A melhor maneira de viajar é sentir

Poemas de Álvaro de Campos

Retirado de Poemas de Álvaro de Campos (*)

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.

Sentir tudo ele todas as maneiras.

Sentir tudo excessivamente

Porque todas as coisas são, em verdade excessivas

E toda a realidade é um excesso, uma violência,

Uma alucinação extraordinariamente nítida

Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,

O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas

Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,

Quanto mais personalidades eu tiver,

Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,

Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,

Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,

Estiver, sentir, viver, for,

Mais possuirei a existência total do universo,

Mais completo serei pelo espaço inteiro fora,

Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,

Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,

E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,

Cada alma é um corredor-Universo para Deus,

Cada alma é um rio correndo por margens de Externo

Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

Sursum corda [erguei os corações]! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito,

Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos

Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho

E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo!

Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande.

As coisas, ele braços cruzados sobre o peito, reparam

Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos

Que as vê como vagos vultos noturnos na noite negra.

Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso.

Todo o Mundo com a sua forma visível do costume,

Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso.

Escuto-o. e no meu coração um grande pasmo soluça.

Sursum corda! Ó Terra, jardim suspenso, berço

Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva!

Mãe verde e florida todos os anos recente,

Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal

Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adônis

Num rito anterior a todas as significações,

Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales!

Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões,

Grande voz acordando em cataratas e mares,

Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança,

Em cio de vegetação e florescência rompendo

Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso

À tua própria vontade transtornadora e eterna!

Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados,

Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones,

Mãe caprichosa que faz vegetar e secar.

Que perturba as próprias estações e confunde

Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos!

Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino!

Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica íntima

Volteia serpenteando ficando como um anel

Nevoento, de sensações reminiscidas e vagas,

Em torno ao teu vulto interno túrgido e fervoroso.

Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente

Meu coração a ti aberto!

Como uma espada trespassando meu ser erguido e extático,

Intersecciona com o meu sangue, com a minha pele e os meus nervos,

Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre.

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito

Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,

A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une

E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim

Não passem de mim, não quebrem meu ser, não partam meu corpo,

Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoura

Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,

Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo.

Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão,

No vasto chão supremo que não está em cima nem em baixo

Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos

Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.

Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima,

Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo

De chamas explosivas buscando Deus e queimando

A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica,

A minha inteligência limitadora e gelada.

Sou uma grande máquina movida por grandes correias

De que só vejo a parte que pega nos meus tambores,

O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis,

E nunca parece chegar ao tambor donde parte…

Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito

Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si,

Cruzando-se em todas as direções com outros volantes,

Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço

Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus.

Dentro de mim estão presos e atados ao chão

Todos os movimentos que compõem o universo,

A fúria minuciosa e (…) dos átomos

A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,

A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,

E a chuva como pedras atiradas de catapultas

De enormes exércitos de anões escondidos no céu.

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio

De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh’alma.

Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia. sacode,

Freme, treme, espuma, venta, viola, explode.

Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,

Se com todo o meu corpo todo o universo e a vida,

Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes ,

Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos

Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!

1914~1922

(*) Álvaro de Campos foi o heterônimo mais produtivo da obra conhecida de Fernando Pessoa. Ao que parece, o poeta muitas vezes o utilizou como um alter ego, além de mero heterônimo. Disto resultou uma obra muito extensa em que se entrecruzam temas e estilos de escrita por vezes dissonantes entre si, próprios da mente de um poeta que se dividiu em muitas personalidades distintas.

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Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-melhor-maneira-de-viajar-%C3%A9-sentir

Iniciação no Novo Aeon: O Não Aperfeiçoamento da Alma

Tradução: Mago Implacável

Revisão: Maga Patalógica

Faça o que tu queres há de ser tudo da Lei

Nota: originalmente escrito em 20 de abril de 2009

5) Não Aperfeiçoamento da Alma

“A alma é, em sua própria natureza, pureza perfeita, calma perfeita, silêncio perfeito (…) Esta alma nunca pode ser ferida, desfigurada, corrompida”

– “A Alma do Deserto”

Esta idéia está fortemente relacionada com as ideias na última seção do Self como Redentor. Afirmamos neste texto que não é em Deus, em gurus, sacerdotes ou quaisquer autoridades externas que devemos confiar e que é equivocado dizer que “redimimos” a nós mesmos porque não há nada a redimir. Crowley escreve: “A redenção é uma palavra ruim; ela implica uma dívida. Uma vez que cada estrela possui riqueza ilimitada; a única maneira adequada de lidar com os ignorantes é levá-los ao conhecimento de sua herança estrelada” (The Book of Thoth). A “alma” não precisa ser redimida porque é perfeita e pura em si mesma; é apenas devido à ignorância do nosso próprio direito divino inato que nos julgamos imperfeitos e passageiros. Esta “alma” não é a personalidade do indivíduo – o ego-eu que se identifica com a mente e com o corpo -, mas sim o Eu que coexiste com Todas as Coisas.

O Verdadeiro Eu nunca morre, pois está além de toda limitação, contendo todas as coisas e relações dentro de Si. O corpo, assim como a mente, com certeza expirará, mas é somente através dos misteriosos mecanismos dessa mente e corpo que o Eu, além de todos os limites e opostos, pode tornar-se autoconsciente e conscientemente experimentar o arrebatamento da existência. Este Eu não precisa ser redimido ou aperfeiçoado: não há Queda do Homem a ser rectificada (religiões Abraâmicas) nem uma Roda do Sofrimento da qual ser liberada (religiões Dhármicas). Não há nem mesmo qualquer sentido [na ideia] da alma encarnar para alcançar “estados espirituais” cada vez mais elevados ou para [chegar à] “iluminação”. No Novo Aeon, o “ponto de partida” não é um estado caído, sofredor e pecaminoso, mas sim [um estado em que] nós somos todos Reais e Divinos, a Divindade-manifestada e “a existência é pura alegria” (Liber AL II: 9), se ela é vista com olhos que “Vinculam nada!” (Liber AL I: 22), ou seja, olhos que vêem a unidade oculta em dualidades aparentes. Como é dito: “Visto que todas as coisas são Deus, em todas as coisas tu vês tão somente de Deus quanto a tua capacidade te dá” (A Visão e a Voz, 17 Aethyr). O símbolo-metáfora essencial é que a Estrela da Unidade está sempre brilhando, potencialmente consciente, mas nós nos identificamos com o ego-eu e, portanto, estamos atolados em dualidade e limitação (uma vez que você se identifica com o ego, você não é imediatamente o não-ego ou o mundo e, portanto, o mundo se torna Dois em vez de Um). Crowley escreve nesta descrição em The Law is for All:

“Não devemos considerar-nos como seres básicos, sendo apenas esfera de Luz ou ‘Deus’. Nossas mentes e corpos são véus da Luz interior. O não-iniciado é uma ‘Estrela Negra’, e a Grande Obra para ele é tornar transparentes os seus véus, ‘purificando-os’. Esta ‘purificação’ é, na verdade, ‘simplificação’; não é que o véu esteja sujo, mas sim que a complexidade de suas dobras o torna opaco. O Grande Trabalho, portanto, consiste principalmente na solução de complexos. Tudo em si mesmo é perfeito, mas quando as coisas se confundem, tornam-se ‘más’”.

O ponto importante é que “tudo em si mesmo é perfeito”, mas nossas mentes inevitavelmente “confundem” a situação, o que culmina na identificação com o ego em vez do Verdadeiro Eu. Porque todas as coisas são perfeitas em si mesmas, obviamente não precisamos de nenhum tipo de Deus ou guru para conceder redenção, libertação ou iniciação a nós: o aspirante precisa apenas limpar os véus da ignorância em torno da sua Estrela, e o Verdadeiro Eu Vai saltar de dentro de sua consciência e queimar toda a divisão e limitação. Como Crowley explica em The Law is For All,

“Esta ‘estrela’ ou ‘Luz Interior’ é a essência original, individual, eterna (…) Nós somos advertidos contra a idéia de um Pleroma, uma chama da qual somos Faísca, e a qual retornamos quando ‘nos iluminamos’. Isso seria, de fato, tornar toda a maldição da existência separada [uma coisa] ridícula, uma insensata e inescusável insensatez. Isso nos levaria de volta ao dilema do maniqueísmo. A idéia de encarnações ‘aperfeiçoando’ uma coisa originalmente perfeita é, por definição, algo imbecil. A única solução sensata é a dada anteriormente, de supor que o Perfeito desfruta da experiência da (aparente) Imperfeição”.

No Novo Aeon vamos ainda mais longe do que se poderia esperar: a “ignorância” da dualidade também não é inerentemente má ou ruim. Em suma, a dualidade é [considerada] “ignorância” para alguém que ainda se identifica com o ego; mas, uma vez que se tenha dissolvido o ego, e se identificado com o Verdadeiro Eu, é possível reconhecer a dualidade como os meios necessários para a autoconsciência. Para o indivíduo atolado em dualidade e identificação com o ego, “união-dissolução” é sua fórmula, mas quem dissolveu o ego e se identificou com o Verdadeiro Eu tem a fórmula de “criação-parto” (…) e “O Todo, assim sendo entrelaçado com Estes, é a Felicidade” (The book of lies). O corpo e a mente, com suas concepções inerentemente dualistas, são uma prisão de ignorância para os não-iniciados e um templo para realizar o Sacramento da Vida para o iniciado.

É preciso ter a experiência da dissolução do ego para superar o medo mórbido da morte e para aceitar a dualidade não como a condição de nosso sofrimento, mas como a oportunidade para nos regozijarmos na união de diversos elementos (eu e mundo em cada experiência, junto com a União Suprema de ego e não-ego/sujeito e objeto). O mundo é ambos “Nenhum (…) e dois” (Liber AL I: 28). Nenhum, o contínuo, é “dividido pelo amor, pela chance de união. Esta é a criação do mundo, [em] que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução [é como]tudo” (Liber AL I: 29-30). Nessa concepção, a dualidade e a “criação do mundo” como a conhecemos (isto é, o mundo dualista normal que comumente habitamos) é na realidade a condição de “chance de união”. Somente se duas coisas estão separadas elas podem se unir e ter a possibilidade da “alegria da dissolução” em que o eu se torna “tudo”. Crowley explica: “Nuit manisfesta o objeto para criar a Ilusão da Dualidade. Ela disse: o mundo existe como dois, pois só assim se pode conhecer a Alegria do Amor, em que Dois é feito em Um. Nada que é Um está sozinho, e sente pouca dor em fazer-se dois, para que possa conhecer a si mesmo, e amar a si mesmo, e se regojizar nela” (“Djeridensis Working”). Desse modo, abraça-se tanto a unidade como a multiplicidade (dualidade) numa Unidade mais elevada.

Esta percepção da “consciência da continuidade da existência” (Liber AL I: 22) não é algo dado por um deus ou um guru, mas um direito inato natural de cada indivíduo. É, como descrito na primeira parte, um passo natural do Crescimento em direção à Maturidade espiritual-psicológica. E isso também nos leva ao ponto final: mesmo este é um passo ao longo do Caminho. Pode ser o “Fim” em certo sentido (o fim do domínio do ego, por exemplo), mas também é o começo, pois “a morte é a vida por vir” (Book of Lies). Ainda temos que viver a vida. Poderíamos dizer: “Antes da iniciação: trabalhar, viver e brincar; depois da iniciação: trabalhar, viver e brincar”, pois a identificação com o Verdadeiro Eu não significa o fim da mente e do corpo, juntamente com suas necessidades normais. De fato, a mente e o corpo – o ego-eu – não são destruídos permanentemente, mas renascem com energia renovada; os véus da ignorância (tanto da dualidade como da falsidade das doutrinas da Queda do Homem e do Sofrimento inerente do mundo) tendo sido arrancados. Não se obtém repentinamente o poder terreno de um rei ou o poder intelectual de Einstein, mas a mudança é algo em grande medida “interno” ou psicológico, pois na iniciação “nada é mudado ou pode ser mudado; mas tudo é entendido mais verdadeiramente a cada passo” (Little Essays Toward Truth, “Mastery”). É essa compreensão de nossos Verdadeiros Eus, além dos véus da mente e do corpo, que cada um de nós se esforça para alcançar para que possamos manifestar nossas vontades no mundo mais efetiva e alegremente. A tarefa é, então, simples, mas difícil: cada indivíduo deve dissolver o ego e sua identificação com ele para se identificar com o Verdadeiro Eu, sempre brilhando, embora não percebamos, e que está além das dualidades e de todas as limitações. No fim, “[t]udo que você tem a fazer é ser você mesmo, fazer a sua vontade e se regojizar” (“A Lei da Liberdade”).

“Nenhuma estrela pode desviar-se de seu curso escolhido: pois na alma infinita do espaço todos os caminhos são infinitos, abrangentes: perfeitos”.

-The Heart of the Master

Amor é a lei, amor sob vontade.

LINK ORIGINAL: https://iao131.com/2010/11/14/new-aeon-initiation-no-perfection-of-the-soul/

#Thelema

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Jan Amos Cornelius

❝Queremos que todos os seres humanos, juntos ou separados, jovens ou velhos, ricos ou pobres, nobres ou plebeus, homens ou mulheres, possam receber uma educação completa e se tornem pessoas bem sucedidas. Queremos que recebam ensinamentos perfeitos e que sejam treinados não apenas em um ou outro assunto, mas também em todas as leis que lhe permitem compreender sua essência, para aprender a verdade, para não serem enganados por pretensões, para amarem o bem, não serem tentados pelo mal, fazerem o que têm de fazer e distingui-los do que devem evitar, para falar com propriedade de causa sobre tudo com qualquer pessoa e finalmente a sempre tratar todas as coisas, humanos e Deus, com cuidado e não precipitadamente e para nunca se desviarem de sua meta de felicidade.❞

— Jan Amos Comenius —

#Biografias

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Referencias Hermeticas em Promethea – Parte 1

por Octavio Aragão

“Nomeio a palavra ‘memória’ e reconheço o que nomeio. Onde o reconheço senão na própria memória? Mas então está ela presente a si mesma, pela sua imagem, e não por si própria?“
Santo Agostinho, Confissões

Um golem para Mr. Moore
Há um bom motivo para que os cânticos religiosos e as rezas sejam entoadas em voz alta. Segundo a cabala [1], energias cósmicas entrariam em movimento assim que certos sons fossem proferidos por voz humana, transformando a realidade em massa moldável e nossa vontade em espátula capaz de formatar o continuum.

Alan Moore tomou uma decisão radical no momento em que completou 40 anos: optou por estudar esoterismo, mais especificamente a magia das palavras, em lugar de sofrer uma crise de meia-idade.Para quem acompanha o trabalho do roteirista de Northampton, tais influências ficam claras em algumas das HQs produzidas nos últimos 10 anos para o mercado norte-americano, mais especificamente a mini Judgement Day, de 1997, para a Awesome Entertainment, Glory, lançada incompleta pela Avatar Press em 2001, e Promethea, publicada pelo selo America’s Best Comics, da DC, onde o escritor aproveita o imaginário dos super-heróis para fundamentar uma série de conceitos que mergulham fundo em referências místicas, cruzando técnica narrativa e um certo didatismo cabalístico numa mistura nem sempre agradável ao grande público, acostumado ao imediatismo maniqueísta dos vilões monomaníacos e dos protagonistas bidimensionais.

Apesar de nutrir alguma simpatia sociológica pelos colantes coloridos e de já ter feito um bom dinheiro graças a eles, Moore mantém um saudável pé atrás quando se vê obrigado a atuar no mercado estadunidense. Não é de se estranhar, já que, aparentemente, o autor havia dado sua última palavra ao gênero com a muito falada série Watchmen, sem contar com as anteriores Miracleman, V For Vendetta e Captain Britain, mas pode-se dizer que Moore recebeu uma proposta faustiana, ao ser convidado pelo polêmico Rob Liefeld, – ilustrador americano de qualidades dúbias em termos de desenho e narrativa mas dono de disposição empreendedora digna de nota – para construir do zero todo um universo ficcional para o selo Extreme, da editora Image Comics.

A Extreme era um golem de papel [2] e a proposta, no mínimo, constrangedora. Apenas alguém sem auto-crítica poderia convidar um dos maiores roteiristas dos quadrinhos do mundo para assumir uma editora cheia de personagens derivativos como Supreme, claramente uma cópia do Superman, da DC Comics, e Badrock, um homem de pedra baseado no Coisa, da Marvel, onde Liefeld trabalhou durante muito tempo e tornou-se um jovem astro. Moore, porém, gosta de golens, principalmente quando permitem que ele escreva a palavra Emeth [3] na testa do monstro e sopre vida em suas narinas.

O deus da mentira e o livro de todas as histórias
Moore assumiu Supreme a partir do número 41 e transformou a série num sucesso de crítica, com indicações ao prêmio Eisner e comentários elogiosos de seus pares, como Neil Gaiman, se referindo às hqs de super-heróis:

“(…) existem as narrativas mais ou menos pulp que são feitas a toque de caixa por profissionais que estão dando o melhor de si, ou não. (…) Mas há preciosas exceções – Supreme, de Alan Moore, um exercício de reescritura dos 50 anos do Superman visando torná-lo em algo que valha a pena.”[4]

Com tanta repercussão positiva, Rob Liefeld ignorou as baixas vendas da série e oficializou o convite a Moore para que esse assumisse todos os títulos da editora, rebatizada como Awesome Entertainment, com uma minissérie de abertura. A idéia do desenhista era uma mega saga que reunisse todos os personagens da antiga Extreme, coalhada de mortes e cenas de impacto, sob o nome de Judgement Day. É sempre bom lembrar que na época a dupla formada por Mark Waid, texto, e Alex Ross, arte, havia acabado de anunciar outra série mais ou menos no mesmo formato para a DC batizada de Kingdom Come. Não é difícil imaginar de onde Liefeld tirou a idéia para seu gotterdamerung[5] particular… Moore, como era de se esperar, odiou e acrescentou que, se fosse obrigado a escrever uma cópia de Crise nas Infinitas Terras, romperia o contrato com a Awesome. Porém, se tivesse liberdade para desenvolver o conceito embutido no título Judgement Day, poderia pensar em alguma coisa. Liefeld, num rasgo de bom-senso, deu carta branca ao escritor e este desenvolveu um script retratando uma espécie de julgamento de O. J. Simpson versão super-herói.

O plot era o seguinte: no início dos tempos, o deus Hermes[6] concebeu um tomo que tornaria real tudo aquilo que se escrevesse em suas páginas. O livro indestrutível passou de mãos em mãos através dos séculos, sendo sempre manipulado por seus portadores- vilões ou heróis – que visavam lucro pessoal. Uma das características interessantes do volume era que a realidade poderia ser alterada retroativamente caso se arrancasse páginas ou se apagasse escritos anteriores e, usando esse truque como recurso narrativo, Moore emprestou uma profundidade insuspeita aos personagens bidimensionais de Liefeld, tornando-os maquiavélicos, conspiradores, egoistas e icônicos, sendo capazes de assassinar uns aos outros para deter a posse do livro. Além disso, criou toda uma mitologia para formatar o universo, povoando-o com bárbaros celtas, cavaleiros andantes, caubóis renegados, selvagens a la Tarzan e soldados da Segunda Guerra Mundial.

Mas o tempero principal de Judgement Day era a utilização de preceitos de Cabala inseridos na história. Ao apresentar Hermes, deus grego da comunicação, do verbo e, não coincidentemente, dos ladrões e das mentiras, como o principal narrador da saga, Moore abriu a caixa de Trismegisto[7] aos fãs de quadrinhos, fazendo uma ponte insuspeita entre magia e técnica literária. Hermes serve como contraponto e encarnação da própria história, a Cabala personificada, verbo feito personagem, com carne de papel e pele de nankim. É sempre bom lembrar que, em grego, hermes significa “intérprete” e daí deriva a ciência da hermenêutica, além da denominação do hermetismo, raiz de todo ocultismo.

O Hermes de Moore é sedutor, melífluo, enganador. Uma entidade feita de ouro e para quem as leis da física se dobram, podendo estar representado em movimentos variados dentro de um mesmo requadro. O deus se expressa em estrofes e, num tom apocalítico, dissemina os preceitos cabalísticos enquanto introduz a mini-série:

“Frantic we Thumb our Memories, Stage by Stage,
For some Clue Overlooked Upon the Way
Yet Read on, Line by Line, Page after Page,
To our Denouement; to our Judgement Day.

Spellbound, Forget Amidst the Laughs and Thrills
That Words may Change a World…

…and Language Kills.” [8]

Essa, porém, não será a última vez que Alan Moore utilizará Hermes como seu porta-voz. Ainda há muitas histórias a contar.

continua…

Notas
1. Cabala ou Qabalah é a tradição mística do Judaísmo emersa por volta do anoem Provence, França, que busca ordenar o universo por meio de múltiplas combinações de números e letras, como uma “receita” para a Criação. Graças ao Sepher Yetsirah, Livro da Criação, séculos II e IV, alcançou grande prestígio entre os estudiosos, postulando o princípio que a letra, emanação do poder divino, é também a assinatura das coisas e as combinações entre várias letras remeteriam à estrutura do cosmo.

2. “A palavra golem figura pela primeira vez no Livro dos Salmos, Salmo 139, versículo 16. Interpreta-se em geral esse salmo como sendo as palavras do homem que agradece a Deus por havê-lo criado e que rememora para si as diferentes fases de sua criação : ‘Meu golem, Teus olhos o viam’. O termo golem toma aqui simplesmente o significado de ’embrião’, que é o significado que tem em hebraico. Mas pode-se também conceber que é Adão quem fala(o que não tardou em ser feito pelos exegetas) e que ele revive os episódios correspondentes do Gênesis. Nesse caso, o golem recebe uma carga de determinações suplementares. Ele é uma massa de terra inerte do corpo de Adão antes de lhe ser insuflado o pneuma divino, a terra ainda não habitada pelo espírito e que aguarda ser vivificada pelo soprovital.” MATIERE, Catherine. Golem, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 – 2ª edição, p. 407/408

3. “Jeremias e seu filho Ben Sira, com a ajuda do Livro da Criação, puseram no mundo um Golem e sobre sua fronte estava escrito: emeth, “verdade”, como o nome que Deus pronunciou diante da criatura para mostrar que sua criação estava consumada. Mas o Golem apagou a primeira letra (aleph), para mostrar que somente Deus é verdade, e morreu.”
——-op. cit., p. 408

4. GAIMAN, Neil. Introduction, in Kurt Busiek’s Astro City: Confession. USA: Image Comics, 1907. 1ª edição, p. 10/11.

5. Gotterdamerung, o Crepúsculo dos Deuses, é, entre outras coisas, a última parte da tetralogia wagneriana O Anel dos Nibelungos, e conta como os deuses nórdicos – Wotan, Freya, Brunhilde, Sigfried, Logé – encontram seu trágico fim, enredados numa trama de mentiras e traições.

6. “(…) não há necessidade de resumir aqui as histórias de que o Hermes grego, o Mercúrio latino, é o protagonista, o herói ou o figurante. Basta lembrarmos algumas passagens que põem em destaque certos traços constantes (…). Dois dentre eles ressaltam de um fato conjunto: por um lado, sua função de guia, ligada à sua mobilidade; por outro, seu domínio do discurso e da interpretação, garantia de um certo tipo de saber”.
FAIVRE, Antoine. Hermes, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 – 2ª edição, p. 452

7. Hermes Trismegisto, que significa “três vezes grande”, teria sido o nome de um mortal, filho de Agatodêmon, descendente de Thot, a divindade egípcia do conhecimento. Veremos mais tarde que ambas divindades podem ser percebidas como duas vertentes do mesmo mito, mas outras genealogias são consideráveis. Santo Agostinho, por exemplo, afirma ser o Trismegisto o tataraneto de um contemporâneo de Moisés em A Cidade de Deus, e Brunetto Latini coloca-o lado a lado com Moisés, Sólon, Licurgo, Numa Pompílio e o rei grego Foromeu como um dos principais legisladores da antiguidade.

8. MOORE, Alan. Judgement Day Sourcebook. USA: Awesome Entertainment, 1997 – 1ª edição, p. 8

#HQ #Kabbalah

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/referencias-hermeticas-em-promethea-parte-1

O Julgamento de Sócrates

Sócrates foi, provavelmente, o maior filósofo de todos os tempos. Ele viveu em Atenas, na Grécia, por volta de 500 anos antes do nascimento de Jesus. Foi a mente mais iluminada do ocidente em sua época, enquanto no oriente, por volta da mesma época aparecia um tal de Buda, que causou uma revolução no modo de pensar e se relacionar com a vida. Durante os seus 70 anos de vida, Sócrates procurou ensinar, através da dialética (diálogos), as verdades espirituais eternas, questionando sempre as falsas tradições da cultura helenística. Acabou despertando ódio e inimizades entre os detentores do poder e da cultura, que o acusavam de estar corrompendo a juventude ateniense. Foi levado a julgamento e condenado à morte pela ingestão de cicuta, um poderoso veneno.

O texto a seguir foi condensado do livro Apologia de Sócrates, escrita por Platão (seu principal discípulo). Ele descreve o julgamento de Sócrates, apresentando a sua defesa e suas considerações finais, após a sentença de condenação.

A DEFESA

A acusação diz: “Sócrates comete crime, investigando indiscretamente as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando aos outros”. Mas nada disso tem fundamento, pois não instruo e nem ganho dinheiro com isso. Talvez pudessem dizer de mim: “Enfim, Sócrates, o que é que você faz? De onde nasceram essas calúnias? Se suas ocupações não fossem tão diferentes das dos outros, não teria ganho tal fama e não teriam nascido acusações”.

Sócrates responde: Acontece que Xenofonte, uma vez indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo e perguntou-lhe se havia alguém mais sábio do que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. Ao ouvir isso, pensei: “O que queria dizer o deus e qual é o sentido das suas palavras? Sei bem que não sou sábio, nem muito nem pouco.” E fiquei por muito tempo sem saber o verdadeiro sentido de suas palavras. Então resolvi investigar a significação do seguinte modo: Fui a um daqueles detentores da sabedoria, com a intenção de refutar, por meio deles, o oráculo e, com tais provas, opor-lhe a minha resposta: “Este é mais sábio que eu, enquanto você disse que sou eu o mais sábio”. Examinando esse homem – não importa o nome, mas era um dos políticos – e falando com ele, parecia ser um verdadeiro sábio para muitos e, principalmente, para si mesmo. Procurei demonstrar-lhe que ele parecia sábio sem o ser. Daí veio o ódio dele e de muitos dos presentes aqui contra mim.

Então, pus-me a considerar comigo mesmo, que eu sou mais sábio do que esse homem, pois que, nenhum de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber. Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele nisso: não acredito saber aquilo que não sei.

Fui a muitos outros daqueles que possuem ainda mais sabedoria que esse, e me pareceu que todos são a mesma coisa. Daí veio o ódio deste e de muitos outros. E então me aconteceu o seguinte: procurando segundo o critério do deus, pareceu-me que os que tinham mais reputação eram os mais desprovidos, e que os considerados ineptos eram homens mais capazes quanto à sabedoria.

Também procurei os artífices e devo dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Eles, realmente, eram dotados de conhecimentos que eu não tinha e eram muito mais sábios do que eu. Contudo, eles tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo, também, nas outras coisas de maior importância e esse erro obscurecia o seu saber.

Dessa investigação, cidadãos atenienses, tanto me originaram calúnias como também me foi atribuída a qualidade de sábio. E totalmente empenhado em tal investigação, não tenho tido tempo de fazer nada de apreciável, nem nos negócios públicos, nem nos privados, mas encontro-me em extrema pobreza, por causa do serviço do deus. Além disso, os jovens, seguindo-me espontaneamente, gostam de ouvir-me examinar os homens. Eles, muitas vezes, me imitam por sua própria conta e decidem também examinar os outros, encontrando grande quantidade daqueles que acreditam saber alguma coisa mas pouco ou nada sabem. Daí, aqueles que são examinados encolerizam-se e, por essa razão, dizem que há um tal Sócrates que corrompe os jovens.

Saibam, quantos o queiram, que por esse motivo sou odiado; e que digo a verdade, e que tal é a calúnia contra mim e tais são as causas.

Cidadãos de Atenas, creio que vocês não têm nenhum bem maior do que este meu serviço do deus. Por toda a parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente com o corpo e com as riquezas, como devem se preocupar com a alma, para que ela seja o melhor possível. Absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes. Dessa forma, parece que o deus me designou à cidade com a tarefa de despertar, persuadir e repreender cada um de vocês, por toda a parte, durante todo o dia. É possível que vocês, irritados como aqueles que são despertados quando no melhor do sono, levianamente me condenem à morte, para dormirem o resto da vida.

A CONDENAÇÃO

A minha impassibilidade, cidadãos de Atenas, diante da minha condenação deriva, entre muitas razões, que eu contava com isso, e até me espanto do número de votos dos dois partidos. Por mim, não acreditava que a diferença fosse assim pequena.

Os meus acusadores pedem, para mim, a pena de morte. Que pena ou multa mereço eu? O que convém a um pobre benemérito que tem necessidade de estar em paz para lhes poder exortar ao caminho reto? Para um homem assim conviria que fosse nutrido e mantido pelo Estado. Por não terem esperado um pouco mais, vocês irão obter a fama e a acusação de haverem sido os assassinos de um sábio, de Sócrates. Pois bem, se tivessem esperado um pouco de tempo, a coisa seria resolvida por si mesma: vejam vocês a minha idade.

Talvez, senhores, o difícil não seja fugir da morte. Bem mais difícil é fugir da maldade, que corre mais veloz que a morte. Eu, preguiçoso e velho, fui apanhado pela mais lenta: a morte. Já os meus acusadores, válidos e leves, foram apanhados pela mais veloz: a maldade.

Assim, eu me vejo condenado à morte por vocês; vocês, condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vocês dentro da sua.

E estamos longe de julgar retamente, quando pensamos que a morte é um mal. Porque morrer é uma destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja; ou, como se costuma dizer, a morte é uma mudança de existência e uma migração deste lugar para outro.

Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte é como um presente, porquanto todo o tempo se resume em uma única noite.

Se a morte, porém, é como uma passagem deste para outro lugar e se lá se encontram todos os mortos, qual o bem que poderia existir maior do que este? Quero morrer muitas vezes, se isso é verdade, pois para mim a conversação acolá seria maravilhosa. Isso constituiria indescritível felicidade.

Vocês devem considerar esta única verdade: que não é possível haver algum mal para um homem de bem, nem durante sua vida, nem depois de morto. Por isso mesmo, o que aconteceu hoje a mim não é devido ao acaso, mas é a prova de que para mim era melhor morrer agora e ser liberto das coisas deste mundo. Por essa razão não estou zangado com aqueles que votaram contra mim, nem contra meus acusadores.

Mas já é hora de irmos: eu para a morte, e vocês para viverem. Mas quem vai para melhor sorte é segredo, exceto para Deus.

#Filosofia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-julgamento-de-s%C3%B3crates

Nun-Vav-Nun

nun-vav-nun

A letra Nun é a 14ª letra do Aleph-Bet, tendo o valor numérico de 50. O pictograma Nun é algo como uma semente, enquanto que a escrita hebraica clássica (Ketav Ashurit) é construída de um Vav dobrado com uma coroa como um Zayin. No judaísmo, a raiz da palavra Nun significa “peixe”.

De acordo com os Chaz’l (sábios), NUN é dito representar tanto a fidelidade e a recompensa pela fidelidade. Moisés, por exemplo, é visto como o humilde servo paradigmático do Senhor.

A palavra “Nun” em si é soletrada Nun-Vav-Nun(final) e parece como se segue:

Fazendo a leitura da direita para a esquerda: primeiro temos NUN, representando uma pessoa humilde, curvada. Em seguida VAV representando a pregação e o recebimento da Sabedoria de Deus (HOCHMA – VAV é o Caminho que conecta Hochma a Chesed) e finalmente o NUN Sofit (o Nun usado no final da frase) que representa o humilde agora de pé.

Rashi disse que esta ortografia sugere que aquele que é humilde diante de Deus vai ficar de pé no final do dia. No olam hazeh (vida atual), isto significa que tzaddik (justo), simultaneamente, afirmará: “Eu não sou nada além de pó”, e “o próprio mundo foi feito por minha causa.” Humilha-te perante os olhos do SENHOR, e ele vos exaltará (Tiago 4:10).

NUN-VAV-NUN Também faz paralelo com a história de Jesus como ela nos é contada: o messias humilde é pregado na cruz (VAV também significa “prego” tanto no verbo pregar quanto no substantivo prego) e ao final do processo renasce em ascenção. Dentro da Árvore da Vida, temos que a humildade e o amor estão diretamente ligado a NETZACH e após o sacrifício, a ressurreição se dará em TIFERET, que são justamente os dois Caminhos que esta letra conecta.

A palavra Nun também significa “propagar”, “multiplicar”, o que explica em muita coisa um dos principais milagres atribuídos a Jesus: a multiplicação dos peixes. O primeiro NUN representa a pessoa que abdica do ego para passar adiante a palavra de uma verdade maior que ela. Essa “pregação” está representada na forma da letra VAV e finalmente temos o NUN final que traz o resultado dessa multiplicação de idéias verdadeiras.

Infelizmente, a religião usurpou para si o conceito de “verdade” e distorceu esta atribuição da letra NUN para servir a seus próprios interesses, mas podemos ver que a palavra NUN pode servir muito bem para indicar o CIÊNCIA ou o conhecimento científico, pois a cada descoberta feita por um pesquisador ou cientista, este faz o anuncio de maneira “humilde” (ou seja, não apelando para sua autoridade, mas sim para a verdade em suas palavras).

Esta “pregação” (feita na forma da publicação em periódicos científicos, que vai multiplicar sua voz de modo que muitos a escutem, testem e verifiquem se é ou não é verdadeira). Caso seja verdadeira, ao “final do dia”, ou seja, na conclusão, o NUN final indicará que a teoria está aceita pela comunidade como sendo uma verdade que se somará à sabedoria adquirida.

– Do livro “Kabbalah Hermética”, de Marcelo Del Debbio

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Prece de Cáritas

A prece, denominada De Cáritas, tem sido querida e constantemente orada por várias gerações de espíritas, umbandistas e espiritualistas. quando recitada com a entonação correta, é uma das mais eficazes proteções, mesmo para iniciantes.

CÁRITAS era um espírito que se comunicava através de uma das grandes médiuns de sua época – Mme. W. Krell – em um grupo de Bordeaux (França), sendo ela uma das maiores psicografas da História do Espiritismo, em especial por transmitir poesia (que se constitui no ácido da psicografia), da lavra de Lamartine, André Chénier, Saint-Beuve e Alfred de Musset, além do próprio Edgard Allan Poe. Na prosa, recebeu ela mensagens de O Espírito da Verdade, Dumas, Larcordaire, Lamennais, Pascal, e dos gregos Ésopo e Fenelon.

A prece de Cáritas foi psicografada na noite de Natal, 25 de dezembro, do ano de 1873, ditada pela suave Cáritas, de quem são, ainda, as comunicações: “Como servir a religião espiritual”e “A esmola espiritual”.

Todas as mensagens que Mme. W. Krell psicografada em transe, e, que chegaram até nós, encontram-se no livro Rayonnements de la Vie Spirituelle, publicado em maio de 1875 em Bordeaux, inclusive, o próprio texto em francês (como foi transmitido) da Prece de Cáritas.

Deus, nosso Pai, que sois todo Poder e Bondade, dai a força àquele que passa pela provação, dai a luz àquele que procura a verdade; ponde no coração do homem a compaixão e a caridade!

Deus, Dai ao viajor a estrela guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso.

Pai, Dai ao culpado o arrependimento, ao espírito a verdade, à criança o guia, e ao órfão o pai!

Senhor, que a Vossa Bondade se estenda sobre tudo o que criastes. Piedade, Senhor, para aquele que vos não conhece, esperança para aquele que sofre. Que a Vossa Bondade permita aos espíritos consoladores derramarem por toda a parte, a paz, a esperança, a fé.

Deus! Um raio, uma faísca do Vosso Amor pode abrasar a Terra; deixai-nos beber nas fontes dessa bondade fecunda e infinita, e todas as lágrimas secarão, todas as dores se acalmarão.

E um só coração, um só pensamento subirá até Vós, como um grito de reconhecimento e de amor.

Como Moisés sobre a montanha, nós Vos esperamos com os braços abertos, oh Poder!, oh Bondade!, oh Beleza!, oh Perfeição!, e queremos de alguma sorte merecer a Vossa Divina Misericórdia.

Deus, dai-nos a força para ajudar o progresso, afim de subirmos até Vós; dai-nos a caridade pura, dai-nos a fé e a razão; dai-nos a simplicidade que fará de nossas almas o espelho onde se refletirá a Vossa Divina e Santa Imagem.

Assim Seja.

#Espiritismo #MagiaPrática

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“I have a Dream inside a Dream”

O filme “A Origem” (Inception – 2010) é muito interessante, bem planejado e nos dá uma dimensão nova, um novo paradigma, uma nova forma de pensar. Mas devemos ponderar qual seria a aplicação disso nos estudos do magista. “I have a dream inside a dream I’m more awake the more I sleep, you’ll understand when you’re dead” (Marilyn Manson). O que resultaria de uma projeção dentro de uma projeção astral?

Primeiro analisemos o contexto de Inception. Num futuro próximo, a ciência criaria uma máquina capaz de colocar uma consciência em contato com outra em estado de sono (inconsciente). Bem, o magista já sabe como fazer isso sem precisar de aparato nenhum. É comum mandarmos mensagens quando em meditação (estado alpha) para outra pessoa, e esta possivelmente recebe-la de forma intuitiva ou em seus sonhos. Essa é uma forma básica de telepatia bem fácil de dominar e inclusive amplamente ensinada pela conscienciologia (www.iipc.org). Então vamos pular essa parte.

The Inception, a inserção, consistiria de uma difícil técnica de inserir uma idéia na mente de outra pessoa, objetivando uma mudança de comportamento baseada na influência dessa idéia na vida da pessoa, e um ponto de grande importância seria que a pessoa acreditaria que essa idéia seria sua, originalmente, nascida de seu próprio livre-arbítrio e meditação sobre sua vida. Pois bem, uma vez que se pode entrar em contato com o inconsciente de uma pessoa enquanto ela dorme – isso seria uma projeção astral consciente indo de encontro com a consciência adormecida de uma outra pessoa – é possível influenciar o inconsciente da mesma, plantando idéias, que podem ser aceitas ou rejeitadas dependendo da personalidade do indivíduo (quanto mais oposta à personalidade da “vítima”, mais difícil seria plantar a idéia). Nada ético e tenho a dizer que possivelmente nunca será visto um magista sério a praticar esse tipo de comportamento, principalmente porque fere a mais alta idéia de se ser um magista, que é a preservação do livre-arbítrio. Mas é possível.

Se várias das idéias do filme são possíveis de serem executadas através da aplicação de nossas disciplinas e técnicas, seriam outras idéias trazidas a tona pelo filme possíveis de serem executadas? No filme vemos que além do mundo real, dentro do sonho, são mostradas quatro camadas, e além destas está o Limbo, onde a noção de realidade daquele que está projetando-se, perde-se dentro de si mesma, ou de outras, pois é algo que não fica muito claro, pois todos que caem no Limbo acabam nos mesmos locais e Cobb mostra a Ariadne o que ele construiu enquanto dentro do Limbo, e o local onde Saito está é o mesmo criado para ele por Arthur. Logo o Limbo seria uma “área coletiva” de todos os sonhos, onde o sonhador se perde, onde a consciência se dilui no todo, não desejando retornar.

Quanto mais fundo o indivíduo vai no sonho, mais tempo ele tem, algumas horas no físico simbolizam dias ou semanas dentro dos níveis do sonho. Isso pode ser explicado e até comprovado através dos experimentos de projeção, sendo que muitos dos que o praticam, acabam relatando ter perdido a noção de tempo a uma certa altura. Certa vez quando questionado sobre como era o reino dos Céus, Jesus teria afirmado que no Reino do Pai não há tempo. Até algumas décadas atrás o tempo era considerado uma constante, porém com a Teoria da Relatividade de Einstein esse pensamente foi totalmente descartado, tendo ele provado que o tempo, assim como o espaço, são relativos e não constantes, podendo variar imensamente dependendo da situação e onde estamos aplicando é muito possível, sendo que não há massa física no astral, o tempo corre de forma diferente, sendo mais rápido lá, e demorando a passar no físico.

A Organização Mundial de Saúde (OMS – www.who.int ) define o ser humano como um ser multidimensional, sendo ao mesmo tempo um ser bio-psico-socio-espiritual, sendo assim englobando quatro aspectos, físico, mental, social e espiritual. Essa história de quatro formas é um tanto conhecida pelos místicos antigos, sendo cada parte, cada ser ou corpo dentro do ser humano relacionado a um dos elementos – terra, ar, água e fogo, respectivamente. Ao realizar a projeção astral o magista tira seu foco do plano material, libertando-se dele temporariamente e vagando pelo astral, onde pode ter certa liberdade e podendo realizar grandes feitos. Ele muda seu foco do elemento Terra, associado ao material e concentra-se no próximo nível de nosso ser, num corpo mais sutil. Uma vez no plano astral, aqueles que já praticaram a projeção e todos os que realizam exercícios de mentalização e visualização sabem que no astral para que algo “se torne real” é importante um bom bocado de força de vontade e o mais importante, sentir como se fosse real, estimular os sentidos, visualizando, sentindo seu peso, sua textura, seu cheiro e seu gosto (quando aplicável), sendo que o tempo de vida de uma mentalização é determinado pela quantidade de energia que foi despendida em sua criação e a quantidade de sentimentos associada a ela. E essa é a palavra chave do astral, sentimento, sendo este associado ao elemento Água.

Agora entramos no tema de nosso post, e quanto a ter “um sonho dentro de um sonho”, uma projeção dentro de outra, seria possível? Sim, é possível, porém muito difícil. Existem poucas pessoas que conseguiram libertar-se, alterando o foco para o próximo nível, assumindo um corpo mais sutil que o anterior, sendo esse o plano mental, associado ao Ar. Os poucos que alcançaram esse nível conseguiram mantê-lo por curtos períodos de tempo, relatando grande dificuldade para alcançá-lo novamente, alguns só conseguindo uma vez em sua existência. Porém as impressões relatadas são maravilhosas e de grande valia para nossos estudos. Sensações de paz, tranqüilidade, a ausência de tempo, espaço ou forma, sendo que as consciências passaram a sentir tudo, saber tudo, como se fossem o tudo, um toque na onisciência de Deus. A maior parte não consegue lembrar de tudo que viu ou absorveu neste plano – como das primeiras vezes que se pratica projeção astral – porém quando retornam (sempre com um baque, como o “coice” usado para acordar em Inception) demonstram habilidades e conhecimentos que não tinham antes desse contato. E já que estamos associando com filmes, porque não associar essa experiência com o atravessar do Portão da Verdade do desenho Fullmetal Alchemist? Sim, seria como no desenho, quando se faz a transmutação humana e se têm acesso ao Portão da Verdade, onde o indivíduo tem acesso a todo conhecimento, porém não consegue retê-lo ao retornar ao corpo, mas vemos que depois de atravessá-lo e voltar os alquimistas conseguem realizar seus feitos sem necessidade de traçar seus diagramas místicos. Não se sabe exatamente o que há no Plano Mental ou como é, os relatos são deveras vagos, mas repletos de significados e sensações.

Mas espere! Inception mostra mais um sonho, e além deste o Limbo! Claro que mostra, pois só passamos por três dos elementos! Porém é aí que a base experimental acaba. Além do plano mental teoricamente está o plano representado pelo elemento Fogo. Mas como seria ou o que ele traria, nunca conheci nenhum magista que tenha estado por lá, nenhum relato. Se teorizarmos que o Plano Mental é um toque na onisciência de Deus, talvez o que esteja além seja a onipresença ou onipotência, vai saber… Não estou escrevendo este texto com o objetivo de ser um guia para a projeção dentro da projeção, muito pelo contrário, sou um pesquisador, um alquimista, um cientista como todos os buscadores, o que estou propondo é uma nova forma de ver a multidimensionalidade humana, estou propondo um novo paradigma, uma nova forma de ver essa questão e recolocando em pauta o Inception, e o Fullmetal Alchemist. E talvez essa nova possibilidade abra uma porta a todos os buscadores que tentam um contato com a Divindade e a descoberta de sua própria espiritualidade.

Só um adendo, quanto ao Limbo, o que vemos em todas as características deste, seria como uma experiência da Morte, algo libertador, acolhedor, de onde o indivíduo não quer retornar. Não a morte do corpo, mas a Morte Final, o diluir da consciência no todo que é Deus, sendo que a consciência do Ser deixa de existir e passa a ser apenas parte do todo que é Deus. Além disso não esqueçamos que falamos dos Quatro Elementos da alquimia, porém os magistas mais experientes sabem que traçamos o Pentagrama pois cada ponta representa um elemento, todas elas abaixo do Espírito que está em tudo, forma tudo é tudo e o princípio ao qual tudo está subjugado, em suma Deus.

PS: Se alguém tiver algum relato sobre os planos mais sutis como o Plano Mental ou o que esteja além dele, estou sempre aberto a novas possibilidades, e aguardo novas experiências para descobrirmos as maravilhas da Criação de Deus.

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O Paradigma Divino é um blog de autoria de Saulo Henrique Alves (Ketalel) e orgulhosamente faz parte do Project Mayhem, com artigos sobre ciência e espiritualidade. Agradeço o espaço no Teoria da Conspiração para difundirmos a cultura e espiritualidade no mundo atual.

#Filmes #PlanoAstral

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Devoção e Razão

Vivemos em um país onde nossas crenças, até certo ponto, são respeitadas. Não precisamos, como em certos países do Oriente Médio, escondê-las. Mas mesmo assim, é evidente o modo como estas crenças vistas de modo individual, às vezes beiram ao fanatismo de torcidas organizadas. Neste Brasil onde os eleitores são chamados de “curral eleitoral”, além de outros motivos, acredito que também por causa do mesmo fanatismo que os leva às ruas com camisas e cores do partido para, logo após seu candidato depois de eleito, mais uma vez esquecer de tudo.

A que ponto eu quero chegar com toda esta conversa? Bom, quero mostrar o quanto a crença cega de diversos ramos como: torcedores de futebol, crentes, ateus-ortodoxos e por que não os esquisotéricos, é nociva.

“Intolerância religiosa é um termo que descreve a atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar as diferenças ou crenças religiosas de terceiros. Poderá ter origem nas próprias crenças religiosas de alguém ou ser motivada pela intolerância contra as crenças e práticas religiosas de outrem. A intolerância religiosa pode resultar em perseguição religiosa e ambas têm sido comuns através da história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou noutra.” Fonte: Wikipédia

Normalmente a crença é encarada como uma doença mental grave por ramos mais ortodoxos de intelectuais modernos. Aí está o outro lado da moeda. E a razão é tida da mesma forma pela contraparte “crente”.

Em minha humilde concepção, estas duas faculdades do espírito humano cortaram relações quando a devoção fanática abafou o intelecto. Indo historicamente desde o assassinato brutal da grande Hipátia de Alexandria, até o fim da temida Idade das Trevas.

Depois do final a muito tempo esperado da Era da Ignorância, mentes célebres do iluminismo aclararam a humanidade novamente. Pena que com o tempo, a razão, pela sua enorme vontade, abafou a crença. Mas se não fosse ela, ainda teríamos sacrifícios a homicidas deuses de raça. Pois o maior motivo dos homens de pensamento não engolirem a idéia de religião, é porque muitas pessoas ainda vivem à época das religiões de raça. Onde se crê apenas em um deus se suas necessidades materiais e imediatas forem supridas. O Cristianismo Místico e o Budismo, sendo as religiões mais avançadas hoje, pregam o desapego, a individuação (não individualismo) e a crença em uma Fraternidade Universal.

Entretanto, como muito bem evidenciou Eliphas Levi, o vulgo é mais de admirar do que conhecer. Portanto, vendo desta forma, o intelecto que provém da razão, necessária para uma compreensão científica. E a devoção, que é originada na crença em uma religião não-egóica (seja o que for, o que importa é que te dê um solo para se apoiar), necessária para uma manifestação plena da vontade no ser, são inseparáveis. E seu afastamento cria a irrealidade e o aleijo do espírito humano. E na união, o Templo de Deus se manifestará.

Não há emoção, há paz.

Não há ignorância, há conhecimento.

Não há paixão, há serenidade.

Nao há caos, há harmonia.

Não há morte, há a Força.

#Razão

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Hércules e a Captura da Corça Cerínia

A missão de Hércules era capturar viva uma corça extremamente veloz, com chifres de ouro e cascos de bronze, que pertencia a Ártemis, deusa da caça. Orientado por Atena, o herói dominou o animal sagrado segurando-o pelos chifres.

“Os chifres representam a iluminação, e os cascos de bronze, o mundo material. O aprendizado nesse trabalho é substituir os impulsos por qualidades mais nobres, como sabedoria, delicadeza e paciência”

Mitologia

Hércules foi incumbido de capturar a corça com galhada de ouro e pés de bronze. Olhando ao redor de si, viu que ao longe, erguia-se o Templo do Deus-Sol. No alto de uma colina próxima viu o esguio cervo, objecto de seu quarto trabalho.

Foi então que Ártemis, que tem a sua morada na lua, disse a Hércules, em tom de advertência: “A corça é minha, portanto não toque nela. Por longos anos eu a alimentei e cuidei dela. O cervo é meu e meu deve permanecer.”

Então, de um salto surgiu Diana/Artemis, a caçadora dos céus, a filha do sol. Pés calçados de sandálias, em passos largos movendo-se em direção ao cervo, também ela reclamou a sua posse. “Não, Ártemis, belíssima donzela, não; o cervo é meu e meu deve permanecer”, disse ela, “Até hoje ele era jovem demais, mas agora ele pode ser útil. A corça de galhada de ouro é minha, e minha permanecerá.”

Hércules observava e ouvia a disputa e perguntava-se porque as donzelas lutavam pela posse da corça. Uma outra voz atingiu-lhe os ouvidos, uma voz de comando que dizia: “A corça não pertence a nenhuma das duas donzelas, oh Hércules, mas sim ao Deus cujo santuário podes ver sobre aquele monte distante. Salva-a, e leva-a para a segurança do santuário e deixa-a lá. Coisa simples de se fazer, oh filho do homem, contudo, e reflete bem sobre as minhas palavras; sendo tu um filho de Deus, deves ir à sua procura e agarrar a corça. Vai.”

De um salto Hércules lançou-se à caçada que o esperava. À distância, as donzelas em disputa tudo observavam. Ártemis, a bela, apoiada na lua e Diana, a bela caçadora dos bosques de Deus, seguiam os movimentos da corça e, quando surgia uma oportunidade, ambas iludiam Hércules, procurando anular os seus esforços. Ele perseguiu a corça de um ponto a outro e cada uma delas subtilmente o enganava. E assim o fizeram muitas e muitas vezes.

Durante um ano inteiro, o filho do homem que é um filho de Deus, seguiu a corça por toda a parte, captando rápidos vislumbre de sua forma, apenas para descobrir que ela desaparecer na segurança dos densos bosques.

Correndo de uma colina para outra, de bosque em bosque, Hércules a perseguiu até à margem de uma tranquila lagoa, estendida sobre a relva ainda não pisada, ele viu-a a dormir, exausta pela fuga. Com passos silenciosos, mão estendida e olhar firme, ele lançou uma flecha, ferindo-a no pé.

Reunindo toda a vontade que estava possuído, aproximou-se da corça, e ainda assim, ela não se moveu. Assim, ele foi até ela, tomou-a nos braços, e enlaçou-a junto ao seu coração, enquanto Ártemis e a bela Diana o observavam. “Terminou a busca”, bradou ele, “Para a escuridão do norte fui levado e não encontrei a corça. Lutei para abrir meu caminho através de cerradas, profundas matas, mas não encontrei a corça; e por lúgubres planícies e áridas regiões e selvagens desertos eu persegui a corça, e ainda assim não a encontrei. A cada ponto alcançado, as donzelas desviavam meus passos, porém eu persisti, e agora a corça é minha! A corça é minha!”

“Não, não é, oh Hércules”, disse a voz do Senhor, “A corça não pertence a um filho do homem, mesmo embora sendo um filho de Deus. Carrega a corça para aquele distante santuário onde habitam os filhos de Deus e deixa-a lá com eles.”

“Porque tem que ser assim, oh Senhor? A corça minha; minha, porque muito peregrinei à sua procura, e mais uma vez minha, porque a carrego junto ao coração.”

“E não és tu um filho de Deus, embora um filho do homem? E não é o santuário também a tua morda? E não compartilhas tu da vida de todos aqueles que lá habitam? Leva para o santuário de Deus a corça sagrada, e deixa-a lá, oh filho de Deus.”

Então, para o santuário sagrado de Micenas, levou Hércules a corça; carregou-a para o centro do lugar santo e lá a depositou. E ao deitá-la lá diante do Senhor, notou o ferimento em seu pé, a ferida causada pela flecha do arco que ele possuíra e usara. A corça era sua por direito de caça. A corça era sua por direito de habilidade e destreza do seu braço. “Portanto, a corça é duplamente minha”, disse ele.

Porém, Ártemis, que se encontrava no pátio externo do sagrado lugar ouviu seu brado de vitória e disse: “Não, não é. A corça é minha, e sempre foi minha. Eu vi a sua forma, refletida na água; eu ouvi seus passos pelos caminhos da terra; eu sei que a corça é minha, pois todas as formas são minhas.”

Do lugar sagrado, falou o Deus-Sol. “A corça é minha, não tua, oh Ártemis, não podes entrar aqui, mas sabes que eu digo a verdade. Diana, a bela caçadora do Senhor, pode entrar por um momento e contar-te o que vê.” A caçadora do Senhor entrou por um momento no santuário e viu a forma daquilo que fora a corça, jazendo diante do altar, parecendo morta. E com tristeza ela disse: “Mas se seu espírito permanece contigo, oh grande Apolo, nobre filho de Deus, então sabes que a corça está morta. A corça está morta pelo homem que é um filho do homem, embora seja um filho de Deus. Porque pode ele passar para dentro do santuário enquanto nós esperamos pela corça lá fora?”

“Porque ele carregou a corça em seus braços, junto ao coração, e a corça encontra repouso no lugar sagrado, e também o homem. Todos os homens são meus. A corça é igualmente minha; não vossa, nem do homem mas minha.”

Hércules diz então ao Mestre: “Cumpri a tarefa indicada. Foi simples, a ser pelo longo tempo gasto e o cansaço da busca. Não dei ouvidos àqueles que faziam exigências, nem vacilei no Caminho. A corça está no lugar sagrado, junto ao coração de Deus, da mesma forma que, na hora da necessidade, está também junto ao meu coração.”

“Vai olhar de novo, oh Hércules, meu filho”. E Hércules obedeceu. Ao longe se descortinavam os belos contornos da região e no horizonte distante erguia-se o templo do Senhor, o santuário do Deus-Sol. E numa colina próxima via-se uma esguia corça.

“Realizei a prova, oh Mestre? A corça está de volta sobre a colina, onde eu a vi anteriormente.”

E o mestre respondeu: “Muitas e muitas vezes precisam todos os filhos dos homens, que são os filhos de Deus, sair em busca da corça de cornos de ouro e carregá-la para o lugar sagrado; muitas e muitas vezes. O quarto trabalho está terminado, e devido à natureza da prova e devido à natureza da corça, a busca tem que ser frequente e não te esqueças disto: medita sobre a lição aprendida.”

Simbologia

Essa corça, era uma das cinco que Artemis encontrou no monte Liceu. Quatro a deusa atrelou em seu carro e a quinta, a poderosa Hera conduziu para o monte Cerinia, com o fito de servir a seus intentos contra Hércules.

Consagrada à irmã gêmea de Apolo, esse animal, cujos pés eram de bronze e os cornos de ouro, trazia a marca do sagrado e, portanto, não podia ser morta. Mais pesada que um touro, se bem que rapidíssima, o herói, que deveria trazê-la viva a Euristeu, perseguiu-a durante um ano.

Já exausto, o animal buscou refúgio no monte Artemísion, mas, sem lhe dar tréguas, Hércules continuou na caçada.

Hércules seguiu a corça em direção ao norte, através da Ístria, chegando ao país dos Hiperbóreos, onde, na Ilha dos Bem-Aventurados, foi acolhido por Artemis.

A interpretação é uma antecipação da única tarefa realmente importante do herói, sua liberação interior. Sua estupenda vitória, após um ano de tenaz perseguição, apossando-se da corça de cornos de ouro e pés de bronze, tendo chegado ao norte e ao céu eternamente azul dos Hiperbóreos, configura a busca da sabedoria, tão dificil de se conseguir.

O simbolismo dos pés de bronze há que ser interpretado a partir do próprio metal. Enquanto sagrado, o bronze isola o animal do mundo profano, mas, enquanto pesado, o escraviza à terra.

Têm-se aí os dois aspectos fundamentais da interpretação: o diurno e o noturno dessa corça. Seu lado puro e virginal é bem acentuado, mas o peso do metal poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer vôo mais alto.

A corça, como o cordeiro, simboliza uma qualidade do espírito, que se contrapõe à agressividade dominadora. Os pés de bronze, quando aplicados à sublimidade, configuram a força da alma.

A imagem traduz a paciência e o esforço na consecução da delicadeza e da sensibilidade sublime, especificando, igualmente, que essa mesma sensibilidade representada pela corça, embora se oponha à violência, possui um vigor capaz de preservá-la de toda e qualquer fraqueza espiritual.

Caminho de Iniciação

O Caminho de Iniciação considera o 3º Trabalho – A Captura da Corça Cerínia e o 4º Trabalho – O Javali de Erimanto como um só.

O céu de Vênus é a morada dos Principados. Esses vivem no Mundo Causal. O Iniciado que anela entrar nessa oculta morada interior, antes dve descer aos infernos de Vênus, e ali, como Hércules, capturar a Corça de Cerínia e o Negro Javali de Erimanto. Nesses dois símbolos vemos claramente a delicadeza e a brutalidade, o refinado e o tosco, a bela e a fera.

O Javali, perverso como poucos, é o símbolo vivo de todas as baixas paixões animais, a luxúria mais grosseira e devassa. Portanto, temos aí o contraste entre o denso e o sutil.

Mesmo após haver eliminado os defeitos do Mundo Astral Inferior e do Mundo Mental Inferior (as duas primeiras façanhas de Hércules), as “causas” desses defeitos continuam existindo. Essas causas são eliminadas durante os processos do terceiro e quarto Trabalhos de Hércules: a captura da Corça Cerínia e do Javali de Erimanto.

Se todos os defeitos têm origem sexual (não importa se os defeitos são refinados ou toscos), as maiores provas do Terceiro e Quarto Trabalhos consistem em resistir às tentações da carne, cujo drama foi ricamente descrito pelo patriarca gnóstico Santo Agostinho: Imenso é o número de delitos cujos gérmens causais devem ser eliminados nos infernos de Vênus.

Findo o Trabalho nos infernos do Mundo Causal, o Mundo de Tipheret, o Cristo Cósmico penetra no coração do Iniciado e este, cheio de êxtase, exclama: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus…”

Biblioteca da Antroposofia.

#Hércules #Mitologia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/h%C3%A9rcules-e-a-captura-da-cor%C3%A7a-cer%C3%ADnia