‘Kama Sutra (texto completo)

Antes de ser uma livro de imagens, o kama sutra é um poema. Este poema divertido e instrutivo doi criado para a nobreza da Índia por um nobre Vatsyayana, em alguma época entre 100 e 400 d.C. Originalmente em sânscrito, está inserido na concepção de mundo da religião hindu. Seus ensinamentos, embora conduzam seus praticantes ao orgasmo intenso e ao prazer visam, antes disso, à elevação espiritual do casal.

Kama significa sexo, amor, prazer, satisfação. É um dos três sustentáculos da religião hindu. Os outros são Dharma e Artha. Dharma é o mérito religioso e Artha a aquisição de riquezas e bens materiais..

Os hindus acreditavam que aquele que praticar Dharma, Artha e Kama, sem se tornar escravo das paixões, conseguirá êxito em todos os seus empreendimentos. Em outras palavras, deve-se desfrutar as riquezas e os prazeres sexuais sem jamais perder a virtude religiosa.

Estas três metas possuem suas contrapartes modernas. Muitos de nós não somos tão voltados para a religião, mas buscamos desenvolvimento pessoal e realização; muitos de nós não aspiram grandes riquezas, mas sim ter o dinheiro suficiente para viver confortavelmente; e a maioria de nós quer um relacionamento sexual carinhoso.

Não é apenas um manual de posições sexuais. Além de trazer detalhadamente 64 formas de amar consideradas essenciais, pretende também desenvolver o erotismo e sensualidade de ambientes, situações e pessoas. Velas e óleos aromáticos, comidas afrodisíacas, perfumes e músicas, fazem parte de todo o ritual. Os amantes são encorajados a estarem sempre enfeitados com tecidos leves, coloridos e sensuais e cheios de adornos como colares e brincos. O sexo vai além do simples prazer genital e explodia em todas as direções dos cinco sentidos.

Segue a tradução do poema original para o português:

Os Beijos

Beijar, com unhas marcar,

as mordidas de amor,
sempre devem o acto do amor preceder,
enquanto os golpes e gritos de amor
são usados apenas para apressar o orgasmo.

Mas Vatsyayana diz: a paixão desperta,
pouco tempo resta para a etiqueta.
Faça o que bem quiser,
quando lhe aprouver,
pois Kama não respeita convenções.

Na primeira vez que se deitar com uma mulher,
não exagere nos beijos, unhas e dentes,
melhor sempre é uma coisa de cada vez.
A confiança dela aumentando, recorra a tudo,
que neste livro há, para alimentar o desejo.

Os Beijos

Dê os seus beijos na fronte,
olhos, cabelos, nas faces e lábios,
no pescoço e nos seios,
que sua língua peregrine
pelos sagrados recônditos da suave boca.

Um homem de Lat também beijaria
os tufos de macaco nas axilas, o umbigo,
as coxas, os lábios secretos.
Essa demonstração exuberante de paixão
reflecte a nacionalidade, não é para todos.

Três beijos têm encanto especial
quando dados pelas jovens em flor.
São o Quase-não-um-beijo,
o Beijo Trémulo,
e refinado Primeiro-toque-de-sua-língua.

O primeiro ocorre com a nervosa jovem,
importunada por um beijo,
um abraço relutante lhe permite,
aceita a homenagem de seus lábios,
mantendo os dela fechados firmemente.

Depois que ganha confiança,
ela pode permitir que os lábios se entreabram.
Se você então lhe mordiscar o lábio inferior,
sentir que treme, o prazer ao medo surpreende,
a vitória conquistou, pelo segundo beijo.

Um dia os olhos dela vão fechar,
aos seus olhos as mãos dela cobrirão
e uma língua furtiva indagará
se pode prosseguir por aventuras mais ousadas:
é o terceiro beijo, que o aprendizado encerra.

Mais quatro beijos há nos textos de amor,
Lábios se encontrando em cheio formam o Beijo
Recto, se inclinados, o Beijo de Viés.
Ao queixo dela levante para o Beijo Alteado;
qualquer deles, se ardente, é Beijo Esmagado.

Há quem chame Sorver o Vinho
quando, ao queixo dela se levanta,
a boca se comprime para um “O” formar,
cautela para com os dentes não feri-la
se dá um beijo sôfrego, com força.

Jogos de Beijar

Façam apostas sobre quem, os lábios só usando,
primeiro pode ao lábio inferior do outro
capturar. Se ela perder, há de gritar,
a mão lhe sacudindo, clamando que é injusto,
que você a enganou, outra chance vai querer.

Quando você por direito recusar,
seu nariz ela deve morder e magoar,
até levá-lo a concordar com suas exigências.
E se você ganhar outra vez,
um rebuliço maior ela deve criar.

Se desprevenido ela pegá-lo
o seu lábio captura entre os dentes,
entre os risos declarando
vitória maior ter conquistado,
morder ameaçando, se tentar escapar.

A vitória ela deve proclamar, exuberante,
provocando com gracejos refinados,
recorrendo às nuanças de expressão
que os lindos olhos e sobrancelhas forjam,
no desafio a seu orgulho lançar em nova prova.

Invente outros jogos de beijar,
competições de unhas, de dentes,
quem perder fazendo o que foi apostado.
Esses jogos o desejo aguçam,
por muitas horas o prazer do amor prolongam.

Se, ao beijar ela seu lábio superior,
você suga seu lábio inferior, é o Beijo Alto.
Se os dois lábios dela pelos seus são apanhados
(a esse beijo ela pode retribuir
apenas com você raspado), então é o Broche.

Se nesse beijo as duas línguas,
os dentes explorando, o céu da boca,
se encontrarem em feroz justa,
então se chama Torneio das Línguas.

Outras batalhas se travam com lábios e dentes.
Quatro beijos usam lábios, dentes, língua,
tudo junto. O Sama nos seios se dá,
nas sensíveis curvas de joelho e cotovelo,
onde as coxas ao corpo encontram:
mordisque delicado, a língua faça cócegas.

Pidita se reserva para as faces,
seios, quadris, barriga, a bunda,
seus dentes na carne afundando,
sem chegar a machucá-la,
lábios, língua, em massagem vigorosa.

Anchita é o beijo da língua,
as curvas sob os seios percorrendo,
sondando o umbigo, perdurando
no secreto lótus,
o desejo atiçando, sem propor alívio.

Mridu é usar os lábios no alívio
da comichão nas costas, seios, braços,
nos quadris, por dentro das coxas dela,
depois que suas unhas por lá roçaram, de leve,
levando os cabelos a se arrepiar, assim ficar.

Quando ela olha o seu rosto adormecido
e sua boca beija,
para despertá-lo, o desejo incendiar,
o beijo longo, tão ardente, tem o nome
Ragadipa, Amor-em-chama-se-tornando.

Se você ignora por estar absorvido
em música, pintura ou discussão,
porque os dois discutiram,
e ela o surpreende com um longo beijo,
será Chalita, o Beijo do Desvio.

Se tarde em casa chega, adormecida encontra,
você a beija com ternura,
é Pratibodlha, o Beijo que Desperta.
E ela deve fingir que está dormindo
quando a sua voz ouvir à porta.

Os Abraços

Homens e mulheres que pouco se conhecem
os sentimentos podem transmitir
usando o Toque ou Pontada.
A Carícia e o Aperto
são dos amantes que os desejos se conhecem.

Quando ela se aproxima,
como se você não existisse,
e sua mão ou corpo, na passagem,
deixa roçar contra, o seu, de leve,
é o abraço que se chama Toque.

Quando uma mulher avança, ao vê-lo
exclamando que algo deixou cair
e se abaixa para pegar,
os seios duros em seu corpo espetam
(furtivamente acaricie), é a Pontada.

Quando à noite saem juntos,
num bazar apinhado,
ou passeiam pelos campos,
os corpos se aninham em suas curvas,
a sensação que os percorre é a Carícia.

Quando a comprime contra uma coluna
ou de costas num portal,
o fôlego de seu corpo extraindo,
as mãos se pondo a explorar
os corpos mútuos, é o Aperto.

Babhravya mais quatro abraços dá
para amantes de experiência.
Trepadeira e Árvore de pé são feitos,
Sésamo e Arroz, Leite e Água,
muitas vezes se convertem no ato do amor.

Quando ela entrança os braços em seu pescoço,
como a trepadeira que a sal envolve,
o rosto erguendo para o beijo,
depois recua um pouco, respirando fundo,
seu rosto ansiosa olhando, é a Trepadeira.

Quando ela põe os pés entre os seus,
pelo seu corpo subindo, como liana,
sua cintura com as coxas agarrando,
seus ombros apertando, gemidos soltando,
sua cabeça aos beijos inclinando, é a Árvore.

Quando se deitam de frente um para outro,
as coxas entrelaçadas, os seios comprimidos
contra você, as mãos buscando lugares novos
para acariciar, cabeças em beijos se unindo,
o braço é como a mistura de Gergelim e Arroz.

Quando ela trança as pernas em sua cintura,
o peito contra o seu se comprimindo
em tão violento abraço que seus corpos,
à dor indiferentes, parecem quase
se penetrar, é chamado Leite e Água.

São esses os oito abraços de Babhravya.
Suvarnanabha dá mais quatro
em que partes do corpo diferentes
despertam para o amor: os abraços
das coxas, virilhas, seios e testa.

Deitados nos braços um do outro,
ela prende uma de suas coxas,
apertando com força entre as dela,
os músculos se encharcando de prazer:
os conhecedores chamam de Abraço de Coxa.

Quando ela ergue as lindas coxas
e sua virilha puxa contra a colina do amor,
as unhas lhe crava, belisca, em beijos suga
os seus lábios, os cabelos derramados
soltos por seu rosto, é o Abraço da Virilha.

Quando ela o monta,
o seu peito suportando todo o peso
dos seios cheios,
que trançam círculos em seu corpo,
quem conhece chama Abraço dos Seios.

Os três abraços também podem
pelo homem serem iniciados.
Quando as testas se unem, olho no olho,
nariz em nariz, lábio em lábio, os rostos
em carícias mútuas, é o Abraço de Testa.

Alguns mestres a massagem incluem nos abraços
pelo prazer físico que proporciona
mas Vatsyayana diz: a massagem visa
ao cansaço remover, não atiçar o desejo,
assim não pode entrar nas artes do amor.

Mesmo os que indagam, ouvem ou falam
de tais abraços
hão de sentir, na descrição correcta,
o desejo em seus corpos despertar.

Quem usar, maior prazer terá.
São muitas as carícias adoráveis
que os textos jamais mencionaram.
Descubra-as com quem ama,
use quando puder,
se aguçar o prazer e o desejo.

Os textos do amor podem se úteis
só quando o desejo está sereno,
mas com a roda do oleiro em movimento,
joguem fora até o Kama Sutra,
pois não há, nem ciência.

Dentes e Unhas

A paixão, se ateada,
que as unhas entrem em cena.
Electrizante é o efeito:
sob as unhas da mulher, o tímido amante
sente o corpo lentamente de desejo impregnar.

O jogo das unhas mais excita
a primeira vez em que juntos deitam,
nas noites antes e depois de longa separação,
depois de briga furiosa,
e quando ela bebeu além da conta.

Boas unhas são compridas, bem talhadas,
ao contacto bem suaves,
limpas, firmes, refulgentes,
os arranhões devem ser
tão rosados quanto as unhas.

Os ardorosos deixam as unhas
da mão esquerda crescer, longas, afiadas.
Há quem lixe em duas pontas, às vezes três,
como a lâmina da serra,
outros lixam em crescente, em bico de papagaio.

Textos de amor aconselham a se marcar
da amante apenas seios, axilas,
garganta, costas, coxas e virilha.
Mas no amor, lembra Suvarnanabha,
de tais coisas ninguém se recorda.

Marcas de Unhas

As oitos técnicas se aprendam:
Rasgar Seda, a Meia-Lua,
Círculo, Sulco, Garra do Tigre,
o Pé do Pavão,
Salto da Lebre, a Pétala do Lótus Azul.

Passe as unhas afiadas
pelas faces, seios, lábio inferior,
tão de leve que marca alguma fique,
mas ao contacto a pele se arrepie de prazer,
no som da seda que se rasga.

Esta carícia torturante use
quando ela pedir que lhe massageie o corpo,
o couro cabeludo, que lhe arranhe as costas,
que uma bolha impertinente fure, sempre
que quiser deixá-la ardente de desejo.

A Meia-Lua é suave crescente
com uma unha feito na garganta e seios.
Um par de crescentes fundo impressos,
na barriga, quadris, bunda ou virilha,
como marcas de um parêntesis, são o Círculo.

O Sulco é a linha vermelha
que unha afiada estende pela pele,
do corpo, em qualquer parte.

Se curvo, é uma Garra de Tigre,
quase sempre nos seios e pescoço.

Quando o mamilo se pega
entre as cinco unhas, comprimindo,
na explosão de suaves raios vermelhos,
é o famoso Pé de Pavão,
difícil de fazer, tão do gosto das mulheres.

Se ela roga, despudorada,
o Pé de Pavão, num dos seios,
e você usa as cinco unhas,
sobre um seio, depois no outro,
é o virtuoso Salto da Lebre.

A Pétala do Lótus Azul
se faz nos seios, na cintura, tão-somente,
moldada sempre na sugestão do nome.
Tal marca em elogio é,
equivalente a jóias de presente dadas.

É falta de cavalheirismo
sair de casa, em viagem longa,
sem marcar seios e coxas da esposa,
com três ou quatro pelo menos,
pequenas linhas, momentos do seu amor.

Novas marcas sempre invente
a praticar com quem ama.
Sejam de flores, passarinhos,
vasos, folhas, trepadeiras,
tudo é possível, não se pode enumerar.

Tentar sequer catalogar
o potencial infinito de marcas e técnicas,
para não falar dos sinais bizarros
que amantes ardentes improvisam,
é pura perda de tempo, dizem os sábios.

Há de se ressaltar, diz Vatsyayana,
a importância de variar no amor.
Qualquer tolo sabe: variar é o tempero
da vida, mas só cortesãs bem sucedidas
sabem, ao que parece, se a essência do amor.

Para acabar, jamais crave as suas unhas
na esposa de outro homem.
A discretos crescentes se limite,
ocultos onde ela apenas vai observar,
a se lembrar dos encontros secretos com você.

Mordidas de Amor

Cada parte do corpo, que se beija,
tirando a língua, olhos, lábio superior,
também aceitará mordidas de amor.
Até lugares que os Latas muito beijam
são alvos certos para dentes hábeis.

Bons dentes são limpos, brilhantes, iguais,
afiados, bem formados, com paan se colorindo.
Dentes lascados, rudes, sujos, gastos,
sobrepostos, salientes,
melhor ficam se ocultos, são insultos ao amor.

Prática é preciso par oito mordidas
bem famosas: a Secreta e a Inchada,
o Ponto e a Linha de Pontos,
o Coral e o Colar de Coral,
a Tempestade e o Javali.

Quando o lábio inferior morder,
avermelhando, mas sem marca, é a Secreta.
Se morder até o lábio machucar,
é a Inchada (só depois vem o Inchar),
e também se faz na face esquerda.

Quando a pele mordisca tão de leve
que marca é do tamanho da semente
de sésamo, fez um Ponto, incha de Pontos
bonita há de ficar na macia pele
do pescoço, seios, dentro das coxas.

A vermelha curva, irregular, do Coral,
se faz mordendo apenas com os incisivos
de cima. No seios começando, nas coxas,
Colares de Coral se vão fazendo,
as laçadas pelo corpo se espalhando.

Tempestade é um círculo de marcas
que no seio suave se imprime.
Se profundo, ardentes marcas,
no centro violeta, é Javali.
Que só agrada aos ardorosos.

Quando unha e dente marcas fazem
na folha de bhurja, flor de lótus azul,
que as mulheres nas orelhas usam,
são convites amorosos,
a se fazer com o esmero das cartas de amor.

Se um homem ignora os gritos da amada
de que unhas e dentes a machucam,
na mesma espécie ela deve revidar,
Garra de Tigre pelos Sulcos,
Javali à Tempestade confrontando.

Na paixão, que a mulher agarre
os cabelos do amado, lábio prenda
entre os dentes, qual a borda de uma xícara,
sorvendo sempre, de desejo se inebrie,
mordendo a esmo, de frenesi, em mil lugares.

Quando ele mostra, orgulhoso, manhã seguinte,
aos amigos tantas marcas
que unhas, dentes em seu corpo deixaram,
que ela o fite, impassível,
rindo apenas ao lhe virar as costas.

Censurá-lo ela pode, furiosa,
sendo amarrado exibindo mas próprias marcas.
Se um ao outro amam,
a censura é sempre afectuosa,
o amor nem em cem anos se esvai.

Golpes e Gritos

Como o amor, por natureza,
é quase uma batalha entre os sexos,
os vários golpes de amor,
que podem o prazer acentuar,
são analisados nos textos de amor.

Quando golpes, Apahasta (Costa da Mão),
Prasritaka (o Capuz), Mushti (o Punho)
e Samatal a(a Palma),
usados são na cabeça, ombros, costas,
flancos, no espaço entre os seios.

A amada, claro, há de sentir
dor quando você a golpear,
mas os gritos que à garganta lhe subirem,
se cada tipo você puder reconhecer,
vão dizer o quanto ela se encontra excitada.

Hinkara é o ar que se suga bruscamente,
como um sobressalto repentino.
Stanita é mais profundo, som ressonante,
que vem dos tímbales dos pulmões dela.
Kujita é suave arrulho, como a pomba.

Rudita é o soluço gutural da mulher
que o orgasmo alcança.
Sutrita é o ofego áspero.
Dutkrita é abafado chocalhar.
Phutrita é o morango que na água cai.

Sitkrita são palavras, sons,
que seus golpes dela arrancam,
exclamações de dor, lutando com prazer.
A sequência, que aprender se deve,
vai do prazer à dor ao prazer maior.

A princípio, soluçando, ela dirá:
“Mamãe”, “Pare!”, “Já chega!”,
“Deixe-me em paz!”, Estou morrendo!”,
mas os sons que em sua garganta adejam
logo se tornam gritos sem palavras.

Os tímidos gritos do início
podem ser como o choro de uma pomba,
o chamado do cuco entre as folhas,
o suspiro sonolento dos pardais,
o grito estridente do papagaio.

Mas logo a amada, gemendo como abelha,
gritando qual galinha assustada,
emitindo gritos baixos, que soam,
como gansos e patos no voo chamando,
acaba choramingando, como a perdiz .

Quando deitada ela está sob você,
com as costas da mão deve bater-lhe
entre os seios, gentilmente,
a paixão crescendo, deixe que os golpes
sejam mais fortes e rápidos: é Apahasta.

Se hábil aplicado, este golpe
há de arrancar uma raga
de arrulhos, gritos e soluços.
Se você a machucar, que ela fique furiosa,
revidando golpe a golpe.

Os gritos de amor não precisam
obedecer a qualquer ordem:
que ela tudo faça de improviso,
mas cada golpe desferido
deve arrancar um grito de prazer.

Se satisfação ela não tem
de Apahasta e outro lhe pedir,
na cabeça da amada bata
com os dedos encurvados:
é Prasritaka (o Capuz).

O alvo é excitá-la
tanto que os gritos “Hare Rama”
se prendam na garganta, virando
um trinado de vogais abertas e fechadas,
terminando em soluços estrangulados.

Você deve provocá-la
seus gritos imitando,
até que ela ria, e depois,
com unhas e dentes espicaçando,
lhe arranque efeitos mais extravagantes.

Quando sentir que o orgasmo se aproxima,
nas coxas dela bata e nos lados,
de mãos abertas, palmadas de Samatala.
Se o momento for exacto, há de ouvir
o ganso e a perdiz chamando o orgasmo dela.

Por natureza, os homens são mais duros,
mais cruéis e violentos que as mulheres,
sempre delicadas e tímidas,
daí porque o homem geralmente bate
e a mulher é quem grita.

Mas se a paixão a sufoca,
se uma postura especial a excita
ou se tal é o costume do país,
a mulher pode chover golpes no amado.
Mas tal coisa raramente acontece.

Quatro outros golpes são usados
às vezes: Kila (Cunha) no peito,
Kartai (Tesoura) na cabeça,
Vidram (Espeto) nas faces,
Samdanshikam (Tenaz) nos seios .

Tais golpes perigosos
são bem populares pelo sul.
Nos peitos dos sulistas e esposas
as marcas às vezes são visíveis
dos golpes desferidos no estilo Kila.

Mas os costumes do sul
não devem ser copiados por nortistas
curiosos. Vatsyayana diz: esses golpes
são antiarianos e impróprios ao homem de bem,
que deve encarar tal violência com desdém.

Nenhuma dúvida pode haver
que práticas que a membros quebrados levem,
à mutilação e à morte,
não podem ser justificadas, nem mesmo
aos que se recusam a vê-las como barbarismo.

Não é segredo que o Rei Chola
matou há pouco a cortesã Chitrasena,
ao golpeá-la no estilo Kila.
O Rei Shatkarni dos Kuntalas matou
sua rainha, Malyavati, com a Tesoura.

Naradeva, o supremo comandante
dos exércitos de Pandya,
de mão esquerda deformada,
um dia bateu à Vidvam numa dançarina,
errando o alvo, cegou-a de um olho.

Mas quando os homens a paixão inflama,
pouco se lembram de pensar
nos shastras ou nas consequências
de tão louca violência:
a paixão causa tais calamidades.

O sexo perturba o equilíbrio:
os anseios e loucas fantasias
que afloram à imaginação de um homem,
quando o amor faz, são mais estranhos
que os sonhos mais grotescos.

Como um cavalo, em pleno galope,
não percebe valas, muros e os poços
que margeiam seu caminho,
a fúria da paixão cega os amantes
aos males que unhas, dentes, punhos causam.

Procure sempre recordar
que a amada é bem mais fraca que você,
que paixão é bem mais forte.
E como nem todas gostam de apanhar,
duas vezes pense para usar golpes de amor.

Prazeres Orais

Os sábios condenam o prazer oral,
alegando que não é civilizado
e rigorosamente proibido pelos shastras.
Os homens doenças contraem, dizem eles,
ao beijar mulheres e eunucos após a felação.

Mas Vatsyayana diz que os shastras
não se aplicam no caso dos eunucos
(com o sexo oral a vida ganham)
nem em países de costumes diferentes.
Quanto às doenças, evitá-las é bem fácil.

Os shastras dizem ainda que são quatro
as bocas puras: do bezerro a mamar,
do cão de caça pegando a sua presa,
o bico do pássaro a fruta arrancando
e a boca da mulher enquanto faz amor.

Mas nesta questão tão delicada,
os shastras são contraditórios.
O conselho de Vatsyayana é agir
de acordo com os desejos, sua consciência,
os costumes da terra em que nasceu.

As oito técnicas da felação
normalmente se praticam na seguinte ordem:
Nimitta (Contacto),
Parshvatoddashta (Morder nos Lados),
Bahiha-samdansha (Pinça Externa).

Antha-samdansha (Pinça Interna),
Chumbitaka (Beijar),
Parimrshtaka (Golpear a Ponta),
Amrachushita (Chupar a Manga)
e Sangara (Engolir Tudo).

Quando a amada seu pénis captura
na mão dela, os lábios forma
num “O”, de leve os pousa na ponta,
a cabeça mexendo em círculos pequenos,
é o primeiro estágio, Nimita (Contacto).

Pegando a glande em sua mão,
ela comprime os lábios pela haste,
primeiro de um lado, depois no outro,
evitando que os dentes lhe machuquem:
é Parshvatoddashta (Morder nos Lados).

A ponta do pénis ela pega,
gentilmente, entre os lábios,
ora apertando, ora beijando ternamente,
a pele macia puxando:
é Bahiha-samdansha (Pinça Externa).

Ela deixa agora a cabeça deslizar
inteiramente para a sua boca,
a haste entre os lábios comprime firmemente,
por um momento parando, antes de puxar:
é Antaha-samdansha (Pinça Interna).

Quando ela pega o pénis em sua mão
e os lábios bem redondos
beijos dão por toda a extensão,
sugando qual faria com seu lábio inferior,
o nome que se dá é Chumbitaka (Beijar).

Se, ao beijar, ela deixa que a língua
por todo o pénis se esbata
e depois, em ponta, ataca insistente
a glande tão sensível,
vira Parimrshtaka (Golpear a Ponta).

Agora, pela paixão inflamada, o pénis
ela enfia bem fundo em sua boca,
puxando e sugando com vigor,
como se fosse da manga o caroço:
é Amrachushita (Chupar a Manga).

Quando ela sente que o seu orgasmo
é iminente e engole todo o pénis,
sugando, trabalhando, com os lábios,
com a língua, até o momento final,
é Sangara (Engolir Tudo).

Técnicas de Cunilíngua – Ratiratnapradipika
O santuário da amada venere
com as oito técnicas de cunilíngua:
Adhara-sphuritam (Beijo Trémulo),
Jihva-bhramanaka (Língua Circulando)
Jihva-mardita (Massagem da Língua).

Chushita (Sugar), Uchchushita (Sugar para
Cima), Kshobhaka (Remexer),
Bahuchushita (Sugar com Força) e Kakila
(o Corvo); improvisar com os dentes
produz infindáveis variações ao amor.

Com as pontas dos dedos, delicado,
aperte os lábios arqueados da casa do amor
e devagar, bem lentamente, os una,
beijando qual faria com o lábio inferior:
é Adhara-sphuritam (Beijo Trémulo).

Agora a arcada abra com o nariz,
deixe que a língua entre,
a yoni explore gentilmente,
o nariz girando, os lábios e o queixo:
é Jihva-bhramanaka (Língua Circulando).

Deixe a língua descansar por um momento
na arcada do templo o amor,
antes de entrar para o culto vigoroso,
fazendo a seiva dela escorrer:
é Jihva-mardita (Massagem da Língua).

Prenda agora os seus lábios
nos lábios da yoni da amada,
a beijos profundos se entregue,
mordiscando, ao clitóris sugando:
é Chushita (Sugar).

Com as mãos suspenda a bela bunda,
a língua o umbigo sonde, resvale
para girar suavemente na arcada
do templo do amor, e lamber a seiva:
é Uchchushita (Sugar para Cima).

Remexendo as lindas coxas,
que ela própria com as mãos segura
e abre o mais que pode,
sua língua adeja, a seiva sorve:
é Kshobhaka (Remexer).

Sua amada num divã estenda,
os pés dela em seus ombros, a cintura
pegue, sugue com força, deixe a língua
remexer o templo do amor a transbordar:
é Bachuchushita (Sugar com Força).

Se de lado deitados,
em direcções opostas,
as partes íntimas beijam mutuamente,
usando as 15 técnicas descritas,
é Kakila (o Corvo).

Comentários finais- Kama Sutra
Tão grande é o prazer que o corvo
às mulheres oferece que por sua causa
muitas cortesãs abandonaram
respeitáveis cidadãos e se ligaram
a escravos, machuts , a homens inferiores.

As mulheres encerradas em haréns
o Corvo acabam praticando.
Depravados praticam em segredo
com outros homens, íntimos seus,
deitados lado a lado, em mútua felação.

Jovens dândis que se exibem,
com brincos e outros ornamentos,
não são avessos a chuparem outros;
mas os mais hábeis nas artes orais
são eunucos, cortesãs ou as escravas.

O intercurso oral deve se evitado
por altos sacerdotes, brahmins, reais
ministros, reis, políticos, por quem tenha
posição e por sua reputação zele,
pois a ética é extremamente duvidosa.

Não é suficiente alegar que práticas
não são condenadas pelos shastras,
estes são conselhos para os casos todos
e inevitavelmente encerram ideias
que corrompidas ficam, se fora de contexto.

Nos textos médicos de Ayurvedic,
vai se encontrar a declaração
de que carne de cão é saborosa, nutritiva,
mas sinceramente isso implica
todos passarem a come-la?

Os shastras podem aconselhar com sensatez
em quase todas as questões sexuais,
mas se em dúvida estiver, respeite
as convenções de tempo, costume e lugar,
na própria consciência se apoie.

Como tais coisas na intimidade se fazem
e são mantidas em segredo absoluto,
como a paixão sobre a razão predomina,
quem pode saber o que alguém fará,
por quê, como, onde, quando, com quem?

Compatibilidade

Os textos sagrados divide
os homens em quatro classes,
mas Ama apenas três conhece,
a casta determinada pelo tamanho do pénis:
lebre, touro, cavalo.

Kama às mulheres classifica
como corça, égua ou elefanta,
a profundeza da yoni sendo a medida.
Corça com lebre, égua com touro,
elefanta com cavalo: são os pares ideais.

Com casais de dimensões
que bem não correspondam,
há seis graus de inadequação:
elefanta e lebre ou touro, égua
e lebre ou cavalo, corça e touro ou cavalo.

Uniões iguais são melhores:
conjunções extremas (elefanta com lebre,
corça ou cavalo) raramente satisfazem.
Com os pares restantes, o sucesso depende
em grande parte de temperamento e perícia.
Os temperamentos sexuais são três:
ardoroso, moderado e frio.

Um homem de fria natureza pouco desejo tem;
o sémen esguicha sem vigor;
sempre evita unhas e dentes da amada.
Homens ardentes o desejo não escondem,
os moderados sabem manter o controle.

Cada tipo tem o equivalente feminino,
às conjunções físicas acrescentando
nove possíveis relações de temperamento.
A perícia de amante, diga-se agora,
se avalia na medida
em que sabe prolongar o prazer do amor.

Amantes podem ser peritos, adequados e inábeis,
em mais nove aumentando as relações.

Falácia

No papel da mulher é que se concentra
a controvérsia pela necessidade de perícia.
Auddalaki diz: as mulheres
não encontram satisfação no amor,
apenas alegria de satisfazer os amantes.

A perícia no beijo e na carícia,
variação de posturas, o amor prolongado,
são coisas que aumentam o prazer de um homem;
mas as mulheres não precisam,
seu prazer é muito diferente.

Nenhum homem ou mulher saberá jamais
o que sente o outro exactamente no amor;
palavras jamais vão descrever,
mas o prazer do homem se encerra com o orgasmo
enquanto jamais termina o prazer da mulher.

Resposta

Por que então é um fato
que a mulher adora um homem que uma hora fica
e despreza aquele que se vai
em duas ligeiras investidas?
Não prova que o orgasmo ela também quer?

Falácia

Seria anormal, os cépticos dizem,
para uma mulher experimentar
prazer intenso, emocional, no amor,
mas não querer que continue.

E citam até os versos de Auddalaki:
“Na paixão do homem se abate
o desejo da mulher feliz,
não há beijo, carícia, arremetida
do falo que sua paixão sacie.
O prazer do homem é seu único prazer.”

Ao contrário do homem, diz Babhravya,
cujo sémen esguicha, ao final do prazer,
a seiva da mulher flui do início,
a toda fibra inundando de alegria;
não precisa assim de um longo amor.

Resposta

É Auddalaki em disfarce.
Se tal prazer ela sente, desde o início,
por que tão quieta fica no começo,
o corpo só aos poucos à paixão se entregando,
o que tanto a abala ao final?

A paixão da mulher não seria
como a roda do oleiro, a piorra da criança,
a princípio girando lentamente,
a velocidade aumentando, até explodir
na beleza indescritível do orgasmo?

O próprio Babhravya escreveu:
“O orgasmo dele é o final do seu prazer,
o ardor intenso dela não tem fim,
pois ambos devem se gastar na batalha do amor
e a seiva misturar, antes que a paz ela encontre.”

Como homem e mulher são humanos,
ambos absorvidos no mesmo ato,
por que o prazer seria diferente?
Vatsyayana conclui
que a mulher tem orgasmo, como o homem.

Falácia

Mas homem e mulher não são iguais!
Um homem é para a mulher
o que a mó para o moinho é:
são feitos de forma diferente,
naturezas opostas, papéis separados.

Não é absolutamente ridículo
dizer que homem e mulher,
divergindo um do outro,
tanto no corpo como no temperamento,
experimentam o prazer de formas diferentes.

Resposta

É mais que óbvio, até para Vatsyayana,
que homem e mulher são diferentes.
Ele também aceita que, por costume,
homens dominam, mulheres são dominadas,
o que há de se reflectir no ato do amor.

A natureza do homem é apregoar
“Estou fazendo o amor!”
A mulher arrulha: “Este homem me faz o amor!”
Mas o prazer, quando chega,
não sabe quem é a mulher, quem é o homem.

Quando os carneiros se chocam, de cabeça,
quando os galos se agridem,
quando lutadores se engalfinham,
o choque pelos dois se distribui;
assim também é, quando homem faz amor à mulher.

Não se alegue que carneiros são carneiros,
lutadores, lutadores, mas homens não são mulheres.
Homem e mulher o mesmo nervo são, mesmo sangue,
mesmo músculo, osso, tendão e alma:
não há diferença, por baixo da pele.

Linga e shaki feitos são um para o outro,
de que outro jeito vida nova nasceria?
O desejo junta homem e mulher num só amor,
numa ardente união,
criando um filho do choque partilhado do prazer.

Vatsyayana diz: toda mulher
a alegria do orgasmo deve conhecer.
Todo homem deve aprender as artes do amor,
o beijo, carícia, asanas, jogos de dentes
e das unhas, o prazer da amante antes do seu.

Como dois amantes jamais poderão
em tamanho, temperamento e arte se igualar,
não existem regras que governem o amor.
Só a experiência pode lhe dizer
que técnicas satisfarão que amantes.

O sábio também sabe que o prazer físico
não é o fim exclusivo do acto do amor.
Pode ser como música, atiçando emoções,
intensificando sentidos, dissolvendo
pensamento em ritmo, até que um só ritmo exista.

Vai fluindo, corações acelerando,
os lábios tremem na batida
de tambores na mais rápida marcha,
até que a própria música se dissolve
na sagrada e longa nota de silêncio.

O amor tem muitas yogas:
o contacto de dois corpos; virilhas presas;
a ruptura na separação;
o acalmar da respiração violenta;
a serenidade de corpo e mente.

Pessoas de inteligência e sensibilidade
vão achar tais comentários
suficientes para esclarecer o delicado assunto.
Para quem precisa de mais esclarecimento
as artes do amor agora são descritas.

Posições Sexuais

Se a amada é menor do que você,
posições de amor escolha
em que as coxas dela bem abertas fiquem.
Se ela puxa ao generoso,
use aquelas que as coxas se unem.

Se ela muito o sobrepuja,
o prazer lhe dê com um falo de ouro ou prata.
Mas se os dois à perfeição combinam,
cada postura conhecida se pode exaltar
nesta yoga deslumbrante de dois corpos.

Se a amada é menor do que você,
posições de amor escolha
em que as coxas dela bem abertas fiquem.
Se ela puxa ao generoso,
use aquelas que as coxas se unem.

Se ela muito o sobrepuja,
o prazer lhe dê com um falo de ouro ou prata.
Mas se os dois à perfeição combinam,
cada postura conhecida se pode exaltar
nesta yoga deslumbrante de dois corpos.

Posições Deitadas 

Grupo Utphullaka- Kama Sutra
A mulher corça mais prazer encontra
nas abertas posturas do grupo Utphullaka:
Utphullaka (Flor em Botão),
Vijrimbhitaka (Bocejo Largo)
e Indranika, da deusa Indrani a postura.

Em Utphullaka a mulher usa uma almofada,
quadris bem alto erguendo,
as coxas abre, o mais largo que puder.
Gentilmente a penetre,
sem ferir a ela, magoar a si mesmo.

Em Vijrimbhitaka as coxas são abertas,
as pernas se estendem para o alto,
os quadris na cama permanecem.
A yoni assim se expande, mas se inclina
para baixo, cuidado na entrada.

Indrani os joelhos ergue,
nas curvas dos seios se aninham,
os pés encontram as axilas do amado.
Quem é pequena esta postura adora,
mas uma deusa se faz com muita prática.

Grupo Utphullaka- Textos Medievais
Com as palmas ela pega e ergue a bunda,
as coxas abre, o mais possível,
põe ao lado dos quadris,
enquanto você os seios lhe acarinha:
assim é Utphullaka (a Flor em Botão).
(Ratirahasya)

Os tornozelos pegando
da mulher de quadris cheios, bunda
como abóboras maduras,
as lindas coxas erga
e bem estenda na abertura.

De desejo impregnado, em palavras doces,
dela se aproxime, seu corpo rígido,
arremeta direito para frente,
penetre o lótus, os corpos se unindo:
é Madandhvaja (a Bandeira de Cupido).
(Panchasayaka)

Os dois pés da amada agarre,
suspenda até os seios comprimirem,
as pernas dela um círculo formando.
Pelo pescoço a enlace e faça o amor:
é Ratisundara (Delícia de Afrodite).
(Smaradipika)

Os pés da amada erga até as solas
se encontrem paralelas
nos dois lados do pescoço esguio,
os seios pegue, o amor faça:
é técnica é Uthkana (Alto do Pescoço).
(Ratimanjari)

A linda esposa, na cama deitada,
os próprios pés segura
e levanta até os cabelos,
você lhe pega os seios e faz amor:
assim é Vyomapada (Pé no Céu).
(Ananga Ranga)

Seus próprios joelhos, segurando, sua esposa,
na cama estendida,
estica as pernas, os pés erguendo,
enquanto você comprime os seios juntos:
assim é Vyomapada (Pé no Céu).
(Panchasayaka)

A mulher de coxas roliças, na cama,
os tornozelos agarra, os pés bem alto ergue,
você crava até a raiz, beijando,
batendo com as palmas entre os seios:
assim se faz Markata (o Macaco).
(Srnararasaprabandhadipika)

De costas ela deita,
você senta entre os joelhos e suspende,
os pés dela engancha em suas coxas,
os seios pegue, faça o amor:
é Manmathpriya (Caro a Cupido).
(Smaradipika)

Entre as coxas da esposa sente,
as mãos na cama ponha, junto à cintura dela,
gire os quadris, ao fazer amor:
é Smarachakra (a Roda do Amor),
tão do grado de mulher mais ardentes.
(Ananga Ranga).

No leito do amor se estende,
braços, pernas estendidos, qual estrela-do-mar,
você se abate sobre ela, achatando
os seios, juntos os comprimindo:
é Ratimarga (Estrada do Amor).
(Srngararasaprabandhadipika)

Grupo Samputa- Kama Sutra
Se tem o pénis para uma mulher pequeno,
então use as posturas do grupo Samputa:
Samputa (a Caixa de Jóia),
Pidita (o Aperto), Veshtita (Entrelaçado)
e Vadavaka (o Truque da Égua).

Em Samputa suas pernas se estendem
junto às delas, em carícia de alto a baixo.
Sua amada põe por baixo,
ou os dois de lado estendidos,
mas neste caso que ela fique à sua esquerda.

Em Pidita as coxas dos amantes
se entrelaçam e se apertam, ritmadas.
Em Veshtita as coxas ela cruza
ou cada rola para dentro,
assim forçando o aperto da yoni.

Quando a amada como a égua
que , cruel, agarra o garanhão,
pretende e suga o seu pénis com vagina,
é Vadavaka (o Truque da Égua),
que só a longa prática aperfeiçoa.

Grupo Samputa – Textos Medievais
Quando amantes, as pernas estendidas,
rígidos, pés acarinhando,
fazem amor pelo desejo em seus corações,
sábios em Tantra chamam Samapada (Pés Iguais),
todos concordam se caminho para o êxtase.
(Ratikallolini)

Como estaca rígida, no meio da cama,
ela se estende no ato do amor,
arrulhando e gorjeando como a pomba,
a jóia do clitóris bem polida:
isto é Mausala (o Pilão).
(Srngararasaprabandhadipika).

Quando de costas ela deita,
as coxas juntas, comprimidas,
você lhe faz amor,
suas coxas além das coxas dela,
é Gramya (o Rústico).
(Ratirahasya)

Se envolvendo, aprisionando,
as coxas dela com as suas,
tão forte aperta que ela grita em dor,
é Ratipasha (o Nó do Amor),
que às mulheres sempre agrada.
(Smaradipika)

Os membros dela, nos seus entrelaçados,
como tentáculos de jasmim fragrante,
se contraem e relaxam lentamente,
no ritmo suave de linga e yoni:
é Lataveshta (Trepadeira Ardente).
(Ratimanjari/Ananga Ranga)

As pernas ela junta,
os joelhos contra os seios comprimindo,
a yoni, como o botão que desabrocha,
em oferenda ao prazer:
quem conhece chama de Mukula (o Botão).
(Srngararasaprabandhadipika)

Se ela ergue os joelhos
e os seus se prendem nas coxas levantadas,
um nó bem firme se formando,
enquanto a monta pela bunda sedutora,
ardente a beija, é Shankha (a Concha).
(Srngararasaprabandhadipika)

Grupo Bhugnaka – Kama Sutra
Suvarnanabha tem sequência de posturas
que derivam de Bhugnaka (Ascendente),
a mulher de costas se deitando,
as pernas alto levantando
e juntas, comprimidas.

Se ela cruza as pernas levantadas,
a postura vira Piditaka (o Aperto).
Se, alternativamente, os pés ela põe
sobre os seus ombros,
vira Jrimbhitaka (o Bocejo).

Se os pés em seu peito se apoiam e você comprime contra os seios
os joelhos dela, é Utpiditaka (Aperto Alto).
Se agora ela estende uma das pernas,
é Ardhapiditaka (Meio Aperto).

Se ela solta um pé, em Jrimbhitaka,
lentamente a perna estende até o fim,
torna a puxar, a outra perna estende
pela cama, até onde pode ir,
é Venudaritaka (Bambu Rachado).

Se o calcanhar ela põe em sua cabeça,
a outra perna estendida para fora,
alternando como acima,
é Shulachita (Assado no Espeto):
você o assado, ela o espeto.

Grupo Bhugnaka – Textos Medievais
Quando ela ergue os pés bem alto,
você ajoelha entre as coxas separadas
e faz amor, vigorosamente,
acariciando e comprimindo os seios,
é Ardhasamputa (Meia Caixa de Jóia).
(Ratimanjari)

Quando sua amada ergue as coxas cruzadas
e os calcanhares põe
num dos seus ombros, a bunda
ardentemente golpeada por seu pénis,
bem depressa, é Nagara (O Caminho da Cidade).
(Panchasyaka).

Quando, de costas estendida,
a bela amada os pés levanta aos seus ombros
e os mantém cruzados
ao ritmo de suas invertidas,
é Vanshadaraka (as Varas de Bambu).
(Smaradipika)

De costas ela deita,
as coxas se enganchando em sua cintura,
e você senta para entrar:
é Nagara (o Caminho da Cidade),
tão do agrado entre as chitrini.
(Ananga Ranga).

Se os pés você coloca
da amada no seu colo
e faz amor enquanto
a enlaça no pescoço,
é Ratilila (Jogo da Deusa).
(Ratikallolini).

Os pés dela junte,
contra o seu coração comprima,
a outra mão vagueando
por vales e picos do país dos seios:
assim é Priyatoshana (Delícia da Amada).
(Smaradipika).

Se agora ela balança, para a frente, para trás,
os pés contra o seu peito empurrando,
suas mãos entre as dela segurando,
enquanto a yoni se golpeia ardentemente,
então é Prenkha (o Balanço).
(Ratirahasya/Ratimanjari).

Se deitada de costas ela ergue
um pé para o seu ombro
e o outro você aninha em sua palma,
a mão livre lhe afagando os seios,
é Ekapada (Um Pé).
(Smaradipika).

A perna esquerda recta estendida,
ela ergue a direita e puxa para trás,
até que os dedos no colchão encostem, além
de sua cabeça. Faça amor, sem que o seu peso
a force: é Traivikrama (Passo Largo)
(Ananga Ranga)

Lado a lado estendidos, na cama,
um pé dela ao seu coração levante,
deixando a outra perna recta:
assim é Vinasana (o Alaúde),
postura que a mulher experimente adora.
(Ananga Ranga)

De lado deitados,
os corpos em carícia,
dos pés aos lábios,
levante um pé ao coração da amada,
assim penetre a sua yoni:
é Ratibana (Flecha do Amor)
(Ratikallolini).

Grupo Karkata – Yoga – Kama Sutra
Como um caranguejo, cruzando as pernas,
sobre a barriga, a sua amada
os pés levanta ao seu umbigo,
as solas se encontrando,
a postura é Karkata (o Caranguejo).

Grupo Karkata – Yoga- Textos Medievais
De costas ela deita,
membros estendidos, como o caranguejo,
braços e pernas se contraem, a puxá-lo,
com força apertando,
é Karkata (o Caranguejo).

Os pulsos dela agarre, estenda os membros,
sua língua acarinhando
os mamilos, a região entre as coxas,
abrace-a, os seios esmagando
contra seu peito: é Ghattita (Acariciando).
(Srngarasaprabandhadipika)

De costas ela deita,
você a abraça,
os braços passa sob os seus joelhos
para assediá-la, destemido:
é Nagapasha (o Nó de Cobra).
(Smaradipika)

Quando a amada os braços passa
sob as coxas levantadas
e os dedos se enlaçam por trás do seu pescoço,
seu rosto descendo para o beijo,
é Phanabhritpasha (o Nó do Encapuçado).
(Ratiratnapradipika)

Lábios sobre os lábios,
braços sobre os braços,
coxas sobre as coxas,
seu peito esmagando os seios dela:
é Kanakakshaya (Destruidor de Riqueza).
(Smaradipika).

Os dois com pernas e braços estendidos,
numa completa Kaurmasana,
ela por baixo, você por cima,
lábios, braços, coxas juntos, mãos unidas:
é Kaurma (a Tartaruga).
(Ratiratnapradipika)

De costas ela deita, os pés no alto
das coxas opostas;
pelo corpo dela passe as mãos, penetre
de repente, o prazer dê em golpes firmes:
é Padmasana (a Posição do Lótus).
(Ratimanjari).

Quando amantes de costas se deitam,
os membros adoráveis
em flor jungidos (pés cruzados em lótus),
no centro da cama,
se dá o nome de Vriksha (a Árvore).
(Srngararasaprabandhadipika).

De costas deitada, as pernas ela ergue,
os dedões agarra,
com força apertando,
você senta entre as coxas levantadas,
pelo pescoço a enlaça e faz amor.
É a famosa Sanyama
(a Controlada),

tão recomendada no Kama Sutra
de Mallanaga Vatsyayana
e por outros bem versados na arte do amor.
(Ratiratnapradipika)

De costas deitadas, a sua amada
os joelhos leva aos lados do rosto,
calcanhares na cama bem abertos,
expondo o cume triplo e orgulhoso da yoni:
é Shulanka (Trindente de Shiva).
(Ratiratnapradipika).

Posições Sentadas

Grupo Padmasana – Kama Sutra
Quando o pé esquerdo no alto se coloca
por cima da coxa direita,
o pé direito sobre a coxa esquerda sobe,
a postura do amor
é Padmasana (a Posição do Lótus) .

Grupo Padmasana -Textos Medievais
Se sua esposa põe o pé esquerdo
sobre a coxa direita
e vice-versa, as pernas cruzadas ergue
na direcção da barriga,
é Padmasana (Posição do Lótus).

Mas se apenas um dos pés
assim está cruzado,
na coxa oposta bem alta se prendendo,
enquanto a outra perna se estende,
é Ardhapadmasana (Meio Lótus).
(Ananga Ranga).

Quando você erecto senta, na pose do lótus,
as mãos aos pés pegando,
e sua amada os pés coloca em suas coxas,
os seios seu peito perfurando,
e faz amor assim, é Matsya (o Peixe).

Se firme e apertado neste abraço,
ela põe os pés na cama
e lentamente gira a lhe voltar o rosto,
sem romper a união,
é Jvalamukhi (o Rosto em Chama).
(Srngararasaprabandhadipika)

Sentada erecta, na cama,
se ela cruza os pés em prece no umbigo
e faz amor, apoiada
em suas coxas fortes lhe amparando a cintura,
é Kauliraka (Tantra-yoga Kauli).

Se durante Kauliraka
os pés você firma contra a cama,
a jovem amada balançando, gentilmente,
para a frente, para trás, é Prenkhi (o Balanço),
caminho pelo para a perfeita paz.
(Ratiratnapradipika).

Grupo Kaurma – Kama Sutra
Se vocês estão sentados em firme abraço
e ela se vira,
sem romper o ritmo do amor,
para abraça-lo por trás,
é o virtuoso Paravrittaka (Raviravolta).

Paravrittaka também é possível
em algumas posições de penetrar por trás,
mas tão difícil é
de dominar, tanta prática exige,
quanto a versão sentada.

Grupo Kaurma – Textos Medievais
Sentados, boca em boca,
braços coxas em coxas,
assim é o Kaurma (a Tartaruga).
Se as coxas dos amantes, juntas, se levantam,
é Paravartita (Virando).
( Ananga Ranga)

Se dentro da caverna das coxas dela
você senta, os quadris girando, qual abelha ,
é Markata (o Macaco).
Se, nesta pose, você se vira,
é Marditaka (Especiarias Moídas).
(Ratiratnapradika)

Ela senta com as coxas levantadas,
os pés se encaixam nos lados de sua cintura,
linga penetra yoni,
golpes fortes no corpo você lhe inflige:
é Kshudgara (Golpeando).
(Ratimanjari)

Quando sua esposa senta,
com os joelhos ao corpo comprimidos
e você esta postura espelha,
quem é versado na arte do amor chama
Yugmapada (o Jugo dos Pés).
(Ananga Ranga)

Sentada erecta, a bela dama
uma perna dobra contra o corpo,
a outra estende pela cama,
o mesmo você fazendo:
é Yugmapada (o Julgo dos Pés).
(Ratirahasya)

Com a perna esquerda estendida,
se ela lhe enlaça a cintura com a direita,
o tornozelo pondo sobre a coxa esquerda,
e tal postura também você assume,
é Svastika (a Suástica).
(Srngararasaprabandhadipika)

Na cama sentados, frente a frente,
os seios dela no seu peito comprimindo,
os calcanhares se engancham
por trás da cintura do outro,
e para trás se inclinam, pulsos segurando.

O balanço ponha em movimento,
a sua amada, em medo simulado,
a seu corpo aderindo com pernas impecáveis,
de amor arrulha, geme de prazer:
assim é Dolita (o Balanço).
(Srngararasaprabandhadipika)

Sentados frente a frente,
os dedos de seus pés os mamilos dela acariciam,
os pés dela em seu peito comprimidos
e fazem amor, as mãos se dando,
é Kaurma (a Tartaruga).
(Srngararasaprabandhadipika)

Sentada, a mulher ergue
um pé sobre a cabeça, na vertical aponta
e com as mãos o firma,
a yoni ao amor oferecendo:
é Mayura (o Pavão).
(Srngararasaprabandhadipika)

Sentado erecto, a cintura pegue da amada
e a puxe contra você,
as virilhas golpeando sem parar,
com o som do bater de orelhas de elefante:
assim é Kirtibandha (Nó de Fama)
(Panchasayaka)

Entre as coxas dela ajoelhado,
os seios coce, sob os braços,
de “meu querido amor” a chame,
marcas de unha lhe faça nos mamilos:
assim Jaya (Vitória) se consuma.
(Srngararasaprabandhadipika)

Grupo Bandha – Textos Medievais
Quando você senta com seus braços
e pescoço da amada enlaçando
e ela as palmas pressiona
contra o seu coração, batendo forte,
é Nagara (o Caminho da Cidade).
(Smaradipika)

Aos pescoços um do outro segurando,
sorvendo ternos beijos
do lábio inferior, como botão,
as coxas firmemente enredadas,
fazendo amor: é Pallava (a Folha Nova).
(Srngararasaprabandhadipika)

Quando sentado os braços você passa
sob as coxas levantadas da amada,
os dedos se cruzando por trás de seu pescoço
e assim lhe fazer amor,
é Sanyama (a Controlada).
(Ananga Ranga)

As mãos cruzando
sob os próprios joelhos,
os ombros um do outro segurando,
o duplo engate
se chama Bandhura (o Nó Curvo).

(Ratikallolini)

À sua frente sentada,
a amada passa os braços sob as próprias coxas
e dedos entrelaça por trás de seu pescoço,
o mesmo exactamente você faz,
é Bandhurita (o Nó Curvo)
(Ananga Ranga)

Se a amada seu pescoço enlaça
e seus braços entre os dela igual enlaçam,
assim fazem amor, bem juntos,
diz Kalyana Malla, Príncipe dos poetas,
é Phanipasha (Nó da Cobra).
(Ananga Ranga)

Posições de Pé

Do Kama Sutra

Vamos agora às posturas de amor
com que os escultores adoram nossos templos
Quando um casal faz amor de pé
ou se firmando em parede, numa coluna,
se dá o nome Sthita (Firmada)

Quando a mulher senta nas mãos do amado
aninhada, os braços ao pescoço enlaçam,
as coxas a cintura apertam,
os pés contra a parede em balanço,
é Avalambitaka (Suspensa).

Do Textos Medievais
Quando a amada pega e esmaga
na jaula dos seus braços,
os joelhos com os seus força a abrirem
e nela afunda lentamente,
é Dadhyayataka (Coalho Remexido).
(Panachasayaka).

Quando na parede ela se encosta,
os pés abertos, até onde possível,
e você entra na caverna
entre as coxas, ansioso pelo amor,
é Sammukha (Frente a frente).
(Ratiratnapradipika)

Se você numa parede encosta
e a amada as coxas trança pelas suas,
os pés em seus joelhos prende,
e seu pescoço agarra, fazendo amor
ardentemente, é Dola (o Balanço).
(Smaradipika)

Quando sua amada uma perna ergue,
o calcanhar deixando
aninhar-se logo atrás de seu joelho,
e você lhe faz amor, em braço vigoroso,
é Traivikrama (a Longa Passada).
(Ratiratnapradipika)

Se um joelho da amada você pega,
em sua mão, bem firme,
e de pé lhe faz amor,
as mãos por seu corpo acarinhando,
é Tripadam (o Tripé).
(Panchasayaka)

Se uma perna ela ergue
e o mimoso pé você pega,
os seios acarinhando,
dizendo o quanto a ama,
é Ekapada (Um Pé).
(Srngararasaprabandhadipika)

O seu coração o pé da amada pressiona,
seus braços a envolvem e sustentam,
as costas na parede se apoiam
e você desfruta a linda jovem:
assim é Veshta (o Envolvimento).
(Smaradipika)

Na parede ela se encosta,
as mãos em lótus nos quadris,
dedos longos ao umbigo se estendendo,
um pé você lhe pega em sua palma,
a outra mão seu anjo acarinhando.
Ao pescoço da amada passe o braço
e a desfrute, com ela à vontade.

Vatsyayana e muitos outros
que a arte do amor bem conheceram
à postura um nome davam: Tala (a Palma).
(Ratiratnapradipika)

Numa parede encostada,
a amada ao seu pescoço agarra
e os pés levanta,
em suas palmas, para o amor:
é Dvitala (Duas Palmas).
(Ratirahasya)

Se a amada você ergue,
seus cotovelos sob os joelhos dela,
a bunda lhe agarrando,
enquanto ela se pendura em seu pescoço,
é Janukurpara (O Joelho-Cotovelo).
(Ratiratnapradipika)

Sua esposa o pescoço lhe segura,
as pernas trança, na cintura sua:
assim é Kirti (Fama), uma postura
que não se encosta no Kama Sutra.
Jamais a tente se a amada muito pesa.
(Ananga Ranga).

Posições de Penetração por Trás
Do Kama Sutra
Se de quatro ela fica,
as palmas no tapete estendidas,
e você a monta como um touro,
acarinhando as costas, em vez dos seios,
é Dhenuka (a Vaca Leiteira).

Aos animais imitar divertido pode ser,
como cães, veados, bodes,
movimentos copiando, a seus gritos:
atacar abruptamente, como o asno,
as costas arquear, como gatos sensuais.

Como o tigre ataque; nas costas dela
lentamente suba, qual solene elefante;
pode grunhir, qual javali;
com orgulho a cubra, um garanhão:
são jogos que novas coisas ensinam.

Dos Textos Medievais

Para a frente ela se inclina e pega
a armação da cama, a bunda levantada;
suas mãos como serpentes se insinuam
e os seios junto apertam:
é Dhenuka (a Vaca Leiteira).
(Srngararasaprabandhadipika)

Se você a monta como um cão,
sua cintura agarrando,
ela se vira para seu rosto olhar,
quem conhece as artes do amor
chama Svanaka (o Cão).
(Srngararasaprabandhadipika)

Se a amada, pelo amor ansiosa,
de quatro fica, lombo erguido, como a corça,
e por trás você a desfruta,
como se a natureza humana perdesse,
é Harina (o Cervo).
(Panchasayaka)

Os pés em lótus,
no chão bem aparados, ela se inclina,
cada mão sobre uma coxa,
por trás você a toma:
é Gardabha (o Asno).
(Srngararasaprabandhadipika)

Se de barriga ela deita
e com as mãos você lhe agarra os tornozelos,
bem alto levantando e o amor fazendo,
o queixo para trás puxando com a outra mão,
é Marjara (o Gato).
(Srngararasaprabandhadipika)

De frente ela se deita,
com as mãos seus tornozelos pega,
para trás bem alto levantando:
a esta difícil postura quem conhece dá o nome
de Mallaka (o Lutador).
(Panchasayaka)

Quando sua amante deita,
seios, braços, testa no tapete,
a bunda bem alto elevando,
e você guia o pénis à yoni,
é Aibha (a Elefanta).
(Ratirahasya)

Bem alto você ergue os tornozelos dela,
ela se estica,
as pernas estendendo,
como pelo ar a rastejar:
é Hastika (o Elefante).
(Srngararasaprabandhadipika)

De quatro ela fica,
por trás você se põe,
um dos pés ao ombro leva,
a linda jovem desfruta:
é Traivikrama (a Passada).
(Panchasayaka)

Os pés dela alto erga
(como um carrinho de mão),
o pénis na yoni enfie
e a sacie com golpes vigorosos
é Kulisha (o Raio).
(Smaradipika)

De joelhos, como arqueiro,
em seu colo a pegue
e dobre para frente, até que os seios
nas coxas dela se comprimam:
é Ekabandha (Um Nó).
(Smaradipika)

De lado deitada, contra você virada,
a linda jovem, olhos de corça,
a bunda lhe oferece
e seu pénis entra na casa do amor:
é Nagabandha (o Elefante).
(Panchasyaka)

Amor Exótico – Kama Sutra
Suvarnanabha diz ser uma delícia
fazer amor em águas fundas:
os nós mais complexos, contorções,
posturas da yoga e do templo,
com prazer e fáceis se dominam.

Mas o conselho é sem valor,
diz Vatsyayana: contradiz ensinamentos
dos santos sábios, dos smritis,
por Gotama é proibido: “O casal
que na água copula será amaldiçoado.”

Quando você na cama faz um trio
com duas esposas que gostam,
é Sanghataka (o Par).
Se a muitas deleita a um só tempo,
é Goyuthika (a Manada).

Qual manada de elefantes
no calor do verão se refrescando,
uma incursão você faz com as esposas
a algum remanso de um rio, à sombra:
é Varikriditaka (o Jogo da Água).

O papel você assume
de carneiro, garanhão,
entre o rebanho das concubinas.
A mulher que aprecia dois ou mais
amantes desfrutar desse jogo vai gostar.

Nas montanhas em que vivem os Nagas,
em Balkh, Strirajya,
frustadas damas de casas reais
rapazes sempre atraem
e seus haréns, onde os escondem.

Uma rainha no colo de um homem senta,
enquanto outro a penetra
e mais um seu corpo cobre de beijos,
unhadas e mordidas de amor,
os três se revezando, até que ela se canse.

Em terras civilizadas, há que ressaltar,
essas sessões de orgia são prerrogativas
de cortesãs e prostitutas
só bem raro alguém ouve falar
de princesas se entregando aos sirdars.

Os povos das terras do sul
se afeiçoam à sodomia
e praticam livremente com homens e mulheres.
Sexo oral e inversão dos papéis
também aqui serão tratados.

Inversão de Papéis

Primeiro, os meios de excitar e saciar
uma difícil amante.
Comece por atraí-la para a cama
e a enleve com palavras doces,
antes de abrir furtivamente o nó da saia.

Se ela tentar impedi-lo, beije-a,
suplicante, até que o desejo prevaleça.
Quando seu pénis rígido subir,
faça-a senti-lo, gentilmente,
comprimindo e acarinhando as coxas.

Se for a primeira vez em que se deitam,
ela certamente há de protestar
quando a mão entre as coxas você estender
e prontamente as fechará:
acaricie até as coxas tornem a se abrir.

Embale agora as suspeitas
fingindo as mãos pelos seios atraídas,
a garganta, braços, os quadris.
Isto é muito importante com as virgens
que sempre exigem carícias infindáveis.

Se é mulher de experiência,
do recurso terá conhecimento,
pelos cabelos a pegue,
vire a boca para beijos,
nas faces plante mordidas de amor.

Se a amada é virgem,
fechados os olhos e tímida estará,
seu trabalho às cegas deve ser,
pois nos belos olhos das mulheres
quem sabe ler encontra segredos de amor.

Quando a carícia é vibrante,
os olhos dela para cima se reviram
em êxtase, ao que diz Suvarnanabha.
Deixe que os olhos dela a carícia escolham
e sua amada logo ardente há de ficar.

Quando para o amor ela estiver pronta,
as pernas pesadas há de sentir,
os movimentos lentos, langorosos,
os olhos ela fecha e comprime
o templo do amor contra você.

Você sente que o orgasmo dela é iminente
quando os braços começam a tremer,
o corpo de suor se torna lúbrico,
ela morde, arranha,
agita as pernas, incontrolável.

Se ao orgasmo você chega
enquanto ela à beira ronda,
o agarra, não o solta,
a amada em paixão desesperada
continua a arremeter, com frenesi.

Para que tal não aconteça
você deve prepará-la,
antes do amor, formando os dedos
em romba de elefante e acarinhando
a yoni dela, até molhada estar.

Durante o amor, dez golpes você pode
com o pénis desferir,
mas apenas Upasripta (Natural),
instintivo até para quem não conhece,
ao clitóris estimula plenamente.

É um golpe para cima bem suave
que se pode variar na profundidade,
rapidez, em ritmo subtil,
tão espontâneo,
que os outros nove jamais hão de alcançar.

Se o pénis você pega e move
em círculo na yoni,
é Manthana (Batedeira).
Se o pénis comprime, implacável, a yoni,
Quando golpeia bem fundo na yoni,
é Hula (a Faca de Duplo Gume).

Os quadris dela numa almofada erguidos,
se você desfere um golpe vigoroso
para cima, é Avamardana (Pontada).
Se o pénis comprime, implacável,
a yoni, é Piditaka (Pressão).
Se for completo você sai
e depois ataca, violento,
é Nirghata (o Tapa).

Pressão contínua num lado da yoni
é Varahaghata (Golpe do Javali).
Se por todos os lados você arremete,
como um touro os chifres enfiando,
é Vrishaghata (o Golpe do Touro).

Um tremor na yoni é Chatakavilasa
(Canto do Pardal), que o orgasmo anuncia.
À convulsão involuntária do orgasmo
se dá nome de Samputa (Caixa de Jóia).
Mas não há duas mulheres que o amor
igual façam e assim varie seus ritmos
pelos ânimos e cores da raga da amada.

Se o amor longo o esgota
antes que a amada o orgasmo alcance,
você deve permitir
que ela de costas o vire e monte,
a iniciativa tomando.

Se a postura a ela dá prazer
ou se você desfruta a novidade,
ela pode tornar a mudança em rotina,
embora cuidado extremo sempre tome
para a linga não sair do templo do amor.

Uma amante hábil os papéis
troca sem romper os ritmos do amor.
Se o amor você já fez,
ela pode bem fácil despertá-lo,
assumindo o papel de homem desde o início.

Pense um pouco: em você ela monta,
caindo flores dos cabelos desgrenhados,
os risinhos em ofegos se tornando,
a cada vez que se dobra para o beijo,
os mamilos seu peito perfuram.

Os quadris dela se remexem agora,
a cabeça, para trás jogada, mais depressa
se balança, ela arranha, com os punhos
o agride, os dentes lhe crava no pescoço,
em você fazendo o que tantas vezes fez a ela.

Ela grita, conquistadora inebriada:
“Você me doma, agora é humilhado!”
Mas o orgasmo a domina abruptamente,
os lindos olhos fechando,
ela a você se anima, outra vez mulher.

Quando o papel do homem assume,
sua amada escolher pode
três famosas técnicas de amor:
Samdmsha (a Pinça),
Bhramara (a Abelha), Prenkholita (o Balanço).

Se o Truque da Égua ela usa,
seu pénis com a yoni apertando,
comprimindo e afagando,
a mantê-lo por tempo infindável,
é Samdamsha (a Pinça).

Se ela ergue os pés
e os quadris gira, seu pénis
bem fundo na yoni circulando,
e você arqueia o corpo em sua ajuda,
é Bhramara (a Abelha).

Se agora os quadris ela balança
em largos círculos, fazendo oitos,
no seu corpo balançando,
como se andasse de gangorra,
é Prenkholita (o Balanço).

Quando a paixão se esvai,
ela deve repousar, à frente se inclinar,
a testa sobre a sua,
sem romper a união dos corpos:
o desejo logo há de renascer.

Dos Textos Medievais

O seu pénis segurando, a amada,
olhos revirados qual pétalas de lótus,
o guia para yoni,
a você se agarra, a bunda mexe:
é Charunariksshita (Bela Dama no Comando).
(Ratikallolini)

Em seu pénis entronizada,
as mãos na cama a amada põe
e faz amor, enquanto você
as mãos comprime no coração dela:
é Lilasana. (Assento do Amor).
(Smaradipika)

Sobre você ela senta, empertigada,
cabeça para trás, qual égua empinada,
os pés unindo,
na cama, ao lado de seu corpo:
é Hansabandha (o Cisne).
(Srngararasaprandhadipika)

A amada põe um pé
em seu coração, outro na cama.
Mulher ousada adora esta postura,
que no mundo se conhece
por Upavitika (Cordão Sagrado)
(Panchasayaka)

Se com um pé
preso em sua mão
e o outro em seu ombro,
a jovem dama o desfruta,
é Viparitaka (Invertida).

Se a amada, em você sentada,
os pés cruzados em lótus,
o corpo erecto, imóvel,
lhe faz amor,
é Yugmapada (Jugo dos Pés).
(Ratiratnapradipika)

Por cima de você sentada,
os pés cruzados, na pose do lótus,
ela cruza os braços por baixo
e as palmas no chão encosta:
é Kukkuta (o Frango).
(Srngararasapradhadipika).

A cavaleiro em você,
ela se vira e um pé em sua coxa põe,
o outro pé levantando
para um seu peito pôr:
é Viparitaka (Invertida).
(Ratimanjari)

Se em você ela senta,
de frente para os seus pés,
os pés dela às suas coxas conduzindo,
os quadris meneando em frenesi,
é Hansa-lila (o jogo do Cisne).
(Smaradipika).

Se a sua amada um pé coloca
em seu tornozelo, o outro aloja
logo acima de seu joelho,
e assim montada, os quadris mexe,
é Garuda (Garuda)
(Srngararasaprabandhadipika).

Se de costas você deita
com as pernas estendidas
e a amada o monta, ao outro lado
virada, os pés lhe segurando,
é Vrisha (o Touro).
(Srngararasaprabandhadipika).

Com os membros se enlaçando,
a beijar e a brincar,
em mil e um jogos de amor,
a amada seu papel usurpa:
é Valli (a Trepadeira).
(Srngararasaprabandhadipika)

Sobre você deitada, a amada
gira, como uma roda,
as mãos pela cama comprimindo,
seu corpo beijando, enquanto vira:
é Chakrabandha (a Roda).
(Srngararasaprabandhadipika)

Se, por meio de algum mecanismo,
a amada sobre você suspeita fica,
seu linga encaixa em sua yoni
e sobe e desce sem parar,
é Utkalita (Orissana).
(Ananga Ranga)

O Comentário Final

Mesmo a tímida, recatada,
que seus sentimentos oculta,
ao desejo simulando indiferença,
não pode evitar demonstrar sua paixão
quando sentada sobre um homem no amor.

Mas jamais assim brinque
com uma mulher menstruando
ou que acabou de ter um filho,
muito menos com mulher-corça,
grávida ou por demais pesada.

 

 

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/kama-sutra-texto-completo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/kama-sutra-texto-completo/

A Vida na Grécia Antiga

A Grécia da Antigüidade, que se desenvolveu entre 2000 a.C. e 500 a.C., nos legou a herança de sua cultura que atravessou os séculos, chegando até os nossos dias. Foram influências no campo da filosofia, das artes plásticas, da arquitetura, do teatro, enfim, de muitas idéias e conceitos que deram origem às atuais ciências humanas, exatas e biológicas.

Não se pode confundir a Antigüidade grega com o país Grécia que existe hoje. Os gregos atuais não são descendentes diretos desses povos que começaram a se organizar há mais de quatro mil anos atrás. Muita coisa se passou entre um período e outro e aqueles gregos antigos perderam-se na mistura com outros povos. Depois, a Grécia antiga não formava uma nação única, mas era composta de várias cidades, que tinham suas próprias organizações sociais, políticas e econômicas.

Apesar dessas diferenças, os gregos tinham uma só língua que, mesmo com seus dialetos, podia ser entendida pelos povos das várias regiões que formavam a Grécia. Esses povos tinham também a mesma crença religiosa e compartilhavam diversos valores culturais. Assim, os festivais de teatro e os campeonatos esportivos, por exemplo, conseguiam reunir pessoas de diferentes lugares da Hélade, como se chama o conjunto dos diversos povos gregos.

A Grécia de 4.000 anos atrás era formada por ilhas, uma península e parte do continente europeu. Compunha-se de várias cidades, com seus Estados próprios, que eram chamadas de cidades-Estados. Essas cidades localizavam-se ao sul da Europa, nas ilhas entre os mares Egeu e Jônio. As cidades gregas de maior destaque na Antigüidade foram Atenas, Esparta, Corinto e Tebas. Essas cidades comercializavam e ao mesmo tempo guerreavam entre si. As guerras eram motivadas pelo controle da região e para se conseguir escravos e os prisioneiros de guerra, que moviam grande parte da economia daquelas sociedades.

Os cidadãos naturais da cidade e proprietários de terras tinham direitos políticos e podiam se dedicar a atividades artísticas, intelectuais, guerreiras e esportivas. Isso indica que as pessoas com mais prestígio e propriedade cuidavam exclusivamente do aprimoramento do corpo e da mente. Os mais pobres e os escravos eram os que movimentavam a economia, fazendo o trabalho braçal, considerado, então, como algo desprezível.

Esses diversos povos gregos organizaram-se e ganharam força por volta do ano 2.000 a.C. A cultura grega tornou-se tão importante porque foi a síntese, o resumo, de diversas outras culturas da Antigüidade, dos povos que viveram na África e no Oriente Médio. Assim, os gregos conheceram os cretenses, que eram excelentes navegadores. Tiveram contato com os egípcios, famosos nos nossos dias pelo complexo domínio de conhecimentos técnicos que possuíam e por sua organização social.

A influência dos fenícios também foi importante na cultura grega. Os fenícios daquela região haviam inventado o alfabeto cerca de 1.000 anos a.C. Esse alfabeto foi aperfeiçoado pelos gregos, que por sua vez deu origem ao alfabeto latino, inventado pelos romanos. A língua portuguesa tem origem latina.

Todo esse processo demonstra como ocorreram freqüentes intercâmbios entre os povos ao longo da história da humanidade, embora muitos conhecimentos e invenções tenham se perdido ou deixado de fazer sentido quando essas civilizações desapareceram.

As cidades-Estados sobre as quais sobreviveram mais informações são de Atenas e Esparta. Essas sociedades eram bem diferentes e freqüentemente lutaram uma contra a outra. A sociedade espartana era considerada rígida em termos de regras, tipo “espartana”, e em Esparta, os homens viviam para a vida militar. Eles só podiam casar depois de terem sido educados pelo Estado, em acampamentos coletivos onde viviam dos 12 até os 30 anos. Para o governo, existiam os conselhos de velhos, que controlavam a sociedade e definiam as leis. As mulheres espartanas cuidavam da casa e tinham também uma vida pública: administravam o comércio na ausência dos homens.

Atenas, que foi considerada o exemplo mais refinado da cultura grega, teve seu apogeu cultural e político no século 5 a.C. Na sociedade ateniense, diferentemente de Esparta, as decisões políticas não estava nas mãos de um conselho, mas sim no governo da maioria, a democracia. Dentro desse sistema, todos os cidadãos podiam representar a si mesmos, sem eleições, e decidir os destinos da cidade. Ao mesmo tempo em que Atenas abria o espaço para os cidadãos, reservava menor espaço para as mulheres do que na sociedade espartana. Em Atenas, as mulheres, assim como os escravos, não eram consideradas cidadãs.

No entanto, após o esplendor de Atenas no século 5 a.C., as cidades-Estados gregas foram perdendo seu poder e acabaram conquistadas e unificadas pelos macedônios, no século 4 a.C. Sob o domínio de Alexandre, o Grande, a cultura grega se expandiu territorialmente, indo do Egito à Índia, num processo em que simultaneamente influenciava e sofria influências. Essa cultura que correu mundo, tendo como raiz a tradição grega, foi chamada de cultura Helenística.

No século 1 a.C., os romanos chegaram à Grécia antiga, conquistando-a. Ainda que Roma tenha incorporado a maior parte dos valores gregos, inaugurando a cultura greco-romana, os povos gregos da Antigüidade não conseguiram mais obter sua autonomia política e assim foram, ao longo dos séculos, desaparecendo.

Por Lúcia de Belo Horizonte.

#Mitologia #MitologiaGrega

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-vida-na-gr%C3%A9cia-antiga

A Montanha de Ouro e o Quadrado Redondo

Alexius Meinong chocou o mundo no início do século XX afirmando alegremente a existência de objetos não existentes: em sua ontologia, coisas como montanhas de ouro, quadrados redondos e unicórnios são tidas como reais. Segundo Meinong, já que é possível falar a respeito de objetos não existentes, eles devem possuir alguma forma de existência, mesmo que seja em algum outro mundo possível. O repositório de tais objetos inusitados é comumente chamado de “selva de Meinong”.

A teoria do realismo modal de David Lewis ajuda a dar sustento a essa tão simpática ontologia. Lewis traduz a sentença: “unicórnios poderiam existir” por “existem unicórnios em outro mundo possível”. Como eu costumo dizer, Leibniz pode ter se equivocado ao afirmar que nós vivemos no melhor dos mundos possíveis, já que aparentemente não habitamos o mundo dos unicórnios.

Em seu livro “On the Plurality of Worlds” o autor defende a existência de seres como dragões e burros falantes. Trata-se de uma leitura bastante edificante, na qual o autor nos lembra que há mundos possíveis nos quais nós somos ovos cozidos. Infelizmente, o autor aponta a dificuldade ou impossibilidade de haver contato entre esses mundos e nos lembra que há um preço a pagar para entrar nesse paraíso filosófico.

Em suas palavras:

“Algumas de nossas opiniões são mais firmes e menos negociáveis do que outras. E algumas são mais ingênuas e menos teoréticas do que outras. E parece haver uma tendência para as mais teoréticas serem mais negociáveis”

O quadrado redondo é particularmente problemático, pois aparentemente trata-se de uma contradição lógica. A teoria de objetos de Meinong gerou debates no campo da filosofia da linguagem, mas o quadrado redondo parece violar a lei da contradição (a segunda das três leis clássicas do pensamento), a qual nos diz que afirmações contraditórias não podem ser ambas verdadeiras, no mesmo sentido e ao mesmo tempo. Mas é claro que uma definição como essa dá espaço para muitos malabarismos epistemológicos.

Há muitos outros sistemas de lógica em uso hoje em dia além da lógica clássica aristotélica, especialmente para complementá-la. A lógica modal, conforme foi previamente referida, acrescenta o princípio da possibilidade. Eu sou um ser humano nesse mundo possível, mas eu poderia ter sido um ovo cozido. E Lewis defende que, de fato, existe um mundo em que eu sou um ovo cozido e isso não contradiz o fato de eu ter forma humana nesse mundo.

Uma possível solução para o problema dos objetos não existentes é a “estratégia da cópula dual”. Na cópula do quadrado redondo é dito que o quadrado redondo possui a propriedade de ser redondo, a propriedade de ser quadrado, todas as propriedades sugeridas por essas duas e nenhuma outra. Ele não clama a propriedade de existência física, mas apenas de existência. Eu não posso ter ao mesmo tempo uma maçã que é uma banana, ou duas maçãs que são quatro maçãs, mas eu posso construir um sistema axiomático em que dado número tenha a propriedade de ser 2 e também de ser 4 (se certas condições forem estabelecidas) se isso for interessante e divertido. Para mais detalhes a respeito dos jogos axiomáticos, leia o post “Mudança de Paradigmas na Ciência“.

É claro que se eu mudo as regras do jogo atual, isso resultará num jogo diferente. Por isso David Lewis nos alerta que, embora possamos negociar especialmente a parte teórica, há um preço a pagar. Você quer tanto assim um quadrado redondo? O que está disposto a sacrificar por ele? Até mesmo axiomas clássicos da matemática? Só porque os teoremas da incompletude de Gödel estabelecem limitações a variados sistemas axiomáticos, você acha que pode criar triângulos retangulares apenas para jogá-los numa selva bastante exótica e encontrar dificuldades sérias para visitá-los?

Talvez você queira me dizer: “Eu prefiro uma montanha de ouro do que um quadrado redondo!” mas eu garanto que incontáveis filósofos sacrificariam essa tentação para em vez disso conquistar o lendário quadrado redondo (cuja existência é bem mais difícil de provar!), que, assim como a quadratura do círculo, tem atormentado mentes desde a Antiguidade. Segundo Emanuel Swedenborg, a quadratura do círculo, por exigir um número infinito de etapas, só poderia ser feita por Deus, que é infinito.

E já que falamos de Deus, o termo “quadrado redondo” já foi bastante usado exatamente para referir-se a algo que Deus não pode fazer. Tomás de Aquino diz que até mesmo um Deus onipotente não pode realizar atos logicamente impossíveis, como criar um triângulo quadrado ou uma pedra que nem mesmo Deus pode erguer (paradoxo da força irresistível). Contudo, devemos lembrar que a filosofia escolástica, e particularmente São Tomás, se basearam fortemente na lógica aristotélica.

Através da lógica modal podemos simplesmente colocar o quadrado redondo na selva de Meinong ou num dos mundos possíveis de Lewis. Alguns ainda se aborrecem com essa solução, já que não acreditam em mundos como esses, uma vez que nunca houve nenhum relato de alguém que tenha pisado nesses lugares e retornado são a nosso mundo. Também nunca ouvimos relatos de alguém que tenha visitado o mundo das ideias de Platão, com seus círculos perfeitos e entidades numéricas, mas as pessoas usam os números mesmo assim porque, independente de existirem ou não, eles são práticos.

Quem sabe, se alguém encontrar uma utilidade para o quadrado redondo, ele seja promovido ao respeitável reino dos objetos existentes. Uma solução elegante seria utilizar o quadrado redondo para resolver o problema da quadratura do círculo e matar dois coelhos com uma só cajadada. Possivelmente isso exigiria um ato de magia negra tão grandioso do qual somente demônios poderiam se ocupar.

Existem incontáveis teorias ontológicas bizarras (e perdidamente adoráveis!) pairando por aí. Uma das minhas favoritas é a de Berkeley, apresentada em “Três Diálogos entre Hylas e Philonous”. Berkeley defende que o mundo material não existe. Segundo ele, acreditar que a matéria possui existência absoluta é uma visão mais cética do que acreditar que a matéria depende da mente, pois dar uma existência absoluta à matéria seria considerá-la eterna e segundo Berkeley é eterno somente Deus e as almas. Os objetos só não desaparecem instantaneamente quando paramos de olhá-los porque Deus está sempre olhando para tudo.

Por que teorias que defendem a existência de objetos inexistentes e questionam a existência dos objetos existentes são tão importantes? Por uma simples razão fundamental: devido à crença atual quase irrestrita no materialismo.

Na época em que vivemos é comum acreditarmos que o mundo material é real e não questionamos isso. Não nos perguntamos seriamente se isso é realmente verdade. Simultaneamente a essa crença está a descrença em realidades espirituais como Deus e espíritos. Normalmente, partimos do pressuposto de que o transcendente não existe e de que a mente é uma mera extensão do cérebro.

Ao longo da nossa história, o materialismo foi bastante raro. Houve os charvakas na Índia, que perderam a continuidade de sua tradição por volta do século XII. Houve também tradições chinesas, mas no que diz respeito à filosofia ocidental, além de alguns pré-socráticos só se ouviu falar disso novamente de forma consistente por volta do século XVIII.

Ainda assim, muita gente toma como óbvio que o materialismo é evidente. E muitos que afirmam não crer no materialismo, agem como se ele fosse a verdade.

Muitas pessoas religiosas ao nosso redor, ou que simpatizam com religiões como cristianismo, budismo, hinduísmo ou qualquer outra, embora aceitem os princípios de sua religião, não compreendem de verdade no que isso implica. Ou aceitam esses princípios apenas superficialmente, sem se preocupar em aplicá-los na vida diária.

Os budistas afirmam que esse mundo é uma ilusão. Então por que tantos budistas se comportam como se não fosse, se apegando a tantas coisas? Os cristãos acreditam que existe Deus e vida após a morte, então por que ficam sempre tão ansiosos com as coisas desse mundo, com medo de adoecer e com medo de ficar sem dinheiro? A crença em Deus deveria bastar para se ficar em paz. Por que é tão difícil encarnar esses ensinamentos?

Eu acredito que a razão principal disso é que o materialismo está tão impregnado em nossa mente, a ponto de atingir os ossos, que não nos permite viver de outra maneira. Creio que o estudo aprofundado de metafísica é um bom começo para passarmos a exorcizar o materialismo de nossas mentes, tendo em vista encará-lo como apenas uma possibilidade dentre um universo de outras teorias.

Infelizmente, muitos daqueles que acreditam em Deus e alma geralmente encaram isso de forma subjetiva. Veem Deus como apenas algo dentro deles e não fora. Acham que céu e inferno são metáforas. É verdade que para religiões como budismo e hinduísmo é preciso quebrar a nossa noção de identidade (destruindo a separação entre aquilo que há dentro de mim e fora de mim), mas religiões como as abraâmicas exigem a crença nessa separação objetiva. Posteriormente devemos nos esvaziar de nós mesmos pela humildade para que reste apenas a presença de Deus em nós, mas antes disso é preciso respeitar a metafísica da religião, para que tal etapa seja possível.

Para que o budista possa avançar em sua espiritualidade, ele deve acreditar que a existência do mundo constitui apenas agregados mentais. Ele não deve apenas aceitar isso superficialmente. Deve acreditar com todas as suas forças. As experiências meditativas irão dar-lhe uma noção mais forte dessa realidade, mas em todo o tempo em que não estiver meditando o budista deverá estudar sua religião seriamente para se munir de argumentos lógicos fortes que provem que é racionalmente aceitável que as coisas materiais não tenham uma “coisa em si”, tal como defendido por Berkeley.

O judeu, cristão ou muçulmano deverá crer profundamente, “de todo seu coração, de toda sua alma, de todas as suas forças e de todo seu entendimento” (como diz Lucas) que Deus existe como realidade objetiva e transcendente fora da mente, e não somente como alma dentro de nós. Deus também deve ser entendido como estando dentro de nós, mas essa é sua parte imanente. A religião só faz sentido quando se crê na realidade espiritual (nem material e nem conceitual) de Deus.

Isso tudo também tem relação com o velho problema dos universais, que remonta a Platão, e tem como possíveis soluções posições como realismo, idealismo e nominalismo. A posição de muitas religiões sobre realidades espirituais é o realismo: a “ideia Deus” como realidade no mundo das ideias platônico, ou mundo espiritual, que contraria a visão de Deus como ideia na mente (idealismo) ou nome, mera definição (nominalismo). Por isso, querer usar a definição de “quadrado redondo” para promovê-lo ao mundo dos objetos existentes é um salto ousado, mas possível.

Tentar entender uma religião não materialista adotando um paradigma materialista só poderá resultar em fracasso. Será como tentar beber uma sopa com um garfo. Por mais que você se esforce, enquanto não estiver determinado a realmente abandonar as suas crenças as quais sempre foi tão apegado, não obterá um real progresso. E começará a chamar essas religiões de supersticiosas e ilógicas, incapaz de identificar as próprias superstições dentro de você.

A maior parte das religiões ou sistemas de crenças espirituais não têm o objetivo de dizer que o mundo material é sujo e cruel. No cristianismo é dito que o nosso mundo é bom, Deus o criou e viu que era bom. Nós podemos ter prazeres nesse mundo, mas o prazer não é tudo que existe e tampouco é o objetivo da vida. Há outro mundo além desse e ele não existe apenas dentro de sua mente. Você possui uma alma imortal, que não deve ser entendida de forma metafórica. Já o budismo diz que a vida é sofrimento, mas também diz que o nascimento humano é o ideal para alcançar o objetivo da vida (a Iluminação) já que nós não sentimos tantas dores como os demônios e nem tanta paz como os anjos, podemos nos focar no nirvana.

No momento em que você opta por certo sistema de crença, não deve tentar interpretá-lo como um curioso desapaixonado. Deve ser como um antropólogo, que tentará pensar como eles, viver como eles, comer como eles. E não praticá-lo pela metade, doando apenas uma parte de você. A entrega mental deve ser total.

É claro, você não tem tempo para isso, precisa estudar, trabalhar e ter lazeres, mas você pode fazer tudo isso e ainda realizar a entrega mental, que exige sacrificar apenas uma coisa muito preciosa para nós: o orgulho de pensar que já sabemos o que é o mundo.

Os magistas do caos geralmente conseguem se adaptar a um grande número de sistemas de crença, porque embora não interpretem literalmente o “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”, eles investigam seriamente suas possibilidades. Eles sabem que o materialismo não é o único paradigma existente e nem o melhor. Sabem que até mesmo a lógica e a matemática estão sujeitas a falhas e nossos sentidos físicos podem nos enganar. Como nos lembra a Teoria do Caos, uma montanha não é um cone perfeito. Não existem círculos perfeitos na natureza. Tomar a matemática como “verdade” e o mundo material como “real” sem maiores investigações, não é muito diferente de uma crença cega.

Em que mundo você prefere viver? Um mundo de unicórnios, montanhas de ouro e quadrados redondos? Ou um mundo de prazer material que termina com a morte? Para a pergunta “Céu é escapismo?” responde C.S. Lewis: “Quem fala mais contra ‘escapismo’? Carcereiros”. Enquanto uma pessoa tenta escapar para o céu, a outra tenta escapar com os prazeres dos sentidos. Mas enquanto tentarmos meramente escapar de alguma coisa, nós estaremos nos aprisionando ainda mais.

No momento em que nos propusermos a uma busca honesta pela verdade, aliando razão, emoção, experiências dos sentidos e uma mente aberta, não haverá o que temer: nem burros falantes e nem ovos cozidos. É claro que pode ser assustador desafiar nossas concepções de mundo. David Lewis não disse que o processo seria de graça. Pode ser bastante doloroso agora, mas lá no horizonte há uma montanha de ouro. E, se você tiver sorte, unicórnios.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-montanha-de-ouro-e-o-quadrado-redondo

O Senhor dos Exércitos

» Parte 3 da série “Todas as guerras do mundo” ver parte 1 | ver parte 2

Deixe-me dar-lhe adeus, todo homem tem de morrer.
Porém está escrito na luz das estrelas, e em cada linha de sua mão:
Nós somos tolos por guerrear com nossos irmãos de armas…
(Brothers in Arms, Dire Straits)

O ano de 1209 deixou marcado na história o sangue de milhares de homens e mulheres massacrados pela Cruzada Albigesa, comandada pelo Rei da França e “abençoada” pelo então Papa da Igreja de Roma. Um dos principais objetivos desta Cruzada em especial não era “converter” os muçulmanos nas terras distantes, mas sim arrasar aos cátaros, um movimento religioso surgido dentro do próprio catolicismo, e que pregava uma visão um tanto quanto mística das Escrituras.

Bastante influenciado pelo gnosticismo, o catarismo pregava o cristianismo puro (do grego katharós, “puro”). Falavam em amor, fé, tolerância, perdão e misericórdia por onde passavam. Os cátaros eram queridos pelo povo, pois pregavam que não era necessária uma intermediação dos eclesiásticos em seu contato com Deus – eles poderiam orar em qualquer local, e realizar suas próprias missas e rituais de adoração, sem a necessidade de um padre. Também defendiam que a salvação da alma se daria pelo conhecimento (gnose) e pelo amor, sendo desnecessário, aqui também, o envolvimento da Igreja.

Mas os cátaros também tinham ideias radicais. Eles não acreditavam que o mundo tivesse sido criado diretamente por Deus, mas que era uma materialização do Mal e que, portanto, os que aqui viviam estavam destinados à expiação até que, após uma vida destinada ao bem, voltassem ao Éden perdido. Enquanto não conseguissem isso teriam que reencarnar em sucessivas vidas na Terra… Ou seja: os cátaros eram excelentes candidatos a serem arrasados por uma Cruzada; Isto é, caso se recusassem a “conversão”, aceitando a Verdade das Escrituras (segundo a Igreja de Roma, é claro).

Bem, eles se recusaram… Em 1209 a cidade Béziers era habitada por cerca de 60 mil pessoas, dentre elas muitos cátaros. O problema é que nem todos eram cátaros, o que gerou um questionamento muito pertinente de um dos comandantes do exército francês ao representante do Papa, quando eles se preparavam para invadir a cidade com uma força militar vastamente superior. O comandante perguntou: “Mas senhor, nesta cidade encontram-se vivendo em paz cristãos, judeus, árabes e cátaros. Como vamos saber quais são os inimigos?”. E a Igreja assim o respondeu: “Matem todos; Deus escolherá os seus!”. Béziers foi dizimada, mas não se sabe se Deus conseguiu encontrar os seus…

A ideia da guerra do Bem contra o Mal é poderosa e sedutora, e por isso mesmo sempre agradou aos Imperadores, Reis e Papas. De todas as ilusões que se interpõe a verdade inconveniente de que, como já vimos, todas as guerras do mundo se dão pelo desejo da conquista de territórios e riquezas, a lenda do Bem contra o Mal é a mais simples de se compreender, e a mais capaz de arrebatar uma grande massa de ignorantes. Nesse tipo de guerra, não há dor na consciência em dizimar inocentes, nem mesmo em estuprar mulheres e crianças, pois fica pré-estabelecido que elas são como demônios sem alma, fruto de um suposto exército comandando pelo Mal.

Engana-se quem pensa que tal artimanha se perdeu na Era Medieval, pois ela é até hoje utilizada em muitas guerras preventivas e atos de terror… Para os terroristas islâmicos, os civis de Nova York eram tão demônios quanto os civis do Iraque o eram para o exército americano. Nas manchetes, porém, havia o anúncio: “O Iraque será libertado das garras do Mal”. E acreditou quem quis, ou fingiu acreditar.

Nas Escrituras há inúmeras menções ao Senhor dos Exércitos, que presume-se ser o Deus Bom. Ocorre que, se ele é o senhor de um exército, falta definir quem seria o senhor dos outros exércitos, os inimigos do Bem. Esta ideia está muito bem definida na mitologia do zoroastrismo. Nesta antiquíssima religião persa, anterior ao próprio judaísmo e ao início da produção das Escrituras, há uma série de crenças que até hoje se veem presentes em inúmeras religiões modernas [1]: a imortalidade da alma, o advento de um messias, a ressurreição dos mortos, o juízo final, etc. Mas o que nos interessa aqui é a própria essência do zoroastrismo, que prega que o mundo inteiro é tão somente o grande palco da luta de duas divindades. Aúra-Masda seria o Deus Bom, e Arimã o Deus Mal. Espera-se, é claro, que o Bem vença esta batalha eterna… Pois bem, e todo esse tempo acreditávamos que o Imperador Constantino havia encontrado no cristianismo o sistema religioso ideal para a manutenção de seu império, quando na verdade ele deveria agradecer mesmo era a Zoroastro [2], e não a Jesus.

Interessante, porém, como mesmo a Bíblia parece ser bem pouco clara em identificar quem seria exatamente esse tal Deus Mal. Dizem que é Lúcifer, um suposto anjo caído, mas não se sabe onde exatamente ele está descrito. “Lúcifer”, termo que significa “o portador de luz”, e na antiguidade era quase que sempre associado ao planeta Vênus [3], parece se referir a uma pessoa diferente cada vez que é citado nas Escrituras: em Isaias (14:12) refere-se a um ambicioso rei babilônico que caiu no mundo dos mortos; no Apocalipse (12:4 e 7-9), um verdadeiro hino pagão, ele é identificado (por seus outros nomes) como um imenso dragão, que lembrava uma serpente gigantesca; já no mesmo Apocalipse (22:16) e em II Pedro (1:19), o termo está se referindo ao próprio Jesus Cristo. Mesmo quando é supostamente citado indiretamente, como em Ezequiel (28), fala sobre um querubim, um anjo que esteve no Éden, mas foi condenado por desafiar a autoridade de Deus (assim como Adão e Eva o desafiaram, aliás).

Vamos simplificar um pouco, senão daremos ainda muitas voltas sem sair do lugar, e essa questão me parece tão simples que uma criança poderia resolvê-la para nós, desde que fosse deixada livre para pensar por si mesma:

O que é o Mal? Agir, por vontade própria, para infligir nos outros algo que não gostaríamos que os outros infligissem em nós.

O que é Deus? O ser ou força primordial que gerou tudo o que existe a partir de si próprio, de modo que, se não existisse Deus, nada mais haveria.

Pode haver outro ser incriado, como Deus? Não, pela lógica só poderá haver um único ser incriado. Se houvesse outro, ou se houvessem mais de um, haveriam de ter sido criados por ainda outro Deus anterior a estes.

Lúcifer é mal, e foi necessariamente criado por Deus. Isso faz de Deus um ser mal? Faria, se Lúcifer fosse mal desde o princípio. Mas ainda podemos resolver a questão considerando que Lúcifer, tal qual o querubim que desafiou Deus, nasceu bom, ou neutro, mas depois tornou-se mal.

Mas então, Lúcifer é eternamente mal? Não, se qualquer ser criado por Deus fosse eternamente condenado a ser mal ou, de fato, eternamente condenado a proceder sempre por um mesmo princípio moral, ainda que bom, isso faria de Deus não um criador de seres, mas de robôs ou fantoches. Como Lúcifer nasceu bom e tornou-se mal, nada impede que ele se arrependa e se torne novamente bom. Conhecemos, pela nossa história, inúmeros exemplos de homens maus que tornaram-se bons (dentre eles o próprio São Paulo, que antes fora Saulo). Se estes podem se arrepender, Lúcifer também pode.

Mas, digamos que Lúcifer até hoje é mal por vontade própria, o que ele pretende conseguir em sua luta contra o Deus Bom? Difícil dizer, mas o que fica óbvio é que Lúcifer não teria nenhum poder sobre Deus, e nenhuma esperança de um dia vencer tal batalha.

Se Lúcifer sabe que jamais poderá vencer, porque ele precisa das almas dos homens? Difícil dizer, mas talvez seja uma forma de aliviar sua insatisfação: já que não pode “evoluir” no mal, trata de trazer para junto de si outros seres, de modo que fiquem estagnados como ele.

E Deus seria um Deus Bom se permitisse tal estagnação, sem proteger os seus da “sedução” de Lúcifer? Obviamente que não. De fato, independente de existir ou não um ser como Lúcifer, por toda a Natureza podemos ver claramente que a estagnação é severamente punida; Não para o mal, mas para o bem dos seres, conforme um remédio amargo… A isto Charles Darwin intitulou “a guerra da fome e da morte”.

***

Eis que todas as guerras do mundo são mesmo uma mesma guerra. Mas não uma guerra religiosa, não uma guerra ideológica, não uma guerra lendária, e nem mesmo uma guerra por riquezas e territórios… Pois que todos os imperadores que marcharam pelo mundo brandindo a bandeira com o símbolo do Senhor dos Exércitos eram apenas cegos um pouco mais elevados que outros cegos, ignorantes pastoreando ignorantes, buscando no horizonte algo que sempre esteve dentro deles mesmos, mas não perceberam, não acordaram e nem tampouco iluminaram suas consciências… Marcharam e dizimaram, e talvez tenham até “convertido” alguém, mas tudo o que conquistaram foi apenas sangue e fumaça.

Mal sabiam eles o quão próximos estiveram, e ainda estão, do Reino que, uma vez conquistado, jamais poderá ser perdido…

» Na parte final, a guerra da alma…

***
[1] Na verdade o zoroastrismo ainda é praticado por cerca de 200 mil pessoas, em sua maioria na Índia e no Irã.
[2] Profeta mítico que criou o zoroastrismo.
[3] Ovídio menciona que cada novo dia começa quando “Lúcifer brilha radiante no céu, chamando a humanidade para seus afazeres diários. Lúcifer excede em brilho as estrelas mais radiantes”.

Crédito das imagens: [topo] Iluminura dos irmãos Limbourg, do inicio do século XV (uma das raríssimas representações medievais de Lúcifer ainda enquanto anjo, e que mostra exatamente a sua queda); [ao longo] Lawrence Manning/Corbis

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A História do Deus Mitra

Este estudo buscará enfocar o tema Mitra em cinco partes: a) as origens antigas do Deus; b) o culto e a liturgia do mitraísmo; c) a derrota frente ao cristianismo; d) resquícios mitraícos e sua influência sobre a maçonaria e e) como seria um mundo moderno mitraíco à guisa de conclusão. Utilizamos, para este trabalho, enciclopédias e diversos textos da Internet, principalmente o texto de Jean-Louis dB no “La parole circule”.

I – As Origens Antigas do Deus Mitra.

Existe muita controvérsia sobre a etimologia de Mitra. Na Índia védica, Mitra significava ‘amigo’, no persa avéstico era traduzido como ‘contrato’. Esta última definição é a que prevalece nos nossos dias, sendo pois Mitra a personificação do contrato. Segundo os etimologistas, Mit(h)tra é composto de um sufixo instrumental – “tra” – que significa instrumento de trabalho e de um prefixo “mi” que é encontrado em todas as línguas indo-européias sob diferentes raízes. “Mei” pode significar ainda “lugar, encontro”. Em sânscrito “mitram” significa “amigo”. Mitra significando, pois, ‘contrato’ e ‘amigo’ não se opõem realmente, visto que não existe amizade sem um engajamento mútuo. Não se fala em ‘pacto de amizade’? Mitra se encontra sob diferentes ortografias: Mihr, Meher, Meitros, etc.

Os trabalhos clássicos de Mircea Eliade e principalmente os de Georges Dumézil sobre a Índia védica demonstram uma estrutura fundamental da sociedade e da ideologia das diferentes sociedades indo-européias. A sociedade é dividida em três classes: sacerdotes, guerreiros e agricultores que correspondem a uma ideologia religiosa trifuncional: a função da soberania mágica, da sacrificadora e da jurídica (Varuna-Mitra, Rômulo-Júpiter e Odin); a função dos deuses da força guerreira (Indra, o etrusco Lucumão-Marte e Thor) e, finalmente, a das divindades da fecundidade e da prosperidade econômica (os gêmeos Nâsatya ou os Asvins, Tatius [e os sabinos]-Quirino e Freyr).

Encontra-se o Deus Mitra no Panteão Védico da Índia desde 1380 a. C. Este Proto-Mitra estaria associado a Varuna e forma uma dualidade antitética e complementar. Mitra seria a face jurídico-sacerdotal, conciliadora, luminosa, próxima da terra e dos homens enquanto Varuna seria o aspecto mágico violento, terrível e tenebroso. Mitra torna-se, pois, a garantia do compromisso, a força deliberante, enquanto Varuna o respeito ao bom direito pela força atuante. A antítese Mitra-Varuna encontra-se também em Roma com a oposição dos dois primeiros reis: Rómulo (Varuna-Júpiter), semi-deus violento e Tatius (ou Numa-Mitra), ponderado e sábio, instituidor das questões sagradas e das leis, ligado igualmente aos deuses da fertilidade e do solo. Mitra é o Deus soberano sob seu aspecto racional, claro, regrado, calmo, benevolente, sacerdotal. Seu papel é secundário quando esta isolado de Varuna, mas compartilha com este todos os atributos da soberania. O Sol é seu olho, nada lhe escapa. A conclusão de um acordo se fará através de um sacrifício ao Deus Mitra, mas um sacrifício incruento, pelo menos no início, pois, mais tarde, terminará por aceitar sacrifícios sangrentos. Esta evolução é metaforizada pelo papel de Mitra na história dos Deuses, pois terminará por ser associado à morte do Deus Soma. Na origem, Mitra recusa-se a participar da morte ritual, sendo amigo de todos, pois prestará sua ajuda para, no final, ser um ator ativo na morte ritual.

O Mitra avéstico, encontrado na religião iraniana, é o Mitra mais conhecido e divulgado e precede o monoteísmo zoroastriano. A influência da antiga religião iraniana para a formação religiosa do Ocidente é bastante significativa: o tempo linear, a articulação dos diversos sistemas dualistas – sejam cósmicos, éticos ou religiosos -, o mito do Salvador; a elaboração de uma escatologia ‘otimista’ que proclama o triunfo do Bem sobre o Mal; a salvação universal; a doutrina da ressurreição dos corpos; certos mitos gnósticos; a mitologia dos Magos etc.

Na religião dos aquemênidas, a oposição entre Aúra-Masda (o Bem) e os daêvas (o Mal) sempre foi presente, já que na Índia védica aconteceu o contrário: no conflito entre os devas e os asura, aqueles foram vencedores, pois tornaram-se os verdadeiros deuses, ao triunfarem sobre as divindades mais arcaicas – os asura – que nos textos védicos são considerados figuras ‘demoníacas’. Processo similar, ainda que com sinal trocado, aconteceu no Irã: os antigos deuses, os daêvas, foram demonizados (ai, dos perdedores!). Eliade argumenta que “pode-se determinar em que sentido se efetuou essa transformação: foram sobretudo os deuses de função guerreira – Indra, Saurva, Vayu – que se tornaram daêvas. Nenhum dos deuses asura foi ‘demonizado’. Aquele que, no Irã, correspondia ao grande asura proto-indiano, Varuna, torna-se Aúra-Masda”.

Aqui, a antítese Varuna-Mitra é substituída pelo duo Mitra-Aúra sendo que a função continua a mesma. Mitra é um deus da luz, da aurora, guardião que socorre as criaturas, onisciente e vitorioso. Aúra, tornando-se progressivamente Aúra-Masda, transforma, também, a significação de Mitra, metamorfoseando-o paulatinamente num deus guerreiro. Mitra continua deus do contrato e do acordo e assegura uma ligação entre os diferentes níveis da sociedade da qual é garantidor da ordem, representada pelo gado e a fecundidade. Interessante notar que aquela trilogia de Dumézil – sacerdote, guerreiro e agricultor – começa a ser baralhada. Este Mitra avéstico, mais do que o védico, beneficiará os sacrifícios, notadamente os do Touro. Seu papel de deus guerreiro, contudo, crescerá à medida que Aúra-Masda fortifica e torna dominante o seu lugar no Panteão dos Deuses. Tal ‘evolução’ é lógica, pois como deus garantidor da ordem, sempre estará ao serviço do respeito da lei e do contrato para aqueles que o reverenciam. Com o tempo metamorfoseia-se num deus violento e cruel. É um deus solar com mil olhos e orelhas e, como vimos, um deus da fertilidade dos campos e dos rebanhos. Atua, como Hermes, no papel de psicopompo, ou seja, condutor das almas dos mortos, pois como senhor dos Céus conduz as almas até o Paraíso.

Mitra foi adorados por quase todos os soberanos persas: Ciro o reverenciava; sob Dario houve um breve eclipse, pois este, segundo alguns especialistas, era partidário de Zoroastro; e reaparece com Artaxerxes. Na cerimonial da realeza persa, o dia de Mitrakana era o único dia em que o rei persa tinha o direito de embriagar-se, numa clara analogia com a morte védica.

Mitra retorna ao primeiro plano como deus do sol, dos juramentos e dos contratos, sob a influência dos Magos. Estes foram uma classe de sacerdotes dos antigos medas com um papel sacrificial importante e que entre os gregos antigos gozavam de uma reputação de serem depositários de uma sabedoria esotérica. No Panteão dos Deuses avésticos, Mitra seria filho de Anihata ou Anahita, a gênia feminina do fogo, uma espécie de Virgem Imaculada, Mãe de Deus. É a única figura feminina associada a Mitra, pois este permanecerá celibatário por toda a vida, exigindo de seus admiradores a prática do controle de si, a renúncia e a resistência a toda forma de sensualidade. Vale salientar que o maior Mithraeum (templo) construído em Kangavar na Pérsia Ocidental era dedicado a esta deusa. Segundo reza o Mihr Yasht, o extenso hino em honra a Mitra da saga religiosa persa, a história de Mitra é a seguinte: após ter sido promovido ao panteão dos Grandes Deuses, Aúra-Masda mandou construir-lhe uma mansão no cimo do Monte Hara, ou seja, no mundo espiritual, além da abóbada celeste. Postou-se aí como o protetor de todas as criaturas e não era adorado como todos os outros deuses menores com preces rotineiras. Aúra Masda consagrou Haoma como sacerdote de Mitra que o adorava e lhe oferecia sacrifícios. Aúra Masda cria e prescreve o rito próprio ao culto de Mitra no paraíso. Mitra, assim, retorna à terra para o combate contra os daêvas sem, contudo, conseguir vencê-los. Somente quando Mitra se une a Aúra Masda o destino dos daêvas será selado. Mitra será, a partir daí, adorado como a luz que ilumina todo o mundo.

No tocante aos babilônios, estes incorporarão o Deus Mitra no seu Panteão e, em troca, introduzirão, na religião persa, seu culto solar, tendo a astrologia como um dos seus pontos mais fortes. Convém salientar que a cultura judaica sofrerá uma influência marcante do dualismo zoroastriano a partir do cativeiro em 597 a.C. No judaísmo primordial, Iavé era concebido como o único criador do Mundo e do Universo, ou seja a totalidade absoluta do real, contendo inclusive o mal. O dualismo Iavé – HaShatan advém de uma crise espiritual que se seguiu ao cativeiro babilônico, personificando aspectos negativos da vida, sob a forma de Satã, que se tornará progressivamente também eterno. Satã seria, então, o fruto de uma cissão da imagem arcaica de Iavé combinado com as doutrinas dualistas iranianas. Esta tradição impactará fortemente o cristianismo nascente.

O Mitra irano-helenístico tem a sua gênese com as conquistas de Alexandre e a queda do império persa durante o ano de 330 a. C., pois Alexandre e 10.000 de seus soldados macedônios se casam com mulheres persas e mais, dentro do ritual persa. Sabe-se que alguns destes macedônios e seus filhos, iniciados pelas mães persas, introduziram o culto de Mitra na Macedônia e na Grécia. É deveras conhecido que a adoração deste Deus Mitra, advindo do inimigo persa, nunca obteve uma grande popularidade na Grécia, apesar de continuar a manter a influência junto à aristocracia meda e iraniana. Tanto assim que o nome Mitrídate (dado a Mitra) é encontrado em diversos reis partos, do Bósforo e do Ponto Euxino. A arqueologia tem descoberto diversos templos – Mitreas – na Armênia. Apesar da pouca influência junto ao povo grego, a religião iraniana entrou num vasto movimento sincrético junto à cultura helênica. Mitra era adorado em todo o império de Alexandre e os Magos continuavam a ser os sacerdotes sacrificadores. O culto repousava sobre uma cronologia escatológica de 7.000 anos, cada milênio sendo governado por um planeta. Daí advém a série dos 7 planetas, dos 7 metais, das 7 cores etc. Durante os 6 primeiros milênios, Deus e o Espírito do Mal combatem pela supremacia e, quando o Mal parecia vitorioso, Deus enviou o Deus solar Mitra (Apolo, Hélio) que domina o sétimo milênio. No fim deste período setenal, a potência dos planetas cessa e um incêndio universal recobre o mundo.

Curioso nesta época é a biografia do rei Mitrídate VI Eupator, rei do Ponto, anterior ao nascimento de Cristo. Seu nascimento foi anunciado por um cometa, um raio caiu sobre o recém-nascido, deixando-lhe uma cicatriz. A educação deste rei é uma longa série de provas iniciáticas. É visto durante sua coroação como uma encarnação de Mitra. A biografia real é muito próxima do Natal cristão. Ele será o último rei de uma longa lista de grandes reis Mitridates. Conquistou quase toda a Ásia Menor por volta de 88 a. C., mas foi derrotado pelos romanos em 66. Provavelmente aliou-se aos piratas Cilicianos dos quais falaremos a seguir. Foi, também, o primeiro monarca a praticar a imunização contra os venenos, a qual, segundo o Aurélio, se adquire por meio da repetida absorção de pequenas doses deles, gradualmente aumentadas, daí o nome mitridatismo.

A grande popularidade e o apelo do mitraísmo como uma forma refinada e final do paganismo pré-cristão foi discutida pelo historiador grego Heródoto, pelo biógrafo, também grego, Plutarco, pelo filósofo neoplatônico Porfírio, pelo herético gnóstico Orígenes e por São Jerônimo, um dos pais da Igreja.

O contato com o mundo helênico desenvolvia-se essencialmente a partir de Comageno na Ásia Menor. Daí surgem os primeiros testemunhos sobre Mitra, como um Deus dos Mistérios no primeiro século a. C., curiosamente, no seio dos piratas Cilicianos em luta contra os romanos. É dentro deste contexto de resistência e luta que Mitra pode tornar-se um Deus iniciático. Plutarco diz que celebravam em segredo ‘os mistérios de Mitra’. Sua capital era Tarso, onde nasceu S. Paulo, e Perseu era o seu Deus fundador. O símbolo da cidade era o combate do Leão com o Touro. Paralelamente a isto, os Magos medas se fixaram na Ásia Menor e na Mesopotâmia, infiltrando-se cultural e religiosamente no mundo helênico, principalmente, como vimos, na aristocracia. Cita-se que o rei Tiridate quando veio a Roma para ser coroado rei da Armênia por Nero, dirigiu-se ao imperador chamando-o por Mitra (Deus Sol).

O Mitra romano faz sua ‘rentrée’ no Império através dos Mistérios. O termo “mistério” possui um sentido muito preciso. Os mistérios gregos, e depois romanos, foram numerosos: Dionísio, Elêusis, Cibele, Átis e Deméter. Podem ser ainda citados os de Ísis, Sarápis, Sabázios, Júpiter Doliqueno etc. Uma certa bruma enigmática envolvia todos estas cerimônias dos mistérios, mas o comum entre eles, era o aspecto ‘solar’, apesar de todos esconderem sua identidade essencial. Desnecessário dizer que, por serem os mistérios, secretos e ocultos, poucos documentos escritos chegaram até nossos dias. O pouco que se sabe sobre eles advém da patrística cristã que, na ânsia de combater o mitraísmo, terminou por nos legar uma série de descrições sobre o mesmo. Alguns autores gauleses chegam a afirmar que assim como a maçonaria foi a religião clandestina da IIIª República Francesa, o mitraísmo sustentava subterraneamente a ideologia da Roma Imperial.

A inoculação do veneno mitraíco no seio do Império, segundo Plutarco (Vita Pompeu), foi o transplante, feito por Pompeu em 67 a. C., de 20.000 prisioneiros Cilicianos (uma província na costa sul oriental da Ásia Menor) que praticavam os “ritos secretos” de Mitra. Daí, a epidemia mitraíca se alastrou por todo o mundo romano, reforçada ainda pelos múltiplos contatos das tropas de ocupação romana com as outras culturas mitraícas, tendo atingido o seu zênite no século III, quando começou a travar uma luta de vida e morte com o cristianismo. Tanto assim que do século II ao IV da nossa era, os Mithrae (ou Mithraeum no singular) – templos dedicados ao culto do deus – chegaram a ser mais de 40 em Roma. Um dos maiores templos construídos podem ser encontrados hoje nos subterrâneos da Igreja de São Clemente, perto do Coliseu. Esta adoração não se restringia somente à capital do Império, mas principalmente às cidades portuárias da atual Itália: Óstia, Antium, no mar Tirreno; Aquiléia, no Adriático, Siracusa, Catânia, Palermo etc. Paralelamente, a propagação se dá na Áustria, na Germânia, nas províncias danubianas, na Polônia, na Hungria e Ucrânia e num movimento de volta, nas províncias da Trácia e da Dalmácia, num retorno à Grécia e a Macedônia. No terceiro século, encontram-se traços mitraícos na Criméia, no Eufrates, no Egito e sobretudo no Maghreb. Curioso é que a Espanha e Portugal sofreram pouquíssima influência. A Gália oriental, renana e belga, pagou o seu tributo, assim como também a Aquitânia. Encontram-se vestígios na região parisiense, como também em Boulogne sur Mer. Na Inglaterra, a concentração se dá em Londres e na região norte, ao longo do muro de Adriano, até Canterbury. Locais de adoração mitraíca foram encontrados também, na Bretanha, na Romênia, na Alemanha, na Bulgária, na Turquia, na Pérsia, na Armênia, na Síria, em Israel etc. No final do século III, Mitra era adorado da Escócia à Índia, chegando até a oeste da China, onde era conhecido como Amigo, nome que indica uma filiação védica.

Mitra passa a ser representado como um general militar. É o Amigo do homem durante a sua vida e seu protetor contra o mal após a sua morte. Mitra não é só propagado pelos militares romanos como também pelos funcionários, comerciantes, artistas, meio jurídico e financeiro e, principalmente nos círculos do conhecimento. Ao contrário da Grécia, penetra nos meios mais modestos e populares. Por mais de trezentos anos, os romanos adorarão Mitra.

Em meados do segundo século, seu culto atinge a cúpula militar. Os neófitos começaram a congregar-se sob os Flávios, espalhando-se o culto na época dos Antoninos e Severos. Os próprios Imperadores se fizeram iniciar nos mistérios, havendo suspeitas de que Nero tenha sido um deles. Contudo, é Cômodo (185-192) que parece ter sido o primeiro a se converter ao culto, seguido por Sétimo Severo. Caracala (211-217) encoraja o culto do Deus solar sob a forma de Sol invictus. O culto foi reintroduzido por Aureliano (270-275). O apoio oficial virá, entretanto, no reinado de Diocleciano em 307. Apesar destas emanações, não parece que Mitra tenha recebido uma preponderância imperial na corte dos Césares pagãos. Deve-se notar, ainda, que do mesmo modo que o cristianismo, sua influência não foi estendida ao meio rural. Alguns autores sugerem que isto se deveu à exclusão das mulheres nas funções litúrgicas.

II – Representações Litúrgicas e Ritualísticas do Deus Mitra

Mitra é um Deus de forma humana. É representado sob a forma de um jovem montado num touro e, com uma das mãos, empunha uma adaga para o degolar. Alguns afrescos, encontrados na parte mais central do Mithraeum (templo subterrâneo de adoração), representam Mitra com a cabeça voltada para o alto ou para o lado, significando desgosto com o que está fazendo. Sincreticamente, encontram-se ainda imagens de Teseu matando o Minotauro ou Perseu chacinando a Górgona ou, ainda, Hércules esfolando o Touro. Mitra está vestido em trajes orientais e muitas vezes circundado por dois meninos ou pastores que podem simbolizar o levante e o ocaso, o Outono ou a Primavera, as marés – montante e vazante – e ainda, a vida e a morte. A cena possivelmente se passa numa gruta. Um corvo, mensageiro do sol, está quase sempre na borda do rochedo. Vê-se ainda um cão se aproximando para beber o sangue da vítima, uma serpente enroscada dentro de uma pequena cratera e ao redor de um recipiente, um leão ameaçador, espigas de trigo sobre o rabo do touro e um escorpião que pica os testículos do animal morto.

A figura do touro tem sido exaltada através do mundo antigo pela sua força e vigor. Os mitos gregos falavam sobre o Minotauro, um monstro metade-homem metade-touro que vivia no Labirinto nos subterrâneos da ilha de Creta e que exigia um sacrifício anual de seis mancebos e seis donzelas antes de ter sido morto por Teseu. Peças de arte minóica representavam ágeis acrobatas saltando bravamente sobre o dorso de touros. O altar, em frente ao Templo de Salomão em Jerusalém, era adornado com chifres de touros que acreditavam ser portadores de poderes mágicos. O touro era também um dos quatro tetramorfos, ou seja um dos símbolos animais associados com os quatro evangelhos. A mística deste poderoso animal ainda sobrevive atualmente nas touradas da Espanha e do México, no rodeio dos ‘cowboys’ dos EEUU e agora, também, no Brasil.

Os estudos clássicos do belga Franz Cumont (1913) que provaram ser os mistérios mitraícos derivados das antigas religiões iranianas explica parcialmente como a cena da morte do Touro – conhecida como tauroctonia – inexiste na mitologia iraniana com a figura de Mitra. Cumont responde que teria encontrado textos que apresentavam o matador do touro como Ahriman, ou seja a força cósmica do mal na religião iraniana.

Somente a partir do Primeiro Congresso Internacional de Estudos Mitraícos (1971) levantaram-se novas hipóteses para explicar esta incongruência. A iconografia tauroctônica seria, na verdade, um mapa astronômico! Tais hipóteses, segundo os estudos de David Ulansey, baseiam-se em dois fatos: i) cada figura, na tauroctonia padrão, teria um paralelo com um grupo de constelações ao longo de uma faixa contínua no céu: o boi tem um paralelo com a constelação do Touro, o cachorro com o Cão Menor, a serpente com a Hidra, o corvo com o Corvus e o escorpião com Scorpio; ii) a iconografia mitraíca, em geral, é permeada por imagens astronômicas explícitas: o zodíaco, os planetas, o sol, a lua e as estrelas são permanentemente encontrados na arte mitraíca.

A pesquisa de Ulansey sobre cosmologia antiga, principalmente a astronomia greco-romana, focaliza o seu caráter “geocêntrico” no tempo dos mistérios mitraícos, no qual a terra era fixa e imóvel no centro do universo e tudo girava à sua volta. Nesta cosmologia, o universo era imaginado como estando contido numa grande esfera no qual as estrelas eram fixadas em várias constelações. Hoje sabemos que a terra tem um movimento de rotação sobre o seu eixo cada dia, mas na antigüidade acreditava-se que, uma vez por dia a grande esfera das estrelas fazia a sua rotação sobre a terra, oscilando num eixo que corria da abóboda do polo norte para o do sul. No seu giro, a esfera cósmica carregava o sol, explicando assim a oscilação do mesmo sobre a terra.

Além deste movimento, os antigos atribuíam um segundo movimento mais vagaroso. Enquanto hoje sabemos que a terra gira ao redor do sol durante o ano, na antigüidade acreditava-se que, durante o ano, o sol – que estava bem mais próximo do que as outras estrelas – viajava sobre a terra, traçando um grande círculo no céu tendo como fundo as outras constelações. Este círculo, traçado pelo sol durante o ano, era conhecido como o zodíaco, uma palavra significando ‘figuras vivas’, pois o sol passeava, durante o ano, sobre doze diferentes constelações que representavam diversas figuras de animais e formas humanas. Visto que os antigos acreditavam na existência real de uma grande esfera de estrelas, suas várias partes – tais como os eixos e os pólos – jogavam um papel crucial na cosmologia de seu tempo. Particularmente, um importante atributo da esfera das estrelas era muito mais bem conhecido do que hoje: o equador, denominado na época de equador celeste. Assim como o equador terrestre é definido como um círculo ao redor da terra eqüidistante dos pólos, também o equador celeste era entendido como um círculo ao redor da esfera das estrelas eqüidistante dos pólos desta mesma esfera. O círculo do equador celeste era visto como tendo uma importância especial por causa dos dois pontos em que ele cruzava com o círculo do zodíaco: estes dois pontos eram os equinócios, ou seja, o local onde o sol, no seu movimento através do zodíaco, cortava-o no primeiro dia da primavera e no primeiro dia do outono. Assim, o equador celeste era responsável pela definição das estações e, por esta razão, tinha uma significação concretíssima ao lado seu significado astronômico mais abstrato.

Um outro fato sobre este equador celeste é decisivo: como não estava fixo, possuía um movimento lento alcunhado de “precessão dos equinócios”. Este movimento, sabemos hoje, é causado por uma oscilação na rotação da terra sobre seu eixo. Como resultante desta leve oscilação, o equador celeste parece mudar sua posição no curso de milhares de anos. Este movimento é conhecido como a precessão dos equinócios por que o seu efeito observável mais facilmente é uma mudança na posição dos equinócios ou seja, os locais onde, como vimos acima, o equador celeste cruza o zodíaco. Desta maneira, esta precessão resulta num movimento vagaroso para trás ao longo do zodíaco, passando sobre uma constelação do zodíaco a cada 2.160 anos e percorrendo todo o zodíaco a cada 25.920 anos. Hoje, por exemplo, o equinócio da primavera está no final da constelação de Peixes, mas, em algumas dezenas de anos, estará entrando em Aquário – já se fala muito, atualmente, na Era de Aquário. A grosso modo, o equinócio da primavera estava em Touro entre 4.000 a 2.000 a.C. mais ou menos; em Áries de 2000 a.C. até o nascimento de Cristo, ou seja nos tempos greco-romanos; a Era de Peixes – o cristianismo –, da gênese do mesmo até a nossa mudança de milênio e de 2000 e poucos em diante, a tão decantada Era de Aquário.

Ulansey descobriu que, neste fenômeno da precessão dos equinócios, estaria a chave para desvendar o segredo do simbolismo astronômico da tauroctonia mitraíca. Para as constelações desenhadas nas tauroctonias mais comuns havia uma coisa constante: todos eles estavam posicionados no equador celeste como na época imediatamente precedente à Era de Áries dos tempos greco-romanos. Durante esta idade anterior, que podemos chamar de Era de Touro (como vimos durou mais ou menos de 4.000 a 2.000 a.C.), no equador celeste da época estavam Taurus (Touro, o equinócio da primavera), Canis Minor (o Cão), Hydra (a serpente), Corvus (o Corvo) e Scorpio (o Escorpião que estava no extremo oposto do Touro, ou seja, o equinócio do Outono). A coincidência é impressionante, todos estas constelações estão representadas nas tauroctonias.

Em muitas ilustrações tauroctônicas, a cabeça de Mitra é nimbada de estrelas. Assim, a morte do Touro representaria, no zodíaco, o fim da Era de Touro e o começo da Era de Aries no equinócio da primavera e Mitra, o deus Todo-Poderoso, que poderia reger e mudar todo o sistema cósmico. Nos escritos do filósofo neoplatônico Porfírio, encontra-se a alusão de que a caverna, onde se posiciona o Mithraeum e está desenhada a tauroctonia, na sua parte mais recôndita, seria, na verdade, uma ‘imagem do cosmos’.

Como curiosidade, Freud e Jung tiveram uma divergência básica sobre a interpretação psicanalítica do morte do touro, sendo um dos pontos básicos de divergência e conflito entre ambos, resultando, posteriormente, em separação definitiva.

Mitra, Deus solar, também é representado com a cabeça de um Leão quando é saudado com o título de Sol invictus. São os afrescos, encontrados em Mênfis, com as coxas peludas, patas de caprino e a cabeça radiada. Mitra Leoncéfalo, portando as chaves, é outra imagem lapidar, pois fora das cenas tauroctônicas, ele é representado em momentos de refeição ou de iniciação.

No tocante ao culto e à liturgia, estes se faziam no interior do Mithraeum e na presença dos fiéis. A liturgia constava de ofícios e orações; manducação de pão e sumpção de água e vinho, acompanhadas de fórmulas sagradas; danças de luzes e fórmulas de êxtase; orações ao nascer do Sol, ao meio-dia e ao ocaso. As festas realizavam-se no sétimo mês do ano, mas todos os meses se festejava uma semana inteira, sendo cada dia destinado a um planeta. Comemorava-se, de modo especial, o dia natalício do deus (Natalis Invicti), a 25 de dezembro. Os ofícios dos templos faziam-se à luz de velas, com toques de sinos e com hinos, cujo teor não se conhece, porque se perderam.

O Mithreum típico era uma pequena câmara retangular subterrânea (25x10m) com um teto arqueado. Um corredor dividia o templo ao meio, com bancos de pedra dos dois lados de 80 cm de altura no qual os membros do culto podiam descansar durante suas reuniões. Um mithraeum podia comportar de 20 a 30 pessoas. No fundo do templo, no final do corredor, havia sempre uma representação – normalmente um relevo entalhado e algumas vezes uma escultura ou pintura – do ícone central do mitraísmo: a tauroctonia ou a cena da morte do touro, conforme descrito acima. Outras partes do templo eram decoradas com várias cenas e figuras. Deveria ser implantado perto de uma fonte ou curso d’água ou, na falta destes, de um poço. Havia centenas, talvez milhares, de templos mitraícos no Império Romano.

Os adeptos de Mitra não se contentavam com um misticismo contemplativo. O seu culto encorajava a ação e um grande rigor moral. Para os soldados, a resistência ao mal e às ações imorais representavam uma vitória tão importante quanto as militares.

Reuniam-se, em pequenos grupos, unidos e solidários pelo ritual iniciático. Partilhavam o banquete sacramental com os deuses e finalizavam com uma aliança entre o sol e Mitra. O repasto, sobre os despojos de um touro, era seguido de um sacrifício, muitas vezes de um touro, ou de animais simbolizando o touro: cabras, javalis e/ou galináceos.

Consagrava-se o pão e a água, bebia-se o vinho que simbolizava o sangue do touro e comia-se a carne. O processo da iniciação mitraíca requeria a subida simbólica de uma escada cerimonial com sete degraus, cada um feito de um metal diferente para simbolizar os sete corpos celestiais. Simbolicamente galgando esta escada cerimonial através de sucessivas iniciações, o neófito podia atravessar os sete níveis do céu. Os sete graus do mitraísmo eram: Corax (Corvo), Nymphus ( Noivo), Miles (Soldado), Leo (Leão), Peres (Persa), Heliodromus (Corrida do Sol) e Pater (Pai); cada grau era protegido por um planeta (na cosmologia da época): Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, a Lua, o Sol e Saturno. Cada dignitário apresentava a vestimenta e a máscara correspondente ao seu grau. Como todo rito mitraíco a estrutura hierárquica era setenária. Os adeptos tinham a sua divisão de papéis: o chefe (pater), o papel de Mitra, o heliodromo (sol), o corvo apresentavam as carnes e as bebidas aos convivas dentro de uma ordem hierárquica. A carne era assada sobre os altares dentro da concepção do sacrifício do mundo greco-romano.

Os rituais iniciáticos constavam da admissão dos fiéis por “inductio”. Antes de serem admitidos, os candidatos eram interrogados, sondados, informados num local distinto do templo. Em seguida, eram submetidos a uma série de provas, nus e com os olhos vendados, marchavam às apalpadelas diante de um mistagogo para finalizar se ajoelhando diante de um personagem que portava uma tocha diante de seus olhos. A seguir, com as mãos atadas às costas, colocavam um joelho no chão ao mesmo tempo que um sacerdote cingia-lhes a cabeça com uma coroa. No final, prostravam-se como mortos. Tudo isto faz parte da tipologia iniciática das sociedades secretas em geral: olhos vendados, resistência física, morte simbólica, etc.

Reprova-se, nos adeptos de Mitra, a propensão aos sacrifícios humanos. Tal suposição advém de se ter encontrado, nos diversos Mithrae, restos de esqueletos humanos.

Apesar de todos os estudos antigos e modernos, conhece-se mal a “teodicéia” mitraíca. Sabe-se, contudo, que os “mistérios” da Antigüidade revelam um mito ou uma história santa que legitima a liturgia. É uma certa explicação do Mundo e da passagem do homem sobre o mesmo que dá toda a força aos “mistérios”, sejam eles de Mitra, de Elêusis, em suma de quase todos. A religião de Mitra se independentizou de suas origens orientais, agindo como um imã que atraiu diversos aportes: gregos, babilônicos, romanos etc. Finalizou como um Deus adaptado ao Império Romano, explicando assim o seu sucesso. Uma das grandes ironias da história é o fato de que os romanos terminaram por adorar um deus de um de seus maiores inimigos políticos: os persas. O historiador romano Quintius Rufus assinala no seu livro História de Alexandre que antes de ir batalhar contra os “países anti-mitraícos” de Roma, os soldados persas oravam a Mitra pela vitória. Sem embargo, tendo as duas civilizações inimigas estado em contato de conflito aberto ou latente por mais de mil anos, os adoradores de Mitra migraram dos persas, através do frígios da Turquia, até os romanos.

Numa análise simbólica final, o culto de Mitra revela uma história do Mundo. Saturno (ou Cronos, representando o Tempo) reinava soberano sobre o Mundo, quando entregou a Júpiter o raio, uma arma letal que serviu para derrotar os gigantes e gênios do mal. Alguns autores hipotetizam que este gênio do mal poderia ser o Oceano que cobria a Terra.

Mitra, Deus petrógeno, não descende aqui do Céu, pois surge miraculosamente de uma rocha com um barrete asiático, tendo em uma das mãos uma tocha luminosa e na outra, a adaga. Pastores assistem e ajudam este nascimento. Mitra, em seguida, é encontrado junto de uma árvore ceifando o trigo. Depois é visto atirando com um arco sobre uma parede rochosa onde jorra uma fonte que sacia os pastores. Alguns autores concluem que as forças do mal (Oceano?) tentaram aniquilar os humanos pela fome e pela sede e que Mitra, salvador dos homens e Deus protetor, interveio para os alimentar e saciar sua sede, não só dos homens como dos rebanhos. Nota-se, também, que o papel “justiceiro” das tradições asiáticas não desapareceu, pois Mitra vem em socorro do Mundo para fazer respeitar a Lei Divina.

Começa, agora, a perseguição ao Touro. O touro está em conjunção com a lua, seus dois chifres formam o crescente. O touro contem os elementos vivos (o esperma do touro purificado pelo raio da lua produzirá os espécimens animais). Mitra tem a missão de subtrair estas forças vivas das tentações maléficas. O touro se refugia numa construção mas dois pastores ateiam fogo ao local. Mitra alcança o animal, agarra os seus cornos e consegue cavalgá-lo. Depois, prende as patas traseiras do animal, arrasta-o até a gruta onde um corvo, mensageiro do Sol, impõe-lhe a tarefa de matar o animal insubmisso. A morte do touro atrai uma serpente e um cachorro que se apressam em sugar o sangue que jorra da ferida enquanto um escorpião (algumas vezes um caranguejo ou um ‘câncer’) fisga os testículos da vítima para aspirar sua força vivificante.

Cumont afirma que espigas de trigo saem da ferida, juntamente com o sangue que escorre da calda do touro. Do corpo da vítima moribunda nascem as ervas e as plantas salutares… De sua medula espinal germina o trigo que dá o pão, de seu sangue, a vinha que produz a beberagem sagrada dos mistérios.

É após a morte do touro que um conflito se abate entre Hélio e Mitra. O Sol, ajoelhado diante da tauroctonia, perde sua prerrogativa de astro soberano. Mitra torna-se o verdadeiro Sol Invictus que vem salvar a criação. O Sol reconhece a preeminência de Mitra pois se faz iniciar no grau de Soldado (Miles).

III – O Cristianismo Triunfante

O fim do mitraísmo coincide com o seu zênite no século III d.C. e vem acompanhado da entronização do cristianismo como religião do Império Romano. Como vimos, o mitraísmo sofria o passivo de praticar uma liturgia elitista em pequenas sociedades secretas na qual as mulheres eram excluídas. Não se propunha ser uma reli-gião de massa, aberto a todos, como o cristianismo. Era uma religião otimista e Mitra teve o grande defeito de não ter morrido para salvar o mundo.

Como os persas eram inimigos hereditários do Império Romano, os cristãos fizeram de tudo para ligar o mitraísmo a uma religião “inimiga”, persa por excelência, pois os romanos não deveriam adorar um deus importado do adversário. Apesar de tudo parece que Constantino manifestou uma certa simpatia pelo mitraísmo, principalmente na sua versão de “Sol invictus”. Quando este primeiro imperador cristão colocou todas as religiões pagãs na clandestinidade, poupou os mitraístas pois estes possuíam muita influência junto aos militares que eram o cimento do Império. O ‘punctus saliens’ no qual os cristãos atacavam os mitraístas era a sua propensão aos sacrifício animais. Quando estes sacrifícios foram interditados, bloqueou-se um dos fundamentos vitais do culto mitraíco.

O combate mortal entre o cristianismo e o Mitra pagão pode ser lido nos escritos de Tertuliano (160-220 d.C.) ao afirmar que esta religião utilizava indevidamente o batismo e a consagração do pão e do vinho. Dizia, ainda, que o mitraísmo era inspirado pelo diabo que desejava zombar sobre os sacramentos cristãos com o intuito de levá-los para o inferno. Não obstante, o mitraísmo sobreviveu até o século Vº em remotas regiões dos Alpes entre as tribos dos Anauni e conseguiu sobreviver no Oriente Próximo até os dias de hoje.

No curto reinado do imperador Juliano, sobrinho de Constantino, Gibbon afirma que se assistiu a um retorno temporário ao mitraísmo, tendo este Imperador se reconhecido até mesmo como adepto e chegando a construir um Mithraeum nos calabouços de seu palácio em Constantinopla. Seguiu-se um período de tolerância quando, sob o reinado de Teodósio (375-395), o cristianismo tornou-se religião de Estado e o paganismo foi definitivamente interditado. O mitraísmo sobreviveu em Roma até 394 sendo que a Basílica de São Pedro foi construída sobre o local do último culto mitraíco: o Phrygianum. A partir daí, o cristianismo construiu, boa parte de seus templos, acima de cavernas que continham Mithrae, seja em Roma seja nas províncias do Império. A catedral de Canterbury e a de São Paulo em Londres, o mosteiro do Monte Saint-Michel e algumas catedrais em Paris estão construídas sobre antigos Mithrae em ruínas.

Os pontos comuns entre o cristianismo e o mitraísmo são inúmeros. O nascimento de Cristo é anunciado por uma estrela assim como o de Mitridate Eupator. Ambos são nascidos de uma Virgem Imaculada que toma o nome de Mãe de Deus. A caverna, a gruta são os locais de nascimentos tanto de Cristo quanto de Mitra. A presença de pastores e de seu rebanho também estão presentes em ambos os nascimentos. A gruta de Belém é prenhe de luz e Mitra é um deus solar. Além do mais, o ouro, símbolo do Sol, tem uma importância crucial na liturgia cristã. Deus é Amor mas também Luz. O nascimento dos dois deuses foi a 25 de dezembro, solstício de Verão no Hemisfério Norte. Sabe-se que Cristo não teria nascido no dia 25 e que, somente com o fim do mitraísmo, a Igreja Cristã, “cristianizou” o dia como a festa do Natal. Tanto Cristo como Mitra eram castos e celibatários. Todas as duas religiões são fundadas sobre um sacrifício salvador do Mundo, mas com a morte de Cristo, o cristianismo tira a sua vantagem e sua superioridade. A morte do Touro encontra um símile na luta de São Jorge com o dragão. A vontade de neutralizar as potências do mal, a guerra entre as duas potências e a vitória do Bem. A consagração do pão e do vinho estão presentes entre os cristãos e os iniciados de Mitra. No grau de Soldado (Miles), o iniciado é marcado com uma cruz de ferro em brasa sobre a fronte. A imortalidade da alma e a ressurreição final. As igrejas antigas possuem criptas subterrâneas que evocam os templos mitraícos. A fraternidade e o espírito democrático das primeiras comunidades cristãs se assemelham muito ao mitraísmo. A fonte jorrando da rocha, a utilização de sinos, os livros e as velas, a água santa e a comunhão, a santificação do Domingo (fora da tradição judaica do Sábado), a insistência numa conduta moral, o sacrifício ritual, a angeologia, a teologia da luz, dualidade deus-diabo, o fim do mundo e o apocalipse são também comuns em ambas as religiões.

Outro símile interessante seria entre Mitra e Papai Noel. Vestimentas vermelhas e barrete frígio são comuns a ambos como também as velas incrustadas em árvores (de Natal) nas cerimônias natalinas.

IV – Sobrevivência Mitraíca e sua Influência na Maçonaria

Encontram-se traços mitraícos nas diversas gnoses e principalmente nas heresias dualistas cristãs. O esoterismo do gnosticismo cristão foi muito influenciado pelas religiões egípcias e iranianas. Os segredos, revelados aos “Perfeitos”, referiam-se aos mistérios da ascensão e descida de Cristo através dos Sete Céus habitados pelos anjos. Autores modernos chegam a afirmar que o gnosticismo é um fenômeno pré-cristão de origem iraniana que poluiu o cristianismo nascente. A influência dos cultos iranianos e especificamente mitraícos sobre a gnose de Mani são insofismáveis. Desde o século III d. C., o segredo mitraíco força as portas da barca de São Pedro. A pressão deste dualismo maniqueísta percorre toda a Idade Média. O bogomilismo da Europa Oriental inicia a sua trajetória a partir do século X colocando Satã no lugar de Deus, infligindo um poder considerável sobre as heresias Cátaras e Albigenses no alvorecer do século XII na Europa Ocidental. Estas heresias gnósticas cristãs professavam a asserção de que Deus não teria criado o Mundo, estando este sob o domínio de Satã – assimilado ao demiurgo Yahvista. O verdadeiro Deus estaria tão distante da Terra onde se dão estes embates entre o Bem e o Mal. Apesar disto teria enviado Cristo para salvar os homens ao mostrar-lhes o método da libertação.

Outra difusão de um mitraísmo mitigado estaria entre os Cavaleiros do Templo, pois estes sofreram a influência dos maniqueus. No culto a Baphomet, também conhecido como o filho de Mitra, havia um ícone representado por um Touro ornado com uma chama entre seus cornos…

O culto de Mitra enquanto sociedade iniciática tem certas semelhanças com a maçonaria propriamente dita. A fraternidade entre os membros, a exigência de uma conduta moral, a vontade de defender, de maneira ativa e não contemplativa, o bem e a virtude são, ao mesmo tempo, padrões maçônicos e mitraícos. A defesa da ordem política e social, o culto exclusivamente masculino são também pontos comuns. Ritualisticamente encontram-se os seguintes traços: a mania pelo número 7, a existência de graus iniciáticos, as velas, os altares, a Luz, as palavras de passe, etc. O templo maçônico pode ser visto como uma gruta mitraíca ou se não se quiser ir muito longe o símile poderá ser feito com a câmara de reflexões; o teto estrelado do templo tem profunda semelhança com os mitraícos. Os templários, a tradição judaica e cristã foram os grandes transmissores de símbolos mitraícos. Os dois São Joães – de Inverno e de Verão – tem profunda vinculação com os dois pastores da tauroctonia. O sacrifício ritual fundador de Hiram está muito próximo do sacrifício ritual do Touro. O corvo no acampamento militar, encontrado nos altos graus do escocesismo, é uma prova cabal da influência mitraíca.

Outro símile estaria no mais baixo grau de iniciação – o grau de Corvo (Corax) – simbolizava a morte do novo membro, o qual deveria renascer como um novo homem. Isto representava a fim de sua vida como um não-crente (ou descrente) e cancelava pretéritas alianças de outras crenças inaceitáveis. Curioso salientar que o título de Corax (Corvo) originou-se com o costume zoroástrico de expor os mortos em elevações funerárias para ser comido pelas aves de rapina. Este costume continua, até os dias de hoje, sendo praticado pelos Parsis da Índia, descendentes dos persas seguidores de Zaratustra.

O simbolismo sexual, encontrado em diversos rituais maçônicos, poder ter um paralelo com o touro, pois este era uma óbvia representação da masculinidade pela natureza de seu tamanho, de sua força e de seu vigor sexual. Ao mesmo tempo, o touro simbolizava as forças lunares em virtude de seus cornos e as forças telúricas em virtude de ter as quatro patas assentadas no solo. O sacrifício do touro simboliza a penetração do princípio feminino pelo masculino, a vitória da natureza espiritual sobre a animalidade, tendo um paralelo com as imagens simbólicas de Marduk destruindo Tiamat, Gilgamesh aniquilando Huwawa (grafia de Eliade), São Miguel dominando Satã, São Jorge vencendo o dragão, o Centurião lancetando Cristo e, por que não nos referirmos a um ícone moderno: Sigourney Weaver lutando contra o Alien?

Finalmente, o mitraísmo era, concomitantemente, um culto dos mistérios e uma sociedade secreta. Tal como os ritos de Deméter, Orfeu e Dionísio, os rituais mitraícos admitiam candidatos em cerimônias secretas cujo significado era do conhecimento somente do iniciando. Como todos os outros ritos de iniciação institucionalizados do passado e do presente, este culto dos mistérios permitia aos iniciados ser controlado e posto sob o comando de seus líderes. Ao ser iniciado, o neófito tinha que provar sua coragem e devoção nadando através de rio caudaloso, escalando um rochedo íngreme ou pulando através das chamas com suas mãos atadas e os olhos vendados. Ao iniciado era também ensinado o segredo das palavras de passe mitraícas que eram usadas para identificação mútua como também era auto-repetida freqüentemente como um mantra pessoal.

V – Como seria um Mundo Mitraíco à Guisa de Conclusão

O legado mitraíco resulta em comportamentos usados ainda hoje em dia, tal como o apertar as mãos e o uso da coroa pelo monarca. Os adoradores de Mitra foram os primeiros no Ocidente a pregar a doutrina do direito divino dos reis. Foi a adoração do sol, combinada com o dualismo teológico de Zaratrusta, que disseminou as idéias sobre as quais o Rei-Sol Luis XIV (1638-1715) na França e outros soberanos deificados na Europa mantiveram o seu absolutismo monárquico.

Alguns estudiosos afirmam que, durante o IIº e o IIIº século d.C., nunca a Europa esteve tão perto de adotar uma religião indo-ariana quando Diocleciano, oficialmente, reconheceu Mitra como o protetor do Império Romano, nem mesmo durante as invasões muçulmanas.

Especulações teóricas anglo-saxãs hipotetizam que se um golpe de estado, dado pelos centuriões adoradores de Mitra, tivesse impedido Constantino de estabelecer o cristianismo como a religião oficial do Império, o mitraísmo poderia possivelmente sobreviver através dos séculos seguintes com a assistência teológica da heresia maniquéia e seus epígonos, assumindo “ipso facto” que os ensinamentos de Jesus teriam, de alguma maneira, sido simultaneamente anulados e, talvez, com um número crescente de crucificações. Esta ausência do cristianismo, devido à continuação do mitraísmo no Ocidente, teria obstado o crescimento do Islã no século VII e a violência das Cruzadas necessariamente não teria ocorrido. Assumindo, ainda, que o Islã não teria, assim, conquistado religiosamente a Pérsia, a adoração de Mitra poderia ter continuado no panteão de Zaratrusta. Como conseqüência, o mitraísmo poderia ter penetrado com mais força nos panteões da Índia e da China e, possivelmente, teria aportado nos países do Extremo-Oriente.

Continuando com a especulação saxã que resultou na “lenda negra” da dominação espanhola no Novo Mundo, Colombo realizou os seus descobrimentos em pleno período da Inquisição, fenômeno este representativo da culminância de mais de mil anos de uma das maiores religiões monoteístas semítica – o cristianismo. Se o mitraísmo tivesse sobrevivido o milênio até o ano de 1492, os povos indígenas das Américas poderiam ter sido expostos à adoração de Mitra no lugar dos missionários católicos. Imaginaríamos, assim, o Taurobolium – ritual de regeneração ou sacrifício do touro, no qual o sangue do animal era derramado sobre o iniciado – sendo sido transposto e sincretizado com o ritual da caça do búfalo dos índios das planícies do Oeste americano e a cerimônia do sacrifício dos maias, incas e astecas, e provavelmente, estes impérios não teriam sido aniquilados pelos brutais conquistadores europeus em nome do Rei e de Cristo.

Autor: Ven. Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO

#Mitologia #Religiões

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-hist%C3%B3ria-do-deus-mitra

Melkisedek ou Preste João

Texto fantástico de Vitor Manuel Adrião.

O nome Melkitsedek, ou antes, Melki-Tsedek, como é designado na tradição judaico-cristã, refere-se à função de “Rei do Mundo” na cúspide dirigente de toda a Evolução Planetária, sendo Aquele que está mais próximo de Deus – o Logos Planetário – de cuja natureza participa a ponto de se confundir com Ele, mesmo estando “como a personalidade humana está para a sua individualidade espiritual”, na mais pálida definição.

Na Bíblia, tem-se aparece a primeira referência a Melki-Tsedek no Genesis (XIV, 19-20): “E Melki-Tsedek, Rei de Salém, mandou que lhe trouxessem pão e vinho e ofereceu-os ao Deus Altíssimo. E bendisse Abraão (…) e Abraão deu-lhe o dízimo de tudo”, instituindo-se a Ordem de que fala o Salmo 110, 4: “Tu és um sacerdote eterno, segundo a Ordem de Melkitsedek”. Este é assim definido por S. Paulo na sua Epístola aos Hebreus (VII, 1-3): “Melki-Tsedek, Rei de Salém, Sacerdote do Deus Altíssimo que saiu ao encontro de Abraão (…) que o abençoou e a quem Abraão deu o dízimo de tudo, é em primeiro lugar e, de acordo com o significado do seu nome, Rei da Justiça, e em seguida, Rei de Salém, isto é Rei da Paz; existe sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tem princípio nem fim a sua vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece Sacerdote para todo o sempre”.

É assim que o sacerdócio da Igreja cristã chega a identificá-lo à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito Santo, mantenedor da Tradição Apostólica que vem do Apóstolo Pedro até ao Presente. De maneira que o Sacrifício de Melki-Tsedek (o pão e o vinho) é encarado habitualmente como uma «pré-figuração» da Eucaristia, pois que o próprio sacerdócio cristão se identifica, em princípio, ao Sacerdócio de Melki-Tsedek, segundo a aplicação feita a Cristo das mesmas palavras do Salmo 110, e que no Apocalipse vem a ser a “Pedra Cúbica” do Trono de Deus em que assenta a Assembleia ou Igreja Universal da Corte dos Príncipes ou Principais do mesmo Rei do Mundo.

O livro do Génesis e a epístola de S. Paulo aos Hebreus referindo-se a esse misterioso Soberano, levou a tradição judaico-cristã a distinguir dois sacerdócios: um, “segundo a Ordem de Aarão”; outro, “segundo a Ordem de Melkitsedek”. Este superior àquele, pois se liga do Presente aos Tempos do Advento do Messias, expressando os Apóstolos, os Bispos e a Igreja do Ocidente. E aquele vincula o Passado ao Presente, expressando os Profetas, os Patriarcas e a Igreja do Oriente.

Melki-Tsedek é, pois, ao mesmo tempo, Rei e Sacerdote. O seu nome significa “Rei da Justiça”, e também é o Rei de Salém, isto é, “Rei da Paz”. “Justiça” e “Paz” são precisamente os dois atributos fundamentais do “Rei do Mundo”, assim como do Arcanjo Mikael portador da espada e da balança, atributos iconográficos psicopompos designativos do Metraton, nisto como intermediário entre o Céu e a Terra, Deus e o Homem, presença indispensável do Paraninfo mercuriano ou AKBEL que é quem carrega o ANEL ou ARO prova da ALIANÇA ETERNA DO CRIADOR COM A CRIAÇÃO, e que na Natureza tem a sua expressão lídima nas sete cores do espectro do ARCO-ÍRIS, de maneira que sempre que a Humanidade declina em sua Evolução o ETERNO envia a ela o seu “Filho Primogénito” para restabelecer a Boa Lei, anular a anarquia e a injustiça e restaurar a Ordem e a Justiça, ou seja, ciclicamente descem do Céu à Terra os Avataras ou Messias. O termo Salém designa a “Cidade da Paz”, arquétipo sobre que se construiu Jerusalém, e veio a ser o nome da Morada oculta do “Rei do Mundo”, chamada nas tradições transhimalaias de Agharta e Shamballah, correspondendo ao Paraíso Terrestre, ao Éden Primordial que a Mítica Lusitana insiste em identificar ao vindouro Quinto Império do Mundo que trará um Reinado de Felicidade e Concórdia com o Imperador Universal, Melki-Tsedek, a dirigi-lo.

Melki-Tsedek tinha o seu equivalente no Antigo Egipto na função de Ptah-Ptahmer; na Índia, é chamado Chakravarti e Dharma-Raja; os antigos Rosacruzes reconheciam-no como Imperator Mundi e Pater Rotan, e foi assim que a Maçonaria o reconheceu no século XVIII, consignando-o Maximus Superius Incognitus, para todos os efeitos, o Imperador Universal.

No século XII, na época do rei S. Luís de França, os relatos das viagens de Carpin e Rubruquis invés de referirem os nomes de Melki-Tsedek substituíram-no pelo do Preste João que morava num país misterioso no Norte da Ásia distante. Preste significa tanto “Pai” como “Presbítero”, e João é referência tanto ao Anunciador do Messias, João Baptista, quanto ao Apóstolo João Evangelista que escreveu o Apocalipse, sendo referência óbvia ao Sacerdócio do Rei do Mundo, insistindo as três religiões do Livro (judaica, cristã e islâmica) que será por Ele que haverá um Reinado de Concórdia Universal sobre a Terra.

As primeiras notícias do Presbítero chegaram à Europa em 1145, quando Hugo de Gebel, bispo da colónia cristã do Líbano, informou o Papa da existência de um reino cristão situado “para lá da Pérsia e da Arménia”, governando por um Rei-Sacerdote chamado Iohannes Presbyter (João, o Presbítero, isto é, Sacerdote, Ancião) e que seria descendente de um dos Reis Magos que visitaram o Menino em Belém.

Mas o primeiro documento conhecido sobre esta misteriosa personagem, é a famosa Carta do Preste João endereçada em 1165 a Manuel Comneno, imperador bizantino de Constantinopla, assim como a Barba-Ruiva, imperador da Alemanha, e ao Papa Alexandre III, parecendo que o documento tem a sua origem em Portugal. Isto porque a versão mais antiga do texto original data dos finais do século XIV e encontra-se no Cartório do Mosteiro de Alcobaça, mas que foi impressa pela primeira vez em língua italiana, em Veneza, no ano 1478, onde se inspiraram outras obras, também na mesma língua, como a versão rimada do Tratacto del maximo Prete Janni (Veneza?, 1494), de Giuliano Dati, tudo próximo da época em que o viajante Marco Pólo regressou Oriente a Veneza falando da existência do Preste João, como soberano da Igreja etíope. Por outra parte, ao longo dos séculos XV e XVI aparece uma série de cartas enviadas pelo Preste João da Índia aos soberanos portugueses (D. João II, D. Manuel I e até D. Sebastião que, diz-se, recebeu uma embaixada no Preste João nos seus paços em Lisboa), que por sua vez enviam embaixadas à corte daquele, como foi o caso notável de Pêro da Covilhã, enviado de D. Afonso V.

O mito do Preste João foi amplamente divulgado pelos Templários e veio a servir de principal impulsor do processo das Descobertas Marítimas pelos Portugueses, aparentemente com a intenção de incentivar à conquista cristã de novas terras e obter riquezas fartas, mas realmente estabelecer a ligação de Portugal com o Centro Primordial do Mundo, chamado indistintamente Salém e Shamballah.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/melkisedek-ou-preste-jo%C3%A3o

Feliz Aniversário, Mitra!

Um texto da Superinteressante sobre comer ou não carne trouxe uma notinha interessante para esta época de Natal:

“As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há 6.000 anos juntavam gado selvagem e o criavam nos pastos naturais. Esses pastores cultuavam um deus-touro, chamado Mitra, símbolo da força, da masculinidade, do poder. A necessidade de pastos novos a cada vez que acabava o antigo fazia deles expansionistas por natureza e, no início da era cristã, eles já tinham se espalhado da Índia, Babilônia a Portugal. Com isso, o culto a Mithra tornou-se muito popular no Império Romano. Para contê-lo, a Igreja adotou sua data sagrada, o dia de Mithra – 25 de dezembro. Estava estabelecido o Natal. Depois, no Concílio de Toledo, em 447, a Igreja publicou a primeira descrição oficial do diabo, a encarnação do mal: um ser imenso e escuro, com chifres na cabeça. Como Mithra.”

Esse texto pode insinuar que Mitra seja o próprio demônio, mas não é o caso. Mitra era um deus do bem, criador da luz (por isso mesmo era associado ao Sol), em luta permanente contra a divindade obscura do mal. Seu culto estava associado à crença na existência futura absolutamente espiritual e libertada da matéria. Protetor dos justos, agia como mediador entre a humanidade e o Ser Supremo. Ele encarnou-se para viver entre os homens e enfim morreu para que todos fossem salvos. Os persas o adoravam por influência dos babilônios, os primeiros astrólogos da antiguidade. Seu nome, de raiz indo-européia, significa: “troca”, “contrato” e “amizade” (seria daí que surgiu o costume de trocar presentes?). Era o correspondente iraniano do deus sumério Tamuz.

Os Romanos tinham a “Festa da Saturnália” em honra do deus Saturno. Este festival era celebrado entre 17 e 23 de Dezembro. Nos últimos dois dias trocavam-se presentes em honra de Saturno. Já em 25 de Dezembro acontecia a celebração do nascimento do sol invencível (Natalis Solis Invicti). Posteriormente, à medida que as tradições romanas iam sendo suplantadas pelas tradições orientais importadas, os maiores festejos realizavam-se em honra do deus Mitra, cujo nascimento se comemorava a 25 de Dezembro. O culto de Mitra – que se tornou difundido como o deus da luta e o protetor dos soldados – penetrou em Roma no 1º século AC. A data entrou no calendário civil romano em 274, quando o Imperador Aureliano declarou aquele dia o maior feriado em Roma, comparável ao nosso Carnaval. Os adeptos do mitraísmo costumavam se reunir na noite de 24 para 25 de dezembro, a mais longa e mais fria do ano, onde ficavam fazendo oferendas e preces pela volta da luz e do calor do Sol.

Em 313 d.C. Constantino, imperador de Roma, decretou o Édito de Milão, dando liberdade de culto aos cristãos e trocando, dessa forma, a perseguição pela tolerância tão desejada. Segundo uma lenda, antes da batalha de Mexêncio, ele teve uma visão da cruz contra o sol, e uma mensagem que dizia, “com este sinal vencerás”. Constantino era adorador do deus Sol. De certa forma, o que temos hoje é justamente isso: a união de Mitra (Sol) e Jesus (Cruz) no Catolicismo.

E é provavelmente por isso que a Igreja Católica adotou Mitra como “padrinho”, já que as missas são celebradas no domingo, dia dedicado ao Sol, e aquele chapeuzinho que os papas, cardeais e bispos usam é chamado de Mitra. As “coincidências” não param por aí:

Mitra também nasceu de uma virgem; Pastores, que assistiram ao evento, foram os primeiros que o adoraram; O líder do culto Mitráico era chamado de Papa e ele governava de um “mithraeum” na Colina Vaticano, em Roma; Uma característica iconográfica proeminente no Mitraismo era uma grande chave, necessária para destrancar os portões celestiais pelo qual se acreditava passar as almas dos defuntos; Os Mitraistas consumiam uma comida sagrada (Myazda) que era composta de pão e vinho; Assim como os cristãos, eles celebraram a morte reconciliada de um salvador que ressuscitou em um domingo; Um grande centro principal da filosofia Mitraica ficava em Tarso – Cidade natal de São Paulo – que agora é Sudeste da Turquia.

O acontecimento mais marcante da história de Mitra foi a luta simbólica contra o touro sagrado (o primeiro ser criado por Ahura Mazda) que ele derrotou e sacrificou em prol da humanidade. Todavia, como nos antigos textos persas o próprio Mitra era o touro, esse gesto adquire o dúplice significado de vitória sobre o mundo terreno e de auto-sacrifício da divindade a fim de redimir o gênero humano de seus pecados (assim como Jesus):

Esse touro pastava tranquilo num prado. Mitra precipitou-se sobre o animal, tomou pelos chifres e saem ambos em desabalada carreira, até que o animal, esgotado, caiu de joelhos. Por ordem do deus supremo, que enviou o corvo, seu mensageiro, Mitra enterrou a faca no animal. Da sua medula e do seu sangue germinarão todas as plantas úteis aos mortais, de modo especial o trigo e a vinha. Os animais maléficos enviados por Ahriman, o escorpião, a serpente, a formiga etc., tentam prevenir esses felizes efeitos bebendo o sangue derramado e envenenando a fonte do poder gerador. Mas é em vão. A alma do touro, transportada ao céu, continuará a proteger a vida agrícola. Depois vem a seca e o dilúvio. Mitra, em figura de arqueiro, fere um rochedo e dele jorra água. A seca foi vencida. Prende homens e animais numa arca e estes são salvos do dilúvio. No termo de sua carreira, Mitra abandona a terra num carro de fogo conduzido pelo Sol. Após ciclos sucessivos, Mitra deverá reaparecer na terra para sacrificar, mais uma vez, o touro misterioso, cuja gordura, misturada ao suco da planta Haoma, restituirá a vida, a existência imortal, aos fiéis de Mitra. Do céu, então, cairá fogo devorador e consumirá todos os seres maus, homens e demônios, juntamente com o princípio do Mal, Ahriman (bastante figurado, mas em síntese nada diferente da simbologia cristã).

Só pra constar: Engraçado como essa coisa de trindade já estava presente muito antes de Jesus, aparecendo no Egito (Isis, Osíris e Horus) e na Suméria, com Tamuz, que é filho de Ninrod (equivalente ao deus Sol) e Semírames (Mãe/esposa, equivalente à lua). Ninrod morreu de forma violenta, mas Semiramis criou o mito da sua sobrevivência pós-morte, ao afirmar que ele passaria a existir como um ente espiritual, alegando que um grande pinheiro cresceu de um dia para o outro de um pedaço de árvore morta. Esse pinheiro era o símbolo vivo da passagem de Ninrode para outra forma de vida. Todos os anos, por ocasião do seu aniversário, o espírito de Ninrode visitava o pinheiro e deixava nele oferendas. A data do aniversário é (por acaso) 25 de dezembro.

#Espiritualidade #mithra

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O Vedanta

O Vedanta é a parte final dos Vedas, escritura sagrada hindu de mais de 5000 anos. O Veda é dividido em quatro partes: Rig-Veda, Yajur-Veda (fórmulas ritualísticas), Samaveda (versão reorganizada de alguns hinos do Rig-Veda) e o Vedanta. A mais antiga sistematização de que se tem notícia foi feita pelo sábio Vyasa, há mais ou menos 3300 anos.

Poderíamos resumir alguns tópicos de interesse do Vedanta:

1) O Universo sempre existiu e sempre existirá, num eterno vir-a-ser cíclico, passando por periodos de expansão e de dissolução (Pralaya).

2) O Universo não teria sido “criado” por Deus, assim como o entendemos na tradição judaico-cristã, entendimento que gera uma relação dual sujeito-objeto, criatura-criador. Nas palavras de Vivekananda, “O nosso termo sânscrito para criação, traduzida apropriadamente, deveria ser projeção, e não criação.” O Universo, pelo pensamento Vedanta, foi projetado por Deus, uma “idéia divina” que progressivamente se densifica até se materializar. Segundo essa idéia, estamos dentro do “pensamento de Deus”. Maya, na filosofia vedantina, é especificamente “a ilusão sobreposta à realidade como efeito da ignorância”.

3) Quanto a Deus, existiriam duas conotações diferentes: o do Princípio Único (Brahman) e o do causador da manifestação dos mundos (o Deus pessoal, gerente dos mundos de Maya, que chama-se Iswara, em sânscrito). Vivekananda explica:
“Existem duas idéias de Deus nas nossas escrituras (hindus) – uma, pessoal, e a outra, impessoal. A idéia de um Deus Pessoal é que Ele é o criador onipresente (Iswara), preservador e destruidor de todas as coisas, o Pai e Mãe do universo, mas Alguém que está separado eternamente da gente e de todas as almas; e a libertação consiste em se aproximar Dele e viver Nele. Mas existe outra idéia do (Deus) Impessoal, onde todos os adjetivos são supérfluos […] O que é Brahman? Ele é eterno, eternamente puro, eterno desperto, todo-podereoso, onisciente, piedoso, onipresente, sem forma (…) Nos Vedas não utilizamos a palavra “Ele”, mas “Isto”, pois “Ele” irá fazer uma distinção individual, como se Deus fosse um homem (…) Este sistema é chamado de Advaita. E qual é a nossa relação com este Ser Impessoal? É que nós somos Ele. Nós e Ele somos Um. Cada um é apenas uma manifestação deste Impessoal, o fundamento de todos os seres, e a miséria consiste em pensar na gente como diferente deste Infinito Ser Impessoal; e a libertação consiste em saber da nossa unidade com esta maravilhosa Impessoalidade. Estas são, em resumo, as duas idéias de Deus que encontramos nas nossas escrituras (hindus). Alguns destaques devem ser feitos aqui. É somente através da idéia de um Deus Impessoal que podemos ter qualquer tipo de ética. Em todas as nações a verdade tem sido dita desde os tempos mais remotos – ame seus semelhantes como a você mesmo – quero dizer, ame os seres humanos como a você mesmo. Na Índia, isto tem sido dito assim, ‘ame todos os seres como a você mesmo’; nós não fazemos distinção entre homens e animais (…) vocês compreendem isso quando aprendem que o mundo inteiro é único – a unicidade do universo – a solidariedade de todo o ser vivo – que, ao ferir alguém, eu estarei ferindo a mim mesmo, ao amar alguém, eu estou amando a mim mesmo. Então nós entendemos o porquê de não devermos ferir aos outros.”

Referência: A cosmologia dos Vedas (universo, criação, etc) em inglês

#Hinduismo

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A roda dos deuses (parte 1)

Há uma lenda bastante difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo.

A verdade, no entanto, pode ser mais profunda… Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em todo o globo, e em O poder do mito ele deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes religiões ocidentais, e as orientais: Enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria das pessoas identifica Deus com a fonte da Alma do Mundo, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o veículo desta energia transcendente.

Por isso as religiões ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões orientais tendem a ver esta divindade por toda a volta – ela seria o próprio fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as coisas.

O curioso é que ambas as visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se observar este grande mistério: “porque existe algo, e não nada?” Para resolver tal questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente dentro de si mesma… Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única fonte, mas que preenchem a tudo o que há, é precisamente isto a roda dos deuses. Reflitamos:

O Uno

Conta-nos o estudioso de mitologia e religiões, Mircea Eliade [1], que os poetas criadores do Rig Veda hindu já se questionavam, provavelmente muito tempo antes dos hebreus, acerca do problema do ser, ou do incrível fato de, afinal, algo existir: “O Uno respirava por impulso próprio, sem que houvesse inspiração ou expiração (…) Afora isso, nada mais existia”. Depois, segundo eles, através de um ato de desejo e vontade, a “semente primeira” dividiu-se em “alto” e em “baixo”, num princípio masculino e noutro feminino, e depois irradiou ou emanou de si mesma, como um pensamento, tudo o que há.

Desta forma, os milhares de deuses hindus são, eles mesmos, uma “criação secundária”. Daí nasce o grande questionamento de um desses poetas hindus anônimos e ancestrais: “Será que aquele que zela por este (mundo) no lugar mais alto do firmamento é o único a saber (da origem da “criação secundária”) – ou nem mesmo ele sabe?”.

Se é verdade que nem todas as interpretações dos Vedas chegaram a tal profundidade, não é verdade que nenhum sábio hindu tenha chegado a conclusões muito próximas dos hebreus – tudo o que há haveria de ter sido criado ou irradiado de uma só fonte, de um só Deus. Dessa forma, a ideia básica do monoteísmo está longe de ser uma criação do judaísmo, ou pelo menos, apenas do judaísmo.

Esta mesma conclusão está presente no Antigo Egito (particularmente no hermetismo), na filosofia de Parmênides (e alguns filósofos pré-socráticos que não a desenvolveram com a mesma profundidade), no estoicismo, no pensamento de Plotino e, mais recentemente, na monumental obra de Espinosa, a Ética.

Mas, e seria este Uno um ser pessoal, ou alguma espécie de energia inefável, de força ou lei oculta da Natureza? Disto não podemos saber, apenas apostar… Mas, ainda que apostemos na hipótese da energia inefável, ainda aqui teremos sido precedidos por Lao Tsé em muitos séculos: “O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo. Não sei de quem possa ser filho, pois parece ser anterior ao Soberano do Céu” (Tao Te Ching, verso 4).

A Deusa Mãe

A adoração do aspecto feminino, fértil e vivificador da divindade data da pré-história (o que pode ser comprovado pelas inúmeras estatuetas de uma “grande mãe” encontradas pelos arqueólogos em vários pontos do mundo).

Quase 3 mil anos antes de Cristo, na grandiosa cidade de Uruk, na Suméria, o templo de Ishtar dominava a civilização da primeira grande cidade. Ishtar, entretanto, era apenas mais um nome dado a Grande Deusa, que era adorada então por muitas outras culturas na Terra. Nada se comparava ao poder da mulher. Toda a vida provinha dela e sem seu alimento nenhuma vida sobreviveria. A Mãe era a vida. A Terra era a Mãe. Deus era Mulher. O matriarcado dominou grande parte do período em que se cultuou a Deusa Mãe.

Certamente o advento da agricultura contribuiu ainda mais para que o mistério do nascimento ocupasse um ponto central das religiões antigas. A Terra era associada ao ventre e, como os vegetais, os homens nasciam do solo, e voltavam ao solo durante a morte. Provavelmente tais mitos tenham sido a fonte primária dos mitos de criação do homem a partir do solo, presentes não somente na mitologia hebraica como em alguns mitos africanos bastante similares.

Mas com o tempo, e o advento das primeiras cidades (com estoques de grãos), dos saqueadores de cidades, e dos exércitos que guardavam as cidades dos saqueadores, o mundo tornou-se mais bruto e violento, e o matriarcado foi sendo suprimido pelo patriarcado. A Deusa Mãe saía de cena…

O “deus do pai”

Ainda nos conta Mircea Eliade que a religião dos patriarcas hebreus, já desde Abraão, era muito próxima ao culto dos antepassados, prática comum tanto do paganismo como de doutrinas orientais, como o budismo e o xintoísmo. O “deus do pai” é primitivamente o deus do antepassado imediato, que os filhos reconhecem. É um deus dos nômades e pastores, que não está ligado a santuários fixos, mas acompanha e protege um grupo de homens. Ele “se compromete diante de seus fiéis por meio de promessas” – o que fica muito claro nas barganhas relatadas no Antigo Testamento (“faça isto por mim, que farei isto por você”) [2].

Mas ao penetrarem em Canaã, os patriarcas são confrontados com o culto do deus El (o Deus Criador nas culturas suméria e babilônica), e o “deus do pai” acaba por lhe ser identificado [3]. Dessa forma, obtém a dimensão cósmica que não podia ter como uma divindade de famílias e clãs.

O “deus do pai”, o deus dos patriarcas hebreus, torna-se o Deus Criador e, dessa forma, é também associado ao Uno, ao “único Deus”. Mas isto não foi “a origem do monoteísmo”, como dizem as lendas, mas tão somente um dentre muitos sincretismos religiosos similares, que ocorreram não somente em Canaã, como em diversas outras partes do mundo…

» Em seguida, a roda continua a girar com as entidades divinas e os avatares…

***

[1] Alguns dos trechos de livros sagrados nesta série de artigos foram retirados de seu livro, História das crenças e das ideias religiosas, vol I (Zahar).

[2] As barganhas religiosas, onde “se cobra a Deus por sua parte do trato”, existem até os dias de hoje. É surpreendente que certas igrejas, que teoricamente são protestantes, ainda hoje colaborem para esta prática de uma espiritualidade tão superficial.

[3] É por isso que o Deus hebreu ora é chamado de Javé, ora de Elohim. Javé seria o “deus do pai”, e Elohim seria sua associação a El.

Crédito da foto: Frederic Soltan/Corbis (O Templo do Sol de Konark, Orissa/Índia)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

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#Hinduismo #Religiões #Mitologia #Judaismo #MirceaEliade #Paganismo

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Abe no Seimei 

Abe no Seimei (japonês 安倍 晴明) é o onmyōji mais famoso da história japonesa. Um onmyōji é um especialista na prática do Onmyōdō, cosmologia esotérica tradicional do Japão que mistura ciência natural e ocultismo. Descendente do famoso poeta Abe no Nakamaro, Seimei viveu no Japão durante o período Heian, entre 921 e 1005. Devido ao seu sucesso como um astrólogo e adivinho, ele era amplamente creditado como um gênio e portador de poderes mágicos e conhecimentos secretos.

Seimei foi discípulo dos onmyōjis Kamo no Tadayuki e Kamo no Yasunori, e sucedeu Yasunori como astrólogo e adivinho da corte imperial. Os deveres de Seimei incluíam determinar o sexo de um feto, encontrar objetos perdidos ou ausentes, dar conselhos sobre como levar sua vida pessoal, conduzir exorcismos, criar defesas contra magia negra e espíritos malignos e analisar e interpretar eventos, como por exemplo fenômenos celestes. Ele escreveu vários livros, dentre eles o Senji Ryakketsu (占 事略 决, lit. “O Resumo de Julgamentos de Divindades”), que contém seis mil previsões e trinta e seis técnicas de adivinhação usando espíritos familiares conhecidos como shikigami, e uma tradução do Hoki Naiden, detalhando técnicas secretas de adivinhação.

Abe no Seimei era tão renomado que a família Abe continuou no controle do Onmyōryō (ministério do governo de onmyōdō) até ele ser encerrado, em 1869. Após sua morte, as histórias sobre Seimei começaram a se espalhar rapidamente e continuaram por centenas de anos. Eventualmente, os detalhes de sua vida tornaram-se tão entrelaçados com inúmeras lendas que já não era mais possível distinguir o que é verdade e o que é mito.

Acreditava-se que a aptidão mágica de Abe no Seimei era derivada de uma linhagem sobrenatural. Dizia-se que sua mãe era uma kitsune, fazendo dele um Hanyō (meio-yokai). O pai de Seimei, Abe no Yasuna, salvou uma raposa branca que estava sendo perseguida por caçadores. A raposa então se transformou em uma bela mulher e disse que seu nome era Kuzunoha. Em agradecimento por salvar sua vida, Kuzunoha se tornou a esposa de Yasuna, e deu-lhe um filho, Seimei.

Aos cinco anos de idade, a linhagem yokai de Abe no Seimei começou a se tornar evidente. Nessa idade, ele já era capaz de comandar um Oni fraco e forçá-lo a cumprir suas ordens. Um dia, ele testemunhou sua mãe em sua forma de raposa. Kuzunoha explicou a Seimei que ela era a raposa branca que seu pai havia salvado no passado. Após a revelação, ela fugiu para a floresta, para nunca mais voltar. Kuzunoha confiou seu filho ao onmyōji Kamo no Tadayuki, a fim de garantir que ele não se tornaria uma pessoa má.

Abe no Seimei teve muitos rivais. Um deles foi um famoso sacerdote chamado Chitoku Hōshi. Chitoku era um feiticeiro habilidoso, e certa vez quis testar Seimei para ver se ele era realmente tão bom quanto as pessoas diziam que ele era. Chitoku se disfarçou como um viajante e visitou a casa de Seimei, pedindo para que lhe ensinasse magia. Seimei percebeu o disfarce de Chitoku instantaneamente. Além disso, ele também viu que os dois servos que Chitoku havia trazido consigo eram na verdade shikigamis disfarçados.

Seimei decidiu se divertir um pouco com Chitoku. Ele concordou em treiná-lo, mas lhe disse que aquele não era um bom dia, e pediu-lhe  para voltar no dia seguinte. Chitoku então voltou para sua casa, enquanto Seimei libertou os seus dois shikigamis sem que ele percebesse. No dia seguinte, Chitoku percebeu que seus criados haviam desaparecido, e voltou até a casa de Seimei, pedindo para que ele devolvesse seus shikigami. Seimei riu dele, o repreendendo duramente por tentar enganá-lo. Seimei lhe disse que qualquer outra pessoa não seria tão bondosa a ponto de devolver shikigamis que foram empregados contra ela. Chitoku então percebeu que estava muito acima de sua cabeça; Seimei não foi só capaz de enxergar através de seu disfarce, mas ele foi capaz de manipular todos os seus feitiços também. Chitoku então Inclinou-se perante Seimei, clamou pelo seu perdão e ofereceu-se para se tornar seu servo.
O principal rival de Abe no Seimei foi um feiticeiro chamado Ashiya Dōman. Dōman era muito mais velho que Seimei, e acreditava que não havia ninguém no mundo que fosse um onmyōji melhor do que ele. Ao ouvir sobre o talento de Seimei, ele o desafiou para um duelo mágico.

No dia do duelo, os dois feiticeiros se encontraram nos jardins imperiais para a competição, onde muitos funcionários e testemunhas estavam presentes para assisti-los. Primeiro, Dōman pegou um punhado de areia, concentrou-se sobre ele por um momento, e o jogou para o alto. As partículas de areia se transformaram em inúmeras andorinhas que começaram a voar ao redor do jardim. Seimei então pegou seu leque, e balançando-o apenas uma vez, fez com que todas as andorinhas se transformassem em grãos de areia novamente.

Em seguida, Seimei recitou um feitiço. Um dragão apareceu acima deles no céu, e uma fina chuva começou a cair. Dōman recitou seu feitiço, no entanto, ele não foi capaz de fazer com que o dragão desaparecesse. Em vez disso, a chuva tornou-se mais forte, enchendo o jardim com água até a cintura de Dōman. Finalmente, Seimei lançou seu feitiço outra vez. A forte chuva parou, e o dragão desapareceu.

A terceira e última competição foi um desafio de adivinhação: os competidores tiveram que adivinhar o conteúdo de uma caixa de madeira. Dōman, indignado por ter perdido a rodada anterior, desafiou Seimei: “Quem perder essa rodada se tornará o servo do outro!”. Dōman declarou confiantemente que haviam 15 laranjas dentro da caixa. Seimei o contradisse, dizendo que haviam 15 ratos na caixa. O imperador e seus acompanhantes que haviam preparado o teste sacudiram a cabeça, pois puseram 15 laranjas na caixa. Eles anunciaram que Seimei tinha perdido. No entanto, quando abriram a caixa, 15 ratos pularam para fora! Seimei não havia só adivinhado o conteúdo da caixa, mas transformou o mesmo em ratos, enganando Dōman e toda a corte e assim vencendo o duelo.

Ashiya Dōman continuou a guardar rancor contra Abe no Seimei, e continuou a conspirar contra ele. Ele seduziu a esposa de Seimei e a convenceu a lhe contar os segredos mágicos de Seimei. Ela lhe mostrou a caixa de pedra na qual Seimei guardava o Hoki Naiden, seu livro de feitiços. Hoki Naiden era um livro de segredos que foram transmitidos desde tempos imemoriais da Índia para Tang, na China. Ele chegou à posse do enviado japonês, Kibi no Makibi, que ao retornar ao Japão, apresentou o livro aos familiares de seu amigo Abe no Nakamaro, que permaneceu na China. De lá foi transmitido de geração em geração, e eventualmente foi herdado por Abe no Seimei.

Uma noite, após Seimei voltar para casa, encontrou Dōman, vangloriou-se de ter adquirido o livro mágico secreto de Seimei. Seimei repreendeu-o, dizendo que isso era impossível, mas tão impossível, que se Dōman tivesse o livro, ele poderia cortar sua garganta.Triunfante, Dōman apresentou o livro a Seimei, que ao perceber que tinha sido traído por sua esposa, ofereceu sua garganta a Dōman. Dōman alegremente cortou a garganta de Seimei, que acabou morrendo.

Quando Seimei foi assassinado, Saint Hokudō – o mago chinês que havia dado o Hoki Naiden a Kibi no Makibi – sentiu a perda de um grande feiticeiro. Ele viajou pelo mar até o Japão, recolheu os ossos de Seimei e o trouxe de volta a vida. Os dois então se prepararam para se vingar de Dōman e da ex-esposa de Seimei, que agora estava casada com Dōman.

Saint Hokudō fez uma visita à casa de Seimei, onde Dōman e sua esposa agora viviam juntos. Ele perguntou a  Dōman se Seimei estava em casa, e Dōman lhe respondeu que, infelizmente, ele havia sido assassinado há algum tempo. Saint Hokudō disse que isso era impossível, pois ele tinha visto Seimei naquele mesmo dia. Dōman riu dele, dizendo que isso era impossível, mas tão impossível, que se Seimei estivesse realmente vivo, ele poderia cortar sua garganta. Saint Hokudō então gritou para Abe no Seimei, que se apresentou e prontamente cortou as gargantas de Dōman e sua esposa.

Seimei também figura em inúmeros outros contos. Ele aparece como um personagem menor no épico Heike Monogatari, sendo responsável por adivinhar a localização de Shuten-doji, um poderoso oni supostamente morto por Minamoto no Yorimitsu. As vezes ele é dito ser o onmyoji que descobriu a verdadeira natureza da lendária kitsune Tamamo-no-Mae, embora a época da história da Tamamo-no-Mae não coincida com o período de vida de Seimei. Essa descoberta muitas vezes creditada a um de seus descendentes, Abe no Yasuchika.

Hoje, Abe no Seimei é adorado como um deus em muitos santuários em todo o Japão. Seu santuário principal está localizado em Kyōto, e fica no local ficava sua antiga casa.

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