Feliz Aniversário, Mitra!

Um texto da Superinteressante sobre comer ou não carne trouxe uma notinha interessante para esta época de Natal:

“As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há 6.000 anos juntavam gado selvagem e o criavam nos pastos naturais. Esses pastores cultuavam um deus-touro, chamado Mitra, símbolo da força, da masculinidade, do poder. A necessidade de pastos novos a cada vez que acabava o antigo fazia deles expansionistas por natureza e, no início da era cristã, eles já tinham se espalhado da Índia, Babilônia a Portugal. Com isso, o culto a Mithra tornou-se muito popular no Império Romano. Para contê-lo, a Igreja adotou sua data sagrada, o dia de Mithra – 25 de dezembro. Estava estabelecido o Natal. Depois, no Concílio de Toledo, em 447, a Igreja publicou a primeira descrição oficial do diabo, a encarnação do mal: um ser imenso e escuro, com chifres na cabeça. Como Mithra.”

Esse texto pode insinuar que Mitra seja o próprio demônio, mas não é o caso. Mitra era um deus do bem, criador da luz (por isso mesmo era associado ao Sol), em luta permanente contra a divindade obscura do mal. Seu culto estava associado à crença na existência futura absolutamente espiritual e libertada da matéria. Protetor dos justos, agia como mediador entre a humanidade e o Ser Supremo. Ele encarnou-se para viver entre os homens e enfim morreu para que todos fossem salvos. Os persas o adoravam por influência dos babilônios, os primeiros astrólogos da antiguidade. Seu nome, de raiz indo-européia, significa: “troca”, “contrato” e “amizade” (seria daí que surgiu o costume de trocar presentes?). Era o correspondente iraniano do deus sumério Tamuz.

Os Romanos tinham a “Festa da Saturnália” em honra do deus Saturno. Este festival era celebrado entre 17 e 23 de Dezembro. Nos últimos dois dias trocavam-se presentes em honra de Saturno. Já em 25 de Dezembro acontecia a celebração do nascimento do sol invencível (Natalis Solis Invicti). Posteriormente, à medida que as tradições romanas iam sendo suplantadas pelas tradições orientais importadas, os maiores festejos realizavam-se em honra do deus Mitra, cujo nascimento se comemorava a 25 de Dezembro. O culto de Mitra – que se tornou difundido como o deus da luta e o protetor dos soldados – penetrou em Roma no 1º século AC. A data entrou no calendário civil romano em 274, quando o Imperador Aureliano declarou aquele dia o maior feriado em Roma, comparável ao nosso Carnaval. Os adeptos do mitraísmo costumavam se reunir na noite de 24 para 25 de dezembro, a mais longa e mais fria do ano, onde ficavam fazendo oferendas e preces pela volta da luz e do calor do Sol.

Em 313 d.C. Constantino, imperador de Roma, decretou o Édito de Milão, dando liberdade de culto aos cristãos e trocando, dessa forma, a perseguição pela tolerância tão desejada. Segundo uma lenda, antes da batalha de Mexêncio, ele teve uma visão da cruz contra o sol, e uma mensagem que dizia, “com este sinal vencerás”. Constantino era adorador do deus Sol. De certa forma, o que temos hoje é justamente isso: a união de Mitra (Sol) e Jesus (Cruz) no Catolicismo.

E é provavelmente por isso que a Igreja Católica adotou Mitra como “padrinho”, já que as missas são celebradas no domingo, dia dedicado ao Sol, e aquele chapeuzinho que os papas, cardeais e bispos usam é chamado de Mitra. As “coincidências” não param por aí:

Mitra também nasceu de uma virgem; Pastores, que assistiram ao evento, foram os primeiros que o adoraram; O líder do culto Mitráico era chamado de Papa e ele governava de um “mithraeum” na Colina Vaticano, em Roma; Uma característica iconográfica proeminente no Mitraismo era uma grande chave, necessária para destrancar os portões celestiais pelo qual se acreditava passar as almas dos defuntos; Os Mitraistas consumiam uma comida sagrada (Myazda) que era composta de pão e vinho; Assim como os cristãos, eles celebraram a morte reconciliada de um salvador que ressuscitou em um domingo; Um grande centro principal da filosofia Mitraica ficava em Tarso – Cidade natal de São Paulo – que agora é Sudeste da Turquia.

O acontecimento mais marcante da história de Mitra foi a luta simbólica contra o touro sagrado (o primeiro ser criado por Ahura Mazda) que ele derrotou e sacrificou em prol da humanidade. Todavia, como nos antigos textos persas o próprio Mitra era o touro, esse gesto adquire o dúplice significado de vitória sobre o mundo terreno e de auto-sacrifício da divindade a fim de redimir o gênero humano de seus pecados (assim como Jesus):

Esse touro pastava tranquilo num prado. Mitra precipitou-se sobre o animal, tomou pelos chifres e saem ambos em desabalada carreira, até que o animal, esgotado, caiu de joelhos. Por ordem do deus supremo, que enviou o corvo, seu mensageiro, Mitra enterrou a faca no animal. Da sua medula e do seu sangue germinarão todas as plantas úteis aos mortais, de modo especial o trigo e a vinha. Os animais maléficos enviados por Ahriman, o escorpião, a serpente, a formiga etc., tentam prevenir esses felizes efeitos bebendo o sangue derramado e envenenando a fonte do poder gerador. Mas é em vão. A alma do touro, transportada ao céu, continuará a proteger a vida agrícola. Depois vem a seca e o dilúvio. Mitra, em figura de arqueiro, fere um rochedo e dele jorra água. A seca foi vencida. Prende homens e animais numa arca e estes são salvos do dilúvio. No termo de sua carreira, Mitra abandona a terra num carro de fogo conduzido pelo Sol. Após ciclos sucessivos, Mitra deverá reaparecer na terra para sacrificar, mais uma vez, o touro misterioso, cuja gordura, misturada ao suco da planta Haoma, restituirá a vida, a existência imortal, aos fiéis de Mitra. Do céu, então, cairá fogo devorador e consumirá todos os seres maus, homens e demônios, juntamente com o princípio do Mal, Ahriman (bastante figurado, mas em síntese nada diferente da simbologia cristã).

Só pra constar: Engraçado como essa coisa de trindade já estava presente muito antes de Jesus, aparecendo no Egito (Isis, Osíris e Horus) e na Suméria, com Tamuz, que é filho de Ninrod (equivalente ao deus Sol) e Semírames (Mãe/esposa, equivalente à lua). Ninrod morreu de forma violenta, mas Semiramis criou o mito da sua sobrevivência pós-morte, ao afirmar que ele passaria a existir como um ente espiritual, alegando que um grande pinheiro cresceu de um dia para o outro de um pedaço de árvore morta. Esse pinheiro era o símbolo vivo da passagem de Ninrode para outra forma de vida. Todos os anos, por ocasião do seu aniversário, o espírito de Ninrode visitava o pinheiro e deixava nele oferendas. A data do aniversário é (por acaso) 25 de dezembro.

#Espiritualidade #mithra

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/feliz-anivers%C3%A1rio-mitra

Ritual de Consagração do Aposento

Sentai tranquilamente em vosso aposento e dizei estas palavras em voz alta.

Dentro do circulo infinito da Divina Presença, que me envolve inteiramente, afirmo:

Há uma só Presença aqui, é a da Harmonia que faz vibrar todos os corações de felicidade e alegria.

Quem quer que aqui entre, sentirá as vibrações da Divina Harmonia.

Há uma só Presença aqui, é a do Amor.

Deus é Amor que envolve todos os seres num só sentimento de unidade.

Este recinto está cheio da Presença do Amor.

No Amor eu vivo, me movo e existo.

Quem quer que aqui entre, sentirá a pura e santa Presença do Amor.

Há uma só Presença aqui, é a da Verdade.

Tudo o que aqui existe, tudo que aqui se fala, tudo o que aqui se pensa é expressão da Verdade.

Quem quer que aqui entre, sentirá a Presença da Verdade.

Há uma só Presença aqui, é a da Justiça.

A Justiça reina neste recinto.

Todos os atos aqui praticados são regidos e inspirados pela Justiça.

Quem quer que aqui entre, sentirá a Presença da Justiça.

Há uma só Presença aqui, é a Presença de Deus, o Bem.

Nenhum mal poder entrar aqui.

Não há mal em Deus.

Deus, o Bem, reside aqui.

Quem quer que aqui entre, sentirá a Presença Divina do Bem.

Há uma só Presença aqui, é a Presença de Deus, a Vida.

Deus é a Vida essencial de todos os seres.

É a saúde do corpo e da mente.

Quem quer que aqui entre, sentirá a Divina Presença da Vida e da Saúde.

Há uma só Presença aqui, é a Presença de Deus, a Prosperidade.

Deus é prosperidade, pois Ele faz tudo crescer e prosperar.

Deus se expressa na Prosperidade de tudo o que aqui é empreendido em Seu Nome.

Quem quer que aqui entre, sentirá a Divina Presença da Prosperidade e da Abundância.

Pelo símbolo esotérico das Asas Divinas, estou em vibração harmoniosa com as correntes universais da Sabedoria, do Poder e da Alegria.

A Presença da Divina Sabedoria manifesta-se aqui.

A Presença da Alegria Divina é profundamente sentida por todos os que aqui penetram.

Na mais perfeita comunhão entre o meu eu inferior e o meu Eu Superior, que é Deus em mim, consagro este recinto à Perfeita expressão de todas as qualidades Divinas que há em mim e em todos os seres.

As vibrações do meu Pensamento são forças de Deus em mim, que aqui ficam armazenadas e daqui se irradiam para todos os seres, constituindo este lugar um centro de emissão e recepção de tudo quanto é Bom, Alegre e Próspero.

Agradeço-Te ó Deus, porque este recinto está cheio da Tua Presença.

Agradeço-Te, por que vivo e me movo por Ti.

Agradeço-Te, por que vivo em Tua Vida, Verdade, Saúde, Prosperidade, Paz, Sabedoria, Alegria e Amor.

Agradeço-Te, porque estou em Harmonia, Amor, Verdade e Justiça com todos os seres.

Que assim Seja.

Esta consagração deve ser recitada diariamente por toda e qualquer pessoa que deseje obter um desenvolvimento espiritual, mental, moral ou material. Sendo recitada com verdadeira compreensão de seu sentido real e com a convicção de que suas palavras exprimem a REALIDADE, ela pode refazer e reformar inteiramente a vida e o destino do recitante. É uma oração profunda, de natureza universal, ecumênica. 

Se quiser consagrar o local onde está (casa, apartamento e lares em geral, além de centros de culto, adoração, concentração e meditação) faça durante uma semana seguida e, após isto, sempre no início da semana para abençoar e dar boas vindas as novas energias que fluirão através da mesma. Acenda um incenso e consagre cada canto lendo estas palavras em voz alta.

A “Consagração do Aposento” é uma das pérolas que ornam com inigualável beleza o rico tesouro ritualístico do “Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento”, primeira ordem esotérica estabelecida no Brasil, cujo propósito é estudar as forças ocultas da natureza e do homem e promover o despertar das energias latentes no pensamento humano. Desde sua fundação, a entidade adotou como lema os princípios de Harmonia, Amor, Verdade e Justiça.

Boas práticas! Shalom!

#MagiaPrática

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/ritual-de-consagra%C3%A7%C3%A3o-do-aposento

Os Mistérios Eleusis e a Grande Deusa Demeter

Acredita-se que o culto à Deméter tenha sido trazido à Grécia vindo de Creta durante o período micênico, carregando consigo o seu nome.. Sendo assim, ela é descendente direta da Deusa-Mãe cretense, que com suas virgens e sacerdotisas, empunhavam serpentes e prestavam culto ao touro. Neste caso, podemos afirmar que Deméter representaria a sobrevivência da religião e dos valores matriarcais durante a cultura patriarcal guerreira dos gregos clássicos.

O hino homérico relata que ela teria chegado a Eleusis disfarçada de anciã, na época em que as pessoas vinham do outro lado do mar, de Creta.

A filha de Deméter, Perséfone, também nasceu em Creta, e a lenda arcaica da união de Zeus, em forma de serpente, com sua filha também teve lugar em Creta. O filho que nasceu dessa união foi Dionísio. As coincidências demonstram que existe uma conexão entre a Deméter documentada em Creta e a que é conhecida na Grécia.

Na Grécia antiga, Deméter era responsável por todas as formas de reprodução da vida, mas principalmente da vida vegetal, o que lhe rendeu o título de “Senhora das Plantas”, “A Verde”, “A que atrai o fruto” e “A que atri as estações”. As pessoas a honravam ao usar guirlandas de flores enquanto marchavam pelas ruas, geralmente descalças. Acreditava-se que pisar na terra descalço aumentava a comunicação entre os humanos e a Deusa.

Para os gregos, Deméter era a criadora do tempo e a responsável por sua medição em todas as formas. Seus sacerdotes eram conhecidos como Filhos da Lua.

Outro vestígio da antiga consciência matriarcal da Deusa-Mãe, foi transmitido na devoção católica popular da Virgem Maria entre os povos do Mediterrâneo. Quase certamente há uma continuidade psíquica entre Maria, a Mãe de Deus, as antigas deusas da Grande Mãe no Mediterrâneo e no Oriente Próximo e a deusa Deméter. Mas embora se conheça muitas representações medievais de Maria com cereais e flores, ela não possui o poder emocional das antigas Mães da Terra e suas filhas.

Deméter era a protetora das mulheres e uma divindade do casamento, maternidade, amor materno e fidelidade. Ela regia as colheitas, o milho, o arado, iniciações, renovação, renascimento, vegetação, frutificação, agricultura, civilização, lei, filosofia da magia, expansão, alta magia e o solo.

O RAPTO DE PERSÉFONE

Quando falamos de Deméter, devemos falar de duas Deusas. O cerne do mito e do culto a Deméter, era o fato dela ter perdido sua adorada filha Coré (donzela, em grego). A intimidade entre mãe e filha ressalta o caráter profundamente feminino dessa religião e constelação mitológica. Coré mais tarde passa a ser conhecida como Perséfone.

O mais antigo documento que narra este mito é o belo “Hino à Deméter” homérico, que nos fala tanto da Deusa Deméter como de sua filha Coré. O objetivo deste poema é explicar a origem dos mistérios de Elêusis.

A jovem Coré, diz a narrativa, encontrava-se colhendo flores, quando foi atraída por um narciso muito belo, mas ao estender a mão para pegá-lo, a terra se abriu e Plutão (Hades), Senhor dos Mortos, em sua carruagem de ouro puxada por dois cavalos negros, arrebatou-a e levou-a para ser sua noiva e Rainha do Subterrâneo. Coré lutou e gritos, mas nem os deuses imortais como os homens mortais, ouviram seus clamores. Deméter só pode ouvir o eco do apelo de sua filha e então apressou-se para encontrá-la. Procurou sua filha por nove dias e nove noites, não parando para comer, dormir ou banhar-se, só andando errante pela terra, carregando em suas mãos tochas acesas. Porém quando se apresentou pela décima vez a Aurora, encontrou-se com Hécate, Deusa da Lua Escura, que lhe diz:

–“Soberana Deméter, dispensadora das estações, de esplendidos dons, quem dos deuses celestes ou dos homens mortais raptou Perséfone e afligiu teu animo? Ouvi a sua voz, porém não vi com meus olhos quem era. Em breve vamos desfazer esse engano”.

Assim falou Hécate que partiu com Deméter, levando em suas mãos as tochas acesas. As duas então chegaram até Hélio, o deus do sol, que compartilha esse título com Apolo e a mãe aflita perguntou:

-“Sol, respeita-me tu ao menos, como Deusa que sou…A filha que pari, encantadora por sua figura…ouvi sua vibrante voz através do límpido éter, como a de quem se vê violentada, mas não a vi com meus olhos. Porém tu que sobre toda a terra e por todo o mar diriges desde o éter divino a olhar de teus raios, diga-me sem enganos se teria visto a minha filha querida em alguma parte; quem dos deuses ou dos homens mortais ousou capturá-la para longe de mim, contra sua vontade, pela força”.

Hélio então respondeu:

-“Filha de Rea, ..pois é grande o meu respeito e compaixão que sinto por ti, aflita como estás por tua filha de esbeltos tornozelos. Nenhum outro dos imortais é mais culpado que Zeus fazedor de nuvens, que a entregou à Hades para que se torne sua esposa…Assim que tu, Deusa, dá fim a teu copioso pranto. Nenhuma necessidade há de que tu, sem razão, guarde então um insaciável rancor.”

Deu a entender para a Deméter que ela deveria aceitar a violação de Perséfone, pois Hades, não era um genro tão sem valor, mas a Deusa não aceitou seu conselho e agora sentia-se traída por Zeus. Retirou-se do monte Olimpo, disfarçou-se de uma mulher anciã e vagou sem ser reconhecida entre as cidades dos homens e os campos. Um certo dia, ela se aproximou de Elêusis, sentou-se perto do poço Partenio e foi encontrada pelas filhas de Céleo, o governador de Elêusis. Quando Deméter disfarçada lhes revelou que procura um emprego de babá, ela a levaram para casa, à sua mãe Metanira, para cuidar do um irmãozinho chamado de Demofonte.

Sob os cuidados da Deusa, Demofonte criou-se como um deus. Ela o alimentou com ambrosia e secretamente o colocou em um fogo que o teria tornado imortal não tivesse Metanira entrado no local e gritado por medo do filho. Deméter reagiu com fúria, reclamou à Metanira por sua estupidez, e revelou sua verdadeira identidade. Ao mencionar seu nome mudou completamente seu visual revelando sua beleza divina. Seu cabelo dourado caiu pelas costas, e seu perfume e esplendor encheram a casa de luz.

Imediatamente Deméter ordenou que fosse construído um templo só seu e lá permaneceu envolta em sua dor e não permitindo que nada germinasse na terra.

Zeus, tendo conhecimento da situação enviou sua mensageira Íris até Deméter, pedindo que Deméter retornasse ao Olimpo. Como não concordou, um a um dos deuses olímpicos vieram até ela, trazendo dádivas e honras. Mas a cada um Deméter fez saber que de modo algum retornaria ao monte Olimpo, até que sua filha lhe fosse devolvida.

Finalmente Zeus resolve enviar seu mensageiro Hermes até Hades, ordenado-lhe que trouxesse Perséfone de volta para que “quando sua mãe a visse com seus próprios olhos, abandonasse a sua raiva”. Hermes ao chegar ao mundo de Hades, encontrou-o sentado próximo à Perséfone que se encontrava muito deprimida.

O Senhor dos Mortos, antes de libertar Perséfone, deu-lhe uma semente de romã para comer, o que faria com que ela voltasse para ele. Assim, foi-lhe permitido voltar para Deméter dois terços do ano e o restante do ano no mundo das trevas com Hades.

Com a satisfação de recuperar a filha perdida, Deméter fez com que os cereais brotassem novamente e com que toda a Terra se enchesse de frutos e flores. Imediatamente mostrou esta feliz visão aos princípios de Elêusis, Triptolemo, Diocles e ao próprio rei Celeo e, além disso, revelou-lhes seus sagrados ritos e mistérios.

O amor entre Deméter e Coré é um sentimento que somente uma mãe e uma filha podem realmente compartilhar. Não importa o quanto um pai ame e adore sua filha, jamais chegará perto do estreito vínculo que existe entre mãe e filha. Ao dar á luz, a mãe, vê a si mesma em pura inocência naquela pequena pessoinha. Jung nos diria que uma mãe vê em sua filha é a percepção de seu próprio “self” feminino transcendente, a perfeição do ser feminino.

Podemos afirmar, com convicção, segundo Carl Jung, que “em toda mãe já existiu uma filha e toda a filha contêm sua mãe” e que toda mulher se estende para trás em sua mãe e para frente em sua filha. A conscientização destes laços gera o sentimento de que a vida se estende ao longo de gerações e provocam a sensação de imortalidade.

ARQUÉTIPO MATERNAL

No momento que a mulher recebe em seus braços o seu bebê, o poder arquetípico de Deméter é plenamente despertado. As dores do parto, consideradas como uma transição iniciática, desaparecem e uma irradiação de amor demétrico tudo abrange. Estará aqui e agora desperta para uma nova fase de sua vida: ser mãe. Uma vez mãe, permanecerá sempre mãe, pois nada apaga a emoção de carregar um filho sob o coração.

O arquétipo da Mãe era representado no Olimpo por Deméter. Embora muitas Deusas tenham sido mães, nenhuma se compara à esta Deusa, pois ela deseja ser mãe. Quando está grávida ou criando seus filhos, Deméter atinge o ápice de sua plenitude enquanto mãe. Ela orgulhosamente proporcionou vida nova e novas esperanças à sua comunidade. No antigo simbolismo de seu ciclo, ela corporifica agora a lua cheia, e também o verão abundante com frutos da terra. O cálice da força vital dentro de si está transbordante.

Este arquétipo não está restrito à mãe biológica. Ser mãe de criação ou ama seca, permite que outras mulheres expressem seu amor maternal. A própria Deméter representou este papel com Demofonte.

MÃE-NATUREZA

O povo grego. ano após ano, via, com natural pesar, os dias brilhantes do verão desvanecer-se com a tristeza da estagnação do inverno. Ano após ano, saudava a explosão de vida e cores da primavera. Habituado a personificar as forças da natureza e a vestir suas realidades com roupagem de fantasia mítica, ele criou para si um panteão de deuses e deusas, de espíritos e duendes, que oscilavam com as estações e seguiam as flutuações anuais de seus fados com emoções alternadas de alegria e tristeza, que expressava na forma de ritual e de mito. Um destes mitos é o da Deusa Deméter. Os romanos a conheciam como Ceres.

O símbolo principal de Deméter era um feixe de trigo e, em seus mistérios em, Elêusis, uma única espiga de milho. É retratada como uma mulher bonita de cabelo dourado e vestida com roupão azul, considerada a Senhora das Plantas. Seu animal sagrado é o porco, que representava um sacrifício de fertilidade em todo o mundo por causa de seus múltiplos úteros. Seu animal sagrado marinho era o golfinho.

AS TESMOFORIAS

O festival grego da “Tesmoforias” era celebrado anualmente em outubro, em honra a Deméter e era exclusivo para mulheres. Se constituía de três dias de celebrações pelo retorno de Core ao Submundo.

Neste festival, os iniciados compartilhavam uma beberagem sagrada, feita de cevada e bolos.

Uma das características da Tesmoforia era uma punição aos criminosos, que agiam contra as leis sagradas e contra as mulheres. Sacerdotisas liam a lista com os nomes dos criminosos diante das portas dos templos das Deusas, especialmente Deméter e Ártemis. Acreditava-se que aqueles desta forma amaldiçoados morreriam antes do término de um ano.

O primeiro dia da Tesmoforia era celebrado o “kathodos”(baixada) e o “ánodos”(subida), um ritual em que as sacerdotisas castas levavam leitões para serem soltos dentro de grutas profundas cheias de serpentes e os restos decompostos dos porcos do ano anterior eram recolhidos.

O segundo dia era chamado de “Nestía”, nele as mulheres jejuavam, sentadas no chão, imitando a forma ritual dos processos da natureza e, de acordo com uma perspectiva mitológica, representando a dor de Deméter pela perda da filha, quando, inconsolada, se sentou ao lado do poço. O ambiente era triste e, portanto, não se usavam guirlandas.

No terceiro dia, se celebrava um banquete com carne e os leitões recolhidos (do ano anterior) eram espalhados na terra arada, e se invocava a Deusa de belo nascimento, “kalligeneia”.

MISTÉRIOS ELEUSIANOS

O propósito e o significado dos Mistérios Eleusianos era a iniciação à uma visão. “Eleusis”, significa “o lugar da feliz chegada”, de onde os campos Elíseos tomam seu nome. O termo “Mistérios” provêm da palavra “muein”, que significa “fechar” tanto os olhos como a boca. Faz referência ao segredo que rodeia as cerimônias e a conformidade requerida do iniciado, ou seja, se exige de ele ou ela permita que se faça algo: daí se deduz o significado de “iniciar”. A culminação da cerimônia consistia na exposição de objetos sagrados no santuário interno à mãos do sumo sacerdote ou hierofante (hiera phainon), “o que faz que os objetos sagrados apareçam”. Era somente permitido fazer alusões indiretas sobre o que ocorria. Entre elas, a fundamental era que Deméter falava à sua filha e se reunia com ela em Eleusis. Mas, alguns escritores cristãos violaram essa regra e um assinalou que o ponto culminante da cerimônia consistia em cortar uma espiga de trigo em silêncio.

Qualquer pessoa podia assistir os Mistérios, desde que falasse grego, mulheres e escravos inclusive, desde que não tivessem as mãos sujas de sangue por nenhum crime. Os Mistérios eram realizados uma vez ao ano para mais ou menos três mil pessoas. Se sabe que esses iniciados não formavam nenhuma sociedade secreta, eles vinham de todos os pontos da Hélade, participavam da experiência e logo se separavam.

Os Mistérios menores, que se celebravam até o final de inverno no mês das flores, o Antesterion (nosso fevereiro) e era pré-requisito para a participação nos Mistérios maiores, que se celebravam no outono. Esses Mistérios exploravam o que havia acontecido à Perséfone, Deusa do Mundo Subterrâneo, quando estava colhendo flores em Nisa. Se diz que ela foi raptada por Hades enquanto colhia um narciso de cem cabeças. Os gregos chamavam de narciso toda a planta que tinha propriedades narcóticas.

Esse rapto representa várias idéias, uma é o processo que experimenta a semente ao cair na terra e decompõem-se para voltar de novo à vida. Que se representava simbolicamente como as primeiras núpcias entre os reinos da vida e da morte.

Porém, também representa o rapto extático que proporcionavam certas substâncias que estavam relacionadas com Dionísio, deus da embriaguez, que por sua vez era Senhor de Hades por sua relação com tudo que apodrecia, fermentava e se transformava em outra coisa.

O primeiro estágio da iniciação no Mistérios menores era o sacrifício de um porco jovem, o animal consagrado à Deméter, que substituía simbolicamente a morte do próprio iniciado. Como nas Tesmoforias esse rito se ajusta à variante órfica do mito, que associava a morte do leitão com o rapto de Perséfone.

O segundo estágio da iniciação era uma cerimônia de purificação na qual o iniciado era vendado. As sucessivas etapas dos ritos de iniciação são descritas, através de alusões, inteligíveis para os já iniciados, porém não para os profanos. O acontecimento central dos Mitos Eleusinos era a noite em que se consumia a poção sagrada Kykeon. Os ingredientes dessa poção se constituiu um segredo durante esses 4 mil anos.

Os Mistérios maiores se celebravam a princípio à cada cinco anos. Mais tarde passaram a celebrar anualmente, no outono: começava no dia 15 do mês Boedromión (nosso mês de setembro) e duravam nove dias. Se reuniam iniciados de todos os lugares do mundo helênico e romano, e se declarava uma trégua entre as cidades estado gregas durante quarenta e cinco dias, desde o mês anterior até o mês seguinte.

Na véspera do início, se levavam os objetos sagrados, o “hierá”, de Deméter em procissão desde Eleusis até Atenas.

1- dia 15 do boedromion: Agyrmos, reunião. Proclamação:

Nesse dia tinha lugar a convocação e preparação dos iniciados. Os hierofontes declaravam o “prorrhesis”, o início dos ritos.

2 dia- 16: Elasis ou Helade Mistay: “Ao mar, ó iniciados!”

No segundo dia os iniciados se purificavam no mar (Falero), num rito chamado de “expulsão”. Durante nove dias fariam estas abluções na água do mar, nove dias como Deméter peregrinou pela terra em busca da verdade sobre o rapto de Perséfone. Nesse mesmo dia, os iniciados sacrificavam um leitão enquanto o hierofante os instava: Helade, Mysthai!

3 dia- 17: Hiereia Deuro: Sacrifício

Parece que nesse dia se celebravam o sacrifício oficial em nome da cidade de Atenas.

4 dia- 18: Asclepia

Esse dia era chamado de Asclepia em honra de Asclepio, deus da cura, era outro dia de purificação.

5 dia- 19: Yacós ou Pampa, procissão

Esse era um dia de celebração onde se realizava um grande procissão que inciava em Ceramico (Cemitério de Atenas) até Eleusis, seguindo o itinerário sagrado. Percorriam uns 32 Km. Algumas sacerdotisas levavam as “hierás” em “kistas”fechadas, ou cestas, rodeadas por uma multidão que dançava e gritava o nome de Yaco, cuja estátua, coroada de myrto e carregando uma tocha.

Yaco era o outro nome de Dionísio que, segundo a lenda órfica, era filho de Perséfone e Zeus, pai da mesma. Fui concebido em uma noite em que o deus se aproximou de uma caverna subterrânea transformado em serpente. Não se tratava de Dionísio, deus do vinho e do touro (cujo equivalente é o cretense Zagreo), deus que é desmembrado, porém vive de novo. Era Dionísio como criança de peito místico, o deus que morre e vive eternamente, imagem da renovação perpétua.

Na fronteira entre Eleusis (era uma cidade pequena à 30km noroeste de Atenas) e Atenas, pessoas mascaradas parodiavam a procissão. Encenavam o mito que relatava como Yambe ou Baubo animou Deméter. Como em tantas festas de renovação, preparavam o nascimento do novo para substituir o velho. Quando as estrelas apareciam, os “mystai” (iniciados) rompiam seu jejum, pois o dia vigésimo do mês havia chegado e segundo as “Ranas” de Aristófanes, o resto da noite passavam entre cantos e bailes. Os templos de Poseidón e Ártemis se abriam para todos, porém atrás deles estava a porta que dava ao santuário, e nada, exceto os iniciados, poderiam passar sob pena de morte.

6 dia – 20: Telete (mysteriodites Nychtes)

Esse era um dia de descanso, jejum, purificação e sacrifícios, de acordo com o mito de jejum de Deméter, representando o ritual de esterilidade do inverno. O jejum se rompia com a bebida de cevada, mel e polén (Kykeon) que preparavam e então se permitia que os iniciados entrassem no santuário sagrado. Essa celebração acontecia em um lugar chamado de Telesterion, chamado assim porque aqui se alcançava “o objetivo” ou “telos”. Era um local enorme, que podia albergar milhares de pessoas e onde se exibiam os objetos sagrados de Deméter. No centro estava o Anactoron, uma construção retangular de pedra com uma porta em um de seus extremos, que só o hierofonte podia passar. Essa era a parte mais reservada dos Mistérios eleusianos.

Mas o que exatamente ocorria neste momento?Seria o começo da própria iniciação? Parece que se desenvolvia em três etapas: “drómena, o feito (Ação); legómena, o dito (texto falado); deiknýmena, o mostrado (visão). Depois tinha lugar uma cerimônia especial conhecida como “epoptía”, o estado de “haver visto”, se celebrava para os iniciados do ano anterior.

Em drómena os iniciados participavam de um desfile sagrado pelo qual se representava o relato de Deméter e Perséfone. Os legómena consistiam em invocações ritualísticas curtas, pequenos comentários que acompanhavam o desfile e explicavam o significado do drama. Os deiknýmena, a exibição dos objetos sagrados, culminava na revelação proferida pelo hierofante, cuja difusão era proibida. Os epoptía também incluiam a exibição de “hierá”, não se sabe ao certo o que eram esses objetos sagrados. Segundo as fontes arqueológicas de A. Kórte (Zu den Eleusinischen Mysterien, «Archiv für Religions Wissenschaft» 15, 1915, 116) supõe-se que a enigmática cesta que tomavam os iniciados, entre outros objetos, havia um que representava o órgão sexual feminino, o qual, em contato com o corpo dos mystai, contribuía com a sua regeneração e passavam a ser considerados filhos de Deméter.

M. Picard (L’épisode de Baubó dans les mystéres d’pleusis, «Revue d’histoire des religions» 1927, 220-255) adiciona o órgão masculino. O iniciado tocaria sucessivamente os dois objetos, simbolizando assim a verdadeira união sexual.

7 dia- 21: Epopteia

Somente à tarde tinha início os ritos secretos. Em determinado momentos deviam pronunciar uma contra-senha sagrada:”Jejuei, bebi o kykeon, o tomei do canasto (calathus) e, depois de prová-lo o coloquei de novo no canasto e dali, ao cesto”. Misteriosas palavras, que sem sombra de dúvida, tinham grande significado para os iniciados. Todo o resto do dia era passado em compasso de espera e somente à noite os iniciados entravam no santuário. Um muro à sua direita impedia que vissem o local da “Rocha sem alegria” (local em que se supõe que a Deusa Deméter esteve sentada). Ouviam lamentos procedentes dali. Chegavam ao Telesterion e depositavam os leitões nas “mégara”, uma espécie de sótão do templo. Em seguida peregrinavam fora do Telesterion em busca de Core (Perséfone), na escuridão e com a cabeça coberta com uma carapuça que não lhes permitia ver nada, cada iniciado era guiado por um mystagogo. Imagine andar na escuridão, totalmente desorientado, esperando em silêncio, até que um gongo soa como um trovão e o hierofonte clamando por Core, até que o mundo inferior se abre e das profundezas da terra aparece a Deusa. Daí um clarão de luz enche a câmara, crescem as chamas da fogueira e o hierofonte canta:

-“A Grande Deusa deu à luz a um filho sagrado: Brimo pariu à Brimós”. Então, em silêncio profundo, levanta com a mão uma espiga de trigo.

Para que entendam, Brimo era uma Deusa do Mundo Inferior em Tesália, ao norte. Os nomes Brimo e Brimós sugerem à introdução da agricultura e de que nos Mistérios da Grécia houve influência tesalia.

Mas que estão fazendo Brimo e Brimós em Eleusis?

Kerényi diz que Brimo é “fundamentalmente um nome que designa a rainha do reino dos mortos, atribuído à Demeter, Core e Hécate em sua qualidade de Deusas do Mundo Inferior”. Nesse caso, o filho é o espírito da renovação concebido no Mundo Inferior como testemunho vivo de que na morte há vida, já que está na “riqueza” da colheita, o “tesouro” do conhecimento intuitivo espiritual.

Brimo, portanto, foi o nome dado ao filho de Perséfone, ao qual ela deu à luz no inferno em meio as chamas. Esse nome parece referir-se à Dionísio, o deus de vida indestrutível.

8 dia – 22: Plemochoai

Era dia de sacrifício e festa. Sacrificavam-se touros à Deméter e Perséfone (Core) e outros animais, especialmente leitões. Este festival era chamado Plemochoai, porque esse era o nome dado aos vasos (ou taças) que o sacerdote enchia com um certo líquido e, virando-se para oeste e depois para leste, derrama ao solo o que continham. O povo, olhando para o céu, grita “chuva!” e, olhando para a terra, grita “concebe!”, hýe, kýe.

Harrison escreve que “o rito do matrimônio sagrado e o nascimento da criança sagrada….era o mistério central”. Entretanto, a cerimônia final nos mostra o matrimônio simbólico da chuva celestial com à terra, que havia de conceber o filho do grão (da semente), porém existia a possibilidade se ser celebrado esse casamento simbólica ou literalmente, entre o hierofante e uma sacerdotisa antes do regresso de Core.

9 dia – 23: Epistrofe

Neste dia os iniciados voltavam à Atenas. Eleusis voltava a velar-se em seus mistérios, enquanto se despedia dos visitantes, agora renascidos, levando consigo as experiências de vinculação com as divindades. Assim acabam os Mistérios de Eleusis.

A gestão desse culto era exclusiva das famílias aristocráticas, com funções definidas para cada uma delas. O sumo sacerdote, o chamado hierofante, devia pertencer a família dos Eumólpidas, enquanto a família dos Cérices procediam dos sacerdotes de traço imediatamente inferior, o portador da tocha. A sacerdotisa vivia sempre no santuário. O hierofante ostentava o privilégio de escolher seus iniciados. Sobre todos eles se sobrepunha uma outra figura, o chamado arconte rei (archon basileus) no eleusino, que era ateniense (era os atenienses que controlavam o culto), ao qual assiste uma equipe de colaboradores (epistatai), encarregados das finanças.

MORRER PARA RENASCER

Morrer para renascer, esse é o sentido da iniciação. O sangue dos animais sacrificados simbolizavam a própria morte do iniciado. É Plutarco que nos diz que “morrer é ser iniciado”. Só através da morte se regressa à luz. Clemente e Foucart realmente estão de acordo com essa idéia: representar a busca de Deméter e identificar-se com Perséfone é precisamente vagar no mundo subterrâneo da morte, do mesmo modo que encontrar Core é retornar à vida depois da morte.

Esse mito grego recupera um mito bem mais antigo conhecido como a “Descida de Inanna”, que vai e vem entre ambos os mundos. Perséfone aqui é a faceta da mãe que desce e regressa de novo à mãe, configurando uma totalidade nova. Se percebe claramente uma continuidade nessa relação: vida em morte e morte em vida. Se “vê através” de uma a outra, e isso liberta a humanidade de sua natureza de entidades antagônicas. Quando mãe e filha se percebem como uma única realidade, nascimento e renascimento se convertem em fases que provêm de uma fonte em comum: através da dita percepção se transcende a dualidade.

A DEUSA TRÍPLICE

A triplicidade pode ser vista na lua, que é: crescente, cheia e minguante. E, no fato da Deusa reger o mundo superior, a terra e o mundo inferior. Ela era também a Donzela ou Virgem, a Mãe e a Anciã, as três principais fases da vida de toda a mulher. Pois Deméter se vê “Donzela” em sua filha Coré. É “Mãe” desta filha e de tudo que brota e cresce. Mas, ao perder sua filha Coré para Hades, torna-se “Anciã” associada diretamente com a morte.

Para cada fase ou ciclo há perdas que devem ser vivenciadas por todas as mulheres. No primeiro ciclo, visualiza-se a “morte da donzela”, que torna-se uma jovem nubente e é uma iniciação para fase seguinte, que se tornará mãe, abençoada com seus próprios filhos. Quando a Mãe não pode mais conceber (menopausa), passa a tocha da maternidade para filha, transferindo para ela todos os poderes da fecundidade. A morte da mãe, constitui a mulher idosa que tem agora o potencial para ingressar na esfera espiritual das anciãs, guardiãs dos mistérios da morte.

Hoje estes ciclos raramente são reconhecidos e vividos plenamente pelas mulheres, pelo fato de habitarem um mundo predominantemente masculino. A realidade moderna e científica tornou a “Mãe” uma máquina biológica de produção de bebês, que favorece ou prejudica a política financeira de uma determinada sociedade.

DEMÉTER HOJE

Por mais belo que se pinte um quadro de uma mãe com o filho nos braços, ele estará longe de ser a realidade para a maioria das mães das sociedades industrializadas e urbanas do Ocidente. As pressões financeiras, privam a mulher de permanecer no seio da família, cuidando de seus amados filhos. Até a licença-maternidade, através de duras penas conseguida, possui um tempo vergonhosamente limitado, pois a volta ao trabalho quase de imediato, não permitem que a mãe acompanhe o desenvolvimento de seu bebê. Além de ser estigmatizada por tal feito, pois ter um filho em nossos dias, significa estar fora de ação, inativa e lhes é somente permitido olhar saudosamente para o mundo que caminha sem elas.

Deméter sofre com o eclipse em nossa civilização. As mulheres que representam seu modo de ser, não têm condições de competir com as mulheres mais instruídas, pois a Deméter natural não é tão intelectualizada. Ela adora apenas criar seus filhos e acaba ficando muito sentimentalizada, tratada com condescendência e destituída do poder por suas irmãs feministas.

Deméter nas antigas comunidades agrárias, tinha dignidade, autoridade e uma vida bastante gratificante. Tudo se perdeu numa sociedade onde tudo é subserviente às exigências econômicas do monopólio do consumo.

Por Rosane Volpatto.

#Magia #Mitologia #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/os-mist%C3%A9rios-eleusis-e-a-grande-deusa-demeter

Quando Israel era menino, parte 1

Texto de Mircea Eliade em “História das crenças e das ideias religiosas, vol. I” (Ed. Zahar) – trechos das pgs. 162 a 165. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Algumas das notas ao final são minhas.

A religião de Israel é acima de tudo a religião do Livro. Esse corpo de escrituras é constituído de textos de idade e orientação diversas, que representam, por certo, tradições orais bastante antigas, mas reinterpretadas, corrigidas, redigidas durante vários séculos e em diferentes meios [1]. Os autores modernos começam a história da religião de Israel por Abraão. Na verdade, segundo a tradição, ele é o escolhido de Deus para se tornar o ancestral do povo de Israel e tomar posse de Canaã. Mas os 11 primeiros capítulos do Gênese relatam os acontecimentos fabulosos que precederam a eleição de Abraão, desde a Criação até o dilúvio e a Torre de Babel. A redação desses capítulos é, como se sabe, mais recente que muitos outros textos do Pentateuco. Por outro lado, alguns autores – e dos mais notáveis – afirmaram que a cosmogonia e os mitos de origem (Criação do homem, origem da morte, etc.) desempenharam papel secundário na consciência religiosa de Israel. Em suma, os hebreus interessavam-se mais pela “história santa”, isto é, pelas suas relações com Deus, que pela história das origens.

[…] Isso pode ser verdadeiro a partir de determinada época e, sobretudo, para certa elite religiosa [2]. Mas não há razão para concluir que os antepassados dos israelitas fossem indiferentes às questões que apaixonavam todas as sociedades arcaicas. […] Ainda em nossos dias, depois de 2.500 anos de “reformas”, os acontecimentos referidos nos primeiros capítulos do Gênese continuam a alimentar a imaginação e o pensamento religioso dos herdeiros de Abraão.

Na abertura do Gênese, temos este passo célebre: “No princípio, Deus (Elohim) criou o Céu e a Terra. Ora, a Terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas” (I:1-2) [3]. A imagem do oceano primordial sobre o qual paira um deus criador é muito arcaica [4]. Entretanto, o tema do deus sobrevoando o abismo aquático não é atestado na cosmogonia mesopotâmica, ainda que o mito relatado no Enuma elish fosse provavelmente familiar ao autor do texto bíblico. (De fato, o oceano primordial é designado, em hebraico, tehôm, termo etimologicamente solidário do babilônico tiamat [5]). A Criação propriamente dita, ou seja, a organização do “caos”, é efetuada pelo poder da palavra de Deus. Ele diz: “Haja luz”, e houve luz (I:3). E as etapas sucessivas da Criação são sempre realizadas pela palavra divina. O “caos” aquático não é personificado (cf. tiamat) e, por conseguinte, não é “vencido” num combate cosmogônico.

[…] O mundo é “bom” e o homem é uma imago dei; ele habita, tal como seu Criador e modelo, o paraíso. Entretanto, como o Gênese não tarda a salientar, a vida é penosa, apesar de ter sido abençoada por Deus, e os homens já não habitam o paraíso. Mas tudo isso é o resultado de uma série de erros e pecados dos antepassados. Foram eles que modificaram a condição humana. Deus não tem responsabilidade alguma nessa deterioração de sua obra-prima. Assim como para o pensamento indiano pós-upanixádico, o homem, mas exatamente a espécie humana, é o resultado de seus próprios atos [6].

O outro relato, javista [ver nota 1], é mais antigo e difere claramente do texto sacerdotal que acabamos de resumir. Já não se trata da Criação do Céu e da Terra, mas de um deserto que Deus (Javé) tornou fértil por meio de uma onda que subia do solo. Javé modelou o homem (âdâm) com a argila do solo e animou-o insuflando “em suas narinas um hálito de vida”. Pois Javé “plantou um jardim em Éden”, fez brotar todas as espécies de “árvores boas” e instalou o homem no jardim “para o cultivar e o guardar” [7]. Em seguida, Javé deu forma aos animais e às aves, levou-os a Adão e este lhes deu nomes. Finalmente, depois de tê-lo adormecido, Javé tirou uma de suas costelas e formou uma mulher, que recebeu o nome de Eva (em hebraico hawwâh, vocabulário etimologicamente solidário do termo que significa “vida”).

Os exegetas observaram que o relato javista, mais simples, não opõe o “caos” aquático ao mundo das “formas”, mas deserto e seca a vida e vegetação. Parece plausível que esse mito de origem tenha nascido numa zona desértica. Quanto à formação do primeiro homem com argila, o tema era conhecido na Suméria. Mitos análogos são atestados quase no mundo inteiro, desde o antigo Egito até as populações “primitivas”. A ideia básica parece a mesma: o homem formou-se de uma matéria-prima (terra, madeira, osso) e foi animado pelo hálito do Criador. Em muitos casos, tem a forma de seu autor. Em outras palavras, mediante sua “forma” e sua “vida”, o homem comparte, de algum modo, a condição do Criador. Só o seu corpo é que pertence à “matéria” [8].

A formação da mulher a partir de uma costela retirada de Adão pode ser interpretada como indicadora da androginia do homem primordial. Concepções similares são atestadas em outras tradições. […] O mito do andrógino ilustra uma crença bastante difundida: a perfeição humana, identificada no antepassado mítico, encerra uma unidade que é simultaneamente uma totalidade. […] É de salientar que a androginia humana tem por modelo a bissexualidade divina, concepção compartilhada por muitas culturas [9].

» Em seguida encerraremos com Caim, Abel, cultivadores e pastores…

***

[1] Nota do autor: […] As fontes dos cinco primeiros livros da tôrâh (Pentateuco) foram designadas pelos termos: javista, porque essa fonte, a mais antiga (séc. X ou IX a.C.), chama a Deus por Javé; eloísta (ligeiramente mais recente: utiliza o nome Elohim); e deuteronômica (quase que exclusiva do Deuteronômio).

[2] Não foi à toa, penso eu, que os primeiros livros da tôrâh eram conhecidos como “os livros da lei”. Eis o que nos diz Alan Dershowitz, professor de direito de Harvard, sobre o Gênese: “É sobre o mundo antes de haver lei. É sobre um Deus em aprendizagem, lutando para ser justo, sem regras (antecedentes). Deus não teve problemas em criar um universo físico, só precisou de seis dias. Ele teve mais dificuldade quando chegou à parte da justiça… O Gênese é sobre isso, sobre tentar fazer as coisas direito, com justiça”. Ou seja: a preocupação de uma suposta elite religiosa com a história somente a partir de Abraão, em detrimento dos mitos de criação, talvez se explique pelo fato de ser exatamente esta elite de legisladores quem debatia e elaborava as leis hebraicas.

[3] Somente este trecho traz inúmeros questionamentos. Por exemplo, o “vento de Deus” poderia ser traduzido (como normalmente o é, nas traduções modernas) como “espírito de Deus”. Ocorre que a palavra que se refere a “Deus” é usada duas vezes: Elohim seria tanto “Deus” quanto o “espírito de Deus”. No entanto, a palavra Elohim pode ser vista tanto no singular quanto no plural, quando normalmente se refere a “deuses” (por exemplo, em XXXV:2). Dessa forma, nada nos impediria de considerar uma tradução como: “No princípio, Deus criou o Céu e a Terra (…) as trevas cobriam o abismo, e os deuses pairavam sobre as águas”. Este tipo de interpretação indica que Deus já havia “tido filhos”, ou irradiado “outras criaturas” de si mesmo, ainda no princípio.

Mesmo aqui, ainda podemos alinhar a possível origem etimológica de “Elohim” ao deus “El”, o “pai dos deuses” das religiões e mitologia dos primeiros semitas a se estabelecerem em Canaã, pouco antes de 3 mil a.C. Até 1929, as informações sobre tais mitos eram fornecidas pelo Antigo Testamento e alguns escritores gregos. Ocorre que o AT trabalha exatamente para a “demonização” dos deuses pagãos, e deve ser visto com certa desconfiança neste contexto.

Mas felizmente, em 1929, uma grande quantidade de textos mitológicos foi descoberta em escavações em Ras Shamra, a antiga Ugarit, cidade portuária da costa Síria, que pode ter sido fundada ainda em 6 mil a.C. Embora a religião de Ugarit nunca tenha sido a religião de toda Canaã, é lá que se ouve falar, pela primeira vez, de El, o “pai dos deuses”, e de Baal, “o Senhor da Terra, que castra o pai e toma seu lugar como administrador do mundo”. Em XXXIII:20 ficamos sabendo que um dos nomes de Deus é exatamente “El”.

[4] Nota do autor: Em numerosas tradições, o Criador é imaginado sob a forma de um pássaro. Mas trata-se de um “endurecimento” do símbolo original: o espírito divino transcende a massa aquática, é livre para mover-se; portanto, “voa” como um pássaro.

[5] Ou seja, tanto o oceano primordial quanto a “serpente-dragão” (tiamat) representariam o caos. Coube a um “herói” mitológico, ou ao próprio Deus, “matar a serpente e a separar em dois”, ou separar os Céus da Terra, e criar todas as coisas a partir de um oceano disforme, um “caos primordial”.

Para outros temas “serpentuosos”, recomento lerem o artigo Serpentes.

[6] Segundo os upanixades, entretanto, a “culpa” não recai sobre o “pecado original” de um antepassado, mas é fruto dos erros dos próprios homens, quando em vidas passadas.

[7] O mito javista é ainda mais próximo do mito de criação do povo Bassari, da África Ocidental: “Unumbotte (Deus) fez um ser humano e seu nome era Homem, e depois fez muitos outros seres (Mulher, Serpente, Antílope, etc.). Então, deu-lhes sementes de todos os tipos e lhes disse: ‘Plantem todas essas sementes’…” – E nele também há o “fruto proibido” que, uma vez comido, faz com que Homem e Mulher sejam “expulsos do jardim”. Aqui também encontrarão maiores detalhes no artigo Serpentes.

[8] Dessa forma, as concepções de vida após a morte através da ressurreição de um “corpo incorruptível” não são somente uma abominação (ao menos em relação à quase totalidade da mitologia antiga), como um “ponto de vista” extremamente materialista em relação à espiritualidade em geral.

[9] Nota do autor: A bissexualidade divina é uma das múltiplas fórmulas da “unidade/totalidade” representada pela união dos pares de opostos: feminino/masculino, visível/invisível, Céu/Terra, luz/escuridão, mas também bondade/maldade, criação/destruição, etc. A meditação sobre esses pares de opostos levou, em diversas religiões, a conclusões audaciosas referentes tanto a condição paradoxal da divindade quanto à revalorização da condição humana.
Meu complemento: Isto tudo tem muito a ver com hermetismo, Parmênides, estoicismo, Plotino e Espinosa. Mas, saindo do conceito de “Uno” e focando apenas nas “dualidades” (particularmente: essência/forma, permanência/impermanência, eternidade/tempo, etc.), chegaremos nas grandes religiões orientais – taoismo, budismo, e algumas interpretações do hinduísmo.

***

Crédito da foto: Damon Lynch

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Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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#história #MirceaEliade #Mitologia #Religião

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/quando-israel-era-menino-parte-1

Devoradores de Maçãs

»
Parte final da série “A ciência da inspiração” ver parte 1 | ver parte 2

Metáfora: Figura de linguagem em que há a substituição de um termo ou conceito por outro, criando-se uma dualidade de significado.

Um dos mitos mais conhecidos da humanidade trata de jardim do Éden, onde os primeiros humanos criados por Deus, a sua imagem e semelhança, viviam imortais, ociosos e aparentemente felizes. Isso foi até que eles resolveram comer os frutos (o mito fala em maçãs) da árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual Deus havia alertado que eles não deveriam comer, ou conheceriam a morte. E o resto todos já sabem: Deus ficou furioso e os expulsou do Éden apenas com alguns trapos feitos de couro de animais, pois que agora um se envergonhava da nudez do outro. E Adão e Eva povoaram o mundo, muito embora o pecado de Eva tenha nos amaldiçoado por muitos e muito anos, até que Jesus veio pagá-lo para nós.

Joseph Campbell, grande estudioso do assunto, dizia que “o mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre”. Ele provavelmente queria dizer que os mitos tratam de verdades que existem fora do tempo, ou seja, que existem sempre. Todo grande mito da humanidade fundamenta-se em uma ou mais dessas verdades, dessa partícula de essência que emana da eternidade. Foi exatamente por isso que os sábios antigos tiveram o cuidado de popular suas histórias com vários desses mitos. Eles sabiam, certamente, que muitos aldeãos e camponeses ignorantes de sua época iriam interpretar tais histórias ao pé de letra, de forma literal – mas sem dúvida também tinham a esperança de tocar a alma dos outros sábios que viriam a Terra em épocas posteriores.

O mito do Éden é repleto de metáforas. Talvez a mais interessante delas seja exatamente o paradoxo do pecado pelo qual Eva foi condenada. Ora, antes de devorar a maçã, ela era sem dúvida ignorante do conhecimento (seja do bem, seja do mal). Se nunca houvesse comido o fruto proibido, estaria ociosa e imortal, por toda eternidade, em um jardim onde poucas coisas interessantes acontecem – mas seria feliz, acredita-se. Animais ignorantes também são “felizes” vivendo no meio selvagem; Entretanto, as pressões do meio-ambiente nunca os deixaram relaxar: na guerra do sofrimento e da fome, mesmo em meio a sua “felicidade”, presas e predadores lutaram pela sobrevivência por longos e longos anos. Não fosse por essa pressão da natureza, talvez a Terra estivesse até hoje populada por hominídios, ou nem mesmo isso, por roedores e outros pequenos mamíferos…

Pois foi exatamente quando adquiriu à consciência e o conhecimento do bem e do mal que o ser humano se tornou quem é. Por um lado, portanto, a metáfora do fruto proibido é apenas uma história fantasiosa, por outro, é uma explicação surpreendentemente avançada para a época em que foi escrita. Será que os rabinos judeus tinham ideia de que estavam a antecipar um dos grandes mistérios da evolução das espécies? Será que tinham pleno conhecimento daquilo que escreviam talvez guiados pela pura intuição? Acredito que a resposta não esteja nem tanto lá, nem tanto cá. Certamente os sábios antigos tinham noção de que lidavam com assuntos sagrados, e que os estavam passando adiante “cifrados” em metáforas dentro de mitos. Mas da mesma forma eles certamente tinham consciência de que não tinham como saber tudo, e é exatamente por isso que passavam tais símbolos para as gerações futuras – como uma mensagem numa garrafa arremessada no oceano, a espera de alguma praia onde existam seres mais sábios para decifrar seus enigmas.

Nós já ficamos com nós na cabeça ao abordarmos o conceito de programação genética. E, da mesma forma, já consideramos com carinho a possibilidade da mente humana ser o resultado da interseção de módulos mentais (naturalista, técnico e social). Além disso, também falamos sobre como a neurologia compreende a criatividade: o foco mental em novos estímulos e ideias, em fluxo e trocas constantes com as ideias que já dominamos em nossas respectivas artes ou disciplinas… Ora, em posse dessas informações, talvez o processo misterioso dos algoritmos genéticos não seja mais tão insondável.

Vamos falar, por exemplo, de poesia: da mesma forma que gerações de algoritmos se digladiam no meio-ambiente do problema a ser resolvido, todos os estímulos que os poetas enviam para suas mentes – através de seus olhares sempre atentos aos menores detalhes da natureza à volta – nada mais são do que algoritmos em busca da solução de sua próxima poesia. A grande diferença é que, ao contrário dos programadores, os poetas geralmente sequer tem ideia de qual é o problema a ser resolvido – de certa forma, para eles, as soluções chegam junto com os problemas, embora nenhuma solução seja realmente a derradeira, e todos os problemas sejam quase sempre infinitos. Nessa batalha mental travada por estímulos ambíguos e aparentemente sem relação uns com os outros, ninguém sai derrotado, pois o fruto é sempre uma nova legião de metáforas. E estas maçãs são divinas, jamais proibidas… Os poetas são verdadeiros devoradores de maçãs!

Vejamos uma dessas “soluções”, pelo grande poeta místico, Gibran Khalil Gibran:

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue

Neste belo trecho do poema “A floresta”, é impossível chegar a uma compreensão efetiva do que o poeta quis dizer sem usar ao menos parte de nossa emoção e nossa intuição juntamente com nossa razão… Mesmo assim, ficará sempre aquela dúvida se realmente compreendemos todo o bem e todo o mal deste belo fruto da inspiração de Gibran. O lírio é uma taça para o orvalho, e não para o sangue – quantas e quantas interpretações e conceitos contidos em apenas uma frase.

Há ainda outros poetas que conseguem inserir metáforas dentro de metáforas dentro de ainda outras metáforas… Quando Fernando Pessoa diz que “o poeta é um fingidor, finge ser dor a dor que deveras sente”, ele está nos trazendo para uma análise existencial da qual a solução jamais será algo racional, objetivo, tal qual 2+2=4. Nesse sentido, é possível que os algoritmos genéticos sejam extensões de nossa racionalidade, aplicadas a problemas descobertos por nossos cientistas e matemáticos, e que tudo o que fazem é poupar seus cérebros de rodar trilhões de cálculos, antecipando uma solução que em séculos passados seria inviável. Entretanto, na poesia pode ser mais depressa ainda: a solução chega junto com o problema. A diferença é que na poesia a solução jamais será final, e após termos devorado todas as maçãs do Éden, teremos de sair nós mesmos em busca de mais conhecimento – ainda que o velho barbudo tenha se esquecido de nos expulsar…

Muito do debate acerca da existência de Deus se resume ao ancião das metáforas do antigo testamento bíblico – sim, pois o Deus de Jesus é sempre um coadjuvante, que intervém apenas por emanação de pensamentos, e não de forma “direta”. Esses debates se parecem mais com debates entre crianças que brincam em uma praia – uma delas constrói um castelo de areia e diz que “esta é a cidade de deus”… Enquanto outras crianças com senso crítico mais desenvolvido esperam as ondas da maré chegar e destruir os castelos, e então bradam convictas: “Viram! Não lhes disse que este deus tinha pés de barro?”.

Ora, mas e se o reino de Deus estiver em sua volta? E se ele abarcar não só os castelos de areia, como cada grão de areia da praia, e cada gota de água do mar, e cada nuvem e cada pássaro a planar pelo céu, e cada sol a flutuar pelo Cosmos, e cada partícula a bailar por nosso cérebro e nossa alma?

Einstein dizia que “a ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega”. Ora, um dos grandes cientistas de nosso tempo, em sua maturidade, defendia uma “religiosidade cósmica”, baseada na presença de um poder racional superior, revelado no universo ainda oculto ao conhecimento da ciência. Muitos outros cientistas e filósofos foram teístas, deístas, panteístas, agnósticos, etc. Para quem possuí muita ciência, fica muito difícil apostar que tudo o que há surgiu do nada como numa “passe de mágica cósmico”. No mínimo, é preciso admitir que tal questão não pode ser compreendida hoje, e talvez jamais possa… De qualquer forma, pela lógica, também se faz necessário concordar com Espinosa (como Einstein, aliás, concordou) quando este afirma em sua “Ética” que “uma substância não pode criar a si mesma”…

E se Deus for um grande programador cósmico? E se nós formos parte dos algoritmos divinos que ele inseriu em sua criação? E se no núcleo de cada átomo, nos filamentos de cada DNA, em cada um de nosso neurônios, nas partículas etéreas de nossa alma, não estiverem inscritos códigos sagrados que ditam que este Cosmos nada mais é do que um problema em solução? E se formos nós mesmos os personagens e co-criadores desta poesia infinita? Navegando dentre raios cósmicos e poeira de estrelas, é impossível participar deste problema sem estarmos encharcados de Deus por todos os lados e a todos os momentos…

O reino de Deus sempre esteve a nossa volta. Nós jamais fomos expulsos do Éden. Tudo o que falta é compreendermos isso – que o Éden jaz, antes de mais nada, em nossa consciência… E que Deus ou o Cosmos jamais foram uma solução, jamais uma muleta na qual pudéssemos nos acomodar, mas sim um grandioso problema que vem sendo solucionado passo a passo, inspiração por inspiração. Nós devoramos uma maçã de cada vez…

Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor

Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera

Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão

Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!

O canto é o pasto das mentes,

e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Gibran Khalil Gibran, trecho de “A floresta”.

***

Crédito das fotos: [topo] Guto Lacaz (exposição “Einstein no Brasil”); [ao longo] Marcos Homem

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A Cabalá e as Reencarnações

“Não é possível entender a Cabalá sem acreditar na eternidade da alma e suas reencarnações”
(Rabi Arieh Kaplan)

Com o nome de Transmigração de Almas (em hebraico Guilgul Neshamot), todos os praticantes do judaísmo, especialmente as correntes ortodoxas – como o hassidismo (aqueles caras que andam de casacos e chapéus pretos) – e cabalistas acreditam que, após a morte, a Alma reencarna numa nova forma física. O conceito da reencarnação consta nos livros Sefer-Há-Bahir (Livro da Iluminação) e no Zôhar (Livro do Esplendor). Ambos atribuem grande importância à doutrina da Reencarnação, usada para explicar que os justos sofrem porque pecaram em uma vida anterior. Nele, o renascimento é comparado a uma vinha que deve ser replantada para que possa produzir boas uvas.

A “Transmigração” emprestou um significado novo a muitos aspectos da vida do povo judeu, pois o marido morto voltava literalmente à vida no filho nascido de sua mulher e seu irmão, num casamento por Levirato. A morte de crianças pequenas era menos trágica, pois elas estariam sendo punidas por pecados anteriores e renasceriam para uma vida nova. Pessoas malvadas eram felizes neste mundo por terem praticado o bem em alguma existência prévia. Prosélitos do judaísmo eram almas judaicas que se haviam encarnado em corpos gentios ou pagãos. Ela também permitia o aperfeiçoamento gradual do indivíduo através de vidas diferentes.

O Zôhar afirma ainda que a redenção do mundo acontecerá quando cada indivíduo, através de “Transmigração das Almas” (Reencarnações), completar sua missão de unificação. Ele nos diz que o termo bíblico “gerações” pode muito bem ser substituído por “encarnações”.

Baseado nestes conceitos, os cabalistas desenvolveram a sua própria interpretação sobre a aliança que Deus fez com Abraão e sua semente. Deus disse: “Estabelecerei o meu concerto entre mim e ti, e a tua semente depois de ti, nas suas gerações, por concerto perpétuo. Acreditavam que Deus havia feito esta aliança com a semente de Abraão não apenas por uma vida, mas por milhares de encarnações”.

Para os que não acreditam na visão da Cabala, o Antigo Testamento apresenta várias referências sobre a Reencarnação, como por exemplo no Gênesis (Bereshit) , numa tradução fiel ao hebraico:

Quanto a ti, em paz irás para os teus pais, serás sepultado numa velhice feliz. É na quarta geração que eles voltarão para cá, porque até lá a falta (ou erro, ou delito) dos amorreus não terá sido pago (Gênesis 15:15-16)

Isso é o cumprimento da Lei do Karma e da reencarnação, como já havia falado Deus no livro de Êxodo:

Não te prostrarás diante deles e não o servirás porque Eu, Iahvéh teu Deus, sou um Deus zeloso, que visito a culpa dos pais sobre os filhos, na terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo, com benevolência ou misericórdia por milhares de (infinitas) gerações (encarnações) , sobre os que me amam e guardam os meus mandamentos (Êxodo 20:5-6)

Esta é uma tradução fiel ao hebraico, infelizmente não encontrada em algumas Bíblias, que traduzem erroneamente él kaná (Deus zeloso) por Deus ciumento e tornam o Velho Testamento objeto de incompreensão e chacota. Mas isso não é o pior. Vejam a tradução da mesma passagem feita pela Bíblia João Ferreira de Almeida:

Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam, e uso de misericórdia com milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos.

Todas as bíblias trocaram NA terceira geração… por ATÉ a terceira geração…, o que dá a falsa idéia de que Deus pune o mal dos pais nos filhos e netos, quando na verdade são os pais que reencarnam como netos, para pagar o que devem até o último ceitil. Óbvio que isso dos bisnetos não é uma regra (Até porque os pais geralmente estão vivos para serem avós). É antes de tudo um modo de dizer que o espírito vai ser recebido na mesma família, o que acontece com muita freqüência (dependendo, claro, da missão de vida de cada um). Famílias são núcleos problemáticos justamente porque é nelas que você vai pagar seus débitos com o passado, com pessoas que você prejudicou, enganou, matou. Pois se estes viessem como amigos, seria fácil evitá-los, e você nunca se harmonizaria com eles. É por isso que inimigos costumam vir na mesma família, e por isso Jesus deu tanta atenção ao irmão neste versículo:

Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo. e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar (forma de agradecimento a Deus) , e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
(Mateus 5:22-24)

Os atuais Rabinos também sabem muito sobre os tempos atuais e a situação dessa nossa geração. O Rabi Shamai Ende escreveu, na revista Chabad News de Dez 98: “O conceito de Guilgul (reencarnação) é originado no judaísmo, sendo que uma alma deve voltar várias vezes até cumprir todas as leis da Torah. Na verdade, cada alma tem dois tipos de missões nesse mundo. A primeira é a missão geral de cumprir todas as mitsvot da Torah. Além disso, cada alma tem uma missão específica. Caso não tenha cumprido a sua, a Alma deve retornar a este mundo para preencher tal lacuna. Somente pessoas especiais sabem exatamente qual é sua missão de vida.

Existem também encarnações punitivas para reparar alguma falha cometida numa vida anterior. Neste caso, a alma pode reencarnar até mesmo no corpo de um não-judeu, de animal ou planta.

Atualmente é um pouco diferente, por estarmos vivendo na última geração do exílio e na primeira da gueulá (redenção), conforme já anunciado pelo Rebe. Maimônides escreve Leis de Techuvá (Retorno ao Judaísmo) onde a Torah prometeu, no final do exílio, que o povo fará Techuvá e imediatamente será redimido. Assim, as almas dessa geração, que vivenciarão a futura redenção, não mais passarão por reencarnações, devendo retificar o quanto antes tudo o que deve ser feito para aproximar a vinda de Mashiach (Messias).”

O Rabino Yossef Benzecry da Sinagoga Beit Chabad, do Recife, confirma a crença na vida após a morte:

O Judaísmo não crê que a vida acabe com a morte. Pelo contrário, a morte, dentro da concepção judaica, é uma continuação desta Vida, se bem que num plano diferente: o plano da alma. Conseqüentemente, a morte conduz, necessariamente, à vida da alma. Segundo a doutrina judaica, é muito difícil fazer-se uma idéia de como é a Vida no Além-túmulo, por ser algo que ultrapassa todas as concepções do cérebro humano. Vivendo esta Vida, presos no solo do mundo, não temos qualquer oportunidade de imaginar o que se passa na outra, tornando-se muito difícil conceber algo que nunca provamos.

Exemplificando, seria a mesma coisa que tentar explicar a alguém o gosto de uma fruta desconhecida. Para tanto, ter-se-ia de usar artifícios de linguagem, como comparações com algo que se aproxime rio sabor da fruta, o que se tornaria complexo e difícil.

Passagens da Bíblia que as outras religiões deturpam para esconder a Reencarnação:

Salmo 19:8, em Hebraico transliterado: “Torát Iavéh temimáh mshibat nefésh. ‘edut Iavéh neemanoáh machkimat péti”.

Tradução: “O ensinamento de Deus é perfeito, faz o espírito voltar. O testemunho de Deus é verdadeiro, transforma o simples em sábio.”

No entanto, a tradução feita pelas seguintes bíblias alteram o sentido original da reencarnação:
– Bíblia Protestante da SBB (Sociedade Bíblica do Brasil): “A Lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma.”
– Bíblia Mensagem de Deus (Edições Loyola): “A lei do Senhor é sem defeito, ela conforta a alma.”
– Bíblia de Jerusalém (Edições Paulinas): “A lei de Iahvéh é perfeita, faz a vida voltar.”

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Salmo 23, em tradução do hebraico: “Adonai é meu pastor, nada me faltará. Em verdes pastagens me fará descansar. Para a tranqüilidade das águas me conduzirá. Fará meu espírito retornar, e me guiará por caminhos justos, por causa do seu nome. Ainda que eu caminhe pelo vale da morte, não temerei nenhum mal, pois tu estarás comigo. Teu bastão e teu cajado me confortarão. Diante de mim prepararás uma mesa, na presença dos meus provocadores. Tu ungirás minha cabeça com óleo; minha taça transbordará. Certamente, bondade e benevolência me seguirão, todos os dias da minha vida. E voltarei na casa de Adonai por longos anos.”

Na tradução feita pela Bíblia católica do Centro Bíblico Católico (Editora Ave Maria) a idéia de retorno é suprimida:

“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estás comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo. Preparais para mim a mesa a vista dos meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, transborda a minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias da minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias.”

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Ezequiel 37:11-14: “E disse a mim: Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eis que dizem: Os nossos ossos estão secos e está perdida a nossa esperança. Por isso, profetiza e dize-lhes: Assim diz Adonai, o Senhor Deus: Eis que eu abro vossas sepulturas e vos farei sair delas, ó povo meu e vos reconduzirei à terra de Israel. Saberão que eu sou Iahvéh quando eu abrir os vossos túmulos e vos elevar de vossas sepulturas, ó povo meu. E dei sobre vós o meu espírito e revivereis e reporei a vós sobre a vossa terra. E eles saberão que eu sou Iahvéh, disse isto e fiz o oráculo de Iahvéh.”

OBS: Observe que Iahvéh (Deus) fecha o sentido de renascimento, mostrando que os ossos simbolizam o povo de Israel e que ele fará reencarnar a todos, retirando-os dos seus túmulos e fazendo-os voltar reencarnados à sua terra. Ele (Deus) não fala que os retiraria na ressureição do último dia, mas que os retiraria da sepultura, fazendo-os renascer e para voltar à terra de Israel, e não aos céus. Aqui não existe dúvida sobre a Reencarnação e esclarece sobre a inexistência de um último dia para a ressureição, pois Deus fala: “Reporei a vós sobre a vossa TERRA”, portanto, voltar à terra não é ressuscitar e sim reencarnar.

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Jó 8:8-9: “Pergunta às gerações passadas ou primeiras e medita a experiências dos antepassados. Porque somos de ontem, não sabemos nada. Nossos dias são uma sombra sobre a terra.”

Aqui está uma recomendação de que devemos buscar, no passado, em outras vidas, as causas do nosso sofrimento. Se não lembra de ter na presente vida corporal cometido faltas que justifiquem o seu sofrimento, pergunte às gerações passadas e lá estará com certeza a resposta ao seu questionamento, uma vez que a vida na matéria, impede-nos, como uma espessa sombra, a lembrança de vidas anteriores. Deus, em sua infinita misericórdia, apaga as nossas lembranças para afastar de nós o remorso pelo delito praticado no passado, para podermos evoluir e conviver em paz com nossos semelhantes.

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Eclesiastes 1:4: “Geração vai e geração vem e a terra sempre permanece”.

Explica o Rabino Akiba este versículo no livro “BAHIR” da seguinte maneira:

Um rei tinha escravos e ele os vestiu com roupagens de seda e cetim, de acordo com sua capacidade. O relacionamento se rompeu e ele os expulsou, os repeliu e tirou deles suas roupagens. Eles, então, seguiram seus próprios caminhos. O rei tomou as roupagens, as lavou bem, até não haver nelas uma única mancha. Colocou-as com seus comerciantes, comprou outros escravos e os vestiu com as mesmas roupagens.

Não sabia se os escravos eram bons ou não, mas eram (pelo menos) dignos das roupagens que ele já possuía, as quais já haviam sido usadas anteriormente. É o mesmo que Eclesiastes 12:6: “O pó retorna a terra como era, mas o espírito retorna a Deus, que o deu”.

Este exemplo do Rabino Akiba explica tudo: as roupas de seda e cetim com que o rei vestiu os escravos são os corpos sadios que Deus dá a cada um de nós dos quais muitos abusam. Então Deus os toma e deixa que cada um siga o seu próprio destino, escolhido pelo seu livre-arbítrio. Deus então escolhe outros corpos e neles coloca estes mesmos espíritos, através da Reencarnação, segundo a necessidade de evolução de cada um.

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O livro da Sabedoria é atribuído a Salomão, embora saibamos que se trata de uma ficção literária (foi escrito 900 anos depois da morte dele). O desconhecido autor deve ter escrito para os judeus que falavam grego e viviam fora da Palestina, provavelmente no Egito. Foi escrito entre os séculos IV e I antes de Cristo e só é aceito pelos católicos, como já vimos em capítulo anterior, no entanto, apresenta conceitos referentes ao Carma e à Reencarnação.

No capítulo 8:19 vemos: “Eu era um jovem de boas qualidades, coubera-me, por sorte, uma boa alma; ou antes, sendo bom, entrara num corpo sem mancha”.

Aqui está claro que o autor acreditava que a alma existe antes do corpo. Por ser boa, a alma entrou num corpo imaculado ou sem mancha como vemos no texto. E perguntamos: Se a alma nunca tivesse encarnado antes num corpo terreno, como e onde teria se tornado boa? O autor dá a entender que as atitudes de uma existência anterior acompanharam o espírito e se acumularam nas diversas existências pregressas.

Estes conceitos estão de acordo com a crença e os princípios judaicos que. falando de família, dizem : “Eu vim para uma família grande” (ani bá lamishpahá gadol) e não “eu sou de uma família grande”, como os ocidentais costumam dizer. A idéia é que eles escolheram a família ainda no mundo espiritual, como fala Deus em Jeremias 1:5: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; e antes que saísses do útero materno, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações pagãs.”

Se alguém tiver desconfiança quanto às traduções do original hebraico, sugiro consultar nas melhores livrarias a Torah (Velho Testamento) que contém o original e ao lado a tradução correta pro português.

Publicado originalmente no blog “Saindo da Matrix”, do Acid0

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O Vedanta

O Vedanta é a parte final dos Vedas, escritura sagrada hindu de mais de 5000 anos. O Veda é dividido em quatro partes: Rig-Veda, Yajur-Veda (fórmulas ritualísticas), Samaveda (versão reorganizada de alguns hinos do Rig-Veda) e o Vedanta. A mais antiga sistematização de que se tem notícia foi feita pelo sábio Vyasa, há mais ou menos 3300 anos.

Poderíamos resumir alguns tópicos de interesse do Vedanta:

1) O Universo sempre existiu e sempre existirá, num eterno vir-a-ser cíclico, passando por periodos de expansão e de dissolução (Pralaya).

2) O Universo não teria sido “criado” por Deus, assim como o entendemos na tradição judaico-cristã, entendimento que gera uma relação dual sujeito-objeto, criatura-criador. Nas palavras de Vivekananda, “O nosso termo sânscrito para criação, traduzida apropriadamente, deveria ser projeção, e não criação.” O Universo, pelo pensamento Vedanta, foi projetado por Deus, uma “idéia divina” que progressivamente se densifica até se materializar. Segundo essa idéia, estamos dentro do “pensamento de Deus”. Maya, na filosofia vedantina, é especificamente “a ilusão sobreposta à realidade como efeito da ignorância”.

3) Quanto a Deus, existiriam duas conotações diferentes: o do Princípio Único (Brahman) e o do causador da manifestação dos mundos (o Deus pessoal, gerente dos mundos de Maya, que chama-se Iswara, em sânscrito). Vivekananda explica:
“Existem duas idéias de Deus nas nossas escrituras (hindus) – uma, pessoal, e a outra, impessoal. A idéia de um Deus Pessoal é que Ele é o criador onipresente (Iswara), preservador e destruidor de todas as coisas, o Pai e Mãe do universo, mas Alguém que está separado eternamente da gente e de todas as almas; e a libertação consiste em se aproximar Dele e viver Nele. Mas existe outra idéia do (Deus) Impessoal, onde todos os adjetivos são supérfluos […] O que é Brahman? Ele é eterno, eternamente puro, eterno desperto, todo-podereoso, onisciente, piedoso, onipresente, sem forma (…) Nos Vedas não utilizamos a palavra “Ele”, mas “Isto”, pois “Ele” irá fazer uma distinção individual, como se Deus fosse um homem (…) Este sistema é chamado de Advaita. E qual é a nossa relação com este Ser Impessoal? É que nós somos Ele. Nós e Ele somos Um. Cada um é apenas uma manifestação deste Impessoal, o fundamento de todos os seres, e a miséria consiste em pensar na gente como diferente deste Infinito Ser Impessoal; e a libertação consiste em saber da nossa unidade com esta maravilhosa Impessoalidade. Estas são, em resumo, as duas idéias de Deus que encontramos nas nossas escrituras (hindus). Alguns destaques devem ser feitos aqui. É somente através da idéia de um Deus Impessoal que podemos ter qualquer tipo de ética. Em todas as nações a verdade tem sido dita desde os tempos mais remotos – ame seus semelhantes como a você mesmo – quero dizer, ame os seres humanos como a você mesmo. Na Índia, isto tem sido dito assim, ‘ame todos os seres como a você mesmo’; nós não fazemos distinção entre homens e animais (…) vocês compreendem isso quando aprendem que o mundo inteiro é único – a unicidade do universo – a solidariedade de todo o ser vivo – que, ao ferir alguém, eu estarei ferindo a mim mesmo, ao amar alguém, eu estou amando a mim mesmo. Então nós entendemos o porquê de não devermos ferir aos outros.”

Referência: A cosmologia dos Vedas (universo, criação, etc) em inglês

#Hinduismo

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O Festival Opet, no Egito

Festival Opet, no Egito, celebrando o casamento sagrado de Ísis e Osíris. Ísis foi a mais completa deusa conhecida na história da humanidade, venerada durante milênios. Foi durante o reinado de Ísis e Osíris no Egito que as bases e a estrutura da verdadeira civilização foram criadas. Seu culto se difundiu em outros países, dentre eles, principalmente, o Império Romano. O festival Opet marca o ciclo anual das enchentes do Rio Nilo; por Ísis ser uma deusa da vida e da fertilidade, suas benções eram invocadas com celebrações grandiosas e cerimônias sagradas.

Dia consagrado à estrela Sirius ou Sothis, da constelação de Canis Major, chamada também de Canopis ou Olho do Cão. Acreditava-se que Sirius aparecia no leste, na época das inundações do Rio Nilo, para anunciar o renascimento de Osíris. Anúbis, o deus com cara de chacal, guardava a alma de Osíris na estrela Sothis até seu renascimento anual.

Em Roma, celebrava-se a união de Vênus, a deusa da beleza feminina e do amor, a Apollo, o belo deus da luz solar e da poesia.

Comemore sua união criando um ritual pessoal, reverenciando o Deus e a Deusa Interior, reforçando e selando, assim, os laços de amor, compreensão, apoio e colaboração recíproca. Se você estiver passando por uma fase de frieza em sua relação, peça à estrela Sirius que ajude seu amor a renascer e renovar-se.

#Egito #Festividade #Mitologia

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A Nuvem sobre o Santuário – Carta 2

Por Karl von Eckartshausen.

É necessário, meus caríssimos irmão no Senhor, dar-vos uma idéia pura da Igreja interior, desta “Comunidade Luminosa de Deus”, que está dispersada através do mundo; mas que é governada pela verdade e unida pelo espírito.

Esta comunidade da luz existe desde o primeiro dia da criação do mundo, e sua existência permanecerá até o último dia dos tempos.

Ela é a sociedade dos eleitos que distinguem a luz nas trevas, separando-a em sua essência.

Esta comunidade da luz possui uma escola na qual o próprio Espírito de Sabedoria instrui àqueles que têm sede de luz; e todos os mistérios de Deus e da natureza são conservados nesta escola pelos filhos da luz. O conhecimento perfeito de Deus, da natureza e da humanidade, são os objetos do ensinamento desta escola. É dela que todas as verdades vêm ao mundo; ela foi a escola dos profetas e de todos aqueles que procuram a sabedoria; e é somente nesta comunidade que se encontra a verdade e a explicação de todos os mistérios. Ela é a comunidade mais íntima e possui membros de todo o universo, eis as idéias que se podem ter dela. Em todos os tempos, o exterior tinha por base um interior do qual não era mais do que a expressão e o plano.

Assim é que, em todas as eras, existiu uma assembléia íntima, a sociedade dos eleitos, a sociedade daqueles mais capazes para a luz e que a procuravam; esta sociedade íntima era chamada o Santuário interior ou a Igreja interior.

Todos os símbolos, cerimônias e ritos que possui a Igreja exterior, correspondem à letra da qual o espírito e a verdade se acham na Igreja interior.

Portanto, a Igreja interior é uma sociedade cujos membros estão espalhados por todo o mundo, mas ligados intimamente pelo espírito do amor e da verdade, ocupada sempre na construção do grande templo para a regeneração da humanidade, pela qual o reino de Deus há de se manifestar. Esta sociedade reside na comunhão daqueles que estão mais aptos para receber a luz, ou dos eleitos.

Estes eleitos estão unidos pelo espírito e a verdade e o seu chefe é a própria Luz do Mundo, Jesus Cristo, o eleito da luz, o mediador único da espécie humana, o Caminho, a Verdade e a Vida; a luz primitiva, a sabedoria, o único “meio” pelo qual os homens podem retornar a Deus.

A Igreja interior nasceu logo após a queda do homem e recebeu de Deus, imediatamente, a revelação dos meios pelos quais a espécie humana caída seria reintegrada na sua dignidade, e libertada de sua miséria. Ela recebeu o depósito primitivo de todas as revelações e mistérios; ela recebeu a chave da verdadeira ciência, tanto divina como natural.

Mas quando os homens se multiplicaram, a fragilidade e fraqueza inerentes a espécie impuseram um culto exterior para ocultar a sociedade interior e encobrir pela letra o espírito e a verdade. Porque a coletividade, a multidão, o povo, não eram capazes de compreender os grandes mistérios interiores e constituiria um perigo demasiado grande confiar o mais santo aos incapazes, encobriram as verdades interiores nas cerimônias exteriores e sensíveis, para que o homem, pelo sensível e o exterior que é o símbolo do interior, se tornasse gradativamente capaz de aproximar-se mais das verdades internas do espírito.

Mas a essência sempre foi confiada àquele que, no seu tempo, tinha mais aptidões para receber a luz; e somente esse era o possuidor do depósito primitivo como Sumo sacerdote do Santuário.

Quando se tornou necessário que as verdades interiores fossem simbolizadas nas cerimônias exteriores, por causa da fraqueza dos homens que não eram capazes de suportar a vista da luz, o culto, exterior nasceu, mas ele foi sempre o tipo e o símbolo do interior, quer dizer, o símbolo da verdadeira homenagem feita a Deus “em espírito e verdade”.

A diferença entre o homem espiritual e o homem animal, ou entre o homem racional e o homem dos sentidos, obrigou as formas exterior e interior.

As verdades internas ou espirituais manifestaram-se envoltas em símbolos e cerimônias, para que o, homem animal ou dos sentidos pudesse despertar e ser conduzido pouco a pouco, às verdades interiores.

Portanto, o culto exterior é uma representação simbólica das verdades interiores, das verdadeiras relações do homem com Deus antes e após a queda, no estado de sua dignidade, de sua reconciliação e de sua mais perfeita união. Todos os símbolos do culto exterior estão construídos sobre estas três relações fundamentais.

O cuidado do exterior era a ocupação dos sacerdotes, e cada pai de família estava, nos tempos primitivos, encarregado deste ofício. As primícias dos frutos e as primeiras crias dos animais eram oferecidas a Deus; os primeiros simbolizando que tudo o que nos alimenta e nos conserva vem Dele; e os segundos simbolizando que o homem animal deve morrer para dar lugar ao homem espiritual e racional.

A adoração exterior de Deus não deveria jamais separar-se da adoração interior; mas como a fraqueza do homem leva-o facilmente a esquecer o espírito para agarrar-se à letra, o Espírito de Deus despertou sempre, entre todas as nações, naqueles que tinham as aptidões necessárias para a luz, e serviu-se deles, como seus agentes, para espalhar por todo o mundo a verdade e a luz, segundo a capacidade dos homens a fim de vivificar a letra morta pelo espírito e a verdade.

Por estes instrumentos divinos, as verdades interiores do santuário eram levadas às nações mais longínquas, e modificadas simbolicamente, segundo os hábitos, capacidade de cultura, clima e receptividade.

De maneira que os tipos exteriores de todas as religiões, seus cultos, suas cerimônias e seus livros santos, em geral, têm quase claramente por objeto as verdades interiores do santuário, pelas quais a humanidade será conduzida somente no devido tempo, à universalidade do conhecimento da verdade única.

Quanto mais o culto exterior de um povo permaneceu unido ao espírito das verdades interiores, mais a sua religião foi pura; quanto mais a letra simbólica se separou do espírito interior, mais a religião se tornou imperfeita, até a ponto de degenerar entre alguns, em politeísmo, quando a letra exterior perdeu completamente seu espírito interior e não restou mais de que o cerimonial exterior sem alma e sem vida.

Quando os germens das verdades mais importantes puderam ser levados aos povos pelos agentes de Deus, Ele escolheu um povo determinado para erigir um símbolo vivo, destinado a mostrar como Ele queria governar toda a espécie humana em seu estado atual, e conduzi-la à sua mais alta purificação e perfeição.

Deus próprio deu a seu povo a sua legislação exterior religiosa; e, como signo de sua verdade, entregou-lhe todos os símbolos e todas as cerimônias que continham a essência das verdades interiores e grandiosas do santuário.

Deus consagrou essa igreja exterior em Abraão, deu-lhe os mandamentos por Moisés, e assegurou-lhe sua mais alta perfeição pela dupla missão de Jesus Cristo, no princípio, vivendo pessoalmente na pobreza e no sofrimento, e depois pela comunhão de seu espírito na glória do ressuscitado.

Mas, como o próprio Deus deu os fundamentos da Igreja exterior, a totalidade dos símbolos do culto exterior formou a ciência do templo, ou dos sacerdotes daqueles tempos, e, todos os mistérios das verdades mais santas e interiores tornaram-se exteriores pela revelação.

O conhecimento científico deste simbolismo santo, era a ciência de religar Deus ao homem caído, e daí a religião recebeu seu nome como sendo a doutrina que liga o homem, separado e afastado de Deus, a Deus que é sua origem.

Vê-se facilmente por esta idéia pura do nome religião em geral, que a unidade da religião está no santuário íntimo, e que a multiplicidade das religiões exteriores não pode jamais alterar nem enfraquecer esta unidade que é a base de todo exterior.

A sabedoria do templo da antiga aliança era governada pelos sacerdotes e pelos profetas.

O exterior, a letra do símbolo, o hieróglifo; eram confiados aos sacerdotes.

Os profetas tinham a seu cuidado o interior, o espírito e a verdade, e sua função era a de conduzir sempre os sacerdotes da letra ao espírito, quando lhes acontecia esquecer o espírito e agarrar-se à letra.

A ciência dos sacerdotes era a do conhecimento dos símbolos exteriores.

A ciência dos profetas era a posse prática do espírito e da verdade destes símbolos. No exterior a letra; no interior o espírito vivificante.

Existia também, na antiga aliança, uma escola de sacerdotes e uma escola de profetas.

A dos sacerdotes ocupava-se dos emblemas e a dos profetas das verdades que estavam encerradas sob os emblemas. Os sacerdotes estavam de posse exterior da Arca, dos pães da proposição, do candelabro, do maná, da vara de Aarão, e os profetas estavam de posse das verdades interiores e espirituais que eram representadas exteriormente pelos símbolos dos quais vimos falar.

A Igreja exterior da antiga aliança era visível; a Igreja interior era sempre invisível, devia ser invisível, e entretanto governar tudo, porque somente a ela estavam confiados o poder e a força.

Quando o culto exterior abandonava o interior, caia, e Deus provava por uma continuidade das mais notáveis ocorrências, que a letra não pode subsistir sem o espírito; que ela somente é dada para conduzir ao espírito, tornando-se inútil e mesmo rejeitada de Deus, se abandona sua finalidade.

Assim como o espírito da natureza se espalha nas profundezas mais estéreis para vivificar, para conservar e para dar desenvolvimento a tudo que lhe é susceptível, assim também o espírito da luz se espalha no interior de todas as nações, para animar completamente a letra morta pelo espírito vivo.

É assim que encontramos um Jó entre os idólatras, um Melquisedeck entre as nações estrangeiras, um José entre os sacerdotes egípcios, e Moisés no país de Madian, como prova palpável de que a comunidade interior daqueles que são capazes de receber a luz, estava unida pelo espírito e pela verdade em todos os tempos e entre todas as nações.

A todos esses agentes de luz da comunidade interior e única, uniu-se o mais importante de todos os agentes, o próprio Jesus Cristo, no meio do tempo como um rei-sacerdote; segundo a ordem de Melquisedeck,

Os agentes divinos da antiga aliança não representaram senão as perfeições particulares de Deus; no decorrer dos tempos uma ação poderosa devia produzir-se que mostrasse de uma só vez o todo em Um. Um tipo universal apareceu acentuando a completa unidade, abrindo uma nova porta e destruindo a numerosa servidão humana. A lei do amor começou quando a imagem emanada da própria Sabedoria mostrou ao homem toda grandeza de seu ser, revigorou-o de todas as forças, assegurou-lhe sua imortalidade e elevou seu ser intelectual para tornar-se o verdadeiro templo do Espírito.

Este agente maior de todos, este Salvador do mundo, este regenerador universal fixou toda a sua atenção sobre esta verdade primitiva, pela qual o homem pôde conservar sua existência e recobrar a dignidade que possuía.

Em suas humilhações implantou a base da redenção dos homens e prometeu cumpri-la completamente por seu espírito. Ele mostrou também num perfeito esboço aos seus apóstolos tudo o que devia se passar um dia com seus eleitos.

Ele continuou a cadeia da comunidade interior da luz, entre seus eleitos, aos quais enviou o Espírito da Verdade, e confiou-lhes o depósito primitivo mais elevado de todas, as verdades divinas e naturais, em sinal de que eles não abandonariam jamais sua comunidade interior.

Quando a letra e o culto simbólico da Igreja exterior da antiga aliança, passaram em verdade pela encarnação do Salvador, e foram atestados em sua pessoa, novos símbolos se tornaram necessários para o exterior, que mostrassem segundo a letra, a realização futura ou integral da redenção.

Os símbolos e os ritos da igreja exterior Cristã foram dispostos segundo estas verdades invariáveis e fundamentais, e anunciaram coisas de uma força e importância que não se podem descrever, nem foram reveladas àqueles que conheciam o santuário intimo.

Este santuário interior permaneceu sempre invariável, ainda que o exterior da religião, ou seja, a letra recebesse no decorrer do tempo e circunstâncias, diferentes modificações, e se afastasse das verdades interiores, que são as que podem conservar o exterior ou a letra.

O pensamento profano de querer atualizar tudo o que é cristão, e de querer cristianizar tudo o que é político, modificou o edifício exterior, e cobriu com as trevas e a morte o que estava no interior, a luz e a vida. Daí nasceram as divisões e as heresias: o espírito sofístico queria explicar a letra embora já tivesse perdido o espírito da verdade.

A incredulidade levou a corrupção ao mais elevado grau; até se procurou atacar o edifício do cristianismo em suas primitivas bases, confundindo o interior santo, com o exterior que estava sujeito às fraquezas e à ignorância dos homens frágeis.

Assim nasceu o deísmo, que engendrou o materialismo e viu como uma fantasia toda união do homem com as forças superiores; e por fim nasceu, parte pelo entendimento e parte pelo coração, o ateísmo, último grau de decadência do homem.

No meio de tudo isto, a verdade permaneceu sempre inquebrantável no interior do santuário.

Fiéis ao Espírito da verdade que prometeu jamais abandonar a sua comunidade; os membros da Igreja interior viveram em silêncio e em atividade real e uniram a ciência do templo da primitiva aliança ao espírito do Grande Salvador dos homens, a espírito da aliança interior, esperando humildemente o grande momento no qual o Senhor os chamará, e reunirá sua comunidade para dar a toda letra morta a força exterior e a vida.

Esta comunidade interior da luz é o conjunto de todos aqueles que estão capacitados para receber a luz dos eleitos, e é conhecida sob o nome de “Comunhão dos santos”. O depósito primitivo de todas as forças e de todas as verdades foi confiado em todos os tempos a esta comunidade da luz; que só ela, como disse São Paulo, estava de posse da ciência dos Santos. Por ela os agentes de Deus foram formados em cada época, passaram cio interior, ao exterior, e comunicaram o espírito e a vida à letra morta, como já dissemos anteriormente.

Esta comunidade da luz foi em todos os tempos a verdadeira escola do Espírito de Deus; e, considerada como escola, tem sua Cátedra, seu Doutor; possui um livro no qual seus discípulos estudam as formas e os objetos dos ensinamentos, e finalmente um método de estudo.

Ela tem, também, seus graus pelos quais o espírito pode desenvolver-se sucessivamente e elevar-se sempre cada vez mais.

O primeiro grau, o menor, consiste no bem moral pelo qual a vontade simples, subordinada a Deus, é conduzida ao bem pelo móbil puro da vontade, quer dizer, Jesus Cristo, que ela recebeu pela fé. Os meios dos quais o espírito desta escola se serve são chamados inspirações.

O segundo grau consiste no assentimento intelectual, pelo qual a compreensão do homem de bem que está unido a Deus, é coroada com a sabedoria e a luz do conhecimento; e os meios pelos quais o espírito se serve para este grau são chamados iluminações interiores.

O terceiro grau enfim, e o mais elevado, é o completo despertar do nosso sensorium interno, pelo qual o homem interior alcança a visão objetiva das verdades metafísicas e reais. Este é o grau mais elevado onde a fé se transforma em visões claras e os meios pelos quais o espírito se serve para isso são as visões reais.

Eis os três graus da verdadeira escola de sabedoria interior, da comunidade interior da luz. O mesmo espírito que aperfeiçoa os homens para esta comunidade, distribui também os graus, pela coação do próprio candidato, devidamente preparado.

Esta escola da sabedoria foi em todos os tempos, a mais secreta e a mais oculta do mundo, porque ela estava invisível e submissa unicamente à direção divina.

Ela não esteve jamais exposta aos acidentes do tempo nem às fraquezas dos homens. Porque nela não houve em todos os tempos senão os mais capazes que foram escolhidos pelas suas qualidades, e o Espírito que os escolheu não podia errar.

Nessa escola se desenvolveram os germens de todas as ciências sublimes que foram primeiramente recebidas pelas escolas exteriores, e, aí revestiram-se de outras formas verdadeiras algumas vezes tornadas disformes.

Esta sociedade interior de sábios comunicou, segundo o tempo e as circunstâncias, às sociedades exteriores, seus hieróglifos simbólicos para tornar o homem exterior atento às grandes verdades do interior.

Porém todas as sociedades exteriores só subsistem enquanto esta sociedade interior lhes comunica seu espírito. No momento em que as sociedades exteriores queriam emancipar-se da sociedade interior e transformar o templo de sabedoria em um edifício político, a sociedade interior retirava-se e nelas ficava somente a letra sem o espírito.

Assim é que todas as escolas exteriores secretas da sabedoria foram somente véus hieroglíficos, a verdade mesma permaneceu sempre no santuário para que não pudesse ser jamais profanada.

Nesta sociedade interior o homem encontra a sabedoria, e com ela tudo; não a sabedoria do mundo que não é senão um conhecimento científico rodeando o invólucro exterior, sem jamais tocar o centro onde residem todas as forças; mas a verdadeira sabedoria, assim como os homens que a ela obedecem.

Todas as disputas, todas as controvérsias, todos os objetos da falsa prudência do mundo, todos os idiomas estrangeiros, as vãs dissertações, os germens inúteis das opiniões que propagam a semente da desunião, todos os erros, os cismas e os sistemas, dela estão banidos. Não se encontra ali nem calúnias nem maledicências; todo homem é honrado. A sátira, o espírito que gosta de se divertir a custa do próximo, são ali desconhecidos, e somente se conhece o amor.

A calúnia, este monstro não levanta jamais entre os amigos da sabedoria, sua cabeça de serpente, o respeito mútuo é ali observado rigorosamente; ali não se nota as faltas do próximo nem se lhe fazem criticas sobre defeitos. Caridosamente, conduz-se o viajante ao caminho da verdade, procura-se persuadir, tocar o coração que está em erro, deixando a punição do pecado a clarividência do Mestre da Luz. Alivia-se a necessidade, protege-se a fraqueza, rejubila-se da elevação e da dignidade que o homem adquire.

A felicidade que é o dom do destino não eleva ninguém sobre o próximo; somente se considera feliz aquele ao qual se apresenta a ocasião de fazer o bem a seu próximo, e todos estes homens, que um espírito de verdade une, formam a Igreja invisível, a sociedade do Reino interior sob um chefe único que é Deus.

Não se deve imaginar que esta comunidade representa qualquer sociedade secreta que se reúne em certos tempos, escolhendo seus chefes e membros e propondo-se a determinados fins. Todas as sociedades, quaisquer que sejam não vêm senão depois desta comunidade interior da sabedoria; ela não conhece quaisquer formalidades que são a obra dos homens. No reino das forças todas as formas exteriores desaparecem.

O Próprio Deus é o chefe sempre presente. O homem mais perfeito de seu tempo, o primeiro chefe, não conhece por si mesmo todos os membros; mas no instante em que para a finalidade de Deus se torna necessário esse conhecimento, ele os encontra certamente no mundo para agir em direção a essa finalidade.

Esta comunidade não tem absolutamente véus exteriores. Aquele que é escolhido para agir perante Deus é o primeiro, apresenta-se aos outros sem presunção, e é recebido por eles sem inveja.

Se é necessário que verdadeiros membros se unam, eles se encontram e se reconhecem sem dúvida alguma. Não pode existir nenhum disfarce, e nenhum gérmen de hipocrisia ou dissimulação sobre os traços característicos desta comunidade, porque são fora do comum. São arrancadas a máscara e a ilusão, e tudo aparece em sua verdadeira forma.

Nenhum membro pode escolher um outro; o consentimento de todos é requerido. Todos os homens são chamados; os chamados podem ser escolhidos, se eles se tornarem aptos para a entrada.

Cada qual pode procurar a entrada, e todo homem que está no interior pode ensinar ao outro a procurar a entrada. Mas enquanto não se estiver preparado não se alcança o interior.

Homens não preparados ocasionariam desordens na comunidade, e a desordem não é compatível com o interior. Este interior expulsa tudo aquilo que não é homogêneo.

A Prudência do mundo espreita em vão este Santuário interior; em vão a malícia procura penetrar os grandes mistérios que aí estão ocultos; tudo é hieróglifo indecifrável para aquele que não está prepara do; nada pode ver nem ler no interior.

Aquele que já está preparado junta-se à corrente, muitas vezes lá onde menos pensava e a um elo do qual nem supunha a existência.

Procurar alcançar a maturidade deve ser o esforço daquele que ama a sabedoria.

Nesta comunidade santa está o depósito original das ciências mais antigas do gênero humano com os mistérios primordiais de todas as ciências e técnicas conduzindo à maturidade.

Ela é a única e verdadeira comunidade da Luz em possessão da chave de todos os mistérios e conhecendo o íntimo da natureza e da criação. Ela une as suas forças às forças superiores e compõem-se de membros de mais de um mundo. Estes formam uma república que será um dia a mãe regente do universo inteiro.

#Martinismo #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-nuvem-sobre-o-santu%C3%A1rio-carta-2