O Mito da Alma Gêmea

Rollo Tomasi

UMA-íte: Uma obsessão romântica doentia por uma única pessoa. Geralmente acompanhada de afeto não retribuído e idealização completamente irrealista da dita pessoa. UMA-íte é paralisia. Você deixa de amadurecer, você deixa de se mover, você deixa de ser você.

Não há A UMA. Este é o mito da alma gêmea. Há algumas mulheres boas e algumas mulheres ruins, mas não há A UMA. Qualquer pessoa que te diga o contrário está tentando te vender algo. Existem muitos “alguéns especiais” para você, é só perguntar à pessoa divorciada/viúva que se casou novamente depois que sua “alma gêmea” morreu ou seguiu em frente com outra pessoa que eles insistem ser sua verdadeira alma gêmea. É isso que atrai as pessoas sobre o mito da alma gêmea, é essa fantasia que todos nós pelo menos compartilhamos de alguma forma, uma idealização – que existe UM parceiro perfeito para cada um de nós, e assim que os planetas se alinharem e o destino seguir seu curso, saberemos que fomos “destinados” um ao outro.

Embora isso talvez seja uma boa trama pra uma comédia romântica, não é uma maneira realista de planejar sua vida. Na verdade, é geralmente paralisante. O que eu acho ainda mais fascinante é o quão comum a ideia é (e particularmente para os homens) de que uma visão geral da vida deva ser superada por essa fantasia na área das relações intersexuais.

Homens que de outra forma reconheceriam o valor em compreender psicologia, biologia, sociologia, evolução, negócios, engenharia, etc., homens com uma consciência concreta da interação em que vemos esses aspectos acontecerem diariamente em nossas vidas, são alguns dos primeiros a se voltarem violentamente contra a idéia de que talvez não exista “alguém para todos”, ou que há muito mais UMAs por aí que possa atender os critérios que inconscientemente definimos para elas serem a UMA.

Talvez isso soe niilista, ou esse temor de que talvez o investimento do ego nessa crença seja falso – é como dizer “Deus está morto” para os profundamente religiosos. É terrível demais imaginar que talvez não haja UMA, ou talvez existam várias UMAs com que passar suas vidas. Essa mitologia romantizada ocidental baseia-se na premissa de que existe apenas UM companheiro perfeito para cada indivíduo, e que uma vida inteira pode ser gasta na busca constante dessa “alma gêmea”. Tão forte e penetrante é esse mito em nossa consciência coletiva, que se tornou semelhante a uma declaração religiosa, e, de fato, foi integrada em muitas doutrinas religiosas, à medida que a feminização da cultura ocidental se espalha.

Acho que houve uma descaracterização da UMA-íte. É necessário diferenciar entre um relacionamento saudável baseado em afinidade e respeito mútuos e um relacionamento desequilibrado baseado em uma UMA-íte desigual. Mais do que alguns rapazes já buscaram meus conselhos, ou desafiaram minha opinião sobre o UMA-íte, essencialmente me pedindo permissão para aceitar a UMA-íte como monogamia legítima. “Mas Rollo, está tudo bem se um cara tiver UMA-íte pela sua esposa ou namorada. Afinal, ela é A UMA para ele, certo?”

Em minha opinião, A UMA-íte é uma dependência psicológica doentia que é o resultado direto da socialização contínua do mito da alma gêmea em nosso consciente coletivo. O que é verdadeiramente assustador é que a UMA-íte acabou sendo associada a um aspecto normativo saudável de um relacionamento de longo prazo (RLP) ou casamento. Eu chego à conclusão de que a UMA-íte é baseada em raízes sociológicas, não apenas por ser uma declaração de crença pessoal, mas pelo grau em que essa ideologia é disseminada e massificada na cultura popular através da mídia, música, literatura, cinema, etc.

Os serviços de namoro, como eHarmony, descaradamente vendem e exploram exatamente as inseguranças que essa dinâmica gera nas pessoas que buscam desesperadamente a UMA “para a qual foram destinadas”. A idéia de que os homens possuem uma capacidade natural de proteção, provisão e semi-monogamia tem mérito de ambos ponto de vista social e bio-psicológico, mas uma UMA-íte psicótica não é um subproduto dela. Em vez disso, eu a diferenciaria dessa dinâmica saudável de protetor/provedor, uma vez que ela essencialmente sabota o que nossas propensões naturais poderiam de outra forma filtrar.

UMA-íte é insegurança enlouquecida enquanto uma pessoa está solteira, e potencialmente paralisante quando associada ao objeto da UMA-íte em um RLP. O desespero neurótico que leva uma pessoa a se contentar com a sua UMA, seja de forma saudável ou não, é a mesma insegurança que o impossibilita abandonar um relacionamento prejudicial – “Este é o seu UM, e como eu poderia viver sem ele?” Ou “Ela é minha UMA, mas tudo que eu preciso é me consertar ou corrigi-la para ter meu relacionamento idealizado.”

*Essa idealização de um relacionamento está na raiz da UMA-íte. Com essa abordagem binária limitante, de tudo ou nada, dedicada a procurar uma agulha no palheiro e investir esforço emocional ao longo de toda a vida, como amadureceremos para uma compreensão saudável do que essa relação realmente deveria acarretar? O relacionamento idealizado – o “felizes para sempre” – que a crença em UMA promove como destino, é frustrado e contradito pelos custos da busca constante da UMA com a qual eles se contentarão. Depois que a maior parte da vida é investida nessa ideologia, quão mais difícil será chegar à conclusão de que a pessoa com quem ela está não é o seu UM? Até que ponto uma pessoa pode ir para proteger uma vida inteira baseada nesse investimento do ego?

Em algum momento de um relacionamento da UMA-íte, um participante estabelecerá a dominância, baseado na impotência que esta UMA-íte necessita. Não há maior agência para uma mulher do que saber, sem qualquer dúvida, que ela é a única fonte para a necessidade de sexo e intimidade de um homem, Uma mentalidade de UMA-íte apenas consolida isso na compreensão de ambas as partes.

Não há nada mais paralisante para o amadurecimento de um homem do que acreditar que o relacionamento emocional e psicologicamente prejudicial em que ele investiu seu ego é com a única pessoa em sua vida com a qual ele será compatível. O mesmo é verdade para as mulheres, e é por isso que balançamos a cabeça incrédulos quando vemos uma mulher excepcionalmente bonita ir atrás de seu namorado babaca, abusivo e indiferente, porque ela acredita que ele é o UM, e a única fonte de segurança disponível para ela. A hipergamia pode ser sua raiz imperativa para ficar com ele, mas é o mito da alma gêmea, o medo do “UM que escapuliu” que a faz ter esse investimento emocional, quase espiritual.

A definição de poder não é sucesso financeiro ou influência sobre os outros, mas o grau em que temos controle sobre nossas vidas. Adotar a mitologia da alma- gêmea exige que reconheçamos a impotência nesta parte de nossas vidas. Melhor seria, creio eu, promover uma compreensão saudável de que não há A UMA. Há algumas boas e há algumas más, mas não há a UMA.

Religião da alma gêmea

O que você acabou de ler foi um dos meus primeiros posts nos fóruns do SoSuave por volta de 2003-04. Eu estava terminando minha graduação e tive a Falácia do UM ilustrada graficamente para mim em uma aula de psicologia. Eu estava na sala de aula, cercado por (em sua maioria) estudantes muito mais jovens do que eu, todos muito astutos e tão intelectuais quanto poderiam ser por volta dos vinte e poucos anos. A certa altura, a discussão chegou à religião e grande parte da classe expressou ser agnóstico ou ateu, ou “espiritual, mas não religioso”. O raciocínio era claro, que a religião e a crença poderiam ser explicadas como construções psicológicas (medo da mortalidade) que foram expandidas para a dinâmica sociológica.

Mais tarde, nessa discussão, surgiu a ideia de uma “alma-gêmea”. O professor na verdade não usou a palavra “alma”, mas sim expressou a idaia pedindo para que levantassem as mãos os alunos da turma que acreditavam que “havia alguém especial para eles lá fora” ou se temiam ” O UM que escapuliu”. Quase a classe inteira levantou as mãos. Por todo o seu empirismo racional e apelos ao realismo em relação à espiritualidade, eles (quase) unanimamente expressaram uma crença quase kármica em se conectar com outra pessoa idealizada em um nível íntimo por toda a vida.

Mesmo os caras da Fraternidade e as garotas festeiras que eu sabia que não estavam procurando por nada a longo prazo em seus hábitos de namoro, ainda levantaram suas mãos em concordância com a crença em UM. Alguns mais tarde explicaram o que aquilo significava para eles, e a maioria tinha definições diferentes daquela idealização – alguns até admitiam ser uma idealização, à medida que a discussão progredia – mas quase todos ainda apresentavam o que de outra forma, seria chamado de crença irracional ou “predesrinação” ou, mesmo entre os menos espirituais, que é apenas parte da vida se juntar a alguém significativo e havia “alguém para todos”.

Essa discussão foi o catalisador para uma das minhas realizações ao despertar – apesar de todas as probabilidades, as pessoas em grande parte sentem-se intituladas, ou merecedoras de um amor importante em suas vidas. Estatística e pragmaticamente isso é ridículo, mas aí está. A ficção feminizada da Disney deste conceito central foi romantizada e comercializada ao ponto de se tornar uma religião, mesmo para os que não são expressamente religiosos. O anseio Shakespeareano pela UMA, a busca por outra alma (gêmea) destinada a ser nossa parceira foi sistematicamente distorcida de toda razão. E, como vou elaborar mais tarde, os homens chegam a tirar suas próprias vidas na ilusão de terem perdido sua alma gêmea.

Homens de alma-gêmea

Essa perversão do mito da alma-gêmea é atribuível a uma grande parte das convenções sociais feminizadas com que lidamos hoje. O medo do isolamento de nossa alma-gêmea imaginada, ou o medo de ter irremediavelmente perdido aquela “pessoa perfeita” para nós, alimenta muitas das neuroses pessoais e sociais que encontramos na matriz contemporânea de nossa sociedade. Por exemplo, muito do medo inerente ao Mito do Velho Solitário perde seu poder sem uma crença central no Mito da Alma-Gêmea. O medo da perda e os delírios da Equidade Relacional só importam realmente quando a pessoa que os homens acreditam que a eqüidade deve influenciar é a sua predestinada.

O imperativo feminino reconheceu o poder esmagador que o Mito da Alma-gêmea tinha sobre os homens (e mulheres) desde os primórdios de sua ascensão ao cargo de principal imperativo social de gênero. Praticamente todas as distorções da dinâmica da alma-gêmea evoluíram como um esquema de controle para os homens. Quando as mulheres que são almas-gêmeas são a principal recompensa para um homem necessitado de alma-gêmea, há muitas oportunidades para consolidar esse poder. Para ser claro, não pense que esta é uma trama diabólica de um cabal femi-centrado que socialmente cria esse medo de perder sua alma-gêmea nos homens. Gerações de homens, criados para não terem conhecimento disso, voluntariamente e ativamente ajudam a perpetuar o Mito da alma-gêmea.

Mulheres de Alma-gêmea

Embora a hipergamia desempenhe um papel importante na determinação do que torna uma alma gêmea idealizada para as mulheres, elas não estão imunes às explorações desse medo central. Mesmo que seja mais um subproduto infeliz do que uma manipulação direta, eu argumentaria que, de certa forma, a hipergamia intensifica essa neurose. Uma Viúva Alfa sabe muito bem o definhamento associado ao anseio pelo Alfa que escapuliu – particularmente quando ela já está unida a longo prazo com o prestativo provedor Beta depois que seu valor no mercado sexual (VMS) declina. Para as mulheres, a alma-gêmea representa essa combinação quase inatingível do excitante domínio Alpha combinado com um leal provimento para sua segurança de longo prazo que só ela pode domar nele.

A hipergamia odeia o princípio da alma gêmea, porque a alma gêmea é uma definição absoluta, enquanto a hipergamia deve sempre testar a perfeição. A hipergamia pergunta: “Ele é o UM? Ele é o UM? ” e o Mito da Alma-gêmea responde:“ Ele TEM de ser O UM, ele é sua alma gêmea, e existe SOMENTE um desses”.

Construindo o Mistério

Devido a este conceito central e à mitologia da alma-gêmea, ambos os sexos procurarão aperfeiçoar essa idealização para si mesmos – mesmo sob a menos ideal das condições e expressões. Queremos construir nossas relações íntimas nesse idealismo de alma- gêmea, a fim de aliviar o medo e resolver o problema, e na maioria das vezes com tanto afinco que podemos ignorar habilmente os avisos, abusos e conseqüências de tê-lo feito. Para as mulheres, o impacto do macho alfa mais significativo é o que define inicialmente essa idealização da alma gêmea. Para os homens, pode ser a primeira mulher com quem ele transa, ou a que melhor exemplifica uma mulher que ele (erroneamente) acredita que pode amá-lo em uma orientação de amor definida pelo homem.

No entanto, estes são os pontos de origem para construir esse ideal de alma gêmea. Este ideal é então composto com camadas de investimentos na esperança de que essa pessoa “possa realmente ser aquela que o destino lhes enviou”.   Investimentos emocionais, pessoais, financeiros, e até mesmo vitais e sacrifícios então surgem, em um esforço para criar uma alma-gêmea. Na ausência de um ideal, deve-se criá-lo a partir de recursos disponíveis.

Esse processo é o motivo pelo qual eu digo que o Mito da Alma-gêmea é ridículo – é psicologicamente muito mais pragmático construir outra pessoa para se encaixar nesse ideal do que jamais será “esperar que o destino siga seu curso”.  As pessoas que adotam o mito preferem construir uma alma-gêmea, as consequências que se danem. Assim, as mulheres tentarão construir um Beta melhor ou domar um Alfa, enquanto os homens tentarão transformar uma prostituta numa dona de casa, ou vice-versa.

Um dos sabores mais amargos de ter despertado para a verdade da pílula vermelha é trocar velhos paradigmas por novos. Eu já descrevi isso antes como semelhante a matar um velho amigo, e um amigo que precisa ser morto. Desativar-se desse medo central é vital para desconectar-se completamente do velho paradigma, porque muito do condicionamento social femi-centrado depende dele.

Abandonar o Mito da Alma-gêmea não é o niilismo que muitas pessoas querem que você acredite que é. Na verdade, isso te libertará para ter um relacionamento futuro melhor e mais saudável com alguém que é genuinamente importante para você – um relacionamento baseado em desejo verdadeiro, respeito mútuo, entendimento complementar um do outro e o amor ao invés de um baseado no medo de perder sua UMA e única representação de contentamento nesta vida. Em qualquer relacionamento, a pessoa com mais poder é aquela que menos precisa do outro.

Esta é a base de qualquer relacionamento, não apenas intersexual, mas também de família, negócios, etc. É uma dinâmica que está sempre em vigor. Para o meu próprio bem estar e o da minha família, preciso do meu empregador mais do que ele precisa de mim, por isso me levanto para ir ao trabalho de manhã e trabalho para ele. E enquanto eu também sou uma parte vital para a continuidade ininterrupta de sua empresa e esforços, ele simplesmente precisa de mim menos do que eu preciso dele. Eu poderia ganhar na loteria amanhã, ou ele pode decidir cortar meu pagamento ou limitar meus benefícios, ou eu posso completar meu Mestrado e decidir que posso fazer melhor do que me manter preso ao seu carrinho indefinidamente. Assim, através de alguma condição, seja iniciada por mim mesmo ou não, sou colocado em uma posição de precisar dele menos do que ele precisa de mim. Neste ponto, ele é forlado a decidir quanto eu valho em suas ambições e, ou se separa de mim, ou negocia um avanço em nosso relacionamento.

O mesmo se aplica às relações intersexuais. Se você deseja basear seu relacionamento em “poder” ou não, não é o problema; isso já está em jogo desde o seu primeiro ponto de atração. Você é aceitável para ela por cumprir qualquer número de critérios e ela também atende aos seus. Se este não fosse o caso, você simplesmente não iniciaria um relacionamento mútuo.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/o-mito-da-alma-gemea/

As Origens do Tarô

Tudo começou com o livro Tarô dos Boêmios (Paris, 1889) que seguramente é o primeiro na história do Tarot a abordar os arcanos, tanto sob a ótica da metafísica cabalística quanto dos jogos adivinhatórios numa única obra, pois os outros autores de sua época ou se reportavam a um ou a outro. O livro em questão foi escrito pelo médico espanhol, radicado na França, Gérard Anaclet Vincent Encausse (1865-1917), conhecido como Papus. Encontrei, com suas próprias palavras, toda sua vaidade e arrogância espiritual explicitada nas páginas 273/275 e depois no final da 309 da edição brasileira. Resumindo o conteúdo: Papus dizia que as mulheres eram todas burras o suficiente para não entenderem sua obra cheia de números, letras hebraicas e deduções abstratas, que pertencia aos homens da ciência, mas como era tradição delas jogarem cartas, ele escreveria algumas páginas para não se aborrecerem; esclarece às ignorantes leitoras que o homem tem a razão e a mulher a intuição. Pensei – Homens não jogavam cartas!? Por que ele exultou a cabala e desdenhou a cartomancia?

Tal fato foi uma luz no fim do túnel para começar o que desejava: entender um pouco do passado do Tarot. Como um detetive segui os passos de Papus para entender seu chovenismo; observei a bibliografia do Tarot dos Boêmios e percebi que de consistente e lógico sobre o estudo das cartas de Tarot, ele citava os autores de sua época até, no máximo, um século antes, precisamente, até 1775 sobre as idéias de Antoine Court de Gebelin. Comecei a ler algumas obras possíveis: Etteila (1787), Claude de Saint Martin (1790), Saint Yves d’Alveydre (1830), J.A.Vaillant (1850), Eliphas Lévi (1854), Estanislau Guaita (1886), Mac Gregor Mathers (1888), Piobb (1890), mas não cheguei a lugar nenhum porque observei que todos citavam uns aos outros e todos tinham como ponto de apoio Gebelin e Lévi. Até ai nenhuma novidade, pois todos os estudantes de Tarot já ouviram falar que eles escreveram uma vasta literatura sobre as origens do Tarot. Bem, então o melhor era começar pelo mais antigo.

Ao pesquisar Antoine Court de Gebelin (1725-1784) fiquei estarrecido com a descoberta que foi negligenciada, não sei se proposital, por ingenuidade ou falta de maiores informações dos ditos mestres ocultistas do século 19. Gebelin era filho do famoso pastor evangélico francês Antonie Court (1695-1760) que restaurou a Igreja reformada na França, fundou um importante seminário para a formação de pastores evangélicos, sendo um grande historiador de sua época. Gebelin seguiu os passos do pai, tornando-se um pastor e mais tarde, também influenciado pelo pai, interessou-se por mitologia, história e lingüística. Embora alguns livros o citem como ocultista, talvez, devido a sua obra sobre o Tarot, em sua biografia não encontrei qualquer referência a este respeito; em todo caso é mister esclarecer que ele não teve uma vida dedicada ao esoterismo. Tinha uma obsessão junto com o pai: descobrirem a língua primeva que dera origem a todas as outras e/ou explicaria as várias mitologias conhecidas; também acreditavam que esta língua seriam símbolos, talvez os hieróglifos egípcios.

Certo dia, como ele mesmo diz em sua obra (Le Mond Primitif…), inclusive citado no Tarot do Boêmios, página 231, foi convidado a conhecer um jogo de cartas que desconhecia e em menos de quinze minutos declarou ser um livro egípcio salvo das chamas, explicando, imediatamente, aos presentes, todas as alegorias das cartas. Escreveu, em sua obra, uma retórica do Tarot como sendo a chave dos símbolos da língua primeva e da mitologia; fez uma relação dos arcanos com as letras egípcias e hebraicas e, revelou que a tradução egípcia da palavra “tarot” é “tar” = caminho, estrada e “ot” = rei, real. Para tornar suas teorias pessoais mais contundentes, lançou mão de seu conhecimento em história, abordando a trajetória do Tarot (Tarot dos Boêmios, página 229 e 233), disse que ninguém antes dele desconfiou de sua ilustre origem porque as imagens eram muito comuns e por isso nenhum cientista dignou-se a estudá-las; também revelou que durante os primeiros séculos da Igreja os egípcios, que estavam muito próximos dos romanos (Era Copta, conversão absoluta do Egito ao Cristianismo – 313 a 631 d.C.), ensinaram-lhes o culto de Ísis e os jogos de cartas de seu cerimonial; assim, o jogo de Tarot ficou limitado à Itália e Alemanha (Santo Império Romano); posteriormente, chegou ao sul da França (Provença, Avignon, Marselha) e, ainda desconhecido, no norte (Paris, Lion).

A primeira vez que li sobre essa história, não atentei ao fato de que numa simples olhadela Gebelin descobre ser o Tarot um livro egípcio, que fora ensinado aos romanos pelos próprios egípcios e que ninguém antes dele sabia a respeito – se aceitarmos esta tese como verdadeira, como é possível os romanos (católicos) aprenderem uma devoção (culto de Ísis) considerada pagã aos moldes da época, passando de geração a geração durante mais de 1.500 anos (de 313 a 1775), incólume pela própria Santa Inquisição (1230/1834), sendo disseminada nas regiões que ele cita e absolutamente ninguém escreve ou fala nada a respeito de sua origem egípcia? Então, onde estaria a tradição egípcia do Tarot tão exultada pelos seus conterrâneos posteriores? No período por ele citado, a Itália teve renomados ocultistas, alquimistas, astrólogos, magistas, historiadores, filósofos, arqueólogos, enciclopedistas, todos formadores de opinião e de grande saber – o hermetismo, a gnose e a cabala eram amplamente disseminados -, e Gebelin chama-os de incapazes de observar o que ele, em sua enorme sapiência evangélica, descobriu literalmente em quinze minutos! Observe que Gebelin NÃO descobriu tal fato (a origem egípcia do Tarot) em algum livro perdido no tempo, em algum documento antigo, em alguma ordem esotérica ou revelado por alguma entidade espiritual! Então, tudo o que falamos a respeito da origem egípcia do Tarot surgiu numa simples visita a uma cartomante, numa tarde de sábado, que nem ela e nem a Europa sabiam nada a respeito? Eu me questionava.

Gebelin ficou rico e famoso com suas obras e, a partir de então, o Tarot se tornou uma febre parisiense, todos queriam aprender o jogo egípcio; as ciganas que eram considerados, na época, de origem egípcia, embarcaram na onda e começaram a ler cartas! Ele publicou um Tarot junto com sua obra, mas não se tem notícias de que tenha jogado ou ensinado, pois não se preocupou com jogos ou métodos em seu livro, somente com o Tarot enquanto revelação da escrita egípcia e com os símbolos das cartas como sendo a chave da mitologia. Bem, Gebelin sempre fora uma pessoa respeitada muito antes de falar sobre as origens do Tarot, era filho de um famoso pastor evangélico, historiador reconhecido e amigo pessoal de Benjamim Franklin (!). Com certeza merecia créditos; eu daria, se vivesse naquela época. Tenho que esclarecer mais um fato: Gebelin não escreveu Le Mond Primitif… para o ocultismo, foi em função de sua vaidade em buscar a mesma fama de seu pai que toda a sua obra é voltada em esclarecer a mitologia egípcia e romana e não propriamente o Tarot; embora os ocultistas o citem como tal depois de sua morte, ele era acima de tudo um evangélico! Suas obras e idéias percorreram o mundo da ciência, todos os arqueólogos queriam falar com ele, pois era uma febre francesa descobrir as chaves dos hieróglifos egípcios. Nenhum ocultista esteve com ele ou o citou em alguma obra até alguns anos após sua morte; somente uma pessoa que se tem notícia o procurou em vida para conversar sobre a origem egípcia e fins adivinhatórios: o francês Etteila, anagrama de seu verdadeiro nome Aliette.

Não encontrei muitas referências sobre a vida de Etteila, nome completo ou datas pessoais, além do que está exposto nas obras dos ocultistas do século 19; diziam que ele era um peruqueiro da corte francesa, professor de álgebra, amigo íntimo de Mlle Lenormand (famosa cartomante de Napoleão) e de Julia Orsini (outra famosa cartomante francesa) – não se tem notícias de que tivesse pertencido a alguma ordem ou fraternidade oculta; em todas as suas referências é tido como charlatão. Lévi e Papus revelam que ele se apropriou para benefício próprio das idéias da origem egípcia, da relação das letras hebraicas e egípcias feitas por Gebelin, criando seu próprio Tarot corrigido, compilando as obras de suas amigas, escrevendo onze livros. Instalou-se num dos mais luxuosos hotéis de Paris, Hotel de Crillon, e começou a atender e ensinar a nata parisiense! Voilá, cherry! Gebelin e Etteila devem ter falecido ricos e felizes; um sob a visão da fama científica e o outro do misticismo.

Vamos sair do contexto ocultista e voltar aos historiadores e arqueólogos que devem ter acreditado na figura respeitada, aos olhos parisienses, de Antoine Court de Gebelin, até que Jean-François Champollion (1790-1832) decifrasse os hieróglifos através da Pedra de Roseta. Champollion publicou em 1822 a relação legítima do alfabeto egípcio e seus fonemas; este trabalho lhe rendeu o disputado cargo de curador do departamento egípcio do Museu do Louvre, em Paris, em 1826. Após sua morte, foi publicado, em 1835, seu mais precioso trabalho onde revela toda a gramática e literatura egípcia jamais revelada em toda a história desde o seu desaparecimento na Era Copta. Descobre-se que tudo o que Gebelin escrevera a respeito do Tarot como língua primeva e codificação dos hieróglifos egípcios estava errado, em nada se sustentava perante as verdadeiras revelações da história do Egito – não existe a palavra tarot na língua egípcia (!), muito menos o que supostamente Gebelin disse ter traduzido (!); também, tudo o que ele decifrara de alguns hieróglifos estava absolutamente errado (!) – esta é a parte negligenciada pelos ocultistas, bem como a forma inconsistente da revelação de que precisou de quinze minutos para descobrir a própria origem das cartas de Tarot – Porque? Eu me perguntava frequentemente.

As respostas começaram a surgir quando reli as obras de Eliphas Lévi (1810-1875), pseudônimo de Alphonse Louis Constant, tido como padre por se instalar por algum tempo na ordem franciscana, em Paris, para ter acesso à vasta biblioteca sobre a cabala cristã, mas não era um padre oficializado na Igreja Católica Apostólica Romana, como se pressupõe – a roupa faz o monge, já diz o ditado popular. Um fato incontestável foi que Gebelin e Etteila mexeram com o imaginário popular e, consequentemente, dos esotéricos, pois fica muito claro nas obras de todos os ocultistas do final do século 18 e início do 19 que no âmbito tradicional do universo das ciências ocultas nunca se analisou ou questionou o Tarot – são palavras do próprio Gebelin e de todos posteriores a ele, sem exceção; este é sem dúvida um dos dados mais importantes a serem analisados no que tange à tão exultada expressão “tradição do Tarot”, pois tradição não é algo que se extingue e depois reparece.

Lévi, em seu primeiro livro (1854), Dogma e Ritual, páginas 405 a 421, e no segundo, História da Magia, páginas 76 e 242 a 252, execra as obras e a conduta de Etteila, contesta a origem egípcia de Gebelin e repudia a palavra tar=caminho e ot=real. Vai mais além, introduz o conceito de que Moisés escondeu nos símbolos do Tarot a verdadeira cabala e depois ensinou aos egípcios o jogo de carta; também, pela primeira vez, um ocultista, em toda a história da magia, faz uma acalentada tese de associações das letras hebraicas com os arcanos e diz que a palavra tarot é análoga a palavra sagrada IHVH ( h w h y ), sendo também uma variação das palavras Rota / Ot-tara / Hathor / Ator / Tora / Astaroth / Tika. Assim como no livro de Papus, numa segunda leitura, também encontrei críticas às mulheres na obra de Lévi, um pouco mais cruéis eu diria – desdenha Mlle Lenormand chamando-a de gorda, feia, ininteligível e louca, e duas outras cartomantes, Madame Bouche e Krudener, de prostitutas (coquetes ou Salomé à época) – História da Magia, paginas 346 e 347. Reparei que tanto Lévi quanto Papus condenavam as práticas femininas de cartomancia, achavam que elas usurpavam o poder do homem na ciência oculta… Indagava-me, por quê?

Bem, encontrei duas passagens em seu livro História da Magia, páginas 78 e 251, e uma no Dogma e Ritual, página 420, que me deixaram muito intrigado; pareceu-me que ele sabia da verdade sobre o passado do Tarot, mas não sei se foi por ingenuidade ou se proposital, preferiu não dar importância. Primeiro, ele diz que o Tarot mais antigo que se conhece é o Tarot de Gringonneur (1392) e que a Biblioteca Imperial tem uma vasta coleção de todas as épocas; segundo, ele contesta a origem dos ciganos revelada na obra de J.A.Vaillant – Les Rômes, historie vraie des vrais Bohémiens, 1853; a mesma obra que Papus faria sua apologia do Tarot mais tarde -; Vaillant diz que os ciganos eram egípcios e entraram na Europa no início do século 15, chegando à Paris em agosto de 1427; e Levi diz que ele estava errado pois os ciganos são originários da Índia, fato revelado historicamente à época. Temos três verdades absolutas: os ciganos são indianos, entraram no início do século 15, depois do surgimento do Tarot no fim do século 14. Surgem minhas questões: por que Lévi não questionou o porquê de tanto tempo sem que nenhum renomado ocultista falasse a respeito, visto que as cartas eram amplamente conhecidas? Por que Papus insistiu na idéia de que os ciganos eram egípcios, se já era de conhecimento publico sua origem indiana? Por que todos sustentaram a história egípcia de Gebelin, tanto na tradução da palavra Tarot quanto em sua origem, visto que, com a descoberta de Champollion, nada se descobriu em pergaminhos e papiros que as amparassem?

Antes de continuar é importante salientar que TODOS os conceitos que Lévi descreve sobre o Tarot NÃO são dele, pois Gebelin já havia feito a equiparação das letras hebraicas e o ocultista Claude de Saint Martin (1743-1803) publicou em 1792, na obra Table Natural du Rapports…, o restante que Lévi descreve para o Tarot; se você tiver paciência irá reparar em todos os escritos de Lévi que Saint Martin é constantemente citado. Outro dado impressionante, que também não havia percebido na primeira vez, é que absolutamente tudo o que Lévi e Papus escrevem sobre a cabala e os sistemas ritualísticos, podem ser encontrados nos seguintes livros da mesma época: Magus de Frances Barret (1801), A língua hebraica restituída de Fabre D`Olivet (1825) e A ciência cabalística de Lenan (1825). Vamos observar que da mesma forma que Gebelin, Lévi não se baseou em nenhum escrito antigo, lenda ou fraternidade oculta para estabelecer sua relação entre a cabala e o Tarot, foi a partir das idéias do próprio Gebelin e Saint Martin. Portanto, assim como Gebelin inventou a história egípcia, Lévi inventou a história hebraica, pois não há registros de nenhum ocultista – cabalista, magista, alquimista, gnóstico, hermetista – fraternidade ou ordem mística que tenha comentado, escrito ou usado o Tarot antes das obras deles. Para se entender o passado do Tarot ou o que escreveram sobre ele é mister observar os dados históricos; a crença e o misticismo pessoal, neste caso, somente levará à equívocos e discussões inúteis.

Contudo, verdade seja dita sobre as obras de Éliphas Lévi com relação aos textos de magia, cabala e filosofia: são perfeitos e maravilhosos; o que estou manifestando é a relação histórica do Tarot e a forma que entrou no ocultismo. A esta altura já tinha uma noção bem razoável que nem Gebelin e nem Lévi possuíam, ou seja, nada que sustentasse de forma verossímil o passado do Tarot como encontramos nas outras ciências: alquimia, hermetismo, astrologia, numerologia, i ching, magia, cabala. Está absolutamente claro o círculo vicioso de informações, um compilando do outro; talvez eles estivessem disputando quem seria o “pai da criança”. Mas tudo tem seu lado positivo, o interesse dos ocultistas pelo Tarot cresceu e, cada um ao seu modo contribuiu para a exploração inesgotável dos arcanos. Tudo é válido no âmbito de sua exploração simbólica, mas a consciência de seu surgimento é um passo importante para o seu futuro.

Eliphas Levi, por ter uma linguagem metafísica muito eloqüente e por sua dissertação dos conceitos cabalísticos em associação ao Tarot, chamou a atenção dos ocultistas ingleses, principalmente, Mac Gregor Mathers (1854-1918). Mac Gregor adota o sistema cabalístico de Lévi, mas faz correções segundo seu entendimento pessoal para aplicar, pela primeira vez na história da magia, o Tarot como forma de meditação e monografia para atingir os degraus de uma ordem esotérica: a Golden Dawn, 1888; esta fraternidade mudaria por completo a visão do Tarot no mundo (!) através de seus dissidentes no início do século 20 – Arthur Waite, Carl Zain, Israel Regardie, Aliester Crowley. No mesmo ano da fundação dessa ordem, ele lança um livro, The Tarot, its occult signification, com base no trabalho de Lévi, Guaita, Etteila, Gebelin, acrescentando correções que achou necessárias sobre a relação da cabala com o Tarot.

Voltemos a Papus – depois de estudar os autores citados até o momento, reli o Tarot dos Boêmios (já era a quinta vez!) e finalmente descobri que o livro é uma fonte arqueológica do Tarot! Tudo está absolutamente lá, só não vê quem não quer! Em cada título de seu livro há subtítulos se referindo a todos os demais. Dentre as obras de Tarot que ele possuía em sua biblioteca, Gebelin era o autor mais antigo e Mac Gregor o mais atual em sua época! Então, vamos observar a principal cadeia viciosa sobre as origens do Tarot: Gebelin (1775) – Etteila (1783) – Saint Martin (1792) – Vaillant (1853) – Lévi (1854) – Christian (1854) – d´Alveydre (1884) – Guaita (1886) – Mathers (1888) – Barlet (1889) – Papus (1889) e ponto final! Um se baseou no outro, cada qual colocou sua teoria, fez suas próprias correções e ninguém questionou nada – ingenuidade, manipulação, arrogância, vaidade, eloquência? Não saberia responder. A verdade dói, em mim também doeu. Eles tatearam no escuro para falarem sobre o Tarot; uma realidade bem cruel é que eles não sabiam absolutamente nada sobre o Tarot e suas origens, mas uma coisa eu achei interessante: por mais que fizessem a retórica cabalística e a verborréia para provar seus pontos de vistas, as explicações práticas sobre os jogos do Tarot terminavam nas cartilhas de Etteila e das cartomantes. Por que? Eu continuava a me indagar. Sinceramente, independente das falhas históricas grotescas que estou questionando em suas obras, eu os indicaria como os patronos do Tarot – Gebelin, Etteila, Lévi, Mac Gregor e Papus; foi graças a estes cinco personagens que o Tarot é o que é atualmente.

A esta altura, sentia-me como um órfão, abandonado de pai e mãe! Eu estava quase jogando para o alto minhas convicções de que o Tarot era sagrado, intocável pelo tempo, guardado a sete chaves por homens eruditos e que escondia toda ciência antiga; mas eu podia estar errado, eu queria acreditar em seu aspecto intocável pela profanidade! A forma como chegou a pseudo história egípcia, cigana ou hebraica do Tarot aos nossos ouvidos eu já havia descoberto: a idéia de Antonie Court de Gebelin foi ampliada por Etteila, Lévi e Mac Gregor; Papus fez uma amalgama de todos; chegou ao século 20 através das mãos dos dissidentes da Golden Dawn, que mantiveram as mesmas histórias, também acrescentando outras, todos corrigindo as imagens do Tarot, todos querendo os louros da vitória, e assim por diante… Mas e antes? Estaria, o Tarot, numa arca sagrada aos pés dos guardiões da verdade? Sendo escondido, noite após noite, do famigerado Santo Ofício?…

Durante anos bisbilhotei várias obras, referências históricas, museus, bibliotecas – tudo está detalhado em meu livro -, fiz uma mapa do tempo de tudo o que havia sobre o Tarot. Confesso que ri muito quando comecei a ver os verdadeiros fatos. É uma pena o século 19 ter sido desprovido do telefone, fax, computador, e-mail, internet, avião, pois não estaríamos dois séculos atrasados nos estudos do Tarot, inventando histórias e distorcendo a potencialidade do uso dos arcanos! Os dados históricos destronam qualquer idéia mais romântica a respeito do Tarot, mas em nada invalidam seu potencial; para continuar este manifesto do futuro do Tarot, vamos separar o que é o Tarot do que querem que o Tarot seja!

Minhas convicções sobre a “tradição” do Tarot começaram a ruir quando eu descobri que entre 1583 e 1811 na Espanha, e entre 1769 e 1832 em Portugal, houve estatais na produção de cartas de Tarot, produziam em média 250.000 pacotes por mês para consumo interno e envio para suas colônias ao redor do mundo! Para jogar adivinhação com o Tarot!? Não, para jogos lúdicos! Sim, o Tarot é usado até os dias atuais na Europa como uma jogatina, principalmente, na França, onde há campeonatos anuais; eu mesmo, já tive a oportunidade de observar um em 1998, em Avignon. O ofício de artesão de Tarot era uma profissão (!) em toda a Europa desde 1455 até o fim do século 19! As cartas pintadas à mão (valiosíssimas) constavam do espólio de famílias nobres, com clérigos! O Tarot teve altas tributações ficais em todos os países desde o século 16 até o início do século 20 – uma particularidade que achei fantástica (para acabar de vez com meu misticismo com o Tarot) foi que em 1751, o rei da França, Luiz XV, ordenou que todas as taxas provenientes do Tarot de todo território fosse para o fundo monetário da Academia Militar! E mais: os primeiros registros oficiais de cartomancia datam por volta de 1540 !!!!!

– Meu Deus!… Onde estava a Santa Inquisição que todos dizem ter persiguido o Tarot? Dormindo? O arcano 15, O Diabo, que possivelmente condenaria o Tarot aos olhos da Igreja, sempre esteve presente em todas as mesas da Europa, desde as primeiras cartas que se tem notícia no final do século 14 até os dias atuais! Como as cartomantes passaram incólumes pela fogueira? Por que Gebelin disse desconhecer as cartas de Tarot se havia alta produção de cartas em Paris e por toda Europa? Por que nenhum ocultista renomado da Europa anterior a Gebelin nunca prestou atenção na cartomancia ou nos símbolos das cartas? Por que??? Por que o Tarot não fazia parte do círculo ocultista?

Por fim soube que o Tarot não se chamava Tarot (!) e nem as cartas se chamavam de arcanos (!). – Onde está a tão exultada tradição milenar dita por Lévi e Papus sobre o nome “Tarot”? Foi a última coisa que me lembro perguntar sobre o passado do Tarot, antes de aterrissar meus pés no chão e ver que o Tarot ainda é um bebê se comparado à astrologia, numerologia, cabala, sem nenhum passado extraordinário… Os primeiros registros datam por volta de 1370/90, o que denominamos de Tarot era chamado de Ludus Cartarum (cartas lúdicas) ou Naibis; depois, por volta de 1440/1500, passou a se chamar Trunfos (mais usual à epoca), Tarocco ou Tarochino; por volta de 1550/1600 de Trunfos do Tarocco na Itália e Trunfos do Tarot na França, também outras variações chamadas de Minchiatte ou Florentino; somente por volta de 1850/1900 surge o termo Arcano do Tarot; e no século 20 cada país passa a nacionalizar a palavra: Tarocco (Itália); Taroc (países germânicos); Tarok (leste europeu); Tarot (língua portuguesa) e Tarot (na maioria dos países). Observe os espaços de datas, não são meses, são em média de um século. Imagine seu eu lhe dissesse que você iria casar daqui a cem anos? Sim, esse é o tempo de uma nominação para outra! Uma média de um século! Cadê a tradição? Onde está a base histórica de Gebelin e de todos os outros que o seguiram? A palavra “tarot” surge na França por volta de 1590/95 nos estatutos da Associação de Fabricantes de Cartas Parisienses!

As descobertas subsequentes não me aborreceram mais, muito pelo contrário: comecei a vibrar por ter certeza de que absolutamente ninguém sabe nada além do que está escrito (de certo ou errado) nos livros! Não tive nenhum trauma quando procurei referências dos grandes ocultistas renomados, formadores de opiniões, cátedras das ciências ocultas, e não encontrei nada que tivessem dito sobre o Tarot ou algo que se assemelhasse a ele. Para dizer a verdade, encontrei somente um único ocultista sem grande expressão que fez uma referência aos quatro elementos em relação ao Tarot – Guilleume de Postel (1510-1581) -, mas ninguém deu ouvidos a sua teoria até Lévi e Papus fazerem sua apologia do passado longínquo do Tarot e citá-lo como destaque. Em 400 anos de existência do Tarot, desde os primeiros registros oficiais até a história egípcia de Gebelin (~1370/~1770), somente uma única pessoa fez referências esotéricas!? Este fato corrobora ainda mais o desinteresse pela classe ocultista dos séculos 14 ao 18 pelo Tarot e sua cartomancia.

Porém, encontrei algo surpreendente fora dos círculos esotéricos sobre as cartas do Tarot: crônicas questionando o que seriam aquelas imagens enigmáticas, poesias líricas, óperas, romances, murais, quadros, uma vasta expressão artística a partir do século 15; assim, as cartas do Tarot estavam inseridas no contexto social, sendo conhecidas por todos! Repito: um fato muito curioso é que as cartilhas sobre a taromancia começaram a surgir por volta de 1530-50 e o Tarot começou a ser visto também como algo para predizer a sorte e o futuro. Por que nenhum renomado ocultista sequer comentou sobre isso – Basílio Valentin (1398-1450), Picco della Mirandola (1463-1494), Paracelso (1493-1541), Cornelius Agrippa (1486-1535), John Dee (1527-1608) -, principalmente, Robert Fludd (1574-1637) e Jacob Boehme (1575-1624) que resumiram todos os oráculos de sua época? Os aspectos de jogos lúdicos e adivinhatórios andaram lado a lado e, estes, paralelos com a astrologia, numerologia, cabala, mitologia, hermetismo, alquimia, magia até se juntarem nas obras de Gebelin, Levi. Mac Gregor e Papus. Outro dado curioso que percebi: somente mulheres jogavam o Tarot (ditas cartomantes)!… Comecei a pensar sobre a sociedade até o final do século 19 – era patriarcal e misógina! Será que houve uma descrença no sistema de cartas por causa do contexto feminino? Ou será que pelo fato do Tarot expressar símbolos comuns de sua época não teria nenhum valor ocultista? Neste caso, eu acredito que foram ambos os fatores!

Lembram como comecei minha pesquisa que durou dez anos (1987/97)? Sim, voltemos ao cavalo de Tróia: Gebelin, Lévi e Papus; eles me forneceram as peças de todo o quebra-cabeça. A partir da bizarra história egípcia sobre o Tarot criada por Gebelin, os ocultistas viram uma possibilidade de abarcarem as técnicas de cartomancia, sem caírem no ridículo de usarem “uma arte feminina nos vôos da imaginação”, como disse Papus, ou usaram a arte das “loucas e coquetes”, segundo Lévi. Como? Fizeram uma retórica metafísica impossível delas compreenderem – se reparar na história do ocultismo, da magia, da cabala e da alquimia observará que não há uma única mulher (eram todas consideradas bruxas, ignorantes e maldosas!) que anteceda a Helena Blavatsky (1831-1891)! Ela foi muito “macho” em peitar todos os ocultistas eruditos. Assim, não foi difícil começarem a estudar uma arte feminina, que estava ao lado de todos eles por tantos séculos, mas que nunca ousaram tocar por puro preconceito machista. Os homens (ocultistas eruditos ou não) sempre tiveram a mulher como burra e incapaz, um ser inferior; como eles iriam admitir que o poder feminino descobriria uma arte oracular que somente pertenciam às sábias mentes masculinas?

Afinal, nada melhor do que a imaginação e a intuição feminina para descobrir o significado simbólico das cartas ao invés da razão e da lógica dos eruditos que necessitavam de fórmulas complicadas para tudo. Para mim ficou muito claro o porquê da ausência do estudo do Tarot entre os renomados ocultistas até o século 18 e, principalmente, o porquê de tanto escárnio nas obras de Lévi e Papus sobre as cartomantes ou, no caso de Etteila, um homem que se atreveu a jogar cartas como elas, denegrindo a imagem do “macho esotérico que conjura demônios”… Coisas do século passado… Hoje, homens e mulheres jogam o Tarot; mas você deve ter percebido que ainda temos uma resistência em aceitar os jogos adivinhatórios e tentamos sempre lucubrá-lo com a mais alta metafísica – talvez seja o ranço herdado das obras de Levi, Papus, Mac Gregor e seus dissidentes.

Vamos falar a verdade? Não conheço um só estudante de Tarot, em qualquer lugar do mundo, que se diga “cabalista da tradição em busca do sagrado”, ou que diga “o Tarot é uma arte do autoconhecimento”, que não esteja diariamente se profanando, jogando o Tarot, querendo saber dos acontecimentos e das causas! Vamos ser honestos? No fundo todos querem aprender a abrir o Tarot como qualquer cartomante antiga! Pode falar que é orientação, autoconhecimento, espiritualidade, tradição, não importa, no fundo terminamos onde Etteila começou; aliás, aperfeiçoamos primorosamente as suas cartilhas e de todas as cartomantes! Assim como os ocultistas do século 19, também estamos nos escondendo atrás dos estudos da cabala, mitologia, astrologia, psicologia, para encontrarmos a dignidade e o direito de jogarmos cartas! Estaremos nos enganando, complicando uma arte que poderia ser simples?

Embora o Tarot fosse conhecido e utilizado há séculos na Itália, Alemanha, Suíça, Espanha e França, foi precisamente em Paris que ele criou sua própria luz espiritual, tanto no surgimento de seu nome (tarot), quanto em sua centrifugação com o ocultismo; observe que todos os autores que descrevemos são franceses e publicaram suas obras na Cidade Luz. Bem, no início do século 20, principalmente, depois da 1º Guerra Mundial, tudo mudou para a imagem feminina: elas conquistaram o direito de trabalhar, de votar, de viver sozinha, escolher sua família e, finalmente, começaram a desenhar o Tarot… ôps, esqueci de dizer, somente homens podiam ser artesãos de Tarot até o início do século 20. A primeira mulher a pintar um Tarot foi Pamela Smith que desenhou o Rider-Waite Tarot, publicado em 1910… Hoje elas tomam seu lugar glorioso no pódio das sibilas e pitonisas parisienses, italianas, americanas, espanholas, brasileiras… Avante mulheres tomem as rédeas do Tarot: ele pertence a vocês – agora posso usar a palavra – por tradição!

Quem sabe, talvez, se tivéssemos a humildade e a dignidade de admitir que o Tarot opera perfeitamente no mundo oracular e divino, mas não existe todo esse passado magnífico, mágico e tradicional que nos imputam ou em que queremos acreditar; ou ainda melhor, aceitar uma verdade tão clara e evidente: ele é um oráculo recente, jovem, aberto à exploração, ávido por uma estruturação, que nasceu há poucos séculos e depende de nós preservá-lo, estudá-lo, tomando o devido cuidado em não deformar seus símbolos por puro egocentrismo e perder essa arte maravilhosa, esse alfabeto mágico, que casualmente foi descoberto! Também por quem foi descoberto não saberemos, como não saberemos nada além do que existe de real e concreto a respeito dele; se os verdadeiros homens eruditos que se debruçavam na maravilhosa arte alquímica e hermética ou de toda espécie de filosofia oculta não sabiam, ou não procuraram saber e investigar as cartas do Tarot, nós que perdemos o elo simbólico e a visão filosófico-espiritual do mundo iremos descobrir? Nós que nos baseamos em todo o manancial de cultura simbólica desses eruditos medievais e renascentistas, que não revelaram nada, iremos desvendar? A resposta é um sonoro NÃO; o restante será apenas conjecturas insólitas e inverossímeis. O Tarot é como uma criança que precisa ser alimentada e educada, senão poderá se perder durante sua vida com tantos Tarots corrigidos que surgem e tantas informações desencontradas.

Em todo caso é compreensível o fato dos antigos ocultistas não aceitarem o Tarot no âmbito esotérico, não pelo seu aspecto de pertencer às mulheres, mas pela falta de conhecimento do conceito de “arquétipo” – padrão de comportamento que é intrínseco na vida humana, desenvolvido na metade do século 20! Hoje observamos o símbolo e não propriamente a imagem desenhada, tentamos nos transportar além de sua figura para atingir um sentido de significações. Assim, o Tarot se tornou um conjunto de modelo comportamental humano, adapta-se a qualquer sistema que se queira trabalhar ou estudar. Talvez algum iluminado, um sábio ocultista, realmente o tenha criado, pois sua estrutura não deixa dúvidas de que há elementos bem significativos de toda ciência oculta, porém acredito que não tenha sido inventado para a finalidade que utilizamos atualmente… Coisas do destino… Também observe que se aceitarmos a associação do Tarot-cabala que Levi desenvolveu, o sistema desenvolvido por Mac Gregor ou Waite estarão errados; se aceitarmos o sistema cabalístico de Crowley, o de Mac Gregor, Waite e Levi estarão errados; se aceitarmos o de Mac Gregor e Waite, o de Levi e Crowley, também, estarão errados – o mesmo ocorre com os trabalhos de Juliet S.Burk (mitologia grega), Clive Barret (mitologia nórdica), Falconnier (mitologia egípica), Anna Franklin (mitologia céltica), que se negam um ao outro em analogias! -. Quem está com a razão? Todos! Qualquer sistema se adapta ao Tarot porque ele é um conjunto arquetípico! Isto é que faz o Tarot tão rico em sua expressão e, talvez, confuso à primeira vista.

Tenho lutado para que todos desenvolvam uma elaboração estrutural do Tarot, sem ego pessoal ou assimilação de outras doutrinas, que escrevam ou conceituam mais do que apenas desenhar “seu próprio Tarot”, porque fica evidente sua deformação simbólica à medida que todos querem ter a “revelação mágica dos símbolos”; mas para tal, não podemos nos negar nada, nem que seja o absurdo de começarmos do nada, de inutilizarmos tudo, fazermos uma deliciosa fogueira exorcizando todo devaneio romântico do que foi aprendido sobre os arcanos e recomeçarmos fortes, verdadeiros, rumo a análises confiáveis e livres de dogmas pessoais. Se não partirmos da premissa básica que é o reconhecimento de seu verdadeiro passado, seja ele bom ou mau, mundano ou divino, falso ou real, lazer ou oracular, não será possível termos certeza do que temos nas mãos, nem a convicção do que poderemos fazer com o Tarot. Sei que formulei mais questionamentos, deixei muito mais perguntas do que evidenciei respostas. Também vamos ser práticos, as respostas do passado não existem, somente as do futuro: como vamos estruturar e conceituar definitivamente seus arcanos e, assim, garantir a continuidade do Tarot para futuras gerações?

Notas Importantes

1) Desenhe o Tarot que desejar, expresse sua criatividade, mas nunca deforme sua fonte original simbólica, nominativa, quantitativa e os atributos essenciais de cada carta;

2) Ao consultar tarot escreva e associe o Tarot com qualquer coisa em nosso universo, mas nunca se esqueça de que é do Tarot que está falando ou explicando – sempre deixe essa “outra associação” em segundo plano;

3) Tenha mais consciência do Tarot enquanto significado de seus arcanos e não do significado da cabala, astrologia, mitologia, numerologia, pois cada uma destas ciências tem sua própria história, estrutura e utilização; todas as associações feitas até hoje ainda são discutíveis;

4) Vamos descobrir novas estruturas, explicações e análises para o Tarot, de uma forma mais pura, mais direta, menos abstrata, como ocorre na astrologia ou numerologia: longe dos devaneios místicos;

5) Esqueça do passado tradicional do Tarot, ele não existe; pense em seu futuro!  O tarot on line e o tarot virtual são apenas um rascunho do que está por vir.

6) Diga não a tudo o que não comporte a significação dos 78 arcanos.

7) Tarot é Tarot.

Por Nei Naiff

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alta-magia/as-origens-do-taro/

A Senda Infinita

Paulo Jacobina

Para se compreender o processo de transformação do Eu, sua passagem pelos planos, é preciso entender a sua jornada e, consequentemente, a sua origem e o seu destino. Religiões e doutrinas filosóficas pelo mundo inteiro abordam esta origem, cada uma à sua maneira, mas todas com um ponto em comum: o homem, o Eu, decorre de uma entidade superior, que é conhecida por muitos nomes, dependendo de onde se origina a doutrina. Deus, Rahim, Elohim, Brahman, Nhanderuvuçú são apenas alguns exemplos dos infinitos nomes dados pelo homem ao Absoluto, aquele que deu causa a tudo o que existe e ao que não existe. A questão do nome utilizado pouco importa, uma vez que, por ser inefável, o Absoluto não possui nome e, por isso, pode ser chamado por qualquer um sem deixar de ser o Absoluto. Isso porque, caso tivesse um nome, não seria possível chamá-lo por milhares de nomes, pois, assim, deixaria de ser o Absoluto[1].

Aqui, apenas por questões conceituais e buscando facilitar a compreensão, serão utilizados nomes como o Absoluto, o Todo e Aquele que É. Tal escolha se baseia, unicamente, na imanência que se busca ressaltar, de que o Absoluto é uno, eterno, imóvel, imutável e perfeito.

É uno, porque tudo o que existe, e o que não existe, nEle está contido, sem que Ele deixe de existir como um todo, nem que nada dEle se separe.

É eterno, porque não possui início, nem meio, nem fim.

É imóvel porque preenche o infinito e, por isso, não tem para onde se locomover, pois nada existe para além dEle, uma vez que não existe o “além do Absoluto”. Se existe além, lá o Absoluto também estará e também será o além, da mesma forma que o vazio e o nada inexistem, pois, para existirem teriam de ser desprovidos de tudo, inclusive do Absoluto, e o Absoluto se encontra em tudo o que existe e o que não existe.

É imutável, porque não se transforma e, assim, nunca está e sempre é. E, por não se transformar, é perfeito, pois não necessita de corrigir detalhes.

Compreender essas informações pode parecer difícil e isso é normal. Uma vez que o ser humano se encontra limitado pelo estado de consciência no qual se encontra, e a compreensão do Todo está muito além do estado de consciência no qual aqueles que aqui estão encarnados conseguem visualizar. É também fundamental destacar, que mesmo entre o que se tem consciência e o que se consegue expressar, há uma distância, posto que as palavras, os símbolos, as imagens, são limitadas face àquilo que se tem consciência.

Consciência não se restringe ao simples saber. Consiste em ter aquele conhecimento arraigado no seu âmago, ao ponto de ele estar intrinsicamente contido em sua conduta. Não há, sequer, necessidade de se pensar naquele comportamento, pois sobre ele não recaem dúvidas ou qualquer tipo de questionamento filosófico, físico, metafísico, religioso, abstrato…

Estar consciente de algo consiste em ter o comportamento fluido, natural e sem empecilho, por menor que seja, no sentido de se sublimar em direção ao Absoluto, cumprindo, assim, o que alguns conhecem por Dharma, o caminho pelo qual o Eu flui sem atritos, sendo verdadeiramente Eu.

Porém, como se dá a criação do Homem, estado transitório no qual o Eu, que estuda este material, se encontra? Novamente, doutrinas por todo o mundo contam a mesma história travestida de acordo com a realidade local ou o grau de compreensão que possuem.

Para alguns, a “vida” surgiu com o sopro da divindade. Para outros, de centelhas divinas. Há, ainda, os que defendem que a divindade primordial animou uma porção de matéria. O que poucas doutrinas deixam claro (até porque não visam explicar esse processo), é que existe um aparente lapso entre esse “sopro” e o “aparecimento” do Homem, do Eu: que o Homem, o Eu, assim como ele está hoje, não veio imediatamente da divindade primordial, mas percorreu um longo período de transformação até alcançar a sua atual condição.

De igual forma se percebe, ao analisar os homens, que estes também se encontram em estágios distintos, embora, ao se observar numa análise macro, ainda próximos uns dos outros.

Outro ponto que se constata é o de que todos os homens, por não serem perfeitos, ainda podem se transformar. Dessa forma, verifica-se que existe uma jornada iniciada no seio do Absoluto e que não fica estagnada, mas se desloca infinitamente até algum lugar. Mas, que lugar seria esse para o qual o homem se desloca? Mais uma vez, as doutrinas estão corretas ao afirmarem que o destino do Eu em sua jornada existencial é o retorno ao Absoluto. Então, a jornada tem o seu início no seio do Absoluto e, após percorrer toda a jornada existencial, retorna ao seio do Absoluto.

Assim com a dança de Shiva, o Absoluto parece se expandir em um processo de subdivisão[2] até o infinito, quando, após atingir o infinito, volta a se recolher, reunindo as partes que foram divididas inicialmente. Nesse processo de sístoles e diástoles[3], a existência é criada na origem primordial e caminha à infinitésima partícula, até retornar, percorrendo todos os planos de existência, passando, em certo ponto, pelos reinos mineral, vegetal, animal, hominal, angelical…

Contudo, tal como ondas num lago provocadas pelo contínuo e eterno estímulo inicial, o processo existencial jamais se esgota, pois, quando a primeira onda inicia o processo de retorno após atingir o infinito, uma nova onda a substitui chegando ao infinito. Por existirem infinitas ondas neste indo e vindo infinito, inexiste movimento aparente, embora ele ocorra, tal qual objeto que vibra em altíssima velocidade e, mesmo assim, parece estático para aquele que o observa[4].

Como todas as ondas são partes integrantes do Todo, ele se estende eternamente até o infinito, jamais se movendo, embora o movimento exista em seu interior[5]; jamais se limitando, embora a limitação exista em seu interior; jamais se transformando, embora a transformação exista em seu interior; e, por não se transformar, é perfeito, embora a imperfeição também exista em seu interior.

Dessa forma, a jornada existencial se inicia no seio do Absoluto e a Ele retorna ao término do seu processo transformador. Tal lugar pode ser considerado o centro do Absoluto e estar localizado nos confins da galáxia mais distante, na Terra, em Aldebarã, no Sol, em Sirius, em Alcione ou, até mesmo, no Eu. Pois, uma vez que se estabelece um ponto localizado no Absoluto, ele sempre será o Seu centro, uma vez que se encontra infinitamente equidistante a todas as direções do Absoluto.

O Ser, então, seria como um raio, que irradia do seio do Absoluto até o infinito, atravessando todas as ondas geradas pelo eterno e contínuo estímulo inicial. Esse raio, assim como o Absoluto, por conta do Princípio de Correspondência[6], também é imóvel, embora o movimento exista em seu interior; também é imutável, embora a transformação ocorra em seu interior; também é perfeito, embora a imperfeição exista dentro dele.

Entretanto, se o Ser é imóvel, o que se desloca na senda infinita não é o Ser propriamente dito, mas alguns de seus atributos[7]. E é um desses atributos que passa por um infindável processo de transformação nas esferas existenciais, nascendo quando se inicia o retorno do infinito em direção ao seio do Absoluto. Este atributo é o que costumeiramente chamamos de Consciência. Seu nascimento ocorre no retorno do infinito, pois, apenas então, tem início o processo restaurador, o de se reconectar as partes do Absoluto que ilusoriamente foram desconectadas: ali se dá o início da jornada de compreensão.

Da mesma forma que o Ser, pelo Princípio de Correspondência[8], a Consciência também é imóvel, embora em seu interior ocorra o movimento; também é imutável, embora exista transformação em seu interior; também é perfeita, embora a imperfeição exista dentro de si.

Contudo, se a Consciência também é imóvel, quem se desloca na senda infinita não é a Consciência em si, mas um de seus atributos, o Eu. É o Eu que se desloca pela Consciência, sendo impulsionado pelas ondas que se propagam em direção ao seio do Absoluto e sofrendo o impacto das ondas que se deslocam ao infinito. O impulso dado pelas ondas que rumam para o seio do Absoluto é a força motriz que inexoravelmente leva o Eu em direção ao Eu Superior, enquanto o impacto das ondas em direção ao infinito tem o efeito de gerar o atrito necessário para a depuração do Eu, fazendo com o que é mais bruto seja arrancado, permanecendo no Eu Inferior, e apenas aquilo que é sutil possa se deslocar na senda infinita, nas vicissitudes existenciais, para se transformar no Eu Superior, no processo que alguns chamam de reencarnação e outros conhecem como roda de Samsara.

Nesse processo de transformação, o Eu se desloca do Eu Inferior (aquele que acredita ser uma criatura individualizada e ainda apegada àquilo o que é bruto) e começa a se perceber parte integrante do Absoluto quando a ideia do eu desaparece e passa a ser suplantada pela ideia do nós, até chegar ao Eu Superior, onde habita um novo Eu, o Eu Coletivo, aquele que sabe o que é, o Eu que sabe que tudo o que existe também faz parte dele e que ele está intimamente associado a tudo o que existe, como uma única coisa, como parte integrante, indissociável e indelével do Absoluto.

Desta forma, o Eu é o atributo da Consciência que se encontra em processo de transformação, cada vez mais, tornando-se a Consciência, e, consequentemente, o Ser; percebendo-se, passo a passo, parte integrante do Absoluto; sutilizando-se, abandonando corpos mais brutos e mantendo os mais sutis.

Enquanto a Consciência nasce na volta do infinito, quando inicia o processo restaurador, outro atributo do Ser, faz o caminho inverso, nascendo no seio do Absoluto e infinitamente se subdividindo até os confins do infinito. A este atributo, que nasce no seio do Absoluto e se dirige até o infinito, pode ser dado o nome de Tecido Elementar[9].

Tal qual a sua contraparte[10], a Consciência, o Tecido Elementar, pelo Princípio de Correspondência, também é imóvel, embora em seu interior ocorra o movimento; também é imutável, embora exista transformação em seu interior; também é perfeito, embora a imperfeição exista dentro de si.

Por ser imóvel, não é o Tecido Elementar que se desloca na senda em direção ao infinito, mas um de seus atributos, o Agente Modelador, que se desloca do seio do Absoluto, impulsionado pelas ondas que se expandem até o infinito e sofrendo o atrito das ondas que se concentram em direção ao seio do Absoluto, brutalizando-se e dando forma aos planos de existência. Este atributo, que carrega dentro de si a capacidade de moldar os planos de existência, foi amplamente relatado ao longo da história humana e, no contato com os planos existenciais que o Homem costuma ter mais acesso, recebe, comumente, o nome de Elemental. Assim, o Eu e o Agente Modelador se deslocam em sentidos paralelamente opostos, mas unidos no processo existencial.

Ponto que merece destaque é o de que, assim como o próprio Absoluto, todos os seus Atributos e subatributos não são bons ou maus, mas neutros. É normal, para alguns, pensar que o deslocamento do Agente Modelador, brutalizando-se, o deixe mau, enquanto o deslocamento da Consciência, sutilizando-se, a deixe boa. Na verdade, tanto um, quanto o outro, apenas cumprem a sua função estabelecida no plano criador e, por isso, não podem ser rotulados como bom ou mau, melhor ou pior.

Essa falsa necessidade que o Homem possui, de criar dualidades e demais separatismos, decorre da influência exercida pelo Agente Modelador, que atua em tudo o que existe, inclusive na forma com que o Eu analisa tudo o que existe e o que não existe, subdividindo conforme foi programado, em essência, para ser. Tal atuação não se limita ao plano material, mas também se aplica ao espiritual, ao mental e a todos os demais, uma vez que tudo o que existe e o que não existe é moldado no Tecido Elementar e, consequentemente, sofre a ação de seus atributos, inclusive a do Agente Modelador, gerando o Princípio de Polaridade[11].

Por isso, não se pode catalogar algo como bom ou mau, pior ou melhor: apenas deve ser verificado se aquilo está cumprindo o seu propósito de ser. Se o Agente Modelador está sendo Agente Modelador, se a Consciência está sendo Consciência, se o Tecido Elementar está sendo Tecido Elementar, isso significa que tudo está em sintonia e, por isso, respondendo à determinação do Absoluto, pois é para isso que cada coisa serve: para ser ela mesma.

Os aparentes conflitos, no plano em que o Homem atualmente se encontra, decorrem do desejo do Homem em ser o que ele não nasceu para ser. Por exemplo, imagine que uma planta deseja abandonar o seu propósito: ao invés de realizar fotossíntese e servir de alimento e moradia para outros seres, ela deseje ser um leão, caçar gazelas para se alimentar e deixar de fazer o que ela foi destinada a ser. Não é necessária muita elucubração para se constatar que o mundo entraria em colapso. Porém, a planta não deseja nada além de ser planta, assim como o leão não deseja nada além de ser leão: tanto a planta, quanto o leão têm o seu desejo em sintonia com a Vontade do Absoluto, que é a de que eles sejam eles mesmos.

Assim como a planta existe para ser planta, o animal para ser animal e o mineral para ser mineral, o ser humano existe para ser humano, para que o seu desejo se confunda com a Vontade do Absoluto, que é a de que ele seja benevolente, piedoso, tenha compaixão, seja integralizador. Quando o homem respeita a sua essência, não há conflitos. Contudo, quando, ao fazer uso de seu Livre-Arbítrio, tenta fugir daquilo para o qual foi criado, os atritos acontecem e o conflito aparece.

Só há atrito onde há a separação do desejo e da Vontade. Onde a Vontade e o desejo estão unidos, inexiste atrito, existe o Dharma[12]. Dessa forma, pode-se acreditar erroneamente que o Livre-Arbítrio seria ruim, pois permite ao Homem ter um querer distinto da Vontade. Entretanto, assim como tudo o que existe e o que não existe, o Livre-Arbítrio também não é bom ou mau, ele é neutro e cumpre a função para a qual foi criado: permitir, pela experimentação, que o Eu encontre o caminho para o Eu Superior, ao compreender que tudo o que existe e o que não existe é apenas o Absoluto e nada mais. Por cumprir a função para a qual foi criado, o Livre-Arbítrio não é bom ou mau, ele apenas é o Livre-Arbítrio e, ao ser Aquele que É, ele é neutro.

Da mesma forma que o Livre-Arbítrio tem como essência permitir que o Eu escolha o caminho ao qual seguir, para, assim, encontrar o Dharma, o Karma existe, em sintonia com o Livre-Arbítrio, como forma de gerar a compreensão no Eu. Enquanto o Livre-Arbítrio permite a realização de uma escolha, o Karma é a escolha permitida pelo Livre-Arbítrio. É aquilo que, com base no estado de Consciência no qual se encontra, o Eu opta por fazer. É o agir. Ao agir, o Eu gera a Consequência, isto é, respostas às ações realizadas pelo Eu.

Assim como tudo o que existe e o que não existe, essas respostas, a Consequência, não são boas nem más, mas neutras, pois têm como função atuar em sintonia com o Karma e o Livre-Arbítrio, gerando o atrito necessário para que o Eu se desloque, por ressonância, na Consciência em direção ao Eu Superior. E, pelo fato de a Consequência cumprir a sua essência, ela é Aquele que É.

Aqui, deve ser destacado que a inação verdadeiramente inexiste. Só o que realmente existe é o agir, pois mesmo no que está parado, há, em seu interior, o movimento, da mesma forma que ocorre com o Absoluto, que está parado, mas, em seu interior existe o movimento[13]; e, onde há o movimento, há o agir, e o agir é o Karma.

Entretanto, como o movimento não está limitado a um único plano existencial, acontecendo em todos eles, o Karma também ocorre simultaneamente em todos os planos de existência, e como o Karma é agir, e o agir gera a Consequência, ele produz efeitos que reverberam em todos os planos de existência[14], em sincronicidade. Esses efeitos, pela aplicação do Princípio de Polaridade, tornam-se novas causas e, ressonando, propagam-se pela existência.

Como tudo o que existe e o que não existe se encontra em perfeita sintonia com a Vontade, aquilo que o Eu ilusoriamente entende como futuro, já está determinado, que é o momento no qual o Eu se torna o Eu Superior. Contudo, embora o destino se encontre determinado, o caminho percorrido pelo Eu é traçado pelo seu Karma, com base no Livre-Arbítrio. Porém, o Karma escolhido pouco importa para o resultado final, pois tudo se compensa sincronisticamente, de forma a permanecer na perfeita sintonia, no Princípio de Ritmo[15].

Como “o que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como está em cima”, o Karma e a Consequência também são neutros, visto que atendem ao seu propósito e, assim, não são bons ou maus, mas são Aquele que É. Essa compreensão é importante para se constatar que nenhum caminho pelo o qual o Eu escolhe seguir é errado, pois tem como função primordial, como essência, gerar as condições necessárias para o deslocamento do Eu na Consciência. Toda escolha que o Eu faz, isto é, todo o Karma, é realizado com base no estado de consciência no qual o Eu se encontra e, portanto, o Eu sempre realizaria a mesma escolha baseada nos mesmos fatores e na condição na qual se encontra.

Apenas com o Karma e a Consequência, as condições são modificadas para gerar a ressonância necessária para impulsionar o Eu em direção ao Eu Superior. Desta forma, toda escolha realizada é a escolha certa, pois é feita no estado de Consciência na qual o Eu se encontra e o permite experimentar as sensações necessárias para o seu deslocamento na Consciência em direção ao Eu Superior.

Quando se compreende esse fato, o apego ao que é chamado de passado e a insegurança quanto ao que é chamado ilusoriamente de futuro desaparecem. O Eu se concentra no que é chamado de presente, afastando-se da ilusão da transitoriedade e fixando-se na perenidade, onde ele deixa de ser “Aquele que Está” e se revela Aquele que É.

Ao compreender a sua essência, o Eu deixa de se preocupar com a ilusão do que aconteceu e do que vai acontecer, pois ele sabe que apenas acontece o que tem de acontecer, pois essa é a sintonia perfeita, a contradança[16] na qual tudo o que existe e o que não existe se encontra; ele sabe que bom e mau apenas são polaridades da Consequência, assim como Luz e Trevas são polaridades da Consciência e, portanto, são ilusões criadas pelo Agente Modelador.

A percepção de que bom e mau são polaridades da Consequência é facilmente constatada quando o Eu faz uma análise das experiências às quais se submeteu. Quando ocorre a Consequência, o Eu, influenciado pelo Agente Modelador, tende a observar de um jeito pontual e, consequentemente, a cataloga como algo bom ou ruim. Contudo, caso o Eu visse a Consequência em sua real forma, ele compreenderia que ela não é boa ou má.

Um meio pelo o qual o Eu pode ver a real forma da Consequência é analisar um fato que já foi vivenciado. No momento no qual o fato foi vivenciado, o Eu o classifica como bom ou mau, porém, em momento posterior, quando o Eu já se deslocou na Consciência em direção ao Eu Superior, ao olhar para esse mesmo fato (já vivenciado), o vê de forma diferente, classificando-o, algumas vezes, de forma diversa da que fizera inicialmente. O fato em si não mudou, então como pode algo que permanece inalterado ter o seu significado modificado? Isto ocorre porque o observador mudou, o Eu que analisou o fato pela primeira vez não é o mesmo Eu que analisou o fato da última. Assim, ser bom ou mau não é uma característica do fato, da Consequência, do Karma ou de tudo o que existe e o que não existe, mas uma característica da forma com que o Eu os analisa.

Uma vez que a distinção entre bom e mau, melhor ou pior, existe na forma com que o Eu analisa aquilo que existe e o que não existe, e não nessas coisas em si, encontra-se a verdade por de trás do Princípio de Polaridade, o qual determina, conforme já se definiu acima, que “tudo é duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau, os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados”.

Sabendo que a polaridade está na forma de analisar o que existe e o que não existe, o Eu pode modificá-la ao seu bel-prazer, transformando o que é ruim em bom e o que é pior em melhor, ao aplicar o Princípio de Vibração[17] sob a influência do que se conhece no Hermetismo como Princípio de Mentalismo[18]. Assim, enxergar as coisas como boas ou más, melhores ou piores, torna-se uma escolha permitida pelo Livre-Arbítrio, e isto é o Karma.

Karma e Consequência são polos do Livre-Arbítrio, haja vista que de todo agir decorre uma consequência e a consequência se torna um novo agir, desencadeando uma nova consequência, isto é, um influencia e é influenciado pelo outro, pois, um, além de gerar o outro, também é gerado por este, uma vez que “tudo se manifesta por oscilações compensadas, sendo que a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda”[19], compensando-se em sincronicidade para permanecer em um estado de perfeito equilíbrio na divina contradança.

Ao compreender que o Karma e a Consequência são unos, o Eu também compreende que o tempo é uma ilusão provocada pelo fracionamento da Existência, através da ação do Agente Modelador, pois tudo o que existe e o que não existe, na verdade, apenas é, e, por isso, é Aquele que É.

Contudo, apesar de ser ilusório, o tempo, como todas as ilusões, existe para o Eu, uma vez que é um evento e, como tal, pode ser vivenciado. Tudo o que pode ser vivenciado pelo Eu existe para ele, pois tem a capacidade de gerar a energia necessária para que o Eu mude a sua vibração e, por ressonância, se desloque na Consciência em direção ao Eu Superior.

Esta é a distinção entre aquilo que não existe e aquilo que inexiste: enquanto aquilo que não existe, por ser ilusório, existe em algum plano de existência, mas não em todos; o que inexiste não existe em nenhum deles[20]. Apenas o Absoluto existe em todos os planos de existência, uma vez que ele é Aquele que É, enquanto todo o resto, por ser transitório, pode ou não existir dependendo do plano existencial observado. Desta forma, verifica-se que por ser Aquele que É, o Absoluto é o único que verdadeiramente existe, enquanto tudo o mais, por ser transitório, inconstante, é ilusório[21] e não existe verdadeiramente.

A Compreensão do que é permanente e daquilo que é transitório, auxilia o Eu a superar os ilusórios sofrimentos aos quais voluntariamente se submete. O sofrimento nasce do apego do Eu ao que é transitório, da sua vã tentativa de tornar imóvel aquilo o que é móvel, de deter o que não pode ser detido, de escapar da inexorabilidade do Dharma. Ao compreender o que é permanente, o que é transitório e o que isso significa, o Eu se desapega do que é mutável e se fixa no que é imóvel, tornando-se Aquele que É.

Assim como tudo o que existe e o que não existe, o mutável, também não é bom ou mau, mas neutro, pois apenas existe para cumprir a sua função, a de proporcionar as experiências necessárias para que o Eu se desloque por ressonância na Consciência. E, por ser aquilo que foi determinado em essência para ser, o mutável também é Aquele que É.

Notas:

[1] O mesmo se aplica a tudo o que existe e ao que não existe. O estabelecimento de nomes, como os que aqui são adotados, trata-se apenas de uma ferramenta que visa facilitar a compreensão e a absorção de conceitos, não um mecanismo de limitação que a imposição de um nome pode estabelecer.

[2] Processo decorrente da aplicação daquilo o que se conhece no Hermetismo por Princípio de Gênero: “o Gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos”.

[3] Segundo o que se conhece no hermetismo pelo Princípio de Ritmo: “tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação”.

[4] Segundo o que se conhece no hermetismo pelo Princípio de Vibração: “nada está parado, tudo se move, tudo vibra”.

[5] Princípio de Vibração, citado na Nota de Rodapé (“NR”) anterior.

[6] Segundo o que se conhece no hermetismo pelo Princípio da Correspondência, “o que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”.

[7] Este processo de ser gerado e gerar (ou ser derivado e derivar) que será visto constantemente, só é possível por conta do Princípio de Gênero (“o Gênero está em tudo, tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos”, vide NR nº. 2) no qual tudo tem o seu princípio masculino, isto é, fecundante, e o seu princípio feminino, isto é, fecundável.

[8] “o que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”.

[9] Também conhecido por Fluido universal, elemento universal, fluido elementar.

[10] Segundo o que se conhece no hermetismo pelo Princípio de Polaridade: “tudo é Duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados”.

[11] “tudo é Duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados”.

[12] Pois o Dharma é o fluxo sutil decorrente da impulsão das ondas que retornam ao seio do Absoluto, sem colidir nem sofrer o impacto denso daquelas que se expandem até o infinito.

[13] Mesmo que o corpo físico possa parecer parado, dentro dele, o Corpo Energético estará vibrando, isto é, em movimento. Mesmo que o Corpo Energético possa parecer parado, dentro dele, o Corpo Emocional estará em vibração. Da mesma forma que se o Corpo Emocional parece sem movimento, dentro dele o corpo mental estará em movimento; e assim sucessivamente.

[14] Segundo o que se conhece no hermetismo pelo Princípio de Causalidade: “toda Causa tem seu Efeito; todo Efeito tem sua Causa; tudo acontece de acordo com a Lei; o Acaso é simplesmente um nome dado a uma Lei não reconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à Lei”.

[15] “Tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação.”

[16] É uma dança de ritmo rápido e compasso binário, composto de várias seções de oito compassos que se repetem.

[17] “Nada está parado; tudo se move; tudo vibra”.

[18] “O TODO é MENTE; o Universo é Mental”.

[19] Princípio de Ritmo.

[20] O “vazio”, por exemplo, verdadeiramente inexiste, visto que assumir a sua existência, significaria que, em algum lugar, o Absoluto não se encontra, o que, por si, O faria deixar de ser o Absoluto.

[21] Princípio de Mentalismo: “o TODO é MENTE; o Universo é Mental”.

~ Paulo Jacobina mantêm o canal Pedra de Afiar, voltado a filosofia e espiritualidade de uma forma prática e universalista.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/psico/a-senda-infinita/

Ainda não acabou

O Relógio do Apocalipse é um relógio simbólico mantido desde 1947 pelo comitê de diretores do Bulletin of the Atomic Scientists da Universidade de Chicago. Se trata de um alerta para a iminência de uma guerra nuclear de larga escala, o que potencialmente significaria o fim da civilização humana. Segundo a analogia, quanto mais próximo da meia-noite, mais próxima estaria a humanidade de um apocalipse nuclear. Os ponteiros iniciaram com 7 minutos para a meia-noite, e chegaram a estar à apenas 2 minutos, em 1953, quando EUA e URSS testaram novas armas nucleares a poucos meses de intervalo um do outro. Hoje, ele marca 3 minutos para o fim.

É irônico como foi justamente a ciência quem nos levou mais próximo de um Juízo Final, um Armagedom real para a humanidade. A despeito de milênios de mitos e lendas acerca do final dos tempos, que muitos racionalistas sempre caçoaram, coube justamente a mais racional das invenções da mente humana o poder de nos levar, de fato, a uma guerra final. Claro que a ciência por si só não tem culpa alguma, os culpados somos nós, os seres que vivem neste mundo e, muitas vezes, consciente ou inconscientemente, trabalham para a sua aniquilação.

A palavra “apocalipse”, do grego apokálypsis, significa literalmente algo como “a retirada do véu”, o que geralmente é compreendido como alguma espécie de revelação divina. No entanto, como o Livro da Revelação no Novo Testamento bíblico trata justamente de uma elaborada metáfora para alguma espécie de fim dos tempos, o termo Apocalipse também se tornou uma espécie de sinônimo para fim do mundo na cultura popular.

De fato, numa análise esotérica do significado essencial de uma revelação divina, temos duas possibilidades que fazem todo o sentido: o fim de uma era, para que outra se inicie, ou mesmo a morte de uma persona, para que outra mais espiritual e profunda surja deste processo. No entanto ocorre que, muitas vezes, tanto o Apocalipse bíblico quanto os de outras doutrinas religiosas é visto não como o fim de um processo para que outro se inicie, mas simplesmente como o final de todos os processos, de todo o sofrimento e de todo trabalho, geralmente para ser substituído por um julgamento sumário de alguma divindade, onde uns serão condenados a sofrer eternamente num Lago de Enxofre, enquanto outros serão conduzidos a uma espécie de Jardim de Ócio Eterno.

A despeito do absurdo lógico de ambas as opções (uma divindade amorosa que permitiria que suas criações fossem torturadas brutalmente ad aeternum; seres amorosos que conquistaram uma passagem para um Céu de Escolhidos, sendo lá felizes mesmo sabendo que há muitos de seus irmãos sofrendo), é mais ou menos nisso que muitos povos e culturas, principalmente no Ocidente e Oriente Médio, colocaram todas as suas fichas. Durante séculos e séculos, depois de Cristo, e até mesmo antes, tivemos muitos crentes aguardando ansiosamente pelo final dos tempos, alguns com temor no coração, e outros simplesmente ansiando pelo fim desta terra… Todos eles na expectativa do prometido julgamento dos bons e dos maus.

E dificilmente os que creem nessas coisas veem a si mesmos como pertencentes aos não escolhidos, aos maus. Daí se tira que, muitas vezes, o seu desejo pelo Juízo Final parte muito mais do próprio julgamento que fazem dos seus irmãos do que genuinamente de um desejo de habitar o Jardim de Ócio pela eternidade, para fazer sabe-se lá o quê pelos milênios a perder de vista. Ou seja: pode ser preferível que o mundo acabe de fato, se com ele todos os gays que insistem em se beijar na rua e desafiar os mandamentos do Levítico sejam levados para o Inferno, ou se todos aqueles jovens metidos a besta que insistem em usar drogas ilícitas ardam nas forjas subterrâneas, ou se os políticos de um ou outro campo ideológico cumpram suas penas junto ao Tinhoso.

Claro, também há muitos que cansam de simplesmente esperar pela chagada de Cristo, e partem eles mesmos para provocar o seu próprio fim dos tempos, se radicalizando e chacinando os inocentes que encontram pela frente. Para nossa sorte, esse tipo de radical religioso ainda não dispõe de armas nucleares, somente das armas que as grandes empresas armamentistas dos países de primeiro mundo lhes vendem.

Neste baile da ignorância humana, é curioso pensar como, ao menos até aqui, as armas de destruição em massa talvez tenham freado uma nova e derradeira Guerra Mundial, ao contrário do que muitos poderiam imaginar. Explica-se: até o advento das armas nucleares, guerras destruíam cidades, e às vezes países inteiros, mas não podiam destruir a civilização humana como um todo. Hoje, uma guerra nucelar pode fazer justamente isso. Hoje, o Armagedom deixou de ser uma metáfora mitológica para se tornar uma possibilidade real. Hoje, aqueles que detém o poder de lançar ogivas nucleares sabem muito bem que, num cenário de guerra nuclear total, pressionar o botão vermelho será essencialmente um ato de suicídio.

Mas nem todo Apocalipse é um Apocalipse global. Há muitos povos e territórios da Terra que sofreram os seus próprios Juízos Finais. Desnecessário dizer que até hoje em dia eles estão em pleno processo, particularmente no Oriente Médio e arredores, ironicamente o grande berço das civilizações humanas.

Como narra um memorável anúncio dos Médicos Sem Fronteiras, “podemos ser violentos, insensíveis, cruéis, egoístas, indiferentes, mas só quem pode salvar a vida de um ser humano é outro ser humano”. O MSF atua justamente para amenizar o Juízo Final alheio.

Voltando ao Apocalipse como revelação, como final de um estágio para o início de outro, recorro à história de vida de minha amiga Debora Noal, psicóloga do MSF, brasileira: pouco antes de ser convocada para a sua primeira missão humanitária no Haiti, há quase uma década, Debora morava numa cobertura de frente para uma praia paradisíaca de Aracaju, e tinha um emprego público na área médica.

Então, como ela mesma relatou numa reportagem da Época, “Pedi demissão, larguei tudo […] Porque era uma missão de urgência. Entreguei o apartamento, deixei os móveis no meio do corredor porque não tinha condições de distribuir tudo rápido. O que não é possível carregar comigo é porque não é meu. E acho que, se você se apega a alguma coisa que é material, isso quer dizer que você está plantando sua raiz por uma estrutura material. Eu quero ter raiz, mas raízes aéreas, que eu possa levar para onde eu quiser”. E após o Haiti, Debora foi ajudar mulheres brutalmente estupradas e infectados pelo vírus ebola em algumas missões humanitárias nos cantões mais afastados dos olhares da Grande Mídia, em plena África…

Como Debora estava tão preparada para substituir suas raízes terrestres por raízes aéreas, senão por um processo de Apocalipse pessoal? Senão por haver colocado sua própria vida mundana em segundo plano, e a Alma do Mundo, a alma e o coração de todos os seres, acima de tudo o mais? Não há Revelação maior do que este Amor que brotou aos borbotões do coração de minha amiga.

E, se ainda nos convém falar em mitologia, que a praia em Aracaju seja o Céu, que as periferias do Congo sejam o Inferno, e que Debora seja o Anjo… Tampouco existe mitologia mais bela, pois que trata exatamente da realidade, de como as coisas de fato o são. Pois só quem pode salvar a vida de um ser humano é outro ser humano. E só quem pode salvar a própria vida é o próprio ser em si.

Assim sendo, sempre que se sentir abatido pelo peso deste mundo de chumbo, pense sobre os pensamentos que lhe vêm à mente, pense sobre de onde eles de fato surgiram, e para onde pretendem lhe levar. Há muitos que desejaram modificar o mundo inteiro, e terminaram por se regozijar com a promessa do Juízo Final, e assim perderam seu entusiasmo, e se deixaram afogar no charco dos hábitos moribundos… Mas há alguns, alguns de nós, que pensaram em mudar primeiro a si mesmos, e ser a própria mudança que desejam ver neste mundo.

Passo a passo, mudaremos a nós mesmos, a vizinhança e o mundo inteiro. Se a vida já não tem qualquer outro sentido, que tenha este. Afinal, a despeito da crença e do desejo de muitos, nossa história ainda não acabou… Gritem meus irmãos, gritem pela alma adentro: ainda não acabou!

***

Para encerrar, gostaria de descrever em maiores detalhes a autoria e o cenário das duas fotos que ilustram este artigo:

A primeira, no topo, é da Reuters e mostra uma multidão de refugiados (na grande maioria palestinos) do Campo de Yarmouk, em Damasco na Síria, em fevereiro de 2014. Eles estavam tão somente aguardando a distribuição de alimentos pela ONU. Em abril de 2015 este campo foi atacado e controlado pelo Estado Islâmico, mas foi recuperado pelo governo sírio alguns meses depois. Yarmouk está ativo há mais de meio século.

A segunda, ao longo do texto do artigo, é de um jovem fotógrafo da Faixa de Gaza, Emad Nassar, e foi tirada em junho de 2015. Ela mostra um pai palestino dando banho na filha e na sobrinha, no pouco que restou inteiro de seu apartamento em Gaza. A Faixa de Gaza é um dos territórios mais densamente povoados do mundo, e vive um Apocalipse permanente há muitas décadas.

O que cada uma das fotos têm a ver com o meu artigo, deixo que cada um de vocês interprete e sinta por si só…

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum
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#Cristianismo #guerra

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/ainda-n%C3%A3o-acabou

Festival de Wesak – Lua Cheia de Touro

O festival de Wesak – Também conhecido como o Festival da Iluminação é o Festival de Buda, o intermediário entre o Centro Espiritual mais elevado, Shambala, e a hierarquia. Buda personifica a expressão da Sabedoria de Deus, da Luz, é Indicador do Propósito Divino. É o grande Festival do Oriente e um dos mais importantes festivais da Lua Cheia. Este Festival ocorre quando o Sol está no signo de Touro. Wesak é uma festa da libertação do despertar e da transfiguração, a jornada de volta ao lar. Promove uma ponte entre a humanidade e espiritualidade, e o equilíbrio entre o Eu Inferior e Superior.

A Lua na Astrologia significa o inconsciente, o porão, como também, nossa ligação com o passado e emoções, quer sejam boas ou ruins. É através do signo lunar que descobrimos como reagimos frente às circunstâncias da vida, emocionalmente. Quando o grande luminar, o Sol, ilumina plenamente a Lua, é um indicativo de um alinhamento livre entre nosso Planeta – o Sol – e o “Centro Solar” a fonte de energia de toda nossa terra, e neste momento podemos iluminar as sombras.

Nesta fase de Plenilúnio podemos fazer uma aproximação mais definida com Deus e o Amor, Poder e Sabedoria, centralizados em nosso coração, representados pela chama trina que fica em evidência quando meditamos. É positivo que em toda Lua Cheia, pudéssemos nos alinhar com as forças cósmicas superiores através de nossos Mestres e anjos, como também da hierarquia da grande Fraternidade Branca, a fim de entrarmos em contato com a essência deste evento mensal.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/festival-de-wesak-lua-cheia-de-touro

Uma Visão não-linear do Karma

Um dos problemas centrais na busca espiritualista é a conciliação entre a crença intuitiva em uma Criação perfeita e o oceano de dúvida e dor que existe em nossa realidade cotidiana. Filosoficamente isso resulta em dezenas de especulações e interpretações que chegam até mesmo a negar a relação direta entre Criador e Criação (supondo que exista tal diferenciação) através de um personagem intermediário, o demiurgo gnóstico, que teria gerado o mundo corrupto que observamos.

Outra maneira de tentar conciliar essas percepções opostas é a concepção de um processo de causa e efeito tão natural e impessoal quanto a gravidade, que ajusta essas realidades aparentemente díspares. Enquanto a tradição ocidental, de raízes egípcias, fala em um julgamento final da alma humana, o oriente imagina um processo dinâmico e cotidiano, que dispensa júri e juiz (embora algumas linhas, como a teosofia, citem a figura dos Senhores do carma, essa personificação da lei não é a mais comum, mantendo seu caráter natural).

O quanto desse conceito é útil e o quanto é apenas uma fantasia egóica? Dando um passo atrás, pensemos a reencarnação e veremos o mesmo comportamento. De uma hipótese sistêmica muito interessante, ela passa a ser uma simples maneira de afagar o ego. Quantas princesas e generais não se redescobrem em centros espíritas e terapias de vidas passadas? Nunca a humanidade foi tão nobre quanto em suas pretensões…

Em sua interpretação tradicional, todo o mecanismo reencarnatório/cármico é tradicionalmente respaldado por um interpretação linear do tempo. Mas essa interpretação faz sentido de um ponto de vista do Self (vamos chamar assim uma possível dimensão maior do Ser) ou é apenas um ponto de vista raso do ego? A argentina Zulma Reyo, em seu livro Karma e Sexualidade faz uma representação interessante entre o que ela chama de tempo linear e o tempo concêntrico, a realidade vivida pelo Self. Ela considera a existência egóica, linear, como uma experiência do Self projetado na tridimensionalidade, a partir de condições absolutamente aleatórias. O mecanismo cármico existe apenas como elemento de aprendizagem dentro dessa única existência linear, não atuando como elemento de ajuste entre consecutivas experiências lineares. Do ponto de vista de uma Criação una, essa visão é absolutamente harmônica. Mas do ponto de vista do ego individualizado, a perspectiva de uma vida iniciada em condições aleatórias não difere em nada de uma visão absolutamente materialista.

A autora também define como elemento chave para entender o processo cármico aquilo que chamamos de forma-pensamento. É através dessas estruturas mentais/emocionais geradas e mantidas por nossos pensamentos e ações que se dá a atração das condições externas que caracterizam a relação de causa e efeito. E essas formas-pensamento seriam visíveis a médiuns treinados como aderências no campo causal. É praticamente a mesma interpretação, dita em termos atuais, do processo cármico tal como compreendido no Jainismo, uma das religiões mais antigas da India. Os janistas crêem que o carma é uma substância que se adere à alma, e essa quantidade e qualidade de substância aderida que define as condições atuais da vida do individuo. Essa substância pode ser eliminada através de jejuns e meditações.

Fica então a questão. É possível conciliar reencarnação, causa e efeito e uma existência não linear?

Texto do meu irmão Andrei Puntel

#Espiritualidade #espiritualismo #karma

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/uma-vis%C3%A3o-n%C3%A3o-linear-do-karma

As origens do culto de Cosme e Damião

Júlio Cesar Tavares Dias
juliocesartdias@hotmail.com

“Aqui queremos lembrar
Dois Dois a biografia
Pouco vamos encontrar
Porque pouco se escrevia
O que pude pesquisar
Só resolvi publicar
Porque muitos me pediam”
– Frei Urbano de Souza (1991, p. 7)

Nós compartilhamos o sentimento de Frei Urbano de Souza expresso nos seus versos de cordel que vêm à epígrafe deste artigo. No Brasil existe a prática de distribuir balas e doces como pagamento de promessas aos Santos Cosme e Damião, padroeiros das crianças. Em 2010, quando resolvemos escrever sobre este tema (Dias, 2010), frisávamos que o modo de distribuir o doce de Cosme e Damião vem sofrendo mudanças devido à recusa dos evangélicos em receber o doce. Mas, além do fato de que Cosme e Damião foram sincretizados no Brasil com os Ibeji e que os evangélicos rejeitavam o doce justamente por conta desse sincretismo, praticamente nada sabíamos sobre essa devoção e suas origens. Pesquisar as origens do culto desses santos é encarado por nós, então, como um desafio.

Celeno de Figueiredo (1953, p. 5), na introdução de sua obra, afirma que escrever sobre os santos gêmeos é um desejo da mocidade, não realizado há mais tempo, “em virtude da inegável escassez de literatura”. Acreditamos que, ainda hoje, embora passadas décadas desde o seu trabalho, há escassa biografia sobre esse tema em relação à força que essa devoção continua demonstrando no Brasil.

O culto aos santos

Como sabemos, nos inícios do cristianismo, o termo “santo” (que significa separado) era usado de forma geral para se referir aos cristãos. Para se verificar isso basta dar uma olhada rápida nas saudações das epístolas (BÍBLIA, 1993, 1 Coríntios 1: 2 e Efésios 1: 1, e. g.). Com o tempo, esse termo passou a designar as pessoas na comunidade cristã dignas de admiração por alguma virtude ou feito particular. O problema, como coloca Bárbara Lucas (1969, p. 417), ocorre porque “com o tempo, grande número de lendas […] começou a envolver alguns dos santos”, como resultado disso, “a Igreja decidiu que no futuro só se deveriam aceitar como santas as pessoas que fossem formalmente declaradas como tais pelo Papa. Dá-se a isso o nome de Canonização”. O processo visa constatar se o candidato possui uma “virtude verdadeiramente heroica” (Lucas, 1969, p. 418).

As honrarias católicas dos santos e o próprio processo de canonização, a nosso ver, devem-se muito a heroização que os romanos faziam de seus entes falecidos: “tais crenças eram largamente tributárias aos usos tradicionais por meio dos quais os pagãos honravam seus defuntos e especialmente aquêles que criam promovidos à heroização” (Danieloo; Marrou, 1966, p. 320, sic).

O culto dos mártires

Luiz Mott (1994, p. 4) propõe uma tipologia dos santos adorados no Brasil Colonial: “Mártires, Clérigos e Religiosos, Santas Mulheres, concluindo com uma relação dos que tiveram a má sorte de serem considerados Falsos Santos”. A devoção a Cosme e Damião se enquadra no culto aos mártires, pois “chama-se mártir quem derrama seu sangue pela causa de Cristo” (Martins, 1954, p. 5). Claro que não só no cristianismo existem mártires, o mártir cristão seria caracterizado por uma atitude especial ao enfrentar o martírio. Mondoni (2001, p. 56) procede à caracterização do mártir cristão:

[…] não procurava o perigo, mas quanto possível o evitava, […] enfrenta a morte não como cortejo triunfal, mas numa via solitária e em pleno abandono […]; sua fortaleza aparecia não do desejo do sofrimento, mas da serenidade com que ia ao encontro do fim inevitável.

Para o estudo da vida dos mártires, podemos contar com os seguintes documentos: Acta, Passio, Gesta (narrações posteriores às perseguições com justaposição de elementos históricos e lendários) (Mondoni, 2001, p. 56). São critérios para historicidade de um mártir: testemunho direto (Acta, Passio3), inscrição tumular com o qualificativo ‘mártir’, traços seguros de um antigo culto (basílica, cemiterial), menção nos antigos martirológios (Mondoni, 2001, p. 56-57).

Martirológio era, basicamente, “um fichário ou catálogo daqueles que com, com sangue, abonaram o testemunho de sua fé em Cristo. Os antigos martirológios constituíam uma espécie de calendário litúrgico” (Martins, 1954, p. 5). O Martirológio Romano consiste da junção dos vários martirológios regionais, sendo considerado definitivo o texto de Barônio, que depois foi muitas vezes revisto, corrigido e ampliado, tendo sido atualizado pela última vez em 1922, por ordem de Bento XV. Ele é um dos livros litúrgicos oficias da igreja, os quais são, a saber: Missal, Breviário, Ritual Pontifical, Cerimonial e Martirológio.

Claro que no Martirológio Romano “Alguns dados são passíveis de revisão histórica […]. A Santa Igreja desde muito procura escoimá-lo de erros e inexatidões históricas” (Martins, 1954, p. 6). Aliás, “A Igreja é a primeira a querer a verdade histórica. Mas convenhamos. Corrigir não é arrasar, sem mais nem menos, textos venerandos” (Martins, 1954, p. 7).

Foxe4 (2005, p. 13) lembra que ao fundar sua igreja Cristo deixou claro que haveria perseguição, mas que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Assim deve-se ler a história dos mártires como “proveito do leitor e da edificação da fé cristã” (Foxe, 2005, p. 14). Para esse autor:

As causas de tanta perseguição aos Cristãos por parte dos imperadores romanos foram principalmente estas: o medo e o ódio. Primeiro o medo, porque os imperadores e o senado, por ignorância cega, […] temiam e desconfiavam que ele (Cristo) pudesse subverter o seu império. Por isso buscaram todos os meios possíveis […] para extirpar totalmente o nome e a memória dos cristãos. Em segundo lugar, o ódio em parte porque este mundo […] sempre odiou e tratou com maldade o povo de Deus […] Em parte, porque os cristãos, tendo uma natureza e uma religião contrária às dos imperadores […] desprezavam os seus falsos deuses […] e muitas vezes detiveram o poder de Satanás que agia nos seus líderes […]. Por isso, Satanás […] instigou os príncipes romanos e os idólatras cegos a nutrir contra eles um ódio e despeito cada vez maiores (Foxe, 2005, p. 25)

O mais seguro documento acerca de um mártir são as atas: “Para nosso objeto é importante notar uma formalidade que não faltava em nenhum processo: as atas”5 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre). Convém-nos aqui esclarecer, portanto, de que se constitui esse documento:

“As atas dos mártires não são outra coisa que a transcrição exata, ou pouco menor, dos processos verbais redigidos pelos pagãos e conservados nos arquivos oficiais, transcrição que os cristãos recuperavam por diversos meios, por exemplo, a compra a os agentes do tribunal”6 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre).

Essas atas eram obtidas pelas comunidades cristãs através da compra. Mas uma ata, claro, como tudo que é valioso, “era objeto de engano e falsificação”7 (Bueno, 2003, p. 137, tradução livre).

Para Danieloo e Marrou (1966, p. 320), “não resta dúvida que já se conhecia [o culto aos mártires] […] desde o final do segundo século, e de alguma forma se oficializara na Igreja Cristã”, mas sublinham que no quarto século “O fato mais considerável é o desenvolvimento realmente exuberante do culto dos mártires”, desenvolvimento motivado pelo fim das grandes perseguições e pela paz constantiniana.

O arquétipo dos gêmeos

Divindades duplas, gêmeas ou não, aparecem na cultura e na literatura de muitos povos da Antiguidade: Castor e Polux entre os gregos, Osíris e Seth no Egito, Rômulo e Remo em Roma, Vishnu e Lakshmi, na Índia (cf. Araújo, 2010, p. 1); “estes seres costumam ser divindades benfeitoras” (Cirlot, 1984, p. 274). Aliás, “todos os heróis gêmeos da cultura indo-européia são benéficos” (Chevalier, 1997, p. 466). No Candomblé também existe o orixá Ibeji, “representado pelos gêmeos na África, sendo estes sagrados” (Cacciatore, 1988, p. 141), com quem Cosme e Damião foram sincretizados. Ibeji8 significa gêmeos, sendo o orixá Ibeji, o único permanentemente duplo.

Então, Cosme e Damião seriam mais uma manifestação do arquétipo dos gêmeos, presente “na maioria de tradições primitivas e de mitologias relativas às altas culturas” (Cirlot, 1984, p. 273), o que haveria permitido seu sincretismo com os Ibeji. Isso nos levaria a pensar o sincretismo, como fez Pedro Iwashita (1991), a partir de conceitos jungianos. Mais exatamente a partir da psicologia dos arquétipos. Isso significa que foi possível o sincretismo entre os santos e orixás, por serem equivalentes “para a experiência humana, no seu sentido profundo e existencial” (Iwashita, 1991, p. 247). Assim, perguntar pelas origens do culto de Cosme e Damião não significaria apenas estabelecer e fixar uma data, mas verificar a força desse arquétipo.

Para Cirlot (1984, p. 274), “O sentido simbólico mais geral dos gêmeos é que um significa a porção eterna do homem […], a alma; e o outro a porção mortal”. Isso faz muito sentido em relação a Cosme e Damião, pois se, como médicos, buscavam a cura do corpo, essas curas objetivavam a conversão, ou seja, a cura também da alma.

Essa recorrência da figura dos gêmeos em várias lendas e mitologias teria origem em personagens históricos que foram depois mitologizados? Acreditamos que possa ter tido origem em diversos personagens históricos em diversas culturas. Entendemos que a pergunta pela motivação dessa recorrência possa ser respondida não na perspectiva histórica, mas na esfera existencial. “Todas as culturas e mitologias testemunham um interesse particular pelo fenômeno dos gêmeos” (Chevalier, 1997, p. 465). O nascimento de gêmeos envolvia um mistério que causava espanto nos povos antigos.

A Vida de Cosme e Damião

Cosme e Damião são santos católicos que foram médicos9 e, por isso, são tidos como protetores das crianças. Eles teriam exercido a medicina sem nunca cobrar nada, por isso são chamados de “anargiros”, ou seja, que não são comprados por dinheiro. Conforme Figueiredo (1953, p. 7), teriam conhecido o cristianismo através de sua mãe Teódota, que os criou na fé cristã. Nos livros litúrgicos ocidentais10 sua festa foi fixada a 27 de setembro11. Uma reforma litúrgica no ano de 1969 moveu sua comemoração para o dia 26 de setembro, contudo o povo mantém a devoção no dia 27. O padre Michelino Roberto explica que “pelo calendário oficial da igreja, a festa é celebrada no dia 26. Mas o povo prefere 27, data da inauguração da basílica que o papa Félix IV mandou erguer para os dois em Roma, no ano 500” (Roberto, 2000). Na fala do padre Josevaldo, pároco da Igreja de Cosme e Damião na Liberdade, Salvador (BA), parece haver a necessidade de frisar a diferença das datas para combater o sincretismo com as religiões afro:

No candomblé, explica o padre, o dia de homenagear as crianças ou seja a falange de Ibejí é dia 27, enquanto que na igreja católica o dia de Cosme e Damião é 26. Mas, no imaginário popular ficou marcado mesmo o dia 27, explicou o padre. (Sodré, 2012).

São santos do século III cuja data de nascimento é incerta, como, aliás, vários outros aspectos de suas vidas. “Devemos, pois, contentar-nos com as poucas noticias que a seu respeito se extrahiram de varios autores de reconhecida probidade”, como lemos na obra Vidas de S. Cosme e Damião e S. Cesário, Médicos da Federação das Congregações Marianas de São Paulo (1935, p. 3, sic), na qual temos essa descrição de como eles procediam para ocorrer a cura: “começavam por fervorosa oração. Informando-se da natureza do mal, faziam sobre o enfermo o signal da cruz, e com isto, em geral, sem necessidade de remédios, […] o paciente via-se restituído a saúde” (Federação de…, 1935, p. 4, sic) . Essa obra, de cunho devocional, tem, na verdade, por pressuposto, que “As enfermidades do corpo vêm por castigo das desordens da alma”, assim, “Aplaque-se a ira de um Deus ofendido e recobrará saúde o enfermo” (Federação…, 1935, p. 6), e, assim, seu intento é o incentivo à prática da confissão.

Seus atos caridosos que eram motivo de conversões ao cristianismo “não passaram despercebidos aos inimigos da fé cristã” (Basacchi, 2003, p. 7). Denunciados pelo procônsul Lísias, acusados de serem “inimigos dos deuses”, foram mortos por ordem do imperador Diocleciano por não se curvarem diante dos deuses pagãos. Uma tradição diz que foram alvejados por dardos, mas miraculosamente os dardos se desviaram deles, por isso depois foram decapitados12. “O Passio descreve-os como sendo queimados, apedrejados, serrados, e finalmente decapitados13, mas isto é pura lenda14” (Cosmas…, 1967, p. 361, tradução livre). Outra tradição conta que eles foram atirados de sobre um despenhadeiro. “Seus restos mortais, segundo consta, encontram- se em Ciro na Síria, repousando numa basílica a eles consagrada. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente” (Cosme…, 2013, s/p). Depois, no século VI, uma parte das Relíquias foi levada a Roma e está na igreja que adotou seus nomes. “Outra parte foi guardada no altar-mor da igreja de São Miguel, em Munique, na Baviera” (Encyclopedia…, 1997, p. 449).

Embora muitas lendas tenham sido agregadas a história de seu martírio, podemos acreditar que tenham realmente sofrido muitas torturas15, conforme afirma Foxe (2005, p. 26):

Os tiranos […] não se contentavam apenas com a morte […]. Tudo o que a crueldade da invenção do homem pudesse conceber para castigar o corpo humano era posto em prática contra os cristãos […] os seus corpos eram amontoados e junto a eles deixavam cães para guardá-los a fim de que ninguém pudesse vir dar-lhes sepultura.

Mas a ênfase dada nos relatos da igreja sobre a intensidade do sofrimento por que eles passaram mostra a clara intenção de impressionar os fiéis. No Martirológio Romano (Vaticano, 1954, p. 222), sobre o dia 27 de setembro, lê-se sobre eles:

Em Egéia, o natalício dos santos irmãos mártires Cosme e Damião, que, com o auxílio de Deus, aturaram muitos tormentos, grilhões, cárceres, águas, fogueiras, cruzes, pedras, e flechas, antes de serem degolados na perseguição de Diocleciano. Conta-se que, com eles, padeceram três irmãos seus: Ântimo, Leôncio e Euprébio.

Conforme Danieloo e Marrou (1966, p. 400, 401), “Nos anos que seguem ao Concílio de Éfeso16, desenvolve-se o culto, até então estritamente local dos Santos Cosme e Damião”. Assim, o desenvolvimento dessa devoção segue o grande crescimento do culto aos mártires, ocorrido com o fim das grandes perseguições.

Conforme a historiadora Ignez Aquiar o culto aos irmãos foi introduzido no catolicismo pelo papa São Félix que mandou trazer os corpos dos santos para Roma, colocando-os no cemitério da igreja de Santa Cecília, dando início à veneração dos santos na Itália e por toda a Europa. A fé dos devotos nos santos gêmeos era tanta, que apareceu uma relíquia curadora – o óleo de São Cosme e Damião, cuja distribuição nas igrejas católicas predominou até 1780. Como ritual para curar-se, […] o doente ia à igreja, expunha a parte afetada diante da imagem junto ao altar dos santos, uma rezadeira esfregava o óleo no local doente, rezando: Per intencessionem beati Cosmi, liberetabomni malo. Amém, destaca a pesquisadora. (Aquiar apud Pernambuco…, 2011, s/p).

O óleo também serviria para dar filhos a mulheres estéreis (Basacchi, 2003, p.8

O culto na Europa e a Basílica de Cosme e Damião em Roma

Ainda que seja difícil precisar uma data de início do culto, “Sabemos que o culto aos dois irmãos é muito antigo, pois no século V já existiam escritos sobre eles” (Basacchi, 2003, p. 8). Conforme o Dicionário Patrístico (Di Berardino, 2002, p. 347), “Teodoreto de Ciro (458 d. C.) é o primeiro a falar do culto dos santos ‘anárgiros’, culto prestado na cidade sede de seu episcopado”, conforme ele menciona em uma carta, havia, em 434, um local dedicado aos santos em Ciro, no norte da Síria (Harrold, 2007, 28). Harrold (2007, p. 26, tradução livre) considera que:

Sem nenhuma prova histórica dos verdadeiros santos denominados Cosme e Damião, as origens do culto são impossíveis de identificar com absoluta certeza, mas um quadro pode ser construído da evidência proveniente pelas notações litúrgicas, documentos históricos e os primeiros lugares de adoração e as coleções associadas de milagres. Além disso, o rápido alastramento do culto popular obscureceu suas origens17.

A primeira data disponível aos hagiógrafos é, portanto, uma omissão (Harrold, 2007, p. 27). Mas sabe-se que “os santos doutores eram certamente conhecidos bem o bastante no início do século quinto para um santuário ter sido construído em honra deles18” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre). A autora segue citando várias construções feitas aos gêmeos e, então, levanta uma hipótese:

[…] dentre estas primeiras dedicações é possível levantar a hipótese de um ponto geográfico inicial para o culto […] há alguma evidência apoiando a crença na existência da tumba dos dois na região de Ciro, no norte da Síria de uma data antiga”19 (Harrold, 2007, p. 30, tradução livre).

Daí, a “adoção dos santos em muitos lugares seguiu rapidamente. Por exemplo, por meados do século V, ao mínimo duas igrejas dedicadas aos SS. Cosme e Damião tinham sido erguidas em Constantinopla20” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre).

Porém, como se sabe, há uma basílica que o “papa Félix IV mandou construir em honra deles no Foro Romano […]. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente”, sendo que com a “meta mais de turistas que de devotos, pelo esplêndido mosaico que lhe decora a abside” (Cosme…, 2013, s/p). Assim, a Basílica de SS. Cosme e Damião em Roma21 é importante para o estudo do desenvolvimento e expansão da devoção. Teodorico, o Grande, rei dos Ostrogodos e a sua filha Amalasunta, doou ao papa Félix IV, em 527 d. C., a biblioteca do Templo da Paz (Bibliotheca Pacis) e também uma parte do Templo de Rómulo. Félix IV uniu os dois edifícios e criou a basílica dedicada aos dois santos gregos Cosme e Damião, um contraste ao culto pagão a Castor e Pólux, outrora adorados num templo situado no Fórum Romano (Basilica…, s/d)22. A fundação da igreja está descrita no LiberPontificalis:

“Aqui ele erigiu a basílica dos Santos Cosme e Damião no lugar chamado Via Sacra, perto do templo da cidade de Roma”(apud Harrold, 2007, 34, tradução livre)23.

Como coloca Harrold (2007, p. 34, 35), não se sabe as razões exatas porque essa igreja foi construída nessa área, mas podem-se levantar algumas especulações. Aliás, a área em que foi construída a Basílica não era populosa. No começo do quinto século mostrava-se interesse pelos santos orientais (uma igreja à Santa Anastácia é dedicada também nessa época). Acreditamos que é bom o argumento de que a igreja intencionava competir e combater cultos pagãos de cura que ocorriam na mesma área. “A locação da igreja, no lado oposto do fórum para os centros devocionais dedicados a Dioscuri e Asclépio, pode ter intentado providenciar uma alternativa cristã a  estes lugares” 24 (Harrold, 2007, p. 35, tradução livre).

O culto de Cosme e Damião em Portugal

Augusto da Silva Carvalho, em 1928, escreveu O Culto de Cosme e Damião em Portugal e no Brasil – História das Sociedades Médicas Portuguesas. Segundo ele, a devoção a esses santos em Portugal está muito  ligada ao  fato das confrarias se constituírem naquele país principalmente reunindo pessoas de uma mesma profissão em volta de um santo protetor. A escolha pelos médicos dos santos Cosme e Damião como patronos entre tantos outros santos médicos (Carvalho faz uma longa lista) deve-se ao fato de que eles, além de terem sido médicos, foram santos. Por isso, para Carvalho, acompanhar essa devoção em Portugal termina por desembocar em falar da história das sociedades médicas.

Conforme Carvalho (1928, p. 3), “Nos séc. XII e XIII o culto dos dois santos espalhou-se pela Europa Central e Ocidental”. Como padroeiros dos médicos, nota-se que o prestígio da medicina e dos santos estão relacionados. Carvalho (1928, p. 7) nota que “Na Itália o culto dos dois irmãos foi muito extenso”, extensão relacionada “a alta consideração que na Itália tinham pelos médicos”. Assim, a manutenção do culto dos santos e crescimento por obra de confrarias não é algo peculiar ao país lusitano.

Por serem padroeiros dos médicos, um dos materiais para pesquisa dessa devoção em Portugal é um tanto inusitado: os livros de medicina. “Nos livros de medicina publicados em Portugal encontram-se muitas referências aos patronos dos médicos e algumas vezes até esses livros lhes foram dedicados” (Carvalho, 1928, p. 17). Contudo, estudar em Portugal esse culto a partir da devoção às relíquias não é tão promissor porque Portugal é “muito pobre em relíquias dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 15).

Conforme Carvalho (1928, p. 9), “Em Portugal o culto dos dois santos data dos primeiros tempos da monarquia, ou melhor, começou antes da constituição do nosso reino”. Vestígios disso são quadros, monumentos e documentos, incluindo testamentos onde o falecido deixava alguma imagem de santos para um herdeiro. Devoção realmente muito antiga, já em 568, numa freguesia de Azar ou Azere, “no actual concelho dos Arcos de Val houve um mosteiro de frades bentos dedicado a Cosme e Damião” (Carvalho, 1928, p. 21, sic). Em Portugal também “Foi uso em tempos dar a gémeos os nomes dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 17), uso que continua no Brasil. Parece mesmo que os pais portugueses destinavam os filhos à medicina desde o berço dando-lhes o nome desses santos, e “Algumas vezes os médicos e cirurgiões escolhiam para seus filhos os mesmos nomes” (Carvalho, 1928, p. 18), demonstrando não só sua devoção aos santos, mas o desejo de que os filhos seguissem na mesma devoção. Assim, uma família de médicos seria também uma família de devotos.

No entanto, a veneração dos patronos dos médicos não é encontrada somente nos grandes centros, onde haveria concentração tanto de médicos como dos cursos de medicina, mas também “nas mais humildes aldeias, em tôscas e pobres capelas, onde os oragos são representados por ingénuas imagens, em que os sapateiros de província consubstanciaram as lendas e tradições do povo humilde daqueles lugarejos” (Carvalho, 1928, p. 20, sic). Assim, outros profissionais responsáveis pela popularidade dos santos são os sapateiros, que se não têm o mesmo prestígio que os médicos estão mais próximos do povo das aldeias do que aqueles.

Carvalho segue em seu livro listando várias localidades, pequenas aldeias, com nomes dos gêmeos ou nomes derivados dos deles (Cosmode, por exemplo), assim, ele nos mostra que a toponomia e a antroponomia são estudos importantes para acompanhar a expansão da devoção, o que serve certamente também para o caso brasileiro. Aliás, “No Brasil ha várias localidades com o nome dos dois mártires” e “Nos nomes de homens tambêm se encontra vestígio do culto dos mesmos santos” (Carvalho, 1928, p. 54, sic).

A origem do culto de Cosme e Damião em Igarassu e no Brasil

Como sabemos o catolicismo brasileiro é santorial, a ponto de que em “certas casas mais devotas, podemos encontrar folhetos de cordel, quadros ou até imagens reproduzindo a figura de alguns destes santos mais populares” (Mott 1994, p. 3). E catolicismo santeiro brasileiro tem suas origens na religiosidade ibérica, pois “Portugal e Espanha costumavam disputar entre si para saber qual dos reinos ostentava o maior número de santos e beatos reconhecidos” (Mott, 1994, p. 4). Assim, é um tanto natural que a devoção aos santos gêmeos, trazida pelos portugueses, tenha se fixado e se expandido em solo brasileiro.

A Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu25, Pernambuco, de 1535, “considerada uma das principais relíquias da arte colonial brasileira” (Basacchi, 2003, p. 9), é a igreja mais antiga26 do Brasil ainda em atividade.

No dia 27 de setembro de 1530, dia dos Santos Cosme e Damião, com a expulsão dos índios, pelos portugueses, das terras margeantes ao Rio Igarassu, inicia-se o processo de ocupação de Pernambuco. A Construção da Vila de Igarassu é, assim, a marca original da cultura portuguesa nesta região do país. (Programa…, 1979, p. 15).

As despesas para sua edificação correram por conta do Capitão Afonso Gonçalves, que, em carta ao rei de Portugal, datada de 10 de maio de 1548, diz textualmente: “Senhor eu quisera os dízimos desta igreja para os gastar nela e em coisas necessárias para o culto divino e ornamentos, pois sou fundador dela e a fiz à minha custa própria” (Pereira da Costa, 1983, p. 248, 249).

A capela primitiva, provavelmente em taipa, ruiu por volta de 1590/94, segundo informação contida no livro “Primeira Visitação do Santo Ofício: Denunciações e Confissões de Pernambuco”. No mesmo sítio e obedecendo a um alvará real datado de 11 de novembro de 1595, foi construída entre 1595/97, uma nova capela, desta vez de pedra e cal. Hoje, após processo de restauração iniciado em 1958, a igreja recuperou suas características primitivas (Prefeitura de Igarassu, 2010, p. 9).

O professor C. Smith, titular da Cadeira de História da Arte na Universidade da Pensilvânia, nos informa: “A igreja paroquial dos Santos Cosme e Damião, fundada em 1535, foi ampliada no século XVIII por ter sido considerada como a mais antiga do Brasil e o dinheiro usado proveio dos cofres reais” (Biblioteca…, 2011, p. 14). Nos Anais Pernambucanos lemos acerca da conquista dessa terra e acerca dessa igreja:

Dêste porto dos marcos, escreve Jaboatão, saiu Duarte Coelho, e deixando esse braço do rio que cerca a ilha de Itamaracá pelo poente e buscando outra vez o mesmo rio para o sul pouco mais de uma légua, navegando por êle acima duas ao mesmo poente ou meio dia, deram fundo e saltaram em terra, não sem grande oposição do gentio, que no alto, à margem daquele porto tinha uma mui forte e abastada aldeia, que depois de larga resistência, combates e pelejas, foram vencidos e afugentados os seus habitadores. Foi a última vitória a vinte e sete de setembro, dia dos gloriosos mártires Santos Cosme e Damião, e a sua memória consagraram logo aquêle lugar, levantando nêle igreja sua e dando princípio a uma povoação, que depois passou a vila com os nomes dos santos mártires, e foi a primeira da capitania de Pernambuco. […] Aquela igreja, com a invocação dos referidos santos, já estava construída em 1548, como se vê de uma carta de Afonso Sanches, seu fundador, dirigida ao rei a 10 de maio daquele ano, e teve depois a categoria de matriz com a criação da paróquia de Igarassu, em época porém desconhecida; mas como se vê da Informação da Província do Brasil, do Padre José de Anchieta, escrita em 1585, já então estava ereta e canônicamente provida […].(Pereira da Costa, 1983, p. 170-176, sic).

Num dos painéis27 da igreja28 retratando a vitória sobre os índios caetés lê-se:

Vencidos os índios pelos Portuguezes em o dia dos Santos Cosme e Damião, em reconhecimento de tão grande benefício, no mesmo lugar da vitória, que he este de Iguaraçú, fundarão logo este templo, o primeiro que houve em Pernambuco, e o consagrarão aos gloriosos Santos, d’onde forão sempre continuas suas victorias e maravilhas, e debaixo da proteção dos mesmos Santos fundarão esta villa, que também foi a primeira que houve (Igreja…, 1729, s/p, sic).

Augusto da Silva Carvalho (1928), porém, no seu O Culto de S. Cosme e S. Damião em Portugal e no Brasil, não faz nenhuma referência a essa igreja, o que é uma grande falha em sua pesquisa, que a respeito do culto desses santos em Portugal é tão rica de detalhes. Uma das riquezas da obra de Carvalho, no entanto, sobre essa devoção no Brasil, é recuperar a memória da existência de confrarias dedicadas aos gêmeos. Conforme ele, as confrarias “constituíram-se e mantiveram-se durante muito tempo com a designação do santo patrono de cada profissão” (Carvalho, 1928, p. 1).

A escolha dos santos gêmeos para serem os patronos dos médicos no meio de tantos santos que também se dedicaram a medicina (entre os quais S. Lucas, evangelista) explica- se por serem eles mártires. Por extensão, se tornaram santos de todos profissionais da área da saúde. Interessante terem sido tomados também como padroeiros dos sapateiros. Jaime Sodré, em vídeo a TVE Bahia, explica que isso se deve a eles, como médicos, terem feito botas de funções ortopédicas (na azulejaria portuguesa do interior da capela do Convento de Santo Antônio em Igarassu, há a figura deles cuidando da perna de um homem usando desse artifício). Acreditamos que também se deva a associação feita entre Cosme e Damião e Crispim e Crispiniano29, mártires também do século III, patronos dos sapateiros devido a um trocadilho feito entre seus nomes e a palavra grega para sapatos (Di Berardino, 2002, p. 358).

Diferente de Portugal, no Brasil não perecia ter havido confrarias dedicadas a Cosme e Damião, já que o autor não encontrara memória30 delas na população que investigara; “no entanto existem documentos que provam sua existência” (Carvalho, 1928, p. 56). Trata-se dos documentos do Santo Ofício referentes a Manuel Mendes Morforte e Francisco de Siqueira Machado. O primeiro veio à baía em 1698, e lá se tornou irmão da Confraria de S. Cosme e S. Damião e mandou dourar o retábulo da capela desses santos. O segundo, cristão novo, natural do Rio de Janeiro, para provar sua crença na religião católica, lembra, durante o interrogatório, que quando no Rio de Janeiro estava quase extinta a irmandade dos gêmeos, ele que se esforçou para que ela se restabelecesse (Carvalho, 1928, p. 56,57). Em entrevista, o professor Jorge Barreto, diretor do Museu Histórico de Igarassu, afirmou-nos haver nas dependências do Museu, onde funciona o Departamento de Pesquisa Histórica, uma prestação de contas, datada de 1854, da Irmandade de São Cosme e Damião, já dando sinais de falência. Segundo ele, a Irmandade não alcançou a República31.

No Rio de Janeiro32 pareceria “haver uma devoção por estes santos na Igreja de Gonçalo Garcia e S. Jorge, sita na Praça da República. Mas noutros estados a devoção é mais viva e sobretudo na população portuguesa é conservada como grande amor” (Carvalho, 1928, p. 57). É na Bahia, contudo, onde a devoção é mais intensa, onde “não ha casa de gente do povo que não tenha as imagens dos santos, muito tóscas e ingénuas” (Carvalho, 1928, p. 58, sic). Em Salvador, a devoção aparece ligada ao candomblé, onde se distribui o caruru, iguaria feita de quiabo e camarão. Como explica o professor Jaime Sodré (apud Caruru…, 2012), por serem vistos como meninos nas religiões afro, Cosme e Damião têm uma ligação muito especial com os orixás, pois “não tem orixá que não vá ouvir o canto de um menino”. Na zona rural da Bahia, como mostra o documentário Bahia Singular e Plural (Cosme…, 2012), é comum a prática do “Lindro Amor”, quando homens e mulheres saem33 de casa em casa cantando, usando chapéus enfeitados com folhas de seda, e duas crianças à frente levando uma caixa enfeitada contendo a imagem dos santos e flores, para arrecadar donativos (dinheiro, mantimentos, velas…) para fazer a festa.

Como frisamos, a devoção foi trazida ao Brasil de Portugal, onde em muitas de suas localidades “os santos eram invocados para proteger os que faziam longas viagens”, como a devoção aqui chegou “pelos que os tinham como patronos dos navegantes […] o seu culto se radicou sobretudo na beira-mar” (Carvalho, 1928, p. 58). Devoção trazida pelos portugueses e que se espalhou pelo litoral, depois se interiorizou com o garimpo. Os negros eram a grande “máquina” produtiva do garimpo, e, reduzidos a “coisa”, tinham que – como forma de resistência cultural – “sincretizar seus orixás com os santos católicos que lhe foram impostos” (Araújo, 2010, p. 2). Sincretismo esse que perdurou até os dias de hoje, fazendo parte da religiosidade popular do povo brasileiro.

Conclusão

Como no início deste texto, gostaríamos de novamente lembrar a literatura de cordel do Frei Urbano de Souza (1991, p. 23):

É religiosidade
De roupagem popular
Espiritualidade
Com certeza aí está
Toda a criatividade
De nossa modernidade
Muito tem a escutar

O que achamos importante destacar, ao chegar agora ao final desse texto, é que a devoção a Cosme e Damião, tão antiga, como mostramos, no Brasil ainda permanece viva, principalmente na religiosidade popular.

Notas:

Notas:

1 Texto referente a uma comunicação apresentada na 2ª Semana de Ciência da Religião da UFJF realizada entre os dias 16 e 19 de setembro de 2013.

2 Doutorando em Ciência da Religião pela UFJF. Bolsista CNPq

3 Interessante que Acta e Passio sejam atribuídos como os “verdadeiros” nomes de Cosme e Damião.

4 Foxe escreve de dentro do seio protestante, assim, é claro que ele assume o pensamento de o protestantismo é o verdadeiro herdeiro da fé dos mártires, por isso, ele inclui no seu “livro dos mártires” nomes como os de William Tyndale, John Wyclif e John Huss.

5“Para nuestro objeto es importante notar uma formalidade que no faltaba em ningún processo: las actas”.

6 “Las actas de los mártires no son otra cosa que la transcripcion exacta, o poco menor, de los procesos verbales redactados por los paganos y conservados em los archivos oficiales, transcripción que los cristianos reprocuraban por diversos médios, por ejemplo, la compra a los agentes del tribunal”

7“era objeto de trampa e falsificación”

8 Conforme Cacciatore (1988, p. 141) o termo advém do iorubá: “ìbi” – parto; “èji” – dois. A Enciclopédia Barsa (Encyclopedia…, 1997, p. 449) informa que “No Rio Grande do Sul, os Ibejis são denominados Beifes”.

9 Conforme Figueiredo (1953, p. 8), eles se dedicaram a curar não apenas os homens, mas também os animais.

10 Estes são “O Liberorationum visigodo, dos inícios do séc. VIII, o sacramentário Leonino, o Gregoriano de Pádua, o Calendário de Nápoles” (Di Berardino, 2002, p. 347).

11 Já “O sinaxário de Constantinopla contém a 1º de julho três pares de santos homônimos”, ao passo que numa paixão grega sua data aparece como 25 de novembro (Di Berardino, 2002, p. 347).

12 Na imaginação do poeta Frei Urbano de Souza (1991, p. 18), eles morreram abraçados: “Eles então se abraçam/ No auge da santidade/ A Deus do céu adoraram/ Em espírito e em verdade”. Lembrando a clássica distinção aristotélica entre poesia e história, como poeta, ele tem o direito de cantar o que poderia ter sido, diferente do historiador, que tem o dever de contar o que foi.

13 Um dos milagres dos santos doutores teria sido que após serem decapitados, a cabeça deles voltou a se encaixar sobre o pescoço. Esse milagre seria para gente “não perder a cabeça”, ou seja, não perder o juízo.

14 “The Passio describes them as being burnt, stoned, sawed, and finally decapitated, but it is pure legend”

15 Harrold (2007, p. 26) propõe dividir o estudo sobre esses santos entre a tradição latina e bizantina, conforme Harrold (2007, p. 28), no Ocidente desenvolveram-se menos lendas do que na tradição do Oriente.

16 O Primeiro Concílio de Éfeso foi realizado em 431 na Igreja de Maria em Éfeso, na Ásia Menor. Foi convocado pelo imperador Teodósio II e debateu sobre os ensinamentos cristológicos e mariológicos.

17“With no historical proof of actual saints named Cosmas and Damian, the beginnings of the cult are impossible to identify with absolute certainty, but a picture can be built up from the evidence provided by liturgical notices, historical documents and the earliest locations of worship and associated collections of miracles. The rapid spread of the popular cult further obscured its origins”.

18 “doctor saints were certainly known well enough by the early fifth century for a sanctuary to have been built in their honour”

19 “From amongst these early dedications it is possible to hypothesize a geographic starting point for the cult (…) there is quite a bit of evidence supporting the belief in the existence of the tomb of the saints in the region of Cyrrhus in northern Syria from an early date”.

20“The adoption of the saints in many places quickly followed. For example by the mid fifth century at least two churches dedicated to SS. CosmasandDamianhadbeenbuilt in Constantinople.”

21                       Há                       várias                       imagens                          disponíveis         em:

<http://www.franciscanfriarstor.com/archive/theorder/Basilica/index.htm>. Acesso em 21 nov. 2014.

22 As pinturas e o texto desta página da internet são a reprodução permitida do livro The Basilica of Santi Cosma e Damiano e é propriedade da FranciscanFriars.

23″Hic fecit basilicam sanctorum Cosmae et Damiani in urbe Roma, in loco qui appellatur II Via Sacra, iuxta templum urbis Romae.”

24“The location of the church, on the opposite side of the forum to devotional centres dedicated to the Dioscuri and Asklepios, could have been intended to provide a Christian alternative to these places”

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

27 São quatro painéis, todos de 1729: o primeiro retrata vitória sobre os índios caetés, marco da fundação da cidade; o segundo, a construção da Igreja; o terceiro, a invasão e saque de Igarassu pelos holandeses, (ocorrida em 1632, os holandeses ao terem tentado saquear as telhas do telhado da Igreja de Cosme e Damião, teriam sido surpreendidos pela aparição dos santos numa nuvem e, pelo esplendor dos santos, caíram cegos); o quarto painel retrata a peste de febre amarela de 1685 (Igarassu, diferente das cidades suas vizinhas, esteve ilesa a esta peste, o painel retrata várias cidades sendo invadidas pela morte – retratada como tradicionalmente com um esqueleto com uma foice, enquanto em Igarassu os santos, postos nas fronteiras, barram a entrada da morte na cidade. Esses painéis foram transferidos para o Museu Pinacoteca de Igarassu, que funciona no Convento de Santo Antônio, em 1969, para fins de melhor preservação.

28 Não é acessível a todos viajar para Igarassu para conhecer essa igreja, mas é possível “visitar” seu interior         virtualmente   através    de              um                        vídeo                       disponível       em:

<http://www.youtube.com/watch?v=8szLsX1HV2M>. Acesso em 21 nov. 2014.

29 Na Bahia, Crispim e Crispiniano também foram sincretizados com os Ibêjis, por isso, no dia 25 de outubro, dia desses santos, ocorre comemorações como as feitas a Cosme e Damião, porém, com menor intensidade.

30 Seria o caso de perguntarmos quais forças operaram ou contribuíram para que operasse esse esquecimento. Quais razões e circunstâncias motivaram o apagamento das reminiscências?

31 Não pude ter acesso a esse documento porque quando estive em Igarassu (19/09/2013 – 28/09/2013) para minha pesquisa de campo, o acesso ao Departamento de Pesquisa Histórica estava suspenso devido às festividades dos santos. As visitas ao museu aumentam nessa época.

32 No Rio de Janeiro, como o policiamento é feito por duplas de soldados, essas duplas ganharam do povo a alcunha de “Cosme e Damião”, gesto que foi recebido com simpatia pelos policiais, assim “os santos gêmeos tornaram-se também patronos da Polícia Civil da Guanabara” (Basacchi, 2003, p. 9).

33 Já que São Cosme e Damião são vistos como crianças, é natural que eles gostem de passear. Uma das músicas de tradição do “Lindro Amor” chama a dona da casa: “Ô minha senhora/ abra essa porta/ porque São Cosme é tradição/ é coisa nossa”. Como a caixa é levada ao interior da residência ninguém fica sabendo o valor exato que a pessoa depositou, o que evita constrangimento.

Referências

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Disponível                                                                                                         em:

<http://www.frb.br/ciente/2006_2/psi/psi.araujo.f1 rev._vanessa_12.12.06_.pdf>. Acesso em 30 jul. 2010.

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Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/as-origens-do-culto-de-cosme-e-damiao/

O Ovo

O escritor norte-americano Andy Weir escreveu um pequeno conto em 2009. É uma história que é ao mesmo tempo bonita e assustadora. Vou deixar você desbrava-la.

Você estava a caminho de casa quando você morreu.
Um acidente de carro. Nada particularmente marcante, mas mortal, no entanto. Você deixou uma mulher e dois filhos. Foi uma morte indolor. Socorristas tentaram o impossível para lhe salvar, mas sem sucesso. Seu corpo estava tão machucado que é melhor desse jeito, acredite em mim…
E lá, você me conheceu.
“Então… o que houve?” você perguntou. “Onde estou?”
“Você está morto,” eu disse, no mesmo tom que banalidades são ditas. Sem querer enrolar.
Havia… um caminhão? Uma derrapagem…”
“Sim,” eu disse.
“Eu… estou morto?”
“Sim. Mas não se preocupe. Todo mundo morre,” eu disse.
Você olhou ao seu redor. Nada. Uma expansão de nada. Somente você e eu. “Que lugar é este?” Você perguntou. “É o paraíso?”
“Mais ou menos.” eu disse.
“Você é Deus?” você perguntou.
“Sim,” eu respondi. “Eu sou Deus.”
“Meus filhos… minha esposa,” você disse.
“Sim, e?”
“Eles ficarão bem?”
“É isso que eu gosto de ver,” eu disse. “Você acabou de morrer, e sua primeira preocupação é a sua família. Isso é bom, eu gosto.”
Você me observou com fascinação. Em seus olhos, eu não parecia com Deus. Só algum homem. Ou alguma mulher. Um exemplo de autoridade, talvez, mais do tipo professor do que o todo-poderoso.
“Não se preocupe,” eu disse. “Eles vão superar. Seus filhos irão se lembrar de você como uma pessoa perfeita de todos os ângulos. Eles não tiveram tempo de desenvolver desprezo por você. Sua esposa irá chorar, tenha certeza, mas bem lá no fundo ela estará secretamente aliviada. Para ser honesto, seu casamento estava afundando. Se te ajuda, ela se sentirá muito culpada pelo sentimento de alivio.”
“Oh,” você disse. “E agora? Eu irei para o paraíso, ou para o inferno, ou o quê?”
“Nenhuma das opções,” eu disse. “Você irá reencarnar.”
“Ah,” você disse. “Então os Hindus estavam certos!”
“Todas as religiões estão certas, cada uma de sua forma,” eu disse. “Venha, vamos lá.”
Você me seguiu enquanto caminhávamos pelo vazio. “Onde estamos indo?”
“Nenhum lugar em particular,” eu disse. “É bom caminhar enquanto conversamos.”
“Então, qual é o objetivo, de repente?” você perguntou. “Quando eu renascer, eu serei como um quadro em branco, certo?” Um bebê. E, portanto, todas as minhas experiências, e tudo o que eu já tenha feito nesta vida não contarão mais.”
“Nem tanto!” eu disse. “Você tem em você todo o conhecimento, todas as experiências das suas vidas passadas. Você não se lembra agora, isso é tudo.”
Eu parei de caminhar e lhe peguei pelos os ombros. “Sua alma é grandiosa, mais bonita, mais gigante que qualquer coisa que você pode imaginar. Um espírito humano não pode jamais conter mais do que uma pequena parte do que você é. É como colocar seu dedo em um copo d’água para ver se está quente ou frio. Você coloca somente uma pequena parte de você lá, e quando você a tira, você remove todas as experiências que ela teve.”
“Você tem estado em uma forma humana pelos últimos 48 anos, então você ainda não se expandiu, para sentir o resto da sua imensa consciência. Se ficássemos aqui tempo suficiente, você começaria a lembrar de tudo. Mas não há porque fazer isso entre vidas.”
“Quantas vezes eu reencarnei, então?”
“Oh, muitas. Toneladas e toneladas. E em várias diferentes vidas. ” eu disse. “Desta vez, você será uma pequena garotinha camponesa na China de 540 a.C”
“Espera, o quê?” você gaguejou. “Você está me enviando de volta ao passado?”
“Bem, sim, tecnicamente, eu acho. Tempo, como você conhece, somente existe no seu universo. As coisas são diferentes de onde eu venho.”
“De onde você é?” você perguntou.
“Oh, claro,” eu expliquei “Eu venho de algum lugar”. Algum outro lugar. E lá há outros como eu. “Eu sei que você gostaria de saber como é lá, mas honestamente, você não entenderia.”
“Oh,” você disse, um pouco desapontado. “Mas espera. Se eu reencarnei em outros tempos, eu fui capaz de interagir comigo mesmo algumas vezes.”
“Claro. Acontece o tempo todo. E em cada vida sua, você só foi capaz de reconhecer aquela existência, você nem percebeu isso acontecendo.”
“Então, qual o sentido disso?”
“Sério?” eu perguntei. “Sério? você quer que eu te explique o significado da vida?” Não é um pouco clichê?”
“Ok, mas foi uma pergunta razoável,” você insistiu.
Eu olhei em seus olhos. “O significado da vida, a razão pela a qual eu criei este universo todo, é para você crescer.”
“Você quer dizer a humanidade? Você quer que a humanidade cresça?”
“Não, somente você. Eu criei esse universo somente para você. A cada vida você cresce, você se torna mais rígido e seu intelecto amadurece, se amplia.”
“Somente eu? Mas então, e todos os outros?”
“Não há mais ninguém,” eu disse. “Neste universo, só há eu e você.”
Você olha para mim. “Mas e todas as outras pessoas na terra…”
“Tudo faz parte de você. Diferentes incarnações de você.”
“Espera… eu sou todo mundo!?”
“Ah, aqui está você, começando a compreender,” eu disse, pontuando minha sentença com um tapinha de parabenização nas suas costas.
“Eu sou toda a existência humana que já existiu?”
“Ou que irá existir, sim.”
“Eu sou Abraham Lincoln?”
“E você é John Wilkes Booth também,” eu acrescentei.
“Eu sou Hitler?” você disse, consternado.
“E você é os milhões que ele matou.”
“Eu sou Jesus?”
“E você é aqueles que o seguiu.”
Você continuou e silêncio.
“Sempre que você leva alguém como uma vítima,” eu disse, “é você quem está sendo levado como uma vítima. Todo ato de generosidade que você fez, você fez. Todo momento feliz ou triste que um ser humano experimentou foi, ou será, experimentado por você.”
Você continuou pensativo por um longo tempo.
“Por quê?” você disse. Para que tudo isso?”
“Porque um dia, você se tornará como eu. Porque é isso o que você é. Você é um de mim, meu filho.”
Wow,” você disse incrédulo. “Você quer dizer que eu sou um deus?”
“Não. Ainda não. Você é um feto. Você está em crescimento. Uma vez que você tenha vivido todos os tempos, você terá crescido o suficiente para nascer.”
“Então todo o universo,” você disse, “é somente…”
“Um ovo.” eu respondi. “Venha, agora é hora de você seguir em frente para a sua próxima vida.”
Eu eu te encaminhei.

#Reencarnação

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-ovo

Mapa Astral de Paulo Coelho

Paulo Coelho nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 24 de agosto de 1947. Filho do engenheiro Pedro Paulo Coelho e de Lígia Coelho. Fez seus estudos no Rio de Janeiro. É casado, desde 1981, com a artista plástica Christina Oiticica. Antes de dedicar-se inteiramente à literatura, trabalhou com diretor e autor de teatro, jornalista e compositor. Escreveu letras de música para alguns dos nomes mais famosos da musica brasileira, como Elis Regina e Rita Lee. Seu trabalho mais conhecido, porém, foram as parcerias musicais com Raul Seixas, que resultou em sucessos como “Eu nasci há dez mil anos atrás”, “Gita”, “Al Capone”, entre outras 60 composições com o grande mito do rock no Brasil.

Seu fascínio pela busca espiritual, que data da época em que, como hippie, viajava pelo mundo, resultou numa série de experiências em sociedades secretas, religiões orientais, etc. O Alquimista é um dos mais importantes fenômenos literários do século XX. Chegou ao primeiro lugar da lista dos mais vendidos em 18 países. Tem sido elogiado por pessoas tão diferentes como o Prêmio Nobel de Literatura Kenzaburo Oe, o prêmio Nobel da Paz Shimon Peres, a cantora Madonna e Julia Roberts, que o consideram seu livro favorito. A edição ilustrada pelo famoso desenhista Moebius (autor, entre outros, dos cenários de O Quinto Elemento e Alien) já foi publicada em vários países. The Graduate School of Business of the University of Chicago recomenda o romance no seu currículo de leitura. Também foi adotado em escolas da França, Itália, Brasil, Estados Unidos, dentre outros países.

Mapa Astral

Com Sol, Mercúrio e Vênus cravados na posição Leão-Virgem (Rei de Moedas); Lua em Sagitário; Ascendente em Touro e Caput-Draconis em Touro-Gêmeos (Rei de Espadas); Marte em Câncer; Júpiter em Escorpião e Saturno em Conjunção com Plutão em Leão.

A combinação das Energias de Leão e Virgem (Rei de Moedas), que são as mais fortes no Mapa de Paulo Coelho, foi descrita por Vicky Noble como “Uma pessoa que aprendeu a trabalhar no plano físico de tal maneira que será bem sucedido no que quer que faça. Saber aonde ir e como chegar lá”. Mistura o brilhar leonino com o trabalhar virginiano. Seu Planeta mais forte é Mercúrio (por que não estou surpreso?)

A Lua em Sagitário é a lua dos otimistas, das pessoas capazes de observar o mundo ao seu redor e formular regras, leis e interpretações a respeito dele. Paulo Coelho poderia ter sido um filósofo bem sucedido (na verdade, ele nunca deixou de sê-lo) mas a energia de Júpiter em Escorpião o levou para a área do hermetismo, magia e do ocultismo, onde provavelmente conseguiu travar contato com seu Sagrado Anjo Guardião.

Saturno em Leão nas oitavas mais altas implica em responsabilidade com o que se comunica; a restrição e o cuidado com que se trabalha a própria imagem e o que se quer expor… É uma energia indispensável a reis e pessoas que estarão servindo como exemplo para outras.

Seu Caput-Draconis é o resultado destas decisões e o que ele está realizando agora: o Rei de Espadas, senhor das palavras que reúne a curiosidade e comunicabilidade geminiana com a profundidade taurina. Posso afirmar com toda a certeza que ele conhece muito sobre magia e ordens iniciáticas. Muito mais do que 99% dos manés que o criticam…

Se a Alquimia é realizar a Verdadeira Vontade e ser bem sucedido no que se ama fazer; e magia é a arte de concretizar em Malkuth o que se projeta em Yesod, não resta a menor sombra de dúvida que Paulo Coelho é um dos maiores magos deste século. Os pseudo-céticos e babacas de plantão costumam xingar a sua obra sem ler (engraçado que só aqui no Brasil, reino da Igreja Católica e Evangélica, os criticos do resto do mundo sempre o elogiaram bastante) simplesmente porque ele teve a ousadia de se declarar mago em público.

Seus textos, em linguagem coloquial e facilmente compreensíveis, trouxeram milhões de pessoas em contato com o universo da espiritualidade (pessoas com bem menos oportunidades do que os leitores deste blog, diga-se de passagem, que de outra maneira nunca teriam sequer descoberto este caminho) e ajudaram muito a melhorar o karma do planeta.

#Astrologia #Biografias

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/mapa-astral-de-paulo-coelho

Podcasts, Palestras e Bate-papo sobre Hermetismo

Conseguimos reunir em um único post boa parte das palestras, entrevistas e bate-papos sobre Kabbalah, Hermetismo, Maçonaria, Oráculos e Ordens Iniciáticas que estão espalhados pela net. Assim facilita a busca dos vídeos e fica mais tranquilo assistir aos que ainda não viram.

Palestras e Entrevistas sobre Hermetismo:

– A Kabbalah e os Deuses de Todas as Mitologias (Sociedade Teosófica)

– Astrologia Hermética (Sociedade teosófica)

– Bate papo sobre Oráculos no Conhecimentos da Humanidade

– Bate papo sobre Alquimia no Conhecimentos da Humanidade.

– Entrevista dada ao site Thelema.com

– Podcast sobre Hermetismo no Conversa entre Adeptus – parte 1

– Podcast sobre Hermetismo no Conversa entre Adeptus – parte 2

– O Louco no Tarot de Rider-Waite e Thoth

– Entrevista sobre Simbolismo e História da Arte dentro do Tarot.

– Entrevista no programa E-farsas sobre Maçonaria

– Entrevista sobre Ordens Iniciáticas e ocultismo

– Podcast sobre Maçonaria no Podcast “Descontrole”.

– Maçonaria e Ordens Iniciáticas no Podcast Mundo Freak Confidencial.

– Astrologia Hermética no Podcast Mundo Freak Confidencial.

– Entrevista sobre Teorias da Conspiração.

– Programa “Entre o Céu e a Terra” TVBrasil- Símbolos e Representações.

– Programa “Entre o Céu e a Terra” TVBrasil – Espiritualidade, Sexo e Prazer.

– Entrevista sobre Astrologia Hermética, no Podcast “Descontrole”.

– Entrevista sobre Ocultismo e Teoria da Conspiração no site E-Farsas.

– Entrevista sobre Filosofias Hermética, no Podcast Contos Acabados.

– Entrevista sobre Ocultismo e Magia Moderna no Occultacast.

– Entrevista sobre Origens do hermetismo – parte 1 com Fredi Jon.

– Entrevista sobre Origens do hermetismo – parte 2 com Fredi Jon.

– Brasileiros notáveis – Marcelo Del Debbio apresentado por Gastão Moreira.

– Palestra sobre a História dos Oráculos, na Sociedade Teosófica

– Mitologia e RPG, bate papo no “canal Roleplayers”.

#Blogosfera

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/podcasts-palestras-e-bate-papo-sobre-hermetismo