Feliz Dia da Marmota!

Pode uma marmota prever o tempo ? Cientificamente é por demais questionável, mas uma tradição de mais de cem anos numa pequena cidade do nordeste dos Estados Unidos chama a atenção de todo o mundo a cada ano e já foi parar até no cinema.

O Dia da Marmota (Groundhog Day) é uma festa tradicional nos Estados Unidos que é celebrada a cada dia 2 de fevereiro. Segundo a tradição, as pessoas devem observar uma toca de marmota Marmota monax e, se o animal sair da toca por o tempo estar nublado, isso significa que o inverno terminará cedo. Se, ao contrário, o sol estiver a brilhar e o animal se asustar com a sua sombra e voltar para a toca, então o inverno durará mais 6 semanas.

A cidade de Punxsutawney, localizada a aproximadamente 120 quilômetros a nordeste de Pittsburgh, entrou para o mapa do mundo justamente com a festa do Dia da Marmota. Lá vive “Punxsutawney Phil”, a marmota que todos os anos anuncia de o inverno vai durar ou não mais seis semanas. Ela é conhecida na cidade como a Previsora das Previsoras e é cuidadodamente protegida pelo Punxsutawney Groundhog Club, um grupo de cidadãos da localidade que desde 1887 promove o festival e que neste mesmo ano intitulou Punxsutawney como “the weather capital of the world” (a capital mundial do tempo). Quem chega a Punxsutawney é recebido por uma placa que anuncia que a previsão oficial da marmota de fato funciona e que seminários sobre os prognósticos são oferecidos anualmente.

O site oficial do Festival da Marmota de Punxsutawney diz que a marmota passa grande parte do ano em um ambiente Punxsutawneynte climatizado na biblioteca da cidade. A cada dia 2 de fevereiro, ela é retirada de sua toca às 07:25 da manhã para dizer ao mundo a sua previsão do tempo. A marmora Phil teria mais de cem anos de idade, brincam os moradores locais. De acordo com eles, a extraordinária longevidade de Phil é resultado da relação com a marmota Phyllis, a sua “esposa’, e uma dieta especial.

Mas, afinal, a previsão do tempo da marmota Phil funciona ? As suas previsões foram analisadas na 86ª Convenção da Sociedade Americana de Meteorologia em Atlanta e os resultados não impressionaram os pesquisadores. Um meteorologista destacou que o grau de precisão dos prognósticos da marmota desde o primeiro registro em 1887 é de apenas 39 por cento. Apesar da incerteza se a recente elevação da temperatura do planeta é resultado do aquecimento global ou de causas naturais, um grupo de estudantes de Meteorologia da Purdue Universityfez pouco caso do debate sobre a marmota. “Elas são péssimas prognosticadoras”, disse Kim Klockow durante a convenção em Atlanta. “Nós ainda amamos as marmotas, mas pra saber do tempo é melhor jogar uma moeda pra cima do que acreditar nelas”, concluiu.

A festa do Dia da Marmota se tornou tão popular que atrai milhares de pessoas a cada dia 2 de fevereiro e até nas telas do cinema foi parar. Imagine um dia em que tudo parece dar errado. Phil se tornou estrela no filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day em seu título original, filmado em 1993.

A divertida história, já exibida diversas vezes na televisão brasileira, conta a história de um dia que certamente ninguém gostaria de viver. Imagine agora que esse dia se repita incontáveis vezes sem que você possa fazer nada para evitar isso. Esta é a maldição que vive Phil Connors (Bill Murray), um meteorologista e apresentador de televisão, egocêntrico ao extremo, sem amigos, nem amores, que após ter passado um dia aborrecidíssimo em Punxsutawney acorda todos os dias no mesmo dia, sem que mais ninguém, além dele, perceba essa situação. Cercado por desconhecidos, sem condições de sair da cidade, Phil se vê preso no dia 2 de fevereiro, em plena comemoração do Dia da Marmota.

A curiosidade é que Feitiço do Tempo não foi filmado na cidade onde acontece a grande festa do Dia da Marmota. A Columbia Pictures decidiu rodar o filme em local que fosse mais acessível a uma grande cidade. Punxsutawney se localiza numa zona rural de difícil acesso, com poucas auto-estradas na região, o que fez que os produtores escolhessem Woodstock, Illinois, para filmar O Feitiço do Tempo.

@MDD – Feitiço do Tempo é um dos meus filmes favoritos. É uma grande metáfora a respeito de reencarnações.

#Humor

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/feliz-dia-da-marmota

Magia e Mistério no Tibete

Os aspectos mágicos são sempre lembrados quando se fala sobre o Tibete. Com a vinda do Dalai Lama ao Brasil, a redação de Bodisatva e o C.E.B. receberam cartas com perguntas que deveriam ser formuladas a Sua Santidade buscando esclarecer estas questões. Temas como reencarnação, identificação de lamas reencarnados, oráculos, o exame do budismo pela ciência, a noção de “vazio” e sua contribuição ao pensamento ocidental, entre outros, são muito relevantes no nosso contexto cultural, sendo áreas de diálogo e superposições.

Em seu livro “Freedom in Exile”*, S.S. dedica um capítulo inteiro a este tema, cuja tradução e resumo Bodisatva aqui apresenta. A importância dessa obra pode ser avaliada pelo fato de S.S. ter ofertado cópias do livro a todas as autoridades com quem trocou presentes e a vários dos colaboradores do programa de sua visita ao Brasil.

Freqüentemente sou perguntado sobre os aspectos assim chamados “mágicos” do budismo tibetano. Muitas pessoas no Ocidente querem saber se os livros sobre o Tibete, escritos por pessoas como Lobsang Rampa e alguns outros, onde se fala em práticas ocultas, são verdadeiros. Também me perguntam se Shambhala (um país legendário referido em certas escrituras e supostamente oculto nas regiões desérticas do norte do Tibete) realmente existe. Há também a carta que eu recebi de um eminente cientista, no início dos anos 60, dizendo que ele havia ouvido que certos lamas são capazes de realizar certos fenômenos sobrenaturais, e perguntando se ele mesmo poderia realizar experimentos para determinar a veracidade disso.

Em reposta à primeira destas questões, usualmente digo que a maioria desses livros são frutos da imaginação e que Shambhala existe sim, mas não em um sentido convencional. Ao mesmo tempo, seria errado negar que algumas práticas tântricas dão origem a fenômenos misteriosos. Por essa razão, escrevendo ao cientista, por um lado disse que o que ele havia ouvido estava correto, mas, por outro lado, tinha que lastimar o fato de que tal pessoa, sobre a qual os experimentos poderiam ser realizados, ainda não havia nascido! De fato, na época, várias razões práticas tornavam impossível colaborar em pesquisas desse tipo.

Desde então, no entanto, vim a concordar com a realização de várias investigações científicas sobre a natureza de certas práticas específicas. O primeiro desses trabalhos foi realizado pelo Dr. Herbert Benson, que é atualmente o chefe do Departamento de Medicina Comportamental de Faculdade de Medicina de Universidade de Harvard, EUA. Quando nos encontramos durante a minha visita de 1979, ele me disse que estava trabalhando na análise do que ele chama de “relaxation response”, um fenômeno fisiológico encontrado quando uma pessoa entra em um estado meditativo. Ele acreditava que poderia ir adiante em seu estudo se pudesse fazer experimentos com praticantes muito avançados de meditação.

Como alguém que crê fortemente no valor da ciência moderna, decidi deixá-lo ir adiante com a idéia, não sem alguma hesitação. Eu sabia que muitos tibetano não gostavam muito dessa idéia, eles sentiam que o acesso a essas práticas deveria ser mantido restrito, uma vez que elas vêm de doutrinas secretas. Por outro lado, argumentei sobre a possibilidade de que os resultados de tal estudo poderiam beneficiar não apenas a ciência, mas também os praticantes de religião, e poderiam, portanto, ser de benefício geral para a humanidade.

No evento, Dr. Benson ficou satisfeito por ter encontrado algo extraordinário. (Suas pesquisas foram publicadas em muitos livros e jornais científicos, entre os quais Nature.) Ele veio à Índia acompanhado de dois assistentes e trazendo sofisticado equipamento científico, tendo conduzido os experimentos com alguns monges em mosteiros próximos de Dharamsala, e ao norte, no Ladakh e Sikkim.

Tais monges eram praticantes de Tum-mo Yoga, excelente para demostrar a eficiência de certas disciplinas tântricas particulares. Meditando com a atenção nos chakras (centros de energia) e nos nadis (canais de energia), o praticante é capaz de controlar e suspender temporariamente a operação dos níveis mais grosseiros da consciência, podendo experienciar níveis mais sutis de consciência. Os mais grosseiros pertencem à percepção ordinária — tato, visão, olfato, e assim por diante — enquanto que os mais sutis são os experienciados no momento da morte. Um dos objetos do Tantra é capacitar o praticante a “experienciar” a morte, pois é aí, então, que surgem as experiências espirituais mais poderosas.

Quando são suprimidos os níveis mais ordinários de consciência, podem ser observados fenômenos fisiológicos colaterais. Nos experimentos do Dr. Benson, esses efeitos incluíram a acentuada elevação da temperatura do corpo (medida internamente por uma termômetro retal e externamente por um termômetro na pele). Esses acréscimos levaram os monges a secarem lençóis mergulhados em água fria e enrolados em vota deles, mesmo em temperaturas externas abaixo de zero. O Dr. Benzon também testemunhou e mediu, de forma semelhante, monges sentados nus sobre a neve. (…)

Sejam quais forem os mecanismos aqui envolvidos, o que mais interessa é a clara visão de que existem coisas que a ciência moderna pode aprender da cultura tibetana. E mais, eu acredito que muitas outras áreas de nossa experiência poderiam ser investigadas proveitosamente. Por exemplo, eu gostaria de organizar algum dia uma experiência sobre os oráculos, que permanecem uma parte importante da vida tibetana.

Antes de falar disso em detalhe, gostaria de enfatizar que o propósito dos oráculos não é, como poderíamos supor, simplesmente antever o futuro. Isto é apenas parte do que eles fazem. Além disso, eles podem ser chamados como protetores ou, em alguns casos, como agentes de cura. Sua principal função, no entanto, é auxiliar os pessoas em sua prática do Darma. Outro ponto a lembrar é que a palavra “oráculo”, ela própria, conduz a enganos, uma vez que traz implícito que existem pessoas que possuem poderes de ser um oráculo. Isto é errado. Na tradição tibetana existem apenas certos homens e mulheres que atuam como médium entre os mundos natural e espiritual e que são chamados de kuten, o que significa, literalmente, “base física”. Também é importante enfatizar que, embora seja de uso corrente falar do oráculo como uma pessoa, isso é feito apenas por conveniência. De modo mais acurado, eles podem ser descritos como “espíritos” que estão associados a coisas particulares (por exemplo, uma estátua), pessoas e lugares. Isso não deve, no entanto, implicar na crença da existência de entidade externas independentes.

Em tempos antigos havia muitas centenas de oráculos por todo o Tibete. Poucos se mantiveram, mas os mais importantes — os usados pelo governo tibetano — ainda existem. Desses, o principal é conhecido como oráculo de Nechung. Através dele se manifesta Dorje Drakden, uma das divindades protetoras do Dalai Lama.

Nechung veio originalmente para o Tibete com um descendente do sábio indiano Dharmapala, estabelecendo-se em um lugar da Ásia Central chamado Bata Hor. Durante o reinado do rei Trisong Dretsen, no oitavo século a.C., ele foi designado pelo mestre tântrico indiano Padmasambhava, supremo guardião espiritual do Tibete, como protetor do mosteiro de Samye. Subseqüentemente, o segundo Dalai Lama desenvolveu uma relação muito próxima com Nechung, que nessa época havia estabelecida uma relação muito próxima com o monastério de Drepung, e após, Dorje Drakden designado com protetor pessoal dos Dalai Lamas que se sucederam.

Por centenas de anos até os dias presentes, tornou-se tradicional, para o Dalai Lama e para o governo tibetano, consultar Nechung durante os festivais de ano novo. Mas além dessas oportunidades, ele poderia ser chamado outras vezes para responder perguntas específicas. Eu mesmo o encontro muitas vezes por ano. Isso pode parecer estranho para os leitores ocidentais do século XX. Mesmo alguns tibetanos, que se consideram “progressistas”, não apreciam o meu uso continuado desse método antigo de buscar a compreensão das coisas. Faço isso pela razão simples de que quando olho para trás e relembro as muitas ocasiões em que formulei perguntas ao oráculo, em cada uma delas o tempo mostrou que sua reposta estava correta. Não que eu me baseie apenas nas respostas do oráculo. Não é assim. Busco sua opinião da mesma forma que busco a opinião do meu Gabinete (o Kashag), e da mesma forma que busco a opinião de minha própria consciência. Considero os deuses como minha “casa de cima”. O Kashag constitui minha “casa de baixo”. Á semelhança de outro líderes, consulto a ambos quando devo tomar uma decisão em assuntos de estado. Além disso, adicionalmente ao conselho de Nechung, também procuro levar em consideração certas profecias. Apesar de nossas funções serem similares, minha relação com Nechung é a do comandante com o ajudante: nunca me inclino a ele, ele é que se inclina ao Dalai Lama. Ainda assim somos muito próximos, quase amigos.

Ainda que possa parecer surpreendente, as respostas do oráculo raramente são vagas. Como no caso de minha fuga de Lhasa, ele é freqüentemente muito específico. Ainda assim, creio que seria difícil que algum tipo de investigação científica pudesse provar conclusivamente a validade de seus pronunciamentos. O mesmo se dá com outras áreas da experiência tibetana, por exemplo, a questão dos tulkus. Ainda assim, espero que, algum dia, possa ser realizado algum tipo de experimento com respeito a esses dois fenômenos.

Na realidade, a tarefa de identificar os tulkus é mais lógica do que pode parecer á primeira vista. Dada a crença budista no renascimento, e considerando que todo o propósito da reencarnação é possibilitar ao ser continuar seus esforços em benefício de todos os seres vivos, é uma conclusão clara que deveria ser possível identificar casos individuais. Isso habilita-os a serem educados e colocados no mundo de tal forma que continuem seu trabalho o mais rápido possível.

Certamente podem ocorrer eventuais erros nesse processo de identificação, mas as vidas da grande maioria dos tulkus (atualmente existem algumas centenas deles reconhecido, sendo que antes da invasão chinesa eram provavelmente milhares os tulkus reconhecidos) são um testemunho de sua eficácia.

Como disse, todo o propósito de reencarnação é facilitar a continuidade do trabalho de um ser. Esse fato tem grandes implicações quando se busca pelo sucessor de uma pessoa em particular. Por exemplo, ainda que meus esforços sejam geralmente dirigidos a auxiliar todos os seres, em particular eles se dirigem a auxiliar os tibetanos. Portanto, se eu morrer antes dos tibetanos readquirirem sua liberdade, seria lógico admitir que eu renasceria fora do Tibete. Naturalmente, poderia ocorrer que meu povo, nessa ocasião, não visse mais utilidade para um Dalai Lama, e nesse caso não se ocuparia de procurar-me. Assim, eu poderia renascer como um inseto, ou como um animal, de tal forma que pudesse ser de maior utilidade ao maior número de seres secientes.

O modo pelo qual o processo de identificação é procedido é também menos misterioso do que se pode parecer. Começa com um simples processo de eliminação. Digamos, por exemplo, que estamos buscando a reencarnação de um certo monge. Primeiro, devemos estabelecer quando e onde o monge morreu. Então, considerando que a nova reencarnação será concebida usualmente em torno de um ano após a morte de seu predecessor — esta duração sabemos por experiência —, fica já estabelecido um referencial temporal. Então, se um lama X morre no ano Y, sua nova encarnação provavelmente nascerá dezoito meses a dois anos após. No ano Y mais cinco, a criança deverá estar com uma idade entre três e quatro anos: o campo de busca já se estreitou consideravelmente.

A seguir, tenta-se estabelecer o lugar da reencarnação. Usualmente isso é muito fácil. Primeiro, ocorrerá dentro do Tibete? Se fora, há um número muito limitado de lugares onde seria provável: as comunidades tibetanas da Índia, Nepal, Suíça, por exemplo. Após, precisaria se decidido em que cidade a criança seria mais provavelmente encontrada. Geralmente isso é feito buscando-se referências na vida prévia.

Tendo reduzido as opções e estabelecido os parâmetros do modo descrito, o próximo passo, usualmente, é organizar o grupo de busca. Isso não significa necessariamente que um grupo de pessoas deverá ser enviado como se estivessem buscando um tesouro. De modo geral, basta perguntar a várias pessoas da comunidade para procurar pelas crianças entre três e quatro anos que poderiam ser candidatos. De modo geral, existem algumas indicações que auxiliam, como fenômenos incomuns ocorridos quando do nascimento, ou a criança pode exibir características peculiares.

Algumas vezes, duas, três ou mais possibilidades emergirão neste estágio. Ocasionalmente tal grupo será inteiramente desnecessário, porque a encarnação anterior deixou informação detalhada, inclusive com o nome de seu sucessor e de seus pais. Mas isso é rara. Outras vezes, os que buscam o monge reencarnado podem ter sonhos claros ou visões sobre onde encontrar seu sucessor. De outro lado, um elevado lama recentemente deu ordens de que sua reencarnação não deveria ser procurada. Ele disse que melhor seria instalar como seu sucessor a quem quer que pareça capaz de servir ao Darma do Buda e a sua comunidade, em lugar de preocupar-se com uma identificação precisa. Não existem regras duras, rígidas.

Se ocorre que muitas crianças surgem como candidatos, é usual que alguém muito próximo à encarnação anterior venha a fazer o exame final. Freqüentemente essa pessoa será reconhecida por uma das crianças, o que é uma forte evidência de prova; outras vezes marcas especiais no corpo são também levadas em consideração.

Algumas vezes o processo de identificação envolve a consulta a oráculos ou a alguém que tenha o poder de ngon shé (clarividência). Um dos métodos que essas pessoas usam é o Ta, através do qual o praticante fixa o olhar em um espelho, no qual ele ou ela podem ver a própria criança, ou uma construção, ou uma palavra escrita. Eu chamo isso de “televisão antiga”. Isto corresponde às visões que as pessoas tiveram no lago Lhamoi Lhatso, onde Reting Rinpoche viu as letras Ah, Ka, e Ma e teve a visão de um mosteiro e de uma casa onde começou a buscar por mim.

Algumas vezes eu mesmo sou chamado para dirigir a busca por uma reencarnação. Nessas circunstâncias, é de minha responsabilidade tomar a decisão final sobre o candidato que deve ser corretamente escolhido. É importante que diga que eu não tenho poderes de clarividência. Não tive nem tempo nem oportunidade de desenvolvê-los, apesar de ter elementos para acreditar que o Décimo Terceiro Dalai Lama tenha tido alguma habilidade nessa esfera.

Como um exemplo de como faço isso, vou relatar a história de Ling Rinpoche, meu antigo tutor. Eu sempre tive o maior respeito por Ling Rinpoche; mesmo quando eu era uma criança, bastava apenas ver seu ajudante para ficar com medo, e tão pronto ouvia seus passos, meu coração paralisava. Com o tempo, vim a valorizá-lo como um de meus maiores e mais próximos amigos. Quando ele morreu, não faz muito tempo, senti que a vida sem ele ao meu lado seria muito difícil. Ele havia se tornado uma rocha sobre a qual eu podia me apoiar.

Estava na Suíça, no verão de 1983, quando pela primeira vez ouvi sobre sua doença: ele havia sofrido um derrame cerebral e ficara paralisado. Essas notícias me perturbaram muito, ainda que, como budista, soubesse que de nada adiantaria a preocupação. Tão pronto pude, retornei a Dharamsala, onde encontrei-o ainda com vida, mas em más condições físicas. Ainda assim, sua mente continuava aguda como sempre, graças a uma vida de constante treinamento mental. Sua condição permaneceu estável por muitos meses antes de subitamente deteriorar. Ele entrou em coma, de onde nunca saiu e morreu em 25 de dezembro de 1983. Mas, como se alguma evidência de ter sido uma pessoa extraordinária ainda fosse necessária, seu corpo não começou a se decompor antes de trinta dias após ter sido declarado morto, apesar do clima quente. Era como se ele ainda habitasse seu corpo, mesmo que clinicamente estivesse sem vida.

Quando olho para trás e vejo o modo pelo qual as coisas ocorreram, fico certo de que a doença de Ling Rinpoche, com sua duração prolongada, foi inteiramente deliberada, para ajudar a que me acostumasse com sua ausência. Isso, no entanto, é apenas a metade da história. Como estamos falando de tibetanos, tudo continua de forma feliz. A reencarnação de Ling Rinpoche já foi encontrada, e ele é atualmente um garoto muito vivo e espontâneo de três anos de idade. Sua descoberta foi um exemplo de quando a criança reconhece claramente um membro do grupo de busca. Apesar de estar com apenas 18 meses de idade, ele chamou pelo nome e se dirigiu sorrindo para esta pessoa. Subseqüentemente ele identificou corretamente muitos dos pertences de seu antecessor.

Quando encontrei o menino pela primeiro vez, não tive dúvida sobre sua identidade. Ele comportou-se de um modo que ficou óbvio que havia me reconhecido. Nessa ocasião eu dei ao pequeno Ling Rinpoche uma grande barra de chocolate. Ele permaneceu impassível segurando-a, braço estendido e cabeça inclinada durante todo o tempo em que esteve na minha presença. Não consigo lembrar de qualquer criança que tenha ficado com algo doce guardado sem abrir e provar, e tenha ficado parado, em pé, tão formalmente. Então, quando recebi o menino em minha residência e ele foi trazido até a porta, comportou-se exatamente como seu predecessor. Era evidente que ele lembrava do caminho. Após, quando entrou na minha sala de trabalho, imediatamente mostrou familiaridade com um dos meus auxiliares que, nessa época, se recuperava de uma perna quebrada. Em primeiro lugar, essa pequenina figura solenemente presenteou-o com um kata, e então, cheio de risadas e brincadeiras de criança, apanhou uma das muletas de Lobsang Gawa e correu em volta, sem parar, como se aquilo fosse um pau de bandeira.

Outra história muito impressionante sobre o menino refere-se ao tempo em que ele foi levado, na idade de dois anos, a Bodh Gaya, onde eu deveria dar ensinamentos. Sem que ninguém indicasse a ele e tendo subido uma escada com suas mãos e joelhos, encontrou minha cama e colocou um kata sobre ela. Hoje Ling Rinpoche já está recitando as escrituras, ainda que esteja para ser visto se ele, após aprender a ler, será como alguns dos jovens Tulkus que memorizam textos com uma velocidade estonteante, como se estivessem apenas pegando novamente o que haviam deixado. Eu conheço muitas crianças que podem declamar, com facilidade, várias páginas de texto.

Há, certamente, um elemento de mistério nesse processo de identificação dos reencarnados. Mas é suficiente dizer que, como budista, não acredito que pessoas como Mao ou Churchill apenas “acontecem”.

Uma outra área da experiência tibetana que eu gostaria muito que fosse examinada cientificamente é o sistema de medicina tibetana. Além de datar de mais de dois mil anos, derivou de várias diferentes fontes, incluindo a antiga Pérsia; hoje os princípios são inteiramente budistas. Ela tem uma abordagem inteiramente diferente da medicina ocidental. Por exemplo, ela afirma que as causas-raiz da doença são a ignorância, o desejo ou o rancor.

De acordo com a medicina tibetana, o corpo é dominado pelos três principais nopa, literalmente “venenos”, mas freqüentemente traduzidos como “humores”. Considera-se que esses nopa estão sempre presentes no organismo. Isto significa que nunca se pode estar completamente livre das doenças, pelo menos de seu potencial, mas contanto que esteja em equilíbrio, o corpo mantém-se saudável. Entretanto, um desbalanço causado por uma das três causas-raiz se manifestará como doença, o que é diagnosticado pelo pulso do paciente ou pelo exame de sua urina. Também existem doze principais lugares nas mãos e punhos onde o pulso é examinado. A urina é similarmente examinada de diferentes maneiras (como cor, cheiro, etc.). Com respeito ao tratamento, o primeiro aspecto é a dieta; os remédios formam a segunda linha; a acupuntura e moxabustão, a terceira; a cirurgia, a quarta. Os próprios medicamentos são feitos de materiais orgânicos, algumas vezes combinados com óxidos de metais e certos minerais (incluindo, por exemplo, diamantes moídos)

Até agora tem havido pouca pesquisa clínica com respeito ao valor do sistema médico tibetano, ainda que o meu médico pessoal anterior, Dr. Yeshe Dhonden, tenha participado de uma série de experimentos de laboratório na Universidade de Virgínea, EUA. Ele teve resultados surpreendentemente bons em curar o câncer em ratos brancos, mas muito mais trabalho será necessário até que se possa chegar a conclusões definitivas. Com respeito a minha experiência própria, vejo os medicamentos tibetanos como muito eficientes. Tomo-os regularmente, não apenas para curar, mas para prevenir-me de adoecer. Percebi que esses remédios promovem um reforço da constituição física do corpo e têm efeitos colaterais desprezíveis. O resultado é que, apesar de meus longos dias e períodos intensivos de meditação, eu quase nunca experimento a sensação de cansaço.

Ainda, uma outra área onde acredito que há uma região de diálogo entre a ciência moderna e a cultura tibetana concerne ao conhecimento teórico e não experiencial. Alguma das mais recentes descobertas da física de partículas parecem apontar para a não-dualidade entre mente e matéria. Por exemplo, foi encontrado que se um vácuo (o que significa o espaço vazio) é comprimido, aparecem partículas onde nada havia antes, o que seria matéria, de alguma maneira, aparentemente inerente. Essas descobertas parecem oferecer uma área de convergência entre a ciência e a teoria budista Madhyamika do vazio. Essencialmente, essa teoria afirma que a mente e a matéria existem separadamente, mas de forma interdependente.

Estou bem consciente, no entanto, do perigo de ligar as crenças espirituais a qualquer sistema científico. Pois, enquanto o budismo continua sendo relevante dois e meio milênios após seu início, os fundamentos absolutos da ciência têm uma vida relativamente muito mais curta. Isto não é para poder afirmar que eu considero que coisas como os oráculos ou a capacidade dos monges de ficarem ao relento durante noites, em condições de congelamento, seja uma evidência de poderes mágicos. Ainda assim não posso concordar com nossos irmãos e irmãs chineses, que sustentam que a aceitação desses fenômenos é uma evidência de nosso atraso e barbárie. Mesmo do mais rigorosos ponto de vista científico, esta não é uma atitude objetiva.

Ao mesmo tempo, mesmo que um princípio seja aceito, isso não significa que tudo que esteja conectado com ele seja válido. Por analogia, seria burlesco seguir escravizadamente e sem qualquer discriminação todas as afirmações de Marx e Lênin, mesmo em face da evidência clara de que o comunismo é um sistema imperfeito. É preciso manter grande vigilância em áreas onde não temos grande experiência. Isso, naturalmente, é onde a ciência pode auxiliar. Enfim, só vemos as coisas como misteriosas quando não as entendemos.

Até agora os resultados das pesquisas que descrevi têm sido benéficos para todas as partes. Compreendo, no entanto, que esses resultados são tão acurados quanto os experimentos que conduziram a eles. Além do mais, estou consciente que se algo não é encontrado isso não significa sua inexistência, isso apenas prova que o experimento foi incapaz de encontrá-lo. Esta é a razão pela qual precisamos ser cuidadosos em nossas pesquisas, especialmente quando lidando em uma área onde a pesquisa científica é pequena. É também importante manter em mente as limitações impostas pela própria natureza. Por exemplo, enquanto a investigação cientifica não pode apreender meus pensamentos, isso não significa que eles sejam inexistentes, nem que algum outro método de pesquisa não possa descobrir algo a respeito deles, e aí é que entra a experiência tibelana. Através do treinamento mental, desenvolvemos técnicas que a ciência atual não pode ainda explicar adequadamente. Isto, então, é a base da suposto “magia e mistério” do budismo tibetano.

Por: Dalai Lama.

#Budismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/magia-e-mist%C3%A9rio-no-tibete

Dalai Lama – Magia e Mistério no Tibete

Os aspectos mágicos são sempre lembrados quando se fala sobre o Tibete. Com a vinda do Dalai Lama ao Brasil, a redação de Bodisatva e o C.E.B. receberam cartas com perguntas que deveriam ser formuladas a Sua Santidade buscando esclarecer estas questões. Temas como reencarnação, identificação de lamas reencarnados, oráculos, o exame do budismo pela ciência, a noção de “vazio” e sua contribuição ao pensamento ocidental, entre outros, são muito relevantes no nosso contexto cultural, sendo áreas de diálogo e superposições.

Em seu livro “Freedom in Exile”*, S.S. dedica um capítulo inteiro a este tema, cuja tradução e resumo Bodisatva aqui apresenta. A importância dessa obra pode ser avaliada pelo fato de S.S. ter ofertado cópias do livro a todas as autoridades com quem trocou presentes e a vários dos colaboradores do programa de sua visita ao Brasil.

Freqüentemente sou perguntado sobre os aspectos assim chamados “mágicos” do budismo tibetano. Muitas pessoas no Ocidente querem saber se os livros sobre o Tibete, escritos por pessoas como Lobsang Rampa e alguns outros, onde se fala em práticas ocultas, são verdadeiros. Também me perguntam se Shambhala (um país legendário referido em certas escrituras e supostamente oculto nas regiões desérticas do norte do Tibete) realmente existe. Há também a carta que eu recebi de um eminente cientista, no início dos anos 60, dizendo que ele havia ouvido que certos lamas são capazes de realizar certos fenômenos sobrenaturais, e perguntando se ele mesmo poderia realizar experimentos para determinar a veracidade disso.

Em reposta à primeira destas questões, usualmente digo que a maioria desses livros são frutos da imaginação e que Shambhala existe sim, mas não em um sentido convencional. Ao mesmo tempo, seria errado negar que algumas práticas tântricas dão origem a fenômenos misteriosos. Por essa razão, escrevendo ao cientista, por um lado disse que o que ele havia ouvido estava correto, mas, por outro lado, tinha que lastimar o fato de que tal pessoa, sobre a qual os experimentos poderiam ser realizados, ainda não havia nascido! De fato, na época, várias razões práticas tornavam impossível colaborar em pesquisas desse tipo.

Desde então, no entanto, vim a concordar com a realização de várias investigações científicas sobre a natureza de certas práticas específicas. O primeiro desses trabalhos foi realizado pelo Dr. Herbert Benson, que é atualmente o chefe do Departamento de Medicina Comportamental de Faculdade de Medicina de Universidade de Harvard, EUA. Quando nos encontramos durante a minha visita de 1979, ele me disse que estava trabalhando na análise do que ele chama de “relaxation response”, um fenômeno fisiológico encontrado quando uma pessoa entra em um estado meditativo. Ele acreditava que poderia ir adiante em seu estudo se pudesse fazer experimentos com praticantes muito avançados de meditação.

Como alguém que crê fortemente no valor da ciência moderna, decidi deixá-lo ir adiante com a idéia, não sem alguma hesitação. Eu sabia que muitos tibetano não gostavam muito dessa idéia, eles sentiam que o acesso a essas práticas deveria ser mantido restrito, uma vez que elas vêm de doutrinas secretas. Por outro lado, argumentei sobre a possibilidade de que os resultados de tal estudo poderiam beneficiar não apenas a ciência, mas também os praticantes de religião, e poderiam, portanto, ser de benefício geral para a humanidade.

No evento, Dr. Benson ficou satisfeito por ter encontrado algo extraordinário. (Suas pesquisas foram publicadas em muitos livros e jornais científicos, entre os quais Nature.) Ele veio à Índia acompanhado de dois assistentes e trazendo sofisticado equipamento científico, tendo conduzido os experimentos com alguns monges em mosteiros próximos de Dharamsala, e ao norte, no Ladakh e Sikkim.

Tais monges eram praticantes de Tum-mo Yoga, excelente para demostrar a eficiência de certas disciplinas tântricas particulares. Meditando com a atenção nos chakras (centros de energia) e nos nadis (canais de energia), o praticante é capaz de controlar e suspender temporariamente a operação dos níveis mais grosseiros da consciência, podendo experienciar níveis mais sutis de consciência. Os mais grosseiros pertencem à percepção ordinária — tato, visão, olfato, e assim por diante — enquanto que os mais sutis são os experienciados no momento da morte. Um dos objetos do Tantra é capacitar o praticante a “experienciar” a morte, pois é aí, então, que surgem as experiências espirituais mais poderosas.

Quando são suprimidos os níveis mais ordinários de consciência, podem ser observados fenômenos fisiológicos colaterais. Nos experimentos do Dr. Benson, esses efeitos incluíram a acentuada elevação da temperatura do corpo (medida internamente por uma termômetro retal e externamente por um termômetro na pele). Esses acréscimos levaram os monges a secarem lençóis mergulhados em água fria e enrolados em vota deles, mesmo em temperaturas externas abaixo de zero. O Dr. Benzon também testemunhou e mediu, de forma semelhante, monges sentados nus sobre a neve. (…)

Sejam quais forem os mecanismos aqui envolvidos, o que mais interessa é a clara visão de que existem coisas que a ciência moderna pode aprender da cultura tibetana. E mais, eu acredito que muitas outras áreas de nossa experiência poderiam ser investigadas proveitosamente. Por exemplo, eu gostaria de organizar algum dia uma experiência sobre os oráculos, que permanecem uma parte importante da vida tibetana.

Antes de falar disso em detalhe, gostaria de enfatizar que o propósito dos oráculos não é, como poderíamos supor, simplesmente antever o futuro. Isto é apenas parte do que eles fazem. Além disso, eles podem ser chamados como protetores ou, em alguns casos, como agentes de cura. Sua principal função, no entanto, é auxiliar os pessoas em sua prática do Darma. Outro ponto a lembrar é que a palavra “oráculo”, ela própria, conduz a enganos, uma vez que traz implícito que existem pessoas que possuem poderes de ser um oráculo. Isto é errado. Na tradição tibetana existem apenas certos homens e mulheres que atuam como médium entre os mundos natural e espiritual e que são chamados de kuten, o que significa, literalmente, “base física”. Também é importante enfatizar que, embora seja de uso corrente falar do oráculo como uma pessoa, isso é feito apenas por conveniência. De modo mais acurado, eles podem ser descritos como “espíritos” que estão associados a coisas particulares (por exemplo, uma estátua), pessoas e lugares. Isso não deve, no entanto, implicar na crença da existência de entidade externas independentes.

Em tempos antigos havia muitas centenas de oráculos por todo o Tibete. Poucos se mantiveram, mas os mais importantes — os usados pelo governo tibetano — ainda existem. Desses, o principal é conhecido como oráculo de Nechung. Através dele se manifesta Dorje Drakden, uma das divindades protetoras do Dalai Lama.

Nechung veio originalmente para o Tibete com um descendente do sábio indiano Dharmapala, estabelecendo-se em um lugar da Ásia Central chamado Bata Hor. Durante o reinado do rei Trisong Dretsen, no oitavo século a.C., ele foi designado pelo mestre tântrico indiano Padmasambhava, supremo guardião espiritual do Tibete, como protetor do mosteiro de Samye. Subseqüentemente, o segundo Dalai Lama desenvolveu uma relação muito próxima com Nechung, que nessa época havia estabelecida uma relação muito próxima com o monastério de Drepung, e após, Dorje Drakden designado com protetor pessoal dos Dalai Lamas que se sucederam.

Por centenas de anos até os dias presentes, tornou-se tradicional, para o Dalai Lama e para o governo tibetano, consultar Nechung durante os festivais de ano novo. Mas além dessas oportunidades, ele poderia ser chamado outras vezes para responder perguntas específicas. Eu mesmo o encontro muitas vezes por ano. Isso pode parecer estranho para os leitores ocidentais do século XX. Mesmo alguns tibetanos, que se consideram “progressistas”, não apreciam o meu uso continuado desse método antigo de buscar a compreensão das coisas. Faço isso pela razão simples de que quando olho para trás e relembro as muitas ocasiões em que formulei perguntas ao oráculo, em cada uma delas o tempo mostrou que sua reposta estava correta. Não que eu me baseie apenas nas respostas do oráculo. Não é assim. Busco sua opinião da mesma forma que busco a opinião do meu Gabinete (o Kashag), e da mesma forma que busco a opinião de minha própria consciência. Considero os deuses como minha “casa de cima”. O Kashag constitui minha “casa de baixo”. Á semelhança de outro líderes, consulto a ambos quando devo tomar uma decisão em assuntos de estado. Além disso, adicionalmente ao conselho de Nechung, também procuro levar em consideração certas profecias. Apesar de nossas funções serem similares, minha relação com Nechung é a do comandante com o ajudante: nunca me inclino a ele, ele é que se inclina ao Dalai Lama. Ainda assim somos muito próximos, quase amigos.

Ainda que possa parecer surpreendente, as respostas do oráculo raramente são vagas. Como no caso de minha fuga de Lhasa, ele é freqüentemente muito específico. Ainda assim, creio que seria difícil que algum tipo de investigação científica pudesse provar conclusivamente a validade de seus pronunciamentos. O mesmo se dá com outras áreas da experiência tibetana, por exemplo, a questão dos tulkus. Ainda assim, espero que, algum dia, possa ser realizado algum tipo de experimento com respeito a esses dois fenômenos.

Na realidade, a tarefa de identificar os tulkus é mais lógica do que pode parecer á primeira vista. Dada a crença budista no renascimento, e considerando que todo o propósito da reencarnação é possibilitar ao ser continuar seus esforços em benefício de todos os seres vivos, é uma conclusão clara que deveria ser possível identificar casos individuais. Isso habilita-os a serem educados e colocados no mundo de tal forma que continuem seu trabalho o mais rápido possível.

Certamente podem ocorrer eventuais erros nesse processo de identificação, mas as vidas da grande maioria dos tulkus (atualmente existem algumas centenas deles reconhecido, sendo que antes da invasão chinesa eram provavelmente milhares os tulkus reconhecidos) são um testemunho de sua eficácia.

Como disse, todo o propósito de reencarnação é facilitar a continuidade do trabalho de um ser. Esse fato tem grandes implicações quando se busca pelo sucessor de uma pessoa em particular. Por exemplo, ainda que meus esforços sejam geralmente dirigidos a auxiliar todos os seres, em particular eles se dirigem a auxiliar os tibetanos. Portanto, se eu morrer antes dos tibetanos readquirirem sua liberdade, seria lógico admitir que eu renasceria fora do Tibete. Naturalmente, poderia ocorrer que meu povo, nessa ocasião, não visse mais utilidade para um Dalai Lama, e nesse caso não se ocuparia de procurar-me. Assim, eu poderia renascer como um inseto, ou como um animal, de tal forma que pudesse ser de maior utilidade ao maior número de seres secientes.

O modo pelo qual o processo de identificação é procedido é também menos misterioso do que se pode parecer. Começa com um simples processo de eliminação. Digamos, por exemplo, que estamos buscando a reencarnação de um certo monge. Primeiro, devemos estabelecer quando e onde o monge morreu. Então, considerando que a nova reencarnação será concebida usualmente em torno de um ano após a morte de seu predecessor — esta duração sabemos por experiência —, fica já estabelecido um referencial temporal. Então, se um lama X morre no ano Y, sua nova encarnação provavelmente nascerá dezoito meses a dois anos após. No ano Y mais cinco, a criança deverá estar com uma idade entre três e quatro anos: o campo de busca já se estreitou consideravelmente.

A seguir, tenta-se estabelecer o lugar da reencarnação. Usualmente isso é muito fácil. Primeiro, ocorrerá dentro do Tibete? Se fora, há um número muito limitado de lugares onde seria provável: as comunidades tibetanas da Índia, Nepal, Suíça, por exemplo. Após, precisaria se decidido em que cidade a criança seria mais provavelmente encontrada. Geralmente isso é feito buscando-se referências na vida prévia.

Tendo reduzido as opções e estabelecido os parâmetros do modo descrito, o próximo passo, usualmente, é organizar o grupo de busca. Isso não significa necessariamente que um grupo de pessoas deverá ser enviado como se estivessem buscando um tesouro. De modo geral, basta perguntar a várias pessoas da comunidade para procurar pelas crianças entre três e quatro anos que poderiam ser candidatos. De modo geral, existem algumas indicações que auxiliam, como fenômenos incomuns ocorridos quando do nascimento, ou a criança pode exibir características peculiares.

Algumas vezes, duas, três ou mais possibilidades emergirão neste estágio. Ocasionalmente tal grupo será inteiramente desnecessário, porque a encarnação anterior deixou informação detalhada, inclusive com o nome de seu sucessor e de seus pais. Mas isso é rara. Outras vezes, os que buscam o monge reencarnado podem ter sonhos claros ou visões sobre onde encontrar seu sucessor. De outro lado, um elevado lama recentemente deu ordens de que sua reencarnação não deveria ser procurada. Ele disse que melhor seria instalar como seu sucessor a quem quer que pareça capaz de servir ao Darma do Buda e a sua comunidade, em lugar de preocupar-se com uma identificação precisa. Não existem regras duras, rígidas.

Se ocorre que muitas crianças surgem como candidatos, é usual que alguém muito próximo à encarnação anterior venha a fazer o exame final. Freqüentemente essa pessoa será reconhecida por uma das crianças, o que é uma forte evidência de prova; outras vezes marcas especiais no corpo são também levadas em consideração.

Algumas vezes o processo de identificação envolve a consulta a oráculos ou a alguém que tenha o poder de ngon shé (clarividência). Um dos métodos que essas pessoas usam é o Ta, através do qual o praticante fixa o olhar em um espelho, no qual ele ou ela podem ver a própria criança, ou uma construção, ou uma palavra escrita. Eu chamo isso de “televisão antiga”. Isto corresponde às visões que as pessoas tiveram no lago Lhamoi Lhatso, onde Reting Rinpoche viu as letras Ah, Ka, e Ma e teve a visão de um mosteiro e de uma casa onde começou a buscar por mim.

Algumas vezes eu mesmo sou chamado para dirigir a busca por uma reencarnação. Nessas circunstâncias, é de minha responsabilidade tomar a decisão final sobre o candidato que deve ser corretamente escolhido. É importante que diga que eu não tenho poderes de clarividência. Não tive nem tempo nem oportunidade de desenvolvê-los, apesar de ter elementos para acreditar que o Décimo Terceiro Dalai Lama tenha tido alguma habilidade nessa esfera.

Como um exemplo de como faço isso, vou relatar a história de Ling Rinpoche, meu antigo tutor. Eu sempre tive o maior respeito por Ling Rinpoche; mesmo quando eu era uma criança, bastava apenas ver seu ajudante para ficar com medo, e tão pronto ouvia seus passos, meu coração paralisava. Com o tempo, vim a valorizá-lo como um de meus maiores e mais próximos amigos. Quando ele morreu, não faz muito tempo, senti que a vida sem ele ao meu lado seria muito difícil. Ele havia se tornado uma rocha sobre a qual eu podia me apoiar.

Estava na Suíça, no verão de 1983, quando pela primeira vez ouvi sobre sua doença: ele havia sofrido um derrame cerebral e ficara paralisado. Essas notícias me perturbaram muito, ainda que, como budista, soubesse que de nada adiantaria a preocupação. Tão pronto pude, retornei a Dharamsala, onde encontrei-o ainda com vida, mas em más condições físicas. Ainda assim, sua mente continuava aguda como sempre, graças a uma vida de constante treinamento mental. Sua condição permaneceu estável por muitos meses antes de subitamente deteriorar. Ele entrou em coma, de onde nunca saiu e morreu em 25 de dezembro de 1983. Mas, como se alguma evidência de ter sido uma pessoa extraordinária ainda fosse necessária, seu corpo não começou a se decompor antes de trinta dias após ter sido declarado morto, apesar do clima quente. Era como se ele ainda habitasse seu corpo, mesmo que clinicamente estivesse sem vida.

Quando olho para trás e vejo o modo pelo qual as coisas ocorreram, fico certo de que a doença de Ling Rinpoche, com sua duração prolongada, foi inteiramente deliberada, para ajudar a que me acostumasse com sua ausência. Isso, no entanto, é apenas a metade da história. Como estamos falando de tibetanos, tudo continua de forma feliz. A reencarnação de Ling Rinpoche já foi encontrada, e ele é atualmente um garoto muito vivo e espontâneo de três anos de idade. Sua descoberta foi um exemplo de quando a criança reconhece claramente um membro do grupo de busca. Apesar de estar com apenas 18 meses de idade, ele chamou pelo nome e se dirigiu sorrindo para esta pessoa. Subseqüentemente ele identificou corretamente muitos dos pertences de seu antecessor.

Quando encontrei o menino pela primeiro vez, não tive dúvida sobre sua identidade. Ele comportou-se de um modo que ficou óbvio que havia me reconhecido. Nessa ocasião eu dei ao pequeno Ling Rinpoche uma grande barra de chocolate. Ele permaneceu impassível segurando-a, braço estendido e cabeça inclinada durante todo o tempo em que esteve na minha presença. Não consigo lembrar de qualquer criança que tenha ficado com algo doce guardado sem abrir e provar, e tenha ficado parado, em pé, tão formalmente. Então, quando recebi o menino em minha residência e ele foi trazido até a porta, comportou-se exatamente como seu predecessor. Era evidente que ele lembrava do caminho. Após, quando entrou na minha sala de trabalho, imediatamente mostrou familiaridade com um dos meus auxiliares que, nessa época, se recuperava de uma perna quebrada. Em primeiro lugar, essa pequenina figura solenemente presenteou-o com um kata, e então, cheio de risadas e brincadeiras de criança, apanhou uma das muletas de Lobsang Gawa e correu em volta, sem parar, como se aquilo fosse um pau de bandeira.

Outra história muito impressionante sobre o menino refere-se ao tempo em que ele foi levado, na idade de dois anos, a Bodh Gaya, onde eu deveria dar ensinamentos. Sem que ninguém indicasse a ele e tendo subido uma escada com suas mãos e joelhos, encontrou minha cama e colocou um kata sobre ela. Hoje Ling Rinpoche já está recitando as escrituras, ainda que esteja para ser visto se ele, após aprender a ler, será como alguns dos jovens Tulkus que memorizam textos com uma velocidade estonteante, como se estivessem apenas pegando novamente o que haviam deixado. Eu conheço muitas crianças que podem declamar, com facilidade, várias páginas de texto.

Há, certamente, um elemento de mistério nesse processo de identificação dos reencarnados. Mas é suficiente dizer que, como budista, não acredito que pessoas como Mao ou Churchill apenas “acontecem”.

Uma outra área da experiência tibetana que eu gostaria muito que fosse examinada cientificamente é o sistema de medicina tibetana. Além de datar de mais de dois mil anos, derivou de várias diferentes fontes, incluindo a antiga Pérsia; hoje os princípios são inteiramente budistas. Ela tem uma abordagem inteiramente diferente da medicina ocidental. Por exemplo, ela afirma que as causas-raiz da doença são a ignorância, o desejo ou o rancor.

De acordo com a medicina tibetana, o corpo é dominado pelos três principais nopa, literalmente “venenos”, mas freqüentemente traduzidos como “humores”. Considera-se que esses nopa estão sempre presentes no organismo. Isto significa que nunca se pode estar completamente livre das doenças, pelo menos de seu potencial, mas contanto que esteja em equilíbrio, o corpo mantém-se saudável. Entretanto, um desbalanço causado por uma das três causas-raiz se manifestará como doença, o que é diagnosticado pelo pulso do paciente ou pelo exame de sua urina. Também existem doze principais lugares nas mãos e punhos onde o pulso é examinado. A urina é similarmente examinada de diferentes maneiras (como cor, cheiro, etc.). Com respeito ao tratamento, o primeiro aspecto é a dieta; os remédios formam a segunda linha; a acupuntura e moxabustão, a terceira; a cirurgia, a quarta. Os próprios medicamentos são feitos de materiais orgânicos, algumas vezes combinados com óxidos de metais e certos minerais (incluindo, por exemplo, diamantes moídos)

Até agora tem havido pouca pesquisa clínica com respeito ao valor do sistema médico tibetano, ainda que o meu médico pessoal anterior, Dr. Yeshe Dhonden, tenha participado de uma série de experimentos de laboratório na Universidade de Virgínea, EUA. Ele teve resultados surpreendentemente bons em curar o câncer em ratos brancos, mas muito mais trabalho será necessário até que se possa chegar a conclusões definitivas. Com respeito a minha experiência própria, vejo os medicamentos tibetanos como muito eficientes. Tomo-os regularmente, não apenas para curar, mas para prevenir-me de adoecer. Percebi que esses remédios promovem um reforço da constituição física do corpo e têm efeitos colaterais desprezíveis. O resultado é que, apesar de meus longos dias e períodos intensivos de meditação, eu quase nunca experimento a sensação de cansaço.

Ainda, uma outra área onde acredito que há uma região de diálogo entre a ciência moderna e a cultura tibetana concerne ao conhecimento teórico e não experiencial. Alguma das mais recentes descobertas da física de partículas parecem apontar para a não-dualidade entre mente e matéria. Por exemplo, foi encontrado que se um vácuo (o que significa o espaço vazio) é comprimido, aparecem partículas onde nada havia antes, o que seria matéria, de alguma maneira, aparentemente inerente. Essas descobertas parecem oferecer uma área de convergência entre a ciência e a teoria budista Madhyamika do vazio. Essencialmente, essa teoria afirma que a mente e a matéria existem separadamente, mas de forma interdependente.

Estou bem consciente, no entanto, do perigo de ligar as crenças espirituais a qualquer sistema científico. Pois, enquanto o budismo continua sendo relevante dois e meio milênios após seu início, os fundamentos absolutos da ciência têm uma vida relativamente muito mais curta. Isto não é para poder afirmar que eu considero que coisas como os oráculos ou a capacidade dos monges de ficarem ao relento durante noites, em condições de congelamento, seja uma evidência de poderes mágicos. Ainda assim não posso concordar com nossos irmãos e irmãs chineses, que sustentam que a aceitação desses fenômenos é uma evidência de nosso atraso e barbárie. Mesmo do mais rigorosos ponto de vista científico, esta não é uma atitude objetiva.

Ao mesmo tempo, mesmo que um princípio seja aceito, isso não significa que tudo que esteja conectado com ele seja válido. Por analogia, seria burlesco seguir escravizadamente e sem qualquer discriminação todas as afirmações de Marx e Lênin, mesmo em face da evidência clara de que o comunismo é um sistema imperfeito. É preciso manter grande vigilância em áreas onde não temos grande experiência. Isso, naturalmente, é onde a ciência pode auxiliar. Enfim, só vemos as coisas como misteriosas quando não as entendemos.

Até agora os resultados das pesquisas que descrevi têm sido benéficos para todas as partes. Compreendo, no entanto, que esses resultados são tão acurados quanto os experimentos que conduziram a eles. Além do mais, estou consciente que se algo não é encontrado isso não significa sua inexistência, isso apenas prova que o experimento foi incapaz de encontrá-lo. Esta é a razão pela qual precisamos ser cuidadosos em nossas pesquisas, especialmente quando lidando em uma área onde a pesquisa científica é pequena. É também importante manter em mente as limitações impostas pela própria natureza. Por exemplo, enquanto a investigação cientifica não pode apreender meus pensamentos, isso não significa que eles sejam inexistentes, nem que algum outro método de pesquisa não possa descobrir algo a respeito deles, e aí é que entra a experiência tibelana. Através do treinamento mental, desenvolvemos técnicas que a ciência atual não pode ainda explicar adequadamente. Isto, então, é a base da suposto “magia e mistério” do budismo tibetano.

Por: Dalai Lama.

#Budismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/dalai-lama-magia-e-mist%C3%A9rio-no-tibete

Grandes Iniciados – Alan Moore

Confira abaixo um resumo dos principais fatos na vida e bibliografia do escritor e mago inglês Alan Moore. Trata-se de excertos do livro Alan Moore: Portrait of an Extraordinary Gentleman, um livro-tributo dedicado aos 50 anos do artista. São páginas recheadas de ensaios, ilustrações, artigos, fotografias, entrevistas, e opiniões sobre o mago-escritor de Northampton. Escritores, desenhistas e pessoas relacionadas aos quadrinhos comentam sua relação com Moore.

Alguns nomes presentes no livro: Michael Moorcock, Ian Sinclair, Darren Shan, Brad Meltzer, John Coulthart, Neil Gaiman, Dave Gibbons, Bryan Talbot, David Lloyd, J. H. Williams III, Kevin O’Neill, Will Eisner, Howard Cruse, James Kochalka, Adam Hughes, Peter Kuper, Jose Villarubia, Jimmy Palmiotti, Rick Veitch, Michael T. Gilbert, Steve Parkhouse, Nabiel Kanan, Bill Koeb, Rich Koslowski, Trina Robbins, Michael Avon Oeming, Sean Phillips, Jeff Smith, Sergio Toppi, Giorgio Cavazzano, Claudio Villa, Daniel Acuna, Willy Linthout, Jean-Marc Lofficier, Eduardo Risso, Dave Sim, Ben Templesmith e outros tantos.

O lançamento da editora Abiogenesis Press, do artista britanico Gary Spencer Millidge, tem caráter beneficente. Toda sua renda está destinada para o Fundos de Combate ao Mal de Alzheimer. Para mais informações, acesse www.millidge.com

Linha da Vida de Alan Moore

– Alan nasceu com pouca visão na vista esquerda e surdo do ouvido direito. Mesmo assim, ele evitou usar óculos até quinze anos. Já adulto, abandonou os óculos chegando a cogitar a possibilidade de usar um monóculo, acabando por achar essa alternativa muito kistch.

– A primeira casa do jovem escritor não tinha banheiro nem gás em sua rua.

– Em 1961, aos 7 anos, Moore descobriu os quadrinhos americanos da DC Comics.

– Moore atribui sua formação moral graças as histórias do Super-Homem.

– Padecendo de uma gripe comum, o jovem Alan Moore pediu para a mãe lhe comprar uma BlackHawk. Ao invés de trazer a HQ pedida, sua mãe o presenteou com a edição número 3 de Fantastic Four (Quarteto Fantástico). Essa revista foi o primeiro contato do escritor com os trabalhos de Jack Kirby, de quem se tornou fã imediato.

– Moore matava aulas no colegial para andar de motocicleta no pátio de um hospital para doentes mentais.

– Em 1968, Moore se tornou fã dos personagens da Charlton Comics, que mais tarde seriam os arquétipos dos personagens da maxi-saga Watchmen.

– Em 1969, ele começou a colaborar com vários fanzines, sempre como desenhista

– Aos 17, em 1970, Moore foi expulso da escola por uso de LSD. O diretor escreveu uma carta para todas as outras escolas e universidades da região, para que ele jamais fosse aceito em outro estabelecimento de ensino.

– Sem poder estudar, Alan trabalhou em um matadouro e limpou latrinas em um hotel de Northampton.

– Nessa época, ele deixou o cabelo crescer, ajudou a publicar o fanzine Embryo e conquistou sua futura esposa Phyllis lendo poesias em um cemitério. Em 1974, aos vinte anos, Moore e Phyllis se casaram.

– Em 1977, nasceu Leah, a primeira filha de Moore. Nessa época, Moore percebeu que tinha que fazer alguma coisa que gostasse logo ou então passaria a vida frustrado. O escritor começou a colaborar com jornais e revistas locais, escrevendo e desenhando tiras de humor. A mais conhecida delas foi Maxwell, the Magic Cat, uma espécie de Garfield inglês. Anos depois, Moore declarou que odiava escrever as historias de Maxwell e que se sentia envergonhado de receber dinheiro por elas. Mesmo assim, ele passou 7 anos escrevendo estas tiras. Detalhe: Moore assinava as tiras com o pseudônimo de Jill de Ray (uma alusão ao francês acusado de ter assassinado dezenas de crianças).

– A experiência com Maxwell mostrou que ele não servia como desenhista. Moore passou a dedicar “apenas” a escrever.

– Moore comecou a trabalhar com a Marvel UK (divisão anglo-saxônica da Casa das Idéias) em 1981. Aos 27 anos, Moore escrevia pequenas tramas nas revistas Star Wars e Dr. Who. Na mesma época, ele fez alguns trabalhos para a 2000AD e teve sua segunda filha: Amber.

– Em 1982, Alan recebeu sua primeira grande chance ao escrever para a recém-criada revista Warrior. Para quem não sabe, a Warrior publicava 4 a 6 histórias por edição, cada história com 6 a 8 páginas. Moore escreveu 3 sagas para a Warrior simultaneamente: The Bojeffrie’s Saga (uma família de monstros muito engraçada), Marvelman (Miracleman) e V de Vingança.

– Naquele mesmo ano, Moore começou a escrever as histórias do Capitão Bretanha. Já no primeiro capítulo, ele se livrou dos conceitos criados pelo escritor anterior e no capitulo seguinte matou o próprio protagonista da série, recriando-o totalmente reformulado na edição de número 3.

– Enquanto a fama de Moore crescia nos quadrinhos, ele encontrava tempo para se envolver em outros projetos. Ele formou uma banda chamada The Sinister Ducks, gravando um single em 1983.

– Na 2000 AD, Moore escreveu D.R. & Quinch, uma hilária saga de dois alienígenas delinqüentes. E ainda escreveu A Balada de Halo Jones e Skizz.

– Todos esses trabalhos renderam a Moore o prêmio Eagle Award de melhor escritor de 1982 e 1983. Foi quando os Estados Unidos começou a se interessar pelos trabalhos do autor.

– Em novembro de 1983, Lein Wein, criador do Monstro do Pântano, ligou para a casa de Alan perguntando se ele queria trabalhar para a DC e escrever as historias do monstro. Alan achou que era um trote e desligou na cara do escritor. É claro que depois ele viu que não era mentira e aceitou trabalhar com o personagem.

– Sob ao comando de Alan Moore, Swamp Thing passou das 17.000 cópias/mês para mais de 100.000 cópias!!!

– No período em que escreveu o Monstro do Pântano, Moore fez outros trabalhos pouco divulgados na DC, como “Tales of the Green Lantern Corps”, “Vigilante”(uma historia sobre abuso sexual de crianças) e uma historia do Batman onde ele enfrenta o Cara de Barro (publicada no Brasil na extinta SuperAmigos). Moore ainda escreveu 2 histórias memoráveis com o Homem de Aço (ambas relançadas no Brasil pela Opera Graphica). Uma delas, “For the Man who has Everything” é possivelmente uma das melhores histórias do Super-Homem.

– O próximo trabalho de Moore seria A Piada Mortal. A história foi escrita em 1985, mas devido a atrasos do desenhista Brian Bolland, a revista só foi terminada e publicada em 1988.

WATCHMEN

Ainda em 1986, a DC concordou em deixa-lo produzir sua própria série. Com o artista britânico Dave Gibbons, Moore sugeriu o projeto de uma série chamada WATCHMEN. A história, como Weaveworld de Clive Barker, é uma epopéia sobre um mundo fictício – embora o mundo que Moore inventou seja de várias maneiras igual ao mundo real de hoje.

Começando em uma Nova Iorque durante os anos 80, Watchmen descreve uma América como poderia ter sido se realmente tivesse testemunhado o surgimento de fato dos “super-heróis” – isto é, seres que possuem habilidades super-normais ou que se apresentam como vigilantes idealistas. Assim como a América nunca teria sofrido uma divergencia política progressiva dos Anos sessenta, imagina Moore, também nunca teria perdido a Guerra de Vietnã, e teria achado um modo para manter Richard Nixon como Presidente. Já no início de Watchmen, dificilmente as coisas são sublimes: alguém decidiu eliminar ou desacreditar os poucos super-heróis remanescentes enquanto que, em uma série de eventos aparentemente não relacionados, os Estados Unidos e a União soviética desenham um crescente conflito nuclear por causa de uma disputa na Ásia.

No centro da consciência desta história, de olho na (e tentando desafiar a) maneira de como o mundo está desmoronando, está um incomum herói criado por Moore: um mascarado, horrendo e transtornado vigilante direitista conhecido como Rorschach. Rorschach fala para o psiquiatra sobre a noite em que ele cruzou a linha da brutalidade:

“Me senti limpo. Senti o sombrio planeta girando sob os meus pés e descobri o que faz os gatos gritarem como bebês durante a noite. Olhado para o céu através da espessa fumaça de gordura humana, e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante, continua para sempre, e nós estamos sós. Vamos viver nossas vidas na falta de qualquer coisa melhor para fazer. Deixemos a razão para depois.

Nascemos para o esquecimento; agüentando crianças destinadas para o inferno, nós mesmos; caminhando para o esquecimento. Não há nada mais. A existência é fortuita. Nenhum padrão seguro imaginado por nós depois de encarar isto por muito mais tempo. Nenhum significado seguro além do que nós escolhemos impor. Este mundo sem direção não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus que mata as crianças. Não é o destino que as abate ou que as dá de alimento para os cachorros. Somos nós. Somente nós… Estava renascido então, livre para rabiscar meu próprio desígnio neste mundo moralmente vazio..”

O assustador Rorschach

“Aquela foi uma história terrivelmente depressiva para se escrever,” disse Moore, “em parte porque Rorschach em nada se parece comigo: Eu não compartilho a sua política, e nem compartilho a sua filosofia. Ele é um homem aterrorizado e, em minha visão, ele acaba se rendendo ao horror do mundo.

Mas eu penso que o fundo do poço dos medos e ansiedades de muitas pessoas pode ser igual ao do Rorschach. As coisas que uma vez usamos para nos abrigarmos da escuridão – como Deus, a rainha, o país, e a família – foram se distanciando de nós. Em muitos casos, temos esmagados a nós mesmos, e agora nos deixamos tremendo na chuva, olhando para o mundo e vendo um obstáculo preto que não tem nenhum significado moral, afinal”.

Até que alcance seu devastador mas reafirmado fim, é evidente que, acima de tudo o mais, Watchmen é uma história de como as pessoas encaram a perplexidade do mundo de hoje: como alguns se movem furiosamente e de maneira fatal contra ele e de como outros, heroicamente, reúnem forças até mesmo em face ao Armageddon.

“Enquanto estava trabalhando em Watchmen,” conta Moore, “eu tive que me perguntar, O que é que mais me assusta? E percebi que a verdade é que quando o mundo acabar, não haverá nenhum aviso de quatro minutos, não haverá nenhum conflito nuclear de baixa escala. A verdade é que os mísseis poderiam estar no ar em cinco minutos. E se houver um Armageddon nuclear, não iremos retirar o pó de nós mesmos e nem reinventar os valores humanos. Não poderia haver nenhum valor humano após uma guerra nuclear porque não haveria nenhum humano.

Nosso passado seria erradicado. Nosso futuro seria erradicado. Nosso presente seria erradicado. E eu me achei pensando, Quando as crianças foram para escola esta manhã, eu gritei com elas ou lhes falei que eu as amo?”.

Os roteiros de Moore para essa saga viraram uma lenda pela riqueza de detalhes. O primeiro capítulo, por exemplo, tinha mais de 100 páginas e foi entregue ao desenhista Dave Gibbons sem parágrafos.

Com Watchmen, Moore virou uma celebridade do mundo dos quadrinhos, mas não estava feliz com isso. Certo dia, em uma convenção sobre HQ´s em San Diego, ele foi cercado por dezenas de fãs que o imprensaram contra uma escadaria na tentativa de agarrá-lo e conseguir um autógrafo. Moore decidiu que jamais participaria de convenções novamente.

A Casa do Trovão, em Twilight of the Superheroes

O próximo projeto de Moore na DC seria Twilight of the Superheroes, mas por razões desconhecidas, esse projeto não foi adiante. Anos depois, muitas das idéias de Moore para essa série seriam reaproveitadas na aclamada saga “Kingdon Come”(Reino do Amanhã) de Mark Waid e Alex Ross. A dupla nega qualquer reciclagem dos conceitos de Twilight.

Moore, que já não trabalhava para a Marvel desde a época de Capitão Bretanha, tambem passou a não trabalhar mais para a DC, pois discordava sobre os royalties de Watchmen e principalmente com o fato da DC adotar o código “for mature readers” (própria para leitores maduros/adultos) nas suas revistas.

A última colaboração de Moore para a DC foi o final de V de Vingança, que havia ficado incompleta apos a falência da Warrior. A série foi reeditada nos EUA e se tornou outro best-seller.

Miracleman

Na mesma época, ele voltou a escrever Miracleman (agora para a editora Eclipse). Além de tudo o que já havia sido escrito para a Warrior, Moore criou novas historias, entre elas a maravilhosa saga Olympus. Depois disso, ele passou os direitos autorais do personagem para Neil Gaiman (que mais tarde resultou naquele pega ´pra capar entre Gaiman e a cria do inferno, Todd McFarlane. O embate jurídico dura até os dias de hoje).

Moore recusou varios trabalhos nessa época, inclusive o roteiro de Robocop 2 (que assumiu a criança foi Frank DKR Miller). Seus próximos trabalhos foram o livro “Brought to Light”, com ilustrações de Bill Sienkieckz e a graphic novel “A Small Killing”.

Em 1989, Moore decidiu colaborar com a recém-criada revista “Taboo” de Stephen Bissete (parceiro de Moore em Swamp Thing). Para a Taboo, ele escreveu a espetacular “From Hell” – fruto de mais de 8 anos de pesquisa, e “Lost Girls”.

Ainda naquele ano, Moore passou a viver um triângulo amoroso com sua esposa e sua namorada Deborah Delano. Irritado com a intolerância do governo de Margareth Tatcher com os homosexuais, Moore colaborou com entidades GLS, publicando a história “Mirror of Love”, pela editora Mad Love, propriedade do próprio autor e de sua esposa.

Big Numbers

O próximo projeto era a serie Big Numbers, projetada para 12 capítulos e mais de 500 páginas. Somente 3 edições foram lançadas, 2 com desenhos de Sienckwiecz e uma com os traços de Al Columbia. Ninguém sabe ao certo porque o projeto nao foi adiante, mas especula-se que a complexidade do texto de Moore foi demais para os desenhistas que nao conseguiram dar conta do recado.

Nessa época teve início o inferno astral de Alan Moore: a Mad Love faliu e seu casamento terminou. A Taboo também chegou ao fim, deixando sagas como From Hell para serem completadas anos depois.

Em 1993, Moore tomou uma decisão que desapontou muitos de seus fãs. Aceitou trabalhar para a Image Comics escrevendo títulos como Spawn, Supreme, Glory, Youngblood, Wild C.a.t.s. Moore desabafou que aquilo não era um retrocesso ou que ele estava vendendo sua alma para os demônios Rob Liefeld e Jim Lee, e sim um desejo de escrever histórias mais simples, para garotos de 14 anos e não para adultos de 30. Ainda pela Image, ele participou do projeto 1963. Este ultimo projeto acabou gerando uma briga entre ele e Stephen Bissette. Até hoje eles não se falam.

Moore passou a morar com uma nova companheira: Melinda Gebbie. No dia em que completou 40 anos, Moore decidiu se tornar um mago. Ainda em 1993, ele praticou performances teatrais como “Snakes and Ladders” e “BirthCaul”. Mais tarde essas performances foram adaptadas para HQ´s por Eddie Campbell, seu companheiro de trabalho em From Hell.

Algumas conclusões de Moore em relação à magia foram adaptadas para histórias como Supreme, Glory e mais tarde Promethea. Em Supreme, Moore explorou o conceito do IDEASPACE, um mundo de arquétipos, semelhante ao Mundo das Idéias de Platão. Supreme vai investigar uma estranha cidade no alto do Tibet, encontrando uma paisagem desnorteante, formada por um grande número de paisagens diferentes fundidas numa só. Há partes dela que parecem como um bairro decadente durante a Depressão de 1930, onde ele conhece uma gangue de crianças e um herói fantasiado.

O Grande Criador

Supreme continua a vagar pela estranha paisagem até encontrar uma trincheira de um campo de batalha, onde há uma infinidade de soldados de várias etnias: Um irlandês, um judeu, um negro, tudo muito parecido com o Sgt. Fury e toda uma enorme linha de heróis patrióticos.

Isto continua até Supreme conhecer o criador supremo deste mundo, que se mostra ser Jack Kirby. Isto é muito difícil de explicar porque leva uma história inteira para ser contada, mas é basicamente uma gigantesca cabeça flutuante, que se altera sob uma fotomontagem da cabeça de Kirby em transmutação; ela sempre é apresentada no estilo dos desenhos de Jack Kirby. Esta entidade gigantesca explica a Supreme que ele foi um artista de carne e osso e sangue, mas agora ele está completamente no reino das idéias, que é muito melhor porque a carne e os ossos e o sangue tem suas limitações, já que ele podia fazer somente quatro ou cinco páginas em um dia de trabalho; mas agora ele existe puramente no mundo das idéias. As idéias só podem fluir sem interrupções. Ele fala sobre todo um conceito de um espaço onde idéias são reais, que é o tipo de lugar onde, de algum modo, todos os criadores de quadrinhos trabalham durante toda a sua vida, talvez Jack Kirby mais do que a maioria. É como se uma idéia se tornasse livre do corpo físico, e este artista pode então explorar os mundos infinitos da imaginação e das idéias.

Em 1996, Moore escreveu seu primeiro romance, intitulado A Voz do Fogo. Foram 5 anos para escrever este livro, um tratado de 5 mil anos da sua cidade natal, Northampton. O primeiro capítulo é narrado em primeira pessoa (de forma muito singular) por um personagem que vive numa Northampton paleolítica, quando a cidade tinha duas a três cabanas de barro e uma ponte. O segundo é narrado em primeira pessoa por um personagem totalmente desligado do primeiro que vive em Northampton durante a Idade de Bronze, em uma comunidade que começou a crescer, se desenvolvendo através das eras. Lentamente, nós movemos através dos séculos, até o décimo primeiro capítulo, que é narrado pelo próprio autor na Northampton do presente.

Trabalhando para a editora Wildstorm (que acabou sendo posteriormente vendida para a DC) Moore criou uma nova linha de HQ´s, a America’s Best Coomics (ou ABC), onde surgiram as aclamadas séries: Top Ten, Tom Strong, League of Extraordinary Gentlemen, Promethea e Tomorrow Stories.

Aos 50 anos, Moore anunciou que pretende se aposentar dos quadrinhos. Será?

Liga dos Cavalheiros Extraordinários

Se você assistiu LXG, a dica de leitura é um antídoto para a pataquada que você viu na telona. Leia a edição especial A Liga Extraordinária da Devir. Apesar do preço salgado (R$ 45,00), você pode encontrar esse lançamento na FNAC por R$ 36,00. Preço justificado pela luxuosa edição de 192 páginas repleta de material inédito, incluindo o tão aguardado conto “Allan e o Véu Rasgado”, no melhor estilo das obras de H.P. Lovecraft.A Liga de Moore não tem nada a ver com aquela versão X-Men Vitorianos. As Aventuras da Liga dos Cavalheiros Extraordinários é o fanfict definitivo: Imagine uma força-tarefa formada por personagens da literatura inglesa, mas com uma pitadinha do tempero de Alan Moore: Então o Capitão Nemo é uma figura intrigante, um fanático cheio de equipamentos misteriosos. Hyde é de uma complexidade assustadora. Mina Murray não é uma vampira anabolizada e o decadente Alan Quatermain passa longe da interpretação impecável de Sir Connery. Só para você ter uma idéia, o Quatermain da HQ é viciado em ópio! Leia o mais rápido possível e fique aguardando ansiosamente o volume dois, ainda “inédito” aqui no Brasil.

Entrevista com Alan Moore

Apresento-vos uma entrevista com o escriba, realizada por Alan David Doane. A tradução é de David Soares (Portugal)

Eu soube que este “Quiz de 5 perguntas” seria um esforço maior que os anteriores, excedendo certamente esse número de questões, quando o homem que eu considero ser o melhor escritor de banda desenhada de sempre deteu-se, pensativamente, durante oito minutos para responder à minha primeira interrogação (envisionando e esclarecendo, em conjunto, as seguintes). Olhando a isso, abandonei a fórmula inicial; que outra escolha tinha? Durante a década de 80, Alan Moore recriou a banda desenhada por imprevisto, como irão ler adiante, e, desde a sua estréia, uma engenhosidade e paixão superlativas constantes são as características reconhecidas no seu trabalho. Conversar com Alan Moore, mais que uma honra, foi uma aventura e é meu dever agradecer ao autor a sua disponibilidade, mas, também, a Chris Staros, da Top Shelf Productions, por apadrinhar este encontro. Esta editora publica muitos dos melhores trabalhos de Moore, como o seu romance “Voice of the Fire”.

Alan David Doane – O que te inspirou a escrever um romance com a profundeza de “Voice of the Fire”?

Alan Moore – Sempre vivi em Northampton, como os meus pais, talvez tenha sido isso. Somos todos descendentes uns dos outros nesta única grande família que são os seus cidadãos. “Nascidos de fresco com sangue em segunda-mão”, como gostamos de dizer por cá. Esta cidade fascina-me e saber que a sua história, tão singularmente rica, é completamente ignorada sempre se me apresentou contra-sensual. A maioria dos ingleses é capaz de identificar Northampton apenas como uma mancha indistinta a meio da M-1, entre Birmingham e Londres, mas quando comecei a investigar as suas origens na altura em que me lembrei de escrever este livro encontrei matéria convincente o bastante para concluir que Northampton é, mesmo, o centro do universo. No mínimo, eu fiquei convencido.

Penso que a sua é uma história esplêndida que remonta desde a Idade da Pedra quando caçadores de mamutes, e os próprios mamutes obviamente, ainda caminhavam sobre estas ruas, atravessando a Idade do Bronze e as migrações dos povos Celtas, prosseguindo pela Idade do Ferro e as invasões romanas e, ainda, parece-me ser uma cidade que assumiu sempre uma importãncia central, de um modo mais complexo que a sua simples localização geográfica. Lembro-me, se me encontro sem erro, que os avós de George Washington, e de Benjamin Franklin, habitavam duas pequenas aldeotas vizinhas durante os anos da Guerra Civil Inglesa. Os pais de Washington moravam aqui, os pais de Franklin moravam em Ekton e ambos os casais abandonaram Northampton após a guerra civil que terminou nesta cidade (provavelmente, o local mais desconfortável para comprar uma casa durante o séc. XVII) e emigraram para a América. De acordo com aquilo que sei, a própria bandeira norte-americana é baseada no seu, agora esquecido, brasão de família, tradicional de Northampton.

O tipo que descobriu o ADN, Francis Crick, viveu aqui e foi aluno na mesma escola que eu frequentei com apenas algumas décadas de intervalo entre os seus anos lectivos e os meus e ia semanalmente à catequese na igreja que ainda se encontra no fim da minha rua. Muitos episódios da história inglesa também circulam Northampton, como a Guerra das Rosas que também conheceu o seu fim neste lugar, simetricamente à nossa Guerra Civil, como já te contei, e a Conspiração da Pólvora que foi urdida nesta cidade e pretendia rebentar a sede do parlamento, em Londres, em 1605. Pensamos, inclusive, que o empreendimento foi um fracasso e é por essa razão que o tornámos numa festa anual, mas os conspiradores não se saíram, realmente, mal.

Também foi nesta cidade que a rainha Mary, da Escócia, foi decapitada e é avaliando esse conjunto de acontecimentos que te digo que existe muita história aqui, nem sempre agradável, admito, mas está presente uma força nuclear para a vida humana e que influenciou de certeza a evolução do modo de vida inglês, e, em última análise, possivelmente outros modos de vida em outros lugares.

A génese do livro nasceu dessa fé que me diz que, sim, Northampton é, na verdade, o centro do universo. Acredito nisso, assim como acredito que é esta é uma cidade despida de características especiais. Posso dizer-te que qualquer pessoa, habitante de qualquer lugar sobre o globo, pode desenterrar uma mão-cheia de maravilhas da terra do seu próprio quintal, se tiver feito uma pesquisa paciente sobre esse local e se for engenhosa o bastante para as encontrar. Demasiadas vezes caminhamos pelas nossas ruas, a pé ou de automóvel, e não compreendemos que sob as fachadas descaracterizadas se pode esconder o antigo cárcere de algum poeta ou um sítio reservado ao homicídio, o sepulcro oculto de alguma rainha lendária e é o somatório destas pequenas histórias que enriquecem um lugar: de repente, não te encontras simplesmente a passear numa cidade comum, aborrecida e homogénea, mas numa aventura em avenidas prodigiosas recheadas de histórias fantásticas. Na minha opinião, viver é uma experiência muito mais recompensadora se conhecermos intimamente a parte do mundo que nos foi destinada como casa e esta é a melhor resposta que te posso dar sobre a tua pergunta.

ADD – Bom, na verdade já respondeste às primeiras quatro perguntas.

AM – A sério? (Risos) Estou em forma.

ADD – (Risos) Sendo assim, vamos à última. Imagino que durante a criação das histórias deste livro, à medida que ias desenvolvendo a tua pesquisa e estruturando a narrativa, foste apanhado de surpresa por algumas coisas acidentais que não estavam previstas quando iniciaste o empreendimento.

AM – Fui surpreendido por uma grande quantidade de coisas. Repara que uma das minhas premissas iniciais era a de não querer escrever um trabalho histórico, por que não queria abdicar da liberdade que um trabalho de ficção me oferece, como, por exemplo, entrar na personalidade das pessoas sobre quem eu pretendo escrever e o sentido dessas vidas, pois acredito que dessa forma o resultado final é mais verdadeiro, mais humano. Contudo, mesmo conjurando todas estas vozes fictícias do passado queria que o seu discurso se baseasse em fatos reais e circunstâncias possíveis e comecei com esse objetivo em mente para, em seguida, compreender que determinados temas, determinadas imagens, estavam a emergir da minha narrativa.

Aparentemente, a maioria dos episódios ocorrem em Novembro, no dia do meu aniversário,e, paralelamente a isso, outros elementos estavam a manifestar-se repetidamente em diferentes histórias e indicavam-me uma espécie de padrão: pessoas com membros amputados; matilhas de cães pretos espectrais; cabeças decepadas e outros ícones de natureza igualmente inquietante.

O desafio de “Voice of the Fire”, se eu queria realizar esse livro de acordo com a minha ideia original, era ter um narrador diferente para cada uma das doze histórias, alguém que pertencesse a esse espaço-tempo e que relatasse na primeira pessoa. Para o último capítulo, que tem lugar nos dias de hoje, o único narrador possível só poderia ser mesmo eu próprio. Contar essa história com a minha voz, debruçando-me sobre os meus assuntos particulares sem inventar pormenores sobre o que estaria a acontecer durante essa altura e, coincidentemente, quando finalmente comecei a fazê-lo, descobri que já me encontrava em Novembro, mais uma vez… Iniciei a escrita desse capítulo com a esperança que a própria cidade me sugerisse um final que amarrasse todas as pontas e todas as hipóteses que fui deixando por rematar ao longo dos capítulos anteriores sem saber se isso iria acontecer ou se, pelo contrário, os últimos cinco anos da minha vida tinham sido um logro e que não deveria ter começado o livro, em primeiro lugar.

Sempre acreditei que existem momentos na vida de um escritor em que ele, ou ela, é confrontado com a noção de que as fronteiras entre a ficção e a vida real são, muitas vezes, inexistentes e isso é frequente em trabalhos nos quais optamos por um registro auto-referencial. Esses dois universos inclinam-se para um maior cruzamento à medida que te aproximas de casa o que pode ser desconfortável, no mínimo. Por isso não foi surpreendente, mas ainda assim bizarro, quando sucessivas ocorrências se conjugaram para satisfazer as necessidades do meu texto. Coisas sobre e com cabeças cortadas e enormes cães pretos que me mostraram que enquanto ações mirabolantes têm lugar na ficção, outros movimentos igualmente mirabolantes, e perigosos, acontecem na vida real; experiências que são simétricas. Por mais que as esperes, são sempre perturbantes.

ADD – Esse capítulo final, acredita, foi uma das coisas mais perturbantes que já li.

AM – Pois. Obrigado.

ADD – Existe uma frase nesse capítulo… Tu sabes qual: “O Homem escreve.”, “O Homem escreve.”…

AM – Sim

.

ADD – Essa tua frase que aparece repetidas vezes e que parece tão absurda consegue reunir toda a informação do livro e fazer sentido no final, quando todas as centenas de páginas e todas as centenas de anos que assimilaste acabam por nos conduzir à tua casa, ao teu quarto, não é verdade?

AM – É quase isso. Não és conduzido ao meu quarto, felizmente para ti, mas à minha mente. Até esse ponto exato, ainda poderias pensar que “Voice of the Fire” é composto por uma série arbitrária de histórias suavemente associadas em órbita da minha cidade e nesse capítulo quis fundir tudo isso: as histórias, a minha vida, a minha mente e as vidas e as mentes dos leitores. Aparentemente, para surpresa de todos, o livro acaba mesmo por ser sobre mim. Pode ser sobre mim, sentado a escrever o próprio livro. Ou ser sobre o processo criativo de se escrever outro livro. Ou sobre outro assunto qualquer. É isso. E fico contente que tenhas reagido bem à frasezinha, por que ela arrepiou-me um bocadinho quando a escrevi. Lembro-me que pensei: “-Isto está a ficar sinistro, por isso devo estar a criar algo interessante”.

ADD – A frase não é sinistra, em si, mas consegue impressionar-te dessa forma.

AM – Obrigado.

ADD – É perturbante, como já te disse. Aliás, já li o teu “From Hell” e senti em algumas passagens dessa história que ultrapassaste a barreira entre autor e leitor. Uma barreira que não tinha sido ultrapassada em nada que já tivesse lido.

AM – Isso é maravilhoso…

ADD – Não tenho a certeza de qual dos livros foi editado em primeiro lugar, mas o efeito que “Voice of the Fire” me provocou pareceu-me uma ampliação do que senti em segmentos de “From Hell”, naqueles momentos em que tu, como acabaste de explicar, penetras, e nós contigo, na mente da personagem, que neste caso és tu. Não tinha pensado nisso, mas o leitor acaba por se transformar em Alan Moore.

AM – Pois… é possível. Penso, inclusive, que um ingrediente que pode ajudar a cozinhar esse efeito é o facto de que no último capítulo de “Voice of the Fire” não possuo um conhecimento “in loco” do meu consciente não-autónomo, ou seja: o meu “eu” pensante. Falando nisso, nunca utilizo a palavra “eu”, entendes? Acaba por funcionar como uma narração na primeira pessoa do singular, mas sem uma pessoa. Não sei se era a isto que fazias referência, mas eu também não compreendo muito bem o que me leva a escolher uma determinada forma de fazer as coisas. Na altura, pareceu-me que funcionava.

Pareceu-me que deixava o leitor respirar, sem estar constantemente a ser confrontado com a noção de que é um… deixa-me pensar… um ego de outra ordem que fala com ele. Fico satisfeito pela tua reacção a esta experiência.”Voice of the Fire” e “From Hell” nasceram mais ou menos na mesma altura, talvez com um ano de diferença, e isso acaba por estabelecer uma comunicação entre os dois, por que têm algumas afinidades, como, por exemplo, o facto de partilharem um momento da minha vida em que decidi tornar-me um ocultista e estudar a fundo matérias que estão imersas num mundo à parte às quais, vulgarmente, chamamos magia. No “From Hell” isso está explícito nos diálogos de William Gull quando ele nos descreve as suas crenças e que os deuses existem realmente, em majestade e monstruosidade, na nossa mente. Escrevi isso quase por acidente e compreendi depois que tinha escrito algo mais profundo, algo significante que, eventualmente, acabou por introduzir o meu interesse pela magia.

Certamente, esta inclinação coloriu com outros tons o final de “From Hell”, e a conclusão de “Voice of the Fire”. Este título reservou-me outra surpresa: comecei o livro contando a história de um xamã que procura um código de palavras, uma ladainha, um conjunto mnemónico para aglutinar o seu povo e na última história, eu sou esse xamã, inconscientemente, milénios depois, realizando a mesma rotina. Não a mesma, claro, pois os meus métodos não envolveram nenhum sacrifício humano. Podes dormir sossegado.

ADD – A mensagem de “From Hell, bom, pelo menos a que eu retirei da minha leitura e que, infelizmente, não é expressa pela sua adaptação cinematográfica…

AM – Tens de compreender que estás em vantagem sobre mim nesse tópico, por que não vi o filme.

ADD – Tudo bem. Penso que na melhor das hipóteses representar todas as preocupações do teu trabalho, já por si bastante extenso, num filme de duas horas é uma tarefa impossível de concretizar. Mas falava-te do que retirei do livro, a tal mensagem que é a de que a arte tem o poder de transformar o artista, até divinizá-lo, e no decurso da minha leitura percebi que ambos os livros, “From Hell” e “Voice of the Fire”, partilham essa preocupação. Não sei se foi intencional, mas a verdade é que quando se chega ao fim desses livros essa mensagem é, de facto, sugerida.

AM – A magia tem o poder de mudar a relação que tens com o mundo que te rodeia e isso aconteceu comigo. Comecei a olhar as coisas de outra forma, com um sentido, felizmente, mais útil, até, e considerando tudo isso, o que dizes sobre os dois livros pode ser verdade. Através deles, apresento uma visão alternativa da nossa história e das nossas experiências, mesmo que em “From Hell” a minha intenção principal fosse contar uma história sobre um crime, um homicídio. Nessa altura, nem pensei nos crimes de Jack, o estripador. Era, apenas, o uso de um crime como uma experiência avassaladora que me norteava. Felizmente, um homicídio, no contexto de uma vida, é uma experiência bastante improvável. Repara que o número de pessoas que acabam por morrer dessa forma é, ainda assim, muito reduzido.

Essa raridade sugeriu-me a idéia de falar sobre o homicídio de uma forma particular. Porquê abordar apenas a identidade do autor, que parece ser o motor constante de tantos romances policiais? Essa é uma alusão quase tão redutora como um vulgar jogo de salão. Como o CLUEDO, por exemplo, onde só precisas de descobrir quem foi o assassino, a arma que usou e em que local a vítima foi abatida. Com “From Hell” quis esclarecer, também, as variáveis sociais e culturais que permitiram a práctica desse crime, muito mais que, somente, especular sobre a identidade do homicida. Queria ver como um crime poderia agir sobre a sociedade e estudar todas as hipóteses de desenvolvimento que poderiam florescer posteriores a essa ação.

Prosseguindo nessa óptica, se estás a falar sobre um crime, essa experiência avassaladora que pode acontecer na nossa vida, tomas consciência que és capaz, inclusive, de ir mais longe e ter alguma coisa a dizer sobre a grandiosidade da própria condição humana. Podes dirigir este ponto de vista para “Voice of the Fire”, claro, mas desviado suavemente, já que a intenção desse livro não é provar-te que Northampton é o núcleo do universo, mesmo tendo fé absoluta na verdade dessa afirmação, como já te disse, mas mostrar-te que qualquer local, onde quer que te encontres, é muito mais rico, muito mais exótico e prodigioso do que parece à primeira olhadela, entendes? No primeiro livro, procurei mostrar um ponto de vista crítico sobre a condição humana e a cultura, neste caso a cultura e a sociedade inglesas, usando um crime como casa de partida, mas com “Voice of the Fire”, as minhas ambições estavam à solta, a pensar em outras paisagens e para onde a nossa evolução nos conduz. Penso que o que estabelece a comunicação entre os dois livros é mesmo o meu interesse pela magia, que influencia o meu modo de olhar as coisas e de as contar.

ADD – Gostaria que falasses do modo como vê a tua carreira na banda desenhada e a forma como as obras que tu escreveste, como “From Hell”, mas também “Watchmen” e “The League of Extraordinary Gentlemen”, mudaram o comportamento da indústria da publicação de comics.

AM – Posso dizer-te que a minha ambição foi sempre ganhar a vida como cartunista e nem pretendia ser famoso. O problema foi quando descobri que nunca seria um artista bom e rápido o suficiente para aguentar uma carreira nessa atividade.

Lembrei-me, então, da hipótese de me concentrar na escrita, por que senti que poderia fazer um trabalho melhor como escritor e que desenhando os storyboards para as histórias a minha ligação com o desenho continuaria. Investi com essas premissas e compreendi logo no início que seria incapaz de escrever uma história de encomenda. Se uma idéia sugerida não fosse aquilo que eu tinha em mente, invertia-a para a transformar em algo que me desse prazer escrever ou que fosse, no mínimo, um desafio. Penso que o método que desenvolvi me salvou de muitos compromissos e sempre me providenciou com a motivação necessária para realizar um bom trabalho.

Comecei a ser requisitado aos poucos, para ali e para acolá, em resultado dele e apliquei-o, concisamente, quando a DC me engajou para escrever o “Swamp Thing”. Na minha lógica, o leitor nunca se irá interessar em ler uma história escrita por mim, se eu próprio não estiver interessado em escrevê-la. Isso pressente-se, não te parece? Penso que os leitores são muito bons em descobrir se o autor gostou realmente de fazer o seu trabalho.

Tive de tornar o material mais arrojado, mais destemido, para o forçar a ser interessante. Pensei que fosse arranjar uma porção de problemas por causa disso, mas não. Os leitores compreenderam as minhas escolhas e eu, encorajado por eles, inovei mais ainda, sempre com o apoio da Karen Berger, claro, a minha editora da DC na altura, e, também, por outras pessoas que apreciaram muito a subida das vendas do título, sempre maiores a cada mês. Todo esse conjunto de situações fez nascer uma relação de confiança mútua na qual os editores perceberam que se eu tivesse controlo sobre as minhas decisões criativas nunca lhes iria apresentar um trabalho inteiramente despropositado e foi essa credibilidade que me permitiu ir sempre mais longe, por vezes a locais perturbadores ou tétricos, mas sempre interessantes. De que forma é que isso influenciou a indústria? Não te posso oferecer uma explicação clara. Depende da minha disposição, se queres mesmo saber. Se eu me sentir deprimido penso que a minha influência foi terrível e que os autores que cresceram a ler o “Swamp Thing” ou “Watchmen” só foram capazes de imitar a violência desses trabalhos, e a sua pose intelectualista, sem a suportarem com a ingenuidade e a aventura que também lá se encontram. Sinto que ignoraram completamente a minha vontade de romper os limites da própria fórmula de contar histórias em BD e contentaram-se em produzir uma série de livros tristes e penosos. Como te disse, esta visão desconsolada da realidade depende muito da minha má-disposição e hoje tiveste azar.

A sério que gostava mesmo de acreditar que, em vez de tudo isto que contei, consegui realmente mostrar com o meu trabalho que a banda desenhada permite inúmeras possibilidades aos seus autores e que estão para nascer livros fabulosos com contornos que somos incapazes de imaginar neste momento. Que podes fazer tudo com algo tão simples como palavras e imagens se as abordares sensivelmente e se fores inteligente, diligente e virtuoso no teu esforço. Talvez esteja a ser brusco, lamento, mas queres afirmar que existe uma influência minha na indústria? Então, por favor, coloca-a aqui em vez de encorajares a minha percepção de que a minha herança será invariavelmente composta por psicopatia e sarcasmo.

ADD – Sou capaz de regressar mais longe que os anos oitenta, quando o teu “Watchmen” e o “The Dark Knight Returns”, do Frank Miller, foram publicados. Na minha opinião, o que poderá ter iniciado a redefinição das personagens, dos super-heróis, poderá muito bem ter sido aquela história que escreveste no “Swamp Thing” na qual representaste os membros da Liga da Justiça, o Batman, o Super-Homem e os outros, como se fossem novos deuses, curiosos em relação à humanidade. É um segmento de quantas páginas? Duas? Contudo, penso que a mudança começou nesse momento.

AM – Quem sabe se a razão está do teu lado… Lembro-me que foi a primeira vez que escrevi sobre super-heróis, no mínimo, os americanos. O Swamp Thing não conta, por que, na altura, era refugo. Para mim, escrever essa história foi voltar a divertir-me com os brinquedos da minha infância, o Flash, o Super-Homem e sentá-los todos no seu grande gabinete cósmico e devolver-lhes o carisma que eles costumavam ter para mim e que, infelizmente, se tinha transformado num sentimento mais próximo de casa. Fi-lo usando pequenos ardis, como nunca os chamar pelo nome verdadeiro e ocultá-los na penumbra. Podes ver uma insígnia pelo canto do olho ou uma silhueta, mas isso é tudo. Sobretudo, quis fazer poesia com estas personagens.

Dizer que uma personagem consegue ver o que acontece no outro lado do globo ou que é capaz de aquecer a antracite o suficiente para a transformar em diamante, como fiz para o Super-Homem, ou que se move a uma velocidade tão intensa que a sua vida se assemelha a uma visita numa galeria de estátuas, como escrevi para o Flash. Falei em poesia e isto, de fato, não é um exemplo de boa poesia, mas constitui um novo olhar sobre estas personagens que temos inclinação a desdenhar, ou a esquecer, por que se tornaram, com o passar dos anos, demasiado familiares e a aproximação que nos liga às coisas e aos assuntos tende, por vezes, a criar essa desilusão. Só pintei uma maquilagem nova sobre o encanto que já existia. O Frank Miller fez a mesma coisa nas páginas do “Daredevil”, não? Quando introduziu outras personagens da Marvel nessa cronologia.

ADD – Tens razão, mas repara que ele não se desviou dos padrões instituídos e nunca nos fez olhar uma personagem conhecida de um modo singular. A mesma acusação é válida para a maioria dos criadores posteriores. É mesmo como dizes: se tivessem considerado a face mais experimental dos vossos trabalhos em vez de se concentrarem no sensacionalismo as coisas poderiam, certamente, ter conhecido outra evolução.

AM – Não duvides e essa face mais arriscada é o que existe de atraente no trabalho do Frank, essa sua mestria narrativa e a inovação constante que ele introduziu no género através das histórias do Demolidor e do Batman, muito mais que o desalento e a testosterona. Seria tão bom se a sua influência penetrasse mais fundo que a camada superficial feita de sexo e violência.

Não vamos dizer, todavia, que tudo o que apareceu depois de “Watchmen” e “The Dark Knight Returns” se encaixa nessa pobre categoria e posso dizer-te que na periferia do mainstream encontras grandes trabalhos que não são clones de nenhum destes títulos, mas ainda assim penso que a nossa herança é maldita e uma péssima desculpa para oportunidades perdidas, o que não desvirtua a qualidade do trabalho do Frank e do meu, obviamente.

ADD – Esta conversa sobre herança vem mesmo a propósito. O teu amigo Neil Gaiman já tornou público o que ele diz ser “a conclusão, ou o fim eminente, de um episódio interminável com um editor desonesto, desleal até ao limite do imaginável”, aludindo ao desfecho do processo que levantou contra Todd McFarlane pela posse dos direitos que envolvem parte do franchise do personagem Miracleman, que tu próprio resgataste e ressuscitaste nos anos oitenta. Passados todos estes anos, o que é que tu gostaria de ver feito com essas histórias que escreveste e qual é a tua opinião sobre o processo-crime?

AM – Estou muito contente pelo Neil, como podes imaginar. Ainda bem que acabou, por que deve ter sido um pesadelo moroso. É sempre ridículo que alguém que não seja o criador venha exigir direitos sobre um trabalho e custa-me a entender essa falta de ética, ou melhor, compreendo-a, mas não posso pronunciar-me sobre ela sem dizer um ou dois palavrões. É algo embaraçoso, seboso até, que acaba por nos sujar a todos e que não oferece uma boa imagem da indústria da banda desenhada, por culpa dela própria, também, já que, infelizmente, casos semelhantes a este são frequentes. Penso que o Neil, chegando impoluto à outra margem desse lodaçal para onde irrefletidamente o quiseram arrastar, comportou-se como um verdadeiro super-herói.

Seria divertido ver reimpressões do Miracleman, para que os leitores não estivessem a pagar preços proibitivos por edições raras guardadas religiosamente desde a sua publicação original. Algum do material apresentado nessas histórias era realmente fantástico, como o escrito pelo Neil, por exemplo, e era bom que ele, em algum momento, tivesse oportunidade para lhe dar continuidade. Ele já me propôs há uns tempos uma parceria com vista à realização de uma conta em que todos os royalties derivados das vendas das reimpressões fossem guardados para serem distribuídos com justiça aos autores que trabalharam na série, como nós ou como o Mark Buckingham.

Parte desse dinheiro podia ir, também, para o Comic Book Legal Defense Fund e se houvesse a infelicidade de um ou outro filme aparecer o dinheiro, os meus royalties pelo menos, poderiam ir diretamente para esse fundo ou ficar no estúdio para serem partilhados pelos criadores envolvidos no projeto, por que eu não quero receber um único centavo de mais um filme adaptado de um dos meus livros, nem desejo ver o meu nome associado a um empreendimento desse género. O ideal era que não se fizessem mais filmes inspirados em livros do Alan Moore. Em vez disso, era mais agradável ver bons trabalhos serem reimpressos por um bom editor, sob uma boa política editorial.

Isso seria uma excelente premissa para o futuro e não digo isto motivado pela ganância de ganhar mais uns tostões com o meu material antigo, mas com a intenção de garantir que criadores como eu e como o Neil não tenham de atravessar campos minados no percurso das suas carreiras, por que, na verdade, temos assuntos muito mais importantes com que nos preocupar.

de http://www.mortesubita.org/

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/grandes-iniciados-alan-moore

Como anda o seu humor e a sua vida?

Geralmente os textos que aqui posto são de outros autores. Então, depois de um bom tempo, faço uma postagem. É sobre problemas que passamos em nossas vidas e vou enfocar nos transtornos de humor. Os que vou utilizar são Depressão, Mania, Transtorno Bipolar e Transtorno de Ansiedade Generalizada.  É extenso, mas vai ser uma leitura agradável e bastante prática. Conforme disse, vou falar sobre alguns transtornos de humor inicialmente, explicando o que é, os sintomas deles, depois fazer explanações sobre eles e sobre a vida em si. Espero que gostem!

Depressão é uma doença psiquiátrica que produz alteração de humor caracterizada por tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixo autoestima, sentimento de culpa, distúrbios de sono e apetite. Não é uma tristeza igual a de acontecimentos difíceis e desagradáveis, inerentes à vida, como perda de emprego, desencontros amorosos, morte, etc. Nestes casos, elas sofrem e encontram por si mesmas uma forma de superá-las. Nos casos de depressão a tristeza é crônica, não dá trégua e não tem causa aparente. Pode ficar o tempo todo, dias e dias seguidos. Predisposição genética, disfunção bioquímica, acontecimentos traumáticos na infância, estresse crônico, doenças sistêmicas, consumo de drogas lícitas e ilícitas e certos medicamentos podem causar.

O oposto da depressão é a Mania (geralmente utilizamos esta palavra para definir hábitos, mas aqui tem outro sentido). É totalmente o oposto da depressão e as causas são praticamente as mesmas. Mas existe o Transtorno (ou Espectro, dependendo do caso) Bipolar, onde há alternâncias de episódios de mania, depressão e períodos assintomáticos. As crises podem variar de intensidade (leve, moderada e grave), frequência e duração. O humor é flutuante e tem reflexos negativos nos comportamentos e atitudes, onde as reações deles são sempre desproporcionais aos fatos que serviram de gatilho ou, até mesmo, independem deles. Ainda não foi descoberto uma causa específica para isto.

Além destes distúrbios de humor, temos a Ansiedade. É uma reação normal diante de situações que provocam medo, dúvida ou expectativa. É um sinal que prepara a pessoa para enfrentar o desafio e, mesmo que ele seja superado, favorece sua adaptação às novas condições de vida (o conceito é praticamente idêntico ao de eustresse). Porém há um distúrbio caracterizado pela preocupação e expectativa excessiva e apreensiva, persistente e de difícil controle, que perdura por meses causando inquietação, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular e perturbação do sono. É o transtorno de ansiedade generalizada (TAG).

As pessoas até podem saber destes fundamentos, mas não sabem como lidar com isto, geralmente piorando a situação do indivíduo. Este faz a sua parte como pode, sabe que pode relaxar, fazer práticas místicas, ocultistas ou mágicas, aplicar Reiki ou qualquer outra terapia holística, caminhar, medicar-se, fazer psicoterapia, praticar yoga, fazer coisas que você fique melhor, mas de toda forma a sua mente continua no mesmo estado, você acaba não tomando as rédeas e não fazendo direito o que deve ser feito para sair da situação e acaba se vendo num beco sem saída. E o pior, além de afetar a si, afeta também as pessoas que ama e isto o faz piorar mais ainda. As pessoas colocam coisas na sua cabeça, dizem coisas que não se devem dizer, e pioram o quadro, assim como você também pode fazer. Ou seja, acabam mais atrapalhando que ajudando, por mais que pensem que estão ajudando. E ainda o indivíduo com tais problemas fica mal por saber que está deixando elas mal ou preocupadas com você ou achar que você não tem mais jeito e ninguém vai gostar de você.

Alguns exemplos clássicos sobre coisas que não devem ser ditas acompanhadas dos porquês. Pedir para “caminhar”, se ele sabe que é bom, mas tem uma dificuldade absurda de forçar uma interação com um mundo aberto sem surtar; “É coisa de sua cabeça!” Merece um Nobel quem concluiu isto, refrescando a memória do amigo e piorando; “Por que não sai mais com a gente?”, onde quando você pensa isto, ele está no quarto, deitado ou acordado, tentando juntar motivação de onde não tem; “Pense nas coisas boas da vida”, como se um depressivo não soubesse o que é isto, sendo que o problema é que, por melhores que sejam essas coisas, elas são como pontos nulos para o deprimido por conta da condição – ele não gosta de si mesmo, acha que ninguém gosta dele e não vê futuro para ele mesmo – por mais que pense nelas tem efeito zero; “Tem gente pior que você”, aí ele se sente culpado por estar num estado psicológico que por mais que se esforce não controla enquanto outras pessoas controlam e está tendo uma dificuldade imensa em colocar as coisas sob uma perspectiva só e regular suas reações e a pior, “Você parece outra pessoa”, a maior “facada” que você dá num depressivo, você fala para ele o que ele não quer acreditar, dá a ele a certeza que nunca mais vai voltar e conseguir reverter o que vem acontecendo e nunca serão normais normalmente, nunca serão quem elas verdadeiramente são.

Dizem também que tudo acontece porque você não se ajuda. Que você está assim porque quer. Mas e a medicação, o tratamento médico, as ordens místicas, as práticas e cursos e tudo o mais, são para quê? Você tenta, mas não consegue. Faz de tudo para melhorar, mas não consegue. Acha que não há solução. Você se ajuda, mas não consegue encontrar uma solução, tenta se apoiar em outras pessoas, às vezes até de forma possessiva, mas machuca a você mesmo e todos ao redor. Mas, às vezes, os outros também fazem isto.

Você colocaria poeira no nariz de quem sofre de sinusite? Daria algo bem açucarado para um diabético? Gritaria com uma pessoa com a pressão extremamente alta? Falaria coisas para pessoas em estados alterados de humor que afetariam ainda mais o humor delas? Falaria para um depressivo aquelas coisas que falei? Gritaria dando mais motivo de preocupação para um ansioso? Então, coloque na cabeça, é uma doença como qualquer outra, que tem cura, que realmente as pessoas que tem só vão ficar boas se quiserem se ajudar, mas se você fizer isto, você vai retardar ou piorar a situação. Se for um ansioso, ele pode ficar furioso e se irritar ou ficar pensando freneticamente numa só coisa e não falar nada com nada! Se for um depressivo, ele pode até se suicidar por conta de algo que você disse! Não só você, como até mesmo os tratamentos podem fazer mal. Medicamentos podem ter interações e terem efeitos negativos, piorando também. Então, tenha paciência e compreensão com o que ocorre com essas pessoas e saiba que quando você magoa elas ou elas te magoam, no caso se transtornos de humor, elas realmente vão ficar pior pelo sentimento de culpa! Elas se culpam tanto quando te magoam quanto quando você as magoa.

O trajeto evolutivo é difícil! A vida é difícil! Às vezes tudo o que você tenta fazer não resolve! E nestas horas vem são necessários a Fé e a Vontade! Você pode mudar a situação! Tudo passa, transforma-se! A filosofia budista diz algo como “só você pode ajudar a você mesmo, não espere que façam por você”! Se algo acontece com você, a culpa é sua de algum modo! Para quem gosta de misticismo, o Karma explica muitas coisas. Porém, o ambiente também interfere nas nossas situações! A genética, a criação dos pais, a formação na escola, os grupos de amigos, os ambientes que frequenta, as experiências que você passa, o local e a vizinhança onde vive, seu ambiente de trabalho, a sociedade, o país e daí vai… Pensando desta forma, mesmo que tudo seja responsabilidade nossa, o externo também influencia! Você também influencia o próximo (quem gosta de Magnetismo e Hipnotismo sabe bem disto). Então, de certa forma, apontar o dedo e dizer que a culpa é somente do outro, de quem tem estes problemas, embora seja uma verdade se formos pensar de acordo com as Leis Cósmicas, é um pouco ignorante e arrogante e só vai piorar a situação.

O mundo de hoje faz com que esses problemas surjam com mais frequência. Em breve a depressão vai ultrapassar as doenças cardíacas e ser a doença que mais mata! E quando pensamos que o externo influencia, além do que já foi dito, percebemos uma coisa: as pessoas são simpáticas demais! Tenham Empatia!

Este estado tem quatro características: entendimento de perspectiva, a habilidade de ter a perspectiva dos outros, reconhecer a perspectiva deles como verdade e não julgar. Empatia é sentir-se como o outro. Alguém está deprimido, no fundo do poço e grita que está preso, é escuro, estou soterrado! E você diz: Acalme-se, sei como se sente e você não está sozinho nessa. Simpatia é dizer: “é ruim, né?”, “tem pessoas piores”, “quer uma coxinha?”. E muitas vezes começa com “pelo menos”. Às vezes alguém compartilha algo doloroso e você tenta ajudar querendo ver o lado bom de tudo isto. “Vou reprovar nesta disciplina!” “Pelo menos tu pode pagar de novo” Tente fazer as coisas melhorarem tendo empatia! Se eu compartilhar algo com você que seja difícil, prefiro que diga “nem sei o que dizer ou fazer, mas obrigado por compartilhar comigo” e dar um bom abraço. Respostas mudam tudo e, sendo simpáticos, vocês vão estar mais atrapalhando do que ajudando, mesmo que pense ajudar.

A vida é dura! A realidade é um desafio! Mas estamos aqui para evoluir! Não é uma tarefa fácil! A felicidade que tanto buscamos não é fácil de ser adquirida! Quando nossos pais dizem que é um trabalho árduo, é porque é mesmo. Mas estamos aqui para isto. E não estamos sós nesta tarefa.  “Se não houvesse a angústia não existiria a alegria”. “Todo homem leva um céu e inferno dentro de si mesmo”. “Sou um pecador e mortal e devo, a todo momento, dia e noite, desprender-me, lutar e combater o Diabo que aflige minha natureza corrupta e perdida, esse poder colérico que existe continuamente em minha carne, como na de todos os homens”. “Nem o dinheiro, nem as posses mundanas, nem a ciência, nem a autoridade, nada disso trará a vós o doce descanso do paraíso (nota minha: ou melhor, felicidade), que só pode ser atingido através do nobre conhecimento de si mesmo. Lá poderes vestir vossa alma; trata-se da pérola que não é devorada pelas traças e que nenhum ladrão pode levar. Buscai-a e encontrareis um nobre tesouro”.

“Segue meu conselho: deixa de buscar o conhecimento de Deus através de tua vontade egoísta e de teu raciocínio; joga fora tua razão imaginária, aquela que teu eu mortal pensa que possui, então tua vontade será a vontade de Deus. Se Ele encontrar a Sua Vontade como sendo a Tua vontade na Dele, então a Sua vontade irá se manifestar em tua vontade, como se fosse Sua própria propriedade. Ele é Tudo, e o que quer que desejes saber do Tudo está Nele. Não há nada oculto diante Dele e tu verás em Sua própria Luz”. “O entendimento nasce de D’us. Não é produto de escolas nas quais a ciência humana é ensinada. Não condeno o aprendizado intelectual e, se eu tivesse obtido uma educação mais elaborada, com certeza seria uma vantagem para mim, quando minha mente recebia o dom divino. Mas agrada a D’us transformar a sabedoria deste mundo em tonteira e dar Sua força ao fraco a fim de que todas as coisas se curvem diante dele”. “Acima de tudo, examina contigo mesmo o propósito de conhecer os mistérios de D’us e se estás preparado a empregar aquilo que receberes para a glorificação de D’us e para o benefício do próximo. Tu estás pronto para morrer, inteiramente para a tua vontade terrestre e egoísta, e desejas, sinceramente, ser um com o Espírito? Aquele que não tiver tais propósitos elevados e que busca apenas um conhecimento que satisfaça o seu eu ou para ser admirado pelo mundo não está apto para receber tal conhecimento”. E, por fim, “Deve-se auxiliar o próximo com aquilo que for obtido”. Um muito obrigado a Jacob Bohme por todas estas citações e verdades.

Como disse, tudo passa. “Se há muito sofrimento, também há sempre alegria e vice-versa. Até estas lindas flores algum dia irão murchar e todas as coisas vivas deste mundo não param nem por um momento. Estão sempre se movendo e mudando, esse é o maior prazer existente, a vida das pessoas é igual. Mas, se a morte certa espera por todos, não é a tristeza que deveria controlar a vida de todos? Enquanto se vive, não importa quantas vezes tentem se aliviar do sofrimento, ou quantas vezes buscam por amor e alegria, a morte sempre acaba com tudo. Se é assim, para que um homem nasce? Não podemos fingir que não existe a morte, completa e eterna. Apenas não se esqueça de uma coisa. A morte não é o fim de tudo, a morte é o passo que leva à vida seguinte. A morte não é algo definitivo. No passo, todos aqueles que nasceram neste mundo, mas foram chamados de santos, superaram a morte e se entenderes isto se iluminarás. As flores nascem e depois murcham. As estrelas brilham, mas algum dia se extinguem. Comparado a isto, a vida do homem não é nada mais do que um simples piscar de olhos, um breve momento. Nesse pouco tempo, as pessoas nascem, riem, choram, lutam, são feridas, sentem alegria, tristeza, odeiam alguém, machucam alguém, amam alguém. Tudo isto em um só momento”. Aproveite! Viva a vida! Tudo tem solução! Mas compreendam os outros, perdoem, não fiquem “buscando chifre em cabeça de cavalo”, não fiquem apontando o dedo na cara dos outros, não se machuque tanto com coisas efêmeras, simplesmente amem e vivam!

Para o Hermetismo Cristão, não existem Mestres ou Iniciadores (só um, que é o Iniciador que está no alto), apenas codiscípulos e cada um é mestre de cada um sob algum aspecto, como cada um é discípulo de cada um sob outro aspecto. Santo Antão dizia que “se submetia de boa vontade aos ascetas que ia visitar e se instruía deles na virtude e na ascese de cada um. Contemplava em um a amabilidade, em outro a assiduidade à oração; neste via a paciência, naquele o amor ao próximo; em um observava as vigílias, em outro a aplicação à leitura; admirava um à constância, a outro por seus jejuns e por seu sono na terra nua. Observava a mansidão de um e a magnanimidade de outro; em todos notava a devoção ao Cristo e o amor mútuo. Assim, satisfeito, voltava para seu eremitério, condensando e se esforçando por exprimir em si mesmo a virtude de todos”.

Entendam que todas as pessoas têm seus defeitos e suas dificuldades. Recentemente tive alguns, por exemplo. Magoei pessoas, magoei a mim mesmo. Teve situações que aconteceram que mudaram totalmente o fluxo das coisas e isto não tem mais volta! Laços rompidos que talvez nunca mais voltem! Então, não estou sendo hipócrita em dizer que a vida é só flores e que o caminho que seguires vai te trazer só coisas boas e que as pessoas que o seguem não vão ter seus problemas. Repito, a vida é dura! Posso até estar sendo hipócrita neste ponto, por pedir algo que desenvolvo, ou julgar as pessoas por isto ou aquilo, mas peço desculpas por isto.Mas, de fato, as pessoas têm suas dificuldades! Você tem seus defeitos, mas não se martirize por isto! Há solução! Há uma Luz no fim do túnel!

Vocês também tem seus defeitos e problemas, assim como eu tenho. Mas vejam as virtudes ao invés dos defeitos. Tenham empatia que, relembrando, é um estado em que há entendimento de perspectiva, a habilidade de ter a perspectiva dos outros, reconhecer a perspectiva deles como verdade e não julgar. Desenvolvam o AMOR. “O amor nunca falha porque o amor é sem fim, sem começo, sem meios de ser interrompido e também se renova à medida que se origina e age no tempo e espaço de todas as dimensões que existem no universo em expansão”. Citações estas de um anime simples, mas verdades profundas. Amem primeiro ao Criador (ou seja lá em quem acredite, ou mesmo que não acredite em nada) e lembrem-se sempre de amar a si mesmos. Por mais que a vida seja dura há uma solução! E se encontra dentro de nós mesmos, ‘no D’us de seu coração, no D’us de sua compreensão”.

Entendam que por mais que esta seja uma verdade universal, você também interfere na vida do outro. Já pensou quantas pessoas contribuíram para você chegar até aqui e ler este texto? Infinitas! Já pensou em que as suas escolhas interferem nas escolhas de outras pessoas? Que situações que você toma também interferem? Não existe coincidência, não existe acaso, existe sincronicidade. Não estamos sozinhos. Há uma luz no fim do túnel, repito. Mas você interfere nas outras pessoas. Ame a si mesmo, mas também ame os outros. Da mesma forma, compreenda estes problemas nas pessoas, qualquer que seja o problema, tenha empatia e com certeza seremos e teremos pessoas mais felizes.

A você, que passa por estes problemas, que se identificou com tudo que eu disse, saiba que você pode sair da sua caverna! Posso não saber o que dizer a vocês, mas espero do fundo de minha alma que superem isto, vivam o agora, cuidem de si mesmo,s pois tudo depende de vocês! Aos que te seguem, compreensão, amor e empatia. Assim tanto você quanto os outros podem crescer e evoluir juntos.

Para finalizar, peço desculpas a todos que causei algum mal, transtorno ou situação desagradável. Tudo que passou, passou e não volta. Mas vivo agora o presente, com uma perspectiva no amanhã, onde luto para ser melhor a cada dia que passa e superar os meus demônios internos. Palavras são somente palavras. Somente os meus atos, e sendo eles constantes, ou seja, com o tempo, é que podem provar que o que falo é uma verdade. A vocês dedico este texto.

#Felicidade #Humor #Sofrimento

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/como-anda-o-seu-humor-e-a-sua-vida

Ocultismo Literário

Escrever obras de literatura com base no ocultismo não é algo novo, mas acredito que continua sendo uma alternativa maravilhosa para quem deseja aprender um pouco de ocultismo, ou receber algumas reflexões filosóficas, com diversão. A leitura de grimórios continua sendo totalmente válida, mas para quem deseja intercalar entre as leituras áridas e pesadas dos velhos calhamaços de magia, nada como uma narrativa repleta de personagens e situações pitorescas para relaxar.

Antes de começarmos, agradeço ao Rafael Arrais, que com o lançamento de seu livro “Ad infinitum” inspirou-me a lançar os meus. Através dele eu também conheci o Wattpad. Já adquiri o “Ad infinitum” e estou lendo essa obra juntamente com os outros livros do autor no Wattpad. Recomendo a todos!

No que concerne aos meus livros, primeiramente irei falar do volume intitulado “A Guerra dos Esquecidos”. Trata-se de uma história de fantasia na qual os personagens magos utilizam seus poderes mágicos tendo como base alguns conceitos que os ocultistas conhecem. Um dos grandes atrativos dessa história é que também são mostradas algumas práticas da Magia do Caos, particularmente o processo de confecção de servidores.

Em “LHP Excelsis” o personagem principal envolve-se numa ordem de satanismo. Possivelmente é o mais polêmico dos três livros, embora não tenha sido exatamente escrito com essa intenção. Minha ideia era mostrar algumas situações engraçadas e absurdas, incluindo debates e rituais insanos e duvidosos envolvendo o LHP. Enquanto alguns debates da história tratam o satanismo com seriedade, em outras partes faço questão de apresentar praticantes nada sérios, ou “satanistas de Facebook” para os íntimos. Sendo assim, esse livro não ambiciona nem atacar e nem exaltar o satanismo. Foi escrito para proporcionar reflexões intrigantes com alguns ligeiros toques de humor.

Nas minhas histórias eu não apresento o ocultismo como um sistema pronto e fechado. As conclusões apresentadas não são absolutas ou definitivas. Muitas das afirmações envolvem, além de conhecimentos adquiridos em livros de magia, conceitos e situações criados por mim. Por exemplo, na época que escrevi o “LHP Excelsis” eu estava lendo alguns livros de Michael Kelly, autor de LHP que mistura Dragon Magic com Chaos Magick. Já que sou caoísta, não é surpresa que até algumas passagens sobre magia tradicional que escrevo tenham inspiração de Magia do Caos.

Eu geralmente prefiro escrever livros de filosofia oculta na forma de história para tornar a leitura mais agradável. Mesmo assim, pretendo lançar um livro de Magia do Caos ainda esse ano, fazendo todo o possível para que seja uma leitura divertida e envolvente. Avisarei aqui no TdC na ocasião do lançamento.

Eu reativei meu antigo blog de ocultismo. Embora ainda tenha pouca coisa por lá, já que as postagens antigas foram apagadas, pretendo retomar meu ritmo de escrita em breve. A propósito, todos esses livros que estou lançando eram originalmente contos que escrevi nesse blog. Os contos mais votados por lá ganharam continuações e viraram livros. Quem sabe outros contos meus também virem livros no futuro.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/ocultismo-liter%C3%A1rio

A Maconha e as Otoridades

Poucos assuntos dão margem a tanta mentira, tanta deturpação, tanta desinformação. Afinal, quais os verdadeiros motivos por trás da proibição da maconha? A droga faz mal ou não?

Por que a maconha é proibida? Porque faz mal à saúde, dizem as otoridades. Será mesmo?

Então, por que o bacon não é proibido? Ou as anfetaminas? E, diga-se de passagem, nenhum mal sério à saúde foi comprovado para o uso esporádico de maconha.

A guerra contra essa planta foi motivada muito mais por fatores raciais, econômicos, políticos e morais do que por argumentos científicos.

E algumas dessas razões são inconfessáveis. Tem a ver com o preconceito contra árabes, chineses, mexicanos e negros, usuários freqüentes de maconha no começo do século XX.

Deve muito aos interesses de indústrias poderosas dos anos 20, que vendiam tecidos sintéticos e papel e queriam se livrar de um concorrente, o cânhamo.

Tem raízes também na bem-sucedida estratégia de dominação dos Estados Unidos sobre o planeta.

E, é claro, guarda relação com o moralismo judaico-cristão (e principalmente protestante-puritano), que não aceita a idéia do prazer sem merecimento – pelo mesmo motivo, no passado, condenou-se a masturbação.

POR QUE É PROIBIDO?

Parte I – Sede de Poder

“O corpo esmagado da menina jazia espalhado na calçada um dia depois de mergulhar do quinto andar de um prédio de apartamentos em Chicago. Todos disseram que ela tinha se suicidado, mas, na verdade, foi homicídio. O assassino foi um narcótico conhecido na América como marijuana e na história como haxixe. Usado na forma de cigarros, ele é uma novidade nos Estados Unidos e é tão perigosa quanto uma cascavel”.

Começa assim a matéria: “Marijuana: assassina de jovens”, publicada em 1937 na revista American Magazine. A cena nunca aconteceu. O texto era assinado por um funcionário do governo chamado Harry Anslinger.

Se a maconha, hoje, é ilegal em praticamente todo o mundo, não é exagero dizer que o maior responsável foi ele.

Nas primeiras décadas do século XX, a maconha era liberada, embora muita gente a visse com maus olhos. Aqui no Brasil, maconha era “coisa de negro”, fumada nos terreiros de candomblé para facilitar a incorporação e nos confins do país por agricultores depois do trabalho. Na Europa, ela era associada aos imigrantes árabes e indianos e aos incômodos intelectuais boêmios. Nos Estados Unidos, quem fumava eram os cada vez mais numerosos mexicanos – meio milhão deles cruzaram o Rio Grande entre 1915 e 1930 em busca de trabalho. Muitos não acharam.

Ou seja, em boa parte do Ocidente, fumar maconha era relegado a classes marginalizadas e visto com antipatia pela classe média branca.

Pouca gente sabia, entretanto, que a mesma planta que fornecia fumo às classes baixas tinha enorme importância econômica. Dezenas de remédios – de xaropes para tosse a pílulas para dormir – continham cannabis.

Quase toda a produção de papel usava como matéria-prima a fibra do cânhamo, retirada do caule do pé de maconha. A indústria de tecidos também dependia da cannabis – o tecido de cânhamo era muito difundido, especialmente para fazer cordas, velas de barco, redes de pesca e outros produtos que exigissem um material muito resistente.

A Ford estava desenvolvendo combustíveis e plásticos feitos a partir do óleo da semente de maconha. As plantações de cânhamo tomavam áreas imensas na Europa e nos Estados Unidos.

Em 1920, sob pressão de grupos religiosos protestantes, os Estados Unidos decretaram a proibição da produção e da comercialização de bebidas alcoólicas. Era a Lei Seca, que durou até 1933.

Foi aí que Henry Anslinger surgiu na vida pública americana – reprimindo o tráfico de rum que vinha das Bahamas. Foi aí, também, que a maconha entrou na vida de muita gente – e não só dos mexicanos.

“A proibição do álcool foi o estopim para o ‘boom’ da maconha”, afirma o historiador inglês Richard Davenport-Hines, especialista na história dos narcóticos, em seu livro The Pursuit of Oblivion (“A busca do esquecimento”, ainda sem versão para o Brasil). “Na medida em que ficou mais difícil obter bebidas alcoólicas e elas ficaram mais caras e piores, pequenos cafés que vendiam maconha começaram a proliferar”, escreveu.

Anslinger foi promovido a chefe da Divisão de Controle Estrangeiro do Comitê de Proibição e sua tarefa era cuidar do contrabando de bebidas. Foi nessa época que ele percebeu o clima de antipatia contra a maconha que tomava a nação. Clima esse que só piorou com a quebra da Bolsa, em 1929, que afundou a nação numa recessão.

No sul do país, corria o boato de que a droga dava força sobre-humana aos mexicanos, o que seria uma vantagem injusta na disputa pelos escassos empregos. A isso se somavam insinuações de que a droga induzia ao sexo promíscuo (muitos mexicanos talvez tivessem mais parceiros que um americano puritano médio, mas isso não tem nada a ver com a maconha) e ao crime (com a crise, a criminalidade aumentou entre os mexicanos pobres, mas a maconha é inocente disso).

Baseados nesses boatos, vários Estados começaram a proibir a substância. Nessa época, a maconha virou a droga de escolha dos músicos de jazz, que afirmavam ficarem mais criativos depois de fumar.

Anslinger agarrou-se firme à bandeira proibicionista, batalhou para divulgar os mitos antimaconha e, em 1930, quando o governo, preocupado com a cocaína e o ópio, criou o FBN (Federal Bureau of Narcotics, um escritório nos moldes do FBI para lidar com drogas), ele articulou para chefiá-lo. De repente, de um cargo burocrático obscuro, Anslinger passou a ser o responsável pela política de drogas do país. E quanto mais substâncias fossem proibidas, mais poder ele teria.

Parte II – Fibras sintéticas e papel

Mas é improvável que a cruzada fosse motivada apenas pela sede de poder. Outros interesses devem ter pesado. Anslinger era casado com a sobrinha de Andrew Mellon, dono da gigante petrolífera Gulf Oil e um dos principais investidores da igualmente gigante Du Pont.

“A Du Pont foi uma das maiores responsáveis por orquestrar a destruição da indústria do cânhamo”, afirma o escritor Jack Herer, em seu livro The Emperor Wears No Clothes (“O imperador está nu”, ainda sem tradução).

Nos anos 20, a empresa estava desenvolvendo vários produtos a partir do petróleo: aditivos para combustíveis, plásticos, fibras sintéticas como o náilon e processos químicos para a fabricação de papel feito de madeira.

Esses produtos tinham uma coisa em comum: disputavam o mercado com o cânhamo. Seria um empurrão considerável para a nascente indústria de sintéticos se as imensas lavouras de cannabis fossem destruídas, tirando a fibra do cânhamo e o óleo da semente do mercado.

“A maconha foi proibida por interesses econômicos, especialmente para abrir o mercado das fibras naturais para o náilon”, afirma o jurista Wálter Maierovitch, especialista em tráfico de entorpecentes e ex-secretário nacional antidrogas.

Anslinger tinha um aliado poderoso na guerra contra a maconha: William Randolph Hearst, dono de uma imensa rede de jornais. Hearst era a pessoa mais influente dos Estados Unidos.

Milionário, comandava suas empresas de um castelo monumental na Califórnia, onde recebia artistas de Hollywood para passear pelo zoológico particular ou dar braçadas na piscina coberta adornada com estátuas gregas.

Foi nele que Orson Welles se inspirou para criar o protagonista do filme “Cidadão Kane”. Hearst sabidamente odiava mexicanos. Parte desse ódio talvez se devesse ao fato de que, durante a Revolução Mexicana de 1910, as tropas de Pancho Villa (que, aliás, faziam uso freqüente de maconha) desapropriaram uma enorme propriedade sua.

Sim, Hearst era dono de terras e as usava para plantar eucaliptos e outras árvores para produzir papel. Ou seja, ele também tinha interesse em que a maconha americana fosse destruída – levando com ela a indústria de papel de cânhamo.

Hearst iniciou, nos anos 30, uma intensa campanha contra a maconha. Seus jornais passaram a publicar seguidas matérias sobre a droga, às vezes afirmando que a maconha fazia os mexicanos estuprarem mulheres brancas, outras noticiando que 60% dos crimes eram cometidos sob efeito da droga (um número tirado sabe-se lá de onde).

Nessa época, surgiu a história de que o fumo mata neurônios, um mito repetido até hoje.

Foi Hearst que, se não inventou, ao menos popularizou o nome marijuana (ele queria uma palavra que soasse bem hispânica, para permitir a associação direta entre a droga e os mexicanos).

Anslinger era presença constante nos jornais de Hearst, onde contava suas histórias de terror. A opinião pública ficou apavorada. Em 1937, Anslinger foi ao Congresso dizer que, sob o efeito da maconha, “algumas pessoas embarcam numa raiva delirante e cometem crimes violentos”.

Os deputados votaram pela proibição do cultivo, da venda e do uso da cannabis, sem levar em conta as pesquisas que afirmavam que a substância era segura.

Proibiu-se não apenas a droga, mas a planta. O homem simplesmente cassou o direito da espécie Cannabis Sativa de existir.

Parte III – Controle Social

Anslinger também atuou internacionalmente. Criou uma rede de espiões e passou a freqüentar as reuniões da Liga das Nações, antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros para reprimir o tráfico internacional.

Também começou a encontrar líderes de vários países e a levar a eles os mesmos argumentos aterrorizantes que funcionaram com os americanos. Não foi difícil convencer os governos – já na década de 20 o Brasil adotava leis federais antimaconha. A Europa também embarcou na onda proibicionista.

“A proibição das drogas serve aos governos porque é uma forma de controle social das minorias”, diz o cientista político Thiago Rodrigues, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. Funciona assim: maconha é coisa de mexicano, mexicanos são uma classe incômoda. “Como não é possível proibir alguém de ser mexicano, proíbe-se algo que seja típico dessa etnia”, diz Thiago. Assim, é possível manter sob controle todos os mexicanos – eles estarão sempre ameaçados de cadeia. Por isso a proibição da maconha fez tanto sucesso no mundo.

O governo brasileiro achou ótimo mais esse instrumento para manter os negros sob controle.

Os europeus também adoraram poder enquadrar seus imigrantes.

A proibição foi virando uma forma de controle internacional por parte dos Estados Unidos, especialmente depois de 1961, quando uma convenção da ONU determinou que as drogas são ruins para a saúde e o bem-estar da humanidade e, portanto, eram necessárias ações coordenadas e universais para reprimir seu uso.

“Isso abriu espaço para intervenções militares americanas”, diz Maierovitch. “Virou um pretexto oportuno para que os americanos possam entrar em outros países e exercerem os seus interesses econômicos”. Estava erguida uma estrutura mundial interessada em manter as drogas na ilegalidade, a maconha entre elas.

Um ano depois, em 1962, o presidente John Kennedy demitiu Anslinger – depois de nada menos que 32 anos à frente do FBN. Um grupo formado para analisar os efeitos da droga concluiu que os riscos da maconha estavam sendo exagerados e que a tese de que ela levava a drogas mais pesadas era furada.

Mas não veio a descriminalização. Pelo contrário. O presidente Richard Nixon endureceu mais a lei, declarou “guerra às drogas” e criou o DEA (em português, Escritório de Coação das Drogas), um órgão ainda mais poderoso que o FBN, porque, além de definir políticas, tem poder de polícia.

MACONHA FAZ MAL?

Está aí uma pergunta que vem sendo feita faz tempo. Depois de mais de um século de pesquisas, a resposta mais honesta é: “Faz, mas muito pouco e só para casos extremos. O uso moderado não faz mal”.

A preocupação da ciência com esse assunto começou em 1894, quando a Índia fazia parte do Império Britânico. Havia, então, a desconfiança de que o Bhang, uma bebida à base de maconha muito comum na Índia, causava demência.

Grupos religiosos britânicos reivindicavam sua proibição. Formou-se a Comissão Indiana de Drogas da Cannabis, que passou dois anos investigando o tema. O relatório final desaconselhou a proibição: “O Bhang é quase sempre inofensivo quando usado com moderação e, em alguns casos, é benéfico. O abuso do Bhang é menos prejudicial que o abuso do álcool”.

Em 1944, um dos mais populares prefeitos de Nova York, Fiorello La Guardia, encomendou outra pesquisa. Em meio à histeria antimaconha de Anslinger, La Guardia resolveu conferir quais os reais riscos da tal droga assassina.

Os cientistas escolhidos por ele fizeram testes com presidiários (algo comum na época) e concluíram: “O uso prolongado da droga não leva à degeneração física, mental ou moral”. O trabalho passou despercebido no meio da barulheira proibicionista de Anslinger.

A partir dos anos 60, várias pesquisas parecidas foram encomendadas por outros governos. Relatórios produzidos na Inglaterra, no Canadá e nos Estados Unidos aconselharam um afrouxamento nas leis. Nenhuma dessas pesquisas foi suficiente para forçar uma mudança.

Mas a experiência mais reveladora sobre a maconha e suas conseqüências foi realizada fora do laboratório.

Em 1976, a Holanda decidiu parar de prender usuários de maconha desde que eles comprassem a droga em cafés autorizados. Resultado: o índice de usuários continua comparável aos de outros países da Europa. O de jovens dependentes de heroína caiu – estima-se que, ao tirar a maconha da mão dos traficantes, os holandeses separaram essa droga das mais pesadas e, assim, dificultaram o acesso a elas.

Nos últimos anos, os possíveis males da maconha foram cuidadosamente escrutinados – às vezes por pesquisadores competentes, às vezes por gente mais interessada em convencer os outros da sua opinião.

Veja abaixo um resumo do que se sabe:

CÂNCER: Não se provou nenhuma relação direta entre fumar maconha e câncer de pulmão, traquéia, boca e outros associados ao cigarro. Isso não quer dizer que não haja. Por muito tempo, os riscos do cigarro foram negligenciados e só nas últimas duas décadas ficou claro que havia uma bomba-relógio armada – porque os danos só se manifestam depois de décadas de uso contínuo.

Há o temor de que uma bomba semelhante esteja para explodir no caso da maconha, cujo uso se popularizou a partir dos anos 60. O que se sabe é que o cigarro de maconha tem praticamente a mesma composição de um cigarro comum – a única diferença significativa é o princípio ativo.

No cigarro é a nicotina, na maconha o tetrahidrocanabinol, ou THC. Também é verdade que o fumante de maconha tem comportamentos mais arriscados que o de cigarro: traga mais profundamente, não usa filtro e segura a fumaça por mais tempo no pulmão (o que, aliás, segundo os cientistas, não aumenta os efeitos da droga).

Em compensação, boa parte dos maconheiros fuma muito menos e pára ou reduz o consumo depois dos 30 anos (parar cedo é sabidamente uma forma de diminuir drasticamente o risco de câncer).

Em resumo: o usuário eventual de maconha, que é o mais comum, não precisa se preocupar com um aumento grande do risco de câncer. Quem fuma mais de um baseado por dia há mais de 15 anos deve pensar em parar.

DEPENDÊNCIA: Algo entre 6% e 12% dos usuários, dependendo da pesquisa, desenvolve um uso compulsivo da maconha (menos que a metade das taxas para álcool e tabaco). A questão é: será que a maconha é a causa da dependência ou apenas uma válvula de escape.

“Dependência de maconha não é problema da substância, mas da pessoa”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Escola Paulista de Medicina. Segundo Dartiu, há um perfil claro do dependente de maconha: em geral, ele é jovem, quase sempre ansioso e eventualmente depressivo. Pessoas que não se encaixam nisso não desenvolvem o vício. “E as que se encaixam podem tanto ficar dependentes de maconha quanto de sexo, de jogo, de Internet…”, diz.

Muitos especialistas apontam para o fato de que a maconha está ficando mais perigosa – na medida em que fica mais potente. Ao longo dos últimos 40 anos, foi feito um melhoramento genético, cruzando plantas com alto teor de THC. Surgiram variedades como o Skunk.

No último ano, foram apreendidos carregamentos de maconha alterada geneticamente no leste europeu – a engenharia genética é usada para aumentar a potência, o que poderia aumentar o potencial de dependência.

Segundo o farmacólogo Leslie Iversen, autor do ótimo The Science of Marijuana (“A Ciência da Maconha”, sem tradução para o português) e consultor para esse tema da Câmara dos Lordes (o Senado Inglês), esses temores são exagerados e o aumento da concentração de THC não foi tão grande assim.

Para além dessa discussão, o fato é que, para quem é dependente, maconha faz muito mal. Isso é especialmente verdade para crianças e adolescentes. “O sujeito com 15 anos não está com a personalidade formada. O uso exagerado de maconha pode ser muito danoso a ele”, diz Dartiu. O maior risco para adolescentes que fumam maconha é a síndrome amotivacional, nome que se dá à completa perda de interesse que a droga causa em algumas pessoas. A síndrome amotivacional é muito mais freqüente em jovens e realmente atrapalha a vida – é quase certeza de bomba na escola e de crise na família.

DANOS CEREBRAIS: “Maconha mata neurônios”. Essa frase, repetida há décadas, não passa de mito. Bilhões de dólares foram investidos para comprovar que o THC destrói tecido cerebral – às vezes com pesquisas que ministravam doses de elefante em ratinhos – mas nada foi encontrado.

Muitas experiências foram feitas em busca de danos nas capacidades cognitivas do usuário de maconha. A maior preocupação é com a memória. Sabe-se que o usuário de maconha, quando fuma, fica com a memória de curto prazo prejudicada.

São bem comuns os relatos de pessoas que têm idéias que parecem geniais durante o “barato”, mas não conseguem lembrar-se de nada no momento seguinte. Isso acontece porque a memória de curto prazo funciona mal sob o efeito de maconha e, sem ela, as memórias de longo prazo não são fixadas (é por causa desse “desligamento” da memória que o usuário perde a noção do tempo).

Mas esse dano não é permanente. Basta ficar sem fumar que tudo volta a funcionar normalmente. O mesmo vale para o raciocínio, que fica mais lento quando o usuário fuma muito freqüentemente.

Há pesquisas com usuários “pesados” e antigos, aqueles que fumam vários baseados por dia há mais de 15 anos, que mostraram que eles se saem um pouco pior em alguns testes, principalmente nos de memória e de atenção. As diferenças, no entanto, são sutis. Na comparação com o álcool, a maconha leva grande vantagem: beber muito provoca danos cerebrais irreparáveis e destrói a memória.

CORAÇÃO: O uso de maconha dilata os vasos sangüíneos e, para compensar, acelera os batimentos cardíacos. Isso não oferece risco para a maioria dos usuários, mas a droga deve ser evitada por quem sofre do coração.

INFERTILIDADE: Pesquisas mostraram que o usuário freqüente tem o número de espermatozóides reduzido. Ninguém conseguiu provar que isso possa causar infertilidade, muito menos impotência. Também está claro que os espermatozóides voltam ao normal quando se pára de fumar.

DEPRESSÃO IMUNOLÓGICA: Nos anos 70, descobriu-se que o THC afeta os glóbulos brancos, células de defesa do corpo. No entanto, nenhuma pesquisa encontrou relação entre o uso de maconha e a incidência de infecções.

LOUCURA: No passado, acreditava-se que maconha causava demência. Isso não se confirmou, mas sabe-se que a droga pode precipitar crises em quem já tem doenças psiquiátricas.

GRAVIDEZ: Algumas pesquisas apontaram uma tendência de filhos de mães que usaram muita maconha durante a gravidez de nascer com menor peso. Outras não confirmaram a suspeita. De qualquer maneira, é melhor evitar qualquer droga psicoativa durante a gestação. Sem dúvida, a mais perigosa delas é o álcool.

No geral, não. A maioria das pessoas não gosta dos efeitos e as afirmações de que a erva, por ser “natural”, faz bem, não passam de besteira. Outros adoram e relatam que ela ajuda a aumentar a criatividade, a relaxar, a melhorar o humor, a diminuir a ansiedade. É inevitável: cada um é um.

O uso medicinal da maconha é tão antigo quanto a maconha. Hoje há muitas pesquisas com a Cannabis para usá-la como remédio. Segundo o farmacólogo inglês Iversen, não há dúvidas de que ela seja um remédio útil para muitos e fundamental para alguns, mas há um certo exagero sobre seus potenciais. Em outras palavras: a maconha não é a salvação da humanidade. Um dos maiores desafios dos laboratórios é tentar separar o efeito medicinal da droga do efeito psicoativo – ou seja, criar uma maconha que não dê “barato”.

Muitos pesquisadores estão chegando à conclusão de que isso é impossível: aparentemente, as mesmas propriedades químicas que alteram a percepção do cérebro são responsáveis pelo caráter curativo. Esse fato é uma das limitações da maconha como medicamento, já que muitas pessoas não gostam do efeito mental. No Brasil, assim como em boa parte do mundo, o uso médico da Cannabis é proibido e milhares de pessoas usam o remédio ilegalmente. Conheça alguns dos usos:

CÂNCER: Pessoas tratadas com quimioterapia muitas vezes têm enjôos terríveis, eventualmente tão terríveis que elas preferem a doença ao remédio. Há medicamentos para reduzir esse enjôo e eles são eficientes. No entanto, alguns pacientes não respondem a nenhum remédio legal e respondem maravilhosamente à maconha. Era o caso do brilhante escritor e paleontólogo Stephen Jay Gould, que, no mês passado, finalmente, perdeu uma batalha de 20 anos contra o câncer.

Gould nunca tinha usado drogas psicoativas – ele detestava a idéia de que interferissem no funcionamento do cérebro. Veja o que ele disse: “A maconha funcionou como uma mágica. Eu não gostava do ‘efeito colateral’ que era o borrão mental. Mas a alegria cristalina de não ter náusea – e de não experimentar o pavor nos dias que antecediam o tratamento – foi o maior incentivo em todos os meus anos de quimioterapia”.

AIDS: Maconha dá fome. Qualquer um que fuma sabe disso (aliás, esse é um de seus inconvenientes: ela engorda). Nenhum remédio é tão eficiente para restaurar o peso de portadores do HIV quanto a maconha. E isso pode prolongar muito a vida: acredita-se que manter o peso seja o principal requisito para que um soropositivo não desenvolva a doença. O problema: a Cannabis tem uma ação ainda pouco compreendida no sistema imunológico. Sabe-se que isso não representa perigo para pessoas saudáveis, mas pode ser um risco para doentes de Aids.

ESCLEROSE MÚLTIPLA: Essa doença degenerativa do sistema nervoso é terrivelmente incômoda e fatal. Os doentes sentem fortes espasmos musculares, muita dor e suas bexigas e intestinos funcionam muito mal.

Acredita-se que ela seja causada por uma má função do sistema imunológico, que faz com que as células de defesa ataquem os neurônios. A maconha alivia todos os sintomas. Ninguém entende bem por que ela é tão eficiente, mas especula-se que tenha a ver com seu pouco compreendido efeito no sistema imunológico.

DOR: A Cannabis é um analgésico usado em várias ocasiões. Os relatos de alívio das cólicas menstruais são os mais promissores.

GLAUCOMA: Essa doença caracteriza-se pelo aumento da pressão do líquido dentro do olho e pode levar à cegueira. Maconha baixa a pressão intraocular. O problema é que, para ser um remédio eficiente, a pessoa tem que fumar a cada três ou quatro horas, o que não é prático e, com certeza, é nocivo (essa dose de maconha deixaria o paciente eternamente “chapado”).

Há estudos promissores com colírios feitos à base de maconha, que agiriam diretamente no olho, sem afetar o cérebro.

ANSIEDADE: Maconha é um remédio leve e pouco agressivo contra a ansiedade. Isso, no entanto, depende do paciente. Algumas pessoas melhoram após fumar; outras, principalmente as pouco habituadas à droga, têm o efeito oposto. Também há relatos de sucesso no tratamento de depressão e insônia, casos em que os remédios disponíveis no mercado, embora sejam mais eficientes, são também bem mais agressivos e têm maior potencial de dependência.

DEPENDÊNCIA: Dois psiquiatras brasileiros, Dartiu Xavier e Eliseu Labigalini, fizeram uma experiência interessante. Incentivaram dependentes de Crack a fumar maconha no processo de largar o vício.

Resultado: 68% deles abandonaram o Crack e, depois, pararam espontaneamente com a maconha, um índice altíssimo. Segundo eles, a maconha é um remédio feito sob medida para combater a dependência de Crack e Cocaína, porque estimula o apetite e combate a ansiedade, dois problemas sérios para cocainômanos.

Dartiu e Eliseu pretendem continuar as pesquisas, mas estão com problemas para conseguir financiamento – dificilmente um órgão público investirá num trabalho que aposte nos benefícios da maconha.

O PASSADO

O primeiro registro do contato entre o Homo Sapiens e a Cannabis Sativa é de 6.000 anos atrás. Trata-se da marca de uma corda de cânhamo impressa em cacos de barro, na China. O emprego da fibra, não só em cordas mas também em vários tecidos e, depois, na fabricação de papel, é um dos mais antigos usos da maconha. Graças a ele, a planta, original da região ao norte do Afeganistão, nos pés do Himalaia, tornou-se a primeira cultivada pelo homem com usos não alimentícios e espalhou-se por toda a Ásia e depois pela Europa e África.

Mas há um uso da maconha que pode ser tão antigo quanto o da fibra do cânhamo: o medicinal. Os chineses conhecem há pelo menos 2.000 anos o poder curativo da droga, como prova o Pen-Ts’ao Ching, considerado a primeira farmacopéia (livro que reúne fórmulas e receitas de medicamentos) conhecida do mundo. O livro recomenda o uso da maconha contra prisão-de-ventre, malária, reumatismo e dores menstruais.

Também na Índia, a erva já há milênios é parte integral da medicina ayurvédica, usada no tratamento de dezenas de doenças. Sem falar que ela ocupa um lugar de destaque na religião hindu. Pela mitologia, maconha era a comida favorita do deus Shiva, que, por isso, viveria o tempo todo “chapado”. Tomar Bhang seria uma forma de entrar em comunhão com Shiva. O Hinduísmo não é a única religião a dar destaque para a Cannabis.

Para os Budistas da tradição Mahayana, Buda passou seis anos comendo apenas uma semente de maconha por dia. Sua iluminação teria sido atingida após esse período de quase-jejum.

Da Índia, a maconha migrou para a Mesopotâmia, ainda em tempos pré-cristãos, e de lá para o Oriente Médio. Portanto, ela já estava presente na região quando começou a expansão do Império Árabe.

Com a proibição do álcool entre o povo de Maomé, iniciou-se uma acalorada discussão sobre se a maconha deveria ser banida também. Por séculos, consumiu-se Cannabis abundantemente nas terras muçulmanas até que, na Idade Média, muitos islâmicos abandonaram o hábito.

A exceção foram os sufi, membros de uma corrente considerada mais mística e esotérica do Islã, que, até bem recentemente, consideravam a Cannabis fundamental em seus ritos.

Os Gregos usaram velas e cordas de cânhamo nos seus navios, assim como, depois, os Romanos. Sabe-se que o Império Romano tinha pelo menos conhecimento dos poderes psicoativos da maconha.

O historiador latino Tácito, que viveu no século I d.C., relata que os citas, um povo da atual Turquia, tinham o costume de armar uma tenda, acender uma fogueira e queimar grande quantidade de maconha. Daí ficavam lá dentro, numa versão psicodélica do Banho Turco.

Graças ao contato com os Árabes, grande parte da África conheceu a erva e incorporou-a aos seus ritos e à sua medicina – dos países muçulmanos acima do Saara até os zulus da África do Sul.

A Europa toda também passou a plantar maconha e usava extensivamente a fibra do cânhamo, mas há raríssimos registros do seu uso como psicoativo naquele continente. Pode ser que isso se deva ao clima.

O THC é uma resina produzida pela planta para proteger suas folhas e flores do sol forte. Na fria Europa, é possível que tenha se desenvolvido uma variação da Cannabis Sativa com menos THC, já que não havia tanto sol para ameaçar o arbusto.

O fato é que, na Renascença, a maconha se transformou no principal produto agrícola da Europa. E sua importância não foi só econômica: a planta teve uma grande participação na mudança de mentalidade que ocorreu no século XV.

Os primeiros livros depois da revolução de Gutemberg foram impressos em papel de cânhamo. As pinturas dos gênios da arte eram feitas em telas de cânhamo (canvas, a palavra usada em várias línguas para designar “tela”, é uma corruptela holandesa do latim Cannabis).

E as grandes navegações foram impulsionadas por velas de cânhamo – segundo o autor americano Rowan Robinson, autor de O Grande Livro da Cannabis, havia 80 toneladas de cânhamo, contando o velame e as cordas, no barco comandado por Cristóvão Colombo em 1496. Ou seja, a América foi descoberta graças à maconha. Irônico.

Sobre as luzes da Renascença caíram as sombras da Inquisição – um período em que a Igreja ganhou muita força e passou a exercer o papel de polícia, julgando hereges em seu tribunal e condenando bruxas à fogueira.

“As bruxas nada mais eram do que as curandeiras tradicionais, principalmente as de origem celta, que utilizavam plantas para tratar as pessoas, às vezes plantas com poderes psicoativos”, diz o historiador Henrique Carneiro, especialista em drogas da Universidade Federal de Ouro Preto.

Não há registros de que maconheiros tenham sido queimados no século XVI – inclusive porque o uso psicoativo da maconha era incomum na Europa – mas é certo que cristalizou-se naquela época uma antipatia cristã por plantas que alteram o estado de consciência.

“O Cristianismo afirmou seu caráter de religião imperial e, sob seus domínios, a única droga permitida é o álcool, associado com o sangue de Cristo”, diz Henrique.

Em 1798, as tropas de Napoleão conquistaram o Egito. Até hoje não estão muito claras as razões pelas quais o imperador francês se aventurou no norte da África (vaidade, talvez). Mas pode ser que o principal motivo fosse a intenção de destruir as plantações de maconha, que abasteciam de cânhamo a poderosa Marinha da Inglaterra.

O fato é que coube a Napoleão promulgar a primeira lei do mundo moderno proibindo a maconha. Os egípcios eram fumantes de Haxixe, a resina extraída da folha e da flor da maconha constituída de THC concentrado. Mas a proibição saiu pela culatra. Os egípcios ignoraram a lei e continuaram fumando como sempre fizeram.

Em compensação, os europeus ouviram falar da droga e ela rapidamente virou moda na Europa, principalmente entre os intelectuais. “O Haxixe está substituindo o champagne”, disse o escritor Théophile Gautier em 1845, depois da conquista da Argélia, que, na época, era outro grande consumidor de THC.

No Brasil, a planta chegou cedo, talvez ainda no século XVI, trazida pelos escravos (o nome “maconha” vem do idioma quimbundo, de Angola. Mas, até o século XIX, era mais usual chamar a erva de Fumo-de-Angola ou de Diamba, nome também quimbundo).

Por séculos, a droga foi tolerada no país, provavelmente fumada em rituais de candomblé (teria sido o presidente Getúlio Vargas que negociou a retirada da maconha dos terreiros, em troca da legalização da religião).

Em 1830, o Brasil fez sua primeira lei restringindo a planta. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade e determinou que “os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20.000 réis, e os escravos e demais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia”.

Note que, naquela primeira lei proibicionista, a pena para o uso era mais rigorosa que a do traficante. Há uma razão para isso. Ao contrário do que acontece hoje, o vendedor vinha da classe média branca e o usuário era quase sempre negro e escravo.

O PRESENTE

Segundo dados da ONU, 147 milhões de pessoas fumam maconha no mundo, o que faz dela a terceira droga psicoativa mais consumida do mundo, depois do Tabaco e do Álcool.

A droga é proibida em boa parte do mundo, mas, desde que a Holanda começou a tolerá-la, na década de 70, alguns outros países europeus seguiram os passos da descriminalização. Itália e Espanha há tempos aceitam pequenas quantidades da erva – embora a Espanha esteja abandonando a posição branda e haja projetos de lei, na Itália, no mesmo sentido.

O Reino Unido acabou de anunciar que descriminalizou o uso da maconha – a partir do ano que vem, a droga será apreendida e o portador receberá apenas uma advertência verbal. Os ingleses esperam, assim, poder concentrar seus esforços na repressão de drogas mais pesadas.

No ano passado, Portugal endureceu as penas para o tráfico, mas descriminalizou o usuário de qualquer droga, desde que ele seja encontrado com quantidades pequenas. Porte de drogas virou uma infração administrativa, como parar em lugar proibido.

Nos últimos anos, os Estados Unidos também mudaram sua forma de lidar com as drogas. Dentro da tendência mundial de ver a questão mais como um problema de saúde do que criminal, o país, em vez de botar na cadeia, obriga o usuário a se tratar numa clínica para dependentes.

“Essa idéia é completamente equivocada”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, refletindo a opinião de muitos especialistas. “Primeiro porque nem todo usuário é dependente. Segundo, porque um tratamento não funciona se é compulsório – a pessoa tem que querer parar”, diz. No sistema americano, quem recusa o tratamento ou o abandona vai para a cadeia.

Portanto, não é uma descriminalização. “Chamo esse sistema de ‘solidariedade autoritária’”, diz o jurista Maierovitch. O Brasil planeja adotar o mesmo modelo.

O FUTURO

Há possibilidades de uma mudança no tratamento à maconha? “No Brasil, não é fácil”, diz Maierovitch, que, enquanto era secretário nacional antidrogas do governo de Fernando Henrique Cardoso, planejou a descriminalização. “A lei hoje em vigor em Portugal foi feita em conjunto conosco, com o apoio do presidente”, afirma. A idéia é que ela fosse colocada em prática ao mesmo tempo nos dois países.

Segundo Maierovitch, Fernando Henrique mudou de idéia depois. O jurista afirma que há uma enorme influência americana na política de drogas brasileira. O fato é que essa questão mais tira do que dá votos e assusta os políticos – e não só aqui no Brasil. O deputado federal Fernando Gabeira, hoje no Partido dos Trabalhadores, é um dos poucos identificados com a causa da descriminalização. “Pretendo, como um primeiro passo, tentar a legalização da maconha para uso médico”, diz. Mas suas idéias estão longe de ser unanimidade mesmo dentro do seu partido.

No remoto caso de uma legalização da compra e da venda, haveria dois modelos possíveis. Um seria o monopólio estatal, com o governo plantando e fornecendo as drogas, para permitir um controle maior.

A outra possibilidade seria o governo estabelecer as regras (composição química exigida, proibição para menores de idade, proibição para fumar e dirigir), cobrar impostos (que seriam altíssimos, inclusive para evitar que o preço caia muito com o fim do tráfico ilegal) e a iniciativa privada assumir o lucrativo negócio. Não há no horizonte nenhum sinal de que isso esteja para acontecer. Mas a Super apurou, em consulta ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, que a Souza Cruz registrou, em 1997, a marca Marley – fica para o leitor imaginar que produto a empresa de tabaco pretende comercializar com o nome do ídolo do reggae.

Fonte: Revista Superinteressante.

#Drogas

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-maconha-e-as-otoridades

do Coração do Magista

No caminho do magista, desde o neófito e do buscador sério até os altos iniciados certas constantes são notáveis. À medida que se estuda e se aprofunda nos mistérios do mundo, se ampliam horizontes e a sabedoria cresce em nossos corações, é impossível deixar de perceber as posturas das pessoas à nossa volta.

Desde os inúmeros e, espero estar errado, número crescente de esquisotéricos e pseudo-ocultistas/intelectuais de Orkut e MSN, há também a proliferação de uma subespécie dentro da magia que infelizmente infesta nossos círculos e decai o nosso santo e suado trabalho esotérico: os magos de fim-de-semana e os falsos-irmãos.

Um é tão menos importante quanto o outro, e que nós, buscadores sérios temos que aprender a lidar, e combater com todas as nossas forças. Desde tempos imemoriais o mundo ocultista se vê infestado de criaturas desprovidas de senso crítico e alto apreço e apego pelo materialismo, poder e o que for de mais baixo na escala de coisas úteis e/ou necessárias.

A falta de preparo de irmãos por muitos séculos, salvo os poucos verdadeiros mestres, foi dando lugar aos charlatães se passando por leitores desorte, oráculos do futuro, fama e poder com promessas das mais extravagantes possíveis, manchando o nome de nossa tão antiga e divina arte. A ganância de homens de coração impressionável deu vazão a esses falsos e pretensos mestres, alimentando o ego de homens poderosos, que abusavam de poder, e não tinham escrúpulos em derramar sangue, mesmo em nome de sua ‘santa’ religião, seja ela qual for. Os séculos passam, os Aeons se amontoam e lá estão eles, seja como andarilhos munidos de um baralho tosco e uma lábia afiada até metaleiros-gothicos-punks que juram de pés juntos que são vampiros, dragões ou vermes (maggots) e que na verdade mal sabem fazer um simples banimento que preste. Deprimente.

O caminho pela informação séria e verdadeira dos caminhos da alta magia sempre foram veladas a poucos escolhidos que tinham sua fé e sua vontade testados à exaustão a fim de se livrar das amarras do mundo profano e galgar os primeiros degraus em uma evolução real e verdadeira, com estreita ligação com seus respectivos Sagrados Anjos Guardiões (SAG) e anos de trabalho.

Magia é uma escolha que se faz para a vida, e sou totalmente a favor da idéia de que a magia deve ser elitizada, nada contra a propagação do conhecimento, mas deve-se provar o devido valor e respeito para adentrar o templo, atravessar o umbral e ter o mais leve vislumbre da verdade da vida, o universo e tudo o mais.

Tive um inicio conturbado nos caminhos do misticismo. Desde criança sabia que tudo o que pensava que via e que sentia eram reais, mesmo que não da forma que uma criança espera, mas ainda assim era novo demais, e não sabia onde procurar, e infelizmente a biblioteca da escola não tinha nenhum material realmente sério. Pretensão infantil talvez, mas que assentou as estruturas de minha mente, me ajudou a entender em um primeiro momento que o que eu queria alcançar não seria fácil.

Se alguém tem interesse nesses conhecimentos, aconselho paciência, dedicação e muito, muito estudo, principalmente a prática constante. Magia é prática, acredito que todo o conhecimento deve ser usado para algo, se não pode ser aplicado em algo útil para a vida, é peso morto, e há muito material para se estudar, assim sendo: uma tarefa de uma vida.

Em um dos muitos dias em que passava sentado em uma cadeira, na sala do Fr. Goya, enquanto passava o tempo perguntando coisas ao acaso, lendo os livros que ele indicava sobre a mesa, um homem entrou em sua sala, entrou fazendo piada, descontraído e totalmente à vontade, decididamente um velho conhecido do Frater (ainda é pratica comum, mesmo com minhas visitas agora esporádicas, fazermos piadas, mantermos um ambiente leve, com conversas descontraídas, e mesmo nas sérias, mas com o sentimento de sinceridade sempre presente), e fez uma pergunta, incrivelmente feita olhando em meus olhos, eu não tinha muita noção da resposta, mas fiquei maravilhado como a forma que fui tratado (e não era nem um projeto de neófito na época, quiçá um iniciado) o que me fez pensar muito. Ao sair perguntei ao Frater se era impressão minha ou todo magista sério que eu via todos, sem exceção tinham um humor afiado, mesmo os mais sérios, o que por sinal era algo que não havia pensado até então, e que não esperava. Ele respondeu apenas que quem faz caras-e-bocas, poses e fala demais deve, no mínimo, não ser levado a sério, o caminho é muito árduo para qualquer um que queira manter banca, e nenhum desses pretensos góticos-vampiros do Largo da Ordem ou qualquer esquisotérico de Orkut tem mais que um conhecimento raso da verdadeira alta-magia, e ainda se dizem detentores de todo o conhecimento dado por Lúcifer direto do inferno. Aham senta lá.

Outra questão é o numero de pretensos autores de astrologia, tarot, wicca ou qualquer cosia que dê dinheiro e que agrade a grande massa ruminante que assola as bancas atrás do ultimo horóscopo de jornal, ou do ultimo exemplar de tarot

cigano/egípcio/draconico sopra dizer que faz leituras de amor e prevê o futuro. Infelizmente há quem siga esse caminho a vida toda e não percebe o erro que cometeu. Sigam os cânones, não tentem mudar quaisquer ritual só porque lhe convém, não pensem que é fácil. Se pensarem assim me desculpem, mas o mundo não precisa de vocês. Já é difícil lutar para ter o conhecimento adequado da própria alma, do próprio eu, e ainda ter que agüentar afagadores de ego que só querem ter parte em um grupinho de amigos.

Há ainda os falsos-irmãos, enganam ordens, e a si mesmos, compram graus e cargos e nem sabem o que o tal grau faz, apenas para ter um símbolo rosa-cruz/druida/wicca/maçom na lapela e fazer bonito frente a algum seleto grupo de ignorantes influenciáveis. Uma pena. Infelizmente isso existe, ainda, e dependemos do bom senso desses irmãos, que mais fazem manchar os nomes e egrégoras que levamos Aeons para formar e fortalecer.

Sou um caminhante romântico, acredito no papel de cada um perante a humanidade, e acredito no valor dos meus esforços, não apenas a mim, mas perante a humanidade toda. Ainda amo essa terra, apesar de tudo, e sei que um dia o que é feito de bom por nós virá à tona. Um dia.

Que no coração do homem bom exista a força e a coragem necessária para repartir o pão perante outros homens como iguais, como irmãos, como partes da mesma essência divina. Somos divindades em treinamento, não joguem essa encarnação fora. Se for para fazer, que façam direito.

Veremo-nos no topo, nos veremos em dias melhores.

#MagiaPrática #Pessoal

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/do-cora%C3%A7%C3%A3o-do-magista

A Descoberta do Invisível

» Parte 1 da série “Reflexões sobre o materialismo”

A matéria (do latim: materia) é aquilo que existe, aquilo que forma as coisas e que pode ser observado como tal; é sempre constituída de partículas elementares com massa não-nula (como os átomos, e em escala menor, os prótons, nêutrons e elétrons).

Empédocles foi um filósofo pré-socrático que viveu na atual região da Sicília, entre 490 e 430 a.C.; Também foi médico, legislador e místico. Aproximadamente 2460 anos antes de Darwin e Wallace, já postulava que “os seres evoluíram da água por processos naturais” e que “sobrevive aquele que está mais bem capacitado”. Empédocles viveu em uma era onde os sábios ou filósofos eram ao mesmo tempo religiosos e cientistas.

Por exemplo, ele defendia que o universo era mantido por suas forças fundamentais: o Amor unia os elementos e o Ódio os separava. Esse tipo de nomenclatura pode afugentar os cientistas atuais (bastaria substituir o termo “amor” por “gravidade” para, quem sabe, mudarem de ideia), mas os bem informados saberão que a própria ciência deve muito aos pensadores daquela época. Ao contrário de Pitágoras, Empédocles não achava que a natureza poderia ser desvendada apenas pelo pensamento ou pelo estudo místico dos números. Ele era, portanto, um místico observador…

De fato, um dos primeiros experimentos científicos de que se tem notícia foi realizado por Empédocles com um instrumento de cozinha bastante simples – o ladrão de água. Tratava-se de uma espécie de esfera de latão com perfurações de um lado e um longo cano fino no lado inverso. É usado até os dias de hoje, mas mesmo em sua época já vinha sendo usado há muito tempo. Basta imergir a esfera em qualquer balde com água, segurando-a pelo cano e sem tapa-lo, e depois retirar da água tapando o orifício do cano com o dedão – enquanto mantemos o cano tapado, a água da esfera não sai, mas quando retiramos o dedo do cano, ela vira uma espécie de regador e respinga a água para fora por suas pequenas perfurações.

Ora, muita gente deve ter inserido a esfera na água com o cano tapado, por engano, e percebido que nenhuma água havia sido “roubada” do balde pelo ladrão de água… Para praticamente todos isso não tinha nenhum significado oculto ou profundo, mas nas mãos do cientista isso era de uma significância até mesmo aterradora – se não havia “nada” dentro do ladrão de água, se ele estava sem água alguma, como pôde a água do balde não conseguir adentrá-lo apenas porque pressionamos a ponta do cano com os dedos? A única explicação era que o próprio ar ocupava aquele espaço!

Empédocles havia descoberto o invisível. “O ar” – pensou ele – “deve ser matéria em uma forma tão divinamente dividida que não podia ser vista”. Certamente os antigos já consideravam o ar um dos elementos básicos da criação, e Empédocles partilhava dessa crença. Porém, talvez para eles o ar fosse o elemento visto nas nuvens ou sentido nas ventanias e mesmo nas brisas sutis… Mas certamente ninguém havia concebido que o ar ocupava espaço, que preenchia o aparente vazio entre nós e os móveis de nossa casa, ou a árvore do outro lado da estrada. Empédocles havia provado a existência do ar através da observação da natureza, algo que não poderia ser feito somente com a mente, ou com os números.

Toda a ciência moderna se baseia naquilo que pode ser percebido ou diretamente pelos olhos, como um utensílio de cozinha ou uma árvore, ou através de instrumentos, como ondas de rádio ou galáxias distantes. A ciência moderna não considera aquilo que é percebido apenas pela mente, dentre outras coisas porque normalmente não é uma experiência que pode ser percebida por mais de uma pessoa – ou seja, geralmente não é um experimento replicável. Por isso costuma-se pensar que todo cientista é uma materialista, mas isso faz sentido?

O termo “materialismo” só foi cunhado em torno de 1702 pelo filósofo alemão Leibiniz, mas seu conceito está diretamente relacionado ao atomismo, que nada mais é do que um desenvolvimento das ideias de Empédocles por um filósofo que, apesar de ter vivido na mesma época de Sócrates, está “historicamente agrupado” também entre os pré-socráticos: Demócrito.

Nascido em 460 a.C. na região da Trácia, Demócrito foi um discípulo de Leucipo de Mileto, e depois seu sucessor. É considerado por alguns “o pai da ciência moderna” pelo desenvolvimento do atomismo, mas há quem afirme que ele apenas continuou o trabalho de Leucipo, inspirado pelo pensamento de Empédocles. Em todo caso, nenhuma obra original de Demócrito sobreviveu até a modernidade, o que se sabe sobre ele é, sobretudo, o que outros pensadores de sua época disseram a seu respeito. Dizem que Platão o detestava, por exemplo, e que gostaria que seus livros fossem queimados, mas isso é provavelmente apenas uma anedota que procura demonstrar como o atomismo era, de certa forma, o oposto do idealismo platônico.

Outra anedota talvez seja mais realista, e conta que Demócrito dizia que “o riso torna sábio”, além de retratá-lo como alguém que costumava levar a vida com muito bom humor e gargalhadas ocasionais – “a vida sem festas ocasionais é como uma longa estrada sem estalagens pelo caminho”. Por essas e outras, ficou conhecido na Renascença como “o filósofo que ri”… Mas certamente os partidários do idealismo e particularmente do cristianismo não partilharam de seu bom humor: relegaram sua obra a um ínfimo “rodapé histórico”, uma espécie de filosofia apócrifa.

Mas com o renascimento da ciência, seu pensamento voltou à tona e, apesar de termos apenas pequenas referências de sua obra, sabemos que ele estava fundamentalmente correto quando defendia que “tudo é feito de átomos”. Apenas não pôde vislumbrar o quão profundamente sagrados eram tais átomos.

» Na continuação, como cortar uma maçã sem causar um incidente nuclear…

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Crédito das imagens: [topo] Wikipedia (Democritus, por Hendrick ter Brugghen); [ao longo] Imagem retirada do episódio 7 da série de TV Cosmos, de Carl Sagan (eis o ladrão de água descrito no artigo).

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#Ciência #Filosofia #materialismo

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A Metamorfose, de Kafka

As Edições Textos para Reflexão trazem até vocês mais um clássico eterno da literatura mundial, pelo preço de um café!

Desta vez o autor escolhido foi Franz Kafka, e a obra, o seu conto mais lido e comentado, A Metamorfose, uma das histórias mais bizarras do século passado. Você já pode começar a ler em poucos minutos:

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À seguir, trazemos o Epílogo da edição (cuidado, pode conter alguns spoilers):

Um clássico da literatura mundial ou uma espécie de “pegadinha literária”, com o perdão do termo? De fato, Kafka foi genial por conseguir evitar, a todo momento, que o seu leitor conseguisse responder definitivamente a tal pergunta.

É perfeitamente compreensível que muita gente não o tenha compreendido, e que alguns tenham até mesmo se sentido enojados pela temática da sua Metamorfose, mas quem poderá dizer que este também não era o seu objetivo? Quem poderá dar por certo que esta grande brincadeira literária, por vezes doce, por vezes irritante, mas sempre primorosamente elaborada em palavras, não era justamente o que tinha em mente quando se sentava para escrever?

No entanto, há acadêmicos que se negam a admitir qualquer espécie de humor, seja oculto ou não, no texto kafkiano. Para muita gente a metáfora do trabalhador disciplinado, que faz de tudo para cuidar das finanças da família, mas que não tem de fato um sentido na vida, e termina por cair em profunda depressão, é perfeitamente compatível com o inseto estranho em que resulta a metamorfose, trancado em seu quarto escuro, sujo, e incapaz de alcançar sequer a sala da própria casa.

Mas me parece inegável haver alguma espécie de humor, seja ele doentio ou como queiram chamar, no simples fato de que, apesar do absurdo da sua situação, Gregor Samsa esteja quase sempre a pensar no cotidiano e em assuntos triviais, como quando se lamenta em ter de faltar ao trabalho, ou quando está tentando a todo custo se manter inteirado das fofocas do jantar. Gregor se encontra “perfeitamente feliz”, afinal, quando consegue se manter numa posição quase que de meditação, grudado no teto do seu próprio quarto… Ora, se isso não era para ser engraçado, mesmo que de alguma forma bizarra, definitivamente o senhor Kafka é um escritor indecifrável.

Seja como for, fato é que este pequeno conto, a sua obra mais lida, ainda será lida por muito tempo, em muitos cantos diversos e épocas futuras. Esperemos que até lá, mais gente se identifique com o Gregor que corre alegremente pelas paredes do que com o inseto esmagado pelo peso do mundo, incapaz de se arrastar sequer para baixo do sofá.

O editor.

#eBooks #Literatura

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-metamorfose-de-kafka