A Originalidade na Magia do Caos

Por Wanju Duli

“Assim como é em cima, é embaixo, e também no meio”

– P.J. Carroll, “The Octavo”

Quando falamos em Magia do Caos, logo vêm à nossa mente nomes como Austin Osman Spare e Peter J. Carroll; o primeiro, idealizador dos sigilos e do Alfabeto do Desejo, enquanto o segundo ocupou-se de elaborar a IOT, uma Ordem particularmente exótica e ousada, tendo como base sua obra “Liber Null”.

Em Liber Null podemos encontrar excertos como Liber MMM e Liber LUX, que constituem as primeiras propostas desse sistema, com uma série de exercícios. Somos apresentados à Caosfera, o Sigilo do Caos, que seria um espelho de escuridão para comunicação entre os adeptos, segundo as palavras do autor. O termo “Caos” é escolhido, pois vocábulos como “Deus” ou “Tao” estariam condicionados às impressões mentais previamente atribuídas a tais expressões.

Nessa mesma obra, Carroll afirma que os Iluminados de Thanateros são os herdeiros mágicos do Zos Kia Cultus de Spare e da A.’.A.’. de Crowley. Ele inclusive cria um diagrama maluco para provar isso, demonstrando em que medida diferentes tradições mágicas se conectam a IOT.

Contudo, a ideia não era apenas desenvolver uma nova tradição mágica com a junção de diferentes elementos previamente existentes, como podemos ver nos seguintes trechos do autor:

“O intelecto é uma espada, e seu uso é para evitar a identificação com qualquer fenômeno particular encontrado. As mentes mais poderosas agarram-se ao menor número de princípios fixos. A única visão clara é do alto da montanha dos seus egos mortos “.

“É um erro considerar qualquer crença mais libertadora que outra. É a possibilidade de mudar que é importante. Cada nova forma de libertação está destinada a eventualmente se tornar outra forma de escravidão para a maioria de seus adeptos. Não há liberdade da dualidade neste plano de existência, mas podemos ao menos aspirar à escolha da dualidade”.

“A energia é liberada quando um indivíduo quebra as regras de condicionamento com algum ato glorioso de desobediência ou blasfêmia. Essa energia fortalece o espírito e dá coragem para atos de insurreição”.

A intenção mais profunda de Carroll era desenvolver uma magia que permitisse a mobilidade de sistemas de crenças, utilizando a crença escolhida somente como uma ferramenta para atingir determinado objetivo, dando mais ênfase ao resultado do que ao processo em si. Isso incluiria até uma possibilidade de inversão ou alteração em princípios éticos clássicos, pois, conforme o próprio autor diz, logo você descobrirá que ideias que nos parecem bizarras, loucas, extremas, arbitrárias e sem sentido são tão malucas quanto aquelas que antes julgávamos como razoáveis, sensíveis e humanitárias.

Com o texto “Truque da Mente em Demonologia”, apresentado em Liber Kaos, podemos sentir essa ideia:

“Liber Boomerang

Um deus ignorado é um demônio nascido.

Pensa você na hipertrofia de alguns egos à custa de outros?

O que é negado ganha poder, e busca formas estranhas e inesperadas de manifestação.

Negue a morte e outras formas de suicídio irão surgir.

Negue o sexo e formas bizarras de sua expressão irá atormentá-lo.

Negue o amor e sentimentalismos absurdos irão incapacitá-lo.

Negue a agressão, apenas para eventualmente fitar a faca ensanguentada em sua mão trêmula.

Negue medos e desejos honestos apenas para criar neuroses e avareza sem sentido.

Negue o riso e o mundo rirá de você.

Negue a magia apenas para se tornar um robô confuso, inexplicável até para si mesmo”.

No entanto, isso não significa que os caoístas destroem completamente a noção de moralidade, como nos relembra Phil Hine, em “Condensed Chaos”:

“Assim, apesar do glamour, os magos do Caos raramente são completamente amorais. Um dos axiomas básicos da filosofia mágica é que a moralidade cresce de dentro, uma vez que se começa a conhecer a diferença entre o que você aprendeu a acreditar e o que você quer acreditar”.

A ideia é quebrar noções pré-estabelecidas para começar a construir seus próprios castelos de areia nesse terreno fértil; estabelecer os fundamentos de suas ideias acerca da realidade; ou perceber que simplesmente não necessita de algo assim.

Isso nos recorda um pouco das três metamorfoses do espírito de Nietzsche:

“Qual é este grande dragão a que o espírito já não quer chamar nem senhor, nem Deus? O nome do grande dragão é ‘Tu deves’. Mas o espírito do leão diz: ‘Eu quero.’”

Inicialmente somos um camelo, que carrega o peso dos valores. Devemos nos converter em leão para destruí-los. E, finalmente, nos tornarmos crianças para criar.

“Na verdade, irmãos, para jogar o jogo dos criadores é preciso ser uma santa afirmação; o espírito quer agora a sua própria vontade; tendo perdido o mundo, conquista o seu próprio mundo”.

Estamos esquentando? Pois bem. Que pegue fogo! Para começarmos a tentar compreender que é a Magia do Caos, sugiro algumas palavras de meu escritor favorito sobre o tema, o cavalheiro chamado Ramsey Dukes, Lionel Snell, o Rato que Gira, ou seja lá qual foi o codinome que esse senhor resolveu adotar dessa vez. Comecemos com SSOTBME (“Sex Secrets of the Black Magicians Exposed”):

“Magia do Caos é, com efeito, o mais seguro sistema mágico que existe. Paradoxalmente, no entanto, ganhou uma reputação vermelha e quente por ser a mais perigosa, sinistra e insana forma da loucura mágica remanescente”.

Quando assumimos a premissa de que “Nada é verdadeiro. Tudo é permitido”, pode ser realmente assustador. Você precisa lidar com sua imaginação e principalmente com um verdadeiro terror: sua liberdade.

“Um magista prático não tem interesse nos problemas filosóficos que atormentam o cientista que pergunta: ‘Tem certeza que foi a sua magia que a curou? Como você sabe que não foi apenas uma coincidência?’ Tal especulação é irrelevante para o Mago. Ele fez o feitiço, ela foi curada. Se fosse uma coincidência, não importa contanto que ele possa trazer tais coincidências “.

Um caoísta está mais preocupado com o resultado prático, as emoções geradas, o chacoalhar de paradigmas, do que em vestir robes, carregar espadas ou enredar-se em paradoxos ontológicos. Para isso, ele realiza uma profunda investigação acerca dos processos mágicos, com a intenção de desvendar os caminhos que o levam a ativar as engrenagens da magia.

Enquanto a magia tradicional possui força pelo peso de seu caráter inveterado, riqueza cerimonial e alto teor filosófico, o poder da Magia do Caos reside em adaptar sistemas conforme o gosto, para que a paixão do magista e sua metamorfose paradigmática inflamem sua vontade e gerem essa carga empírica de transformação.

“Assim, é inútil perguntar a um magista se Deus, anjos ou demônios ‘realmente existem’. Simplesmente ao dizer as palavras você os fez existir! Pergunte novamente se essas entidades abstratas podem produzir qualquer efeito no mundo físico, e eles já produziram – eles fizeram você fazer perguntas “.

Agora, veremos o que Dukes tem a nos dizer em sua obra “BLAST Your Way To Megabuck$ with my SECRET Sex-Power Formula”:

“Nós não podemos acreditar agora na dualidade antiga dos que estão trabalhando para o bem e dos que estão trabalhando para o mal, porque fazer qualquer mudança é invocar a incerteza. A nova dualidade é entre aqueles que desejam manter as coisas como estão, e aqueles que desejam mudá-las”.

“Eu quero ser rico, feliz, sexy, poderoso ….

Ei! Eu descobri essa coisa chamada ‘magia’ que pode torná-lo rico, feliz, sexy, poderoso …

Uau! Estive lendo sobre magia e descobri que é realmente muito simples se tornar rico, feliz, sexy, poderoso … contanto que você faça uma coisa – você deve se tornar perfeito primeiro.

Então, como você sabe quando se tornou perfeito?

Oh merda. Você sabe que é perfeito quando você já não QUER ser rico, feliz, sexy, poderoso …”

E, para finalizar, uma frase de Hugo C. St. J. l’Estrange:

“Quando a humanidade irá crescer fora de seu flerte com a ética cristã, e encarar o fato de que o Grande Princípio Cósmico não é fazer o que é certo e honrado, mas fazer o que é errado com ESTILO”.

Espere, eu disse “finalizar”? Esse é só o começo. Magia do Caos é muito mais do que brincar de utilizar vários estilos de magia previamente existentes e misturar tudo para se revoltar contra a autoridade. Quando você quebra seus conceitos não irá simplesmente preencher o espaço coletando vários pedaços de conceitos aqui e ali, como se estivesse num buffet em self-service, selecionando os pratos que lhe parecem mais saborosos para montar o seu.

Você pode até experimentar os diferentes pratos no começo, para aprender os sabores. Mas em algum momento o caoísta DEVE tornar-se um cozinheiro. Esse é o coração da Magia dos Caos: ser um verdadeiro chef de sistemas do ocultismo. Pois a Magia do Caos não é somente um novo sistema, um destruidor de sistemas ou um agregador deles. Antes, é um “sistema criador de novos sistemas”.

E aqui iremos resgatar alguns excertos do brilhante artigo de Frater Xon, membro da IOT North America, chamado “O Magista Eclético vs. O Magista do Caos”:

“Qualquer um pode ler um livro de magia e cuspir de volta o que está contido nele. Memorize gematria e livros de Crowley, e de repente você é um mago Hermético. Leia um livro de xamanismo, compre um tambor, e de repente você é um místico tribal. Dê algum dinheiro para as pessoas certas, memorize alguns cânticos e orações, e de repente você é um Santero. Maldição, vá em frente e leia Spare, desenhe alguns sigilos e puf! Instantaneamente ‘Magista do Caos’!”

“Estes são todos truques e ilusões mentais inexpressivos. Mesmo um papagaio pode repetir os sons que ouve sem compreendê-los “.

“O verdadeiro caoísta tem a capacidade de dar à luz coisas novas e incomuns. Eles podem criar novos sistemas, novos métodos e novos rituais fora do que já foi criado. O verdadeiro caoísta é essencialmente um artista “.

“Se você não pode criar algo novo para mim, então eu não estou particularmente interessado em você. Eu não me importo se você memorizou todos os livros de magia do planeta. Eu não me importo se você está sentado em seu templo realizando rituais pré-fabricadas doze horas por dia. Se você não consegue pensar numa única coisa nova para me oferecer, o que há de bom em você? Você é apenas um computador dizendo as mesmas coisas antigas que outras pessoas já disseram antes”.

“Mas, se você pode criar uma única coisa simples de pura criatividade que funciona, mesmo se não é a coisa mais incrível do mundo, isso ainda me impressiona muito mais do que todas as bibliotecas de magia do mundo.”

E aqui finalmente concluímos nossa introdução sobre a Magia do Caos, com muitas citações, refrescos e poderosas frases de efeito, para tentar agradar tanto aos mais tradicionais quanto àqueles que estão cansados do velho cadáver mágico, já tão desgastado e apodrecido. A Magia do Caos é uma vertente incrível e muito viva, que está em polvorosa na atualidade, tanto no cenário nacional quanto internacional, com propostas criativas, inovadoras e extraordinárias.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-originalidade-na-magia-do-caos

The Chaonomicon, por Jaq D Hawkins

Magia+do+Caos

Top 50 Livros de Magia do Caos coloquei no Top 1 o livro que a Jaq D Hawkins escreveu em 1996. Como a versão impressa está esgotada nas editoras, a autora resolveu escrever um livro novo na mesma linha de “Understanding Chaos Magic”. Esse mês ela lançou “The Chaonomicon” que está disponível pela Amazon brasileira.

Finalizei minha leitura agora mesmo e gostaria de compartilhar o que aprendi, incluindo alguns trechos da obra que me chamaram a atenção. Esse é um excelente livro para iniciantes, pois trata de temas como história da magia do caos, deidades do caos, teoria do caos, Austin Osman Spare, sigilos, servidores, grupos de magia, iniciação, técnicas de magia, rituais e muito mais.

Eis algumas passagens da obra:

“O termo ‘magia do caos’ foi criado pelo magista e autor Peter J. Carroll em meados dos anos 70. Ele escreveu e mantém que seu significado reflete a aleatoriedade do universo”

“A aleatoriedade na natureza não é inteiramente aleatória, mas trabalha dentro de parâmetros”

“Foi dito que se você pergunta para dez magistas do caos o que é a magia do caos, você irá obter onze respostas diferentes”

“Magia, de qualquer tipo, atrai uma certa porcentagem de pessoas que estão procurando por respostas simples para os problemas da vida. A realidade não é um conto de fadas. Nós não temos uma varinha e todos os problemas irão desaparecer. A magia pode ajudar uma situação, mas a magia é trabalho e aprender como fazê-la ser efetiva é um compromisso de toda uma vida de estudo. Por toda a reputação que a magia do caos tem de gerar ‘atalhos’ na prática mágica, tais atalhos só são efetivos se o magista sabe o que está fazendo”

“Décadas depois do começo da magia do caos, as pessoas ainda perguntam: ‘O que é isso?’. A dificuldade de responder essa pergunta simples está no fato de que ninguém pode dizer que algo não é magia do caos, porque ela é uma atitude em relação à magia e não um sistema em si. Autores modernos de livros que tratam da magia do caos escrevem sobre o misticismo oriental de uma perspectiva caoísta, um livro de rituais Discordianos ou um diário pessoal de práticas mágicas e ninguém pode dizer: ‘Mas isso não é magia do caos’”. 

“Minha própria definição, que penso ser a mais simples, é que a magia do caos é sobre entender o mecanismo da magia, a Física de como a magia funciona”

“Um dos problemas que a magia do caos gerou é a atratividade do que parecem ser métodos ritualísticos simples para os novos magistas aspirantes que podem não ter usado nenhuma outra forma de magia antes. Alguns desses magistas do caos noobs pegam o jeito muito bem, mas muitos passam mais tempo reclamando em grupos de internet e mídias sociais que tal magia não funciona do que tentando desenvolver sistemas que funcionam”

E agora vamos aos meus comentários:

A autora conversou bastante com Kenneth Grant para perguntar a ele sobre seu amigo Austin Osman Spare, então algumas das informações sobre Spare em seu livro são inéditas.

Spare costumava dividir seus sigilos em partes. Por exemplo: “Eu quero” + “obter” + “a força de um tigre” poderiam gerar três sigilos diferentes que poderiam ser posteriormente combinados. Assim você poderia guardar as duas primeiras partes para usar mais tarde. Um sigilo não precisaria ser necessariamente destruído, mas virar uma obra de arte na sua parede. Você veria o sigilo tantas vezes que em algum momento sua mente consciente não faria mas a associação entre sigilo e desejo, deixando que apenas a mente inconsciente atuasse. Ela também lembra que Spare costumava lançar seus sigilos escrevendo-os num papel em branco, colocando-o na testa e entoando alguma fórmula ritualística.

Embora Kenneth Grant tenha divulgado a magia com os Grandes Antigos de Lovecraft, foi Phil Hine seu maior divulgador através de sua obra Pseudonomicon. Também foi Hine quem divulgou o uso dos servidores em seu livro “Chaos Servitors: a User Guide” (1991). O termo “servidor” é relativamente novo e surgiu através do trabalho com formas-pensamento.

Jaq D Hawkins nos informa que, segundo uma carta de Charlie Brewster, o início da magia do caos foi em 1976. Peter Carroll começou a escrever para a revista “The New Equinox” publicada por Ray Sherwin. Em 1986 seria lançada a revista Chaos International, editada por P.D. Brown e Ray Sherwin em seus dois primeiros volumes. Nos volumes restantes, até a edição 23, Ian Read assumiu a direção. A revista teve uma pausa e retornou somente após o início do novo milênio. Outras revistas também existiram, como a americana Thanateros (1989-1990) com artigos de Lola Babylon e Peter Carroll. Também houve a revista Konton, editada por D.J. Lawrence (Dead Jellyfish, da IOT do Japão).

O objetivo inicial da IOT foi criar um grupo não hierárquico, mas frequentemente ocorre de pessoas serem vistas como líderes e abusarem do poder. Hawkins conta como isso acontece não somente na magia do caos, mas em várias outras correntes de magia, incluindo alguns covens de wicca.

Sobre a teoria do caos, Frater Choronzon em Liber Cyber nos diz que o fato de a magia do caos e a matemática do caos terem se desenvolvido mais ou menos na mesma época foi mais uma das “coincidências” mágicas que costumam ocorrer.

A autora nos fala sobre muitas divindades do caos, incluindo Exu. E ela alerta como é difícil trabalhar com as “entidades imaginárias” como as dos livros de ficção (como as obras de Lovecraft). Afinal, os efeitos advindos desses trabalhos são bem reais e pode ser um problema se o magista não souber mais separar o real e o imaginário. Para exemplificar essa abordagem, há o seguinte trecho do livro:

“Austin Spare escreveu sobre um conceito que ele chamou ‘neither-neither’. Essa é uma referência a algo que não é nem uma coisa nem outra. Nesse caso, os Deuses são vistos nem como reais e nem como não reais. Eles existem para nós, e ainda assim eles não existem. Nós damos a eles existência em nossa crença, que é uma existência bastante real. Porém, se nós escolhermos não acreditar neles, eles não existem, a não ser que outro magista escolha acreditar numa entidade particular e nós entramos em contato com isso através de uma experiência comum com o outro magista”. 

Eu diria que essa abordagem é bastante semelhante às teorias de Berkeley na filosofia de que “ser é ser percebido”.

Hawkins também nos alerta sobre o perigo de interpretarmos a realidade por somente um ponto de vista. Será que existe a ordem na natureza ou o caos? Estamos acostumados a uma interpretação linear da realidade baseada na matemática, mas “montanhas não são cones”. A teoria do caos nos aponta para uma realidade caótica, mas mesmo no interior do caos é possível encontrar padrões e ordem.

E será que a natureza funciona numa luta pela sobrevivência? Vejamos esse trecho da obra:

“O notável biólogo evolucionista Stephen Jay Gould salienta que A Origem das Espécies de Darwin foi interpretada de forma muito diferente pelo intelectual russo Petr Kropotkin da forma que foi interpretada pelos cientistas europeus e americanos. Kropotkin encontrou na natureza um sistema de cooperação em vez de competição. Biólogos eminentes como Gould mencionam que a pesquisa não apoia o ponto de vista neo-Darwiniano de que a acumulação gradual de mutações irá eventualmente levar a novas espécies”

A magia do caos nos convida a interpretar a realidade sob múltiplos pontos de vista e paradigmas, sem considerar necessariamente um melhor que o outro. A questão é: “melhor para que e para quem?”, que também é uma visão razoável para aplicar a modelos científicos, tais como nos sugeriu filósofos da ciência como Thomas Kuhn e Karl Popper.

Esses são alguns exemplos de temas abordados na obra. A autora também sugere técnicas mágicas e exercícios a serem usados por iniciantes. É um livro com uma porção de tudo que considero importante na magia. Uma valiosa leitura. E a autora já anunciou que lançará em breve um livro novo sobre magia, que aguardaremos com entusiasmo.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/the-chaonomicon-por-jaq-d-hawkins

Livro sobre caoísmo e Cthulhu

Aqui está o PDF e aqui a versão impressa.

Inicialmente minha intenção era escrever um breve livro com minha visão atual sobre o Caos, mas acabei desenhando o Cthulhu na capa. Então eu pensei: “que diabos, falemos sobre os Grandes Antigos também!”

Primeiro digo porque acho que a abordagem da magia do caos possui relevância e algumas noções filosóficas por trás dela. Depois comparo o conceito de “absurdo” das operações de Lovecraft com a teologia judaico-cristã.

Finalmente, para as práticas, falo sobre servidores, magia divina, gnose e tecnomagia. Você aprenderá como invocar Cthulhu e seus amigos, e ainda tem de brinde alguns contos sobre isso no fim. Para minha versão baseei-me um pouco em “Epoch” de Peter Carroll e em “Pseudonomicon” de Phil Hine.

Não se trata de um sistema completo, mas de um livro com pedaços de ideias sobre vários temas, com o intuito de tornar a leitura fluida.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/livro-sobre-cao%C3%ADsmo-e-cthulhu

A Loucura de Cthulhu

Cada deus traz sua própria loucura. Para conhecer o deus—ser aceito por ele—sentir os seus mistérios, bem, você tem que deixar que a loucura seja derramada sobre você e através de você. Isto não está nos livros de magia, por que? Por um lado, por ser muito facilmente esquecido, e por outro, por você ter que encontrar isso por si mesmo. E àqueles que esterilizariam a magia, desbotando a selvageria com explicações emprestadas da psicologia ou da ciência popular, bem, a loucura é algo que ainda tememos… o grande tabu. Então, por que eu escolhi Cthulhu? Sumo Sacerdote dos Grandes Antigos. Que repousa sonhando “sonhos mortais” na cidade submersa, esquecido através das camadas do tempo e da água. Parece muito simples apenas dizer que eu ouvi o seu “chamado”—mas eu ouvi. Deuses, geralmente, não têm muito a dizer, mas vale a pena escutar o que eles dizem.

Lembro-me de uma noite hospedado no apartamento de um amigo. Eu estava “trabalhando” com Gaia. Não a mamãe nova era com uma canalização sobre salvar as baleias ou captando risinhos. Eu senti uma pressão dentro de minha cabeça acumulando-se—algo enorme tentando derramar-se em mim. Sensações de uma era geológica—camadas caindo através de minha consciência. O calor do magma; lentamente moendo a mudança dos continentes, uma infinidade de zumbido de insetos. Nada remotamente humano. Este tipo de experiência me ajuda a esclarecer meus sentimentos acerca de Cthulhu. Alienígena, mas não extraterrestre. Uma grande massa revolvendo-se em algum lugar ao redor do poço de meu estômago. Um lento batimento cardíaco, muito lento, quebrando através das ondas. Pálpebras que se abrem completamente por detrás da escuridão, completamente por detrás do mundo, das cidades, das pessoas andando na rua, abrindo-se lentamente. Abrindo-se completamente detrás de minha vida inteira, todas as lembranças e esperanças colidem-se neste momento. Acordando deste sonho para sentir uma agitação—uma persistente inquietação; a total fragilidade de mim mesmo me empurrou de volta através do quebrar das ondas do silêncio. Este é o sentido da loucura de Cthulhu.

Caminhando através de uma floresta. Elá está alagada pela chuva. As árvores estão sem folhas, viscosas, ha lama sob os pés. Eu estou vendo-as como dedos tentando agarrar o céu, como tentáculos retorcidos. Cthulhu é tudo que nos rodeia. É uma coisa-lula, bestial, dragão-alado—uma imagem animalesca, mas tais coisas estão à nossa volta, como árvores, insetos, plantas, e dentro de nós como bactérias e vírus; nascem instantaneamente através das transformações alquímicas que tomam lugar em meu corpo à medida que escrevo. Ocultos. Sonhando. Continuando a existir sem o nosso conhecimento. Seres desconhecidos, com objetivos desconhecidos. Esse pensamento se edifica em intensidade e me joga ao lado de sua realização. Esta Natureza nos é estranha. Não há nenhuma necessidade de olhar para as dimensões ocultas, elevados planos da existência ou mitológicos mundos perdidos. Ela está aqui, se pararmos para olhar e sentir.

Os Deuses antigos estão por toda parte. Suas feições delineadas nas rochas debaixo de nossos pés. Suas assinaturas rabiscadas nas fractais curvas dos litorais. Seus pensamentos ecoando através do tempo, cada tempestade de raios uma erupção de flashes neurais. Sou tão pequeno, e ele (Cthulhu) é tão vasto. Tal ser insignificante torna-se o foco deste olho fechado, abrindo-se através dos aeons do tempo—bem, ele me põe em meu lugar, não é. Meu cuidadosamente nutrido ser-mágico (“Eu posso comandar estes seres, eu posso!”) se esgota momentaneamente e então entra em colapso, exaurido pelo influxo da eternidade. Fuja. Se esconda.

Ter tentado sair do molde, só me fez consegui rachá-lo. Eu grito internamente por minha inocência perdida. De repente, o mundo é um lugar ameaçador. As cores são muito brilhantes e eu não posso confiar nelas de forma alguma. Janelas são particularmente fascinante, mas elas também se tornam objetos a serem suspeitados por você (eu) não pode confiar no que chega através das janelas. Podemos olhar para fora delas, mas outras coisas podem olhar para dentro. Eu ponho minha mão no vidro. Que segredos são bloqueados por estas finas folhas de matéria? Eu seria como vidro, se eu pudesse, mas eu estou com medo.

Sono não traz alívio. A pálpebra começa a abrir-se, mesmo antes de eu dormir. Eu sinto como se eu estivesse caindo, como a cabeça de uma criança que esbarra em algo… Eu não sei o que é. Toda a pretensão em ser um mago falhou. Essa coisa é tão imensa. Eu não posso bani-la e mesmo que eu pudesse, tenho uma forte sensação de que eu não deveria. Eu abri a porta e não-intencionalmente entrei por ela, como caminhar deliberadamente em uma poça apenas para descobrir que eu estou me afogando repentinamente. O pulsar do coração de Cthulhu ecoa lentamente à minha volta. Cthulhu está sonhando comigo. Eu não sabia disso, e agora eu estou perfeitamente consciente disso, e desejo que o que eu não fui vá para o inferno, que afunde de volta na inconsciência. Eu não quero saber disso. Eu encontrei a mim-mesmo desenvolvendo rituais habituais. Verificando tomadas elétricas para não me concentrar em efusões de eletricidade, evitando árvores particularmente perigosas, você conhece esse tipo de coisa.

Eu pensei que era uma estrela em ascensão mas ainda estou reduzido ás quatro paredes do meu quarto. Mas mesmo elas não manterão esses sentimentos do lado de fora. Lentamente, algum mecanismo de auto-preservação entra em ação. Loucura não é uma opção. Eu não posso ficar assim para sempre—outra casualidade do que nunca é mencionado nos livros de magia. Eu começo a recolher os padrões que eu deixei escapar—comendo regularmente (mais ou menos nos momentos certos), tomando um banho, saindo para passear. Conversando com as pessoas—este tipo de coisa. Eu sinto a sensação do olho sem pálpebras espreitando fora dos abismos do tempo e da memória, e acho que posso encontrar esse olho (“eu”) continuamente. O meio-ambiente deixa de ser uma ameaça. Os rituais de auto-protecão (obsessões) esvaem-se, e depois de tudo, o que está lá para proteger? Os sonhos mudam. É como se eu tivesse passado através de algum tipo de membrana. Talvez eu tenha me tornado vidro afinal. Os pensamentos de Cthulhu revolvendo-se na escuridão já não são mais assustadores. Acho que posso, afinal de contas, cavalgar na pulsação do sonho. O que era aquele olho arregalado senão o meu próprio “eu” espelhado através do medo e das auto-identificações? Não sou mais assombrada por ângulos estranhos. Toda a resistência desmoronou, e eu achei em mim mesmo uma cota de poder em seu lugar.

É claro que este tema é familiar para um e para todos—a viagem iniciática para dentro e para fora da escuridão. Familiar por causa dos mil e um livros que a traçam, a analisam e, em alguns casos, oferecem placas de sinalização ao longo do caminho. O que me traz de volta para o motivo pelo qual eu escolhi Cthulhu, ou melhor, pelo qual escolhemos um ao outro. Há algo de muito romântico acerca de H. P. Lovecraft. O mesmo romantismo que traz as pessoas para a magia através da leitura de Dennis Wheatley. Como Lionel Snell uma vez escreveu: “Quando o ocultismo se dissociou dos piores excessos de Dennis Wheatley, ele castrou-se pois os piores excessos de Dennis Wheatley estão onde ele está.” Há algo arrasador, terrível—romântico— a cerca da magia de Lovecraft. Que a contrasta com a infinidade de livros disponíveis sobre diferentes sistemas “mágicos” que abundam em livrarias modernas. Símbolos em toda parte—todas as coisas se tornaram símbolos, e de alguma forma, (para minha mente, ao menos), menos reais. Impressionantes experiências tiveram todo o sentimento escaldado delas, em curtas descrições e catálogos—sempre mais catálogos, tabelas, e as tentativas de banir o desconhecido com explicações, equações e estruturas abstratas para outras pessoas usarem.

A magia lovecraftiana é elementar, tem um aspecto iminente, e ressoa com os medos enterrados, anseios, aspirações e sonhos.

Os Grandes Antigos e seus parentes podem ser apenas fragmentos do desconhecido, nunca codificados ou dissecados por estudiosos que estão sempre a catalogar. Sim, você pode calcular gematria à sua volta até que você tenha equacionado este deus com esse conceito, e eu sinto que gematria, se utilizada adequadamente, pode se tornar um fio com o qual você pode começar a tecer a sua própria loucura de Cthulhu, esbarrando a si mesmo em significados sub-esquizóides. Não há nenhum Necronomicon—tudo bem, vou alterar isso, existem vários necronomicons publicados, mas nenhum deles me faz juz à essa acepção de um “tomo totalmente blasfemo”, que o leva à insanidade depois de uma minuciosa leitura. Se ele existe, ele está em uma biblioteca em algum lugar onde você terá que passar pela loucura para pegar a chave, apenas para descobrir que o que funciona para você, provavelmente não fará muito sentido para todos os outros. Afinal de contas, para algumas pessoas, Fanny Hill era blasfema. O ponto central do necronomicon é que ele é uma cifra para esse tipo de experiência que torce toda a sua visão de mundo, e embora os insights desta iluminação estejam dançando ao redor de sua cabeça, ele o impele a agir sobre ele—para fazer o que “deve” ser feito no fogo da gnosis—quer seja ele o Dr. Henry Armitage expondo-se à Dunwich ou a conversão dos gregos por Saul, as chamas de sua visão na estrada de Damasco dançando em seu coração. Esta experiência, este âmago, a partir dos quais o—poder—dos magos irrompe, para mim é o cerne da magia, o mistério central, se preferir. A Gnosis da presença de um deus rasga os véus e deixa você ofegante, sem fôlego. A armadura do personagem é desintegrada (até que ela lentamente acumula-se em uma concha novamente) e momentaneamente, você toca o coração desse mistério incognoscível, vindo ao longe com um élitro incorporado. Ele cai ao longe, ele trabalha seu caminho interior, torna-se uma dor incômoda, por isso temos que fazer de novo. Na maioria dos rituais mágicos “estereotipados” que eu tenho feito ou participado, não cheguei nem sequer perto disso. No entanto, todos os atos mágicos que eu tenho feito, respondendo à circunstâncias externas, acidente de eventos ou à alguma necessidade interior sobrecarregada, têm me impulsionado ao primeiro plano do mistério. Eu ainda lembro de ter visto uma sacerdotisa bruxa “possuída” por Hécate. Os olhos … não eram humanos. Este ano, em resposta ao meu pedido de confusão e tormento, o selvagem deus Pasupati inclinou-se para baixo e olhou para para mim, uma visão de brancura resplandescente, a pós-queimadura que ainda está brilhando nas bordas.

A verdadeira magia é selvagem, à noite eu posso sentir a íntima-presença dos Grandes Antigos. Quando o vento sacode as vidraças. Quando escuto o rugido de um trovão. Quando subo uma encosta e reflito sobre a idade daquele lugar. Para senti-los perto de mim, tudo o que eu tenho que fazer é ficar lá até a noite cair. Fique longe das habitações dos homens. Longe de nossa frágil ordem e racionalidade, e dentro da selvageria da natureza, onde até os olhos de uma ovelha podem parecer sobrenaturais ao luar. Lá fora, você não precisa “chamar as coisas”—elas estão apenas a um sopro de distância. E Cthulhu está mais perto do que você pode imaginar. Novamente, é uma coisa pequena, e raramente mencionada, mas há uma diferença entre um “magista” achar que ele tem o direito de “invocar os Grandes Antigos”, e um magista que sente uma sensação de parentesco com eles, e desta forma não precisar chamá-los. Qualquer pessoa pode chamá-los, mas poucos podem fazê-lo sem um assentimento familiar nascido do parentesco. Há uma grande diferença entre realizar um rito, e ter o direito. Mas uma vez que você esteja diante de um deus, deixando sua loucura ser derramada através de você, e mudar você, então haverá um vínculo que é verdadeiro, além de toda a explicação ou racionalização humana. Nós forjamos laços com os deuses que escolhemos e com os deuses que nos escolhem. É uma troca de duas vias, cujas consequências podem demorar anos para se manifestarem em sua vida. Exatamente por isso, os deuses tendem a ser pacientes. Sonhos de Cthulhu.

Phil Hine. Tradução Lorkshem

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/a-loucura-de-cthulhu/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/a-loucura-de-cthulhu/

‘Caos Instantâneo

Phil Hine, Março 1992.

Este foi um dos primeiros trabalhos escritos por Phil Hine, autor posteriormente consagrado como um dos maiores caoistas da segunda geração de magos do caos. Trata-se de uma expansão de seu primeiro artigo que recebia o mesmo título, em inglês, do presente livro: “Chaos Condensed.”

A primeira edição foi lançada em 1992 pela Caos Publications Internacional em uma edição limitada de apenas 300 cópias.

Nesta obra estão delineadas breves definições sobre magia e magia do caos assim como também são delineadas algumas técnicas básicas que mais tarde se afirmariam como um consenso entre os caoistas. Talvez palavras como “definições” e “consenso” soem pecaminosas para muitos magos do caos, mas felizmente esses mesmos magos costumam também ser extremamente indulgentes.

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Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-do-caos/caos-instantaneo/