As Possibilidades Humanas – Parte 3

 Série Plano Astral e Fenômenos Psíquicos: 1. O Plano Astral e o Hermetismo / 2. As Forças Invisíveis

PASSIVO (absorvendo e desperdiçando)
Médiuns (principalmente de efeitos físicos) -> Forças inferiores
Médiuns Psíquicos (adivinhos, poetas, profetas) -> Forças superiores
ATIVO (concentrando e emitindo)
Magnetizadores (curandeiros, etc.) -> Forças inferiores
Iniciados e Adeptos (terapeutas, alquimistas, Teurgos) -> Forças superiores

Consideremos primeiro as constituições passivas, levadas à aspiração etérea pela sequência dos seus próprios desperdícios. As forças ou átomos dinamizados que se cruzam no éter-ambiente, chocando seu centro magnético, mudam-no constantemente: daí a sua impressionabilidade exagerada. Se sua constituição moral, seus hábitos anímicos facilitam este deslocamento para os órgãos corporais, tendendo ao mesmo tempo a isolá-los dos órgãos espirituais arrebatados, o sensitivo se tornará um médium de efeitos físicos. Um sujeito magnetizável, hipnotizável, de fácil sugestão e propenso à letargia.

Se o deslocamento tende mais em direção às regiões anímicas, o espírito interior (Chayad, Buddhi, Tinh), retendo também a alma ancestral, toma uma certa consciência (mais ou menos clara conforme a espiritualidade) das forças que o assaltaram. Assistimos então aos fenômenos de lucidez, clarividência, clariaudiência, profecia, previsão.

Estes fenômenos apresentam uma quantidade de nuanças conforme a intensidade da influência exterior, a mobilidade constitucional e o grau de espiritualidade do sujeito. Um verá apenas os seres vizinhos onde outro perceberá uns mais distantes; um verá apenas objetos materiais e outro distinguirá claramente os seres astrais e as vibrações etéreas. Pode acontecer que esses deslocamentos do centro magnético se produzam sob a influência de forças acidentais, que não dirigem nenhuma vontade especial. Neste caso, resultarão apenas em alucinações que por acaso parecerão pensamentos.

Ao inverso, pode acontecer que uma vontade superior se apodere do sujeito completamente; basta para isso que ela ocupe o seu centro magnético: acontecem então os fenômenos lamentáveis de obsessão e mesmo de possessão, onde muitas vezes a mediunidade dá o perigoso exemplo. É o caso das aparições onde um invisível, geralmente desconhecido, se apodera do fantasma ou mesmo da alma do médium em estado de letargia para se manifestar em aparições tangíveis e ativas.

Finalmente, se o passivo acrescenta à faculdade absorvente de sua constituição uma grande energia de desejos (proveniente da predominância da alma ancestral ou manas inferior), ele se transforma num verdadeiro vampiro astral. Assim se explica a ação particular e muitas vezes surpreendente de certas mulheres sobre seres masculinos; também se encontra num plano superior a explicação do charme feminino em geral. Os antigos simbolizavam a influência particular sobre as almas mais viris pelos domínio de Vênus sobre Marte, de Dalila sobre Sansão e outras lendas análogas.
Observamos agora o temperamento ativo.

Seria quase inútil repetir o que já dissemos: ele será magnetizador ou psicólogo (note que o termo psicólogo é utilizado com uma significação bem diferente da usual), conforme a direção em que seu centro magnético for levado: para o corpo ou para a alma. Se for psicólogo, disporá à vontade deste deslocamento. O que nos interessa saber é o uso que ele fará da força que sabe absorver, concentrar e dirigir. Pode projetá-la sobre seus semelhantes mais passivos, sem consentimento, ocupando-os de surpresa com a cumplicidade de seus centros magnéticos. Produzirão assim uma série de obsessões mais ou menos irresistíveis.

Vergonha e infelicidade sobre aquele que exerce esta faculdade relativamente fácil com a finalidade de prejudicar o seu semelhante. Além da degradação de sua alma ele cria uma verdadeira força de volta, uma reação igual à ação, que recai sobre o autor do crime.

O ativo também pode, ao contrário, forçar as emanações magnéticas daqueles que influenciam a tomar uma direção que lhe permite absorvê-las. É o magnetismo por atração; charme muito difícil de se praticar, mas mais poderoso e mais eficaz do que o seu oposto, o magnetismo por constrangimento, e terá a força do amor que domina toda a criação.

Num grau superior e muito difícil, esta prática dá ao operador o dom da leitura de pensamento, deixando o sujeito perfeitamente inconsciente das intimidades que ele revela. O médium também pode ler pensamento, mas quando o faz é inconsciente, enquanto que o sujeito ativo faz uma leitura voluntária. É fácil compreender que este exercício exija tanta elevação espiritual quanto vontade, pois supõe que a força central seja transferida em um espírito inferior muito desenvolvido. Esta é uma das funções preciosas do psicólogo.

Em vez de agir sobre os seus semelhantes, o ativo pode agir sobre si mesmo. Traz suas forças magnéticas para o organismo corporal e nele produz todos os efeitos curativos, como certos faquires da Índia que conseguem curar seus ferimentos graves instantaneamente.

Também poderá se colocar, somente por sua vontade, em estado de sonambulismo de todos os graus e até sair do corpo astral onde o corpo espiritual está envolvido inteiramente (fantasma, centro magnético e alma ancestral), arrastando uma parte do espírito interior de maneira a poder realizar a ubiquidade completa e de aparecer com todas as faculdade humanas num lugar diferente daquele onde seu corpo dorme.
É fácil de se compreenderem as dificuldades de semelhantes realizações. A força de vontade nestes casos não é suficiente para se defender dos ataques dos seres invisíveis, de maior força ainda, desejosos de ocupar a forma corporal abandonada; pode acontecer uma complicação orgânica, muitas vezes mortal se o operador se precipita bruscamente em socorro dos seus despojos, ou a alienação mental (alienum in mente) se ele não pode reentrar.

Vemos então que desenvolvimento psíquico é necessário para se realizar uma atividade espiritual igual àquela que supõe a ubiquidade voluntária.

O êxtase que permite à alma penetrar nas regiões ultraterrestres é da mesma ordem. Esses fenômenos são reservados aos psicólogos mais elevados. Mas se por acaso o pensamento do mal dá força a uma inteligência poderosa, devemos lamentar amargamente a alma que exercerá semelhantes poderes.

Finalmente o ativo pode dirigir seus eflúvios magnéticos sobre os seres invisíveis e as forças naturais. Assim consegue os fenômenos de ordem mágica. Assim é permitido ao homem, por exemplo, ativar a vegetação como fazem alguns faquires. Ou, ao contrário, retirar deles uma parte dos seus eflúvios magnéticos carregados de força vital. Pode também modificar as forças físicas até, por exemplo, se tornar invisível na atmosfera, praticar a levitação, interferir nos fenômenos meteorológicos, decompor a matéria e em seguida refazê-la no lugar onde quiser. O alquimista pertence a esta espécie de fenômenos.

Os poderes concedidos a uma criatura são proporcionais ao seu avanço sobre a rota indefinida que se estende entre o nada e as beatitudes conscientes do ser. As funções da natureza são operadas na maioria das vezes pelo próprio espírito porque o nada ainda é muito fraco para ter uma iniciativa suficiente. As funções cósmicas, principalmente, físico-químicas, meteorológicas, que são de ordem universal, não podem ser abandonadas a criaturas ainda incapazes de compreender o fim tão bem como o funcionamento, incapazes principalmente de executá-las com desinteresse. O comando das forças e dos espíritos naturais exige uma grande perfeição moral, a mais alta espiritualidade, e só pode ser exercido para o bem universal como auxiliar da vontade divina. Os fenômenos teúrgicos, tão raros quanto sublimes, são desta mesma ordem porque supõe uma alma superior à humanidade comum, pronta para as regiões celestes. Entretanto, a ambição e o orgulho do homem são tão grandes que ele chega a cobiçar os poderes alheios quando os seus são poucos. E de fato pode usurpá-los, tal é a latitude que o criador lhe deu. Mas com quais riscos? Esta usurpação se constitui na obra mágica, no naturalismo, e nas obras baixas de feitiçaria. Depois dessas explicações, bastam algumas palavras para defini-los.

A magia cerimonial é uma operação pela qual o homem procura constranger, pelo próprio jogo das forças naturais, os poderes invisíveis de diversas ordens e agir segundo o que lhes pede. Ele surpreende e consegue, projetando pelo efeito das correspondências que supõem a unidade da criação, as forças das quais ele mesmo não é o mestre mas podendo abrir para ele caminhos extraordinários. Daí surgem esses pentáculos, estas substâncias especiais, essas condições rigorosas de tempo e de lugar que é preciso observar sob pena de grandes perigos porque o audacioso estará exposto à ação de poderes perto dos quais ele não passa de um grão de poeira.
A magia cerimonial é absolutamente da mesma ordem da nossa ciência industrial. Nosso poder é quase nulo perto do vapor, da eletricidade, da dinamite; mas, ao contrário, por combinações apropriadas de forças naturais tão fortes quanto elas nós conseguiríamos transportar ou quebrar as massas que nos anulariam, usando-as então para nos transportar de um lugar para o outro e nos prestar uma série imensa de serviços.
A magia supõe então uma confiança audaciosa na ciência e somente nela. Pede apenas inteligência e conhecimento das forças invisíveis. Ela rouba o seu uso que está reservado àqueles que o amor do ser elevou à altura do sacrifício de si mesmos (arcano XII do Tarot). É por isso que a Luz do Egito representa-a para nós com razão como sendo o suicida dos elementos femininos da alma humana; os antigos o simbolizaram pelo castigo de Prometeu.

Prometeu tinha conquistado a ciência que o fazia orgulhoso. Mas por um Prometeu, quantos pobres mágicos ignorantes, miseráveis cozinheiros do astral, inteiramente ignorantes de suas reações se queimaram cruelmente em seus fogos!

O segundo caminho torto que conduz à produção de prodígios é o naturalismo. Longe de cometer audácias ele é completamente passivo, ainda que intelectual. Ao contrário do primeiro, pode ser representado como sendo o suicida dos elementos masculinos da alma. Consiste em se submeter aos espíritos naturais em vez de dominá-los. Assim procedem muitos faquires e médiuns. Através dele poderá ser reproduzido tudo o que os poderes dos espíritos quiserem com a ajuda de um organismo encarnado: crescimento rápido dos vegetais, curas instantâneas, alucinações por correntes poderosas dos elementais Kama-manasiques sobre o centro magnético dos espectadores e outros prodígios feitos por diversos praticantes de baixo estágio, principalmente na Índia. Estas práticas não acontecem sem uma certa sedução: é preciso uma certa religião, uma certa santidade, uma espiritualidade aparente para se submeter aos etéreos invisíveis, frequentemente muito poderosos em suas esferas. Mas qual é o prêmio por estas inúteis vaidades?

Adorar os espíritos naturais, identificar-se com eles, emprestar-lhes o organismo humano é fazer um ato de regressão contra a natureza; é a mesma coisa que renovar a queda do anjo cantada por Lamartine. Sem dúvida ajuda-se poderosamente a ação desses espíritos de ordem inferior e suas ações tão universais como as nossas, mas decompondo a personalidade consciente para descer ao nível deles. É ao mesmo tempo um ato de ingratidão para com a providência cujo socorro divino levou o homem até as portas do Céu. Enfim não podemos deixar de reconhecer neste esforço de uma miserável ambição uma espécie de baixeza que está acima da magia cerimonial.
A feitiçaria é uma outra forma dessas passividades mais repugnantes ainda. Acrescenta à fraqueza do naturalismo a ignomínia e a covardia do mal que se esconde para satisfazer as paixões mais vis. É inútil lembrar aqui os terríveis retornos: devem ser julgados pela consideração dos espíritos aos quais o feiticeiro entrega a sua alma.
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Retirado da obra :

Tratado Elementar de Ciências Ocultas (Papus)

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/as-possibilidades-humanas-parte-3

O Misticismo Taoista

Por Gilberto Antônio Silva

Semana passada eu assisti ao filme do Dr. Estranho. Era um personagem que há muito eu deseja ver nas telas. Achei o filme muito interessante e que não deixou muito a desejar. Mas eu esperava um pouco mais de filosofia, de conhecimento místico de verdade (não importa a ramificação). Houve apenas uma cena em que isso aconteceu e o restante do filme se desenrolou na base da fantasia, ficção científica e efeitos especiais. Uma pena.
Em suma, um bom filme no Universo Marvel, mais adulto e complexo, com uma pitada de espiritualidade. Mas o motivo desses comentários é que saí do cinema pensando em quanto as pessoas desconhecem a amplidão do Taoismo. Parece um poço sem fundo de conhecimentos onde mesmo depois de décadas de estudo perseverante não divisamos nele nenhuma pista sobre um final. É o caso do misticismo taoista, muito pouco conhecido.

Todos sabem que o Taoismo (Daojia) é uma filosofia antiga e muito sólida cujos alicerces remontam ao Yi Jing (I Ching), há 3.000 anos. A partir do ano 142 de nossa Era ele começa a virar religião (Daojiao) através do trabalho do Mestre Zhang Daoling. Mestre Zhang era um estudioso taoista que teve visões de Laozi lhe passando informações e a missão de difundir esses ensinamentos. O Taoismo, então, começa a crescer como religião e a absorver a antiga religião ancestral chinesa (Shendao).

O Shendao é tão antigo que ninguém sabe quando começou ou quem o iniciou. É um conjunto de crenças, ritos e técnicas que remontam à idade neolítica e aos primeiros habitantes da China, dezenas de milhares de anos atrás. Ele possui profundas raízes xamânicas e está mergulhado no antigo misticismo das estepes mongóis. Um conhecimento tão antigo quanto a mais antiga das tradições de magia que conhecemos no Egito ou Europa. Algo que está permanentemente entranhado nos arquétipos humanos, por mais que a moderna (e superficial) ciência nos diga que não existe.

A maior parte de seu conhecimento era transmitida oralmente e praticado segundo nuances e características próprias de cada região da China, apesar de vários pontos de convergência. O poder que emana do Céu (Tian), o culto aos antepassados, o respeito pelas forças da Natureza, a existência de divindades, seres elementais e demônios de todos os tipos eram ideias em comum que permeavam essa prática.

Ao se fundirem, o Daojia e o Shendao se tornaram ainda mais poderosos. O Shendao ganhou uma filosofia sólida, que não apenas explicava muito bem sua metafísica como servia para incrementar seus rituais, que se tornaram mais complexos e formais. Dessa forma pôde enfrentar o Budismo que cresceu muito a partir do século IV. O Taoismo, por outro lado, ganhou espaço junto à população mais simples que não era muito afeita aos rigorosos treinamentos e pesada filosofia, mas apreciavam os rituais e as práticas que eram muito próximas do que era feito tradicionalmente dentro de suas famílias. Também ganhou um lado místico que estava praticamente ausente nos seus primórdios.

Embora sempre estivesse com um olho no Absoluto, em busca do Tao e do mergulho no universo latente representado pelo Wuji (vazio primordial), o Taoismo não lidava ainda com algumas forças do mundo invisível. A partir do crescimento do Daojiao os taoistas passaram também a lidar com demônios, seres celestiais, mundos paralelos, encantamentos, invocações e tudo aquilo que já é bem conhecido dos iniciados. Hoje esse conhecimento está restrito a algumas linhagens enquanto a maioria se preocupa ainda com a obtenção da imortalidade, a alquimia interna e a busca pelo Tao.
Algumas práticas místicas taoistas são bastante similares em objetivo às de outras tradições, embora se manifeste através de mecanismos diferentes. Os talismãs, por exemplo, são recursos adotados pelos taoistas desde o início dos tempos. Consistem basicamente em uma mistura de ideogramas convencionais, escrita arcaica, selos e carimbos, e desenhos diversos. A origem documentada dentro da tradição se encontra em algumas escrituras taoistas, como representações de sinais do Céu para trazer sua energia para a Terra.

Existem muitas formas de se fazer um talismã e muitas maneiras de empregá-lo. Em geral se utiliza tinta preta e vermelha sobre um papel amarelo. O talismã pode ser utilizado em uma cerimônia e queimado em seguida; pregado na parede para proteger o local ou expulsar espíritos nefastos; carregado pela pessoa para garantir proteção ou usado por um doente para recuperar a saúde. Também podem ser queimados e suas cinzas misturadas com água e depois bebidas, especialmente para fins terapêuticos.

A possessão é outro fenômeno largamente trabalhado pelos taoistas, que volta e meia eram chamados para resolver esse tipo de problema. Pela concepção taoista, nós possuímos duas almas: Hun (Alma Etérea) e Po (Alma Corpórea). Po é ligado à Terra, ao Ego, às coisas corpóreas e materiais, e Hun às coisas sutis, celestiais e espirituais. Quando uma pessoa se perde nos vícios, sexo desregrado, excesso de bebidas alcoólicas, drogas, músicas turbulentas, o equilíbrio interno fica comprometido. Tudo isso corrompe Po e deprime Hun. Quando o Hun fica muito deprimido e retraído, abre-se espaço para a entrada de seres malignos ou energias perversas, ocorrendo o que se denomina de influência maligna ou “possessão.

Na prática isso não implica necessariamente que depois desse processo de corrupção de Po e depressão de Hun a pessoa será tomada pelo capeta (embora algo assim possa eventualmente acontecer). O mais comum é que esse modo de vida leve ao contágio com energias nefastas bem conhecidas da Medicina Chinesa e do Feng Shui, pois isso abre um buraco no sistema energético da pessoa, facilitando o ingresso de forças nefastas exteriores.

Alguma entidade nefasta pode vir a assumir o controle da pessoa, pois o fato de freqüentar ambientes de baixa qualidade energética já o coloca em contato com tudo o que existe de pior na esfera espiritual. Depois basta uma porta aberta. Quando esse tipo de coisa se manifestava um taoista era chamado para efetuar o exorcismo, uma prática complicada e trabalhosa, que não raramente terminava com a morte do exorcista ao menor descuido. Poucos taoistas se especializavam nessa prática, geralmente gente soturna e de poucas palavras.

O mundo espiritual também possui uma grande quantidade de fantasmas. Um fantasma se forma quando o falecido possui grande apego às coisas materiais e não consegue ser naturalmente levado pela corrente da transmigração (reencarnação) e nem acabar nas prisões infernais, nos subterrâneos de Fengdu. Eles vagam pela Terra, desejando satisfazer seus apetites de coisas materiais ou vingança. Lidar com esses seres era tarefa dos taoistas, assim como caçar entidades maléficas e demônios. A técnica geralmente consistia em utilizar encantamentos, fórmulas e mantras para prender a entidade maligna em uma cabaça ou vaso de cerâmica (modernamente se utilizam até mesmo garrafas de vidro). Existiam mosteiros taoistas famosos por serem caçadores destas entidades. Um deles, que colecionava centenas de vasos contendo demônios, fruto de centenas de anos de combate a estas forças, foi “visitado” pelo Exército Vermelho na Revolução Comunista de 1950, que quebrou grande número destes vasos. Acredita-se que estes seres, agora libertos, se espalharam pelo mundo gerando diversos problemas de guerra, violência e doenças que sentimos ainda hoje.
As invocações também estão no repertório místico dos taoistas. Pode-se invocar uma entidade celestial ou um demônio. Neste último caso, ele pode se tornar um servo do mago. Mas para isso dar certo (e não acabar na morte do mago “vacilação”) é necessário executar muito bem o ritual adequado e saber o nome correto do demônio, coisa que era grafada em vários livros de algumas linhagens. Alguns deles traziam centenas de nomes.

Manipulação da natureza também era uma habilidade muito exercida. Conjurar uma nevasca ou granizo contra inimigos era uma tarefa muito requisitada por reinos em guerra. Da mesma forma, fazer chover em uma seca prolongada era muito útil. Existem vários encantamentos de clima que poderiam ser utilizados.

O exposto é uma pequena parte da tendência mística taoista. O Taoísmo é uma fonte inesgotável de conhecimento que merece ser investigada em sua essência e extensão. E os taoistas, em geral tão cordiais e espiritualistas, vejam só, podem ser barra pesada se necessário.

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Gilberto Antônio Silva é Parapsicólogo, Terapeuta e Jornalista. Como Taoista, atua amplamente na pesquisa e divulgação desta fantástica cultura chinesa através de cursos, palestras e artigos. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura oriental e Taoismo, incluindo o grande sucesso “Os Caminhos do Taoismo”. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br

#Tao #taoísmo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-misticismo-taoista

Movimentos Rosacruzes

Assim como a Maçonaria se intitulava uma Sociedade Secreta, assim também eram os Rosa-Cruzes [cada corrente adota uma maneira especial de grafia: Rosacruz, RosaCruz, Rosa-Cruz, Rosa Cruz]. Hoje, os movimentos Rosacruz são considerados uma Irmandade Secreta, ocultista-cabalística-teosófica, que pretende ter conhecimentos e sabedoria esotérica preservados do mundo antigo.

O tema central dos antigos rosa-cruzes era a reforma geral do mundo. A idéia da Reforma, que no âmbito da Igreja começou com Lutero e seus seguidores, mas que depois ficou atolada no pântano das instituições, teria de ser reavivada e difundida. Agora não se tratava mais de reformar a Igreja, mas na verdade, segundo princípios esotéricos, de reformar o mundo. Os rosa-cruzes assumiam a consideravam como oponentes os jesuítas e os que fossem contra a Reforma. Eles achavam que as pessoas inteligentes de todo o mundo deveriam unir-se para melhorar a sorte da humanidade e aprofundar seus conhecimentos sobre Deus e a Natureza.

Pode-se afirmar que o rosacrucianismo é um tipo de sociedade religiosa eclética, pois admite em seu quadro associativo pessoas de todas as religiões. Tem seus sinais de reconhecimento, palavras de passe e apertos de mão, e também diversos graus hierárquicos, havendo cerimônias especiais para a entrada nesses graus.

Alguns historiadores sugerem a sua origem num grupo de protestantes alemães, entre 1607 ou 1616, quando três textos anônimos foram elaborados e lançados na Europa.

O ano de 1582 foi o ano de mudança de calendário da humanidade. O calendário dito “juliano” cedeu ao “calendário gregoriano”: o dia 5 de outubro de 1582 passou a ser 15 de outubro de 1582. Este fato suscitou impressão sinistra nos povos europeus, já abalados pela revolução marítima, geográfica e histórica do séc. XVI: imaginaram alguns que o mundo estava para acabar, e sombrias profecias se espalhavam pela Europa Central… É sobre este pano de fundo apavorado e dado a alta imaginação que tem origem a Rosa-Cruz.

A história dos rosa-cruzes teve início na pequena cidade alemã de Kassel no ano de 1614, com a publicação de um pequeno manifesto anônimo de 38 páginas intitulado “Fama Fraternitatis R. C. – Reforma geral e comum de todo o amplo mundo” (ou Chamado da Fraternidade da Rosacruz), com um subtítulo, “Mensagem da Irmandade da altamente digna de louvor Ordem de Rosa-Cruz a todos os sábios e líderes da Europa” (vinda da tipografia de Wilhelm Wessel) – ainda que cópias manuscritas do mesmo já circulassem desde 1611, em determinados meios seletos. Ele foi seguido, um ano depois, pelo Confessio Fraternitatis (Confissões da Fraternidade) e, em 1616, por O Casamento Alquímico de Christian Rosenkreutz. Esses três documentos estabeleceram a história, os estatutos e o programa de uma fraternidade até então desconhecida, chamada de a “Ilustre Ordem dos Rosa-cruzes”. Em uma época de enorme tumulto político e religioso, esses documentos louvavam a importância da ética, da moral e da espiritualidade, que poderiam salvar o homem dos erros ocasionados pelos costumes mundanos. Os textos alcançaram um público crescentemente numeroso, e foram republicados em vários países. A Europa inteira tomou-se de entusiasmo pelo personagem que ocupava o centro desses novos ensinamentos, um personagem de perfil lendário: Christian Rosenkreutz.

Outros dois documentos sucederam-no: Confessio Fraternitatis (“Confissões da Fraternidade Rosacruz”) (1615), publicado simultaneamente em Kassel e Frankfurt, e Chymische Hockeit Christiani Rosenkreuz (“Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz”) (1616), publicado na então cidade independente de Estrasburgo (posteriormente anexada pela França, em 1681).

Essa declaração anônima causou um grande estardalhaço tanto na Corte como na cidade, conforme provado nas “memórias” e anais da época. Difundiram-se os boatos mais contraditórios.

A publicação destes textos provocou imensa excitação por toda a Europa, provocando inúmeras re-edições e a circulação de diversos panfletos relacionados com os textos, embora os divulgadores de tais panfletos pouco ou nada soubessem sobre as reais intenções do(s) autor(es) original(ais) dos textos, cuja identidade ficou desconhecida durante muito tempo.

A sociedade européia da época, dilacerada por guerras, tantas vezes originadas por causa da religião, favoreceu a propagação destas idéias que chegaram, em pouco tempo, até a Inglaterra e a Itália. A perturbação causada pela Guerra dos Trinta Anos que irrompeu na Europa deve ter tido algo a ver com isso também.

Em Paris, em 1622 ou 1623, foram colocados posters nas paredes, que incluiam o texto: “Nós deputados do principal colégio dos irmãos da Rosa-Cruz, constituímos residência visível e invisível nesta cidade, pela bondade do Altíssimo, para o qual estão voltados os corações dos justos. Mostramos e ensinamos a falar todas as espécies de línguas, para que possamos livrar os homens, nossos semelhantes, de erro mortal” (…) “Os pensamentos ligados ao desejo real daquele que busca irá guiar-nos a ele e ele a nós”. Em uma Europa dilacerada por guerras religiosas entre católicos e protestantes, o conteúdo dos manifestos rosa-cruzes encontrou solo fértil. Os panfletos circularam rapidamente e logo as idéias da fraternidade eram assunto de conhecimento geral.

Havia diversas razões para tal sucesso. Os objetivos da ordem correspondiam aos propósitos sociais, espirituais e intelectuais das novas elites literárias e científicas européias. Muitas pessoas se sentiam atraídas pela mentalidade progressista da fraternidade, visto que, quando se tratava de admitir novos membros, os rosa-cruzes não faziam distinção de raça, sexo ou posição social.

Muitos alquimistas e “místicos” puseram-se a procurar alguma sede da Rosa-Cruz para nela ingressar. Todavia ninguém encontrava núcleo algum da mesma. Aparentemente sem um corpo dirigente central, assumem-se como um grupo de “Irmãos” (Fraternidade). Em conseqüência, os admiradores mais hábeis tentaram organizar eles mesmos, e segundo os padrões indicados nas citadas obras anônimas, Sociedades Secretas ditas “Rosa-Cruz”. Principalmente na Renânia (Alemanha) fundaram-se numerosos grupos de Irmãos Rosa-Cruz. Nomes como Michael Maier e Robert Fludd apareciam como admiradores das doutrinas rosacruzes.

Logo após terem sido lançados, uma série de outros textos, livros e panfletos surgiram como resposta, alguns defendendo, outros atacando os textos originais.

Entre os anos de 1618 e 1625 existiram aproximadamente 20.000 publicações direta ou indiretamente relacionadas com o Rosacrucianismo editadas por admiradores externos que desejavam apoiar o movimento ou, na maioria dos casos, por inimigos tentando subvertê-lo e desacreditá-lo através da publicação de alegações que consideravam absurdas.

Durante esse período, uma série de organizações também teriam a sua vez nos anos que se seguiram a publicação dos primeiros manifestos rosacrucianos. O mito Rosacruz estava finalmente estabelecido

#Alquimia #Rosacruz

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O que há para se conservar?

“Nada no mundo pode durar para sempre” (frase encontrada numa parede em Pompeia)

Os conservadores insistem em manter o mundo tal qual ele é, ou foi, nalguma “época áurea” em que tudo funcionava, e a moral e os bons costumes eram regra geral do procedimento do bom cidadão. Seu ofício mental é o de relembrar aquilo que já passou, numa tentativa hercúlea de “trazer de volta”, conservar, manter tudo como “sempre foi”.

Os conservadores vivem numa ilha de puritanismo cercada do fluxo selvagem da mudança por todos os lados. O mundo é, afinal, um fluxo… Todos que observam a Natureza percebem isso cedo ou tarde, mas os conservadores insistem em sua crença de que tudo “pode e deve permanecer como está”. É o fundamentalismo da estagnação…

Mas não devemos nos deixar iludir pelos rótulos. Chamar alguém de conservador não significa que aquela pessoa aceite a alcunha, nem tampouco que ela seja 100% conservadora. Dizem que os conservadores são “de direita”, mas há muitos conservadores “de esquerda”. Estes gostariam tanto de conservar a sua própria utopia e o seu próprio ideal, que chegam a embalsamar os seus líderes, tal qual aos egípcios antigos, talvez também mais por motivos políticos do que religiosos.

Quando a Dama de Ferro disse que “não existe essa coisa de sociedade”, estava se alinhando a uma ala dos conservadores que preferiram conservar a ideia do indivíduo. Eles creem piamente que um indivíduo pode “vencer na vida” sem ajuda da sociedade – e que, dessa forma, o Estado, que representa a sociedade, não deveria intervir nos afazeres do indivíduo que está ali, afinal, apenas para “vencer na vida”. Mas, se refletirmos um pouco, o único indivíduo que “venceu na vida” sem uma sociedade é aquele que viveu a vida toda num deserto ou no cume de alguma montanha isolada. Mas neste caso, o fato de ele haver “vencido na vida” nem faz muito sentido, não é mesmo?

Vamos ser sinceros aqui: nenhum ser humano consegue viver sozinho. Podemos não admitir ou não enxergar, mas somos seres gregários, e não há indivíduo que viva fora de uma família, ou grupo, ou sociedade… Portanto, me parece óbvio que existe uma sociedade, a grande questão é o que ela reflete. Pois que toda sociedade reflete o pensamento de seus indivíduos. Quando uma sociedade prefere “fingir que não há sociedade”, é obviamente para o proveito de uma elite, exatamente aquela que “já venceu na vida” – seja no berço, seja através do Mercado.

Por outro lado, pretender que todos os indivíduos de uma sociedade tenham direitos precisamente iguais é uma utopia ainda um tanto quanto inalcançável… Direito a educação básica, a saúde, a uma defesa nos tribunais, ok. Direito a um mesmo salário e um mesmo naco de terra, é hoje obviamente impraticável. Não estamos preparados para a grande utopia da Fraternidade Universal, e a prova disso é que sempre que isto foi tentado, terminou como uma imitação de um feudalismo bizarro, onde o “líder do partido” era uma nova espécie de senhor feudal.

Dizem que não há nada de novo debaixo do Céu, mas ainda que nenhuma substância se perca, apenas se transforme, fato é que tudo muda, tudo vibra, e nada está parado. Os ponteiros sempre se movem no Cosmos, e isto é também válido para este mundo cá embaixo… Você não está parado nenhum segundo, nem quando medita num quarto com as cortinas fechadas. As placas tectônicas se movem e carregam continentes, e este é um movimento lentíssimo… Mas o próprio planeta gira que nem pião ao largo de uma estrela, e esta estrela não está fixa. Sóis como o nosso estão girando em torno de gigantescos buracos negros no centro das galáxias, e mesmo as galáxias estão catapultadas ao Infinito, agrupadas em grandes aglomerados… Mas o conservador gostaria muito de crer que “tudo pode continuar sendo como era antes”!

O que há para se conservar? Certamente, os bons exemplos, os bons pensamentos, as mais belas emoções… Conservemos não uma fronteira ou um sistema político-econômico, mas uma sabedoria muito mais antiga do que a civilização em si. O Chefe Seattle, por exemplo, respondeu assim ao presidente americano (que fez uma oferta pela terra dos indígenas do oeste americano): “Ele diz que deseja comprar nossa terra, mas como pode um homem comprar ou vender a terra, as florestas, os rios, o céu? Esta ideia é estranha para nós”.

O que há para se conservar? Decerto não os hábitos moribundos dos charcos de pensamento estagnado; Decerto não os preconceitos e os dogmas de religiosidade represada; Decerto não a ignorância e o medo do que é novo… São os jovens que herdarão esta terra, aqueles recém-chegados da Mansão do Amanhã. Mas eis que todo o livre-pensador se mantém jovem (ou relembra de sua juventude); e todo poeta, e todo dançarino, recitam, cantam e dançam; e rodopiam num campo de ventos sempre frescos.

Louco não é o dançarino do Cosmos, louco é aquele que acha possível apanhar o vento com as mãos e o trancafiar nalguma “doutrina”… Não há nada de novo debaixo do Céu, exceto o próprio Céu – a cada vez que o ponteiro se move, tudo muda.

E o ponteiro está se movendo neste momento, e os dançarinos estão seguindo o ritmo de seu fluxo divino…

Esta dança não acaba nunca.

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Crédito da imagem: Scott Barrow/Corbis

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Para ser feliz (parte final)

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Tenho uma amiga que, de tanto andar pelos caminhos do mundo, acabou assumindo para si a difícil tarefa de tentar elucidar qual é, afinal, o caminho da felicidade. Em seu programa para o canal de TV a cabo Multishow ela já entrevistou artistas, filósofos e espiritualistas em geral. Eventualmente chegou a conversar com Matthieu Ricard, o célebre “homem mais feliz do mundo”, segundo estudos neurológicos conduzidos pela Universidade de Wisconsin. Ricard, apesar de ser filho de um renomado filósofo francês e Ph.D. em genética molecular, eventualmente se tornou um monge budista e hoje reside no Nepal, apesar de também rondar pelo mundo todo. Para ele, a espiritualidade é indissociável da felicidade:

Espiritualidade significa lidar com a mente. Pode-se dizer que o treinamento da mente é um tipo de espiritualidade. A religião se vale de técnicas para alterar a mente, mas no fim tudo depende do jeito como você lida consigo mesmo e com o mundo à sua volta… Acho que a compaixão e a empatia são qualidades humanas básicas que todos podem e devem cultivar para se tornarem pessoas melhores, independente se possuem ou não uma religião. Afinal, essas qualidades são muito mais fundamentais que a religião em si [1].

Assim, ficamos sabendo que a espiritualidade que surge da compaixão para com os outros seres é, quem sabe, uma fonte de quietude da mente, de profunda tranquilidade. Mas, e daí? Seria isso, somente isso, o que determina a sua felicidade?

Obviamente, não há absolutamente nada que Ricard possa falar que irá nos descrever exatamente “como é ser o homem mais feliz do mundo”. De fato, suas palavras seriam incapazes sequer de demonstrar “como é ser feliz”, ou ainda, “como ele está feliz no dia de hoje”. As palavras, afinal, são tão somente cascas de sentimentos, e a minha amiga estaria em maus lençóis se quisesse mesmo determinar precisa e cientificamente o que é a felicidade. Felizmente, ela já se contenta em estar no caminho que leva para lá…

Isso me lembra da corredeira que desemboca no mar, após um longo caminho, conforme vínhamos falando. E, se eu já admiti que palavras são nada mais que cascas, minha única esperança de encerrar esta série com alguma dignidade é convidar meus amigos poetas para o meu auxílio, pois que eles sim souberam imprimir em suas cascas alguma parte deste fruto eterno e sem nome [2]:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Quando nos deixamos escorrer juntamente com o rio da Vontade, esta Vontade muito maior do que quaisquer desejos que tivemos ou possamos vir a ter, há um enorme perigo para o ego, e uma enorme promessa de genuíno contentamento para a alma. Que, para encarar o perigo e o abismo do mar, é preciso se abandonar de si, para se reencontrar no céu.

E ninguém disse que seria fácil, mas a cada passo dado, logo se nota que o horizonte a frente é muito maior e mais ensolarado, até que enfim chegamos na praia, na margem do mar que espelha o Tudo, onde brincam as criancinhas:

Na praia dos mundos sem fim as crianças se encontram, com muitas danças e algazarras.
Elas constroem suas casas com areia e brincam com as conchas vazias.
Com as folhas secas elas tecem seus barquinhos e os colocam, sorridentes, para flutuar na vastidão do mar.

As crianças brincam na praia dos mundos.
Elas não sabem nadar, e tampouco arremessar as redes.
Pescadores de pérolas mergulham atrás de pérolas, mercadores navegam em seus barcos, enquanto as crianças catam pequeninas pedras, e depois as espalham novamente.
Elas não buscam por tesouros ocultos, e tampouco sabem arremessar as redes.

Na praia dos mundos sem fim as crianças se encontram.
A tempestade ronda pelo céu sem trilhas, os navios naufragam pelo mar sem rotas, a morte está à solta, e as crianças brincam.
Na praia dos mundos sem fim ocorre o grande encontro de todas as crianças.

E é até estranho de se pensar, mas no fundo toda a criança nasce um ser iluminado, sem saber que é um ser iluminado.

Da mesma forma, é bem possível que um ser iluminado nada mais seja do que uma criança que sabe que é um ser iluminado.

Todos esses santos que foram e que voltaram, e que hoje brincam por todos os cantos, sem rumo que não o de dentro, são talvez aqueles mais indicados para nos dizer o que devemos fazer para sermos felizes… Mas isso não quer dizer que seremos plenamente capazes de compreendê-los:

E agora vocês perguntam em seus corações, “Como poderemos distinguir o que é bom no prazer do que não é bom?”.
Dirijam-se aos seus campos e jardins, e deverão aprender que o prazer da abelha é sugar o mel da flor,
Mas que é também um prazer para a flor ofertar do seu mel a abelha.
Pois para a abelha uma flor é uma fonte de vida,
E para a flor uma abelha é uma mensageira de amor,
E para ambas, abelha e flor, a doação e o recebimento do prazer são uma necessidade e um êxtase.

Povo de Orphalese, busquem ao prazer como o fazem as flores e as abelhas.

Uma necessidade, e um êxtase… No fim das contas, a felicidade é aquilo que ocorre quando não estamos pensando nela…

Quando não estamos pensando em mais nada…

Quando a alma consegue cerrar a cortina do palco da mente, e contemplar a imensidão, em silêncio:

É primavera, e tudo lá fora germina, até mesmo o enorme cipreste.
Nós não devemos abandonar este lugar.
Próximo a borda do copo em que ambos bebemos, leem-se as palavras,
“Minha vida não me pertence.”

Se alguém viesse tocar alguma música, teria de ser uma doce canção.
Nós estamos a beber vinho, mas não através dos lábios.
Nós estamos a sonhar, mas não em nossas camas.
Esfregue o copo em sua testa.
Este dia se encontra além da vida e da morte.

Desista de desejar o que os demais possuem.
Nesta via estará seguro.
“Onde, onde estarei seguro?”, você pergunta.

Este não é um dia para se fazer perguntas, este não é um dia de algum calendário. Este dia é a consciência de si mesmo.
Este dia é o amante, o pão, e a gentileza, ainda mais manifestos do que os lábios poderiam dizer.

Pensamentos tomam forma através das palavras, mas a luz desta manhã vai além, ela é ainda mais antiga do que os pensamentos e a imaginação.

Esses dois estão tão sedentos… Mas é isto o que confere suavidade a água. Suas bocas estão secas, e eles estão exaustos.
O restante deste poema está demasiadamente embaçado para que eles consigam prosseguir na leitura.

Para ser feliz, afinal, é preciso ler muito e conhecer muito, para então abandonar toda leitura e todo conhecimento…

***
[1] Livremente transcrito da entrevista para o episódio 06 da primeira temporada de No caminho da felicidade, com Susanna Queiroz.
[2] Na sequência, trechos (sempre em itálico) da poesia dos quatro grandes poetas da Alma: Fernando Pessoa, Rabindranath Tagore, Khalil Gibran e Jalal ud-Din Rumi. Onde coube, a tradução foi de Rafael Arrais.

Crédito das imagens: [topo] matthieuricard.org/Divulgação; [ao longo] Joel Robinson

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.
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#Espiritualidade #Felicidade #poesia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/para-ser-feliz-parte-final

Os fogos de Copacabana

Já vi muitos fogos em Copacabana, belos, iluminados e multicolores a cortar a primeira noite do ano novo, mas o que me lembro é sobretudo a experiência visual, a água batendo em meus tornozelos, a areia úmida e os amores no entorno. Já não me lembro mais quais anos foram aqueles…

Em todo caso, um ano e um calendário são ficções do Ocidente, e dizem que nem se tratam das mais precisas. Não tenho dúvidas de que o mar jamais parou para contar por quanto tempo desaguou suas ondas nas rochas, até que virassem praias. E, se fosse o caso, o nosso calendário não passaria de um piscar de olhos deste outro tempo de mar, rochas e grãos de areia.

Pegue os beijos de amor, os abraços de amizade, as danças a noitinha, os pés descalços traçando mandalas passageiras, as orações ao horizonte, às brisas vindas sabe-se de onde, os milhões em procissão, vindos de todos os cantos deste planetinha, e onde haverá tempo para registrar a quantos anos Cristo subiu em sua cruz?

No entanto, ao contrário do que ocorre com a natureza, que não torna a noite subitamente dia, nem o inverno primavera, e nem mesmo o céu azul, tempestade, nesta meia-noite simbólica todos os fogos surgem repentinamente do oceano noturno, e como numa grandiosa sinfonia de Mozart, informam aos homens e as mulheres que o Cristo ainda está espalhado por todas as praias e rochas do mundo, embora raros sejam aqueles que percebam ou se lembrem disso…

E assim, como a vida breve de um grande astro de rock and roll, os fogos ascendem aos céus e se consomem em uma fugaz anunciação, e o que eles querem dizer é que, apesar de tudo, ainda há beleza neste mundo, ainda vale a pena vir, observar, aprender, sorrir e chorar, e depois se espalhar novamente por tudo o que há, contanto que nosso fogo possa servir para colorir a festa daqueles que ainda irão nos suceder.

Celebramos mais um giro de nossa imensa casa redonda em torno do mesmo deus de fogo que tem nos enviado luz e calor desde muito antes das praias terem surgido, e este deus é apenas mais um a rodopiar em meio às inúmeras galáxias que também seguem em procissão, sabe-se lá para que canto do universo.

Tudo isso é muito vasto e insondável para que possamos registrar em nossa mente, e talvez por isso, quem sabe, nos ocupemos tanto com as contas do início do ano, a situação da política, ou as contratações para a próxima temporada do campeonato…

No entanto, penso eu, ainda há um espaço em nosso dia, um tempo além do tempo que se conta nos ponteiros, para que possamos de vez em quando voltar a contemplar a inefável luminosidade de tais fogos que, tais quais planetas e sóis e galáxias e almas, foram lançados desde a eternidade, e nos preenchem em cada pensamento, em cada suspiro de espanto, em cada lágrima de êxtase, em cada sopro de misticismo e gratidão.

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Crédito da foto: Eduardo Naddar/O Globo

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#Espiritualidade #Tempo

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Dança e Espiritualidade – Com a Bruxa Debochada

Bate Papo Mayhem é um projeto extra desbloqueado nas Metas do Projeto Mayhem.

O vídeo desta conversa está disponível em: https://youtu.be/567vJ0MUK2E

Todas as 3as, 5as e Sabados as 21h os coordenadores do Projeto Mayhem batem papo com algum convidado sobre Temas escolhidos pelos membros, que participam ao vivo da conversa, podendo fazer perguntas e colocações. Os vídeos ficam disponíveis para os membros e são liberados para o público em geral três vezes por semana, às terças, quartas e quintas feiras e os áudios são editados na forma de podcast e liberados duas vezes por semana.

Faça parte do projeto Mayhem:

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/dan%C3%A7a-e-espiritualidade-com-a-bruxa-debochada-1

Essência do “Calar”

Créditos da imagem: mybittersweetness

Texto escrito originalmente por Norma Villares

Há muito momentos em nossa vida que possuímos a força e já temos certeza da escolha do caminho. Pode parecer aos olhos de muitos que estamos querendo muito mais do que somos capazes de conseguir.

Mas uma voz interna diz: – Vá em frente!

Despreze a opinião dos que, nem de longe, compreendem o que você está buscando e galgará mais um degrau que pode levar você à conquistas maiores.

Assim é o caminho espiritual, aquele que possui a força é visto como louco aos olhos dos que não o entendem. Ao usar a força para ajudar o mundo é preciso nunca ser visto.

Esta é a essência do CALAR dos verdadeiros ocultistas.

E a essência de tornar-se INVISÍVEL do xamanismo

E assim, os anacoretas se retiram da vida mundana, para simplesmente calar, todavia este calar não é não uma fuga, como muitos assim a interpretam.

Acredito que vocês conhecem os quatros verbos dos ensinamentos ocultistas, segundo Eliphas Levi, estes verbos são: SABER, OUSAR, QUERER e CALAR.

A grande experiência de transcendência mostra que estes quatros verbos podem ser conjugados solitariamente, mas pode ser unidos promovendo outra transmutação para alma, descortinando um mundo novo no caminho evolutivo.

Saber calar. Querer calar. Ousar calar.

Desta forma o “SABER CALAR”, detém a sabedoria de silenciar, exatamente na hora certa em que deve-se emudecer. A palavra certa na hora errada é um tiro na culatra. A palavra certa na hora certa, muda toda a história. Assim sendo percebemos numa clareza palmar, que precisamos estar atentos para as oportunidades de “SABER CALAR”, ter sensibilidade para falar na hora exata e de calar quando necessário.

Então, não basta apenas “CALAR”, tem que “QUERER CALAR”, esta energia o detém o poder de sua vontade, tem o domínio de seu livre arbítrio. Este querer manso, da vontade, do coração e da fala. Quando o “sim” é “sim” a vida se torna mais leve, suave e bela Quando o “não” é sim, é um potencial candidato a ter um colapso do miocárdio.

E por último “OUSAR CALAR” este é caminho solitário do ocultista, ele sabe a hora de ousar calar, sair do mundo para refazer sua alma, para planejar novos trajetórias ocultas e para adentrar ao mundo do desconhecido. Lembrando o outro princípio dos ocultistas que dizia: O Bem é silencioso, o Mal por si só é falastrão.

Ousar calar, é o ativo silêncio dos ocultistas, para transformar conhecimento em sabedoria, é preciso ousar calar. Nestes momentos é necessário calar para angariar lucidez e sensatez na instalação do bem. O mal tem muitos ouvidos e pode obstruir o canal do bem. Por isso, inúmeros mestres estiveram silenciosos por certo período, nada explanava sobre seus projetos porque eles ousavam calar, para realizar.

No xamanismo, com muita sabedoria eles ensinam ser invisível, que por analogia pode comparar com “ousar calar”, torna-se uma pessoa comum, não chamar atenção para si mesmo. Caminhar com muita cautela, muito cuidado, como se estivesse pisando em pele de ovo, sem o direito de rompê-la. Na vida de muitos ocultistas, pode ser considerado a utilização do ‘ousar calar’ como um esconderijo, noutras vezes os mestres podem ser apenas discretos.

Este é o caminho essencial do “calar”, e que muitas vezes pode parecer ao mundo, que aquele que sabe calar, é um bobo, é um fraco. Mas, é um momento essencial para a grande abertura rumo ao desconhecido mediante a visão transmundana.

Bem , creio que todos amigos blogueiros, que visitam este blog, tem conhecimentos suficientes para compreender esta conjugação do verbo “calar ” como faziam os ocultistas.

Fica uma pergunta, como está seu lado ocultista?

#Espiritualidade #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/ess%C3%AAncia-do-calar

[parte 4/7] Alquimia, Individuação e Ourobóros: A arte Alquímica

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“Tudo vai, tudo volta; eternamente gira a roda do ser. Tudo morre, tudo refloresce, eternamente transcorre o ano do ser. Tudo se desfaz, tudo é refeito; eternamente constrói-se a mesma casa do ser. Tudo se repara, tudo volta a se encontrar; eternamente fiel a si mesmo permanece o anel do ser. Em cada instante começa o ser; em torno de todo o “aqui” rola a bola “acolá”. O meio está em toda parte. Curvo é o caminho da eternidade.”

– Nietzsche

Alquimia

Esta é a quarta parte da série de sete artigos “Alquimia, Individuação e Ourobóros”, que é melhor compreendida se lida na ordem. Caso queira acompanhar desde o começo, leia as parte 1, 2 e 3.

No post anterior, vimos que, o arquétipo de Hermes, juntamente com o simbolismo do caduceu, serve como organizador e centralizador da psique, atuando no “caos primordial”, estruturando-o e elevando seu potencial. Este caos primordial é análogo ao conceito de prima matéria dos alquimistas. Ambos os conceitos se apresentam como uma fonte de energia desordenada, cuja harmonização permite a obtenção de um potencial incalculável.

“Nasce como uma ciência natural que busca a compreensão da própria natureza a partir de uma especulação filosófica, como se pode ver já na filosofia pré-socrática no século VI a C. É dela que nasce o conceito de prima matéria a partir da crença de que o mundo tinha origem em uma única substância que era subdividida nos quatro elementos terra, ar, fogo e água, os quais, segundo diferentes recomposições faziam surgir todos os objetos físicos existentes no universo. Esta idéia, a prima matéria, teve sua evolução chegando com Aristóteles a ser considerada como pura potencialidade, que em seguida adquire forma, quando é atualizada na realidade.” (SANTOS, 2013)

Para Jung (2008), a manipulação da prima matéria, correspondente aos aspectos inconscientes dissociados. O alquimista tem que realizar a Opus Alquimica, que corresponde ao processo de individuação, transformando seus conteúdos internos e os trazendo a luz da consciência. Esse processo acontece através de três (podem ser quatro) momentos alquímicos e psíquicos: nigredo, albedo, rubedo. Vale a pena frisar que as metáfora alquímicas compreendem um vasto simbolismo, que varia entre os alquimistas e pesquisadores, porém todos resultam no mesmo objetivo: a obtenção da pedra filosofal.

Dentro destes momentos, pode-se dividir a Opus em diferentes estágios, que variam dentro do arcabouço alquímico, mas que neste trabalho, será utilizado as definições de Hauck (1999), podendo ser resumidas em sete estágios de transformação: calcinação, dissolução, separação, conjunção, fermentação, destilação e coagulação.

Esta imagem mandálica é um clássico da alquimia medieval, ela foi primeiramente publicada em 1959 pelo alquimista alemão Basil Valentine, e representa o conceito de Azoth:

“Azoth era considerado como um remédio universal, ou solvente universal utilizado na alquimia. Seu símbolo era o caduceu; o termo, que foi originalmente um nome para uma fórmula oculta necessária para os alquimistas parecida com a pedra filosofal, se tornou uma palavra poética para o elemento mercúrio, o nome é proveniente do Latim Medieval, uma alteração de “azoc”, sendo originalmente derivado do árabe “al-zā’būq”, que significa “o mercúrio”.” [tradução livre] http://en.wikipedia.org/wiki/Azoth

Esta imagem irá nos guiar frente ao simbolismo utilizado na metáfora alquímica. No centro da imagem temos o homem, alquimista. A sua direita, um rei, princípio masculino, solar, a sua esquerda uma rainha, princípio feminino, lunar. A dicotomia já nos é evidente, sugerindo que a integração destes aspectos seriam necessários para atingir a Opus.

Podemos notar a presença dos quatro elementos, como manifestação quaternária do todo, associados à tipologia junguiana. Vemos na imagem, o pé direito do homem na terra, seu pé esquerdo na água, sua mão direta segurando uma tocha, associada ao fogo, e sua mão esquerda segurando uma pena, associada ao elemento ar. Há também os triângulos adjacentes a roda, representando a manifestação trina do corpo, alma e espírito.

Na parte superior da figura, é possível ver uma estranha figura alada, que pode ser associada com o disco solar egípcio ou o topo do caduceu de Hermes (Mercúrio), analisado anteriormente. Exstem uma série de simbolismos na imagem, como por exemplo o leão sob o rei, a salamandra em chamas e os pássaros da roda, porém seria necessário um outro post apenas para interpretá-los.

Por fim, temos a circular dos raios, associados com diferentes cores, que representam os estágios alquímicos. Estes estágios serão nosso foco daqui pra frente.

As etapas Alquímicas

O primeiro raio está associado à calcinação, ou calcinato, intrínseca ao elemento fogo. Para Hauck, esta etapa está psicologicamente associada a morte do ego e destruição dos mecanismos de defesa, a extinção do interesse no mundo material, e as respectivas ilusões associadas a este. Inicia-se o processo de enegrecimento, podemos citar como ilustração desta etapa, “escuro e nebuloso é o início de todas as coisas, mas não o seu fim”, frase de autor desconhecido.

Para Masan (2009), esta operação é realizada na Sombra, onde permanecem os desejos instintivos e não integrados. O fogo é está ligado com a frustração dos desejos, aspecto natural do processo de desenvolvimento associado ao Si-mesmo.

“Os aspectos do ego identificados com as energias transpessoais da psique (Self ou mesmo, o fogo Divino) e utilizados para fins pessoais, sejam de poder ou de prazer, serão calcinados. Quanto maior a dicotomia entre bem e mal, certo e errado, ou seja, quanto maior a polarização desses aspectos neuróticos, mais longa será a calcinação desses elementos, até que o fogo da própria culpa esvazia a balança do julgamento por essa imagem punitiva e compensatória, representada pela ira divina, enquanto imagem arquetípica constelada no psiquismo”(MASSAN, 2009, 26).

O segundo raio está associado com a etapa de dissolução, ou solutio, representada pelo elemento água. Psicologicamente dizendo, está atrelada com a quebra das estruturas artificiais da psique, através da imersão no inconsciente, ou das partes irracionais e rejeitadas. O elemento água como uma abertura das comportas, e inundação de energias pessoais antes cristalizadas, dissolução de aspectos fixos da personalidade.

“A operação apresenta, no aspecto negativo e sombrio, um sentido de dissolução da matéria diferenciada ou conteúdo do ego […]. Por outro lado, em seus aspectos superiores, onde ocorre à transposição de opostos, consolida-se o espírito, ou seja, os aspectos transpessoais da pisque objetiva, o Si-mesmo. É o encontro com o Numinoso, que reestabelece a saúde da relação ego-Self, salvando apenas o que vale ser salvo, os conteúdos realmente alinhados com o Si-mesmo, e redimindo os conteúdos comprometidos, derretendo-os ou reordenando-os em novas estruturas”.(MASAN, 2009, 14)

O terceiro raio diz respeito à separação, ou separatio. É o momento de captar tudo aquilo que sobrou das etapas anteriores e selecionar. É recuperar a energia congelada dos hábitos e pensamentos cristalizados (pré-conceitos, crenças, fobias). Refere-se à essência e energia separada das amarras da matéria. Esta psicologicamente associada à escolha dos aspectos dissolvidos anteriormente, desapegando daquilo que não mais apresenta valor psíquico, explicitando a essência e valores espirituais, portanto, associado ao elemento ar.

“Surge aí à necessidade de dissecar esses conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo e realizar a escolha, a separatio, trazendo a consciência, através do ato de julgar, uma vinculação com o Self. Isso requer um poder para arcar com o ônus dessa escolha, uma desvinculação da necessidade de atender aos critérios do outro, mas sim de ser fiel àquilo para o que aponta o Si-mesmo, da mesma forma como não se pode servir a dois senhores, só que sem o domínio neurótico da unilateridade” (MASAN, 2009, 25).

A conjunção, ou coniunctio, é análoga ao quarto raio da figura. Conjunção é a grande guinada do opus alquímico. Notemos que na figura, através do movimento circular, existe o deslocamento das forças da alma (na direita), para o espírito (na esquerda). Em nível pessoal, a conjunção é o fortalecimento do nosso verdadeiro Self, a união dos aspectos masculinos e femininos de nossa personalidade em um novo sistema psíquico. Esta etapa corresponde à ‘pequena pedra’, ou o primeiro esboço do que seria a pedra filosofal atingida no final da operação.

“Conjunção pode ser vista com a criação de um self superior e a conquista do que Carl Jung nomeou de individuação, no qual o self fragmentado é reunido à um todo original. A criação desta pessoa completa e harmoniosa significa que atingimos nosso máximo no plano terrestre”. (HACUK, 1999, 162)

Associada então com o elemento terra, a conjunção pode ser divida em duas sub-etapas, segundo Masan: coniunctio inferior e superior. Na primeira, a união dos opostos separados de forma imperfeita, resulta em algo que deverá ser submetido a novos procedimentos.

Masan define que a coniunctio inferior acontecerá sempre que o ego identificar aspectos inconscientes, como a sombra, anima, ou mesmo o Si-mesmo (Self), através de uma perspectiva introvertida ou coletiva. Essa identificação deve ser ‘purificada’, ou seja, eliminada, redimida, para dar continuidade ao processo de individuação. A coniunctio superior representa a conjunção mor dos aspectos previamente impossíveis de serem integrados. Após passar pelos estágios anteriores da Opus, a prima matéria pode finalmente ter seus opostos complementados.

“Assim como na alquimia, a psique, dentro do processo analítico, vai transformando-se, ora dispondo-se num lado e ora de outro, no sentido das suas polaridades, até que lhe seja capaz a absorção de uma terceira figura, gradativa e construída, surgida de dentro da sua própria alma que lhe traduz essa expressão de convivência com o dual. A dissolução do conflito, gerado pelas dicotomias neuróticas, concebe o cenário onde essa pedra, em cujo seio se fixa o espírito, se manifesta. […] O casamento Divino, que somente existirá se ali houver o Amor, sua causa e seu efeito.

Enquanto na coniunctio inferior o amor é concupiscente, aqui, na coniunctio superior, esse amor é transpessoal. Revela-se no mundo como o altruísmo em seu sentido extrovertido e na psique, como a conexão com o Si-mesmo, gerando a unidade” (MASSAN, 2009, 34).

Masan apresenta o Amor como uma das chaves para a integração psicológica dos opostos. Seria insensato pensar em amor se associá-lo com o coração. A simbologia do coração é estudada no livro “A Psique do Coração”, de Denise Ramos. A autora apresenta mitos e imagens de culturas americanas que tinham como centro o coração, sendo ele, em quase todas as histórias um ícone do sagrado ou oferecido ao sagrado.

No capítulo “Elegias Para Acalmar o Coração”, é somado às ideias de rezas para ‘abrir’ o coração e permitir o esvaziamento do sofrimento com o preenchimento de Deus. No capítulo “O Coração em Julgamento” é recapitulado toda a simbologia do coração no antigo Egito, como este sendo um exemplar da alma do indivíduo.

Ainda nesse mito egípcio, ao morrer, o coração era pesado numa balança, onde na contraparte ficava a pena de Maat. Neste julgamento especial, se o coração fosse mais pesado que a pena, ou seja, estivesse carregado das impurezas do ego, não era permitido ao falecido integrar-se a completude.

No sub-capítulo “O Lugar Secreto” é destacado o valor simbólico do coração na tradição hindu, e como o coração está associado nestas culturas como o ‘lugar da consciência”, sendo o Self em si, o lugar que o homem emana a si mesmo, um guia de luz.

Ainda segundo a autora, Anãhata é a representação do chakra cardíaco no Tantra Yoga, que une os chakras superiores com os inferiores, o Tantra Yoga tem como objetivo alinhar e equilibrar as polaridades masculinas e femininas. Tal equilíbrio acontece no coração, e quando acontece, o praticante da técnica consegue ouvir o som ‘hum’ (ॐ), do vazio, que emana por todo o tempo e espaço.

Essas informações aparecem no sub-capítulo “O Lugar do Som Universal”. Uma frase que pode exemplificar o amor como via de integração das polaridades é a de Nietzsche: “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”.

Hauck (1999) sincretiza o processo alquímico da conjunção da seguinte forma: “Psicologicamente, Conjunção é usar a energia sexual dos corpos para transformação pessoal. Conjunção se ocupa no corpo no nível do coração”

A próxima figura, é uma foto tirada no dia 06/06/2013 no Elevado Presidente Costa e Silva, São Paulo, conhecido também como “Minhocão”:

É possível perceber inúmeras analogias com os temas tratados neste trabalho. A expressão artística urbana expressando a angústia de uma sociedade doente, cindida. Amor e Ourobóros como resoluções arquetípicas coletivas. Apesar de toda a fertilidade do tema social em questão, voltemos a descrição das etapas alquímicas.

Podemos perceber, portanto, que apesar de todo o processo alquímico estar intimamente ligado ao processo de individuação, a etapa de Conjunção é a que representa o ápice do processo, que é a integração dos aspectos complementares.

A quinta etapa do processo alquímico descrito por Hauck, observado na imagem é a fermentação. É a introdução de uma nova perspectiva de vida, resultado da etapa anterior – Conjunção – que é a ascensão para um novo estado de consciência, a transição para um estado mental elevado. Nesta etapa, existe a transição da nigredo para a leukosis, resultando no aparecimento da cauda pavonis, metáfora para imaginação ativa e ‘coloração da vida’, alguns autores definem esse amarelamento (leukosis) e o aparecimento da “cauda pavonis” como uma quarta etapa, entre o nigredo e albedo, enquanto outros, definem apenas como um aspecto transitório entre estas duas etapas. Representa psicologicamente a transição da psique para um estado mais conectado com o espírito, ou na nomenclatura junguiana, Si-mesmo (Self).

O penúltimo raio é análogo à etapa de destilação, ou destilatio. Neste estágio a metáfora que se apresenta é o aumento da pureza, associado com a cor branca, ou albedo. Psicologicamente, representa o esforço para que as impurezas do ego e do id não sejam incorporadas no último estágio. Representa a eliminação dos sentimentalismos e emoções, ou ainda melhor, das paixões egoístas e infantis, aspectos que na manifestação do verdadeiro Self, não são pertinentes, uma vez que se procura um estado pleno de espiritualidade.

“Seus pensamentos e sentimentos são os sentimentos e pensamentos do Universo inteiro”, Esta declaração descreve o processo de destilação, onde [o alquimista] se tornou muito mais interessado no bem maior do que apenas em seu próprio. É a fase de transformação onde estamos espiritualmente e emocionalmente maduros o suficiente para fundir-nos com o inconsciente coletivo sem sermos devastados pelo o que encontramos lá. A razão pela qual nós podemos manter o nosso equilíbrio, depois de ter chegado à fase de destilação é que o ego não nos controla e, portanto, podemos apreciar os mistérios do coletivo – e pessoal – material da sombra, sem a intromissão do ego.

Destilação traz o criativo fora de nós. Ela incentiva tudo o que somos se manifestar em formas equilibradas e serenamente poderosas. Ele anuncia a entrada da influência das forças superiores e do equilíbrio dessas forças com os inferiores, que fornecem firmeza, tão crucial para a totalidade” (SHANDERÁ, 2002).

O sétimo e último estágio é chamado de coagulação, ou coagulatio. Representa a ressurreição do espírito, materializado no corpo.

“A Coagulatio é uma operação que expressa, pelas suas imagens, o processo de formação do ego e sua ligação com os aspectos da vida, as forças ctônicas, através da vivência da carnalidade no seu sentido mais amplo, construindo, pelas experiências, a terra onde se lastreia o ego em seu caminhar e, logicamente, configurando, por essas mesmas vivências, a relação do eixo Ego-Self” (MASSAN, 2009, 34)

É a representação da pedra filosofal, ou Grande Pedra, antes anunciada pela coniunctio. O alquimista adentra o estágio de rubedo, e pode “curar-se de todas as feridas e enfermidades” (HAUCK, 1999, 140). Esta etapa é utilização da libido dentro de sua forma plena, integrada com a impulsão da consciência para os estados mais elevados do vir-a-ser.

“Vale ressaltar que o desejo é o agente da coagulatio. Esta operação é necessária não para aqueles que já se movimentam adequadamente dentro de sua libido, mas para aqueles outros com uma inconsistência em seu querer e o temor de colocar os pés na vida, com dificuldade, inclusive de sorver os cálices que ela dispõe. O desenvolvimento do ego nestes casos passa pelo lugar dessa consciência e realização do desejo, a fim de que haja a movimentação da energia psíquica” (MASSAM, 2009, 22).

Neste estágio, para Hamilton (1985), é manifestada, no alquimista a vontade de encarnar na terra o estado de consciência iluminado na mente e no corpo. É como se uma alma desejasse ser ‘encorpada’ sem o senso de separação do seu estado puro original. Só quando a alma está encarnada na psique que pode ser vivenciado o estado espiritual de completude. A psique pode agora expressar as qualidades da alma e da natureza. A frase “assim na terra como no céu” ilustra com perfeição este estado.

“Esta união do espírito / alma com o corpo / mente representa o final e mais importante casamento alquímico. Agora a anima torna-se a Mãe de Deus, ou a Consorte de Deus, o objeto do amor místico. As figuras de animus correspondentes são Os Iluminados – Cristo, Buda, Santos, etc. Isto significa que a consciência de Deus, ao nascer no mundo da terra, percebe sua natureza divina conscientemente – como um indivíduo transcendental e iluminado, num estado de unidade com o todo cósmico. Isso, então, é a pedra filosofal que o alquimista procurava. É o grande ponto culminante da Grande Obra” (HAMILTON, 1985, 8).

Ainda para o autor, o equivalente terapêutico é fácil de ser percebido, uma vez que o paciente transcendeu a natureza de seus dilemas e conflitos, e isso envolve uma mudança de personalidade que vai acomodar e manter essa realização. O paciente percebe que sua vida tem sido uma imposição que resultou numa série de problemas, e agora inicia um processo de mudança para uma sustentação mais pertinente a sua verdadeira natureza.

Hauck (1999) define que, ao atingir este estágio, o raio de transformação se volta a terra, e é iniciado novamente o ciclo previamente proposto, indicando que os estágios e transformações são processos eternos e constantes, assim como a lapidação do Self, ou o processo de individuação proposto por Jung, fazendo com que o alquimista volte à etapa de nigredo, e continue seu processo.

“Tudo o que coagula está sujeito a transformar-se. Dai decorre que após a coagulatio, os processos de putrefactio e mortificatio se realizam também, até porque, o fim da encarnação é o desencarne, visto que está sujeito às injunções do tempo e do espaço” (MASSAN, 2009, 27).

Percebemos que o processo alquímico é cíclico, e, assim como o processo de individuação, exige um constante processo de atuação do indivíduo para com seus conteúdos, processo este que Jung define acontecer por toda a vida.

A mesma metáfora pode ser utilizada para definir o Ourobóros, um processo cíclico e constante, que representa a integração de opostos e a volta para a unidade. No capítulo seguinte iremos analisar a figura arquetípica do Ourobóros e avaliar suas correspondências com o processo alquímico e o de individuação.

Referências Bibliográficas:

HAMILTON, Nigel. The Alchemical Process of Transformation. Disponível em: http://www.sufismus.ch/assets/files/omega_dream/alchemy_e.pdf. 14/05/2013

HAUCK, Dennis Willian. The Emerald Tablet: Alchemy for Personal Transformation. Arkana. Ed.Pengun Group. 1999.

MASSAN, Francisco. Opus Alquímica e Psicoterapia. Disponível em: www.clinicapsique.com/doc/opus.doc. 14/05/2013

RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Coração: Uma Leitura Analítica de seu Simbolismo. São Paulo. Cultrix. 1990.

SANTOS, Vitor P. Calixto. Jung e a Metáfora Alquímica. Disponível em http://www.symbolon.com.br/artigos/jungeameta.htm. 14/05/2013

SHANDERÁ, Nanci. The Alchemy in Spiritual Progress – Part 7: Distillation. Disponível em: http://alchemylab.com/AJ3-1.htm. 14/05/2013

Imagens:

“Nigredo, Albedo e Rubedo” de Thomas Norton em ‘Ordinal of Alchemy’, 1477

“Azoth” de Basil Valentine

“Calcinato Angelus” de Suanne Iles

Trecho do filme “Elena” de Petra Costa, 2013

“Artodyssey” de Tomasz Alen Kopera

A interação das polaridades (sol e lua). “Rosarium Philosophorum”, Séc XVI

Andrógino, representando a natureza dual. “Rosarium Philosophorum”, Séc XVI

“Heart Chakra” de Ormus Oils

Coração e pena na balança em hieróglifo egípcio

“Mais amor por favor” (ygormarotta.com/mais-amor-por-favor)

Pavão em tecido

Gravura representando a destilação, capa do livro “O Museu Hermético” de Alexander Robb

“Aquamarine Muse” de Philip Rubinov Jacobson

A natureza de Buddha

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br

#Alquimia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/parte-4-7-alquimia-individua%C3%A7%C3%A3o-e-ourob%C3%B3ros-a-arte-alqu%C3%ADmica