infância.

O traço da metade inferior da letra Y representaria precisamente a infância, isenta de vícios ou virtudes; os braços que partem da bifurcação da letra representariam cada uma dessas tendências, enquanto que o ponto onde a bifurcação se produz seria o momento exato em que a puberdade se manifesta.

É comum encontrar nos manuscritos medievais esta referência à letra Y: “bifurcação, ou letra de Pitágoras”. Não é casual, assim, que alguns desenhos modernos do Tarô mencionem esta lâmina como A Dúvida ou A Prova.

Esse mesmo significado é mencionado no Antigo Testamento – no Deuteronômio, no primeiro dos Salmos, e mais explicitamente ainda em Jeremias. A idéia não reaparece no Novo Testamento, mas sim no começo dos Ensinamentos dos Doze Apóstolos, texto não canônico, presumivelmente composto por volta do século II: “Dois são os caminhos; um leva à Vida e outro à Morte”.

Uma interpretação totalmente diferente vê nessa estampa o ato do compromisso matrimonial dos noivos diante do sacerdote. Alguns dos célebres pintores renascentistas – Rafael, Perugino – deram testemunho dessa cerimônia na vida da Virgem.

“Entre os pitagóricos – disse Clemente de Alexandria – o seis é um numero sexual, chamando-se por esta razão O Matrimônio”.

Nas analogias geométricas, o Enamorado se identifica ao selo de Salomão, ou seja, tem claro vínculo com cópula dos triângulos entrelaçados.

Do ponto do vista psicológico, é sem dúvida a metáfora mais transparente do caminho para a identidade, que só se realiza no conflito e no intercâmbio com o mundo e com os outros.

Por Constantino K. Riemma retirado de http://www.clubedotaro.com.br/

#Tarot

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/arcano-6-enamorados-zain

Aleph, o Arcano Zero – O Louco

O Louco é considerado o arcano zero do Tarot.

Cabalisticamente conecta Hochma a Keter.

Um homem anda com um bastão na mão direita. Está de costas, mas seu rosto, bem visível, aparece de três quartos. Sobre o ombro direito leva uma vara em cuja extremidade há uma pequena trouxa.

O personagem está vestido no estilo dos antigos bobos da corte: as calças rasgadas deixam ver parte da coxa direita. Um animal que poderia ser um felino parece arranhar esta parte exposta ou ter provocado o rasgão.

De um chão árido, acidentado, brotam cinco plantas.

O viajante tem a cabeça coberta por um gorro que desce até a nuca e lhe cobre as orelhas; esta estranha touca transforma seu rosto barbudo numa espécie de máscara. Veste uma jaqueta, presa por um cinto amarelo; seus pés estão cobertos por calçados vermelhos.

Significados simbólicos

A busca e o Filho Pródigo. A experiência de ultrapassar os limites.

Espontaneidade, despreocupação, admiração, saudade.

Impulsividade. Inconsciência. Alienação.

Interpretações usuais na cartomancia

Passividade, completo abandono, repouso, deixar de resistir. Irresponsabilidade. Inocência.

Escolha intuitiva acertada. Domínio dos instintos; capacidade mediúnica. Abstenção. O não-fazer.

Mental: Indeterminação devida às múltiplas preocupações que se apresentam e das quais se tem apenas uma vaga consciência. Ideias em processo de transformação. Conselhos incertos.

Emocional: Revezes sentimentais, incerteza frente aos compromissos, sentimentos vulgares e sem duração. Infidelidade.

Físico: Inconsciência, desordem, falta à palavra dada, insegurança, desprazer. Abandono voluntário dos bens materiais. Assunto ou negócio enfraquecido.

Do ponto de vista da saúde: transtornos nervosos, inflamações, abscessos.

Sentido negativo: Enquanto andarilho, o Louco significa queda ou marcha que se detém. Abandono forçado dos bens materiais; decadência sem muita possibilidade de recuperação. Complicações, atoleiro, incoerência.

Nulidade. Incapacidade para raciocinar e autodirigir-se, entrega aos impulsos cegos. Automatismo. Confusões inconscientes. Extravagância. Castigo causado pela insensatez das ações. Remorsos vãos.

História e iconografia

Reis e senhores, desde épocas remotas, tinham bufões em seus palácios, verdadeiras caricaturas da corte. Histórias sobre eles, bem como as representações gráficas desse personagem, podem ser contadas às dezenas.

Mas a imagem deste Arcano – um louco solitário que atravessa os campos e é agredido por um animal – não havia sido representada até então: é própria do Tarô e, nesse sentido, representa uma de suas contribuições mais originais do ponto de vista iconográfico.

Van Rijneberk arrisca a hipótese de que o espírito burlesco e irreverente da Idade Média teria parodiado, neste personagem, a classe dos Clerici vagante que, segundo ele, eram “estudantes migratórios e inquietos, sempre em busca de novos mestres de quem pudessem aprender ciências e idéias, e de novas tabernas onde pudessem beber fiado um pouco de vinho bom”.

Mais de um autor vê nesses viajantes insaciáveis e pouco escrupulosos os primeiros agentes – talvez ignorantes da sua missão, mas de grande eficácia real – da Reforma religiosa.

No desenho feito por Wirth aparece pela primeira vez impresso o termo Le fou (O Louco) para designar o arcano sem número, embora tradicionalmente fosse conhecido por este nome desde muito antes. Tanto o baralho Marselha original, bem como seus numerosos contemporâneos franceses (e os exemplares dos copistas espanhóis) chamam Le Mat a esta carta.

Paul Marteau levantou a hipótese de que este nome seria uma alusão ao jogo de xadrez, já que o protagonista está em cheque (pelos outros, pelo mundo), numa situação de encurralamento semelhante à do cheque mate. A palavra mat, no francês, significa “fosco, abafado, indistinto” e ainda o “cheque mate”, no xadrez. Já o termo mât, quer dizer “mastro”.

Outro estudioso do Tarô, Gwen Le Scouézec, sugere duas variantes etimológicas: o nome viria literalmente do árabe (mat: morto), ou seria uma apócope do italiano matto (louco, doido), nome com que aparece no tarocchino de Bolonha.

Por Constantino K. Riemma
http://www.clubedotaro.com.br/

#Tarot

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/aleph-o-arcano-zero-o-louco

Arcano Zero – o Louco – Aleph

O Louco é considerado o arcano zero do Tarot.

Cabalisticamente conecta Hochma a Keter.

Um homem anda com um bastão na mão direita. Está de costas, mas seu rosto, bem visível, aparece de três quartos. Sobre o ombro direito leva uma vara em cuja extremidade há uma pequena trouxa.

O personagem está vestido no estilo dos antigos bobos da corte: as calças rasgadas deixam ver parte da coxa direita. Um animal que poderia ser um felino parece arranhar esta parte exposta ou ter provocado o rasgão.

De um chão árido, acidentado, brotam cinco plantas.

O viajante tem a cabeça coberta por um gorro que desce até a nuca e lhe cobre as orelhas; esta estranha touca transforma seu rosto barbudo numa espécie de máscara. Veste uma jaqueta, presa por um cinto amarelo; seus pés estão cobertos por calçados vermelhos.

Significados simbólicos
A busca e o Filho Pródigo. A experiência de ultrapassar os limites.

Espontaneidade, despreocupação, admiração, saudade.

Impulsividade. Inconsciência. Alienação.

Interpretações usuais na cartomancia
Passividade, completo abandono, repouso, deixar de resistir. Irresponsabilidade. Inocência.

Escolha intuitiva acertada. Domínio dos instintos; capacidade mediúnica. Abstenção. O não-fazer.

Mental: Indeterminação devida às múltiplas preocupações que se apresentam e das quais se tem apenas uma vaga consciência. Idéias em processo de transformação. Conselhos incertos.

Emocional: Revezes sentimentais, incerteza frente aos compromissos, sentimentos vulgares e sem duração. Infidelidade.

Físico: Inconsciência, desordem, falta à palavra dada, insegurança, desprazer. Abandono voluntário dos bens materiais. Assunto ou negócio enfraquecido. Do ponto de vista da saúde: transtornos nervosos, inflamações, abscessos.

Sentido negativo: Enquanto andarilho, o Louco significa queda ou marcha que se detém. Abandono forçado dos bens materiais; decadência sem muita possibilidade de recuperação. Complicações, atoleiro, incoerência.

Nulidade. Incapacidade para raciocinar e autodirigir-se, entrega aos impulsos cegos. Automatismo. Confusões inconscientes. Extravagância. Castigo causado pela insensatez das ações. Remorsos vãos.

História e iconografia
Reis e senhores, desde épocas remotas, tinham bufões em seus palácios, verdadeiras caricaturas da corte. Histórias sobre eles, bem como as representações gráficas desse personagem, podem ser contadas às dezenas.

Mas a imagem deste Arcano – um louco solitário que atravessa os campos e é agredido por um animal – não havia sido representada até então: é própria do Tarô e, nesse sentido, representa uma de suas contribuições mais originais do ponto de vista iconográfico.

Van Rijneberk arrisca a hipótese de que o espírito burlesco e irreverente da Idade Média teria parodiado, neste personagem, a classe dos Clerici vagante que, segundo ele, eram “estudantes migratórios e inquietos, sempre em busca de novos mestres de quem pudessem aprender ciências e idéias, e de novas tabernas onde pudessem beber fiado um pouco de vinho bom”.

Mais de um autor vê nesses viajantes insaciáveis e pouco escrupulosos os primeiros agentes – talvez ignorantes da sua missão, mas de grande eficácia real – da Reforma religiosa.

No desenho feito por Wirth aparece pela primeira vez impresso o termo Le fou (O Louco) para designar o arcano sem número, embora tradicionalmente fosse conhecido por este nome desde muito antes. Tanto o baralho Marselha original, bem como seus numerosos contemporâneos franceses (e os exemplares dos copistas espanhóis) chamam Le Mat a esta carta.

Paul Marteau levantou a hipótese de que este nome seria uma alusão ao jogo de xadrez, já que o protagonista está em cheque (pelos outros, pelo mundo), numa situação de encurralamento semelhante à do cheque mate. A palavra mat, no francês, significa “fosco, abafado, indistinto” e ainda o “cheque mate”, no xadrez. Já o termo mât, quer dizer “mastro”.

Outro estudioso do Tarô, Gwen Le Scouézec, sugere duas variantes etimológicas: o nome viria literalmente do árabe (mat: morto), ou seria uma apócope do italiano matto (louco, doido), nome com que aparece no tarocchino de Bolonha.

Por Constantino K. Riemma
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Arcano 15 – Diabo – Ayin

Três personagens estão representados de pé. No meio, sobre um pedestal vermelho em forma de cálice, um hermafrodita com asas e chifres; embaixo, uma figura feminina e outra masculina, pequenas e dotadas de atributos animais, presas, por uma corda que lhes passa ao pescoço, a um aro que se encontra no centro do pedestal.

O personagem central, despido, veste somente um cinto vermelho; tem na cabeça uma curiosa touca amarela, da qual sobem dois chifres de veado; duas asas amarelas (ou azuis, na ed. Grimaud), de desenho semelhante à dos morcegos, brotam das suas costas. Tudo indica que o personagem é do sexo masculino, mas seus seios estão desenvolvidos como os de uma mulher. Suas mãos e pés apresentam características simiescas; a mão direita, erguida, mostra o dorso; a esquerda segura a haste de uma tocha. O par acorrentado é visto de três quartos. Estão completamente nus, mas têm uma touca vermelha da qual sobem chifres negros.

Têm rabo, patas e orelhas de animal e escondem as mãos atrás das costas. No nível em que se encontram, o chão é preto, mas na altura do pedestal torna-se azul (ou amarelo) com listas negras. O fundo é incolor.

Significados simbólicos

As provas e provações. As tentações e seduções.

Magias. Desordem. Paixão. Luxúria. Dependência.

Intercâmbio, eloqüência, mistério, força emocional.

Interpretações usuais na cartomancia

Paixões indomáveis. Atração sexual. Ação mágica, magnetismo. Capacidade milagreira. Poder oculto, exercício de influências misteriosas. Proteção contra as forças obscuras e os encantamentos.

Mental: Grande atividade, mas totalmente egoísta e sem preocupação pela justiça.

Emocional: Pluralidade, diversidade, avidez, inconstância. Busca em todas as direções para atrair tudo. Sem a menor preocupação com o próximo. Libertinagem.

Físico: Grande irradiação neste plano, em particular no domínio material e nas realizações concretas. Poderosa influência sobre os outros.

Forte atração pelo poder material.

Tem, contudo, uma deficiência: todos os sucessos a que promete serão obtidos por vias censuráveis. Desta forma a fortuna será feita e os delitos permanecerão na impunidade.

Inclui também a punição: de acordo com a sua relação com as outras cartas, pode significar que os sucessos serão efêmeros e que o castigo virá na seqüência.

Do ponto de vista da saúde: grande instabilidade nervosa, transtornos psíquicos; aparição de enfermidades hereditárias.

Sentido negativo: A ação parte de uma base má e seus efeitos podem ser calamitosos. Desordem, inversão de planos, coisas obstruídas. Do ponto de vista da saúde: ampliação do mal, complicações. Disfunção. Superexcitação, sensualidade. Ignorância, intriga. Emprego de meios ilícitos. Enfeitiçamento, fascinação repentina, escravidão e dependência dos sentidos. Debilidade, egoísmo.

História e iconografia
Durante a baixa Idade Média o Diabo era representado freqüentemente como um dragão ou uma serpente, imagem derivada sem dúvida de seu papel no Gênese. Por um processo simbiótico – característico da iconografia – Eva e o Diabo se fundiram com freqüência na figura da serpente com cabeça de mulher: isto pode ser visto quase sempre nas ilustrações dos mistérios franceses que falam da Queda.

O desenvolvimento antropomórfico, que levou o Diabo a se converter na figura que conhecemos tem sua origem, provavelmente, nas tradições talmúdicas e nas lendas pré-cristãs, segundo as quais a serpente edênica teria tido mãos e pés de homem, membros que perdeu como castigo por sua maldita intervenção no drama do Paraíso, ficando condenada a arrastar-se até o fim dos tempos.

De modo similar o Diabo aparece no Apocalipse de Abraão, onde o Tentador é descrito como um homem-serpente, descrição retomada por Josefo e por boa parte dos autores judeus dessa época.

Já no Antigo Testamento (Jó 1,6-12 e 2,1-7) menciona-se esta humanização de Satã, e em Mateus (4, 3-11) aparece com toda clareza o antropomorfismo do personagem. Ele é assim descrito num manuscrito de Gregório de Nicena, onde toma a forma de um homem jovem, alado e nu da cintura para cima.

É somente no fim do primeiro milênio que o Diabo sofre a mais cruel de suas metamorfoses; a que acabou por transformar o mais formoso dos anjos em sinônimo de abominação e horror. Van Rijneberk atribui aos miniaturistas anglo-saxões essa mudança iconográfica, que respondia à simplicidade analógica da época. Se o Diabo continha a soma de todos os pecados e escândalos, seria lógico, dessa forma, que fosse representado como o apogeu de feiúra e pavor.

O homem com garras das figuras mais tênues sofreu a inclusão de chifres, dentes enormes, pêlos, cascos de bode, seios enrugados, rabo que terminava em seta. Assim aparece nos manuscritos alemães dos séculos X e XI, e no Missel Oxonien do bispo Léofric (960-1050). O diabo da lâmina do Tarô – um morcego hermafrodita – mostra-se como herdeiro dessa representação.

Van Rijneberk destaca o sentido metafísico de Satã para os Pais da Igreja, longe ainda dessas representações. Entre os séculos III e IV, Atanásio relatou as fadigas que costumavam acompanhar os tentados: o aspecto do Maligno produzia mais angústia do que repulsa; sua voz era terrível e seu movimento oculto como o de um assassino.

Tanto Cirlot como Wirth – a partir dos seus respectivos planos de observação – evitam entrar no complexo campo da demonologia ao comentarem o Arcano XV.

Assim, o primeiro destes autores se limita a compará-lo ao “Baphomet dos templários, bode na cabeça e nas patas, mulher nos seios e braços” e a mencionar que o personagem tem como finalidade “a regressão ou a paralisação no fragmentado, inferior, diverso e descontínuo”. Wirth, por seu lado, diz que o Diabo é o inimigo do Imperador (IV) na luta política pelo poder no mundo material, e se pergunta quem é “que opõe os mundos ao Mundo, e os seres entre si”. Para Ouspensky, sua figura “completa o triângulo cujos outros dois lados são a morte e o tempo”, no sentido da formalidade do ilusório.

Ele dá origem ao terceiro e último setenário do Tarô, plano do mundo físico ou do corpo perecível do homem. Do ponto de vista da finitude temporal, não é menos importante do que o Prestidigitador para o reino do espírito, ou o triunfal protagonista de O Carro (VII) para a análise psicológica.

“Na medida em que sempre houve áreas sombrias e ainda desconhecidas para o conhecimento e que presumivelmente, os enigmas subsistirão sempre – diz Jaime Rest no seu artigo Satanás, Suas Obras e Sua Pompa —, o demoníaco foi e continuará sendo uma constante de nossa realidade, já que esta experiência parece nutrir-se primariamente de algo que se desdobra além do domínio humano, e cuja índole tremenda e estremecedora suscita em nós este abalo íntimo que os teólogos denominam temor numinoso”.

Baphomet
O estudo dessa figura pode incluir as metamorfoses sofridas pelo Diabo (incluindo a variabilidade do aspecto: da beleza resplandecente com que Milton e William Blake o imaginaram até o horror da sua corte nas telas de Goya) para retornar ao memorável ponto de partida de onde se concebe sem dificuldades a permanência do demonismo: Satã como “um desafio da ordem que os homens atribuíram a Deus”.

A figura do Tentador, por outro lado, é inseparável das legiões que o servem (ou seja, da idéia do Inferno), e o Tarô repete esta associação ao representá-lo junto com o casal acorrentado – seres que podem ser tanto seus prisioneiros como seus colaboradores. A repetição do esquema dantesco é atribuída por Carrouges à paralisia imaginativa dos séculos posteriores em relação ao tema; daí a fixação e o empobrecimento do ciclo mítico na literatura européia.

Esta visão demonológica contemporânea, que faz do Diabo uma metáfora conflitante da dignidade humana, não é menos importante que a tradicional. Impõe-se, ao menos, como mais uma referência para a análise atualizada do Tarô.

Os comentários reunidos até aqui, porém, estão longe de esgotar as indicações para o estudo deste personagem tão ambíguo. Vale a pena conhecer o que diz G. O. Mebes em Os Arcanos Maiores do Tarô, sobre o papel de Baphomet, enquanto representação “da bipolaridade do turbilhão astral”, passagem inevitável no processo evolutivo.

Por Constantino K. Riemma
http://www.clubedotaro.com.br/

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/arcano-15-diabo-ayin

Arcano 5 – Hierofante – Vav

Um grupo de três personagens em que um deles é visto de frente, sentado, com a mão direita levantada no sinal da benção, tendo em sua mão esquerda o eixo de uma cruz de seis braços; sua cabeça está coroada por uma tiara. Os outros dois personagens que se encontram em primeiro plano, de costas para quem contempla a imagem, têm os rostos voltados para o primeiro personagem.

Este, protagonista da figura, tem veste azul, capa vermelha ornada de amarelo. Sua mão esquerda está fechada e coberta por uma luva que tem impressa uma cruz dos templários. A barba e o cabelo do Pontífice são brancos.

Percebe-se apenas vagamente a cadeira em que o personagem central está sentado, com duas colunas ao fundo.

Os dois personagens que estão de costas mostram a tonsura. O da esquerda aponta sua mão direita para o solo, com os dedos separados. O homem da direita aponta para o alto com sua mão esquerda, com os dedos juntos.

Significados simbólicos
É o arcano do ato da bênção, da iniciação, da demonstração, do ensino. Lei, simbolismo, filosofia, religião.

Dever. Moral. Consciência. O Santo.

Interpretações usuais na cartomancia
Autoridade moral, sacerdócio. Proteção, lealdade. Observância das convenções, respeitabilidade. Ensino, conselhos equilibrados. Benevolência, generosidade indulgente, perdão. Mansidão.

Busca de sentido, revelação, hora da verdade, confiança, indicações do caminho da salvação.

Mental: O Pontífice representa a forma ativa da inteligência humana, que traz principalmente as soluções lógicas.

Emocional: Sentimentos poderosos, afetos sólidos, solicitude, sem cair em sentimentalismos. O Pontífice indica os sentimentos normais, tal como devem ser manifestados na vida, de acordo com as circunstâncias.

Físico: Equilíbrio, segurança na situação e na saúde. Segredo revelado. Vocação religiosa ou cientifica.

Sentido negativo: Indica um ser desprovido de sua razão e seus instintos, na obscuridade, carente de apoio espiritual. Projeto retardado.

Chefe sentencioso, moralista estreito, prisioneiro das formalidades, metafísico dogmático, professor autoritário, teórico limitado, pregador da “boca pra fora”.

Conselheiro desprovido de sentido prático.

Problemas com saúde, indecisão, negligência.

História e iconografia
O Arcano V é uma das figuras que permitiram precisar com maior exatidão a antiguidade do Tarô, já que seus detalhes iconográficos remontam a um modelo perdido em que se inspirou necessariamente o desenho de Fautrier (Tarô de Marselha), o que é confirmado pelas diferenças e semelhanças com maços mais antigos, como os de Baldini (1436-1487) e Gringonneur (1450).

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o Pontífice do Tarô de Marselha é barbudo, enquanto seus precursores renascentistas e medievais não o são. Há estudos que estabelecem uma curiosa cronologia da moda papal neste aspecto. Torna-se assim evidente que o tarô clássico copia um modelo mais antigo que não chegou até nós, mas que assegura a continuidade evolutiva do Tarô desde os imagiers du moyen age até a atualidade.

Outro detalhe interessante é o da evolução da tiara papal na iconografia do Tarô. A tiara (com seu simbolismo sobre a existência dos três reinos ou mundos) não é um elemento litúrgico que permaneceu invariável ao longo da História. Os estudiosos tendem a concluir que as composições das tiaras representadas no Tarô clássico estão inspiradas em gravações bem anteriores ao final do século XV, possivelmente dos fins do primeiro milênio.

A luva papal ornada com a cruz-de-malta indica também a origem remota da imagem, já que desde os tempos de Inocêncio III (1197-1216) a cruz havia sido substituída por uma plaqueta circular.

Arcano da capacidade adivinhatória, da intuição filosófica, do conhecimento espontâneo, o Pontífice simboliza também (por seu número) o homem como intermediário entre a divindade e o plano das coisas criadas.

A soma destes simbolismos permite associá-lo ao mediador por excelência, o pacifista, o construtor de pontes, o que encontra a saída para situações aparentemente insolúveis, mediante um luminoso clarão intuitivo.

O Papa também é visto como representante da lei moral, não escrita, que domina a consciência e, no setenário que as pontas da sua cruz organizam, as virtudes necessárias para vencer os sete pecados capitais:

– orgulho (Sol), preguiça (Lua),

– inveja (Mercúrio), cólera (Marte), luxúria (Vênus),

– gula (Júpiter) e avareza (Saturno).

Wirth o imagina um ancião pleno de indulgência para com as debilidades humanas, pontificando ante duas categorias de fiéis: aqueles que compreendem (representados pelo personagem com a mão para o alto); e os que formam o rebanho cego e inconsciente que obedece por temor ao castigo, e não por autodeterminação (representados pelo personagem que aponta a mão para o chão). Estas combinações (alto e baixo, direita e esquerda) voltam a colocar a ordem do quaternário como modelo de organização. Considerado do ponto de vista do quaternário formado pelos arcanos anteriores, o Pontífice representaria o conteúdo da forma, a quintessência concebível (se bem que imperceptível), o domínio da quarta dimensão.

Por Constantino K. Riemma
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A Origem do Tarot

A origem do Tarot continua em questão e são muitas as teorias propostas. Na verdade, porém, nada existe de idêntico em outras culturas, pintado ou impresso em cartões, que pudesse ter estabelecido um modelo direto para o jogo de 78 cartas que vem à luz, na Europa, no final do séc. 14. E os desenhos mais antigos de cartas que chegaram até nós são coerentes com a iconografia cristã dessa época. Se essa afirmação vale particularmente para os 22 arcanos maiores, não cabe inteiramente para o conjunto das 56 ou 52 cartas do baralho sarraceno, já mencionado no séc. 14.

Apesar desses dois indícios mais próximos cabe investigar a possível influência de outras culturas desse período histórico e, igualmente, o material resgatado de civilizações anteriores.

Alguns estudiosos mostram as analogias entre o Tarot e o antigo jogo indiano do Chaturanga, ou jogo dos Quatro Reis, que correspondem aos quatro naipes das cartas de jogar. A quadruplicidade, no entanto, é a representação de uma realidade universal que transcende os dois jogos em questão.

O Chaturanga, que data do séc. V ou VI, antecessor do moderno jogo de xadrez, originalmente tinha o Rei, o General (a Rainha moderna), seu Cavaleiro e os peões ou soldados comuns. Não há, porém, indicações consistentes de como poderia ter ocorrido um caminho entre esse jogo e o Tarot.

Cruzados ou árabes?

Há quem acredite que as cartas de jogar foram levadas para a Europa pelos cruzados. Contudo, a última Cruzada terminou mais ou menos em 1291 e não existem referências que comprovem a presença de cartas de jogar na Europa até pelo menos cem anos mais tarde.

Uma justificativa para a origem sarracena das cartas é o nome espanhol e português naipe, que derivaria do árabe naibi. Também a palavra hebraica naibes se assemelha a naibi, o antigo nome italiano dado às cartas e, em ambas as línguas, a palavra indica bruxaria, leitura da sorte e predição. No entanto, não se encontram na história dos árabes e judeus referências ao jogo de cartas, anteriores aos século 15.

Esse tipo de restrição histórica, no entanto, não invalida a hipótese de uma criação ou recriação “multi-tradicional” do Tarot. Sabemos que, em especial na Península Ibérica, sábios cristãos, árabes e judeus, mantiveram uma criativa convivência durante o período em que o Tarot dá sinal de vida.

Do ponto de vista das provas históricas, o que se pode afirmar com segurança é que os árabes utilizavam, já em meados do séc. 14, um baralho de 52 cartas, com estrutura idêntica aos que hoje conhecemos como “arcanos menores” ou “baralho”.

Origem cigana?

Igualmente discutível é a hipótese que associa as cartas de ler a sorte com os ciganos originários do Hindustão. Apenas no começo do século XV começaram a entrar na Europa. Em 1417, um bando de ciganos chegou às proximidades de Hamburgo, na Alemanha; outros relatos situam os ciganos em Roma, no ano de 1422 , e em Barcelona e Paris, em 1427. Há, porém, claras evidências de que a raça cigana só estendeu suas peregrinações para o interior da Europa depois que as cartas já eram conhecidas ali há algum tempo.

Povo nômade, recorria aos mais variados expedientes para sobreviver. As mulheres particularmente utilizavam diversos recursos para “ler a sorte” dos habitantes das comunidades que visitavam, em especial a quiromancia (predição do futuro segundo as linhas e sinais das mãos) e, bem mais tarde, a cartomancia (utilização dos baralhos impressos na Europa). É esse um dos motivos pelos quais os ciganos ficam intimamente associados às cartas, ao baralho, no imaginário popular. Tiveram um grande papel na circulação e na difusão da cartomancia popular, mas estavam longe da tradição escrita e do conhecimento técnico de impressão das cartas.

Origem egípcia?

A hipótese da origem egípcia do Tarot foi aventada por Court de Gebelin em sua obra, Le Monde Primitif analysé et comparé avec le monde moderne, publicada a partir de 1775.

Gebelin foi um apaixonado estudioso da mitologia antiga e estabeleceu inúmeras correlações entre os ensinamentos tradicionais e as cartas do Tarot que, segundo ele, seriam alegorias representadas em antigos hieróglifos egípcios.

Um ponto, no entanto, não pode ser esquecido: embora existam necessariamente similaridades entre as linguagens simbólicas mais consistentes, isso não quer dizer que tenha existido influência direta de uma sobre a outra.

O significado das correspondências entre linguagens simbólicas constitui um tema delicado. Nem sempre é possível chegar a uma conclusão, pois similaridades e correspondências não querem dizer, necessariamente, que tenha havido cópia ou simples adaptação de uma cultura nacional para outra.

A favor da correção intelectual de Court de Gebelin, é importante lembrar que as cartas utilizadas por ele continuaram a ser as do Tarot clássico. Ele não falsificou nem inventou um “baralho egípcio” para justificar suas hipóteses. Somente após a publicação de seus estudos é que começaram a aparecer baralhos desenhados com os motivos egípcios, descompromissados com a história comprovável desse desafiador jogo de cartas.

Seja como for, é com Gebelin que se inicia a divulgação de textos e de estudos que assinalam um sentido mais alto para o Tarot, como uma linguagem simbólica, como um meio de transmissão dos conhecimentos esotéricos, espirituais, que vai muito além de sua utilização como jogo de baralho.

Múltiplas influências

A maior parte dos estudiosos reconhece uma origem iniciática do Tarot, ou seja, ele traduziria o significado e as propriedades do Cosmo, bem como o do papel do homem na Criação. Seria produto de uma Escola (escola dos criadores de imagens da Idade Média, como sugere Oswaldo Wirth). Nessa direção de pensamento, o Tarot seria uma criação de Escolas francesas e/ou italianas, no final do séc. XII, sem qualquer relação com indianos ou chineses. A favor desse ponto de vista pesa o fato de que não se encontram, em particular, jogos iguais aos arcanos maiores em qualquer outra civilização.

Há muitos estudos que apontam as relações entre o Tarot e Cabala. De fato, as 22 lâminas dos “trunfos”, ou “Arcanos Maiores”, são em igual número ao das letras do alfabeto hebraico e ao dos 22 “caminhos” ou conexões entre os sefirot do desenho simbólico denominado “Árvore da Vida”. As 40 cartas numeradas, dos Arcanos Menores, representam o mesmo número de sefiroth da “Escada de Jacó”, esquema resultante da superposição de quatro “Árvores da Vida”.

Tal constatação, porém, não exclui a hipótese de contribuições árabes, que tiveram um forte e prolongado impacto, através do sufismo, sobre a mística cristã, em particular na Península Ibérica.

Um período de ouro

Não é implausível, para alguns autores, imaginar o nascimento do Tarot por volta de 1180, período de grande força criativa na Europa, embora as primeiras menções registradas ocorram apenas duzentos anos após, em 1391. A razão para isso, segundo eles, seria simples: na origem, o Tarot não tinha a função lúdica de jogo de paciência ou de apostas em dinheiro, mas desempenhava o papel de estimular a reflexão pessoal sobre o caminho espiritual. Desse modo, ele não poderia ser mencionado como jogo de lazer nas crônicas da época.

“A essência do Tarot – escreve Kris Hadar – se funde maravilhosamente à mística que fez do séc. XII um século de luz, de liberdade e de profundidade da qual não temos mais lembrança. Nessa época, a mulher era mais liberada que hoje.”

É no correr desse período que são erigidas as catedrais góticas, em memória da elevação do espírito, e que aparece igualmente a busca de um ideal cavalheiresco que alcançará sua perfeição graças aos trovadores e o Fin’Amor, que colocará em evidência a arte de crescer no amor.

Para corroborar tal ponto de vista, pode ser lembrado que nesse mesmo período se desenvolvem os primeiros romances iniciáticos sobre os cavaleiros da Távola Redonda, a lenda do Rei Artur e a Demanda do Santo Graal.

Contemporâneo dos primeiros romances, o Tarot poderia ser considerado como um dos livros sem palavras (comuns na alquimia) para a reflexão e a meditação sobre a salvação eterna e a busca de Si, mesmo para quem não soubesse ler. Era uma porta aberta à verdade, tal como as catedrais, que permitiam aos pobres e aos ricos crescerem na comunhão com Deus.

“O Tarot” – afirma Kris Hadar – “é uma catedral na qual cada um pode orar para descobrir, no labirinto de sua existência, o caminho da Salvação”.

Paralelos do Tarot com outros jogos

Quando deixamos de lado as tentativas – algumas delas forçadas – de encontrar para o Tarot uma origem necessariamente fora da Europa, em outras culturas e povos, abre-se um outro campo muito atraente para os estudos simbólicos.

Tal como foi mencionado mais acima, a propósito da similaridades entre o Tarot e o jogo indiano do Chaturanga, os estudos comparativos permitem reconhecer princípios básicos e universais que estão presentes em diferentes jogos criados em culturas diversas sem que houvesse um contato próximo entre elas, sem que uma expressão em dado contexto cultural tenha sido necessariamente copiado de outro. Podemos encontrar provas de que o conhecimento das leis primordiais se revela por caminhos criativos e renovados.

Por Constantino K. Riemma

#KabbalisticTarot #Tarot

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-origem-do-tarot

Arcano 5 – Vav – O Hierofante

Um grupo de três personagens em que um deles é visto de frente, sentado, com a mão direita levantada no sinal da benção, tendo em sua mão esquerda o eixo de uma cruz de seis braços; sua cabeça está coroada por uma tiara. Os outros dois personagens que se encontram em primeiro plano, de costas para quem contempla a imagem, têm os rostos voltados para o primeiro personagem.

Este, protagonista da figura, tem veste azul, capa vermelha ornada de amarelo. Sua mão esquerda está fechada e coberta por uma luva que tem impressa uma cruz dos templários. A barba e o cabelo do Pontífice são brancos.

Percebe-se apenas vagamente a cadeira em que o personagem central está sentado, com duas colunas ao fundo.

Os dois personagens que estão de costas mostram a tonsura. O da esquerda aponta sua mão direita para o solo, com os dedos separados. O homem da direita aponta para o alto com sua mão esquerda, com os dedos juntos.

Significados simbólicos

É o arcano do ato da bênção, da iniciação, da demonstração, do ensino. Lei, simbolismo, filosofia, religião.

Dever. Moral. Consciência. O Santo.

Interpretações usuais na cartomancia

Autoridade moral, sacerdócio. Proteção, lealdade. Observância das convenções, respeitabilidade. Ensino, conselhos equilibrados. Benevolência, generosidade indulgente, perdão. Mansidão.

Busca de sentido, revelação, hora da verdade, confiança, indicações do caminho da salvação.

Mental: O Pontífice representa a forma ativa da inteligência humana, que traz principalmente as soluções lógicas.

Emocional: Sentimentos poderosos, afetos sólidos, solicitude, sem cair em sentimentalismos. O Pontífice indica os sentimentos normais, tal como devem ser manifestados na vida, de acordo com as circunstâncias.

Físico: Equilíbrio, segurança na situação e na saúde. Segredo revelado. Vocação religiosa ou cientifica.

Sentido negativo: Indica um ser desprovido de sua razão e seus instintos, na obscuridade, carente de apoio espiritual. Projeto retardado.

Chefe sentencioso, moralista estreito, prisioneiro das formalidades, metafísico dogmático, professor autoritário, teórico limitado, pregador da “boca pra fora”.
Conselheiro desprovido de sentido prático.
Problemas com saúde, indecisão, negligência.

História e iconografia

O Arcano V é uma das figuras que permitiram precisar com maior exatidão a antiguidade do Tarô, já que seus detalhes iconográficos remontam a um modelo perdido em que se inspirou necessariamente o desenho de Fautrier (Tarô de Marselha), o que é confirmado pelas diferenças e semelhanças com maços mais antigos, como os de Baldini (1436-1487) e Gringonneur (1450).

Em primeiro lugar, é preciso destacar que o Pontífice do Tarô de Marselha é barbudo, enquanto seus precursores renascentistas e medievais não o são. Há estudos que estabelecem uma curiosa cronologia da moda papal neste aspecto. Torna-se assim evidente que o tarô clássico copia um modelo mais antigo que não chegou até nós, mas que assegura a continuidade evolutiva do Tarô desde os imagiers du moyen age até a atualidade.

Outro detalhe interessante é o da evolução da tiara papal na iconografia do Tarô. A tiara (com seu simbolismo sobre a existência dos três reinos ou mundos) não é um elemento litúrgico que permaneceu invariável ao longo da História. Os estudiosos tendem a concluir que as composições das tiaras representadas no Tarô clássico estão inspiradas em gravações bem anteriores ao final do século XV, possivelmente dos fins do primeiro milênio.

A luva papal ornada com a cruz-de-malta indica também a origem remota da imagem, já que desde os tempos de Inocêncio III (1197-1216) a cruz havia sido substituída por uma plaqueta circular.

Arcano da capacidade adivinhatória, da intuição filosófica, do conhecimento espontâneo, o Pontífice simboliza também (por seu número) o homem como intermediário entre a divindade e o plano das coisas criadas.

A soma destes simbolismos permite associá-lo ao mediador por excelência, o pacifista, o construtor de pontes, o que encontra a saída para situações aparentemente insolúveis, mediante um luminoso clarão intuitivo.

O Papa também é visto como representante da lei moral, não escrita, que domina a consciência e, no setenário que as pontas da sua cruz organizam, as virtudes necessárias para vencer os sete pecados capitais:

– orgulho (Sol), preguiça (Lua),
– inveja (Mercúrio), cólera (Marte), luxúria (Vênus),
– gula (Júpiter) e avareza (Saturno).

Wirth o imagina um ancião pleno de indulgência para com as debilidades humanas, pontificando ante duas categorias de fiéis: aqueles que compreendem (representados pelo personagem com a mão para o alto); e os que formam o rebanho cego e inconsciente que obedece por temor ao castigo, e não por autodeterminação (representados pelo personagem que aponta a mão para o chão). Estas combinações (alto e baixo, direita e esquerda) voltam a colocar a ordem do quaternário como modelo de organização. Considerado do ponto de vista do quaternário formado pelos arcanos anteriores, o Pontífice representaria o conteúdo da forma, a quintessência concebível (se bem que imperceptível), o domínio da quarta dimensão.

Por Constantino K. Riemma
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Sobre a origem do Tarot

A origem do Tarot continua em questão e são muitas as teorias propostas. Na verdade, porém, nada existe de idêntico em outras culturas, pintado ou impresso em cartões, que pudesse ter estabelecido um modelo direto para o jogo de 78 cartas que vem à luz, na Europa, no final do séc. 14. E os desenhos mais antigos de cartas que chegaram até nós são coerentes com a iconografia cristã dessa época. Se essa afirmação vale particularmente para os 22 arcanos maiores, não cabe inteiramente para o conjunto das 56 ou 52 cartas do baralho sarraceno, já mencionado no séc. 14.

Apesar desses dois indícios mais próximos cabe investigar a possível influência de outras culturas desse período histórico e, igualmente, o material resgatado de civilizações anteriores.

Alguns estudiosos mostram as analogias entre o Tarot e o antigo jogo indiano do Chaturanga, ou jogo dos Quatro Reis, que correspondem aos quatro naipes das cartas de jogar. A quadruplicidade, no entanto, é a representação de uma realidade universal que transcende os dois jogos em questão.

O Chaturanga, que data do séc. V ou VI, antecessor do moderno jogo de xadrez, originalmente tinha o Rei, o General (a Rainha moderna), seu Cavaleiro e os peões ou soldados comuns. Não há, porém, indicações consistentes de como poderia ter ocorrido um caminho entre esse jogo e o Tarot.

Cruzados ou árabes?

Há quem acredite que as cartas de jogar foram levadas para a Europa pelos cruzados. Contudo, a última Cruzada terminou mais ou menos em 1291 e não existem referências que comprovem a presença de cartas de jogar na Europa até pelo menos cem anos mais tarde.

Uma justificativa para a origem sarracena das cartas é o nome espanhol e português naipe, que derivaria do árabe naibi. Também a palavra hebraica naibes se assemelha a naibi, o antigo nome italiano dado às cartas e, em ambas as línguas, a palavra indica bruxaria, leitura da sorte e predição. No entanto, não se encontram na história dos árabes e judeus referências ao jogo de cartas, anteriores aos século 15.

Esse tipo de restrição histórica, no entanto, não invalida a hipótese de uma criação ou re-criação “multi-tradicional” do Tarot. Sabemos que, em especial na Penísula Ibérica, sábios cristãos, árabes e judeus, mantiveram uma criativa convivência durante o período em que o Tarot dá sinal de vida.

Do ponto de vista das provas históricas, o que se pode afirmar com segurança é que os árabes utilizavam, já em meados do séc. 14, um baralho de 52 cartas, com estrutura idêntica aos que hoje conhecemos como “arcanos menores” ou “baralho”.

Origem cigana?

Igualmente discutível é a hipótese que associa as cartas de ler a sorte com os ciganos originários do Hindustão. Apenas no começo do século XV começaram a entrar na Europa. Em 1417, um bando de ciganos chegou às proximidades de Hamburgo, na Alemanha; outros relatos situam os ciganos em Roma, no ano de 1422 , e em Barcelona e Paris, em 1427. Há, porém, claras evidências de que a raça cigana só estendeu suas peregrinações para o interior da Europa depois que as cartas já eram conhecidas ali há algum tempo.

Povo nômade, recorria aos mais variados expedientes para sobreviver. As mulheres particularmente utilizavam diversos recursos para “ler a sorte” dos habitantes das comunidades que visitavam, em especial a quiromancia (predição do futuro segundo as linhas e sinais das mãos) e, bem mais tarde, a cartomancia (utilização dos baralhos impressos na Europa). É esse um dos motivos pelos quais os ciganos ficam intimamente associados às cartas, ao baralho, no imaginário popular. Tiveram um grande papel na circulação e na difusão da cartomancia popular, mas estavam longe da tradição escrita e do conhecimento técnico de impressão das cartas.

Origem egípcia?

A hipótese da origem egípcia do Tarot foi aventada por Court de Gebelin em sua obra, Le Monde Primitif analysé et comparé avec le monde moderne, publicada a partir de 1775.

Gebelin foi um apaixonado estudioso da mitologia antiga e estabeleceu inúmeras correlações entre os ensinamentos tradicionais e as cartas do Tarot que, segundo ele, seriam alegorias representadas em antigos hieróglifos egípcios.

Um ponto, no entanto, não pode ser esquecido: embora existam necessariamente similaridades entre as linguagens simbólicas mais consistentes, isso não quer dizer que tenha existido influência direta de uma sobre a outra.

O significado das correspondências entre linguagens simbólicas constitui um tema delicado. Nem sempre é possível chegar a uma conclusão, pois similaridades e correspondências não querem dizer, necessariamente, que tenha havido cópia ou simples adaptação de uma cultura nacional para outra.

A favor da correção intelectual de Court de Gebelin, é importante lembrar que as cartas utilizadas por ele continuaram a ser as do Tarot clássico. Ele não falsificou nem inventou um “baralho egípcio” para justificar suas hipóteses. Sómente após a publicação de seus estudos é que começaram a aparecer baralhos desenhados com os motivos egípcios, descompromissados com a história comprovável desse desafiador jogo de cartas.

Seja como for, é com Gebelin que se inicia a divulgação de textos e de estudos que assinalam um sentido mais alto para o Tarot, como uma linguagem simbólica, como um meio de transmissão dos conhecimentos esotéricos, espirituais, que vai muito além de sua utilização como jogo de baralho.

Múltiplas influências

A maior parte dos estudiosos reconhece uma origem iniciática do Tarot, ou seja, ele traduziria o significado e as propriedades do Cosmo, bem como o do papel do homem na Criação. Seria produto de uma Escola (escola dos criadores de imagens da Idade Média, como sugere Oswaldo Wirth). Nessa direção de pensamento, o Tarot seria uma criação de Escolas francesas e/ou italianas, no final do séc. XII, sem qualquer relação com indianos ou chineses. A favor desse ponto de vista pesa o fato de que não se encontram, em particular, jogos iguais aos arcanos maiores em qualquer outra civilização.

Há muitos estudos que apontam as relações entre o Tarot e Cabala. De fato, as 22 lâminas dos “trunfos”, ou “Arcanos Maiores”, são em igual número ao das letras do alfabeto hebraico e ao dos 22 “caminhos” ou conexões entre os sefirot do desenho simbólico denominado “Árvore da Vida”. As 40 cartas numeradas, dos Arcanos Menores, representam o mesmo número de sefiroth da “Escada de Jacó”, esquema resultante da superposição de quatro “Árvores da Vida”.

Tal constatação, porém, não exclui a hipótese de contribuições árabes, que tiveram um forte e prolongado impacto, através do sufismo, sobre a mística cristã, em particular na Península Ibérica.

Um período de ouro

Não é implausível, para alguns autores, imaginar o nascimento do Tarot por volta de 1180, período de grande força criativa na Europa, embora as primeiras menções registradas ocorram apenas duzentos anos após, em 1391. A razão para isso, segundo eles, seria simples: na origem, o Tarot não tinha a função lúdica de jogo de paciência ou de apostas em dinheiro, mas desempenhava o papel de estimular a reflexão pessoal sobre o caminho espiritual. Desse modo, ele não poderia ser mencionado como jogo de lazer nas crônicas da época.

“A essência do Tarot – escreve Kris Hadar – se funde maravilhosamente à mística que fez do séc. XII um século de luz, de liberdade e de profundidade da qual não temos mais lembrança. Nessa época, a mulher era mais liberada que hoje.”

É no correr desse período que são erigidas as catedrais góticas, em memória da elevação do espírito, e que aparece igualmente a busca de um ideal cavalheiresco que alcançará sua perfeição graças aos trovadores e o Fin’Amor, que colocará em evidência a arte de crescer no amor.

Para corroborar tal ponto de vista, pode ser lembrado que nesse mesmo período se desenvolvem os primeiros romances iniciáticos sobre os cavaleiros da Távola Redonda, a lenda do Rei Artur e a Demanda do Santo Graal.

Contemporâneo dos primeiros romances, o Tarot poderia ser considerado como um dos livros sem palavras (comuns na alquimia) para a reflexão e a meditação sobre a salvação eterna e a busca de Si, mesmo para quem não soubesse ler. Era uma porta aberta à verdade, tal como as catedrais, que permitiam aos pobres e aos ricos crescerem na comunhão com Deus.

“O Tarot” – afirma Kris Hadar – “é uma catedral na qual cada um pode orar para descobrir, no labirinto de sua existência, o caminho da Salvação”.

Paralelos do Tarot com outros jogos

Quando deixamos de lado as tentativas – algumas delas forçadas – de encontrar para o Tarot uma origem necessariamente fora da Europa, em outras culturas e povos, abre-se um outro campo muito atraente para os estudos simbólicos.

Tal como foi mencionado mais acima, a propósito da similaridades entre o Tarot e o jogo indiano do Chaturanga, os estudos comparativos permitem reconhecer princípios básicos e universais que estão presentes em diferentes jogos criados em culturas diversas sem que houvesse um contato próximo entre elas, sem que uma expressão em dado contexto cultural tenha sido necessariamente copiado de outro. Podemos encontrar provas de que o conhecimento das leis primordias se revela por caminhos criativos e renovados.

Por Constantino K. Riemma

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/sobre-a-origem-do-tarot

Arcano 3 – Daleth – A Imperatriz

A Imperatriz - Marselha Grimaud (1760)

Uma mulher coroada, sentada num trono, mantém contra si, com sua mão direita, um escudo ornado com uma águia amarela, enquanto que com a esquerda sustenta um cetro que termina por um globo encimado pela cruz.

Está representada de frente, com os joelhos separados e com os pés ocultos nas dobras da túnica. A cintura da Imperatriz está marcada por um cinto, que se une a uma gola dourada. A coroa leva florões amarelos e permite que os cabelos da figura se derramem sobre os ombros.

O trono está bem visível e seu espaldar sobressai à altura da cabeça da Imperatriz. No ângulo inferior esquerdo da estampa cresce uma planta. A águia desenhada no escudo olha para a direita.

Significados simbólicos

O verbo, o ternário, a plenitude, a natureza, a fecundidade, a geração nos três mundos.

Sabedoria. Discernimento. Idealismo. Influência solar intelectual. É o arcano da Magia Sagrada, instrumento do poder divino.

Interpretações usuais na cartomancia

Gravidez, criatividade, sucesso. Compreensão, inteligência, instrução, encanto, amabilidade. Elegância, distinção, cortesia. Domínio do espírito, abundância, riqueza.

Mental: Penetração na matéria por meio do conhecimento das coisas práticas. Os problemas veem à tona e podem ser reconhecidos.

Emocional: Capacidade para penetrar na alma dos seres. Pensamento fecundo e criador.

Físico: Esperança, equilíbrio. Soluciona os problemas. Renova e melhora as situações. Poder continuo e irresistível nas ações.

Sentido negativo: Desavenças, discussões em todos os planos. As coisas se embaralham e ficam confusas. Atraso na realização de um acontecimento que, no entanto, ocorrerá.

Afetação, pose, coqueteria. Vaidade, presunção, desdém. Futilidade, luxo, prodigalidade. Deixa-se levar pelas adulações, falta de refinamento, modos de novo-rico.

História e iconografia

A Imperatriz, adornada dos símbolos atribuídos à feminilidade triunfante, pode ser relacionada a um repertório interminável: a Madona cristã, a esposa do rei ou mãe do herói; a deusa primordial de todos os ritos matriarcais, as quatro damas do baralho.

Sobre a figura da Imperatriz parece ser mais importante considerar a sua localização no Tarô (como a terceira da série) e à sua relação com outras figuras do que o seu simbolismo individual, já que o caráter difuso da carta torna sua amplitude inesgotável. Assim, será interessante recapitular tudo que foi escrito sobre o simbolismo do três e a ordem do ternário, bem como às variadas significações atribuídas às damas dos Arcanos Menores.

Na versão de Wirth, a Imperatriz aparece aureolada por doze estrelas, das quais somente nove são visíveis: é evidente o duplo sentido alegórico desta representação, que se refere simultaneamente aos signos do Zodíaco e ao período da gestação. Como o 9 é também representação da inteligência, no momento da sua maturidade, é possível associar os atributos centrais do Arcano III: feminilidade-experiência-sabedoria.

Relacionada em todas as cosmogonias ao simbolismo lunar e à face oculta do conhecimento (Sacerdotisa), a mulher admite também um período solar (Imperatriz), do qual há correspondências nas organizações culturais mais remotas da humanidade.

Do ponto de vista matriarcal, a Imperatriz não é ainda a Eva protagonista do pecado e da queda, mas a que aparece em certas tradições talmúdicas: a fundadora, que reencontra Adão depois de trezentos anos de separação; a que aniquila Lilit – a rival estéril e luxuriosa – para organizar junto ao primeiro pai a família dos homens.

Alguns comentaristas do Islã veem nesta Eva triunfante do adultério a representação da passagem das sociedades anárquicas ao princípio de ordem dos tempos históricos. Seu túmulo mítico se localiza em Djeda ou Djidda, às margens do mar Vermelho e próximo da montanha sagrada de Arafat, onde o teria ocorrido seu reencontro com Adão, para formar o casal primordial.

A Imperatriz, finalmente, é símbolo da palavra e representa o envoltório material do corpo, seus órgãos e suas funções. Ouspensky a imagina repousando sobre um trono de luz, bela e fecunda, em meio à interminável primavera.

Por Constantino K. Riemma

#Arte #Tarot

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Arcano 12 – O Enforcado – Mem

Um homem está suspenso, pelo pé, de uma trave de madeira que se apóia em duas árvores podadas. Os dois suportes são amarelos e cada um conserva seis tocos da poda, pintados de vermelho; terminam em forquilha, sobre as quais repousa o pau superior.

São verdes os dois montículos dos quais nascem as árvores da provação, e nos quais brotam plantas de quatro folhas. A corda curta que suspende o homem desce do centro da barra transversal.

O personagem veste uma jaqueta terminada em saiote marcado por duas meias-luas à direita e à esquerda, que podem ser bolsos. O cinto e o colarinho da jaqueta são brancos, assim como os dez (ou nove) botões – seis acima e quatro (ou três) abaixo da cintura.

A cabeça do Enforcado encontra-se no nível da base das árvores. Suas mãos estão ocultas atrás da cintura. Naturalmente, a perna pela qual está suspenso – a esquerda – permanece esticada, enquanto que a outra está dobrada na altura do joelho, cruzando por trás a perna esquerda.

Significados simbólicos

Abnegação. Aceitação do destino ou do sacrifício.

Provas iniciáticas. Retificação do conhecimento. Gestação.

Exemplo, ensino, lição pública.

Interpretações usuais na cartomancia

Desinteresse, esquecimento de si mesmo. Submissão ao dever, sonhos generosos. Patriotismo, apostolado. Filantropia, entrega a uma causa. Sacrifício pessoal. Idéias voltadas para o futuro. Semente.

Mudança de vida, iniciação, abertura espiritual, sacrifício por algo valioso. Paz interior, nova visão do mundo.

Mental: Possibilidades diversificadas, flutuações. Indica coisas em processo de amadurecimento; não define nem conclui nada.

Emocional: Falta de clareza, indecisão, particularmente no campo afetivo.

Físico: Abandono de algumas coisas, renúncias, projetos duvidosos. Impedimento momentâneo para a ação. Um assunto iniciado é abandonado e só poderá ser resolvido através de uma ajuda. Do ponto de vista da saúde: transtornos circulatórios.

Sentido negativo: Êxito possível, mas parcial, sem satisfação nem prazer, sobretudo em projetos de ordem sentimental.

Reticências, planos ocultos. Resoluções acertadas, mas que não se executam; projetos abortados; plano bem concebido que fica na teoria. Promessas não cumpridas, amor não correspondido.

Os bons sentimentos serão utilizados para maus empreendimentos. Impotência. Perdas. Auto-renúncia, passividade.

História e iconografia
Em 1591 – tomando como testemunho a História Eclesiástica de Eusébio – Galônio descreveu as torturas sofridas pelos mártires dos primeiros séculos da cristandade. “As mulheres cristãs – escreve – eram freqüentemente suspensas pelo pé durante todo um dia, e os algozes faziam de tal modo que suas partes mais íntimas ficavam a descoberto, de maneira a mostrar o maior desprezo possível à santa religião de Cristo”.

A suspensão pelo pé foi amplamente executada pelos supliciadores romanos e há testemunhos também de vítimas medievais. Uma canção de gesta do século XIII informa que este castigo foi aplicado a um trovador por um dos duques de Brabante, quando este o surpreendeu em diálogo mais que musical com a duquesa.

Mas o enforcamento pelo pescoço, mortal, tem histórias mais remotas e, no caso de Judas, trata-se de um gesto auto-imposto na sequência do sacrifício que fez para que se cumprissem as profecias.

Uma tradição que vem dos primórdios da Igreja cristã é a de que um outro apóstolo, Pedro, teria insistido em ser crucificado de cabeça para baixo por não se sentir digno de reproduzir o suplício de Cristo.

No que diz respeito às artes gráficas, há inúmeras miniaturas dos séculos XIII e XIV com reproduções de santos e mártires pregados pelos pés a uma barra elevada. Mas é preciso chegar aos fins do século XV para descobrir uma imagem análoga à do Enforcado do Tarô.

De outro ponto de vista, pode-se dizer que a Antigüidade nos deixou inúmeros testemunhos de figuras invertidas que em nenhum caso poderiam ser ligadas ao suplício. Esta postura é adotada com freqüência por divindades nuas assírio-babilônicas, nos cilindros de argila que reproduzem cenas de conjunto.

É possível imaginar que as deusas nesta posição significavam outra coisa: propunham uma leitura ritual que, agora, parece absurda ou incompreensível.

Alguns estudiosos lembram, a esse respeito, os ensinamentos que atribuem ao homem o papel de estabelecer a ligação entre o Céu e a Terra, numa zona que o preserva de influências e contaminações. “Toda suspensão no espaço participa deste isolamento místico, sem dúvida relacionado à idéia de levitação e de vôo onírico”.

Muitas lendas de origens diversas atribuem aos enforcados características mágicas e os dotam de vidência e mediunidade.

Para Wirth, preocupado com o simbolismo iniciático, o protagonista do Arcano XII é homólogo ao do Prestidigitador (I), já que também inicia uma das vias, mas partindo do extremo oposto do caminho. Neste sentido o vê como o princípio de intuição pelo qual o ser humano pode alcançar um resplendor de divindade: como colaborador da grande obra que mudará para o bem a carga negativa do universo; como a vítima sacrifical para a redenção.

Atribuem-se ainda ao arcano virtudes divinatórias e telepáticas; é com freqüência relacionado com a arte e a utopia. Alguns o vêem como arcano possessivo, mas é necessário compreendê-lo num sentido puramente idealista, como uma manifestação de amor que carece de objeto individual (amor ao próximo).

Uma especulação interessante pode ser feita partir de seu número na ordem do Tarô, que o relaciona ao décimo-segundo signo do zodíacao, Peixes ou ainda ao conjunto do simbolismo zodiacal e ao dodecadenário: os doze signos e os doze meses do ano, os doze apóstolos, as doze tribos de Israel…

Por Constantino K. Riemma
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