Hellblazer – Constantine

Um dos quadrinhos que eu mais recomendo é Hellblazer , título das histórias do famoso Mago John Constantine , uma das séries mais longas da Vertigo.

Constantine foi abençoado desde sua criação , afinal foi criado por Alan Moore e mais tarde passou por outros excelentes escritores e desenhistas.

Ele apareceu pela primeira vez em Swamp Thing , o Monstro do Pântano , como personagem secundário quando o Alan Moore assumiu e mudou completamente a revista , aliás recomendo Monstro do Pântano , e ainda vou falar dessa HQ aqui.

Logo ele ganhou uma revista só pra ele com o nome de Hellblazer.

O título Hellblazer era para ser na verdade HellRaiser , mas como já existia um filme de terror com o nome foi decidido usar Hellblazer.

Na ideia original era para ser uma HQ de terror , mas o estilo fica meio como de aventura e suspense.

Em Hellblazer você pode encontrar muitos temas diferentes por edição , são alguns deles são : xamanismo , mitologia , voodoo , radiestesia, I ching , projeção astral , uso de drogas para acessar outras dimensões , pactos , evocações , deuses , egrégoras , arquétipos , anjos, demônios , demônios feitos do inconsciente coletivo , sincronicidade, histórias bíblicas , conspirações governamentais , camelot/Merlin/Rei Arthur , maçonaria e muito mais.

A história de John e ocultismo começa antes mesmo dele nascer , pois muitos dos seus ancestrais já eram ligados com magia.

Ele é um homem loiro , fumante , adora uma cerveja de preferência Guinness e não é tão anti-herói quanto alguns textos da internet dizem , porém na maior parte das vezes acaba por envolver pessoas inocentes em suas tramas , fazendo ele carregar algumas mortes na consciência.

Constantine na maior parte das vezes usa originalidade para resolver seus problemas , e apesar de ter dons muito úteis ele os usa raras vezes , um exemplo dessas habilidades é a Hipnose e em alguns capítulos ficamos sabendo que ele é sensitivo também.

Cada capítulo tem em torno de 26 páginas , isso sempre deixa o leitor com aquela sensação , de “Já Acabou?”.

As histórias são meio que narradas por John , uma estratégia que faz o leitor entender melhor alguns fatos , com eles sendo “explicados” , tudo com uma pitada de humor e com excelentes frases e tiradas de John.

Uma coisa que também ajuda Hellblazer ser um grande sucesso é o sistema em que os capítulos são criados , que na maior parte vezes não são relacionadas uns com os outros , isso ajuda um pouco em relação as vendas pois você não deixa de comprar uma edição porque perdeu outras , uma estratégia muito presente na editora vertigo , mas é claro que tem momentos em que uma edição tem continuação em outra.

Gosto de deixar claro que no universo de Constantine , basta você ter um Grimorium Verum e você pode evocar qualquer entidade e essa vai aparecer para você toda bonitinha , por isso mesmo não podemos esquecer que é um mundo de “fantasia” , apesar disso vemos conceitos ocultistas presentes tipo como a diferença entre Lúcifer e o Diabo.

Entre os diversos escritores e ilustradores de Hellblazer temos , Jamie Delano , Garth Ennis , Neil Gaiman , Grant Morrison, Warren Ellis , e outros mais.

Além disso as capas de Hellblazer são verdadeiras obras de arte.

Dica : Quando for ler Hellblazer , abra o Google e procure as palavras interessantes ou nomes que não conhece você pode aprender muito assim.

Atualmente Hellblazer esta sendo distribuído pela Panini que assumiu boa parte das HQ´s do Brasil , mais já passou por muitas editoras e como foi dito no começo a série é uma das mais longas já passando de 275 edições.

Em 2005 foi lançado o filme com o nome Constantine adaptado dos quadrinhos , foi um sucesso de bilheteria e foi feito para agradar tanto quem goste do tema Magia , como também religiosos , tanto agradou que uma cena do final do filme foi usada em uma propaganda da igreja universal , mal sabem que o filme foi baseado em uma HQ de tema que eles repudiam (John Constantine é mesmo muito irônico).

Apesar disso não acredite em nada do que eu disse , vá ler Hellblazer e tire suas próprias conclusões!

Outros Textos da Coluna de Quadrinhos

Lembrando que anotei os pedidos para novas postagens e aos poucos vou colocar aqui , só quero que vocês tenham paciência , pois é apenas uma postagem por mês e agradeço aos comentários na última postagem.

Abraços!!

#HQ

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/hellblazer-constantine

Lemúria, O Continente Desaparecido

Prefácio

O propósito deste ensaio não é tanto apresentar uma informação surpreendente a respeito do continente desaparecido da Lemúria e seus habitantes, mas confirmar, pelos dados obtidos através da Geologia e do estudo da distribuição relativa de animais e plantas existentes e extintos, bem como dos processos de evolução física observados nos reinos inferiores, os fatos relatados em A Doutrina Secreta e em outras obras referentes a essas terras hoje submersas.

O CONTINENTE DESAPARECIDO DA LEMURIA

Geralmente é reconhecido pela ciência que o que é hoje terra seca na superfície do nosso globo foi, certa vez, o fundo do oceano, e o que é hoje o fundo do oceano foi, certa vez, terra seca. Em alguns casos, os geólogos têm sido capazes de especificar as porções exalas da superfície terrestre onde esses afundamentos e sublevações da crosta ocorreram e, embora o continente desaparecido da Atlântida tenha, até agora, recebido um escasso reconhecimento por parte do mundo científico, o consenso geral de opiniões há muito tem sugerido a existência, em alguma época pré-histórica, de um vasto continente meridional, ao qual foi conferido o nome de Lemúria.

Dados fornecidos pela geologia e pela relativa distribuição de animais e plantas existentes e extintos

“A história do desenvolvimento do globo terrestre mostra-nos que a distribuição de terra e água em sua superfície está sempre e continuamente mudando. Em consequência das mudanças geológicas da crosta terrestre, ocorreram elevações e depressões do solo em toda parte, às vezes mais fortemente acentuadas num lugar, às vezes em outro. Embora ocorram de modo tão lento que, no decurso de séculos, o litoral venha à tona ou afunde apenas alguns centímetros, ou mesmo apenas alguns milímetros, ainda assim seus efeitos são enormes no decurso de longos períodos de tempo. E longos períodos de tempo – imensuravelmente longos – é o que não falta na história do globo terrestre. Durante o decorrer de muitos milhões de anos, desde que a vida orgânica passou a existir na Terra, a terra e a água têm lutado perpetuamente pela supremacia. Continentes e ilhas submergiram no mar e novas terras vieram à tona. Lagos e mares, lentamente, surgiram e secaram, e novas depressões de água apareceram devido ao afundamento do solo. Penínsulas tornaram-se ilhas em virtude da submersão dos estreitos istmos que as ligavam ao continente. Por causa da considerável elevação do leito do mar, as ilhas de um arquipélago tornaram-se os picos de uma contínua cadeia de montanhas.

Desse modo, o Mediterrâneo foi, numa determinada época, um mar interior, quando, no local do estreito de Gibraltar, um istmo ligou a África à Espanha. A Inglaterra, mesmo durante a história mais recente da Terra, quando o homem já existia, esteve diversas vezes ligada ao continente europeu e dele separada. E até mesmo a Europa e a América do Norte estiveram diretamente ligadas. Antigamente, o mar do Sul formava um grande Continente Pacífico, e as inúmeras ilhotas que hoje se encontram espalhadas por esse oceano eram simplesmente os picos mais elevados das montanhas que atravessavam esse continente. O oceano Índico formava um continente que se estendia desde o arquipélago de Sonda, ao longo da costa meridional da Ásia, até a costa leste da África. Sclater, um cidadão inglês, deu a esse antigo e imenso continente o nome de Lemúria, devido aos animais semelhantes ao macaco que nele habitavam; por outro lado, esse continente é de grande importância, por ser o provável berço da raça humana, que, com toda probabilidade, teve aí seu primeiro estágio de desenvolvimento a partir dos macacos antropóides.1 A importante prova que Alfred Wallace forneceu, com a ajuda de fatos cronológicos de que o atual arquipélago malaio consiste na realidade de duas partes completamente diferentes, é particularmente interessante. A parte ocidental, o arquipélago indomalaio, que abrange as grandes ilhas de Bornéu, Java e Sumatra, outrora estava ligada, pela Malaca, ao continente asiático e, provavelmente, também ao continente lemuriano, há pouco mencionado. Por outro lado, a parte oriental, o arquipélago austromalaio, que abrange Celebes, as Molucas, Nova Guiné, as ilhas Salomão, etc., estava, outrora, diretamente ligada à Austrália. Os dois segmentos formavam, em tempos passados, dois continentes separados por um estreito mas, atualmente, a maior parte deles encontra-se abaixo do nível do mar. Wallace, apoiado apenas em suas acuradas observações cronológicas, foi capaz de determinar, com grande precisão, a localização desse antigo estreito, cuja extremidade meridional passa entre Bali e Lomboque.

Portanto, desde que a água líquida existiu na Terra, os limites entre a água e a terra têm mudado incessantemente, e podemos afirmar que os contornos de continentes e ilhas nunca permaneceram, nem por uma hora, ou antes, nem por um minuto, exatamente os mesmos, pois as ondas se quebram, eterna e perpetuamente, na beira da praia; e por mais que a terra perca, nesses lugares, em extensão, em outros ela ganha pela acumulação do lodo, que se condensa em pedra sólida e novamente se ergue acima do nível do mar, como terra nova. Nada pode ser mais errôneo do que a idéia de um contorno fixo e inalterável de nossos continentes, tal como nos é incutido, em nossa adolescência, pelas deficientes lições de Geografia, destituídas de fundamento geológico.2

O nome Lemúria, como acima foi relatado, foi originalmente adotado pelo sr. Sclater, em consideração ao fato de que foi provavelmente nesse continente que os animais do tipo lemuróide se desenvolveram.

Sem dúvida, escreve A. R. Wallace, “trata-se de uma suposição legítima e altamente provável, bem como de um exemplo do modo pelo qual um estudo da distribuição geográfica de animais pode capacitar-nos a reconstruir a geografia de uma era antiga. . . . Ele [esse continente] representa o que foi, provavelmente, uma primitiva região zoológica, em alguma época geológica passada; mas como foi essa época e quais eram os limites da região em questão, somos totalmente incapazes de dizer. Supondo-se que abrangia toda a área atualmente habitada por animais lemuróides, devemos demarcar sua extensão desde o oeste da África até a Birmânia, sul da China e Celebes, uma área que, possivelmente, ele outrora ocupou”.3

“Já tivemos ocasião”, afirma Wallace em outro lugar, “de sugerir uma antiga ligação entre essa sub-região (da Etiópia) e Madagáscar, a fim de explicar a distribuição do tipo lemuriano, bem como algumas outras curiosas afinidades entre os dois países. Este ponto de vista é sustentado pela geologia da índia, que nos apresenta o Ceilão e o sul da índia consistindo sobretudo em granito e antigas rochas metamórficas, ao passo que a maior parte da península é de formação terciária, com algumas áreas isoladas de rochas secundárias. Portanto, é evidente que, durante a maior parte do período terciário,4 o Ceilão e o sul da índia eram limitados, ao norte, por uma considerável extensão de mar e, provavelmente, faziam parte de um vasto continente, ou de uma grande ilha meridional. Os inúmeros e notáveis casos de afinidade com a Malaia exigem, contudo, uma aproximação mais estreita entre essas ilhas, o que provavelmente ocorreu num período posterior. Quando, mais tarde ainda, as grandes planícies e planaltos do Industão estavam formados e efetuou-se uma permanente comunicação por terra com a rica e altamente desenvolvida fauna himalaia-chinesa, deu-se uma rápida imigração de novos tipos e muitas das espécies menos diferenciadas de mamíferos e pássaros se extinguiram. Entre os répteis e os insetos a competição foi menos árdua, ou então as espécies mais antigas estavam por demais bem adaptadas às condições locais para serem expulsas; assim, é apenas entre esses grupos que encontramos um número considerável daquilo que, provavelmente, constitui os remanescentes da antiga fauna de um continente ao sul, agora submerso.5

Depois de afirmar que, durante todo o período terciário e talvez durante grande parte do secundário, a maior parte das terras do globo se concentrava provavelmente no hemisfério norte, Wallace prossegue: “No hemisfério sul, parece ter havido três consideráveis concentrações terrestres muito antigas que, de tempos em tempos, variaram em extensão, mantendo-se sempre, porém, separadas umas das outras e representadas, aproximadamente, pela atual Austrália, África do Sul e América do Sul. Através desses sucessivos fluxos e refluxos das ondas de vida foi que elas, cada qual por seu turno, uniram-se temporariamente com alguma região do território setentrional.” 6

Muito embora Wallace tenha negado, posteriormente, a necessidade de postular a existência desse continente, aparentemente em defesa de algumas de suas conclusões que foram criticadas pelo Dr. Hartlaub, seu reconhecimento geral acerca das ocorrências de afundamentos e sublevações da crosta em muitas regiões da superfície terrestre, bem como as inferências que ele extrai a partir das reconhecidas relações da fauna existente e extinta, acima citadas, permanecem sem dúvida, inalteradas.

Os trechos abaixo, extraídos de um artigo muito interessante escrito pelo sr. H. F. Blandford e lido numa reunião da Sociedade Geológica, abordam o assunto de um modo bem mais detalhado 7:

“As semelhanças entre os fósseis de animais e plantas do grupo de Beaufort, da África, e os de Panchets e Kathmis, da índia, são de tal modo surpreendentes que chegam a sugerir a existência anterior de uma ligação terrestre entre os dois territórios. Mas a semelhança das faunas fósseis africana e indiana não se extingue com os períodos permiano e triásico. As camadas vegetais do grupo de Uitenhage forneceram onze espécies de plantas, duas das quais o sr. Tate identificou com as plantas indianas de Rajmahal. Os fósseis indianos do jurássico ainda não foram classificados (com umas poucas exceções), mas afirma-se que o Dr. Stoliezka mostrou-se muito impressionado com as semelhanças entre certos fósseis de Kutch e as espécies africanas; e o Dr. Stoliezka e o sr. Griesbach provaram que, dos fósseis do cretáceo do rio Umtafuni, em Natal, a maioria (vinte e duas das trinta e cinco espécies descritas) é idêntica às espécies do sul da índia. Ora, o grupo de plantas existentes na índia e o de Karroo, bem como parte da formação de Uitenhage, na África, são, com toda probabilidade, originárias de água doce, ambos indicando a existência de uma grande área de terra ao redor, cuja devastação deu origem a esses sedimentos. Esse território ligava, sem interrupção, essas duas regiões? E há algum indício, na atual geografia física do oceano Índico, que poderia sugerir sua provável posição? Além disso, qual era a ligação entre esse território e a Austrália, cuja existência durante o período permiano deve ser igualmente pressuposta. E, finalmente, há alguma peculiaridade na fauna e flora existentes na índia, na África e nas ilhas situadas entre esses dois territórios que servisse de suporte à idéia de uma ligação anterior mais direta do que a que agora existe entre a África, o sul da índia e a península malaia? A especulação aqui formulada não é inédita, pois há muito tem sido assunto de reflexão de alguns naturalistas hindus e europeus. Entre esses, eu poderia citar meu irmão [Sr. Blandford] e o Dr. Stoliezka. Suas especulações fundamentam-se na afinidade e parcial identidade das faunas e floras de tempos remotos, bem como na existente conformidade de espécies que levou o sr. Andrew Murray, o sr. Searles, o estudante V. Wood e o Professor Huxley a deduzirem a existência de um continente do mioceno, que ocupava uma parte do oceano Índico. Na verdade, meu único objetivo neste ensaio consiste em tentar fornecer alguma explicação e ampliação adicionais à concepção do seu aspecto geológico.

“Quanto à evidência geográfica, um rápido olhar para o mapa revelará que, desde as cercanias da costa oeste da índia até as ilhas Seychelles, Madagáscar e Maurícia, estende-se uma série de atóis e bancos de coral, entre os quais o banco Adas, as ilhas Laquedivas, Maldivas, o arquipélago Chagos e a Saya de Mulha, o que indica a existência de uma ou várias cadeias de montanhas submersas. Além disso, as ilhas Seychelles, segundo o sr. Darwin, erguem-se sobre um banco extenso e mais ou menos plano, com uma profundidade de trinta a quarenta braças; desse modo, embora hoje parcialmente circundadas por recifes, podem ser consideradas como um prolongamento da mesma Unha de crista submersa. Mais para o oeste, as ilhas Cosmoledo e Comore são formadas de atóis e ilhas circundados por uma linha de recifes de coral, paralela à costa, que nos levam bastante perto das atuais costas da África e de Madagáscar. Essa cadeia de atóis, bancos e recifes parece indicar a posição de uma antiga cadeia de montanhas que, possivelmente, formava a espinha dorsal de uma região das remotas eras paleozóica e mesozóica e da era terciária, mais recente, assim como o sistema alpino e himalaio formam a espinha dorsal do continente eurásico, e as Montanhas Rochosas e os Andes, a das duas Américas. Como é conveniente dar a esse território mesozóico um nome, eu proporia o de Indo-Oceânico. [Contudo, o nome dado pelo sr. Sclater, ou seja, Lemúria, é o que, geralmente, tem sido mais adotado.] O Professor Huxley, apoiando-se em dados paleontológicos, sugeriu a existência de uma ligação terrestre nessa região (ou, mais exatamente, entre a Abissínia e a índia) durante o mioceno. Do que foi dito acima, pode-se constatar que eu pressuponho a sua existência desde uma época muito mais remota.8

Quanto à sua depressão, a única evidência atual relaciona-se com sua extremidade setentrional, e mostra que ela se encontrava nessa região posteriormente às grandes inundações do Deccan. Essas enormes camadas de rocha vulcânica estão notavelmente no plano horizontal, a leste das cordilheiras de Gates e Sakyádri, mas a leste destas começam a inclinar-se em direção ao mar, de modo que a ilha de Bombaim é formada pelas partes mais elevadas da formação. Isso indica apenas que a depressão em direção a oeste ocorreu na era terciária; nesse sentido, a inferência do Professor Huxley, segundo a qual isto se deu após a época miocena, é completamente compatível com a evidência geológica.”

Depois de citar inúmeros exemplos detalhados acerca da estreita afinidade de grande parte da fauna existente nos territórios em estudo (leão, hiena, chacal, leopardo, antílope, gazela, galinha-anã, abetarda indiana, muitos moluscos da terra e, notavelmente, o lêmure e os pangolim), o autor prossegue:

“Assim, a paleontologia, a geografia física e a geologia, assim como com a distribuição de animais e plantas existentes, oferecem também seu testemunho sobre a antiga e estreita ligação entre a África e a índia, incluindo as ilhas tropicais do oceano Indico. Esse território Indo-Oceânico parece ter existido pelo menos desde o remoto período permiano, provavelmente (como assinalou o Professor Huxley) até o fim do período mioceno;9 a África do Sul e a índia peninsular são o que ainda resta desse antigo território. Ele não pode ter sido absolutamente contínuo durante todo esse longo período. Na verdade, as rochas cretáceas da índia meridional e da África do Sul e os leitos marinhos jurássicos das mesmas regiões provam que algumas de suas partes, por períodos mais longos ou mais curtos, foram invadidas pelo mar; mas qualquer quebra de continuidade não foi, provavelmente, prolongada; as pesquisas do Sr. Wallace no arquipélago oriental têm demonstrado como um mar, por mais estreito que seja, pode oferecer um obstáculo intransponível à migração de animais terrestres. Na era paleozóica, esse território deve ter estado ligado à Austrália e, na era terciária, à Malásia, visto que as espécies malaias, com afinidades africanas, são em muitos casos diferentes daquelas da índia. Conhecemos até agora muito pouco acerca da geologia da península oriental para podermos afirmar de que época data sua ligação com o território Indo-Oceânico. O Sr. Theobald apurou a existência de rochas triásicas, cretáceas e numulíticas na cordilheira da costa árabe; e sabe-se da ocorrência de rochas calcárias do período carbonífero ao sul de Moulmein, enquanto a cordilheira a leste do Irrauádi é formada por rochas terciárias mais jovens. Daqui se concluiria que um segmento considerável da península malaia deve ter sido ocupado pelo mar durante a maior parte do mesozóico e do eoceno. Rochas, que servem de suporte a plantas, da época de Raniganj foram identificadas na formação dos contrafortes externos do Siquin, no Himalaia; portanto, o antigo território deve ter ultrapassado um pouco o norte do atual delta gangético. Carvão, tanto do cretáceo como do terciário, é encontrado nos montes Khasi, e também no Alto Assam, mas, em ambos os casos, está associado aos leitos marinhos; de modo que se poderia concluir que, nessa região, os limites da terra e do mar oscilaram um pouco durante o período cretáceo e o eoceno. Ao noroeste da índia, a existência de grandes formações dos períodos cretáceo e numulítico, que atravessam o Belochistão e a Pérsia, penetrando na estrutura do Himalaia noroeste, prova que nos períodos mais recentes da era mesozóica e do eoceno, a índia não tinha comunicação direta com a Ásia ocidental; ao mesmo tempo, as rochas jurássicas de Kutch, da cordilheira de Salt e do norte do Himalaia demonstram que, no período precedente, o mar cobria grande parte da atual bacia fluvial do Indo; e as formações marinhas triásicas, carboníferas e ainda mais recentes do Himalaia indicam que, desde as épocas mais primitivas até a elevação daquela imensa cadeia, grande parte de sua atual localização esteve, durante muito tempo, coberta pelo mar.

“Resumindo as observações aqui apresentadas, temos:

“lº – O grupo de plantas existentes na índia são encontradas desde o remoto período permiano até os últimos anos do período jurássico, indicando (salvo alguns casos, e localmente) a ininterrupta continuidade de terra e condições de água doce, que podem ter predominado desde tempos muito mais remotos.

“2º _ No remoto período permiano, como na época pós-pliocena, um clima frio predominou nas regiões de baixa latitude e, sou levado a crer, em ambos os hemisférios, simultaneamente. Com o declínio do frio, a flora e a fauna réptil do período permiano disseminaram-se pela África, pela índia e, possivelmente, pela Austrália; ou a flora pode ter existido na Austrália um pouco mais cedo e, desse lugar, ter se disseminado.

“3º – A índia, a África do Sul e a Austrália estavam ligadas, no período permiano, por um continente Indo-Oceânico; e os dois primeiros países permaneceram ligados (no máximo, com apenas breves interrupções) até o fim da época miocena. Durante os últimos anos desse período, essa região também estava ligada à Malaia.

“4º – De acordo com alguns autores anteriores, considero que a localização desse território era demarcada pela série de recifes e bancos de coral que hoje existem entre o mar árabe e a África oriental.

“5º – Até o final da época numulítica não existia nenhuma ligação direta (exceto, possivelmente, por curtos períodos) entre a índia e a Ásia ocidental.”

No debate que se seguiu à leitura do ensaio, o Professor Ramsay “concordou com a opinião do autor quanto à junção da África com a índia e Austrália em eras geológicas”.

O Sr. Woodward “ficou satisfeito ao descobrir que o autor acrescentara mais provas, derivadas da flora fóssil do grupo mesozóico -da índia, em corroboração das opiniões de Huxley, Sclater e outros quanto à existência, no passado, de um antigo continente hoje submerso (a “Lemúria”), existência essa há muito tempo pressagiada pelas pesquisas de Darwin acerca dos recifes de coral”.

“Dos cinco continentes hoje existentes”, escreve Ernst Haeckel na sua extensa obra The History of Creation,10 “nem a Austrália, nem a América e tampouco a Europa podem ter sido esse lar primevo [do homem], ou o chamado ‘Paraíso’, o ‘berço da raça humana’. A maioria das circunstâncias indicam a Ásia meridional como o local em questão. Além da Ásia meridional, o único dos outros atuais continentes que poderia ser considerado sob esse aspecto é a África. Mas há várias circunstâncias (especialmente fatos cronológicos) sugerindo que o lar primitivo do homem foi um continente que hoje se encontra submerso no oceano Índico e que se estendia ao longo do sul da Ásia, como ela é atualmente (e talvez ligando-se diretamente a ela), prolongando-se, para o leste, até as distantes índia e ilhas da Sonda e, para o oeste, até Madagáscar e as costas do sudeste da África. Já mencionamos que na geografia animal e vegetal muitos fatos tornam a antiga existência de um continente ao sul da índia bastante provável. Sclater deu a esse continente o nome de Lemúria, devido aos semimacacos que o caracterizavam. Ao admitirmos que a Lemúria foi o lar primevo do homem, facilitaremos sobremodo a explicação da distribuição geográfica das espécies humanas pela migração.”

Numa obra posterior, The Pedigree of Man, Haeckel postula a existência da Lemúria em alguma era primitiva da história da Terra como um fato reconhecido.

O trecho abaixo, extraído dos escritos do Dr. Hartlaub, pode servir de conclusão a esta parte dedicada a algumas provas referentes à existência da Lemúria, o continente desaparecido:11

“Há cinqüenta e três anos, Isidore Geoffroy St. Hilaire observou que, se tivéssemos de classificar a ilha de Madagáscar levando-se em conta apenas considerações de ordem zoológica, deixando-se de lado sua localização geográfica, poderíamos demonstrar que ela não é nem asiática nem africana, mas bastante diferente desses dois continentes, sendo quase um quarto continente. Poderíamos provar ainda que este quarto continente se diferenciaria, quanto à sua fauna, muito mais da África – que se encontra tão próxima – que da índia – que está tão longe. Com essas palavras, cuja exatidão e fecundidade as pesquisas mais recentes tendem a trazer à plena luz, o naturalista francês formulou, pela primeira vez, o interessante problema, para cuja solução foi há pouco proposta uma hipótese com bases cientificas, pois esse quarto continente de Isidore Geoffroy é a ‘Lemúria’ de Sclater – aquele território submerso que, abrangendo partes da África, deve ter se estendido a grande distância na direção leste, passando pelo sul da índia e pelo Ceilão, e cujos picos mais elevados divisamos nos cumes vulcânicos de Bourbon e Maurícia e na cordilheira central da própria Madagáscar – os últimos refúgios da já extinta raça lemuriana que, em tempos passados, o povoou.”

No caso em questão, havia apenas um modelo arruinado de terracota e um mapa muito mal conservado e amarrotado, de modo que a dificuldade de reconstituir a lembrança de todos os detalhes e, conseqüentemente, de reproduzir cópias exatas foi enorme.

Fomos informados de que os mapas atlantes eram feitos, nos dias da Atlântida, pelos poderosos Adeptos, mas não sabemos se os mapas lemurianos foram modelados por alguns dos instrutores divinos nos dias em que a Lemúria ainda existia, ou se em tempos posteriores, na época atlante.

Contudo, embora resguardando-se de depositar excessiva confiança quanto à absoluta exatidão dos mapas em questão, quem transcreveu dos antigos originais acredita que estes possam, em seus pormenores mais importantes, ser considerados aproximadamente correios.

Dados extraídos de antigos registros

Os outros dados que temos quanto à Lemúria e seus habitantes foram extraídos da mesma fonte e da mesma maneira que nos tornaram possível a redação d’A História da Atlântida. Também neste caso o autor teve o privilégio de obter cópias de dois mapas, um correspondente à Lemúria (e aos territórios limítrofes) durante o período da maior extensão atingida pelo continente, o outro mostrando seus contornos após seu desmembramento pelas grandes catástrofes, mas muito antes de sua destruição definitiva.

Jamais se sustentou que os mapas da Atlântida fossem exatos quanto a um único grau de latitude ou longitude, mas, a despeito da enorme dificuldade de se obter informações no presente caso, deve-se mencionar que a exatidão destes mapas da Lemúria é mais precária ainda. No primeiro caso, havia um globo, um bom baixo-relevo de terracota, e um mapa de pergaminho, ou de algum tipo de pele, muito bem conservado, permitindo, assim, uma ótima reprodução.

Duração provável do continente da Lemúria

Um período de, aproximadamente, quatro a cinco milhões de anos corresponde, provavelmente, à duração do continente da Atlântida, pois foi mais ou menos nessa época que os rmoahals, a primeira sub-raça da Quarta Raça-Raiz que habitou a Atlântida, surgiram numa porção do continente lemuriano, que, nesse tempo, ainda existia. Relembrando que, no processo evolucionário, o algarismo quatro invariavelmente corresponde não só ao nadir do ciclo mas também ao período de mais curta duração, quer no caso de um Manvantara quer no de uma raça, pode-se supor que o total de milhões de anos que se pode atribuir à duração máxima do continente da Lemúria deve ser muitíssimo maior do que aquele que corresponde à duração da Atlântida, o continente da Quarta Raça-Raiz. No caso da Lemúria, porém, não se pode estipular nenhum período de tempo, nem mesmo com uma precisão aproximada. As épocas geológicas, tanto quanto são conhecidas pela ciência moderna, constituem um instrumento de referência contemporânea mais adequado, e dele lançaremos mão.

Os mapas

Mas nem mesmo épocas geológicas, deve-se dizer, são atribuídas aos mapas. Contudo, se nos fosse permitido fazer uma inferência a partir dos dados de que dispomos, o mais antigo dos dois mapas lemurianos, ao que parece, corresponde à configuração do globo terrestre desde o período permiano até o período jurássico, passando pelo triásico, ao passo que o segundo mapa, provavelmente, corresponde à configuração do globo terrestre desde o período cretáceo até o período eoceno.

Pode-se deduzir, a partir do mais antigo dos dois mapas, que o continente equatorial da Lemúria, na época de sua maior extensão, quase circundava o globo, estendendo-se, então, desde o local onde hoje se situam as ilhas do Cabo Verde, a uns poucos quilômetros da costa de Serra Leoa, de onde se projetava para o sudeste, através da África, Austrália, ilhas da Sociedade e de todos os mares interpostos, até um ponto, a poucos quilômetros de distância de um grande continente insulano (mais ou menos do tamanho da atual América do Sul), que se prolongava através do oceano Pacífico, abrangendo o cabo Horn e partes da Patagônia.

Um fato notável, observado no segundo mapa da Lemúria, é o grande comprimento e, em alguns lugares, a excessiva estreiteza do canal que separava os dois grandes blocos de terra nos quais o continente, nessa época, tinha sido dividido. Deve-se observar que o canal hoje existente entre as ilhas de Bali e Lomboque coincide com uma porção do canal que então dividia os dois continentes. Pode-se constatar ainda que esse canal avançava para o norte pela costa oriental de Bornéu, e não pela ocidental, como supôs Ernst Haeckel. No que diz respeito à distribuição da fauna e da flora e à existência de muitas espécies encontradas tanto na índia como na África, relacionadas pelo Sr. Blandford, pode-se observar que, entre algumas regiões da índia e grandes trechos da África havia, durante o período do primeiro mapa, uma ligação por terra e que uma comunicação semelhante também foi parcialmente mantida no período do segundo mapa. Além disso, uma comparação dos mapas da Atlântida com os da Lemúria demonstrará que sempre houve uma comunicação por terra, ora numa época, ora noutra, entre regiões bastante diferentes da superfície terrestre hoje separadas pelo mar, de modo que a atual distribuição da fauna e da flora nas duas Américas, na Europa e nos países orientais, que tem sido um verdadeiro enigma para os naturalistas, pode ser facilmente explicada.

A ilha indicada no mapa lemuriano mais antigo, localizada a noroeste do extremo promontório daquele continente e diretamente a oeste da atual costa da Espanha, foi, provavelmente, um centro de onde proveio, durante muitas épocas, a distribuição da fauna e da flora acima mencionada. Pode-se perceber – e este é um fato muito interessante – que essa ilha deve ter sido do começo ao fim o núcleo do subsequente grande continente de Atlântida. Ela existia, como vemos, nesses mais remotos tempos lemurianos. No período do segundo mapa, estava unida ao território que, anteriormente, fazia parte do grande continente lemuriano; e, de fato, nessa época ela recebera tantos acréscimos de território que poderia ser mais apropriadamente considerada um continente do que uma ilha. Ela foi a grande região montanhosa da Atlântida em seus primórdios, quando a Atlântida abrangia grandes extensões de terra que hoje se tornaram as Américas do Sul e do Norte. Ela permaneceu a região montanhosa da Atlântida na sua decadência, e a de Ruta, na época de Ruta e Daitya, e praticamente constituiu a ilha de Posseidones – o último fragmento do continente da Atlântida -, cuja submersão definitiva ocorreu no ano de 9564 a.C.

Comparando-se estes dois mapas com os quatro mapas da Atlântida, verifica-se ainda que a Austrália, a Nova Zelândia, Madagáscar, porções da Somália, o sul da África e a extremidade meridional da Patagônia são territórios que, provavelmente, existiram durante todas as catástrofes que se sucederam desde os primeiros anos do período lemuriano. O mesmo pode-se dizer das regiões meridionais da índia e do Ceilão, salvo uma submersão temporária do Ceilão na época de Ruta e Daitya.

É verdade que, atualmente, ainda existem extensões de terra que pertenceram ao continente hiperbóreo, muito mais antigo; são, naturalmente, as mais antigas regiões conhecidas na face da terra: a Groenlândia, a. Islândia, Spitzbergen, a maior parte das regiões ao norte da Noruega e da Suécia e a extremidade setentrional da Sibéria.

Os mapas mostram que o Japão permaneceu acima da água, quer como ilha, quer como parte de um continente, desde a época do segundo mapa lemuriano. A Espanha também existia, sem dúvida, desde esse tempo. A Espanha é, portanto, provavelmente, com exceção da maior parte das regiões setentrionais da Noruega e da Suécia, o território mais antigo da Europa.

O caráter indeterminado das afirmações feitas toma-se necessário pelo nosso conhecimento de que aí ocorreram afundamentos e elevações de diferentes porções da superfície terrestre durante épocas situadas entre os períodos representados pelos mapas.

Por exemplo, sabemos que, logo após a época do segundo mapa lemuriano, toda a península malaia submergiu e assim permaneceu por longo tempo, mas uma subsequente elevação dessa região deve ter ocorrido antes da época do primeiro mapa atlante, pois o que é hoje a península malaia nele aparece como parte de um grande continente. De modo análogo, em épocas mais recentes, ocorreram repetidos afundamentos e elevações de menor importância bem próximos da minha terral natal, e Haeckel está perfeitamente correto ao dizer que a Inglaterra – ele poderia, com maior precisão, ter dito as ilhas da Grã-Bretanha e Irlanda, que naquela época, estavam unidas – “tem sido repetidamente ligada ao continente europeu, e repetidamente dele apartada”.

A fim de tornar o assunto mais claro, anexamos a este texto uma tabela, fornecendo uma história condensada da vida animal e vegetal em nosso globo, equiparada – segundo Haeckel – aos estratos de rocha que lhe são coetâneos. As outras duas colunas fornecem as raças humanas coetâneas e os grandes cataclismos que são do conhecimento de estudiosos do Ocultismo.

Os répteis e as florestas de pinheiros

Pode-se observar nessa tabela que o homem lemuriano viveu na época dos répteis e das florestas de pinheiros. Os monstruosos anfíbios e os fetos gigantescos do período permiano ainda medravam nos climas úmidos e moderadamente quentes. Os plesiossauros e ictiossauros existiam em grande número nos tépidos pântanos do período mesolítico, mas, com o secamente de muitos dos mares interiores, os dinossauros – os monstruosos répteis terrestres – gradualmente tornaram-se a espécie dominante, enquanto os pterodáctilos -os sáurios que desenvolveram asas semelhantes às do morcego – não só rastejavam pela terra como também voavam pelo ar. Destes, o menor era mais ou menos do tamanho de um pardal; o maior, no entanto, com uma envergadura superior a cinco metros, excedia o maior dos pássaros hoje existentes. A maior parte dos dinossauros -os Dragões – eram terríveis animais carnívoros, répteis colossais que chegavam a ter de doze a quinze metros de comprimento.12 Escavações posteriores revelaram esqueletos de dimensões ainda maiores. Consta que o professor Ray Lankester, numa reunião da Royal Institution, a 7 de janeiro de 1904, referiu-se a um esqueleto de brontossauro com vinte metros de comprimento, descoberto numa jazida de eólito, na região meridional dos Estados Unidos da América.

Como está escrito nas estâncias do arcaico Livro de Dzyan, “Animais com ossos, dragões das profundezas e diabos-marinhos voadores somaram-se as criaturas rastejantes. Os que rastejavam no chão ganharam asas. Os aquáticos, de pescoços longos, tornaram-se os progenitores das aves do ar”. A ciência moderna registra o seu endosso. “A classe dos pássaros, como já foi observado, está tão estreitamente associada aos répteis quanto à estrutura interna e ao desenvolvimento embrionário, que, sem dúvida, originaram-se de um ramo dessa classe. … A derivação de pássaros a partir dos répteis ocorreu, pela primeira vez, na época mesolítica, mais exatamente durante o triásico”.13

No reino vegetal, essa época também conheceu o pinheiro e a palmeira que, gradualmente, substituíram os gigantescos fetos. Nos últimos anos da época mesolítica, apareceram pela primeira vez os mamíferos, mas os restos fósseis do mamute e do mastodonte, seus representantes mais primitivos, encontram-se, sobretudo, nos estratos posteriores, correspondentes aos períodos eoceno e mioceno.



O reino humano

Antes de fazer qualquer referência ao que, mesmo nesta época primitiva, deve ser chamado de o reino humano, é preciso deixar claro que nenhum daqueles que, no momento atual, podem apresentar uma razoável dose de cultura mental ou espiritual podem pretender ter vivido nessa época. Foi apenas com o advento das três últimas sub-raças dessa Terceira Raça-Raiz que o menos desenvolvido do primeiro grupo de Pitris Lunares principiou a retomar à encarnação, enquanto o mais avançado dentre eles não nasceu antes das primeiras sub-raças do período atlante.

Na verdade, o homem lemuriano, ao menos durante a primeira fase da raça, deve ser considerado muito mais como um animal, destinado- a atingir o gênero humano, do que um humano, segundo a nossa compreensão do termo; pois, embora o segundo e terceiro grupos de Pitris, que constituíram os habitantes da Lemúria durante suas quatro primeiras sub- raças, tenham alcançado suficiente auto-consciência no Manvantara Lunar para diferenciá- los do reino animal, ainda não tinham recebido a Centelha Divina que os dotaria de mente e individualidade – em outras palavras, que os tornaria verdadeiramente humanos.

Tamanho e consistência do corpo do homem

A evolução dessa raça lemuriana constitui, portanto, um dos mais obscuros bem como um dos mais interessantes capítulos do desenvolvimento do homem, pois durante esse período ele não só atingiu a verdadeira natureza humana, mas também seu corpo passou por enormes mudanças físicas, enquanto os processos de reprodução por duas vezes foram alterados.

Para se compreender as surpreendentes afirmações que terão de ser feitas a respeito do tamanho e da consistência do corpo do homem nesse período primitivo, deve-se ter em mente que, enquanto os reinos animal, vegetal e mineral prosseguiam seu curso normal neste quarto globo, durante o Quarto Ciclo deste Manvantara, foi ordenado que a humanidade deveria recapitular, numa sequência rápida, as várias etapas que sua evolução atravessara durante os ciclos anteriores do atual Manvantara. Assim, os corpos da Primeira Raça-Raiz, nos quais estes seres quase desprovidos de mente estavam destinados a adquirir experiência, ter-nos-iam parecido gigantescos espectros – caso, é claro, nos fosse possível vê-los, pois seus corpos eram formados de matéria astral. As formas astrais da Primeira Raça-Raiz foram então gradualmente envolvidas por um invólucro mais físico. Muito embora a Segunda Raça-Raiz possa ser chamada de física -sendo seus corpos compostos de éter -, eles seriam igualmente invisíveis à visão tal como esta existe hoje.

Essa síntese do processo de evolução foi ordenada, segundo nos informaram, a fim de que Manu e os Seres que o auxiliavam pudessem obter os meios para aperfeiçoar o tipo físico de natureza humana. O mais elevado desenvolvimento que o tipo até então atingira era a imensa criatura, semelhante ao macaco, que existira nos três planetas físicos – Marte, Terra e Mercúrio – durante o Terceiro Ciclo. Na época da afluência de vida humana à Terra, neste Quarto Ciclo, naturalmente um determinado número dessas criaturas semelhantes ao macaco aqui se encontrava – o resíduo deixado no planeta durante seu período de obscurecimento. Sem dúvida, essas criaturas uniram-se à crescente maré humana assim que a raça tornou-se inteiramente física. Nesse caso, seus corpos não podem ter sido totalmente postos de lado; eles podem ter sido utilizados, pela maior parte dos entes pouco desenvolvidos, para propósitos de reencarnação, mas o que se exigia era um melhoramento desse tipo, e isso era mais facilmente obtido por Manu, através da elaboração, no plano astral em primeiro lugar, do arquétipo originalmente formado na mente do Logos.

Portanto, da Segunda Raça Etérica desenvolveu-se a Terceira -a Lemuriana. Seus corpos tornaram-se materiais, sendo compostos de gases, líquidos e sólidos, que constituem as três subdivisões mais inferiores do plano físico, mas os gases e líquidos ainda predominavam, pois suas estruturas vertebradas ainda não haviam se solidificado, tal como as nossas, em ossos e, portanto, não podiam manter-se eretos. Na verdade, seus ossos eram tão flexíveis quanto os dos bebês hoje em dia. Somente em meados do período lemuriano o homem desenvolveu uma sólida estrutura óssea.

Para explicar a possibilidade do processo pelo qual a forma etérica evoluiu para uma forma mais física, e a forma física de ossos moles finalmente desenvolveu-se numa estrutura tal como a que o homem hoje possui, é necessário apenas aludir ao átomo físico permanente.14 Contendo, como contém, a essência de todas as formas através das quais o homem passou no plano físico, ele continha, portanto, a potencialidade de uma estrutura física de ossos duros, tal como a que foi alcançada durante o curso do Terceiro Ciclo, bem como a potencialidade de uma forma etérica e todas as fases intermediárias, pois é preciso lembrar que o plano físico consiste em quatro graus de éter, bem como em gases, líquidos e sólidos – que tantos se inclinam a considerar como os únicos constituintes do físico. Assim, cada etapa do desenvolvimento foi um processo natural, pois foi um processo que havia sido consumado em épocas bastante remotas, e a Manu e aos Seres que o auxiliavam bastou juntar ao átomo permanente a espécie de matéria apropriada.

Órgãos de visão

Os órgãos de visão dessas criaturas, antes que elas desenvolvessem ossos, eram de natureza rudimentar; ao menos essa era a condição dos dois olhos dianteiros, com os quais procuravam obter seu aumento no chão. Mas havia um terceiro olho na parte posterior da cabeça, cujo resíduo atrofiado é hoje conhecido como a glândula pineal. Esta, como sabemos, é agora exclusivamente um centro de visão astral, mas na época da qual estamos falando era o centro principal, não só da visão astral mas também da visão física. Consta que o professor Ray Lankester, aludindo aos répteis já extintos numa conferência na Royal Institution, chamou a atenção para “o tamanho do orifício parietal no crânio, o que revela que, nos ictiossauros, o olho parietal ou pineal, no alto da cabeça, deve ter sido muito grande”. A esse respeito ele chegou a dizer que o gênero humano era inferior a esses enormes lagartos marítimos, “pois tínhamos perdido o terceiro olho, que poderia ser observado no lagarto comum, ou melhor, no grande lagarto azul do sul da França”.15

Um pouco antes da metade do período lemuriano, provavelmente durante a evolução da terceira sub-raça, esse gigantesco corpo gelatinoso lentamente começou a se solidificar e os membros de ossos moles desenvolveram uma estrutura óssea. Essas criaturas primitivas eram agora capazes de se manter cretas e os dois olhos na face tornaram-se gradualmente os órgãos principais da visão física, embora também o terceiro olho ainda permanecesse, até certo ponto, um órgão de visão física, o que se deu até o fim da época lemuriana. Naturalmente, ele continuava sendo um órgão da visão psíquica, como ainda é um foco potencial. Essa visão psíquica continuou a ser um atributo da raça, não só durante todo o período lemuriano, mas também nos dias da Atlântida.

Um curioso fato a se notar é que, quando a raça alcançou, pela primeira vez, o poder de permanecer e de se movimentar numa postura ereta, também podia andar para trás, com quase  a mesma facilidade com que andava para a frente. Isso pode ser explicado, não só pela capacidade de visão que o terceiro olho possuía, mas sem dúvida também pela curiosa protuberância nos calcanhares, que será em breve mencionada.

Descrição do homem lemuriano

O que se segue é uma descrição de um homem que pertenceu a uma das últimas sub-raças – provavelmente à quinta. “Sua estatura era gigantesca, algo em torno de 3,5 a 4,5 m. Sua pele era bastante escura, de cor pardo-amarelada. Ele tinha a mandíbula inferior alongada, um rosto estranhamente achatado, olhos pequenos, porém penetrantes, e localizados curiosamente muito separados um do outro, de modo que podia ver tão bem lateralmente como de frente, enquanto o olho na parte posterior da cabeça – onde, naturalmente, os cabelos não cresciam – também lhe possibilitava enxergar nessa direção. Ele não tinha testa; em seu lugar havia algo parecido a um rolo de carne. A cabeça inclinava-se para trás e para cima, de modo um tanto curioso. Os braços e as pernas (sobretudo os primeiros) eram .mais compridos do que os nossos e não podiam ser perfeitamente esticados nos cotovelos ou nos joelhos; as mãos e os pés eram enormes e os calcanhares projetavam-se para trás, de modo canhestro. Vestia-se com um manto folgado, feito de uma pele semelhante à do rinoceronte, porém mais escamosa, provavelmente a pele de algum animal que nós agora conhecemos apenas através de seus restos fósseis. Ao redor da cabeça, onde o cabelo era bem curto, era amarrado um outro pedaço de pele enfeitada com borlas de cores vermelha-escuro, azul e outras. Na mão esquerda, segurava um bastão pontudo que, sem dúvida, era usado para defesa ou ataque. Esse bastão era mais ou menos da altura de seu próprio corpo, isto é, 3,5 a 4,5 m. Na mão direita, amarrava a extremidade de uma longa corda, feita de alguma espécie de trepadeira, com a qual conduzia um réptil imenso e horrendo, parecido com o plesiossauro. Na verdade, os lemurianos domesticavam essas criaturas e treinavam-nas para aproveitar sua força na caça a outros animais. O aspecto desse homem produzia uma sensação desagradável, mas não era de todo incivilizado, sendo um espécime comum e típico de sua época.”

Muitos eram ainda menos humanos na aparência do que o indivíduo aqui descrito, mas a sétima sub-raça desenvolveu um tipo superior, embora muito diferente de qualquer homem existente no tempo atual. Embora conservando a mandíbula inferior projetada, os grossos lábios pesados, a face achatada e os olhos de aspecto misterioso, eles tinham, por esse tempo, desenvolvido alguma coisa que poderia ser chamada de testa, ao passo que a curiosa projeção do calcanhar fora consideravelmente reduzida. Num ramo desta sétima sub-raça, a cabeça poderia ser descrita como quase oviforme – sendo a menor extremidade do ovo a parte superior, com os olhos bem separados e muito próximos do alto da cabeça. A estatura diminuirá sensivelmente e o aspecto das mãos, dos pés e dos membros de modo geral tomara-se mais semelhante aos dos negros de hoje. Esse povo desenvolveu uma importante e duradoura civilização, dominando por milhares de anos a maioria das outras tribos que viviam no vasto continente lemuriano; e, mesmo no final, quando a degeneração racial parecia prestes a surpreendê-lo, conseguiu mais uma nova vida e poder através da miscigenação com os rmoahals – primeira sub-raça dos atlantes. A progênie, embora mantendo, como é natural, muitas características da Terceira Raça, na verdade pertencia à Quarta Raça e, assim, naturalmente obteve uma nova força de desenvolvimento. A partir desse tempo, seu aspecto geral tornou-se bastante parecido com o de alguns índios americanos, exceto pela pele, que tinha uma curiosa coloração azulada, inexistente hoje em dia.

Contudo, por mais surpreendentes que possam ser as mudanças no tamanho, na consistência e na aparência físicas do homem durante esse período, as alterações no processo de reprodução são ainda mais espantosas. Uma alusão aos métodos que hoje prevalecem entre os reinos mais inferiores da natureza pode nos auxiliar no estudo do assunto.

Processos de reprodução

Após citar os processos mais simples de procriação pela auto-divisão e pela formação de gemas (gemação), Haeckel prossegue: “Um terceiro modo de procriação assexuada, o da formação de gemas germinativas (polisporogonia), está intimamente associado à formação de gemas. No caso dos organismos inferiores, imperfeitos, entre os animais, especialmente no caso de animais e vermes semelhantes a plantas, muitas vezes descobrimos que, no interior de um indivíduo composto de muitas células, um pequeno grupo de células separam-se daquelas que as circundam e que esse pequeno grupo isolado gradualmente se desenvolve num indivíduo que se torna semelhante ao ser de origem e, mais cedo ou mais tarde, sai de dentro dele. … A formação de gemas germinativas é, evidentemente, um tanto diferente da verdadeira produção por gemação. Mas, por outro lado, está associada a um quarto tipo de procriação assexuada, que é quase uma transição para a reprodução sexual, isto é, a formação de células-germinativas (monosporogonia). Neste caso, já não é um grupo de células, mas uma única célula que se separa das células circundantes no interior do organismo gerador e que se toma mais desenvolvida após ter saído do ser de origem. … A procriação sexual ou anfigônica (anfigonia) é o método usual de procriação entre todos os animais e plantas mais superiores. É evidente que ele só se desenvolveu num período mais recente da história da Terra e a partir da procriação assexuada aparentemente, em primeiro lugar, a partir do método de procriação pelas células-germinativas…. Nas principais formas de procriação assexuada acima mencionadas – cissiparidade, formação de gemas, gemas germinativas e células germinativas – a célula, ou o grupo de células que se separou era capaz, por si mesmo, de se desenvolver num novo indivíduo, mas no caso da procriação sexuada, a célula deve, primeiro, ser fecundada por uma outra substância generativa. O esperma fecundador deve, primeiro, misturar-se com a célula germinativa (o óvulo), antes que esta possa se desenvolver num novo indivíduo. Essas duas substâncias generativas, o esperma e o óvulo, são produzidas por um só indivíduo hermafrodita (hermafroditismo) ou por dois indivíduos diferentes (separação sexual).

A mais simples e mais antiga forma de procriação sexual é através de indivíduos de sexo duplo. Isso ocorre na grande maioria das plantas, porém apenas numa minoria dos animais, tais como nos caracóis de jardim, nas sanguessugas, nas minhocas e em muitos outros vermes. Entre os hermafroditas, cada indivíduo produz dentro de si materiais de ambos os sexos – óvulos e esperma. Na maior parte das plantas superiores, cada flor contém tanto o órgão masculino (estames e antera) como o órgão feminino (estilete e semente). Cada caracol de jardim produz, numa parte de sua glândula sexual, óvulos e, em outra parte, esperma. Muitos hermafroditas podem autofecundar-se; em outros, no entanto, é necessária a fecundação recíproca de dois hermafroditas para provocar o desenvolvimento dos óvulos. Este ultimo caso é, evidentemente, uma transição para a separação sexual.

A separação sexual, que caracteriza o mais complicado dos dois tipos de reprodução sexual, desenvolveu-se evidentemente a partir do estado hermafrodita, num período recente da história orgânica do mundo. No momento, esse é o método universal de procriação dos animais superiores. … A chamada reprodução virginal (partenogênese) oferece uma forma interessante de transição da reprodução sexual à formação assexuada de células germinativas, que em grande parte se lhe assemelha. .. . Neste caso, as células germinativas, que também aparecem e são formadas exatamente como as células-ovo, tornam-se capazes de se desenvolverem em novos indivíduos, sem que para isso haja necessidade da semente fecundada. Os mais extraordinários e instrutivos dos diferentes fenômenos partenogenéticos são fornecidos por aqueles casos nos quais as mesmas células germinativas, caso sejam fecundadas ou não, produzem espécies diferentes de indivíduos. Entre nossas abelhas de mel comuns, um indivíduo macho (um zangão) nasce dos óvulos da rainha, caso o óvulo não tenha sido fecundado; caso o óvulo tenha sido fecundado, nasce uma fêmea (uma rainha ou uma abelha operária). A partir disso, pode-se concluir que, de fato, não há grande distância entre a reprodução sexuada e a assexuada e que esses dois tipos de reprodução estão diretamente associados.16

Ora, o fato interessante relacionado com a evolução do homem da Terceira Raça, na Lemúria, é que seu modo de reprodução passou por etapas bastante semelhantes a alguns dos processos acima descritos. Os termos empregados em A Doutrina Secreta são: nascido do suor, nascido do óvulo e andrógino.

“Quase sem sexo, em seus remotos primórdios, tornou-se bissexual ou andrógino; muito gradualmente, claro. A passagem da primeira à última transformação exigiu inúmeras gerações, durante as quais a célula simples que se originou do mais primitivo antepassado (o dois em um), desenvolveu-se primeiro num ser bissexual; em seguida, a célula, tornando-se um óvulo regular, emitiu uma criatura unissexual. O gênero humano da Terceira Raça é o mais misterioso de todas as cinco raças até agora desenvolvidas. O mistério do “Como”, relacionado com a geração dos sexos separados, deve, é claro, estar muito obscuro aqui, pois, sendo este um assunto para um embriologista, um especialista, a presente obra só pode fornecer um ligeiro esboço do processo. Mas é evidente que os indivíduos da Terceira Raça começaram a se separar e a sair de suas cascas ou ovos pré-natais como bebês do sexo masculino e feminino, séculos após o surgimento de seus antigos progenitores. E com o decorrer dos períodos geológicos, as sub-raças recém-nascidas começaram a perder suas aptidões natais. Perto do fim da quarta sub-raça, o bebê perdia a faculdade de andar, tão logo se libertava de sua casca; e, pelo fim da quinta, o gênero humano nascia sob as mesmas condições e pelo mesmo processo de nossas gerações históricas. Naturalmente, isso exigiu milhões de anos.17

Raças lemurianas que ainda habitam a terra

Não será demais repetir que as criaturas quase desprovidas de mente que habitavam esses corpos, tal como foi acima descrito, durante as primeiras sub-raças do período lemuriano, mal podem ser consideradas inteiramente humanas. Foi só após a separação dos sexos, quando seus corpos tinham se tornado densamente físicos, que eles se tornaram humanos, mesmo na aparência. Deve-se lembrar que os seres dos quais estamos falando, embora abrangendo os segundo e terceiro grupos de Pitris Lunares, também devem ter sido recrutados, em grande número, do reino animal daquele Manvantara (o Lunar). Os remanescentes degenerados da Terceira Raça-Raiz que ainda habitam a Terra podem ser observados nos aborígines da Austrália, nos ilhéus de Andaman, em algumas tribos montesas da índia, nos fueguinos, nos bosquímanos da África e em algumas outras tribos selvagens. As entidades que hoje habitam esses corpos devem ter pertencido ao reino animal na parte inicial deste Manvantara. Provavelmente, foi durante a evolução da raça lemuriana e antes que a “porta fosse fechada”, impedindo a subida do grande número de entidades que nela se aglomeravam, que elas alcançaram o reino humano.

O pecado dos sem-mente

Os atos vergonhosos dos homens desprovidos de mente, por ocasião da primeira separação dos sexos, foram muito bem relatados pelas estâncias do antigo Livro de Dzyan. Nenhum comentário é necessário.

“Durante a Terceira Raça, os animais sem ossos cresceram e se transformaram: converteram-se em animais com ossos; suas châyas tomaram-se sólidas.

“Os animais foram os primeiros a se separar. Começaram a procriar. O homem duplo também se separou. Ele disse: ‘Façamos como eles: unamo-nos e procriemos.’ E assim fizeram.

“E aqueles que não possuíam a centelha tomaram para si imensas fêmeas de animais. Com elas geraram raças mudas. Eles próprios eram mudos. Mas suas línguas se desataram. As línguas de sua progênie permaneceram mudas. Eles geraram monstros. Uma raça de monstros encurvados, cobertos de pêlo vermelho, que andavam de quatro. Uma raça muda para silenciar sua vergonha.” (E um antigo comentário acrescenta: ‘Quando a Terceira se separou e pecou, procriando homens-animais, estes [os animais] tornaram-se ferozes, e os homens e eles mutuamente destrutivos. Até então, não existia pecado, nem vida roubada.’)

“Vendo isso os Lhas, que não tinham construído homens, choravam, dizendo: ‘Os Amanasa (sem mente) macularam nossas futuras moradas. Isto é Karma. Habitemos em outras. Ensinemo-los melhor, a fim de que não suceda o pior.’ E assim fizeram.

“Então todos os homens foram dotados de Manas. E viram o pecado dos sem-mente.”

Origem dos macacos pitecóide e antropóide

A semelhança anatômica entre o homem e o mais desenvolvido dos macacos, tão freqüentemente citada pelos darwinistas, de modo a sugerir algum ancestral comum a ambos, propõe um problema interessante, do qual a solução adequada pode ser encontrada na explicação esotérica da gênese das raças pitecóides.

Ora, nós concluímos, a partir de A Doutrina Secreta,18 que os descendentes desses monstros semi-humanos, acima descritos como provenientes do pecado dos “sem-mente”, tendo através dos séculos diminuído de tamanho e se tornando fisicamente mais densos, culminaram, no período mioceno, numa raça de macacos, da qual, por sua vez, descendem os atuais pitecóides. Com esses macacos do período mioceno, porém, os atlantes dessa época repetiram o pecado dos “sem-mente” – desta vez com plena responsabilidade, e os resultantes do seu crime são as espécies de macacos hoje conhecidas como antropóides.

Tudo leva a crer que, no advento da Sexta Raça-Raiz, esses antropóides obterão encarnação humana, sem dúvida nos corpos das raças mais inferiores que então existirem na Terra.

A região do continente lemuriano onde ocorreu a separação dos sexos e onde tanto a quarta como a quinta sub-raças floresceram pode ser observada no mais antigo dos dois mapas. Ela ficava a leste da região montanhosa da qual a atual ilha de Madagáscar fazia parte, ocupando assim uma posição central ao redor do menor dos dois grandes lagos.

Origem da linguagem

Como relatam as Estâncias de Dzyan acima transcritas, os homens daquela época, embora houvessem se tornado inteiramente físicos, ainda continuavam mudos.

Naturalmente, os ancestrais astrais e etéricos desta Terceira Raça-Raiz não tinham necessidade de produzir uma série de sons a fim de transmitir seus pensamentos, vivendo, como viviam, num estado astral e etérico; contudo, quando o homem se tornou físico, não podia permanecer mudo por muito tempo. Fomos informados de que os sons que esses homens primitivos emitiam, a fim de expressarem seus pensamentos, eram, a princípio, formados apenas de vogais. Com o lento decorrer da evolução, gradualmente os sons consonantais começaram a ser usados, mas o desenvolvimento da linguagem, desde o princípio até o final do continente da Lemúria, nunca ultrapassou a etapa monossilábica. A atual língua chinesa é a única descendente direta da antiga língua lemu-riana19, pois “toda a raça humana tinha, naquele tempo, uma só linguagem e um só lábio”.20

Na classificação das línguas elaborada por Humboldt, a chinesa, como sabemos, é chamada isolante, por distinguir-se da aglutinante, mais evoluída, e da flexiva, ainda mais evoluída. Os leitores da História da Atlântida devem se lembrar de que muitas línguas diferentes se desenvolveram naquele continente, mas todas eram do tipo aglutinante, ou, como prefere Max Müller, combinatório, embora o desenvolvimento ainda mais importante da linguagem reflexiva, nas línguas árica e semítica, tenha sido reservado à nossa própria era da Quinta Raça-Raiz.

A primeira vida roubada

A primeira ocasião de pecado, a primeira vida roubada – mencionada no antigo comentário das Estâncias de Dzyan acima transcrito – pode ser considerada como indicativa do comportamento que então se instalou entre os reinos humano e animal, o qual, desde então, tem atingido terríveis proporções, não só entre homens e animais, mas entre as diferentes raças humanas. E isso abre uma via de reflexão muito interessante.

O fato de reis e imperadores considerarem necessário ou apropriado, em todas as ocasiões oficiais, apresentarem-se com o traje de uma das subdivisões combatentes de suas forças armadas é um indício significativo da apoteose alcançada pelas qualidades combativas no homem! O costume, sem dúvida, data de uma época em que o rei era o chefe guerreiro e sua realeza era reconhecida unicamente em virtude de ele ser o guerreiro mais eminente. Mas agora que a Quinta Raça-Raiz está em ascendência, cuja principal característica e função é o desenvolvimento do intelecto, poderíamos supor que o atributo dominante da Quarta Raça-Raiz não deveria ser ostentado com tanto alarde. Mas a era de uma raça sobrepõe-se parcialmente à outra e, como sabemos, embora as principais raças do mundo pertençam à Quinta Raça-Raiz, a grande maioria de seus habitantes ainda pertence à Quarta; portanto, tem-se a impressão de que a Quinta Raça-Raiz ainda não superou as características da Quarta Raça-Raiz, pois a evolução humana se efetua de modo bastante gradual e lento.

Seria interessante resumir aqui a história desse conflito e dessa matança desde sua gênese, na Lemúria, há milhões de séculos.

A partir dos dados já fornecidos pelo autor, parece que o antagonismo entre homens e animais desenvolveu-se em primeiro lugar. Com a evolução do corpo físico do homem, naturalmente um aumento apropriado para esse corpo tomou-se uma necessidade urgente, de modo que, além do antagonismo criado pela necessidade de autodefesa contra os animais ferozes dessa época, o desejo de alimento também impeliu os homens à matança e, como vimos acima, um dos primeiros usos que eles fizeram de sua mentalidade em formação foi treinar animais para agirem como perseguidores, durante a caçada.

Uma vez despertado o elemento de luta, em breve os homens começaram a utilizar armas ofensivas uns contra os outros. As causas de agressão eram, naturalmente, idênticas àquelas que hoje existem nas comunidades selvagens. A posse de qualquer objeto desejável por um de seus semelhantes era motivo suficiente para um homem tentar toma-lo à força. Tampouco a luta se limitava a atos individuais de agressão. Como ocorre entre os atuais selvagens, bandos de saqueadores podiam atacar e pilhar as comunidades que viviam em aldeias distantes das suas. A guerra na Lemúria, porém, nunca foi além dessas proporções, conforme fomos informados, mesmo no fim de sua sétima sub-raça.

Estava destinado aos atlantes desenvolver o esquema de combate em linhas organizadas – reunir e treinar exércitos e construir esquadras. Na verdade, este esquema de combate foi a característica fundamental da Quarta Raça-Raiz. Durante todo o período atlante, como sabemos, a luta armada foi a ordem do dia, e travavam-se constantes batalhas terrestres e navais. E esse princípio de luta tornou-se tão profundamente arraigado na natureza humana durante o período atlante que, mesmo hoje, a mais intelectualmente desenvolvida das raças áricas está militarmente preparada para lutar entre si.

As artes

Para traçar o desenvolvimento das artes entre os lemurianos, temos de começar pela história da quinta sub-raça. A separação dos sexos estava, então, totalmente concluída e o homem habitava um corpo inteiramente físico, embora ainda de estatura gigantesca. A guerra ofensiva e defensiva com os monstruosos animais carnívoros já se iniciara e os homens começaram a viver em cabanas. Para construí-las, abatiam árvores e empilhavam-nas de maneira rude. A princípio cada família vivia isolada na sua própria clareira aberta na selva, mas logo descobriram que, para se defenderem das feras, era mais seguro agruparem-se e viverem em pequenas comunidades. As cabanas, que eram feitas com rudes troncos de árvores, passaram a ser construídas com pedras grandes e arredondadas, enquanto as armas com que atacavam ou se defendiam dos dinossauros e de outras feras eram lanças de madeira afiada, semelhantes ao bastão que o homem, cujo aspecto foi descrito anteriormente, empunhava.

Até essa época, a agricultura ainda não era conhecida e a utilidade do fogo não havia sido descoberta. O alimento de seus ancestrais sem ossos, que se arrastavam pela terra, eram coisas que eles podiam encontrar no chão ou logo abaixo da superfície do solo. Agora que andavam eretos, muitas das árvores silvestres proviam sua subsistência com nozes e frutas, mas seu aumento principal era a carne dos animais que matavam, retalhavam e devoravam.

Mestres da raça lemuriana

Ocorreu então um evento significativo, cujas consequências foram muito importantes para a história da raça humana. Um evento, aliás, de grande significado místico, pois seu relato traz à luz Seres que pertenciam a sistemas de evolução inteiramente diferentes e que, não obstante, vieram, nessa época, juntar-se à nossa humanidade.

O lamento dos Lhas, “que não tinham construído homens”, ao verem suas futuras moradas contaminadas é, à primeira vista, dificilmente compreensível. Embora a descida desses Seres nos corpos humanos não seja o evento principal que temos a referir, devemos tentar, antes, uma explicação de sua causa e consequência. Ora, tudo leva a crer que esses Lhas eram a humanidade mais altamente desenvolvida de algum sistema de evolução que completara seu curso numa época pertencente a um passado infinitamente remoto. Eles tinham alcançado um elevado estágio de desenvolvimento em seu conjunto de mundos e, desde sua dissolução, passaram os séculos intermediários na bem-aventurança de algum estado nirvânico. Mas seu karma necessitava agora de retornar a algum campo de ação e de causais físicas e, como ainda não tinham aprendido inteiramente a lição da compaixão, sua tarefa temporária consistia então em tornarem-se guias e mestres da raça lemuriana, que nessa época precisava de toda ajuda e orientação que eles pudessem dar.

Contudo, outros Seres também se dedicaram à tarefa – neste caso, voluntariamente. Vieram do esquema de evolução que tem Vênus como seu único planeta físico. Esse esquema já alcançou o Sétimo Ciclo de seus planetas no seu Quinto Manvantara; sua humanidade, portanto, encontra-se num nível muito mais elevado do que o alcançado pelos homens comuns deste planeta. Eles são “divinos”, ao passo que somos apenas “humanos”. Os lemurianos, como vimos, estavam então apenas a um passo da autêntica natureza humana. Foi para suprir uma necessidade temporária – a educação da nossa humanidade infantil – que esses Seres divinos vieram – assim como nós, possivelmente daqui a séculos, também poderemos ser designados para prestar ajuda a seres que, em Júpiter ou Saturno, tenham dificuldade em atingir a natureza humana. Sob sua orientação e influência, os lemurianos rapidamente atingiram o desenvolvimento mental. A atividade de suas mentes, com sentimentos de amor e reverência para com aqueles que reconheciam ser infinitamente mais sábios e mais poderosos que eles, naturalmente fez surgir tentativas de imitação; assim, o desenvolvimento necessário quanto ao crescimento mental foi conquistado, o que transformou o revestimento mental superior num veículo capaz de transportar as características humanas de uma vida a outra, garantindo desse modo essa expansão da Vida Divina que dotou o receptor com a imortalidade individual. Segundo as palavras das antigas Estâncias de Dzyan, “Então todos os homens foram dotados de Manas”.

Contudo, deve-se registrar uma significativa diferença entre a vinda dos Seres sublimes do esquema de Vênus e a daqueles descritos como a humanidade mais altamente desenvolvida de algum sistema anterior de evolução. Os primeiros, como vimos, não estavam sob nenhum estímulo kármico. Vieram como homens, para viver e trabalhar entre eles, mas não lhes era exigido que assumissem suas limitações físicas, estando em condições de se munirem de veículos que lhes fossem apropriados.

Por outro lado, os Lhas precisavam realmente nascer nos corpos da raça, tal como esta existia então. Melhor teria sido, tanto para eles como para a raça, se não tivesse havido hesitação ou demora da parte deles em se dedicarem à sua tarefa kármica, pois o pecado dos sem-mente teria sido evitado, bem como todas as suas consequências. Além disso sua tarefa teria sido bem mais fácil, pois consistia não só em procederem como guias e mestres, mas também em aperfeiçoarem o tipo racial – em suma, em desenvolverem a forma semi-humana, semi-animal, então existente, no futuro corpo físico do homem.

E preciso lembrar que, até então, a raça lemuriana era constituída pelos segundo e terceiro grupos de Pitris Lunares. Mas agora que eles estavam se aproximando do nível alcançado pelo primeiro grupo de Pitris na cadeia lunar, tornava-se-lhes necessário retornar de novo à encarnação, o que eles fizeram durante as quinta, sexta e sétima sub-raças (na verdade, alguns só foram nascer no período atlante), de modo que o impulso dado ao progresso da raça foi uma força cumulativa.

As posições ocupadas pelos seres divinos da cadeia de Vênus eram, naturalmente, as de governantes, instrutores de religião e professores de artes, e é nesta última qualidade que uma alusão às artes por eles ensinadas vem ajudar este nosso estudo da história dessa antiga raça.

As artes continuaram

Sob orientação de seus divinos mestres, o povo começou a aprender o uso do fogo e os meios pelos quais podiam obtê-lo, a princípio, através da fricção e, mais tarde, pelo uso de pederneiras e ferro. Foi-lhes ensinado a explorar metais, a fundi-los e a moldá-los e, em vez de madeira pontuda, eles agora começavam a usar lanças com ponta de metal pontiagudo.

Também lhes foi ensinado cavar e arar o solo e a cultivar as sementes do grão silvestre até aprimorá-los. Esse aperfeiçoamento, levado a cabo, através das vastas épocas que decorreram desde então, resultou na evolução dos vários cereais que hoje possuímos -cevada, aveia, milho, painço, etc. Contudo, deve-se registrar aqui uma exceção. O trigo não foi desenvolvido neste planeta, como os outros cereais. Foi um presente dos seres divinos, que o trouxeram de Vênus, já pronto para servir de aumento ao homem. Mas o trigo não foi o único presente. A única espécie entre os animais, cujo tipo não foi desenvolvido em nossa cadeia de mundos, é a abelha. Também ela foi trazida de Vênus.

Em seguida, os lemurianos começaram a aprender a arte de fiar e tecer tecidos com os quais faziam suas roupas. Estas eram fabricadas com o áspero pêlo de alguma espécie de animal hoje extinto, mas que guardava certa semelhança com os atuais lhamas, dos quais foi, provavelmente, o ancestral. Como já vimos, as vestes primitivas do homem lemuriano eram mantos de pele tirada dos animais que ele matava. Nas regiões mais frias do continente, essas vestes ainda eram usadas, mas agora ele aprendera a curtir e a adornar a pele, embora de modo rudimentar.

Uma das primeiras coisas ensinadas ao povo foi o uso do fogo no preparo do alimento e, quer se tratasse da carne de animais que matavam ou de grãos de trigo triturados, seu modo de cozinhar era bastante idêntico ao que sabemos existir hoje entre as comunidades selvagens. Com referência ao presente do trigo, tão maravilhosamente trazido de Vênus, os governantes divinos sem dúvida perceberam as vantagens de, imediatamente, produzir esse alimento para o povo, pois sabiam que levaria muitas gerações antes que o aperfeiçoamento das sementes silvícolas pudesse fornecer um suprimento adequado.

Durante o período das quinta e sexta sub-raças, o povo era rude e bárbaro, e os que tiveram o privilégio de entrar em contato com seus mestres divinos foram, naturalmente, insuflados com sentimentos de reverência e culto, a fim de serem ajudados a erguerem-se acima do seu estado selvagem. Além disso, a constante afluência de seres mais inteligentes, vindos do primeiro grupo de Pitris Lunares, que estavam então iniciando seu retorno à encarnação, ajudou na ob- tenção de um estado mais civilizado.

Grandes cidades e estátuas

Durante o período mais recente, correspondente às sexta e sétima sub-raças, eles aprenderam a construir grandes cidades. Sua arquitetura parece ter sido ciclópica, correspondendo aos corpos gigantescos da raça. As primeiras cidades foram construídas naquela extensa região montanhosa do continente que, como pode ser visto no primeiro mapa, incluía a atual ilha de Madagáscar. Uma outra grande cidade é descrita em A Doutrina Secreta21 como tendo sido inteiramente construída de blocos de lava. Ela ficava a uns 50 km a oeste da atual ilha de Páscoa e posteriormente foi destruída por uma série de erupções vulcânicas. As estátuas gigantescas da ilha de Páscoa – medindo, em sua grande maioria, cerca de 8 m de altura por 2,5 m de largura – provavelmente foram projetadas para representar não só as feições mas também a altura dos que as esculpiram ou, talvez, as de seus ancestrais, pois é provável que as estátuas tenham sido erguidas nos últimos séculos dos atlantes-lemurianos. Pode-se observar que, durante o período do segundo mapa, o continente do qual a ilha de Páscoa fazia parte fora fragmentado e a própria ilha de Páscoa tornara-se uma ilha comparativamente menor, apesar das dimensões consideravelmente grandes que ela conserva hoje em dia.

Civilizações de relativa importância surgiram em diferentes partes do continente e das grandes ilhas, onde os habitantes ergueram cidades e viveram em comunidades organizadas; grandes tribos, porém, que também eram parcialmente civilizadas, continuaram a levar uma vida nômade e patriarcal, ao passo que, outras regiões do território – em muitos casos, as menos acessíveis, como em nosso tempo – foram povoadas por tribos de tipo extremamente inferior.

Religião

Com uma raça de homens tão primitiva, no melhor dos casos, havia muito pouco a lhes ser ensinado no campo da religião. Algumas regras simples de conduta e os preceitos mais elementares de moralidade eram tudo o que eles podiam compreender ou praticar. É verdade que, durante a evolução da sétima sub-raça, seus instrutores divinos ensinaram-lhes uma forma primitiva de culto e transmitiram-lhes o conhecimento de um Ser Supremo, cujo símbolo era representado pelo sol.

Destruição do continente

Ao contrário do destino da Atlântida, que foi submersa por enormes vagalhões, o continente da Lemúria pereceu pela ação vulcânica. Foi devastado pelas cinzas ardentes e pela poeira incandescente de inúmeros vulcões. Terremotos e erupções vulcânicas, é verdade, introduziram cada uma das grandes catástrofes que surpreenderam a Atlântida, mas depois que a terra foi sacudida e dilacerada, o mar avançou impetuosamente e completou o trabalho, e a grande maioria dos habitantes morreu afogada. Os lemurianos, por outro lado, pereceram principalmente queimados ou asfixiados. Outro contraste marcante entre o destino da Lemúria e o da Atlântida foi que, enquanto quatro grandes catástrofes completaram a destruição desta última, a Lemúria foi lentamente devastada por incêndios que se espalharam pelo continente, pois, a partir do instante em que o processo de desintegração começou, até o fim do período do primeiro mapa, não houve interrupção da atividade causticante e, numa parte ou noutra do continente, a ação vulcânica permaneceu constante, e a consequência inevitável disso foi o afundamento e o desaparecimento total do território, assim como aconteceu com a ilha de Krakatoa, em 1883.

A erupção do monte Pelée, que causou a destruição de Saint-Pierre, a capital da Martinica, foi tão parecida com as séries de catástrofes vulcânicas do continente da Lemúria que uma descrição fornecida por alguns sobreviventes dessa ilha pode ser interessante: “Uma imensa nuvem negra irrompeu subitamente da cratera do monte Pelée e precipitou-se com incrível velocidade, sobre a cidade, destruindo tudo – habitantes, casas e vegetação – que encontrava em seu caminho. Em dois ou três minutos ela atravessou a cidade, que se transformou num monte de ruínas em chamas. Em ambas as ilhas [Martinica e São Vicente] as erupções caracterizaram- se pela súbita liberação de imensas quantidades de poeira incandescente, misturada com vapor, que desceu pelas íngremes encostas com velocidade sempre crescente. Em São Vicente, essa poeira acumulou-se em muitos vales, atingindo uma profundidade de mais ou menos 30 a 60 m e, meses após as erupções, ainda estava muito quente, e as chuvas pesadas que então caíram sobre ela causaram enormes explosões, produzindo nuvens de vapor e poeira que se projetavam a uma altura de 450 até 600 m, enchendo os rios de lama negra e fervente.” O capitão Freeman, do Roddam, falou da “impressionante experiência que ele e seu grupo tiveram na Martinica. Uma noite, quando estavam numa pequena chalupa, ancorados a cerca de um quilômetro e meio de Saint-Pierre, a montanha explodiu de uma forma que, aparentemente, era uma exata repetição da erupção original. Não foi inteiramente sem aviso; por isso, eles puderam navegar, imediatamente, de 2 a 3 km para mais longe, o que, provavelmente, os salvaria. Na escuridão, viram o pico incandescer com uma brilhante luz vermelha; logo em seguida, com explosões estrondosas, enormes pedras incandescentes foram projetadas e rolaram pelas encostas. Após alguns minutos, ouviu-se um longo ruído retumbante e, logo a seguir, uma avalanche de poeira incandescente precipitou-se para fora da cratera e rolou pela encosta com uma velocidade, segundo eles, de aproximadamente 160 km por hora, com uma temperatura de 1.000°C. Quanto à provável explicação destes fenômenos, o capitão Freeman disse que não foi vista lava alguma jorrando dos vulcões, mas apenas vapor e uma fina poeira quente. Os vulcões eram, portanto, do tipo explosivo; e de todas as suas observações, ele concluiu que a ausência de derramamento de lava devia-se ao fato de o material do interior da cratera ser parcialmente sólido ou, pelo menos, bastante viscoso, de modo que não podia fluir como uma torrente comum de lava. Desde o regresso do capitão Freeman, esta teoria tinha recebido impressionante confirmação, pois sabia-se então que, no interior da cratera do monte Pelée, não havia nenhum lago de lava derretida, mas que um sólido pilar de rocha incandescente estava se erguendo lentamente, formando um grande monte cônico, pontiagudo, até elevar-se, finalmente, acima do antigo cume da montanha. Sua altura era de, aproximadamente, 300 metros e crescera lentamente, à medida que fora forçado para cima pela pressão de baixo, enquanto, de vez em quando, ocorriam explosões de vapor, desalojando grandes pedaços de seu topo ou de suas encostas. O vapor era liberado do interior dessa massa à medida que ela esfriava e, nesse momento, a rocha entrava num estado perigoso e altamente explosivo, de modo que, cedo ou tarde, teria de ocorrer uma explosão que despedaçaria uma grande parte dessa massa, convertendo-a numa poeira fina e incandescente”.22

Uma consulta ao primeiro mapa lemuriano mostrará que, no lago situado a sudeste da extensa região montanhosa, havia uma ilha cujas dimensões não ultrapassavam as de uma grande montanha. Essa montanha era um vulcão muito ativo. As quatro montanhas que se encontravam a sudoeste do lago também eram vulcões ativos, e foi nessa região que começou a dilaceração do continente. Os cataclismos sísmicos que se seguiram às erupções vulcânicas causaram ta- manho estrago que, durante o período do segundo mapa, uma grande porção da parte sul do continente estava submersa.

Uma característica marcante da superfície do território nó começo da época lemuriana era o grande número de lagos e pântanos, bem como os inúmeros vulcões. O mapa, naturalmente, não registra todos esses detalhes, mas apenas algumas das grandes montanhas que eram vulcões e alguns dos maiores lagos.

Um outro vulcão, na costa nordeste do continente, começou seu trabalho de destruição numa data remota. Os terremotos completaram a dilaceração e parece provável que o mar indicado no segundo mapa, penteado de pequenas ilhas a sudeste do atual Japão, indique a área dos distúrbios sísmicos.

Pode-se observar, no primeiro mapa, que havia lagos no centro do atual continente insular da Austrália – lagos onde a terra hoje se mostra bastante seca e crestada. Durante o período do segundo mapa, esses lagos desapareceram e parece natural supor que, durante as erupções dos grandes vulcões situados a sudeste (entre as atuais Austrália e Nova Zelândia), as regiões onde esses lagos se encontravam devem ter sido de tal modo devastadas pela poeira vulcânica incandescente que as inúmeras nascentes secaram.

Origem da raça atlante

Em conclusão deste esboço, uma alusão ao processo pelo qual a Quarta Raça-Raiz surgiu será bastante apropriada para encerrarmos aquilo que conhecemos acerca da história da Lemúria, encadeando-se à história da Atlântida.

Como já foi registrado por outras obras anteriores que abordaram esta matéria, o núcleo destinado a se tornar a nossa grande Quinta Raça-Raiz ou árica foi escolhido a partir da quinta sub-raça, ou raça semítica, da Quarta Raça-Raiz. Contudo, não foi antes da época da sétima sub-raça na Lemúria que a humanidade se desenvolveu o bastante, psicologicamente, para justificar a escolha de indivíduos aptos a se tornarem os pais de uma nova Raça-Raiz. Assim,, foi da sétima sub-raça que se deu a segregação. A princípio, a colônia se instalou na região hoje ocupada pelo Achanti e pela Nigéria ocidental. Uma consulta ao segundo mapa mostrará essa região como um promontório situado a noroeste da ilha-continente, abrangendo o cabo da Boa Esperança e partes da África ocidental.

Tendo sido resguardada, por gerações, de qualquer mistura com um tipo mais inferior, a colônia viu o número de seus habitantes aumentar gradualmente, até chegar a época em que estava pronta a receber e a transmitir o novo impulso à hereditariedade física, que o Manu estava destinado a revelar.

Os estudiosos de Teosofia estão cientes de que, até hoje, ninguém pertencente ao nosso gênero humano teve condições de incumbir-se da sublime função de Manu, embora esteja determinado que o estabelecimento da futura Sexta Raça-Raiz será confiado à orientação de um dos nossos Mestres de Sabedoria – aquele que, embora pertencendo ao nosso gênero humano, atingiu, não obstante, um nível bastante elevado na Hierarquia Divina.

No caso em consideração – o estabelecimento da Quarta Raça-Raiz -, foi um dos Adeptos, vindo de Vênus, que se incumbiu dos deveres de Manu. Naturalmente, ele pertencia a uma ordem bastante elevada, pois deve-se compreender que, dos Seres que vieram do sistema de Vênus como governantes e mestres da nossa humanidade ainda infantil, nem todos se encontravam no mesmo nível. É esta circunstância que fornece uma razão para o notável fato que, a título de conclusão, pode ser mencionado – a saber, que existiu, na Lemúria, uma Loja de Iniciação.

Uma loja de iniciação

Naturalmente, a Loja não foi fundada com o objetivo de beneficiar a raça lemuriana. Alguns deles, suficientemente desenvolvidos, foram, é verdade, ensinados pelos Gurus Adeptos, mas a instrução de que necessitavam limitava-se à explicação de alguns fenômenos físicos, tal como o fato de que a Terra se move ao redor do sol, ou à explicação do aspecto diferente que os objetos físicos assumiam quando expostos, alternadamente, à visão física e à visão astral.

A Loja foi fundada, naturalmente, em benefício daqueles que, embora dotados com os extraordinários poderes de transferir sua consciência do planeta Vênus para a nossa Terra e de munir-se, enquanto aqui permaneciam, de veículos apropriados às suas necessidades e ao trabalho que deviam executar, estavam ainda seguindo o curso de sua própria evolução.23 Em seu benefício – em benefício daqueles que, tendo iniciado o Caminho, haviam alcançado apenas os graus mais inferiores, foi que se fundou essa Loja de Iniciação.

Embora, como sabemos, a meta da evolução normal seja muito maior e mais gloriosa do que, do nosso atual ponto de vista, se pode conceber, ela não é, de modo algum, sinônimo daquela expansão de consciência que, associada à purificação e ao enobrecimento do caráter – e que só através dessa associação se toma possível -, constitui as alturas às quais conduz o Caminho da Iniciação.

A investigação acerca do que representa essa purificação e enobrecimento do caráter, bem como o esforço para compreender o que essa expansão de consciência realmente significa, são assuntos que foram tratados em outras obras.

Por ora, basta assinalar que o estabelecimento de uma Loja de Iniciação em benefício de Seres que vieram de um outro esquema de evolução é uma indicação da unidade de objetivos e de propósitos no governo e na orientação de todos os esquemas de evolução criados pelo nosso Logos Solar. Além do curso normal do nosso próprio esquema, há, nós sabemos, um Caminho pelo qual Ele pode ser diretamente alcançado, o qual, a cada filho de homem, em seu progresso através dos tempos, é permitido ser informado e, se assim escolher, trilhá-lo. Achamos que também foi assim no esquema de Vênus, e presumir que é ou será assim em todos os esquemas que fazem parte de nosso sistema Solar. Este Caminho é o Caminho da Iniciação e o fim a que ele conduz é idêntico para todos, e esse fim é a União com Deus.

Notas:

1. Haeckel está perfeitamente correto ao conjeturar que a Lemúria foi o berço da raça humana, tal como esta hoje existe, mas não
foi a partir dos macacos antropóides que a espécie humana se desenvolveu. Mais adiante será feita uma referência a respeito da
posição real que o macaco antropóide ocupa na Natureza.

2. Ernst Haeckel, History of Creaúon, 2? ed., 1876, vol. I, pp. 360-62.

3. Alfred Russell Wallace, The GeographicalDistribution of Animais – with a study of the relations of living and extinct Faunas
as elucidating the past changes of the Earth’s Surface. Londres, Macmillan & Co., 1876, vol. I, pp. 76-7.

4. O Ceilão e o sul da índia realmente eram limitados, ao norte, por uma considerável extensão de mar, mas isso se deu numa
época bem anterior ao período terciário.

5. Wallace, Geographical Distribution, etc., vol. I, pp. 328-9.

6. Wallace, Geographical Distribution, etc., vol. II, p. 155.

7. H. F. Blandford, “Sobre a idade e as correlações do grupo de plantas existentes na índia e a existência anterior de um
continente indo-oceânico”, ver Quarterly Journal of the Geológica! Society, vol. 31, 1875, pp. 534-540.

8. Uma consulta aos mapas revelará que a estimativa do Sr. Blandford é a mais correia das duas.

9. Partes do continente permaneceram, naturalmente, mas acredita-se que o desmembramento da Lemúria ocorreu antes
do início da época eocena.

10. Vol. II, pp. 325-6.

11. Dr. G. Hartlaub, “On the Avifauna of Madagáscar and the Mascarene Islands”, ver The Ibis, Periódico Trimestral de
Ornitologia – Série 4*, Vol. I, 1877, p. 334.

12. Ernst Haeckel, History of Creation, Vol. II, pp. 22-56.

13. Ernst Haeckel, History of Creation, Vol. II, pp. 226-7.

14. Para uma explicação adicional dos átomos permanentes em todos os planos, bem como das potencialidades neles contidas, no que toca aos processos de morte e renascimento, ver Man’s Place in Universe, pp. 76-80.

15. O Standard, 8 de janeiro de 1904.

16.  Ernest Haeckel, The History of Creation, 2- ed., Vol. I, pp. 193-8.

17. TheSecretDoctrine,Vo. II, p. 197.

18. Vol. II, pp. 683 e 689.

19. No entanto, deve-se observar que o povo chinês descende, principalmente, da quarta sub-raça, ou raça turaniana, da Quarta
Raça-Raiz.

20. The Secret Doctrine, Vol. II, p. 198.

21. Vol. II, p. 317.

22. The Times, 14 de setembro de 1903.

23. As alturas por eles alcançadas terão seu correspondente quando a nossa humanidade, daqui a um período de tempo incalculável, tiver alcançado o Sexto Ciclo da nossa cadeia de mundos e, nessa época longínqua, os mesmos poderes transcendentes serão usufruídos pelo mais comum entre os homens.

FIM

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/lemuria-o-continente-desaparecido/

Paralisia Progressiva

Este texto foi traduzido com a permissão de Ulric “Gestumblindi” Goding a Nicholaj Frisvold para publicação exclusiva aqui no TdC. Ulric é membro do Clan of Tubal Cain, publicado originalmente no site http://manofgoda.com sob o título “Progressive Stasis”.

Escrevo isto não como um mero seguidor de uma prática distinta em sua tecnologia, mas como um membro de um povo distinto em sua cultura. Os chifres são colocados, o garfo na mão. Hora de ser patife e bancar o advogado do diabo.

Todos os homens não são iguais.

Vomita-se uma utopia enjoativamente doce.

Balindo no rebanho crescente, as ovelhas permanecerão ovelhas e lobos agirão de acordo. Por mais que se queira do contrário, isto não pode mudar.

As ovelhas podem ser apaziguadas e convidadas ao covil, mas vão ser abatidas para o jantar quando a necessidade ou o desejo surgir.

A fixação de si, e qualquer posterior olhada para o próprio umbigo parece ter desarmado o “mundo ocidental”. Tentamos defender a correção política, durante todo o tempo em que vivemos sob uma política que falha a muitos. Assistimos ameaças fortalecerem enquanto brigamos para determinar qual ação é a certa. Devido à natureza “progressista” da sociedade ocidental, há tantas opiniões diferentes quanto há indivíduos; tanto que a progressão em direção à resolução vacila e fica estática. Força na identidade comum sempre terá a vantagem. No entanto, quantos neste “mundo saidinho” podem dizer que ‘adicionaram’ à comunidade? Não é uma coleção de indivíduos que compõe uma comunidade, mas uma coleção de unidades menores coesas, as famílias se preferir.

Mesmo que ser um ser humano seja um traço comum entre nós, não somos uma bolha homogênea. A constituição – não só a humanidade, mas também a multiplicidade de expressões de vida neste mundo – é heterogênea e deve ser acolhida como tal.

Será que estamos olhando para as tentativas de conversão, pregações de ‘profetas’ infindáveis, radical-isto, liberal-aquilo, abundantes manifestos que buscam casar o Ofício com humanismo secular? Se você não aceitar “isto”, então você não é “verdadeiramente” aquilo… De quem é a autoridade que dita que tal é o caso?

O “Tradicional” ou o Velho Ofício já teve seus dias?

As cosmovisões tradicionais são exclusivas em sua natureza, e tal é a natureza da besta, pergunte a qualquer antropólogo e tenho certeza que ele vai te dizer o mesmo. Uma pessoa está ou no limite social aceitável ou no (sub) cultural, e se fora deles então, a pessoa é, literalmente, uma “forasteira” por padrão.

Pessoalmente, posso percorrer a paisagem, compartilhar a companhia de outros, beneficiar-me da hospitalidade alheia, mas permaneço distinto deles. Sou obrigado à Lei do meu Povo, encontro o meu parentesco no Povo, devo a minha fidelidade à Dama e Magister do Clã. Outros têm suas próprias obrigações e limites que eu não compartilho, e por isso sou um “forasteiro” para eles e à sua raça, da mesma fora em que eles são para a minha.

Eu entendo que estas não são palavras confortáveis ​​em um mundo que demanda inclusão; no entanto, esta é a realidade para aqueles que aderem a um paradigma Tradicional.

As Nornes decidiram o meu fado nesta vida em minha primeira respiração, provavelmente muito antes disso. Se eu não nasci uma determinada cor, credo ou assim por diante e isto me impede a entrada para um sistema ou cultura nativa, então que assim seja, as Nornes falaram. O problema não reside na exclusividade, mas com a violência ou falta de tolerância demostrada tanto na manutenção da exclusividade, ou na execução da inclusão. Por exemplo, é “errado” se os povos nativos desejam manter suas práticas exclusivamente aos seus? Em minha opinião, não é. Ainda assim, o comportamento exclusivo pode ser debatido como racista? Vou deixar que cada um medite por si.

Parece ser um fenômeno moderno que as pessoas pensem que o mundo lhes deve algo, que pelo mero fato de termos nascido humanos, nós “temos o direito” a cultura ou subcultura de todo mundo. Bem, aqui eis aqui uma novidade para estas pessoas: o mundo não lhe deve nada. Somente através de suas ações você pode adquirir sua porção alocada na vida e não por simplesmente existir como um membro da humanidade.

A dura realidade da vida é que não nascemos iguais, intelectualmente ou fisicamente não desenvolvemos de forma homogênea, cada um tem seus próprios pontos fortes e fracos que podem beneficiar e prejudicar enquanto se percorre o caminho do nascimento à morte. Para aqueles que buscam consolo no Culto do Indivíduo, esta é uma perspectiva desconfortável.  Isto significaria que um é “melhor” equipado do que o outro em diferentes estações dentro da estrutura da sociedade. Para aqueles que aderem a uma visão de mundo tradicional, esta não é uma perspectiva desconfortável para ser substituída por uma inclusão liberal; esta é simplesmente a realidade comum, onde as peças díspares forjam um todo mais forte.

Por muito tempo as pessoas têm remado em um esgoto da Nova Era de “busca-de-si”, “autodesenvolvimento”, “eu”, “si”, “self”… Beneficiando a si mesmo como uma prioridade, a evolução material de raízes fundadas na escatologia egoísta que é “salvação pessoal”.

Eu olho ao redor, à “comunidade” do Ofício e vejo multidões de indivíduos que buscam “fazer um nome” para o seu próprio bem, para ser um movedor e agitador dentro da esfera da Arte. Mestres autoproclamados, Conselhos e Manifestos declarados que engrandecem os autores mais do fazem tirar as bundas para fora dos sofás e longe das telas.

Ouço com uma consistência desanimadora: “Meu relacionamento com os espíritos me dá …”, “eu vou fazer um trabalho para conseguir … “,” Eu vou comprar este livro de edição limitada com pele de cobra…” Que farsa; parece que nós, pessoas confortáveis do século XXI estamos brincando de Harry Potter para que possamos nos vangloriar para o outro avatar sem rosto na Internet. Aquilo que as pessoas estão brincando que a Arte seja é pouco mais do que chacoalhar os braços, ouvindo ecos vazios da própria conversa fiada e inflando egos enquanto nos gabamos para todos os que quiserem ouvir. Isto está longe do que me motiva à Arte.

Perdida em distração mesquinha, essa busca da construção de uma persona aceita pelos colegas tem feito mais dano do que benefício na construção de algo duradouro.

O Culto da Personalidade de fato é um veneno doce e doentio, assim como os edulcorantes em alimentos artificiais que você não pode sentir isso te matando. A preciosa visão de si de uma pessoa significa muito pouco, na melhor das hipóteses uma persona carismática possibilitará a difusão de ideias que podem beneficiar a comunidade, na pior das hipóteses uma persona carismática pode causar atrocidades tais como as sofridas durante a Segunda Guerra Mundial, bem como eras anteriores e posteriores. Persona é meramente uma ferramenta que permite a interação, que esperançosamente dá à pessoa os meios para beneficiar a sua comunidade. Um artesão não é definido por suas ferramentas, nem deveríamos ficar fascinados pela ferramenta que é o ego.

Robert Cochrane, um antepassado do meu Povo e fundador do Clan, tem sido sujeito a este culto à personalidade e desde seu falecimento muitos querem um pedaço dele, por assim dizer. Por favor, permita-me ser um tanto controverso por um momento…  Quem era ele do lado de fora de seu próprio povo não tem importância; sim, ele era dotado, ele também era atormentado. Tenho certeza de que há muitos que compartilham traços no mundo. O mais importante são as suas ideias, coisas que sobreviveram e foram reforçadas desde sua morte, ideias que deram inspiração a muitos, ideias que fortaleceram uma comunidade maior, em vez de beneficiar apenas a ilha solitária de si mesmo.

O Ofício é todo a respeito do relacionamento, pura e simplesmente. Sim, o self-ego nos dá um ponto de orientação inicial, como levamos a nossa bússola e viajamos através das vastas paisagens da existência humana e extra-humana. Mas serve apenas como uma orientação inicial. Relacionamentos não são unicamente focados em tomar, mas doação recíproca. O Ofício é uma expressão natural da cultura, tradicionalmente enraizada na troca de presentes que estreitava os laços dentro da comunidade (entre ambos, humanos e os Outros), e isto, por sua vez, dava melhores chances de sobrevivência contra a ameaça externa, seja na forma de fome ou violência. Deixe-me reiterar, no entanto, não é tanto a sobrevivência de si, mas a sobrevivência de um povo.

Se não formos vigilantes, o Culto da Individualidade trará a morte da Arte Tradicional. Não importa nem um pouco se alguém é gay, hétero, trans, negro, branco, amarelo; pró-isto ou anti-aquilo, isso é apenas mais entrincheiramento dentro de si. Abrace a heterogeneidade, mas nunca perca de vista que em vez de servir a si, busque servir ao seu povo, a sua comunidade, em primeiro lugar. E para aqueles que se professam Magister, Convocador, Homem de Preto, ou outros títulos, lembre-se que tais títulos devem lembrá-lo de que você carrega mais responsabilidade a serviço do seu povo, mantenha-os como um fardo de necessidade e não uma dádiva de status.

Seja qual forem os títulos, distinções ou orientações do self que são mantidos, eles logo desaparecem quando a lâmina é colocada no pescoço. Não é uma perda iminente da orientação ou cor que tememos nesta circunstância fatal, é a perda de vida que lamentamos.

Afinal…

“Ninguém encontra muita utilidade para um cadáver” (Hávamál)

Flags, Flax & Fodder,

Ulric “Gestumblindi” Goding

Níwe Dæg – Níwe Léoht – Níwe Hopan

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/paralisia-progressiva

Corpos incorruptíveis

santo

Em numerosos casos de vampirismo, a abertura do túmulo revela um cadáver em perfeito estado de conservação «pele fina e flexível, corpo sem alteração».

Este prodígio do após morte não é uma vaga superstição dominada pelo medo aos vampiros. Um corpo enterrado desde há séculos não é mais que um magma informe de pó de terra e de ossos. É a lei da decomposição do corpo do mortal. Uma das grandes leis da natureza: Todas as coisas perecem, voltam à terra, tornando-se pó e cinzas. No entanto, em certos casos o corpo aparece intacto ou quase. Os cientistas explicam este fenômeno como sendo causado pela composição do terreno onde está enterrado o cadáver, as variações de temperatura do sub solo, a ausência de insetos ou de roedores que provocam uma proteção natural, impedindo o seu apodrecimento. Simples hipóteses científicas quando se conhecem outros fenômenos que acontecem na incorruptibilidade de certos cadáveres: um perfume agradável do corpo, suor de sangue, humores do cadáver, luminosidades na parte superior da sepultura, como aconteceu quando Charbel morreu, com a idade de 78 anos, no seu eremitério do Líbano.

Tanto milagre que a natureza química do terreno não pôde explicar! Há toda uma lógica que não pertence a este mundo.

Os santos e santas do cristianismo apresentam muitas vezes um bom estado de conservação quando passaram séculos sobre o dia da sua inumação. Uma vez mais, os não mortos, os nosferatu do vampirismo passam por cima dos milagres do mundo cristão. Os cultos demoníacos imitaram sempre a magia e os prodígios da religião, como por exemplo na missa negra que não é senão uma inversão da missa cristã, um derrubar da liturgia, das orações do culto.

O não morto, intacto no seu túmulo, aparece pois nas superstições como uma espécie de Santo diabólico que, também ele, apresenta os mesmos sintomas de imortalidade, incorruptibilidade, suor de sangue umedecendo todo o corpo, fenômenos luminosos à volta do túmulo.

Mais que por pura imitação, eles, os adeptos do vampirismo foram mais longe e para dar forma aos seus não mortos e sugadores de sangue ter-se-iam servido mesmo dos milagres do mundo cristão.

Para as pessoas ingênuas, os casos de incorruptibilidade não serão exclusivos dos santos, pois que também os adeptos do diabo podem ser alvo de tal milagre, uma vez que Deus não existe sem a ameaça dos infernos que tantas vezes os padres focam e a que chamam «condenação eterna».

Também a religião tem o seu inferno, os seus demônios, os seus padres malditos. Basta que aconteça uma maldição e logo das entranhas da Terra se libertarão espíritos malignos cujas forças em muito ultrapassarão as dos homens. Apareciam assim os vampiros tão reais quanto os santos do paraíso…

Em cada família havia lugar para Deus na Igreja da aldeia, e um outro para o demônio por entre os túmulos do velho cemitério. O Bem e o Mal nunca deixaram de partilhar a alma humana, como a luz e as trevas, o excelente e o vil, o amor e o ódio. O vampirismo nasceu desta oposição.

Terá sido preciso a existência de grandes ascetas do deserto, e figuras espirituais como S. João da Cruz ou Simeão o novo teólogo, para entender que a humildade em Deus salva-nos e Deus é um Deus de Luz, que enche o universo, destrói a morte e o seu cortejo de demônios e não deixa lugar à obscuridade.

O medo fixa-se sempre no espírito do homem, e raros são os que fizeram esta experiência estática da luz. O medo, quando anoitece, tranca as portas. Ele força que se recitem salmos, pedindo auxílio. O coração contraído não deixa entrar a luz e o medo cria então as suas obsessões, os seus fantasmas.

Santos e condenados

Imediatamente após a morte de S. Francisco Xavier, a 2 de Dezembro de 1552, meteram o seu corpo num caixão cheio de cal viva para que, o mais rapidamente possível, a sua carne fosse consumida e se pudesse assim levar os seus ossos para Goa.

A 17 de Fevereiro de 1553, as autoridades religiosas indianas abriram o caixão com a convicção de aí encontrarem tão somente os restos do Santo. Mas eis que ao retirar a cal que lhe cobria o rosto, este apresentava o aspecto rosado, tendo a frescura de alguém apenas adormecido. O corpo estava completamente intacto, sem qualquer sinal de decomposição.

Para confirmação do estado em que se encontrava o cadáver, foi-lhe retirado um pequeno pedaço de carne acima do joelho, começando imediatamente a sangrar. Transportado por mar, foi enterrado em Malaca, a 22 de Março de 1553.

Mas o miraculoso fenômeno não ficou por aqui e, como que causado por uma força misteriosa, alguns meses depois mantinha o mesmo estado da incorruptibilidade. Transportado para Goa, foi sepultado na igreja de S. Paulo. Em 1612, quando se lhe amputou um dos braços para ser enviado para Roma, o sangue correu vermelho e fluido!

Nos Evangelhos, assim como no Antigo Testamento, o sangue é portador do espírito de Deus. No jardim das Oliveiras, na Noite Divina, Jesus suou sangue como se o Espírito sangrasse e sofresse.

Durante a ceia que precede a hora em que se entregaria, Ele tomou o cálice e dando graças o abençoou e deu aos seus discípulos dizendo: «Tomai e bebei todos, este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança…»

Na cruz, sangue e água escorreram do lado que fora trespassado pela lança do centurião. E a terra foi inundada pelo seu Espírito.

O caso dos corpos incorruptíveis de santos evoca a presença misteriosa do Espírito sob a forma de suor de sangue jamais coagulado, sempre fluido dentro e fora do corpo. Ele umedece o cadáver, transfigura-o, ilumina-o, conserva-o intacto. Vários fenômenos inexplicáveis envolvem muitas vezes o milagre: aparecimento de luz à volta do túmulo, exalações perfumadas, curas de doentes. O cadáver de um santo resplandece, vibra, envia moléculas de luz. Ele cria como que uma zona sagrada onde, tudo pode acontecer.

Em 1582, Santa Teresa d’ Ávila morre na sua cela do convento de Alba de Tormes. O rosto de Santa Teresa de Jesus, segundo afirmou a duquesa d’Alba, ficou após a morte lindo e resplandecente, dir-se-ia como Sol brilhando. Metido num caixão cheio de cal e tijolos, foi o corpo transportado ao cemitério. Mas no dia seguinte à sua morte, do túmulo de Santa Teresa de Jesus emanava um perfume de tal forma intenso e delicioso que os monges teriam tido a sensação de estarem de novo na presença da sua Madre.

Abriu-se o túmulo a 4 de Julho de 1583. A tampa do caixão estava partida, meia apodrecida e cheia de bolor. Era forte o cheiro a bafio e as vestes encontravam-se putrefatas. O santo corpo, também ele, tinha bolor, mas mantinha a frescura como se tivesse sido enterrado na véspera.

As monjas despiram-na quase totalmente, para a vestirem de novo. Segundo afirmaram, um maravilhoso odor se espalhou pelo convento.

Em Novembro de 1585, três anos passados sobre a sua morte, os médicos de A vila examinaram o corpo, tendo chegado à conclusão de que apenas um milagre, e não uma causa natural, teria permitido que um corpo fechado três anos (sem estar embalsamado) se mantivesse intacto, continuando a exalar o mesmo perfume de sempre.

 

 

Jean Paul Bourre

Postagem original feita no https://mortesubita.net/vampirismo-e-licantropia/corpos-incorruptiveis/

A Moderna Feitiçaria

Os paroquianos da respeitável igreja da rua Arlington, em Boston, viram e ouviram muita coisa ao longo dos anos. Afinal, é em seu altar que o evangelho unitário de um deus único, e não tríplice, tem sido transmitido de geração em geração. Foi ali também, numa crise agora remota, que o abolicionista William Ellery Channing protestou contra os malefícios da escravatura. E, um século depois , seria nessa mesma igreja que vários manifestantes externariam seu protesto contra a intervenção americana no Vietnã.

Contudo, é possível pensar que nem mesmo paroquianos com tanta tradi­ção e audácia teriam sido capazes de prever a incrível cena que ocorreu nessa igreja numa sexta-feira de abril, no ano de 1976. Naquela noite, quando as luzes da igreja diminuíram e o som cristalino de uma flauta se espalhou por entre mais de mil mulheres ali reunidas, quatro feiticeiras, cada uma delas empunhando uma vela, colocaram-se ao redor do altar. Com elas encontrava-se uma alta sacerdotisa da magia, Morgan McFarland, filha de um ministro protestante. Numa voz clara e firme, McFarland proferiu um longo encantamento cujos místicos ecos pareciam realmente muito distintos da doutrina que os paroquianos unitaristas estavam habituados a ouvir: “No momento infinito antes do início do Tempo, a Deusa se levantou em meio ao caos e deu a luz a Si Mesma (…) antes de qualquer nascimento (…) antes de seu próprio nascer. E quando separou os Céus das Águas e neles dançou, a Deusa, em Seu êxtase, criou tudo que há. Seus movimentos geraram o vento, o elemento Ar nasceu e respirou.”

Enquanto a alta sacerdotisa prosseguia em seu cântico, descrevendo sua própria versão da criação do mundo, suas companheiras de altar começaram a acender as velas, uma após a outra — a primeira para o leste, depois para o sul, o oeste e, por fim, para o norte. As palavras de MacFarland repercutiam, ressoando diante de todos como se fossem ditas pela voz de uma antiga pitonisa, uma voz que invocava a grande divindade feminina que, segundo afir­mavam as sacerdotisas, havia criado os céus e a terra. No ápice de seu canto, MacFarland rememorava o dia em que a deusa criara a primeira mulher e lhe ensinara os nomes que deveriam ser eternamente pronunciados em forma de oração: “Sou Ártemis, a Donzela dos Animais, a Virgem dos Caçadores. Sou ísis, a Grande Mãe. Sou Ngame, a Deusa ancestral que sopra a mortalha. E serei chamada por milhares de nomes. Invoquem a mim, minhas filhas,  e saibam que sou Nêmesis.”

Tudo isso ocorreu durante uma convenção de três dias, cujo tema era a espiritualidade feminina. Apesar de recorrer a elementos familiares tais como velas, túnicas e música, essa foi a prece menos ortodoxa que já ecoara pelas paredes de arenito da igreja da rua Arlington. A cerimônia deve ter sido contagian-te, pois no final a nave da igreja estava repleta de pessoas dan­çando e quase mil vozes preenchiam aquele local majestoso e antigo unidas em uma só cantilena que dizia: “A Deusa vive, há magia no ar. A Deusa vive, há magia no ar.”

Para muitos especialistas que pesquisam a história da feiti­çaria, aquela deusa invocada durante a cerimônia, uma deusa cuja dança arrebatada teria urdido o vento, o ar e o fogo e cujo riso, afirmava-se, instilara a vida em todas as mulheres, não poderia, de modo algum, ter existido no momento da criação, porque nasceu e re­cebeu sua aparência, tanto quanto sua personalidade, de uma imaginação absoluta­mente moderna. Sua origem histórica, afirmam os céticos, limita-se a poucos traços co­lhidos de concepções um tanto nebulosas relacionadas com divindades da Europa pré-cristã, concepções estas que teriam sido intencional­mente rebuscadas com deta­lhes teatrais para adequar-se aos ritos e cerimônias.

Porém, para muitos praticantes da feitiçaria, sua Grande Deusa é realmente um ancestral espírito criador, cultuado na Europa e no Oriente Próximo muito antes da intro­dução do Deus cristão. Acreditam que a deusa tenha sobrevivi­do aos séculos de perseguição ocultando-se nos corações de seus adoradores secretos, filhos e filhas espirituais que foram condenados ao ecúleo e à fogueira da Inquisição devido a suas crenças. E agora, dizem, a deusa emerge mais uma vez, aberta­mente, inspirando celebrações nos redutos daquela mesma reli­gião organizada que anteriormente tentara expurgar tudo que estivesse relacionado com ela e seus seguidores.

Seus modernos adeptos não têm a menor dúvida quanto à antigüidade de sua fé. Ser um feiticeiro, afirma um deles, é “en­trar em profunda sintonia com coisas que são mais antigas do que a própria espécie humana”. E, realmente, até certos não-iniciados declaram perceber nesse movimento dos praticantes de feitiçaria uma força invisível que anima o universo. Uma mulher que classificou os ensinamentos e ritos da feitiçaria como “meras palavras, sem qualquer significado”, disse no en­tanto que, quando compareceu ao local no qual as feiticeiras se reuniam, sentiu uma força que parecia pairar além dos limites da razão. “Sinto uma corrente”, confessou em carta a uma ami­ga, “uma força que nos cerca. Uma força viva, que pulsa, flui e reflui, cresce e desaparece como a lua (…) não sei o que é, e não sei como usá-la. É como quando se está bem perto de uma corrente elétrica, tão perto que se pode até ouvir seu zumbido, seu estalo, mas sem conseguir conectá-la.”

Hoje, contudo, milhares de homens e mulheres que levam uma vida comum, afora essa busca, acreditam estar conectando essa corrente e extraindo energia daquilo que Theo-dore Roszak define como “a fonte da consciência espiritu­al do homem”. No decorrer desse processo, estes que se proclamam neopagãos des­cobrem — ou, como dizem alguns deles, redescobrem — o que afirmam ser uma reli­gião ancestral, uma religião cuja linguagem é a do mito e do ritual, cuja fé professa a realidade do êxtase e é difícil de ser definida, uma religião de muitas divindades e não de apenas um só Deus.

Esses modernos adora­dores da natureza, tal como os pagãos de eras passadas, não separam o natural do so­brenatural, o ordinário do extraordinário, o mundano do espiri­tual. Para um neopagão, tudo pertence a um mesmo todo. Cal­cula-se que o número de neopagãos alcance um número aproximado de 100 mil ou mais adeptos nos Estados unidos, formando uma irmandade que se reflete na verdadeira explo­são de festivais pagãos iniciada na década de 70. Mo final da década de 80, havia mais de cinqüenta desses festivais nos Estados Unidos, atraindo uma platéia que reunia desde os adeptos mais radicais até meros curiosos. Segundo Margot Adler, autora de Atraindo a Lua, um livro que documenta a ascensão do neopaganismo, tais festivais “mudaram comple­tamente a face do movimento pagão” e estão gerando uma comunidade paga nacional. Adler afirma que esse grupo abrange pessoas cujo perfil social inclui desde tatuadores e estivadores até banqueiros, advogados e muitos profissionais da área de informática.

Nem todos os neopagãos da atualidade podem ser chama­dos de bruxos ou feiticeiros, pois nem sempre associam o culto neopagão à natureza e a antigas divindades com a prática da magia ritualística, como fazem os feiticeiros. Mas um número desconhecido de neopagãos adota os princípios de uma fé popularmente chamada de feitiçaria e conhecida entre os iniciados como “a prática”. Essa religião também é conhecida pelo nome de Wicca, uma palavra do inglês antigo que designa “feiticeiro”; esse termo pode estar relacionado com as raízes indo-européias das palavras wic e weik, que significam “dobrar” ou “virar”. Portanto, aos olhos dos modernos adeptos da Wicca, as bruxas nunca foram as megeras ou mulheres fatais descritas pelo populacho, mas sim homens e mulheres capazes de “dobrar” a realidade através da prática da magia. Eles acreditam que os feiticeiros da história se­riam os curandeiros das aldeias, senhores do folclore e da sabedo­ria tradicional e, portanto, os pilares da sociedade local.

Apesar da moderna popularidade da feitiçaria como religião, a crença medieval no poder das bruxas para convocar malefícios nunca desapareceu completamente. E era ainda bem forte em 1928, no condado de York, na Pensilvânia, a ponto de provocar mortes. Dois homens e um menino confes­saram o assassinato de Nelson Rehmeyer, um fazendeiro soli­tário que se dizia feiticeiro, para apanhar um cacho de seus cabelos. Precisavam do cacho, afirmaram, para quebrar o fei­tiço que ele lhes jogara. John Blymyer, o mais velho, decla­rou que ele também era bruxo e que durante quinze anos buscara o responsável por seus infortúnios. Logo após sua detenção, declarou: “Rehmeyer está morto. Não me sinto mais enfeitiçado. Agora consigo comer e beber.”

Blymyer e seus amigos não estavam sozinhos em suas crenças. Os jornais mencionavam outras pessoas preocupa­das com feitiços; um barbeiro contava que alguns fregueses levavam consigo o cabelo cortado, para evitar “dores de ca­beça”. Depois do médico-legista do condado de York ter se lamentado de que metade do condado acreditava em magia negra, as sociedades locais de médicos anunciaram uma “cruzada contra a prática de feitiçaria e suas crendices maléficas”.

Mas o estereótipo persiste, e as bruxas continuam a ser objeto de calunia, lutando para desfazer a imagem de companhei­ras do diabo. Para muitos, a bruxa era, e ainda é, a adoradora do demônio. Bem recentemente, em 1952, o autor britânico Pennethorne Hughes classificou algumas feiticeiras da história como “lascivas e pervertidas”, atribuindo-lhes uma longa lista de peca­dos reais ou imaginários. “Elas faziam feitiços”, escreveu, “cau­savam prejuízos, envenenavam, provocavam abortos no gado e inibiam o nascimento de seres humanos, serviam ao diabo, parodiavam os rituais cristãos, aliavam-se aos inimigos do rei, copulavam com outros bruxos ou bruxas que chamavam de íncubos ou súcubos e cometiam abusos com animais domésticos.”

Diante de tantas acusações, não chega a ser surpreendente o fato de que as palavras “mago”, “feiticeiro” ou “bruxo” e “ma­gia”, “feitiçaria”, ou “bruxaria” continuem a despertar profundas reações. “A feitiçaria é uma palavra que assusta a uns e confun­de a outros”, observa uma escritora radicada na Califórnia, tam­bém praticante de feitiçaria, conhecida pelo nome de Starhawk. “Na mente do povo”, ela observa, as bruxas do passado são “me­geras horrendas montadas em vassouras, ou maléficas satanistas que participavam de rituais obscenos.” E a opinião contem­porânea não tem demonstrado bondade maior para com as feiti­ceiras atuais, considerando-as, como aponta Starhawk, “mem­bros de um culto esquisito, que não tem a profundidade, dignida­de ou seriedade de propósitos de uma verdadeira religião”.

Mas trata-se de fato de uma religião, tanto para quem a re­ligião é “uma necessidade humana de beleza”, como no sentido que figura no dicionário: “sistema institucionalizado de atitudes, crenças e praticas religiosas”. Até mesmo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos cedeu às reivindicações dos praticantes da Wicca para que esta fosse considerada como religião váli­da e, em meados da década de 70, o Pentágono recrutou uma feiticeira, Lady Theos, para revisar o capítulo referente a bruxaria no Manual dos Capelães do exército. As contribuições de Lady Theos foram atualizadas em 1985, por uma erudita neopagã chamada Selena Fox. Outro sinal dos tempos pode ser visto nos cartões de identidade dos membros das forças armadas, nos quais as palavras “pagão” e “wiccan” agora aparecem com fre­qüência, embora certamente em menor número, do que os no­mes de outras afiliações religiosas.

Apesar desse reconhecimento e embora a Constituição americana — tal como a brasileira — garanta o direito à liberda­de de crença, a prática de feitiçaria ainda enfrenta duras críticas e até mesmo uma perseguição premeditada. Esses ataques natu­ralmente não se comparam, em escala e em violência, com o prolongado reinado de horror que predominou do século XIV ao XVII, período descrito pelas feiticeiras contemporâneas como “a época das fogueiras”, ou “a grande caçada às bruxas”. De fato, a perseguição atual é comparativamente até benigna — demissões de empregos, perda da custódia dos filhos, prisão por infrações aos bons costumes —, mas causa prejuízos que levaram a alta sacerdotisa da ordem Wicca, Morgan McFarland, a rotular estes tempos como ua era das fogueiras brandas”.

Pelo menos em parte, a fonte da relativa tolerância atual, bem como as raízes desse renascimento da Wicca, podem ser encontradas nos trabalhos elaborados no início do século XX pela antropóloga inglesa Margaret Murray. As pesquisas de Murray sobre as origens e a história da feitiçaria começaram, como ela posteriormente registrou em sua autobiografia, com “a idéia comum de que todas as feiticeiras eram velhas pade­cendo de alucinações por causa do diabo”. Mas ao examinar os registros dos julgamentos que restaram da Inquisição, Murray logo desmascarou o diabo, segundo suas próprias palavras, e descobriu em seu lugar algo que identificou como o Deus Chi-frudo de um culto à fertilidade, uma divindade paga que os inquisidores, em busca de heresias religiosas, transformaram em uma incorporação do diabo. À medida que aprofundou o es­tudo daqueles registros ela se convenceu de que esse deus pos-

suía um equivalente feminino, uma versão medieval da divina caçadora das épocas clássicas, que os gregos chamavam de Ártemis e os romanos de Diana. Ela supunha que as feiticeiras condenadas reverenciavam Diana como líder espiritual.

Na visão de Murray, a feitiçaria seria o mesmo culto a ferti­lidade anterior ao cristianismo, que ela denominou culto a Diana, e seria “a antiga religião da Europa ocidental”. Vestígios dessa fé, segundo ela, poderiam ser rastreados no passado a ate cerca de 25 mil anos, época em que viveu uma raça aborígine com­posta de anões, cuja existência permaneceu registrada pelos conquistadores que invadiram aquelas terras apenas nas lendas e superstições sobre elfos e fadas. Seria uma “religião alegre”, como a descreve Murray, repleta de festejos, danças e abandono sexual e incompreensível para os sombrios inquisidores, cujo único recurso foi destruí-la até as mais tenras raízes.

Em 1921, Murray divulgou suas conclusões em O Culto a Feiticeira na Europa Ocidental, o primeiro dos três livros que ela publicaria sobre o assunto, em um trabalho que outorgaria cer­ta legitimidade à religião Wicca. Outros estudiosos, contudo, imediatamente atacaram tanto os métodos utilizados por Murray como suas conclusões. Um crítico simplesmente classi­ficou seu livro como “um palavrório enfadonho”. Embora o tra­balho de Margareth Murray nunca tenha desfrutado de muito prestígio nos círculos acadêmicos, recentes estudos arqueológi­cos induziram alguns historiadores a fazer ao menos uma releitura mais criteriosa de algumas de suas teorias mais polê­micas. Mesmo que a seu modo, Murray realmente conseguiu, através de uma reavaliação favorável da feitiçaria, abrir uma porta para um fluxo de interesse pelo culto a Diana.

queles que acataram a liderança de Murray e se aventuraram a penetrar por aquela porta logo descobriram que estavam também na trilha de um escritor e folclorista americano chamado Charles Leland. Em 1899, mais de duas décadas antes de Murray apresentar suas teorias, Leland havia publicado Aradia, obra que ele descreveu como o evan­gelho de La Vecchia Religione, uma expressão que desde então passou a fazer parte do saber “Wicca”. Ao apresentar a tradu­ção do manual secreto de mitos e encantamentos de um feiti­ceiro italiano, o livro relata a lenda de Diana, Rainha das Feiti­ceiras, cujo encontro com o deus-sol Lúcifer resultara numa fi­lha chamada Aradia. Esta seria Ia prima strega, “a primeira bru­xa”, a que revelara os segredos da feitiçaria para a humanidade.

Aradia é no mínimo uma fonte duvidosa e provavelmente uma fraude cabal; contudo, terminou servindo de inspiração para inúmeros ritos praticados por feiticeiros contemporâneos, inclusive para a Exortação à Deusa, que convoca seus ouvintes a “reunir-se em lugares secretos para adorar Meu Espírito, a Mim que sou a Rainha de todas as Feitiçarias”. Embora a obra conte com poucos, ou raros, defensores no círculo acadêmico, em oposição aos que lhe lançam duras críticas, Aradia de certo modo reacendeu as chamas desse renascimento da feitiçaria, e sua ênfase no culto à deusa tornou o livro muito popular nas assembléias feministas.

Um trabalho mais recente com enfoque similar, porém de reputação mais sólida, é o livro de Robert Graves, A Deusa Branca, publicado pela primeira vez em 1948. Em estilo lírico, Graves apresenta argumentos que revelam a existência de um culto ancestral centrado na figura de uma matriarcal deusa lu­nar. Segundo o autor, essa deusa seria a única salvação para a civilização ocidental, substituta da musa inspiradora de toda criação poética. Mas, se por um lado muitos entre os primeiros leitores encontraram nesse livro fundamentos para a prática de feitiçaria e se mais tarde ele continuou a inspirar os seguidores da Wicca, o próprio Graves expressou profundas reservas com relação à bruxaria. Sua ambivalência torna-se aparente num ensaio de 1964, no qual o autor sublinha a longevidade e a for­ça da religião Wicca, mas também faz críticas ao que ele consi­dera como uma ênfase em jogos e brincadeiras. Na verdade, o ideal para a feitiçaria, escreve Graves, seria que “surgisse um místico de grande força para revestir de seriedade essa prática, recuperando sua busca original de sabedoria”.

A referência de Graves era uma irônica alfinetada em Gerald Brosseau Gardner, um senhor inglês peculiar e caris­mático, que exerceria profunda — embora frívola, do ponto de vista de Graves — influência no ressurgimento do interesse pela feitiçaria. Gardner, que nascera em 1884 nas proximidades de Liverpool, tivera diversas carreiras e ocupações: funcionário de alfândega, plantador de seringueiras, antropólogo e, finalmente, místico declarado. Pouco afeito às convenções, era um nudista convicto, professando um perpétuo interesse pela “magia e as­suntos do gênero”, campo que para ele incluía tudo: desde os pequenos seres das lendas inglesas até as vítimas da Inquisição e os cultos secretos da antiga Grécia, Roma e Egito. Pertenceu, durante certo tempo, à famosa sociedade dos aprendizes de magos chamada Ordem Hermética da Aurora Dourada.

Gerald Gardner enfureceu os círculos acadêmicos quando anunciou que as teorias de Margaret Murray eram verdadeiras. A feitiçaria, declarou, havia sido uma religião e continuava a ser. Ele dizia saber isso simplesmente porque ele próprio era um bruxo. Seu surpreendente depoimento veio à luz em 1954, com o lançamento de A Feitiçaria Moderna, o livro mais impor­tante para o renascimento da feitiçaria. Sua publicação teria sido impossível antes de 1951, ano no qual os frágeis decretos de 1753 contra a feitiçaria foram finalmente revogados pelo Parlamento britânico. Curiosamente, o Parlamento rescindiu es­ses decretos cedendo às pressões das igrejas espíritas, cujas tentativas de contato com as almas dos que já se foram tam­bém haviam sido reprimidas pela lei. A revogação contou com pouquíssimos oponentes, porque os legisladores imaginavam que certamente após mais de três séculos de perseguição e 200 anos de silêncio, a feitiçaria era assunto morto e enterrado.

Se a prática não havia desaparecido, como A Feitiçaria Moderna tentava provar, o próprio Gardner admitiu ao menos que a feitiçaria estava morrendo quando ele a encontrou pela primeira vez, em 1939. Gardner gerou muita polêmica ao afirmar que, após a catastrófica perseguição medieval, a bru­xaria tinha sobrevivido através dos séculos, secretamente, à medida que seu saber canônico e seus rituais eram transmiti­dos de uma geração para outra de feiticeiros. Segundo Gardner, sua atração pelo ocultismo havia feito com que se encontrasse com uma herdeira da antiga tradição, “a Velha Dorothy” Clutterbuck, que supostamente seria alta sacerdoti­sa de uma seita sobrevivente. Logo após esse encon­tro, Gardner foi iniciado na prática, embora mais tarde tenha afirmado, no trecho mais improvável de uma história inconsistente, que desconhecia as intenções da velha Dorothy até chegar ao meio da cerimônia iniciática, ouvir a palavra “Wicca” e perceber “que a bruxa que eu pensei que morrera queimada há centenas de anos ainda vivia”.

Considerando-se devidamente preparado para tal função, Gardner gradualmente assumiu o papel de porta-voz informal da prática. Assim, lançou uma nova luz nas atividades até então secretas da bruxaria ao descrever em seu livro, por exemplo, a suposta atuação desses adeptos para impedir a invasão de Hitler na Inglaterra. De acordo com Gardner, os feiticeiros da Grã-Bretanha reuniram-se na costa inglesa em 1941 e juntos produziram “a marca das chamas” — uma intensa concentração de energia espiritual, também conhecida como “cone do poder”, para supostamente enviar uma mensagem mental ao Führer: “Você não pode vir. Você não pode cruzar o mar”. Não se pode afirmar se o encantamento produziu ou não o efeito desejado mas, como Gardner salientou prontamente, a história realmente registra o fato de Hitler ter reconsiderado seu plano de invadir a Inglaterra na última hora, voltando-se abruptamente para a Rússia. Gardner declara que esse mesmo encantamento teria, aparentemente, causado o desmoronamento da Armada Espa­nhola em 1588, quando muitos feiticeiros conjuraram uma tempestade que tragou a maior frota marítima daquela época.

O poeta inglês Robert Graves inadvertidamente incentivou o ressurgimento da feitiçaria ao divulgar em seu livro de 1948, “A Deusa Branca”, sua visão da divindade feminina primordial. Ele acreditava que, apesar da repressão dos primeiros imperadores cristãos, esse culto havia sido preservado.

Quando não reescrevia a história, Gerald Gardner assumia a tarefa de fazer uma revisão da feitiçaria. Partindo de suas próprias extensas pesquisas sobre magia ritual, ele criou uma “sopa” literária sobre feitiçaria feita com ingredientes que incluíam fragmentos de antigos rituais supostamente preserva­dos por seus companheiros, adeptos da prática, além de ele­mentos de ritos maçônicos e citações de seu colega Aleister Crowley, renomado ocultista que se declarava a Grande Besta da magia ritual. Gardner decidiu então acrescentar uma pitada de Aradia e da Deusa Branca e, para ficar no ponto, temperou seu trabalho incorporando-lhe um pouquinho de Ovídio e de Rudyard Kipling. O resultado final, escrito numa imitação de inglês elisabetano, engrossado ainda com pretensas 162 leis de feitiçaria, foi uma espécie de catecismo da Wicca, ressusci­tado por Gardner. Assim que completou o trabalho, seu com­pilador tentou fazê-lo passar por um manual de uma bruxa do século XVI, ou um Livro das Sombras.

Apesar dessa origem duvidosa, o volume transformou-se em evangelho e liturgia da tradição gardneriana da Wicca, como veio a ser chamada essa última encarnação da feitiça­ria. Era uma “pacífica e feliz religião da natureza”, nas pala­vras de Margot Adler em Atraindo a Lua. “As bruxas reuniam-se em assembléias, conduzidas por sacerdotisas. Adoravam duas divindades, em especial, o deus das florestas e de tudo que elas encerram, e a grande deusa tríplice da fertilidade e do renascimento. Nuas, as feiticeiras formavam um círculo e pro­duziam energia com seus corpos através da dança, do canto e de técnicas de meditação. Concentravam-se basicamente na Deusa; celebravam os oito festivais pagãos da Europa, bus­cando entrar em sintonia com a natureza.”

Como indaga o próprio Gardner em seu livro, “Há algo de errado ou pernicioso nisso tudo? Se praticassem esses ritos dentro de uma igreja, omitindo o nome da deusa ou substituin­do-o pelo de uma santa, será que alguém se oporia?”

Talvez não, embora a nudez ritualística recomendada por Gardner causasse, e ainda cause, um certo espanto. Mas para Gardner as roupas simplesmente impedem a liberação da for­ça psíquica que ele acreditava existir no corpo humano. Ao se desnudarem para adorar a deusa, as feiticeiras não só se des­piam de seus trajes habituais, como também de sua vida coti­diana. Além disso, sua nudez representaria um regresso sim­bólico a uma era anterior à perda da inocência.

Gardner justifica a nudez ritualística em sua adaptação da Exortação à Deusa, de Aradia, na qual a prima strega reco­menda a suas seguidoras: “Como sinal de que sois verdadeira­mente livres, deveis estar nuas em seus ritos; cantai, celebrai, fazendo música e amor, tudo em meu louvor.” A recomendação da nudez, acrescentada à defesa feita por Gardner do sexo ritualístico — o Grande Rito, como ele o chamava —, virtual­mente pedia críticas. Rapidamente o pai da tradição gardneriana ganharia reputação de velho obsceno.

as, sendo um nudista e ocultista vitalício, Gardner  estava habituado aos olhares reprovadores da socie­dade e em seu livro A Feitiçaria Moderna, parecia  antever as críticas que posteriormente recebe­ria. Contudo, angariou pouquíssima simpatia entre seus detratores ao optar por caracterizar a nudez ritua­lística como “um grupo familiar tentando fazer uma experiência científica de acordo com o texto do livro”. Pior ainda, alguns de seus críticos pensaram ter sentido um cheiro de fraude após o exame minucioso de seus trabalhos, começando então a ques­tionar a validade do supostamente antiquíssimo Livro das Som­bras, bem como de sua crença numa tradição ininterrupta de prática da feitiçaria.

Entre seus críticos mais ferrenhos encontrava-se o historia­dor Elliot Rose, que em 1962 desacreditou a feitiçaria de Gardner, afirmando que era um sincretismo, e aconselhando ironicamente àqueles que buscassem alguma profundidade mística na prática da bruxaria que escolhessem uns dez “amigos alucinados” e formassem sua própria assembléia de bruxos. “Será um grupo tão tradicional, bem-instruído e autêntico quanto qualquer outro desses últimos milênios”, observava Rose acidamente.

Os críticos mais contumazes mantiveram fogo cerrado ate mesmo após 1964, quando Gerald Gardner foi confinado em segurança dentro de seu túmulo. Francis King, um destacado cronista britânico do ocultismo, acusou Gardner de fundar “um culto às bruxas elaborado e escrito em estilo romântico, um culto redigido de seu próprio punho”, um pouco para escapar do tédio. King chegou até a declarar que Gardner contratara seu amigo, o mágico Aleister Crowley, para que este lhe redigisse uma nova liturgia.

Aidan Kelly é outro crítico, o fundador da Nova Ordem Orto­doxa Reformada da Aurora Dourada, uma ramificação da prática da magia. Kelly declarou trivialmente que Gardner inventara a fei­tiçaria moderna e que ele, em sua tentativa desorientada de reformar a velha religião, formara outra, inteiramente nova. Segundo Kelly, a primazia da deusa, a elevação da mulher ao status de alta

sacerdotisa, o uso do círculo para concentração de energia e até mesmo o ritual para atrair a lua, no qual uma alta sacerdotisa se transforma temporariamente em deusa, eram contribuições de Gardner à prática. Além disso, em 1984, Kelly assegurou em um jornal pagão que não há base alguma para a declaração de Gardner segundo a qual sua tradição de feitiçaria teria raízes no antigo paganismo europeu. No mesmo ar­tigo, Kelly forneceu detalhes acerca das origens do polêmico Livro das Sombras, de Gardner. O trabalho não teria sido ini­ciado, desconfiava Kelly, no século XVI, como Gardner afirmava, mas sim nos primórdios da Segunda Guerra Mundial.

Gardner teria começado a registrar em um livro de anotações vários rituais que havia pilhado de outras tradições ocultistas, bem como passagens favoritas dos textos que lia. Quando encheu seu primeiro livro de anotações, segundo Kelly, Gardner considerou que tinha em mãos a receita do primeiro Livro das Som­bras. Kelly também chamou atenção para uma profunda revisão daquilo que se tornara a “tradição” de Gardner, demonstrando que não se tratava da continuidade de uma religião cujas raízes remontavam a milênios, mas sim de uma invenção recente e, como tal, um tanto inconsistente. Em seus primeiros anos, a Wicca de Gardner estivera centralizada no culto ao equivalente masculino do deus principal, registrava Kelly. Por volta da década de 50, contudo, o Deus Chifrudo fora eclipsado pela Grande Deusa. Uma mudança equivalente havia ocorrido na própria prática das assembléias, durante as quais o alto sacerdote fora subitamente relegado a segundo plano, substituído por uma alta sacerdotisa. Como Kelly demonstrou, essas mudanças só aconteceram depois que Doreen Valiente, a primeira alta sacerdotisa da linha de Gardner, começou a adotar o mito da Deusa Branca de Robert Graves como sistema oficial de crenças. Na verdade, Valiente é, na vi­são de Kelly, a verdadeira mentora da grande maioria dos ri­tuais gardnerianos.

Um sumo sacerdote veste um adereço de pele com chifres para representar o lado masculino da divindade Wicca, durante um ritual. Os adeptos da Wicca dizem que seu Deus Chifrudo, vinculado ao grego Pã e ao celta Cernuno, corporifica o princípio masculino e é simbolizado pelo sol.

Kelly no entanto contrabalançou suas virulentas críticas a Gardner ao creditar-lhe não só uma criatividade genial, mas também a responsabilidade pela vitalidade da feitiçaria contem­porânea. O mesmo fez J. Gordon Melton, um ministro meto­dista e fundador do Instituto para o Estudo da Religião Ameri­cana. Numa entrevista recente, comentou que todo o movimen­to neopagão deve seu surgimento, bem como seu ímpeto, a Gerald Gardner. “Tudo aquilo que chamamos hoje de movimen­to da feitiçaria moderna”, declarou Melton, “pode ser datado a partir de Gardner”.

Dúvidas e polêmicas sobre suas fontes à parte, a influên­cia de Gerald Gardner no moderno processo de renascimento da Wicca é indiscutível, assim como seu papel de pai espiritual dessa tradição específica de feitiçaria que hoje carrega seu nome. Embora os métodos de Gardner revelassem um certo to­que de charlatania e seus motivos talvez parecessem um tanto confusos, sua mensagem era apropriada para sua época e foi recebida com entusiasmo dos dois lados do Atlântico. Quer ele tenha ou não redescoberto e resgatado um antigo caminho de sabedoria, aparentemente seus seguidores foram capazes de captar em seu trabalho uma fonte para uma prática espiritual que lhes traz satisfação.

Além do mais, na condição de alto sacerdote de seu gru­po, Gerald Gardner foi pessoalmente responsável pela iniciação de dúzias de novos feiticeiros e pela criação de muitas novas assembléias de bruxos. Estas, por sua vez, geraram outros gru­pos, num processo que se tornou conhecido como “a colméia” e que, de fato, resultou numa espécie de sucessão apostólica cujas origens remontam ao grupo original criado por Gardner. Outras assembléias gardnerianas nasceram a partir de feiticei­ras autodidatas, que formaram seus próprios grupos após ler as obras de Gardner, adotando sua filosofia.

Contudo, nem todas as feiticeiras estão vinculadas ao gardnerianismo. Muitas professam uma herança anterior a Gardner e desempenham seus rituais de acordo com diversos modelos colhidos das tradições celta, escandinava e alemã. Além disso, alguns desses pretensos tradicionalistas declaram-se feiticeiros hereditários, nascidos em famílias de bruxos e destinados a transmitir seus segredos aos próprios filhos.

Zsuzsanna — ou Z — Budapest é uma famosa feiticeira feminista e alta sacerdotisa da Assembléia Número Um de Fei­ticeiros de Susan B. Anthony, nome atribuído em homenagem à famosa advogada americana, defensora dos direitos da mulher. Z Budapest afirma que a origem de seu conhecimento remonta a sua pátria, a Hungria, e ao ano de 1270. Mas diz ter sido educada acreditando que a prática da feitiçaria era apenas uma prática, e não uma religião, cujos fundamentos lhe foram trans­mitidos pela própria mãe, uma artista que previa o futuro e su­postamente usava seus poderes mágicos para acalmar os ven­tos. Somente muitos anos depois, quando migrou para os Esta­dos Unidos, Z teria descoberto os trabalhos de escritores como Robert Graves e Esther Harding, e passou a reconhecer-se como a praticante de Wicca que era na realidade.

utras feiticeiras que também se declaram herdeiras de uma tradição descrevem experiências semelhan­tes às de Z. Budapest. Contam que, para elas, a prá­tica era um assunto de família até lerem, acidental­mente, a literatura sobre a Wicca — geralmente li­vros escritos por Gerald Gardner, ou Margaret Murray, ou por autores contemporâneos como Starhawk, Janet e Stewart Farrar, ou Margot Adler. Só então teriam compreendido que pertenciam a um universo mais amplo. Lady Cibele, por exem­plo, uma bruxa de Wisconsin, afirma que cresceu acreditando que a prática se limitava ao círculo de seus familiares. “Foi só na universidade que descobri que havia mais pessoas envolvi­das com a prática”, confessou a Margot Adler, “e eu não sabia que éramos muitos até 1964, quando meu marido veio corren­do para casa, da biblioteca onde trabalhava, murmurando mui­to animado que Tem mais gente como nós no mundo!’.” O ma­rido de Lady Cibele havia encontrado A Feitiçaria Moderna e, quando leram o livro juntos, emocionaram-se com a sensação de familiaridade que sentiram pelas idéias e práticas descritas por Gerald Gardner.

Mesmo que todos esses depoimentos sejam verdadeiros, o nascimento no seio de uma família de feiticeiros não repre­sentaria uma garantia de que uma criança em especial se tor­naria posteriormente especialista nos segredos da prática. Em alguns casos o dom pula uma geração, na maioria das vezes porque um feiticeiro decide que nenhum de seus próprios filhos possui o temperamento adequado para iniciar-se na prática. O resultado é que a Wicca geralmente se vincula às tais “historias da vovó”, nas quais, como aponta J. Gordon Melton, “aparece alguém que diz: fui iniciado por minha avó que era bruxa, des­cendente de uma linhagem ancestral”. Pouquíssimas histórias dessa natureza sobrevivem a um exame minucioso e muitas parecem até ridículas. Os próprios praticantes da Wicca sen­tem-se um tanto constrangidos com a proliferação de histórias da vovó. “Depois de algum tempo”, comentou um sacerdote Wicca, “você percebe que, se ouviu uma história de avó, já ou­viu todas. Você percebe que o além deve estar lotado de vovozinhas assim.”

Entre as “histórias da vovó” mais interessantes está a que foi contada pelo suposto Rei das Feiticeiras, Alexander Sanders, que declarou ter sido iniciado na prática por sua avó, em mea­dos de 1933, com apenas 7 anos de idade. Mas os céticos rapi­damente salientam o fato de que a linha de feitiçaria de Sanders, conhecida como Tradição Alexandrina, guarda profun­da semelhança com a de Gardner. De fato, muitos dos rituais de Sanders são virtualmente idênticos aos de Gardner e isto le­vou alguns observadores a desprezar essa tradição, consideran­do-a como uma simples variante, e não um legado deixado por uma avó misteriosa e convenientemente falecida.

Muitos desses mesmos céticos encararam com igual des­confiança a história da famosa feiticeira inglesa Sybil Leek, que também afirmava ter se iniciado na prática ainda no colo da avó. Na opinião de Melton, Leek, como Sanders, simplesmente exage­rou alguns acontecimentos de sua infância. No entanto, os ata­ques dos incrédulos pouco fizeram para diminuir a enorme popu­laridade da feiticeira-escritora e na época de sua morte, em 1983, Sybill Leek era uma das bruxas mais famosas dos dois lados do Atlântico. Leek era uma autora prolífica, e durante sua vida produ­ziu mais de sessenta livros que espalharam pelo mundo o evange­lho da fé Wicca — e, não por acaso, sua própria fama.

Porém, ainda mais do que os livros de Leek, o que levou a Wicca da Inglaterra para os Estados Unidos foi a própria tra­dição de Gardner, que cruzou o Atlântico em 1964 como parte da bagagem espiritual de dois expatriados britânicos. Raymond e Rosemary Buckland já estavam prontos para pas­sar dois anos em Long Island, Nova York, quando, movidos pelo interesse por ocultismo, decidiram escrever a Gardner em sua casa em Isle of Man. Tal correspondência resultaria poste­riormente em um encontro e um curso rápido de feitiçaria na casa de Gardner. Nesse breve período o casal Buckland foi sa­grado respectivamente sacerdote e sacerdotisa gardnerianos. Foram uns dos últimos feiticeiros iniciados e ungidos pessoal­mente por Gardner antes de sua morte.

Assim que regressaram ao lar nova-iorquino, os Bucklands rapidamente puseram em prática tudo que haviam apren­dido. Formaram a primeira assembléia gardneriana nos Estados Unidos e esta por sua vez, com o passar do tempo, gerou mui­tos outros grupos. Esses grupos propagaram o evangelho gardneriano de uma costa a outra, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá. Durante certo tempo, Rosemary Buckland, ou Lady Rowen, como era conhecida entre os praticantes da Wicca, foi coroada a rainha das feiticeiras pelos grupos aos quais dera origem. Enquanto isso, Ray Buckland, ou Robat, nome que havia adotado, seguindo o exemplo de Gerald Gard­ner, seu mentor, publicou o primeiro de uma série de livros que produziria sobre feitiçaria. Seus trabalhos fizeram com que a prática se tornasse acessível para muitos aspirantes a iniciados, especialmente em seu novo lar, onde o interesse pela Wicca floresceu na atmosfera tolerante do final da década de 60 e iní­cio dos anos 70.

No mesmo período em que Ray e Rosemary Buckland se dedicaram a propagar esse renascimento da feitiçaria na Ame­rica do Norte, o ocultismo começou a se transformar em algo que a antropóloga cultural Tanya M. Luhrmann descreveu como “uma contracultura sofisticada”. Em seu livro Atrativos da Feiti­çaria publicado em 1989, Luhrmann apresenta uma teoria se-qundò a qual “a contracultura da década de 60 voltou-se para o ocultismo – astrologia, tarô, medicina e alimentação alternati­va – porque eram alternativas para a cultura estabelecida; muitos descobriram as cartas do tarô ao mesmo tempo que descobriram o broto de feijão”.

Ray Buckland recorda esse período como uma época ex­citante durante a qual veio a luz um número crescente de as­sembléias de bruxos, bem como as mais diversas expressões da crença Wicca. Feiticeiras detentoras de estilos altamente personalizados eram estimuladas pela permissividade daqueles dias  sentindo-se finalmente livres para expor-se. Ao mesmo tempo, a tradição gardneriana frutificava, espalhando as se­mentes de novas assembléias e gerando dissidências em todas as direções.

Certos grupos, tais como os que professavam a tradi­ção de Alexandria e ainda um híbrido mais recente chamado de tradição de Algard, eram crias perfeitas do grupo anterior, isto é, assemelhavam-se aos progenitores gardnerianos em tudo, menos no nome. Outros eram parentes mais afastados, baseando-se nos ensinamentos de Gerald Gardner, mas acrescentando idéias novas. Entre estes figuram a Nova Wicca de Illinois, a Wicca Georgiana sediada na Califórnia e a Wicca de Maidenhill, da Filadélfia. Outras, tais como a igre­ja de Y Tylwyth Teg, a Pecti-Wita, e o Caminho do Norte, ins­piram-se no passado mágico das lendas celtas, escocesas e nórdicas.

As variações da Wicca não terminam por aqui: na verda­de, elas apresentam uma diversidade que reflete a natureza in­dividualista da prática da feitiçaria. A Wicca é tão aberta quanto eclética. “Todos nós conectamos com o Divino de maneiras di­ferentes”, afirma Selena Fox, fundadora de uma tradição pró­pria. “Muitos caminhos levam à verdade.” De fato, o próprio grupo de Fox, o Santuário do Círculo, reconhecido como uma igreja Wicca pelo governo fede­ral, estadual e local, tenta for­necer um substrato comum a todos esses caminhos. O San­tuário do Círculo define-se co­mo um serviço de troca e inter­câmbio internacional para prati­cantes de diferentes estirpes de Wicca. Muitas feministas, no entanto, envolveram-se em al­gum dos inúmeros cultos a Diana que proliferaram na dé­cada de 70. Essas assembléias assumiram seu nome a partir do culto a Diana, com base na concepção de Margaret Murray, e enfatizam em suas práticas a veneração à deusa. Há até mes­mo um curso por correspon­dência para aspirantes à Wicca que já conseguiu atrair aproximadamente 40 mil alunos.

Mas essa onda de bruxos autodidatas passou a preocupar alguns dos antigos adeptos da Wicca, inclusive Ray Buckland, que certa vez lamentou o advento dessa religião “feita em casa”. Em 1973, contrariado com algo que ele considerava como a corrupção da feitiçaria, Buckland rompeu seus vínculos com o gardnerianismo e criou um novo conjunto de práticas, retomando a tradição da Seax-Wicca, ou Wicca saxã. Ao fazer isso, produziu também sua própria versão de uma feitiçaria au­todidata e em sua obra A Árvore, seu primeiro produto na linha Seax-Wicca, incluía instruções detalhadas que permitiam a qualquer leitor “iniciar-se como feiticeiro e gerar sua própria Assembléia”.

Com o anúncio aparentemente contraditório de uma “nova tradição” espalhando-se aos quatro ventos, a Wicca in­gressava numa fase de contendas entre os novos e os antigos. Ao romper com a tradição gardneriana, Ray Buckland tentava distanciar-se das querelas. “Enquanto os outros brigam para definir qual seria a mais antiga das tradições”, anunciou orgulhosamente, “declaro pertencer à mais jovem de todas elas!”.

Isso ocorreu em 1973. Depois, surgiu uma grande profu­são de assembléias e correntes da Wicca nas quais a honra de ser a novidade do dia às vezes confere uma importância passa­geira. Além disso, essa abundância de ritos e nomes transfor­mou a própria Wicca numa fé um tanto difícil de ser definida. Até agora foram inúteis as tentativas de formular um credo aceitável por todos que se proclamam seguidores da Wicca, apesar da necessidade profunda de seus seguidores no sentido de tornar público um conjunto de crenças que os distinga ofi­cialmente dos satanistas. Em 1974, o Conselho dos Feiticeiros Americanos, um grupo de representantes de diversas seitas Wicca, formulou um documento que se intitulava corajosamen­te “Princípios da Crença Wicca”. Porém, assim que se ratificou o documento, o conselho que o produzira se desfez devido a desavenças entre seus membros, pondo fim a esse breve con­senso. No ano seguinte, uma nova associação, que hoje englo­ba cerca de setenta grupos de seguidores da Wicca, ratificou o Pacto da Deusa, um decreto mais duradouro propositalmente redigido nos moldes do documento da igreja Congregacional. Embora o pacto incluísse um código de ética e garantisse a au­tonomia das assembléias signatárias, está longe de definir o que seria a Wicca. “Não poderíamos definir com palavras o que é Wicca”, admite o pacto, “porque existem muitas diferenças.”

Muitos bruxos alegam que essas diferenças apenas fazem aumentar os atrativos da Wicca. De fato, mesmo no seio de uma tradição específica, distintos grupos podem ater-se a cren­ças contrastantes e praticar rituais dessemelhantes. Essa situa­ção é satisfatória para a maioria dos feiticeiros, que não vêem por que a Wicca deveria ser menos diversificada do que as inú­meras denominações cristãs.

Porém, até mesmo na ausência de um credo oficial, um grande número de feiticeiros acata um pretenso conselho, ou lei da Wicca: “Não prejudicarás a terceiros.” Não se sabe ao certo, mas aparentemente essa adaptação livre da regra de ouro do cristianismo tem vigorado pelo menos desde a época de Gerald Gardner. Nas palavras do Manual dos Capelães do Exército dos Estados Unidos, a lei da Wicca geralmente é interpretada como se dissesse que o praticante pode fazer o que bem desejar com suas capacidades psíquicas desenvolvidas na prática da feitiçaria, contanto que ja­mais prejudique alguém com seus poderes. Como mais uma medida de precaução contra o mau uso desses po­deres mágicos, a maioria das assembléias também apela para uma lei chamada “lei do triplo”, que consiste em uma outra máxima antiga. O provérbio adverte os bruxos, prevenindo: “Todo bem que fizerdes, a vós retornará três vezes maior; todo mal que fizerdes, também a vós re­gressará três vezes maior.”

Dada a dificuldade em clas­sificar a feitiçaria, ou estabe­lecer uma lista concisa com as crenças comuns a todos os adeptos da Wicca, uma descrição completa das ca­racterísticas de um bruxo moderno necessariamente é apenas aproximativa. Toda­via, pode-se afirmar com segurança que a maioria dos feiticeiros acredita na reencarnação, reverencia a natu­reza, venera uma divindade  onipresente e multifacetada e incorpora a magia  ritualística em seu culto a  essa divindade. Além disso, poucos feiticeiros questiona­riam os preceitos básicos re­sumidos por Margot Adler em Atraindo a Lua. “A pala­vra é sagrada”, ela escreveu. “A natureza é sagrada. O corpo é sagrado. A sexuali­dade é sagrada. A mente é sagrada. A imaginação é sa­grada. Você é sagrado. Um caminho espiritual que nãoestiver estagnado termina conduzindo à compreensão da pró­pria natureza divina. Você é Deusa. Você é Deus. A divindade está (…) tanto dentro como fora de você.”

Três pressuspostos filosóficos fundamentam essas cren­ças e estes, mais do que qualquer outra característica, vincu­lam a feitiçaria moderna e o neopaganismo às práticas corres­pondentes do mundo antigo. O primeiro pressuposto é o animismo, ou a idéia de que objetos supostamente inanimados, tais como rochas ou árvores, estão imbuídos de uma espiri­tualidade própria. Um segundo traço comum é o panteísmo, se­gundo o qual a divindade é parte essencial da natureza. E a ter­ceira característica é o politeísmo, ou a convicção de que a di­vindade é ao mesmo tempo múltipla e diversificada.

Juntas, essas crenças compreendem uma concepção ge­ral do divino que permeou o mundo pré-cristão. Nas palavras do historiador Arnold Toynbee, “a divindade era inerente a to­dos os fenômenos naturais, inclusive àqueles que o homem do­mara e domesticara. A divindade estava presente nas fontes, nos rios e nos mares; nas árvores, tanto no carvalho de uma mata silvestre como na oliveira cultivada em uma plantação; no milho e nos vinhedos; nas montanhas; nos terremotos, no tro­vão e nos raios.” A presença de Deus ou da divindade era senti­da em todos os lugares, em todas as coisas; ela seria “plural, não singular; um panteon, e não um único ser sobre-humano e todo-poderoso”.

A escritora e bruxa Starhawk reproduz em grande parte o mesmo tema ao observar que a bruxaria “não se baseia em um dogma ou conjunto de crenças, nem em escrituras, ou em al­gum livro sagrado revelado por um grande homem. A feitiçaria retira seus ensinamentos da própria natureza e inspira-se nos movimentos do sol, da lua e das estrelas, no vôo dos pássaros, no lento crescimento das árvores e no ciclo das estações”.

Mas Starhawk também reconhece que o aspecto politeísta da Wicca — o culto à “Deusa Tríplice do nascimento, do amor e da morte e a seu consorte, o Caçador, que é o senhor da Dança da Vida”— constitui a grande diferença entre a feitiçaria moder­na e as principais religiões ocidentais. Mesmo assim, muitos adeptos da Wicca discordam quanto ao fato de seu deus ou deusa serem meros símbolos, entidades verdadeiras ou poderosas imagens primárias — aquilo que Carl Jung alcunhou de ar­quétipo —, profundamente arraigadas no subconsciente huma­no. Os feiticeiros também divergem quanto aos nomes de suas divindades. Como se expressa no cântico da alta sacerdotisa Morgan McFarland na igreja da rua Arlington, são inúmeros os nomes para o deus e a deusa. Abrangem desde Cernuno, Pã e Herne no lado masculino da divindade, a Cerridwen, Arianrhod e Diana, no aspecto feminino. Na verdade, há tantos nomes di­ferentes provenientes de tantas culturas e tradições que McFarland não se afastava da verdade quando dizia a sua pla­téia que a deusa “será chamada por milhares de nomes”.

Seja qual for seu nome, a deusa, na maioria das seitas da Wicca, tem precedência sobre o deus. Seu alto status reflete-se em títulos tais como a Grande Deusa e a Grande Mãe. De fato, para Starhawk e para muitas outras feiticeiras, o culto a uma suprema divindade feminina constituiu, desde tempos re­motos, a própria essência da feitiçaria, uma força que “per­meia as origens de todas as civilizações”.

Starhawk comenta que “A Deusa-Mãe foi gravada nas pa­redes das cavernas paleolíticas e esculpida em pedra desde 25 mil anos antes de Cristo.” Ela argumenta ain­da que as mulheres com freqüência tinham papel de chefia em culturas centradas na deusa, há milhares de anos. “Para a Mãe”, escreve, “foram erguidos grandes círculos de pedra nas Ilhas Britânicas. Para Ela foi escavada a grande passagem dos túmulos na Irlanda. Em Sua honra as dançarinas sagradas saltaram sobre os touros em Creta. A Avó Terra sus­tentou o solo das pradarias norte-americanas e a Grande Mãe do Oceano lavou as costas da África.”

Na visão de Starhawk, a deusa não é um Deus Pai distan­te e dominador, principal arquiteto da terra e remoto gover­nante no além. Ao contrário, a deusa é uma amiga sábia e pro­fundamente valiosa, que está no mundo e a ele pertence. Starhawk gosta de pensar na deusa como o sopro do universo e, ao mesmo tempo, um ser extremamente real. “As pessoas me perguntam se eu creio na deusa”, escreve Starhawk. “Res­pondo: ‘Você acredita nas rochas?’.”

Certamente, a força e a permanência são as analogias mais óbvias da imagem da deu­sa enquanto rocha. Contudo, é essa deusa de aspectos eterna­mente mutantes e multifaceta-dos, a misteriosa divindade fe­minina que aos poucos se revela.

Dicionário do Feiticeiro

Antigos, ou Poderosos: aspectos das divindades, invocados como guardiães durante os rituais.

Assembléia, ou “Coven”: reunião de iniciados na Wicca.

Balefire: fogueira ritualística.

Charme: objeto energizado; amuleto usado para afastar certas energias ou talismã para atraí-las.

Círculo mágico: limites de uma esfera de poder pessoal den­tro da qual os iniciados realizam rituais.

Deasil: movimentos no sentido horário, que é o do sol, reali­zados durante o ritual, para que passem energias positivas.

Divinação: a arte de decifrar o desconhecido através do uso de cartas de tarô, cristais ou similares.

Elementos: constituintes do universo: terra, ar, fogo e água; para algumas tradições, o espírito é o quinto elemento.

Encantamento: ritual que invoca magia benéfica.

Energizar: transmitir energia pessoal para um objeto.

Esbat: celebração da lua cheia, doze ou treze vezes por ano.

Familiares: animais pelos quais um feiticeiro sente profundo apego; uma espécie de parentesco.

Força da Terra: energia das coisas naturais; manifestações visíveis da força divina.

Força divina: energia espiritual, o poder do deus e da deusa.

Instrumentos: objetos de rituais .

Invocação: prece feita durante uma reunião de feiticeiros pedindo para que os altos poderes se manifestem.

Livro das Sombras: livro no qual o feiticeiro registra encantamentos, rituais e histórias mágicas; grimoire.

Magia: a arte de modificar a percepção ou a realidade por outros meios que não os físicos.

Neopagão: praticante de religião atual, como a Wicca.

Pagão: palavra latina que designa “morador do campo”, membro de uma religião pré-cristã, mágica e politeísta.

Poder pessoal: o poder que mora dentro de cada um, que nasce da mesma fonte que o poder divino.

Prática, A: feitiçaria; a Antiga Religião; ver Wicca.

Sabá: um dos oito festivais sazonais.

Tradição Wicca: denominação ou caminho da prática Wicca.

Wicca: religião natural neopagã.

Widdershins: movimento contrário ao do sol, ou anti-horá­rio. Pode ser negativo, ou adotado para dispersar energias negativas ou desfazer o círculo mágico após um ritual.

Implementos Ritualísticos

Tradicionalmente, os bruxos preferem encontrar ou fabricar seus próprios instru­mentos, que sempre consagram antes de utilizar em trabalhos mágicos. A maioria dos iniciados reserva seus instrumentos estritamente para uso ritual; alguns dizem que os instrumentos não são essenciais, mas ajudam a aumentar a concentração.

Embora pouco usados para manipular coi sas físicas, estes implementos primários mostrados nestas páginas são chamados de instrumentos de feitiçaria. Jamais são utilizados para ferir seres vivos, declaram os iniciados, e muito menos para matar. Os bruxos dizem que eles estão presentes em rituais inofensivos e até benéficos, ce­rimônias desempenhadas para efetuar mu danças psíquicas ou espirituais.

Recipientes como a taça e o caldeirão simbolizam a deusa e servem para captar e transformar a energia. Os instrumentos longos e fálicos — o athame, a espada, o cajado e a varinha — naturalmente repre­sentam o deus; são brandidos para dirigir e cortar energias. Para cortar alimentos durante os rituais, os feiticeiros utilizam uma faca simples e afiada com um cabo branco que a diferencia do athame.

O athame, uma faca escura com dois fios e cabo negro, transfere o poder pessoal, ou energia psíquica, do corpo do feiticeiro para o mundo.

A espada, como o athame, desempenha o corte simbólico ou psíquico, especialmente quando é usada para desenhar um círculo mágico, isolando o espaço dentro dele.

A taça é o símbolo da deusa, do princípio feminino e de sua energia. Ela contém água (outro símbolo da deusa) ou vinho, para uso ritual.

O cajado pode substituir a espada ou varinha para marcar grandes círculos mágicos.

Uma tiara com a lua crescente, símbolo da deusa, é usada pela suma sacerdotisa para retratar ou corporificar a divindade no ritual.

Um par de chifres pode ser usado na cabeça do sumo sacerdote em rituais ao Deus Chifrudo.

Com a varinha mágica, feita de madeira sagrada, invoca-se as divindades e outros espíritos.

Símbolo do lar, da deusa e do deus, a vassoura é um dos instrumentos favoritos dos iniciados, usada para a limpeza psíquica do espaço do ritual antes, durante e após os trabalhos mágicos.

O caldeirão é pote no qual, supostamente, ocorre a transformação mágica, geralmente com  a ajuda do fogo. Cheio de água, é usado para prever o futuro.

O tambor tocado em alguns encontros contribui para concentrar energia.

A Roda do Ano Wicca

Os seguidores da Wicca falam do ano como se ele fosse uma roda; seu calendário é um círculo, significando que o ciclo das estações gira infinitamente. Espaçadas harmonicamente pela roda do ano Wicca estão as oito datas de festas, ou sabás. Es­tas diferem dos “esbás”, as doze ou treze ocasiões durante o ano em que se realizam assembléias para celebrar a lua cheia. Os quatro sabás menores, na verdade, são feriados solares, marcos da jornada anual do sol pelos céus. Os quatro sabás maiores celebram o ciclo agrícola da terra: a semeadura, o crescimento, a colheita e o repouso.

O ciclo do sabá é uma recontagem e celebração da ancestral história da Grande Deusa e de seu filho e companheiro, o Deus Chifrudo. Há entre as seitas Wicca uma grande diversidade em tomo desse mito. Segue-se uma dessas versões, que in­corpora várias crenças sobre a morte, o renascimento e o fiel retorno dos ciclos, acompanhando o ciclo do ano no hemisfério norte.

Yule, um sabá menor, é a festa do solstício de inverno (por volta de 22 de dezembro), marcando não apenas a noite mais longa do ano, mas também o início do retorno do sol. Nessa época, narra a história, a deusa dá à luz a deus, representado pelo sol; depois, ela descansa durantes os meses frios que pertencem ao deus-menino. Em Yule, os iniciados acen­dem fogueiras ou velas para dar boas-vindas ao sol e confeccionam enfeites com azevinho e visco — vermelho para o sol, verde pela vida eterna, branco pela pureza.

Imbolc (1º de fevereiro), um sabá importante também chamado de festa das velas, celebra os primeiros sinais da primavera, o brotar invisível das sementes sob o solo. Os dias mais longos mostram o poder do deus-menino. Os iniciados encerram o confinamento do inverno com ritos de puri­ficação e acendem todo tipo de fogo, desde velas brancas até enormes fogueiras. Durante o sabá menor do equinócio da primavera (por volta de 21 de março), a exuberante deusa está desperta, abençoando a terra com sua fertilidade. Os iniciados da Wicca pintam cascas de ovos, plantam sementes e planejam novos empreendimentos.

Em Beltane, 1º de maio, outro grande sabá, o deus atinge a maturidade, enquanto o poder da deusa faz crescerem os frutos. Excitados pelas energias da natureza, eles se amam e ela concebe. Os adeptos desfrutam um festival de flores, o que geralmente inclui a dança em volta do mastro, um símbolo de fertilidade.

O solstício de verão (por volta de 21 de junho) é o dia mais longo e requer fogueiras em homenagem à deusa e ao deus. Tam­bém é uma ocasião para pactos e casamentos, nos quais os recém-casados pulam uma vassoura. O sabá mais importante da estação é Lugnasadh (pronuncia-se “lun-sar”), em 1º de agosto, que marca a primeira colheita e a promessa de amadurecimento dos frutos e ce­reais. Os primeiros cereais são usados para fazer pãezinhos em forma de sol. À medida que os dias encurtam o deus se enfraquece e a deusa sente o filho de ambos crescer no útero. No equinócio do outono (por volta de 22 de setembro), o deus prepara-se para morrer e a deusa está no auge de sua fartura. Os iniciados agradecem pela colheita, simbolizada pela cornucópia.

Na roda do ano, opondo-se às profusas flores de Beltane, surge o grande sabá de Samhain (pronuncia-se “sou-en”), em 31 de outubro, quando tudo que já floresceu está perecendo ou adormecendo. O sol se debilita e o deus está à morte. Oportuna­mente, chega o Ano Novo da Wicca, corporificando a fé de que toda mor­te traz o renascimento através da deusa. Na verdade, a próxima festa, Yule, novamente celebra o nascimento do deus.

A coincidência desses festivais com os feriados cristãos, bem como as semelhanças entre os símbolos da Wicca e os do cristianismo, segundo muitos antropólogos, não seria apenas acidental, mas sim uma prova da pré-existência das crenças pagãs. Para as autoridades cristãs que reprimiam as religiões mais antigas durante a Idade das Trevas, converter os feriados já estabelecidos, atri­buindo-lhes um novo significado cristão, facilitava a aceitação de uma nova fé.


Cerimonias e Celebrações

A cena está se tornando cada vez mais comum: um grupo se reúne, geralmente em noites de luar, em meio a uma floresta ou em uma colina isolada. Às vezes trajando túnicas e máscaras, outras inteiramente nus, os participantes iniciam uma cerimônia com cantos e danças, um ritual que certamente pareceria esquisito e misterioso para um observador casual, embora seja um comportamento indiscutivelmente religioso.

Assim os bruxos praticam sua fé. Como os adeptos de religiões mais convencionais, os iniciados em feitiçaria, ou Wicca, usam rituais para vincular-se espiritualmente entre si e a suas divindades. Os ritos da Wicca diferem de uma seita para outra. Vários rituais da Comunidade do Espírito da Terra, uma vasta rede de feiticeiros e pagãos da região de Boston, nos Estados unidos, estão representados nas próximas páginas.

Algumas cerimônias são periódicas, marcando as fases da lua ou a mudança de estações. Outras, tais como a Iniciação, casamentos ou pactos, só ocorrem quando há necessidade. E há também aquelas cerimônias que, como a consagra­ção do vinho com um athame, a faca ritualística (acima), fazem parte de todos os encontros. Seja qual for seu propósito, a maioria dos rituais Wicca — especial­mente quando celebrados nos locais eleitos eternamente pelos bruxos — evoca um estado de espírito onírico que atravessa os tempos, remontando a uma era mais romântica.


Iniciação: “Confiança total”

Para um novo feiticeiro, a iniciação é a mais significativa de todas as cerimônias. Alguns bruxos solitários fazem a própria iniciação, mas é mais comum o ritual em grupo, que confere a integração em uma assembléia, bem como o ingresso na fé Wicca. Trata-se de um rito de morte e renascimento simbólicos. A iniciação mostrada aqui é a praticada pela Fraternidade de Athanor, um dos diversos grupos da Comunidade do Espírito da Terra. Lide­rando o ritual — e a maioria das cerimônias apresentadas nestas páginas — está o sumo sacerdote de Athanor, Andras Corban Arthen, trajando uma pele de lobo, que ele crê confe­rir-lhe os poderes desse animal. A iniciação em uma de suas assembléias ocorre ao cabo de dois ou três anos de estudo, durante os quais o aprendiz passa a conhecer a história da Wicca, produz seus próprios implementos ritualísticos, pratica a leitura do tarô e outros supostos métodos divinatórios e se torna versado naquilo que eles chamam de técnicas de cura psíquica.

Como a maioria dos ritos da Wicca, a iniciação começa com a delimitação de um círculo mágico para definir o espaço sagrado da cerimônia. Aqui, há um largo círculo, cheio de inscrições, depositado na grama, mas o bruxo pode traçá-lo na terra com o athame, ou apenas riscá-lo no ar com o indicador.

A candidata é banhada ritualisticamente, e então conduzida para o círculo mágico, nua, de olhos vendados e com as mãos amarradas nas costas. Tais condições devem fazê-la sentir-se vulnerável,’ testando sua confiança em seus companheiros. Cima interpeladora dá um passo em sua direção, pressiona o athame contra seu peito e lhe pergunta o nome e sua intenção. Em meio a um renascimento simbólico, ela responde com seu novo nome de feiticeira, afirmando que abraça sua nova vida espiritual e vem “em perfeito amor e em total confiança”.

Ao término da cerimônia, o sacerdote segura seus pulsos e a faz girar nas quatro direções (à direita), apresentando-a para os quatro pontos cardeais. Então ela é acolhida pelo grupo e todos celebram sua vinda bebendo e comendo. Como diz Arthen, “os pagãos gostam muito de festejos”.


Para Captar a Energia da Lua

Os praticantes da Wicca identificam a lua, eternamente mutante — crescente, cheia e minguante —, com sua grande deusa em suas diversas facetas: donzela, mãe e velha. É por isso que a cerimônia destinada a canalizar para a terra os poderes mágicos da lua está na essência do culto à deusa, sendo um rito chave na liturgia da Wicca.

Quando se encontram para um dos doze ou treze esbás do ano, que são as celebrações da lua cheia, os membros da Frater­nidade de Athanor reúnem-se em um círculo mágico para direcionar suas energias psíquicas através de seu sumo sacerdote — que aqui aparece ajoelhado np centro do círculo — e para sua suma sacerdotisa, que está de pé com os braços erguidos em direção aos céus. Acreditam que a concentração de energia ajudará a sacerdotisa a “atrair a lua para dentro de si” e transformar-se em uma; corporificação da deusa.

“Geralmente, a época da lua cheia é sempre; repleta de muita tensão psíquica”, explica Arthen, o sumo sacerdote. Esse ritual tenta utilizar essa tensão. “Ele ajuda a sacerdote a entrar em um transe profundo, no qual terá visões ou dirá palavras que geralmente são relevantes para as pessoas da assembléia”.

As taças nas mãos da sacerdotisa contêm água, o elemento que simboliza a lua e é governado por ela. Os membros dizem que essa água se torna “psiquicamente energizada” com o poder que a trespassa. Cada feiticeiro deve beber um pouco dela ao término do ritual, na cerimônia que o sumo sacerdote Arthen chama de sacramento.

Muitos grupos realizam essa cerimônia de atrair a lua em outras fases, além da lua cheia. Tentam conectar o poder da lua crescente para promover o crescimento pessoal e começo de novas empreitadas e conectam com a minguante, ou lua negra, para selar os finais de coisas que devem ter um fim.

A maioria dos grupos considera a cerimônia como uma maneira de honrar a Grande Deusa, mas muitos abdicam dos rituais, resumindo-se simplesmente a deter-se por um mo­mento quando a lua está cheia, para meditar sobre a divindade Wicca.


Para Elevar o Cone do Poder

“A magia”, diz o sumo sacerdote Arthen, “está se unindo às forças psíquicas para pro­mover mudanças.” Parte do treinamento de um feiticeiro, ele observa, é aprender a usar a energia psíquica e uma técnica primária com esse objetivo, um ritual praticado em quase todos os encontros e o de elevação do cone do poder. Como a maioria das atividades, isso acontece no centro de um círculo mágico. “Especialmente no caso deste ritual”, diz Arthen, “o círculo mágico é visualizado não apenas como um círculo, mas como um domo, uma bolha de energia psíquica — uma maneira de conter o poder antes de começar a usá-lo.”

Ao tentar gerar energia para formar o cone do poder, os bruxos recorrem à dança, à meditação e aos cânticos. Para “moldar” o poder que afirmam produzir, reúnem-se em torno do círculo mágico, estiram os braços em direção à terra e gradualmente os levantam, como se vê aqui, em direção a um ponto focal acima do centro do círculo. Quando o líder da assembléia sente que a energia atingiu seu ápice, ordena aos membros: “Enviem-na agora!” Então, todos visualizam aquela energia assumindo a forma de um cone que deixa o círculo e viaja até um destino previamente determinado.

O alvo do cone pode ser alguém doente ou outro membro do grupo que necessite de assistência em seu trabalho mágico. Mas seu destino também pode estar menos delimitado. Como a prática da feitiçaria está profunda­mente vinculada à natureza, o cone do poder pode ser enviado, diz Arthen, “para ajudar a superar as crises ambientais que atravessamos.


Festas do Ano Wicca

Nem todos os rituais da Wicca são solenes e taciturnos. “Misturamos a alegria e a reverência”, diz Arthen. Os oito sabás que se destacam no ano dos bruxos — homenageando a primeira jornada do sol e o ciclo agrícola rítmico da terra — são ocasiões para muitas festas animadas. O mais festivo de to­dos os sabás é Beltane, alegre acolhida à primavera que acontece no dia 19 de maio. Em Beltane, os pagãos do Espírito da Terra reú­nem-se para divertir-se com a brincadeira do mastro, como se vê aqui.

A dança do mastro, antigo rito da fertilidade, começa como um jogo ritualístico carregado do forte simbolismo sexual que caracteriza a maioria das cerimônias da Wicca. As mulheres do grupo cavam um buraco dentro do qual um mastro, obviamente fálico, deverá ser planta­do. Mas quando os homens se aproximam, carregando o mastro, são confrontados por um círculo formado por mulheres, que cercam o poste como se o estivessem defendendo.

Num ato de sedução simbólico, as mulheres brincam de abrir e fechar o círculo em lugares diferentes, enquanto os homens correm carregando o mastro e tentando penetrar naquele círculo.

“Finalmente”, conta o sumo sacerdote Arthen, “os homens têm a permissão de entrar com o mastro e plantá-lo na terra.” Em seguida, as feiticeiras começam a dança da fita, ao redor do mastro, cruzando e atravessando os carrinhos umas das outras até que as fitas brilhantes estejam todas entrelaçadas no mastro. “O ritual une as energias dos homens e das mulheres”, explica Arthen, “para que haja  muita fertilidade.”

Acreditando que cada sabá conduz a um ápice de energias psíquicas e terrenas, os feiticeiros praticam os rituais do sabá mesmo que estejam sós. Contudo, nos últimos anos, os adeptos da Wicca têm se reunido em número cada vez maior para celebrar os sabás; o comparecimento aos festivais do Espírito da Terra aumentou cerca de sete vezes, no período de quase uma década.


A Celebração das Passagens da Vida

Como outros grupos religiosos, as comunida­des Wicca celebram os momentos mais significativos na vida individual e familiar, inclusive nascimento, morte, casamento — que chamam de “unir as mãos” — e a escolha do nome das crianças. O Espírito da Terra é reconhecido como igreja pelo estado de Massachusetts, diz Arthen, e portanto seu ritual de “unir as mãos” pode configurar um matrimônio legal.

Muitas vezes o ritual não é usado para estabelecer um casamento legal, mas sim um vínculo reconhecido apenas pelos praticantes da Wicca. Se um casal que se uniu dessa forma decidir se separar, seu vínculo será desfeito através de outra cerimônia Wicca, conhecida como “desunião das mãos”.

Fundamental para essa cerimônia é a bênção dada à união do casal e o ritual de atar suas mãos — o passo que corresponde ao nome do ritual e que há muito tempo produziu a famosa metáfora que se tornou sinônimo de casamento, “amarrar-se”. A fita colorida que une o par é feita por eles, com três fios de fibra ou couro representando a noiva, o noivo e seu relacionamento. Durante as semanas ou até meses que antecedem o casamento, o casal deve sentar-se regularmente — talvez a cada lua nova — para trançar um pedaço dessa corda é conversar sobre o enlace de suas vidas através de amor, trabalho, amizade, sexo e filhos.

Os filhos de feiticeiros são apresentados ao grupo durante um ritual de escolha de nome chamado “a bênção da criança”, ou batismo. Essa cerimônia inclui com freqüência o plantio de uma árvore, que pode ser fertilizada com a  placenta ou com o cordão umbilical. Em uma cerimônia semelhante conhecida como batismo mágico, que geralmente ocorre antes da iniciação, o aprendiz de feiticeiro declara os nomes pelos quais deseja ser conhecido dentro de seu grupo de magia.

PAX DEORUM

Por Witch Crow

Postagem original feita no https://mortesubita.net/paganismo/a-moderna-feiticaria/

Como Escrever o Pacto com Lúcifer

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Todas as semanas, muitas pessoas escrevem perguntando como fazer corretamente o Pacto com Lúcifer. Mestre Lúcifer me explicou que praticamente todos que querem fazer pactos cometem alguns erros muito graves na hora de escrever o Pacto, pois não respeitam os meandros do ocultismo e do satanismo. Mas, finalmente, me foi permitido explicar a vocês como redigir corretamente o pacto com Lúcifer. Continue lendo…

“AGENTE” e “A GENTE” – Sabe aquele espião dos homens-de-preto que trabalha para os Iluminati? que sempre aparece nos filmes de Hollywood? Ele é um AGENTE federal – agente (escrito junto). Já quando você quiser usar o “a gente” no lugar do “nós”, deve escrever separado – A GENTE. Por isso que muitos dos seus pedidos falham… você pede dinheiro para “agente” e quem recebe a grana são os illuminati!

MAS e MAIS – A imensa maioria dos satanistas acaba atraindo a desgraça para suas vidas pelo uso inadequado destas palavras mágicas. MAIS (com o “i”) é um advérbio de intensidade, que transmite uma noção de adição, porém MAS (sem o “i”) é uma conjunção adversativa e transmite a idéia de oposição. É sinônimo de “contudo”, “porém”… . Ou seja, você pede mais e o cramunhão te da menos!

FASSO – Essa palavra simplesmente não existe. Nem “fasso”, nem “faso”. O correto é “FAÇO”, com “ç”. É uma flexão do verbo “fazer” – “eu faço”. Satan chora quando lê essa aberração na frente dele!

MIM AJUDA – O porquê de muita gente usar o “mim ajuda” no lugar de “me ajuda” ninguém sabe. O que sabemos é que Lúcifer ri tanto quando lê uma parada assim que não tem mais clima para ajudar ninguém.

#Dica: MIM NÃO FAZ NADA! Parece brincadeira, mas lembre-se sempre dessa frase, que na verdade significa que nunca se usa o pronome “mim” antes de qualquer verbo. EU faço. EU vou. EU digo. EU faço (tá vendo, com “ç” !!! ). Nada de mim!

CONCERTEZA – Outra palavra que na verdade não existe. Vai consertar o que? O correto é COM CERTEZA, escrito de forma separada e com a letra “m” e não “n”. COM CERTEZA você não vai mais errar essa na hora de fazer o Pactum Pactorum, não é?!

MENAS – Não importa qual seja a palavra que vem depois, o correto é usar sempre o “MENOS”. MENOS é um advérbio que não sofre flexão de gênero, ou seja, nunca passa para o feminino. Assim, o correto é MENOS gente, MENOS pessoas, MENOS chances, MENOS ansiosa. Você escreve que quer “menas dificuldades” e juro por Exu que a galera lá embaixo fica rindo tanto da sua cara que nem a ONA vai te aceitar mais…

EM BAIXO e EMBAIXO – As duas formas de escrever existem, mas são usadas com significados diferentes. Geralmente, a forma que mais utilizamos é o EMBAIXO (junto), que funciona como advérbio – embaixo da mesa, embaixo do livro, embaixo do caixão… Tem aquele significado de “sob alguma coisa”. Já o EM BAIXO (separado) é usado quando a palavra “baixo” tem sentido de adjetivo (contrário de alto). Ex: “Ela estava em baixo astral ontem”.

AS VESES – ÀS VEZES, você pode errar como essa expressão é escrita. Então lembre-se: ÀS VEZES tem crase no “A” e é escrito com “Z” e depois “S”. ÀS VEZES é bom dar uma conferida se você está escrevendo a palavra do pacto do jeito certo.

EXCESSÃO – Essa você vai ter que decorar mesmo! são glifas mágicas que não funcionam de outra maneira: EXCEÇÃO se escreve assim: primeiro com X, depois com C e então Ç no final. Decore X, C, Ç e só preencha com as outras letras E-X-C-E-Ç-Ã-O. Satan agradece!

NADA HAVER e NADA A VER – NADA A VER escrever NADA HAVER! A expressão correta é NADA A VER, que significa não “ter relação com”. Deixe o verbo “haver” longe desse tipo de frase. Você pensa que está dizendo “as colocações feitas não se complementam”, mas na verdade o que escutamos é “eu sou burro”.

DERREPENTE – Belzebu até se arrepia quando lê uma monstruosidade dessas… aprenda de uma vez: DE REPENTE! DE REPENTE! DE REPENTE! Pensa na pausa de um susto: DE…REPENTE! Essa expressão é uma locução adverbial que nunca se escreve junto.

VOÇÊ, COMEÇEI, PAREÇE – A letra mágica illuminati aqui é o “Cê-Cedilha”, que NUNCA deve ser usado junto às vogais “I” ou “E”. Então é COMECEI, com o C normal mesmo!

PORISSO – POR ISSO a gente está explicando como é a grafia correta das palavras. Porque tem muita gente que ainda escreve por aí “porisso” (junto). E é errado! POR ISSO é sempre separado!

A NÍVEL DE – Esta é uma frase mágica que tem o poder de contorcer de agonia todo mundo que a escuta! Quando você usa “a nível de” qualquer coisa, um diabo perde o tridente! é sério…

DESCRIMINAR e DISCRIMINAR – Sabemos que você quer falar difícil, mas para isso, é necessário saber que Descriminar significa “absolver”, “inocentar” enquanto Discriminar significa “distinguir”, “separar”.

OBRIGADO e OBRIGADA – Quando for agradecer ao resultado do pacto, lembre-se sempre de concordar o adjetivo com o sujeito, ou seja, se você for homem, diga “OBRIGADO, Lúcifer”… se for mulher, diga “OBRIGADA Lúcifer”. Simples assim.

GRATIDÃO – Não sabemos qual picareta dos infernos inventou essa modinha de falar “gratidão” ao invés de “obrigado”, mas simplesmente NÃO.

Bem, com estas palavras mágicas, você será capaz de escrever direitinho seu Pacto com Lucifugo Rocambole, mas lembre-se: mesmo se você escrever tudo certinho, não vai servir para nada porque Pactos com Lúcifer são pura charlatanice. Você acha mesmo que um demônio do Inferno, comandante das legiões satânicas vai perder o tempo dele com um zé ninguém que não tem nada a oferecer? sua alma? vale menos que uma paçoca.

#Fraudes #Humor

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/como-escrever-o-pacto-com-l%C3%BAcifer

Aprenda Cabala com Aleister Crowley

Anarco-Thelemita

No quarto capítulo de “Magick Without Tears”, Crowley enfatiza o estudo da cabala para qualquer pessoa realmente interessada na prática mágicka. De fato, este capítulo aparece quase imediatamente após aquele em que os postulados de sua Magicka são definidos. Mais do que isso, ele traça um itinerário de estudos breve de descrever, mas difícil de atravessar composto de três fases. São estes três atos que veremos abaixo de forma detalhada. Se você não tem nenhum conhecimento sobre cabala, veio ao lugar certo. Se já tem, leia mesmo assim, você pode ter algumas surpresas no final.

Ato 1: Alfabetização Mágicka

Crowley chama a cabala de “Alfabeto Magicko”, mas um alfabeto que consiste não de letras, mas de ideias, e numa observação mais atenta, ideias matemáticas. Contudo os números são apenas uma das formas com as quais essas ideias podem ser expressas.  Neste sentido é até uma boa coisa que o estudante não fale hebraico. Isso porque muitas palavras são em hebraico e sem referência o magista está impedido de fazer qualquer associação literal, tendo que desenvolver dentro de si a abstração necessária. Qualquer tentativa de traduzir os nomes das sephirot pode no final das contas mais atrapalhar do que ajudar. Nesse sentido o hebraico é para a cabala o que o francês é para o ballet ou o inglês para o marketing.

Cada uma dessas abstrações deve ser explicada, investigada, compreendida por meios muito diversos. Neste primeiro momento o estudante deve se preocupar apenas em criar em sua mente o esboço das letras hebraicas, seus valores numéricos e as 10 esferas por elas conectadas. Crowley não detalha como deve ser essa memorização mas uma boa ideia é simplesmente pegar um caderno novo e desenhe na primeira página a seguinte estrutura:

*Deixaremos de fora Daath por enquanto para que o estudante sério possa fazer suas próprias descobertas mais avançadas no futuro. 

Essa é a chamada “Árvore da Vida”. Por enquanto temos apenas números, nomes e posições. Cada um deles é uma sefira (no plural sefirot). Passe a semana consolidando esta estrutura em sua mente. Desenhe-a quantas vezes precisar até que sua ordem e números estejam internalizados. Só então para a próxima etapa. 

Feito isso temos que saber que cada sefira “se conecta” às demais por seus por meio de 22 ligações que também possuem seus nomes hebraicos. Estas ligações se somam às sephiras e se enumeram de 11 a 32. Concentre-se alguns dias em ter de memórias a estrutura a seguir:

Uma boa maneira de acelerar o processo é desenhar a árvore respeitando sua sequência numérica. Com isso você terá impresso na mente algo como uma planta do edifício que iremos construir a seguir. A Árvore da Vida deve ser aprendida de cor; você deve conhecê-lo de trás para a frente, de frente para trás, dos lados e de cabeça para baixo; deve se tornar o pano de fundo automático de todo o seu pensamento. Não negligencie esta etapa. Ela é semelhante ao aprendizado das notas musicais, do alfabeto e da tabuada. Só avance quando puder, a qualquer momento desenhar a árvore completa com todos os seus nomes e números.

Ato 2: o Código Fonte do Universo 

Contam às bocas prussianas que certa vez houve um diálogo entre Frederico Guilherme IV da Prússia e Argelander, seu astrônomo imperial. De forma provocativa o rei perguntou “Então, o que há de novo nos céus?” E o pesquisador respondeu: “Será que Vossa Majestade já conhece o que há de velho?”. Assim o próximo ato no desenvolvimento cabalistico deve ser um olhar atento para o passado.

A próxima etapa é atribuir a estes espaços alguns conjuntos de “elementos naturais”. Crowley admite que mesmo estes elementos são sempre arbitrariamente compostos, mas é a interação entre eles que fará toda máquina funcionar, principalmente quando o cabalista começa a perceber que toda e qualquer coisa no universo tem seu lugar no mapa da cabala. 

As primeiras atribuições sugeridas são aquelas que fazem conexão com outros três grandes campos de saber oculto: a astrologia, gematria e o tarô. Cada sefira tem uma correspondência astrológica, e portanto uma cor própria. Da mesma forma, cada uma das 22 ligações tem relação com uma das 22 letras do alfabeto hebraico (que é de onde tira seu nomes), mas também dos 22 Arcanos Maiores do Tarot. E para os caminhos próximos do Sol, um signo do zodíaco:

Só essas cinco atribuições iniciais (planetas, cortes, letras, valor gematrico e arcanos do tarô) já bastam para levar os estudos cabalísticos para outro patamar. Em particular às letras hebraicas darão um poder enorme por meio da prática da gematria no futuro.

Para facilitar essa etapa, pegue aquele mesmo caderno e depois da primeira página, em que a árvore estará desenhada, dedique uma folha para cada sefira e caminho. No topo da folha coloque o número apropriado e abaixo delas suas atribuições

Transcreva de punho próprio no seu caderno os dados abaixo em suas páginas apropriadas:

Sefira Correspondência Astrológica Cor
1. Kether Netuno Branco
2. Chochmah Urano Cinza
3. Binah Saturno Preto
4. Hesed Júpiter Azul
5. Geburah Marte Vermelho
6. Tipheret Sol Amarelo
7. Netzach Vênus Verde
8. Hod Mercúrio Laranja
9. Yesod Lua Violeta
10. Malkuth Terra Marrom

 

Ligação Zodiaco Gematria Arcano
11. Aleph א 1 O Louco
12. Bet ב 2 O Mago
13. Gimel ג 3 A Sacerdotisa
14. Dalet ד 4 A Imperatriz
15. Heh ה Áries 5 O Imperador
16. Vav ו Touro 6 O Hierofante
17. Zayin ז Gêmeos 7 Os Enamorados
18. Het ח Câncer 8 A Carruagem
19. Tet ט Leão 9 A Volúpia (Força)
20. Yud י Virgem 10 O Eremita
21. Kaf כ 20 (500 no final) A Fortuna (A Roda da Fortuna)
22. Lamed ל Libra 30 Ajustamento (A Justiça)
23. Men מ 40 (600 no final) O Enforcado
24. Nun נ Escorpião 50 (700 no fina) A Morte
25. Samech ס Sagitário 60 Arte (A Temperança)
26. Ayin ע Capricórnio 70 O Diabo
27. Peh פ 80 (800 no final) A Torre
28. Tzady צ Aquário 90 (900 no final) A Estrela
29. Koof ק Peixes 100 A Lua
30. Reish ר 200 A Sol
31. Shin ש 300 Aeon (O Julgamento Final)
32. Taf ת 400 O Universo (O Mundo)

Você deve então iniciar seus estudos cabalisticos. As próximas atribuições que podem ser feitas devem vir por meio de pesquisa. Algumas sugestões incluem as runas nordicas, os trigramas do i-ching, os patriarcas de Israel, os deuses egípcios e alguns nomes hebraicos de Deus e seus anjos. Também é muito esclarecedor buscar quais vícios e virtudes se encaixam em cada espaço da árvore da vida.

Crowley admite que o impacto inicial pode não ser fácil: 

“A princípio, é claro, tudo isso será terrivelmente confuso; mas persista, e chegará o tempo em que todas as partes estranhas se encaixarão no quebra-cabeças, e você verá – com graça e admiração! – a beleza e a simetria maravilhosas do sistema cabalístico. E então – que arma você terá forjado! Que poder de analisar, ordenar, manipular seu pensamento!

Cada ideia, seja qual for, pode ser, e deve ser, atribuída a um ou mais desses símbolos primários; assim, o verde, em diferentes tons, é uma qualidade ou função de Vênus, da Terra, do Mar, de Libra e de outros. Assim, também é com ideias abstratas; desonestidade significa “um Mercúrio sob tensão”, generosidade um bom, embora nem sempre forte, Júpiter; e assim por diante.

Agora você está armado! E poderá perguntar a si mesmo coisas como: por que a influência de Tiphareth é transmitida a Yesod pelo Caminho de Samekh, uma cerca, 60, Sagitário, o Arqueiro, Arte, azul – e assim por diante; mas para Hod pelo Caminho de Ayin, um olho, 70, Capricórnio, a Cabra, o Diabo, Indigo, etc..

Estas atribuições não apenas começam a lhe dar um entendimento da cabala, mas os sinais passam a explicar uns aos outros. Entender o signo de Gêmeos é entender o arcano dos Enamorados. Você sabe agora que a letra Peh tem às mesmas qualidades do Arcano Maior da Torre, e entende o tipo de percepções que ocorre quando a ligação entre Hod, com suas qualidades Mercuriais e Netzach, com suas qualidades Venusianas são feitas. 

A partir daqui você pode também iniciar seus estudos de gematria. 

Nas palavras de Crowley em uma observação no final da introdução de Magicka sem Lágrimas: “Os métodos da gematria servem para se descobrir verdades espirituais. Números são a rede estrutural do Universo e suas relações a forma de expressão do nosso Entendimento sobre ele.” A gematria une o rigor da matemática com as inspirações da poesia e assim enxerga coisas que os artistas não enxergam por falta de coerência e os matemáticos não enxergam por falta de imaginação.

Por exemplo, a palavra hebraica Achad (Unidade) e a palavra Ahebah (Amor) tem ambas o valor 13:

echadאחד  ahavah אהבה 
א = 1 

ח = 8

ד = 4

———-

Total: 13

א = 1 

ה = 5

ב = 2

ה = 5

———-

Total: 13

No pensamento cabalistico isso significa que Amor e Unidade são em última instância uma coisa só. Porque Jesus Cristo se uniu a um grupo de 12 apóstolos, porque o 13º Arcano é o Enforcado, relacionado a sacrifícios e porque o Diabo surge quando você duplica 13 e obtém 26, são outros pensamentos que surgem.

Ou achar graça que Pai + Mãe = Filho, visto que אב‎ (Pai, numericamente equivalente a 3) + אמ (Mãe, equiv. a 41) = ילד (Filho, equivalente a 44). Mas note, a gematria hebraica é só uma das possíveis. Lembre que seja em grego, hebraico ou inglês os números são os mesmos não importa sua grafia.

Para estudos mais profundos no segundo ato temos em português s livros fantásticos como a enciclopédia “Kabbalah Hermética” de Marcelo del Debbio e “Sistemagia” de Adriano Camargo Monteiro. Entre os autores estrangeiros às obras “Cabala Mística” de Dion Fortune, A Arvore da Vida de Israel Regardie e Liber 777 e o Sepher Sefira do próprio Crowley como boas indicações de estudos. 

Estas e outras relações se tornaram mais claras conforme se estuda a cabala, tornando-se enfim um novo estilo de pensamento que o tornará muito mais perceptivo, criativo e perspicaz do que às pessoas comuns. Sua memória também será expandida pois se tornará cada vez mais fácil fazer associações entre tudo lhe rodeia. De fato Crowley afirma que a Cabala é “O Melhor Treinamento para a Memória” e no capítulo “Jornada Astral”, acrescente que “Não há melhor treinamento para a memória do que a Santa Qabalah” dando então um exemplo possível:

“Você sai para dar uma caminhada e a primeira coisa que vê é um carro; que representa o Arcano VII, a Carruagem, relacionado ao signo de Câncer. Então você chega a uma peixaria e nota certos crustáceos, novamente o signo de Câncer. A próxima coisa que você nota é um vestido cor de âmbar em uma loja; âmbar também é a cor de Câncer. Agora você tem um conjunto de três impressões que são unidas pela classe de Câncer a ligação 17.Zayin. Você então verá que irá lembrar-se de todos os três eventos com muito mais clareza e precisão do que poderia lembrar-se de qualquer um dos três individualmente.”

Você não apenas pode pensar melhor sobre o universo. Você passa a pensar como o universo pensa. Neste mesmo capítulo Aleister Crowley explica o porque:

“Todo mecanismo da memória consiste na união de dados independentes. Você pode ir adicionando de pouco em pouco, sempre relacionando as impressões simples com outras mais gerais até que todo universo é organizado como um cérebro ou sistema nervoso. Este sistema de fato, se torna o Universo. Quando tudo esta apropriadamente correlacionado sua consciência central entende e controla todos os pequenos detalhes.”

Mas saiba desde já que uma vez que não podem compreender seu raciocínio para estas pessoas qualquer associação ou discurso cabalístico será indistinguível do delírio.

Ato 3: Sua própria Cabala

A próxima etapa de estudos cabalísticos é tão extravagante que o próprio Crowley a reconhece como uma sugestão sórdida e bestial. Mas faz a sugestão mesmo assim. Quando seu pensamento estiver absolutamente imerso nas associações da árvore da vida, chegou a hora de construir sua própria Cabala!

Após alguns anos seu caderno de estudo estará repleto de associações importantes. E se você o fez bem será algo muito semelhante aos livros já escritos sobre cabala citados acima. Mas existem associações que ninguém pode fazer a não ser você pois dizem respeito à perspectiva única de sua vida. 

A partir deste ponto você deve constantemente pendurar tudo que vier em seu caminho em seu galho mais apropriado. Onde cabe nesta grande estrutura a história da sua vida, suas conquistas, amores e maiores derrotas? Na sua perspectiva única em que espaços da Árvore da Vida estão seus parentes? Seus amigos? Seus relacionamentos? As etapas do seu crescimento? Suas comidas, roupas, músicas e livros favoritos?  E o que a gematria lhe diz sobre todos estes nomes? 

Após isso, fique atento para novas impressões. Uma prática excelente é adquirir o hábito de incluir um nome no caderno sempre que fizer sua leitura matinal ou noturna ou do que quer lhe chame atenção durante uma caminhada ou afazer.

Mega Therion coloca a questão da seguinte forma:

“Ninguém pode fazer isso por você. Qual é o seu verdadeiro número? Você deve encontrá-lo e provar que está correto. No decorrer de alguns anos, você deveria ter construído um Palácio da Glória Inefável, um Jardim do Prazer Indescritível. Afinal, é bastante simples. Cada palavra que você encontrar, some-a, cole-a contra aquele número em um livro guardado para esse propósito. Isso pode parecer tedioso e bobo; por que você deveria fazer de novo o trabalho que já fiz por você?

Motivo: simples. Fazer isso vai te ensinar Cabala como nada mais poderia. Além disso, você não ficará entulhado de palavras que nada significam para você; e se acontecer de você querer uma palavra para explicar algum número particular, você pode procurá-la em meu próprio Sepher Sephiroth.

Por este método, também, você pode encontrar um rico reservatório de suas próprias palavras ou de conceitos que foram completamente ignorados por outros autores até agora.

Para começar, é claro, você deve escrever as palavras que estão fadadas a atrapalhar seu caminho. Sem dúvida, um Grande Professor teria dito: “Cuidado! Use meu Dicionário, e apenas o meu! Todos os outros são espúrios!” Mas eu não sou um R.G.T. desse tipo.

Se qualquer palavra, estímulo, evento ou nome lhe chamar atenção coloque-o em seu livro. Crowley sugere inclusive diz que devemos deixar estas associações serem guiadas por nosso trabalho no Plano Astral. Ao investigar o nome e outras palavras comunicadas a você por seres que você encontra em suas projeções ou invocar, muitas outras conexões adequadas surgirão. Em breve, você terá seus próprios Sepher Sephiroth pequenos e agradáveis. “Lembre-se de almejar, acima de tudo, a coerência.”, completa a Grande Besta.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/aprenda-cabala-com-aleister-crowley/

Anjos Rebeldes

Deus não criou o Diabo: um anjo criado por ele é que se fez demônio. Era um arcanjo (como Miguel) que arrebatou consigo outras criaturas celestes. Era o mais belo de todos e também o mais amado por Deus. Seu nome era Lúcifer (“portador da luz”). Extremamente orgulhoso de sua beleza , queria se igualar a Deus e persuadir os outros anjos a tratarem-no como tal. Numerosos anjos o seguiram e foram parar junto com ele, nas trevas, indo reinar no Inferno.

No livro do Gênesis, em seu 6º capítulo, há uma passagem a qual mostra os filhos de Deus se unindo às filhas dos homens. Surgiram diversas versões uma delas narra que 200 anjos chefiados por Semjaza e Azazel, atraídos pela beleza das mulheres, desceram a terra para se unir a elas. Estes anjos ensinaram aos mortais vários conhecimentos nocivos.

As mulheres conceberam gigantes famintos e descomunais (alguns com mais de 3000 metros de altura) comiam tudo o que encontravam e começaram a devorar uns aos outros. O mundo mergulhou numa anarquia total. Deus interveio, enviando seu anjo Miguel que aprisionou os anjos turbulentos nos vales da terra, onde estão à espera do juízo final.

Outra versão afirma que os anjos encarregados de velar pelas criaturas terrestres foram seduzidos pelas mulheres. Dessa união resultaram os demônios que dominam os homens por meio da magia.

O orgulho e o ciúme são apontados como causas possíveis da queda dos anjos.

Os demônios se multiplicaram e formaram um universo complexo. Diz-se que existem cerca de 7459126 diabos divididos em 1111 legiões, dirigidos por 72 príncipes.

Seus poderes são reais: souberam tentar tanto Adão e Eva como Cristo. São provocadores de calamidades e heresias, responsáveis pelas diversas enfermidades físicas e morais que tanto afligem os homens.

“Há três tipos de demônios. Aqueles que procuram infernizar a própria pessoa, induzindo-a a pensamentos ou atos espúrios, ações degradantes, visões apavorantes. Há demônios que fazem com que o possuído irradie mal a pessoas, animais ou objetos que estão em seu campo de ação e, por fim, existem demônios que impelem à ambição, avareza, egoísmo, vaidade, fazendo com que o indivíduo tenha como propósito dominar e explorar seus semelhantes”.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/demonologia/anjos-rebeldes/

A Prima Materia – O Objetivo do Processo Alquímico

Prima materia, a matéria prima, é considerada como o objetivo do processo alquímico. A prima materia possui várias definições, sem que uma definição seja considerada proeminente.

Isso ocorre porque os alquimistas tinham definições pessoais de prima materia. Muitas definições até se contradiziam.

Elas variam de chumbo, ferro, ouro, mercúrio, sal, enxofre, vinagre, água, fogo, terra, água da vida, sangue, veneno, espírito, nuvens, céu, orvalho, sombra, mar, mãe, lua, dragão, Vênus , microcosmo e assim por diante. Não é de surpreender que o Ruland’s Lexicon (O Léxico de Ruland) dê cinquenta sinônimos e mais possam ser incluídos.

Além dessas definições, em parte químicas e mitológicas, existem as filosóficas que possuem significados mais profundos.

Por exemplo, no tratado de Komarios encontra-se a definição de “Hades”. Em Olimpiodoro, a terra negra continha os “malditos de Deus”.

O Consilium consigii diz que o pai do ouro e da prata, sua prima materia, é “o animal da terra e do mar”, ou “homem”, ou “parte do homem”, que é seu cabelo, sangue e assim por diante. Dorn, aluno de Paracelso, disse que a prima materia era “Adamica”, o que coincide com o limbus microcosmicus de Paracelso. Os materiais da pedra são nada menos que enxofre e mercúrio.

Os alquimistas supunham que o homem poderia completar o trabalho da prima materia porque possuía uma alma. Não é assim declarado, mas acreditado, que a alma vinha de Deus, portanto, o homem era capaz de fazer a obra de Deus – os alquimistas operam como Deus.

Outros trabalhos testemunham que a prima materia pode ser qualquer coisa e pode se tornar qualquer coisa. Mylius descreveu a prima materia como o elementium primordiale, o “sujeito puro e unidade das formas”. A prima materia é descrita no Rosarium como a “raiz de si mesma”. Portanto, porque se enraíza em si mesmo, é autônomo e não depende de nada.

Paracelso, em sua Philosophia ad Atheninses, declarou esta matéria única um segredo que não tem absolutamente nada a ver com os elementos. Ela preenche toda a regio aetherea e é a mãe dos elementos e de todas as coisas criadas.

A definição de Paracelso é estritamente baseada nas escrituras. Ele a descreveu como misteriosa, preparada por Deus de tal maneira que não haverá nada como ela novamente. Foi corrompida além da reparação, presumivelmente pela Queda de Adão, e não pode ser devolvida.

A descrição que Jung dá às obras de Paracelso e Dorn identifica claramente a razão ou razões pelas quais a alquimia da Idade Média assumiu uma atmosfera religiosa.

Não só Paracelso reconciliou seus pontos de vista profissionais com seu próprio cristianismo, mas ele os incutiu no pensamento alquímico.

Usando a Bíblia, Paracelso e outros, conectou a prima materia a Deus; “antes que Abraão fosse feito, eu sou”. (João 8:58) Visto que a prima materia é supostamente a pedra, isso também demonstrou que a pedra não tem começo nem fim.

Jung observou que muitos cristãos que ouvissem isso não acreditariam em seus ouvidos, mas foi claramente declarado no Liber Platonis quartorum: “Aquele de onde as coisas surgem é o Deus invisível e imóvel”.

Deve-se admitir que provavelmente apenas alguns filósofos pressionaram a essa conclusão extrema, mas mesmo seu aspecto torna suas alusões veladas mais transparentes. Embora a maior parte do pensamento alquímico pareça absurda em comparação com o pensamento científico moderno, não se deve esquecer que a Idade Média influenciou grandemente a cultura atual.

Deve-se lembrar que a diferença importante entre os alquimistas e os químicos era que os primeiros olhavam para trás enquanto os últimos olhavam para frente. Os alquimistas pensavam que aqueles antes deles, os antigos, tinham os segredos da arte; tudo o que eles precisavam fazer era descobrir esses segredos, o que, talvez, fosse parte de seu objetivo ou busca.

Para os futuros químicos, assim como outros cientistas, seu objetivo era descobrir segredos do futuro. Ao examinar essa diferença e comparação, vê-se prontamente que a maior parte da população mundial ainda está no caminho alquímico.

A maioria das pessoas se apega a crenças religiosas que, na melhor das hipóteses, lhes dão conforto superficial, assim como a pedra fez para os alquimistas. A maioria das pessoas são paracelsanas, rezam a Deus para curá-las quando estão doentes, mas vão ao médico para receitar remédios para curá-las. Paracelso procurou manter suas crenças religiosas, mas era inteligente o suficiente para iniciar a medicina moderna.

Pode-se dizer que o pensamento atual de que somos todos deuses porque temos o espírito de Deus dentro de nós mantido por alguns, principalmente os adoradores da natureza, possivelmente originou-se do pensamento alquímico.

O alquimista inglês Sir George Ripley (c. 1415-1490) escreveu: “Os filósofos dizem ao investigador que os pássaros nos trazem as lipas, todo homem as tem, está em todo lugar, em você, em mim, em tudo, em tempo e espaço.” “Ele se oferece de forma humilde [vili figura]. Dela brota nossa água eterna [aqua permanens].” Ripley disse que a prima materia é a água, o princípio material de todos os corpos, incluindo o mercúrio.

É o hyle, coisa, matéria, que Deus trouxe do caos. É a terra negra da qual Adão foi feito e que ele levou consigo do Paraíso. Como essa matéria prima continha água, também continha fogo, como se dizia que ambos estavam dentro da pedra filosofal; portanto, acredita-se que a pedra sempre existiu e também veio do Paraíso.

É por isso, pensa este autor, que Jung disse que a Idade Média influenciou a sociedade moderna. Talvez não no sentido alquímico porque a química moderna e outras ciências provaram ser mais eficazes, mas no sentido sócio-religioso, deve-se reiterar que a cultura ocidental ainda está em um caminho alquímico. A maioria das sociedades ocidentais procura aperfeiçoar-se através de uma religião que falhou por milhares de anos.

Os líderes religiosos se assemelham aos alquimistas ao pensar que aqueles antes deles tinham as respostas quando a história religiosa é prodigalizada com histórias de ladrões, mentirosos, assassinos, adultérios e assim por diante. A religião não mudou o comportamento humano e, graças ao Diabo, não precisa mudar.

Ainda que, alegoricamente falando, a maioria, se o mundo está no caminho alquímico, ainda não é tarde demais para seguir o exemplo de Paracelso; ele reconhecia tanto a natureza boa quanto a má e a usava para promover o bem. Ele reconheceu isso quando seus críticos disseram que seus remédios eram venenosos.

Sua resposta foi que todas as coisas são venenosas; é a dosagem que importa. Embora Jung tenha demonstrado as semelhanças entre alquimia e psicologia, ele nunca negou as armadilhas de cada uma, os pontos ruins que devem ser confrontados e trabalhados.

Nesse confronto não há resposta fácil ou bala mágica, nem prima materia ou pedra filosofal. É hora de reconhecer que o mundo é a pedra hermafrodita da qual o homem vive. O mundo é bom e mau, vida e morte; como o homem usa o mundo determinará o resultado tanto do mundo quanto do homem.

O homem pode continuar buscando a pedra da eterna salvação celestial para si mesmo, ou pode, como o químico, descobrir novas maneiras pelas quais todos possam viver em paz. A dosagem ou a pedra está nas ações da humanidade.

A.G.H.

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Fonte: Prima materia.
Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-prima-materia-o-objetivo-do-processo-alquimico/

A História de Anton Szandor LaVey

Por Magus Peter H. Gilmore © 2003.

Anton Szandor LaVey (1930-1997) foi o fundador da Church of Satan (Igreja de Satanás), a primeira igreja organizada nos tempos modernos a promulgar uma filosofia religiosa que defende Satanás como o símbolo da liberdade pessoal e do individualismo. Ao contrário dos fundadores de outras religiões, que reivindicavam uma “inspiração” exaltada entregue através de alguma entidade sobrenatural, LaVey prontamente reconheceu que usou suas próprias faculdades para sintetizar o Satanismo, com base em sua compreensão do animal humano e insights obtidos de filósofos anteriores que defendiam o materialismo e individualismo. Sobre seu papel de fundador, ele disse que “se ele mesmo não o fizesse, outra pessoa, talvez menos qualificada, teria feito”.

Nascido em Chicago em 1930, seus pais logo se mudaram para a Califórnia, o ponto de encontro mais ocidental para as manifestações mais brilhantes e sombrias do “Sonho Americano”. Era um ambiente fértil para a criança sensível que eventualmente amadureceria em um papel que a imprensa chamaria de “O Papa Negro (Black Pope)”. De sua avó do leste Europeu, o jovem LaVey aprendeu sobre as superstições que ainda existem naquela parte do mundo. Esses contos aguçaram seu apetite pelo outré (excêntrico), levando-o a se envolver na literatura sombria clássica, como Drácula e Frankenstein. Ele também se tornou um ávido leitor das revistas pulp, que primeiro publicaram contos agora considerados clássicos dos gêneros de terror e ficção científica. Mais tarde, ele fez amizade com autores seminais de Histórias Bizarras (Weird Tales), como Clark Ashton Smith, Robert Barbour Johnson e George Hass. Sua fantasia foi capturada por personagens fictícios encontrados nas obras de Jack London, em personagens de histórias em quadrinhos – como Ming, o Impiedoso (Ming, the Merciless), além de figuras históricas de um elenco diabólico como Cagliostro, Rasputin e Basil Zaharoff. Mais interessantes para ele do que a literatura oculta disponível, que ele descartou como sendo pouco mais do que magia branca hipócrita, eram livros de conhecimento obscuro aplicado, como Lições Práticas de Hipnotismo (Pratical Lesson in Hypnotism) do Dr. William Wesley Cook, Navios de Combate (Fighting Ships) de Jane e manuais para análise de caligrafia.

Suas habilidades musicais foram notadas cedo, e ele recebeu liberdade de seus pais para experimentar vários instrumentos. LaVey foi atraído principalmente pelos teclados por causa de seu alcance e versatilidade. Ele encontrou tempo para praticar e poderia facilmente reproduzir músicas ouvidas de ouvido sem recorrer aos fake books (partituras de jazz) ou às partituras em geral. Esse talento viria a ser uma de suas principais fontes de renda por muitos anos, principalmente seu calíope tocando durante seus dias de carnaval, e depois suas muitas passagens como organista em bares, salões e boates. Esses locais lhe deram a chance de estudar como várias linhas melódicas e progressões de acordes balançavam as emoções de seu público, desde os espectadores do carnaval e shows de fantasmas, até os indivíduos que buscavam consolo para as decepções em suas vidas em destilados e na fumaça. tabernas cheias para as quais a música de LaVey fornecia uma trilha sonora.

Seus interesses estranhos o marcavam como um estranho (outsider), e ele não aliviou isso sentindo qualquer compulsão de ser “um dos garotos”. Ele desprezava as aulas de ginástica e esportes de equipe e muitas vezes faltava às aulas para seguir seus próprios interesses. Ele era um ávido leitor e assistia a filmes como aqueles que mais tarde seriam rotulados de film noir, bem como o cinema expressionista Alemão, como M, O Gabinete do Dr. Caligari e os filmes do Dr. Mabuse. Seu modo de vestir chamativo também serviu para amplificar sua alienação do mainstream. Ele abandonou o ensino médio para andar com tipos de bandidos e gravitou para trabalhar no circo e carnavais, primeiro como um trabalhador nos bastidores do circo e garoto de gaiola e depois como músico. Sua curiosidade foi recompensada através de “aprender as cordas (a dominar as suas habilidades)” e trabalhar um ato com os grandes felinos, e depois ajudar nas maquinações dos shows de fantasmas. Ele se tornou bem versado nas muitas raquetes usadas para separar os caipiras de seu dinheiro, junto com a psicologia que leva as pessoas a tais atividades. Ele tocava música para os shows obscenos nas noites de Sábado, bem como para os protestantes revivalistas das tendas nas manhãs de Domingo, vendo muitas das mesmas pessoas participando de ambos. Tudo isso forneceu um fundo firme e terreno para sua visão de mundo cínica em evolução.

Quando a temporada de carnaval terminava, LaVey ganhava dinheiro tocando órgão em casas burlescas da área de Los Angeles, e ele relata que foi durante esse período que teve um breve caso com uma então desconhecida Marilyn Monroe. Voltando a São Francisco, LaVey trabalhou por um tempo como fotógrafo para o Departamento de Polícia e, durante a Guerra da Coreia, matriculou-se no San Francisco City College como especialista em criminologia para evitar o recrutamento. Tanto seus estudos quanto sua ocupação revelaram percepções sombrias sobre a natureza humana. Nessa época ele conheceu e se casou com Carole Lansing, que lhe deu sua primeira filha, Karla Maritza, em 1952. Alguns anos antes, LaVey havia explorado os escritos de Aleister Crowley, e em 1951 ele conheceu alguns dos Thelemitas de Berkeley. Ele não se impressionou, pois eles eram mais espirituais e menos “iníquos” do que ele supunha que deveriam ser para os discípulos do credo libertino de Crowley.

Durante a década de 1950, LaVey complementou sua renda como “investigador psíquico”, ajudando a investigar “ligações malucas e sem sentido (nut calls)” encaminhadas a ele por amigos no departamento de polícia. Essas experiências lhe provaram que muitas pessoas estavam inclinadas a buscar uma explicação sobrenatural para fenômenos que tinham causas mais prosaicas. Suas explicações racionais muitas vezes decepcionavam os reclamantes, então LaVey inventou causas mais exóticas para fazê-los se sentirem melhor, dando-lhe uma visão de como a religião geralmente funciona na vida das pessoas.

Em 1956, ele comprou uma casa Vitoriana na California Street, no distrito de Richmond, em São Francisco. Tinha a fama de ter sido uma pessoa barulhenta. Ele a pintou de preto; ela mais tarde se tornaria o lar da Igreja de Satanás. Após sua morte, a casa permaneceu desocupada até ser demolida pela imobiliária proprietária do imóvel em 17 de outubro de 2001.

LaVey conheceu e ficou fascinado por Diane Hegarty em 1959; ele então se divorciou de Carole em 1960. Hegarty e LaVey nunca se casaram, mas ela lhe deu sua segunda filha, Zeena Galatea em 1964 e foi sua companheira por muitos anos. Hegarty e LaVey mais tarde se separaram, e ela o processou por pensão e isso foi resolvido fora do tribunal. A última companheira de LaVey foi Blanche Barton, que deu à luz seu único filho, Satan Xerxes Carnacki LaVey em 1 de Novembro de 1993. De acordo com os desejos de LaVey, ela o sucedeu como chefe da Igreja após sua morte em 29 de outubro de 1997. Em 2001, ela passou essa posição para Peter H. Gilmore, um membro de longa data do Conselho dos Nove.

Por meio de sua “apresentação excêntrica em shows de destruição de fantasmas (ghost busting)” e de seus frequentes shows públicos como organista, incluindo tocar Wurlitzer no salão de coquetéis Lost Weekend, LaVey se tornou uma celebridade local e suas festas de fim de ano atraíram muitos notáveis de São Francisco. Entre os convidados estavam Carin de Plessin, chamada de “a Baronesa” por ter crescido no palácio real da Dinamarca, o antropólogo Michael Harner, Chester A. Arthur III (Neto do presidente dos EUA), Forrest J. Ackerman (mais tarde, o editor de Famous Monsters of Filmland e reconhecido especialista em ficção científica), o autor Fritz Leiber, o excêntrico local Dr. Cecil E. Nixon (criador do autômato musical Isis) e o cineasta underground Kenneth Anger. Dessa multidão, LaVey destilou o que chamou de “Círculo Mágico” de associados que compartilhavam seu interesse pelo bizarro, o lado oculto do que move o mundo. À medida que sua experiência crescia, LaVey começou a apresentar palestras nas noites de Sexta-feira sumarizando os frutos de sua pesquisa. Em 1965, LaVey foi destaque no The Brother Buzz Show, um programa infantil humorístico apresentado por marionetes. O foco estava no estilo de vida da “Família Addams” de LaVey – ganhando a vida como hipnotizador, investigador psíquico e organista, bem como em seu animal de estimação altamente incomum, Togare, um leão Núbio.

No processo de criação de suas palestras, LaVey foi levado a destilar uma filosofia única baseada em suas experiências de vida e pesquisas. Quando um membro de seu Círculo Mágico sugeriu que ele tinha a base para uma nova religião, LaVey concordou e decidiu fundar a Igreja de Satanás como o melhor meio de comunicar suas ideias. E assim, em 1966, na noite de véspera de maio – o tradicional Sabá (Sabbath) das Bruxas – LaVey declarou a fundação da Igreja de Satanás, bem como renumerando 1966 como o ano Um, Anno Satanas – o primeiro ano da Era de Satanás.

A atenção da imprensa logo se seguiu, particularmente com o casamento do jornalista Radical, John Raymond com a socialite de Nova York Judith Case em 1º de Fevereiro de 1967. O famoso fotógrafo Joe Rosenthal foi enviado pelo San Francisco Chronicle para capturar uma imagem, que foi impressa no Chronicle, bem como no Los Angeles Times e outros grandes jornais. LaVey começou a disseminação em massa de sua filosofia através do lançamento de um álbum, The Satanic Mass (A Missa Satânica, Murgenstrumm, 1968). O álbum apresentava um gráfico de capa chamado por LaVey como o “Sigilo de Baphomet”: a cabeça de bode em um pentagrama, circulada com a palavra hebraica “Leviathan (Leviatã)”, que desde então se tornou o símbolo onipresente do Satanismo em todo o mundo. Em destaque no álbum estava parte do rito de batismo escrito para Zeena, de três anos (realizado em 23 de Maio de 1967). Além da gravação real de um ritual Satânico, o lado dois do LP tinha LaVey lendo trechos da ainda não publicada The Satanic Bible (A Bíblia Satânica) sobre música de Beethoven, Wagner e Sousa. Suas palestras de Sexta-feira continuaram e ele instituiu uma série de “Oficinas de Bruxas (Witches’ Workshops)” para instruir as mulheres na arte de alcançar sua vontade através do glamour (sedução, atração, fascínio), do tempo feminino e da descoberta e exploração habilidosa dos fetiches dos homens.

No final de 1969, LaVey havia tomado monografias que havia escrito para explicar a filosofia e as práticas rituais da Igreja de Satanás e as fundiu com todas as suas influências filosóficas de Ayn Rand, Nietzsche, Mencken e London, juntamente com a sabedoria básica dos carnavalescos. Ele prefaciou esses ensaios e ritos com trechos retrabalhados de Might is Right (O Poder está Certo), de Ragnar Redbeard, e concluiu com versões “Satanizadas” das Chaves Enoquianas de John Dee para criar a Bíblia Satânica. Ela nunca saiu de impressão e continua a ser a principal fonte para o movimento Satânico contemporâneo.

A Bíblia Satânica foi seguida em 1971 por The Compleat Witch (A Bruxa Completa, relançado em 1989 como The Satanic Witch, A Bruxa Satânica), um manual que ensina a “Magia Menor” – as formas e meios de ler e manipular as pessoas e suas ações para o cumprimento dos objetivos desejados. The Satanic Rituals (Os Rituais Satânicos, 1972) foi impresso como um volume complementar para A Bíblia Satânica e contém rituais selecionados de uma tradição Satânica identificada por LaVey em várias culturas do mundo. Duas coleções de ensaios, que vão do humorístico e perspicaz ao sórdido, The Devil’s Notebook (O Caderno do Diabo, 1992) e Satan Speaks (Satanás Fala, 1998), completam seu cânone escrito.

Desde sua fundação, a Igreja de Satanás de LaVey atraiu muitas pessoas variadas que compartilhavam uma alienação das religiões convencionais, incluindo celebridades como Jayne Mansfield e Sammy Davis Jr., bem como estrelas do rock King Diamond e Marilyn Manson, que se tornaram, pelo menos por uma vez, membros de carteirinha. Ele contava entre seus associados Robert Fuest, diretor do filme “Dr. Phibes (O Abominável Dr. Phibes, 1971)”, no qual estrela o ator Vincent Price,  assim como do filme The Devil’s Rain (A Chuva do Diabo, 1975); Jacques Vallee, ufólogo e cientista da computação, que serviu de inspiração para o personagem Lacombe, interpretado por François Truffaut em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, de Spielberg; e Aime Michel conhecido como espeleólogo e editor do Morning of the Magicians (O Despertar dos Mágicos).

A influência de LaVey foi espalhada por vários artigos na mídia de notícias em todo o mundo, revistas populares como Look, McCalls, Newsweek e Time, revistas masculinas e em talk shows como Joe Pyne, Phil Donahue e Johnny Carson. Essa publicidade deixou uma marca em romances como O Bebê de Rosemary (concluído por Ira Levin durante os primeiros dias da blitz de mídia de alto perfil da Igreja) e Our Lady of Darkness (Nossa Senhora das Trevas) de Leiber, e filmes como O Bebê de Rosemary (1968), The Devil’s Rain (A Chuva do Diabo, 1975), The Car (O Carro, a Máquina do Diabo, 1977), e muitos dos filmes posteriores “Devil Cult” (filmes cult com a temática do culto ao Diabo) dos anos 1970 até os anos 1990 que pegaram o simbolismo dos escritos de LaVey. Um documentário de longa-metragem, Satanis: The Devil’s Mass (Satanis, a Missa do Diabo, 1969) cobriu os rituais e a filosofia da Igreja, enquanto o próprio LaVey foi retratado no documentário de vídeo de Nick Bougas de 1993, Speak of the Devil (Falando no Diabo).

A musicalidade de LaVey é preservada em várias gravações, principalmente Strange Music (A Música Estranha, 1994) e Satan Takes a Holiday (Satanás Tira Férias, 1995), ambas originalmente lançadas pela Amarillo Records, agora disponíveis pela Reptilian Records. Isso reflete sua propensão para músicas da década de 1930 até a década de 1950, que variam de humorísticas a canções de maldição, bem como canções com temas do diabo. LaVey os processa em uma série de sintetizadores autoprogramados, imitando vários grupos instrumentais. Eles são impressionantes, pois não são gravações multipista, mas são feitas de uma só vez com os sons do conjunto instrumental completo criado através do uso simultâneo de vários sintetizadores tocados pelas mãos de LaVey, bem como pelos pés, em um pedal estilo órgão teclado conectado via midi.

Duas biografias foram escritas sobre LaVey: The Devil’s Avenger (O Vingador do Diabo, 1974) por Burton Wolfe e Secret Life of a Satanist (A Vida Secreta de um Satanista, 1990) pela Blanche Barton. A autenticidade de alguns dos acontecimentos narrados nessas obras tem sido contestada nos últimos anos, particularmente por detratores de LaVey, que o acusam de exagero autopromocional. LaVey era um showman habilidoso, um talento que ele nunca negou. No entanto, o número de incidentes detalhados em ambas as biografias que podem ser autenticados por meio de evidências fotográficas e documentais superam em muito os poucos itens em disputa. O fato é que LaVey seguiu um curso que o expôs às alturas e profundezas da humanidade, cheio de encontros com pessoas fascinantes; culminou com a fundação da Igreja de Satanás e levou a uma notória celebridade em escala mundial. A Igreja sobreviveu à sua morte e continua, por meio de seus escritos, a atrair continuamente novos membros que se veem refletidos na filosofia que ele chamou de Satanismo.

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Fonte: Anton Szandor LaVey, by Magus Peter H. Gilmore © 2003.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/a-historia-de-anton-szandor-lavey/