Para a Destruição e Além…

1- O maior inimigo se esconderá no último lugar em que você procurar.

2- A única maneira de se tornar mais esperto é jogando contra um oponente mais esperto.

3- A primeira regra de qualquer negócio: proteja seu investimento.

4- Não existe uma maneira de se evitar a guerra, ela pode apenas ser adiada dando vantagem a seu inimigo.

5- O único inimigo real que já existiu é aquele que é eterno.

d’O Grande Livro das Regras

 

… e tem aquela do físico que não gostava de colocar açúcar no café. Uma vez perguntaram o por quê disso e ele respondeu que não gostava de mexer o café para não aumentar a entropia do universo. Todo mundo ri. Rufam os tambores. As luzes se apagam e a piada termina. Mas a entropia continua, para sempre.

A entropia é em si um fenômeno curioso. Ela tem uma importância gigantesca a curto, médio e longo prazo, afetando de forma direta a sobrevivência humana no platena, mas não é divulgada e nem conhecida pelo grande público.

Este termo foi usado a primeira vez em 1850 por Rudolf Julius Emmanuel Clausius. Sim ele era físico; sim, provavelmente ele entederia a piada do café e não, com certeza ele não riria dela. A palavra nasceu da união de dois termos gregos “en” – em, sobre, perto de – e “tropêe” – mudança, o voltar-se, alternativa, troca, evolução. Para entendermos para quê o conceito de entropia foi criado vamos dar um rápido mergulho na piscina da física.

A termodinâmica é o ramo da Física que estuda o movimento da energia e como a energia cria movimento. Na prática o que houve é que quando descobriram que podiam usar o fogo para ferver água, e esse vapor de água para movimentar coisas como locomotivas surgiu a necessidade de se aumentar a eficiência dessas máquina a vapor. Assim que começaram a se estudar como a energia do calor se movimentava perceberam que ela respondia a certos padrões e obedeciam certas leis. Por exemplo: toda energia é constante, ela não aparece ou desaparece do nada, apenas se move de um lado para outro e pode ser transformada em outras formas de energia ou em trabalho. O truque então era descobrir como criar um sistema onde energia virasse trabalho e pudesse de quebra gerar energia de novo que pudesse realizar o mesmo trabalho. Imagine criarem uma engenhoca movida a corda, como um relógio. Quando damos corda um prato gira, como uma vitrola, e essa prato faz o dispositivo que dá corda girar. Você não precisaria nunca mais dar corda na engenhoca, ela funcionaria para sempre. Todos estavam empolgados com isso, mas ai tropeçaram na segunda lei da termodinâmica que dizia que “é ímpossível uma transformação cujo resultado final seja transformar em trabalho todo o calor extraído de uma fonte”, ou seja em todo processo existe um desvio de energia que não pode ser recuperada. O universo tem uma quantidade de energia limitada. Essa energia pode ser transformada em outros tipos de energia. Essa transformação é uma via de mão única. Você pode colocar lenha em uma caldeira de locomotiva, tacar fogo nela, gerar vapor que faz a locomotiva andar, mas não pode empurrar uma locomotiva para trás para que o movimento crie vapor e apague o fogo te devolvendo um pedaço de madeira intocado do outro lado.

Esse processo de mudança, essa entropia, tem uma tendência natural de chegar ao seu valor máximo, independente do que façamos com a energia.

Embora em um primeiro instante isso possa parecer um papo que deve deixar os físicos eretos e molhadinhos, o que ele tem a ver com o dia a dia dos seres humanos normais – os não físicos?

Vejamos… energia não se cria nem desaparece, mas se converte, essa conversão não pode ser revertida. Se energia total do universo é constante e a entropia total está em contínuo aumento nós estamos em um universo que se degrada contínua e eternamente.

Vale lembrar que algo que está constantemente em mudança é algo que não tem uma forma definida, não possui uma ordem duradoura. Entropia também é chamada de desordem e caos. E agora, qual a sensação de estar amarrado em um trem desgovernado rumo ao caos total? Seria bem mais divertido se isso se aplicasse apenas a máquinas a vapor.

Recentemente, foi publicado na Europa a tradução atualizada do clássico Enthropy de Jeremy Rifkin, que apresenta a tendência universal de todos os sistemas – incluídos os econômicos, sociais e ambientais – a passar de uma situação de ordem à crescente desordem. Aparentemente as leis da termodinâmica não explicam apenas sistemas onde existe calor em movimento, mas praticamente qualquer sistema, e a conclusão de que o caos se aproxima é a única certeza que podemos ter.

Mas se esse fim da energia e essa degradação são fatos comprovados, por que perdemos tempo com obras de ficção como aquecimento global ou reforma agrária ao invés de focar no que interessa? É simples, nós nos educamos a não enxergar isso.

Conseguimos, depois de séculos, criar para nós mesmos uma visão mecanicista do mundo, onde o progresso é inevitável, querendo ou não. Traçamos uma linha que passa por Descartes, Galileu, Bacon, Newton, Locke e Adam Smith, Einstein, Steve Jobs e termina em nós. Olhamos para trás e temos a impressão que estamos evoluindo e logo todos seremos super-pessoas, mais inteligentes, mais magras, mais felizes, só que isso não é real. A lei da entropia mina a idéia da história como progresso. A lei da entropia destrói a idéia de que a ciência e a tecnologia criam um mundo mais ordenado. Nós nos concentramos apenas no que ordenamos e desconsideramos a desordem que essa ordenação causa. Isso é como fazer uma faxina em casa, ensacar o lixo e deixar os sacos dentro da sala. Quantas faxinas você consegue fazer antes de sua própria casa virar um lixão? Bom, sempre podemos jogar o lixo para fora. Mas e quando nossa casa é nosso planeta? Onde fica o fora? Achar que somos uma espécie em evolução te coloca na lista das pessoas que sofrem da síndrome do avestruz.

E a coisa fica mais interessante pelo fato dessas leis da termodinâmica serem uma lei fundamental, e não é preciso que você seja um Einsten para entender o que Einsten disse:

“Uma teoria é tanto mais emocionante quanto mais simples são suas premissas, mais diversas as categorias de fenômenos a que se refere, mais vasto seu campo de aplicabilidade. Esta é a razão pela qual a Termodinâmca clássica sempre me causou profunda impressão: é a única teoria física de conteúdo universal da qual estou convencido que, no campo de aplicação de seus conteúdos basilares, nunca será superada”

Por causa dessa universalidade as pessoas tentam atenuá-la de duas maneiras: apelando para a estatística (não há certeza de algo, apenas uma probabilidade de que ocorra), ou apenas reconhecendo um significado prático para longos ciclos, previstos para períodos cósmicos de tempo (para que me preocupar com o lixo agora se o ponto crítico só vai chegar em alguns milhares de anos?). Veja, se formos lidar com estatísticas, a chance de um sistema ir contra a entropia é a mesma chance evocada pela famosa imagem de milhares de macacos datilografando em máquinas de escrever e,  ao longo de milhares de anos, um deles por acaso escrever Dom Quixote. Quanto aos ciclos cósmicos, sim eles são reais, tão reais quanto os nossos ciclos, que evidentemente, por serem de dimensões humanas e não cósmicas, ocorrem em períodos de tempo muito mais curtos, ao invés de milênios são décadas. O fato indubitável é que a entropia nos afeta radicalmente.

 

E já que entramos no assunto de tempo, quanto tempo nos restaria até a destruição total?

A visão do ser humano encara o tempo como um progressivo “vir a ser”, e essa visão não poderia estar mais longe da realidade. A entropia é uma inversão do tempo. Imagine um copo cheio de xarope de groselha onde adicionamos lentamente água. A tendência é que o xarope se concentre no fundo do copo e perto da borda ele esteja extremamente diluido, quase transparente. Com a entropia temos um processo parecido, ela cria uma inversão do tempo, ou seja, esse aspecto do tempo pelo qual quanto mais se regride no tempo, mais “intenso” é o tempo. E quanto mais se progride mais “diluído” é o tempo. Na realidade não vivemos em um vir a ser e sim um  deixar-de-ser sem aniquilar-se regressivo, como no caso da faxina em casa vamos acumulando um “entulho de ser”. Físicos como Bernhard e Karl Philbert, já deixaram claro que não só o espaço é função do tempo, mas o próprio tempo é função do tempo. Não podemos pensar num tempo uniforme e linear e separado das coisas, mas num tempo entrópico, que se degrada com o tempo, tendendo assintoticamente ao fim do próprio tempo; ou, como se poderia dizer satiricamente: “o tempo vai morrer com o tempo”. Mesmo que a Bíblia não tenha sido inspirada por Deus, João não errou ao afirmar que “Não haverá mais tempo”, quando escreveu o versículo 6 do capítulo 10 em Apocalipse.

A entropia também explica a aceleração dos ciclos de energia ao longo dos tempos cósmicos, geológicos, biológicos e, mais recentemente, históricos. Sabe quando você pensa que “meu Deus, já estamos no meio/fim do ano, o tempo parece estar correndo cada vez mais rápido”? Isso não é apenas uma sensação e os ciclos históricos mostram de forma clara esse fato. Vejamos o caso da atual crise de energia.

Crises de energia não são um mal apenas do nossos dias. Durante a Idade Média o principal combustível era a lenha. O “ciclo da madeira” começou a entrar em crise no século X e atingiu seu ápice no século XV após mais de um milênio de exploração. Isso deu origem ao ciclo do carvão, afinal as pessoas precisavam de algo para queimar – para aquecer as casas no inverno, cozinhar a comida e fazer suas máquinas a vapor funcionarem. O ciclo do carvão durou 4 séculos, bem mais curto do que o ciclo da madeira. De ciclo em ciclo chegamos no ciclo do petróleo que durará aproximadamente 100 anos – o esgotamento do petróleo está previsto para a primeira metade deste século. E quando o petróleo acabar? Já usamos a madeira, o carvão, o petróleo. Surgirá algo novo para queimarmos?

Diante disso nos vemos em uma encruzilhada trágica. Conhecendo a lei da entropia podemos tomar duas atitudes:

– Nos basearmos em suas consequências e mudar completamente os hábitos de nossa civilização, tentando salvar o que ainda pode ser salvo, criando um processo urgente de desglobalização, seguido pela descentralização necessária da energia;

ou

– Partir para uma super-globalização, estupidamente uniformizadora, que nos lançaria em um ciclo ainda mais complexo, que resultaria em um enriquecimento provisório – infernalmente complexo – para então apresentar uma duração ainda mais curta e, resumindo, esgotaria ainda mais as matérias e recursos do planeta e necessitaríamos de um novo ciclo de forma ainda mais desesperada, e ele seria por sua vez ainda mais curto, cada novo ciclo esgotando de forma mais rápida os recursos do qual se alimenta.

Um paralelo a isto é a entropia orgânica presente em nossa vida e evidenciada pelo envelhecimento. É através do envelhecimento que vivenciamos a morte cada vez mais próxima, o despencar do tempo, e não podemos evitá-la, apenas tornar seu ritmo mais lento.

Quando olhamos para trás, várias “crises” que surgiram se tornam claras: a crescente degradação da terra e sua relação com crises de energia, com o surgimento de epidemias como a vaca louca, a febre aftosa, o aumento de uso de agrotóxicos e todas as outras disfunções de uma agropecuária plantada e nutrida pelo petróleo. Criamos um ciclo vicioso onde a crescente demanda de energia torna sua obtenção sempre mais complicada, custosa e danosa.

Não podemos evitar isso, mas poderíamos tornar o processo mais lento medindo nossa produtividade não pela maior quantidade de bens econômicos produzida num determinado período de tempo, mas sim pela maior quantidade produzida com o menor gasto energético possível de forma que se crie menos lixo. Seria necessário se criar uma ordem que resultasse em menos desordem. Isso infelizmente se mostra uma utopia, mesmo diante dos fatos as áreas desertificadas do planeta crescem, a produção de lixo também. É a entropia em sua melhor forma.

E sinceramente o que você acha mais provável: mudarmos o hábito de toda a população do planeta ou esgotar (também no sentido de tornar esgoto) de vez os recursos planetários para manter os vícios de nossa sociedade de consumo? Leve em conta que toda visão alarmente de um fim eminente de nossa espécie é tratada como um surto paranóico. Mas até então, lembrando-nos do diálogo entre Woody Allen e seu chefe interpretado por Dan Aykroid no filme o Escorpião de Jade:

Chris: Você sabe, existe uma palavra para descrever as pessoas que acham que todo mundo está conspirando contra elas.

C.W.: Eu sei, “perceptivas”.

Mas espere um momento. Leis universais não tratam de como coisas reagem e evoluem no tempo? Como uma lei pode ter apenas um carater destruidor? E se ela é uma lei explicitamente destruidora, por que, durante a história nunca a trataram dessa forma?

Bem, todo mundo, enquanto está vivo e com saúde, mesmo sabendo que um dia morrerá, não sente a morte, assim essa idéia de entropia é algo abstrato demais para ser levado a sério. Mesmo assim ela foi inúmeras vezes captadas por diversas pessoas que a trataram de forma séria. Do “Tempus edax rerum”, – o tempo que consome as coisas – de Ovídio ao “Pela mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo” que encontramos em II Pedro 3:7 percebemos uma visão clara desde os tempos antigos de que este seria um destino do qual não escaparíamos; isso mostra uma compreensão rara e acurada de indivíduos que percebiam uma visão de mundo popular já apontando para o consumismo, tendo seu progresso desmedido como um imperativo ético, criando mais “lixo” do que podemos nos livrar e nos colocando em num beco sem saída. Quantas pessoas hoje em dia abraçariam a visão de um São Francisco de Assis, por exemplo, onde a pobreza não leva à tristeza de perder coisas, mas à alegria de livrar-se de coisas? Muito poucas se é que alguma, já que criamos um sistema que não confere nenhum significado espiritual à pobreza e, portanto, para a própria existência, e torna o supérfulo mais essencial que o essencial. Se o nosso existir se ligou de maneira tão simbiótica ao consumir – e não apenas celulares ou bolsas, mas o consumir a moradia, o alimento não necessário, um veículo maior e melhor, etc. – então de fato a não-disponibilidade de energia esvazia completamente a nossa existência. Como pode ser percebido, por natureza, nós não tentamos evitar a entropia, mas estamos nadando a braçadas largas em sua direção, e tentamos a todo custo evitar percebê-la ou lhe dar atenção quando a notamos.

A nova forma popular de tentar não dar atenção à entropia é a esperança disfarçada de certeza de que estamos prestes a descobrir uma nova e inesperada fonte de energia que reverterá este quadro, e de fato essa fonte salvadora é alvo de inúmeras especulações, infelizmente todas elas no âmbito da ficção científica. São propostas irreais de todo tipo de “soluções”, inclusive a reversão do tempo – outro desejo delirante de negar a realidade entrópica.

Consideremos o fato de que a energia atômica traz algumas complicações sérias – lembre-se de Chernobyl – e entrópicas – a fissão nuclear é algo inviável o que cria como alternativa a fusão nuclear a frio, que é uma maneira elegante de se dizer: criarmos uma máquina de motu perpetuo, a nossa engenhoca que dá corda em si mesma. A única energia disponível não explorada ainda é a solar, mas infelizmente não dispomos de tecnologia adequada: gastaríamos muito mais energia do que a que seria gerada em grande escala, teríamos um o remédio que mata o doente. Ponto para a entropia novamente.

Existem outras propostas como estações de energia eólica ou usinas geotérmicas, mas sejamos realistas: teria havido não uma, mas DUAS guerras ao golfo pérsico nos últimos 20 anos caso de fato houvesse uma alternativa ao petróleo em mãos ou prestes a ser viabilizada? Teorias da conspiração de que a indústria já disponibiliza de tais tecnologias mas pretende espremer as carteiras da população enquanto puderem é apenas outra peneneira usada para se tapar o sol. Tentar driblar a entropia é como se sentar e tentar dispersar o estouro de manada de touros bravos apenas com o pensamento. Se pararmos para levar a sério os princípios da entropia, ninguém deveria – em sã consciência – insistir nessa linha. Infelizmente o mundo não consegue ser tão racional, nem aparenta possuir uma consciência sã.

E o pior é que a entropia não existe apenas no âmbito ambiental do planeta, não diz respeito apenas à ecologia e a recursos naturais. Você já teve que varar a noite se preparando para uma prova e algumas horas após o exame se descobre incapaz de se lembrar de 1/3, sendo otimista, do que estudou? Esse material esquecido não “desaparece do seu cérebro”, ele permanece como lixo cognoscitivo não eliminado. Pesquisas nos Estados Unidos constataram que nossa tecnologia moderna, especialmente nossa parafernália de informática, está criando uma legião de alunos que não apenas não conseguem aprender como desenvolvem uma aversão ao estudo. Outro efeito do nosso desenvolvimento tecnológico é um aumento de doenças mentais em nossa sociedade por parte das pessoas sintonizadas – nosso novo modelo não é mais o animal e sim a coisa. Kant já havia ponderado que quando precisamos pensar seriamente em algo a mera leitura de um jornal se torna um obstáculo. Como encaixar isso na era dos 300 canais a cabo, da internet, de coberturas de competições esportivas simultâneas, noticiários locais, regionais, nacionais e internacionais, tudo isso ocorrendo em paralelo a um bombardeio incessante de propagandas. Goethe resumiu bem nossa era nas palavras do diabo: “Eu sei tudo, mas não sou onisciente”. Sei de tudo, não entendo nada. Em um mundo sem possibilidade de síntese, não há como não perceber a entropia na educação.

Além disso vivemos em um mundo que defende a aniquilação da intuição em favor de um raciocínio exagerado. Especulamos sem intuição, e isto é o equivalente a operar sem energia: temos então a entropia no conhecimento também. Em um mundo que cada dia mais defende a superioridade da pluralidade sobre a unidade vivemos o paradoxo de nunca termos vivido em uma cultura global tão homogênea.

 

Mas e se pudéssemos de fato rever nossos valores de forma a evitar ao máximo a entropia?

Em primeiro lugar deve estar claro que isso seria como iniciar um tratamento estético. Teríamos que mudar habitos e nos submer a tratamentos para o resto da vida, e isso não nos rejuvenesceria, apenas faria com que nosso envelhecimento se tornasse mais lento, mesmo assim não afastaria a morte. Chegaríamos aos 70 anos com aparência de 50 ou 60, mas isso não nos converteria os 10 ou 20 anos que nossa aparência ganhou em anos de vida. Não chegaríamos aos 110 ou 120 anos.

Em segundo lugar devemos ter em mente que precisaríamos de um planejamento extremo: em primeiro lugar deveríamos retornar a um ritmo natural que não conhecemos mais. Deveríamos voltar ao campo, cidades não deveriam comportar mais do que cem mil habitantes e deveríamos nos planejar para atingir uma população mundial máxima de um bilhão de habitantes. O problema é que para isso teríamos que, nos dias de hoje, nos livrar de quase 86% da população mundial e fazer isso não é apenas complicado, é criminoso. A alternativa a isso seria se criar leis de controle de natalidade, mas quanto tempo levaria para que a população começasse a decrescer para um nível sustentável? Nos depararíamos com uma versão assustadoramente real do paradoxo de Zeno: Aquiles, o herói grego, e a tartaruga decidem apostar uma corrida. Como a velocidade de Aquiles é maior que a da tartaruga, esta recebe uma vantagem, começando corrida um trecho na frente da linha de largada de Aquiles. Aquiles nunca sobrepassa à tartaruga, pois quando ele chegar à posição inicial ‘A’ da tartaruga, esta encontra-se mais a frente, numa outra posição ‘B’. Quando Aquiles chegar a B, a tartaruga não está mais lá, pois avançou para uma nova posição ‘C’, e assim sucessivamente, ad infinitum.

Em termos matemáticos, seria dizer que o limite, com o espaço entre a tartaruga e Aquiles tendendo a 0, do espaço de Aquiles, é a tartaruga. Ou seja, ele virtualmente alcança a tartaruga, mas nessa linha de raciocínio, não importa quanto tempo se passe, Aquiles nunca alcançará a tartaruga nem, portanto, poderá ultrapassá-la. Apesar deste paradoxo possuir incoerências: obviamente aquiles alcançará a tartaruga na prática, nossa tentativa de reduzir a população sem extermínios pode se espelhar nele. Digamos que através do controla consciente de natalidade em 300 anos consigamos reduzir a população mundial de 7 para 1 bilhão. Digamos que como foi calculado tenhamos apenas mais 40 anos de petróleo disponível para abastecer nossa indústria, nossa agricultura e nossos carros levando-se em conta a população atual. Será que a redução gradual esticará a vida útil do petróleo tempo o suficiente para que daqui a 300 anos ainda o estejam usando com parcimônia? A resposta é não. Outro ponto é: hoje a China, curiosamente é a nação melhor preparada para o colapso energético que ela mesma ajuda a acelerar. A China foi o único império da História baseado na agricultura, sem nunca ter perdido tal base, seu conselho por anos às nações do terceiro mundo a uma “volta ao campo”, a própria China pós-revolução cultural procurou a modernização evitando o êxodo do campo. Mas hoje, na realidade de nosso país, como poderá uma São Paulo, por exemplo, com seus 17,8 milhões de habitantes, sobreviver sem área rural própria? Para que campo haveriam os paulistas de retornar? E esse mal se tornou mundial não há como prever quais países terão melhores condições de sobrevivência à entropia: o caos será globalizado.

Como afirmou Heidegger: “A filosofia bem como o pensamento e a ação do homem não vão conseguir provocar uma mudança na atual situação do mundo. Nós temos apenas esta possibilidade, através do pensamento e da poesia, de nos preparar para a chegada do deus ou então para a ausência de deus, o fim, que nós na ausência de Deus iremos viver”.

LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/para-a-destruicao-e-alem/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/para-a-destruicao-e-alem/

Os Gêmeos

Quando conheci os gêmeos, John e Michael, em 1966, em um hospital psiquiátrico, eles já eram célebres. Haviam se apresentado no rádio e na televisão e haviam sido tema de minuciosos informes científicos e populares. Eu desconfiava que eles tinham inclusive penetrado na ficção científica, um tanto ”ficcionalizados” mas essencialmente conforme haviam sido retratados nas descrições publicadas.

 

Os gêmeos, que na época estavam com 26 anos, viviam em asilos desde os sete anos de idade, sob diagnósticos variados, como autistas, psicóticos ou gravemente retardados. A maioria dos informes concluía que, em se tratando de ”idiotas sábios”, nada havia de ”muito especial” neles — exceto por sua notável memória ”documental” para os mínimos detalhes de sua própria experiência e seu uso de um algoritmo inconsciente de calendário que lhes permitia dizer de imediato em que dia da semana cairia uma data no futuro ou passado distante. Essa é a opinião de Steven Smith em seu livro abrangente e imaginativo, The great mental calculators (1983). Pelo que eu saiba, não houve outros estudos sobre os gêmeos depois de meados dos anos 60, sendo o breve interesse que despertaram dissipado pela aparente ”solução” dos problemas que apresentavam.

 

Mas isso, a meu ver, é um equívoco, talvez natural considerando a abordagem estereotipada, o formato fixo das questões, a concentração em uma ou outra ”tarefa” presentes nas primeiras investigações sobre os gêmeos, que os reduziam — sua psicologia, seus métodos, sua vida — a quase nada.

 

A realidade é muito mais estranha, muito mais complexa, muito menos explicável do que sugere qualquer um desses estudos, porém é impossível até mesmo vislumbrá-la por meio de ”testes” formais dinâmicos ou pela usual entrevista dos gêmeos no estilo 60 Minutes.

 

Não que qualquer um desses estudos, ou apresentações na tevê, esteja ”errado”. Eles são muito aceitáveis, com freqüência informativos, no que se propõem a fazer, porém restringem-se à ”superfície” óbvia e passível de ser testada, não se aprofundando — e nem mesmo dando a entender, ou talvez supondo, que existe algo além.

 

De fato, não obtemos indício algum de haver algo mais profundo, a menos que deixemos de testar os gêmeos, de considerá-los “sujeitos de experiência”. É preciso pôr de lado o impulso de limitar e testar e gradualmente travar conhecimento com os gêmeos — observá-los, abertamente, com serenidade, sem pressuposições, porém com uma total e compreensiva receptividade fenomenológica, enquanto eles vivem, pensam e interagem tranqüilamente, tratando da própria vida, com espontaneidade, em sua maneira singular. Descobrimos então que existe algo extraordinariamente misterioso em ação, poderes e intensidades de um tipo talvez fundamental, os quais não fui capaz de ”desvendar” ao longo desses dezoito anos em que os conheço.

 

De fato, eles nada têm de extraordinário à primeira vista — são uma espécie de Tweedledum e Tweedledee (os gêmeos de Alice no país das maravilhas), grotescos, impossíveis de distinguir, reflexos no espelho, idênticos no rosto, nos movimentos corporais, na personalidade, na mente, idênticos também em seu estigma de dano cerebral e tecidual. Têm estatura muito baixa, cabeça e mãos tremendamente desproporcionais, palato e pés muito arqueados, voz esganiçada e monótona, uma profusão de tiques e maneirismos muito peculiares e uma fortíssima miopia degenerativa, requerendo óculos tão grossos que faz seus olhos parecerem distorcidos e lhes dá a aparência de absurdos professorzinhos, examinando de perto e apontando, com uma concentração mal dirigida, obsessiva e absurda. E essa impressão é fortalecida assim que os questionamos — ou lhes permitimos começar espontaneamente, o que tendem a fazer, como marionetes de pantomima, uma de suas ”rotinas”.

 

Esse é o quadro que tem sido apresentado nos artigos publicados e no palco—eles tendem a ser ”apresentados” no show anual do hospital em que trabalho — e em suas não raras, e muito embaraçosas, aparições na tevê.

 

Os ”fatos”, nessas circunstâncias, são demonstrados até se tornarem monótonos. Os gêmeos pedem: ”Digam-nos uma data — qualquer data nos últimos ou próximos 40 mil anos”. Uma data é mencionada e, quase instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. ”Outra data!”, bradam eles, e a proeza se repete. Eles também dizem a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos. Podemos observar, embora isso não seja normalmente mencionado nos relatórios, que seus olhos movem-se e se fixam de maneira singular quando se dedicam a essa operação — como se estivessem desenrolando, ou examinando minuciosamente, uma paisagem interior, um calendário mental. Parecem estar ”vendo”, visualizando intensamente, apesar de ter sido concluído que se tratava de puro cálculo.

 

Sua memória para algarismos é notável — e possivelmente ilimitada. Eles repetem um número de três dígitos, de trinta dígitos, de trezentos dígitos com a mesma facilidade. Também isso foi atribuído a um ”método”.

 

Mas quando alguém testa sua habilidade para calcular—a típica especialidade de prodígios em aritmética e ”calculadores mentais” — seus resultados são espantosamente ruins, tão ruins quanto seu QI de sessenta nos faria imaginar. Eles são incapazes de fazer corretamente adições ou subtrações simples, e nem sequer conseguem compreender o que significa multiplicação ou divisão. O que é isto: ”calculadores” que não sabem calcular e não têm nem mesmo as mais rudimentares habilidades aritméticas?

 

E, no entanto eles são chamados de ”calculadores de calendário” — e tem sido inferido ou aceito, praticamente sem fundamentos, que não se trata absolutamente da memória em ação, mas do uso de um algoritmo inconsciente para cálculos de calendário. Quando lembramos que até Carl Friedrich Gauss, ao mesmo tempo um dos maiores matemáticos e peritos em cálculo, teve enorme dificuldade para descobrir um algoritmo para a data da Páscoa, torna-se impossível acreditar que esses gêmeos, incapazes até mesmo dos mais simples métodos aritméticos, poderiam ter inferido, descoberto e empregado um algoritmo desses. E verdade que muitos ”calculadores” possuem um repertório mais amplo de métodos e algoritmos que descobriram para uso próprio, e talvez isso tenha predisposto W. A. Horwitz et al. a concluir que isso valia também para os gêmeos. Steven Smith, interpretando ao pé da letra esses estudos iniciais, comentou:

 

Algo misterioso, embora banal, está em ação aqui — a misteriosa habilidade humana para formar algoritmos inconscientes com base em exemplos.

 

Se isso fosse tudo, eles de fato poderiam ser vistos como banais, e não como um mistério — pois o cálculo de algoritmos, que uma máquina pode fazer com precisão, é essencialmente mecânico e pertence à esfera dos ”problemas”, mas não dos ”mistérios”.

 

Contudo, mesmo em algumas das ”apresentações” dos gêmeos, em seus ”truques” há uma qualidade que espanta. Eles são capazes de dizer como estava o tempo e quais foram os eventos de qualquer dia de suas vidas — qualquer dia a partir de seus quatro anos de idade. Sua maneira de falar — bem descrita por Robert Silverberg em seu retrato do personagem Melangio — é ao mesmo tempo infantil, detalhada e desprovida de emoção. Ao lhes ser dita uma data, eles reviram os olhos por um momento, depois os fixam, e com uma voz apática e monótona informam o tempo, enunciam superficialmente os eventos políticos de que ouviram falar e os eventos de suas próprias vidas — estes últimos incluindo, com freqüência, as dolorosas e comoventes angústias da infância, o desprezo, a zombaria, as mortificações que sofreram, mas tudo recitado em um tom uniforme, invariável, sem o menor indício de inflexão pessoal ou emoção. Aqui, claramente, trata-se de lembranças que parecem ser de um tipo ”documental”, nas quais não existem referências pessoais, relações pessoais, absolutamente nenhum centro vivo.

 

Poderíamos afirmar que o envolvimento pessoal, a emoção, foram apagados dessas lembranças, no modo defensivo que podemos observar em tipos obsessivos ou esquizóides (e os gêmeos sem dúvida devem ser considerados obsessivos e esquizóides). Mas poderíamos afirmar, igualmente, e na verdade com mais plausibilidade, que lembranças desse tipo nunca tiveram um caráter pessoal, pois isso é, de fato, uma característica fundamental de uma memória eidética como a deles.

 

Mas o que precisa ser ressaltado — e que é insuficientemente salientado por quem os estudou, embora perfeitamente óbvio para um ouvinte ingênuo disposto a se maravilhar — é a magnitude da memória dos gêmeos, sua extensão aparentemente ilimitada (ainda que infantil e banal) e, com ela, o modo como as lembranças são recuperadas. E se lhes perguntamos como é que conseguem reter tanto na mente — um número com trezentos dígitos ou os trilhões de eventos de quatro décadas—eles dizem, simplesmente: ”Nós vemos tudo isso”. E ”ver” — ”visualizar” — com extraordinária intensidade, alcance ilimitado e perfeita fidelidade, parece ser a chave de tudo. Parece ser uma capacidade fisiológica inata de suas mentes, de um modo que guarda certas analogias com a maneira como o famoso paciente de A. R. Luria, descrito em The mindofa mnemonist, ”via”, embora talvez aos gêmeos falte a rica sinestesia e organização consciente das lembranças do mnemonista. Mas não resta dúvida, pelo menos a meu ver, de que os gêmeos têm à sua disposição um prodigioso panorama, uma espécie de paisagem ou fisionomia, de tudo o que já ouviram, viram, pensaram ou fizeram, e que, num piscar de olhos, externamente óbvio quando eles os reviram brevemente e depois os fixam, eles são capazes (com os ”olhos da mente”) de recuperar e ”ver” quase qualquer coisa que esteja nessa vasta paisagem.

 

Tais poderes de memória são raríssimos, porém não únicos. Pouco ou nada sabemos das razões por que os gêmeos ou qualquer outra pessoa os têm. Haverá, então, alguma coisa nos gêmeos que seja de um interesse mais profundo, como vim insinuando? Acredito que sim.

 

Conta-se que sir Herbert Oakley, o professor oitocentista de música em Edimburgo, ao ser levado a uma fazenda e ouvir um porco guinchar, bradou no mesmo instante: ”Sol sustenido!”. Alguém correu para o piano, e era sol sustenido mesmo. Minha primeira impressão das capacidades ”naturais” e do modo ”natural” dos gêmeos veio de maneira semelhante, espontânea e (não pude deixar de sentir) bastante cômica.

 

Uma caixa de fósforos que estava em cima da mesa caiu e o conteúdo espalhou-se no chão: ”111”, gritaram os gêmeos simultaneamente; a seguir, John disse baixinho: ”37”. Michael repetiu esse número, John disse-o pela terceira vez e parou. Contei os fósforos — demorei um pouco — e havia 111.

 

”Como conseguiram contar os fósforos tão depressa?”, perguntei. ”Não contamos”, eles responderam. ”Nós vimos os 111”.

 

Histórias semelhantes contam-se a respeito de Zacharias Dase, o prodígio dos números, que declarava instantaneamente ”183” ou ”79” quando se derramava um punhado de ervilhas e indicava do melhor modo possível — ele também era deficiente mental — que não tinha contado as ervilhas, mas apenas ”visto” o número delas, num todo, de relance.

 

”E por que vocês murmuraram ’37’ e repetiram isso três vezes?”, perguntei aos gêmeos. Eles responderam em uníssono ”37,37,37,111”.

 

E isso eu achei ainda mais intrigante, se possível. O fato de eles verem 111 — a ”condição de 111” — em um lampejo era extraordinário, mas talvez não mais extraordinário que o ”sol sustenido” de Oakley — uma espécie de ”tom absoluto” para números, por assim dizer. Mas eles em seguida ”fatoraram” o número 111 — sem contar com nenhum método, sem mesmo ”conhecer” (da maneira usual) o que significavam fatores. Pois eu já não observara que eles eram incapazes de fazer os mais simples cálculos e não ”entendiam” (ou não pareciam entender) o que era multiplicação ou divisão? E no entanto, ali, espontaneamente, eles haviam dividido um número composto em três partes iguais.

 

”Como foi que vocês calcularam isso?”, perguntei, ardendo de curiosidade. Eles indicaram, do melhor modo que puderam, em termos pobres, insuficientes — mas talvez não haja palavras que correspondam a coisas assim — que não tinham ”calculado”, apenas ”visto” aquilo, num lampejo. John fez um gesto com dois dedos esticados e o polegar, o que parecia sugerir que eles haviam espontaneamente dividido o número em três partes ou que o número ”dividira-se” por conta própria nessas três partes iguais, por uma espécie de ”fissão” numérica espontânea. Eles pareciam surpresos diante de minha surpresa — como se eu fosse cego de alguma forma; e o gesto de John transmitiu um extraordinário senso de realidade imediata, sentida. Será possível, pensei comigo, que eles possam de algum modo ”ver” as propriedades, não da maneira conceitual, abstrata, mas como qualidades sentidas, sensíveis, de algum modo imediato, concreto? E não simplesmente qualidades isoladas — como a ”qualidade de 111” — mas qualidades de relações? Talvez mais ou menos do mesmo modo como sir Herbert Oakley teria dito ”uma terça” ou ”uma quinta”

 

Eu já chegara à idéia, com base na ”visão” de eventos e datas pelos gêmeos, de que eles podiam reter na mente, que haviam retido, uma imensa tapeçaria mnemónica, uma vasta (ou possivelmente infinita) paisagem na qual tudo podia ser visto, isoladamente ou em relação. Era o isolamento, em vez de um senso de relação, que era primordialmente exibido quando eles despejavam seu implacável ”documentário” desordenado. Mas não poderiam esses prodigiosos poderes de visualização — poderes essencialmente concretos e muito distintos da capacidade de conceituar — dar-lhes o potencial de ver relações, relações formais, relações de forma, arbitrárias ou significativas? Se eles podiam ”ver” a ”qualidade de 111” em um lampejo (se podiam ver toda uma ”constelação” de números), não poderiam também ”ver”, num lampejo—ver, reconhecer, relacionar e comparar, de um modo inteiramente sensitivo e não intelectual —, formações e constelações de números enormemente complexas? Uma habilidade ridícula, até mesmo incapacitante Pensei no ”Funes” de Borges

 

Nós, de relance, podemos perceber três copos em uma mesa, Funes, todas as folhas, gavinhas e frutos que compõem uma videira [ ] Um circulo desenhado no quadro-negro, um ângulo reto, um losango — todas estas são formas que podemos entender intuitivamente e por completo, Ireneo podia fazer o mesmo com a emaranhada erma de um pônei, com uma manada de gado na colma [ ] não sei quantas estrelas ele era capaz de enxergar no céu

 

Poderiam os gêmeos, que pareciam ter uma singular paixão pelos números e ”domínio” dos mesmos — poderiam eles, que tinham visto a ”qualidade de 111” num relance, talvez ver em suas mentes uma ”videira” numérica, com todas as folhas-números, gavinhas-números, frutas-números que a compunham? Uma idéia estranha, talvez absurda, quase impossível — mas o que eles já me haviam mostrado era tão estranho que quase não se prestava à compreensão E, pelo que eu soubesse, aquilo era tão-somente um indicio mínimo do que eles podiam fazer

 

Refleti sobre o assunto, mas ele quase não permitia reflexão. Depois, deixei-o de lado. Esqueci-o até que deparei, totalmente por acaso, com uma segunda cena espontânea, uma cena mágica.

 

Nessa segunda vez, eles estavam sentados juntos em um canto, com um sorriso misterioso, secreto, um sorriso que eu nunca tinha visto antes, desfrutando o estranho prazer e paz que agora pareciam ter. Furtivamente, para não os perturbar, eu me aproximei. Pareciam absortos em uma conversa singular, puramente numérica. John dizia um número — um número de seis dígitos. Michael ouvia, assentia com a cabeça, sorria e parecia saborear o número. Em seguida, ele próprio dizia um número de seis dígitos, e dessa vez era John quem o recebia e apreciava com prazer. À primeira vista, lembravam dois connoisseurs provando vinho, compartilhando gostos raros, raras apreciações. Sentei-me quieto, sem que eles me vissem, hipnotizado, perplexo.

 

O que eles estavam fazendo? Que diabos estava acontecendo? Eu não conseguia entender. Talvez se tratasse de algum tipo de jogo, mas tinha uma gravidade e intensidade, uma espécie de intensidade serena, meditativa e quase sagrada, que eu nunca vira em nenhum jogo comum e que certamente nunca vira antes nos gêmeos, normalmente tão agitados e distraídos. Contentei-me com anotar os números que eles diziam — números que manifestamente lhes proporcionavam tanto prazer e que eles ”contemplavam”, saboreavam, compartilhavam em comunhão.

 

Teriam aqueles números algum significado, perguntei-me a caminho de casa, teriam algum sentido ”real” ou universal, ou (se é que tinham algum) apenas um sentido estapafúrdio ou particular, como as ”línguas” secretas e tolas que irmãos e irmãs às vezes inventam para si mesmos? E, dirigindo na volta para casa, pensei nas gêmeas de Luria — Liosha e Yura, gêmeas idênticas com dano no cérebro e na fala—e em como elas brincavam e tagarelavam entre si em uma língua própria, primitiva, balbuciante (Luria e Yudovich, 1959). John e Michael nem sequer estavam usando palavras ou meias palavras — simplesmente jogavam números um para o outro. Seriam números ”borgenses” ou ”funesianos”, meras videiras numéricas, crinas de pônei ou constelações, formas numéricas privadas — uma espécie de jargão numérica, conhecida apenas pelos gêmeos?

 

Assim que cheguei, fui buscar tabelas de potências, fatores, logaritmos e números primos—lembranças e relíquias de um período singular e isolado de minha infância, quando eu também fora uma espécie de ruminante de números, um ”vidente” de números, nutrindo por estes uma paixão peculiar. Eu já tinha um palpite — e então o confirmei. Todos os números, os números de seis dígitos que os gêmeos tinham compartilhado, eram primos — ou seja, números que só podem ser divididos em partes iguais por eles mesmos ou por um. Teriam os gêmeos, de algum modo, visto ou possuído algum livro como o meu — ou estariam, de algum modo inimaginável, ”vendo” números primos, mais ou menos da mesma forma que tinham ”visto” a qualidade de 111 ou a triplicidade de 37? Sem dúvida não poderiam tê-los calculado — não eram capazes de fazer cálculo algum.

 

Voltei à enfermaria no dia seguinte, levando comigo o precioso livro dos números primos. Novamente os encontrei encerrados em sua comunhão numérica, mas dessa vez, sem nada dizer, juntei-me a eles de mansinho. De início ficaram surpresos, mas, vendo que eu não os interrompia, retomaram seu ”jogo” de números primos de seis dígitos. Após alguns minutos, decidi tomar parte e arrisquei dizer um número, um número primo de oito dígitos. Ambos se voltaram para mim, e subitamente ficaram quietos, com uma expressão de concentração intensa e talvez espanto. Houve uma longa pausa—a mais longa que eu já os vira fazer, deve ter durado meio minuto ou mais — e então, de súbito, simultaneamente, os dois abriram um sorriso.

 

Depois de algum inimaginável processo de teste, eles de repente haviam visto meu número de oito dígitos como um número primo — e isso manifestamente era para eles um grande prazer, um duplo prazer; primeiro, porque eu introduzira um delicioso brinquedo novo, um número primo de uma ordem que eles nunca haviam encontrado antes, e segundo porque era evidente que eu tinha visto o que eles estavam fazendo, que tinha gostado, que admirava e era capaz de participar também.

 

Os dois se afastaram ligeiramente um do outro, dando lugar para mim, um novo colega de brincadeiras numéricas, um terceiro em seu mundo. Em seguida, John, que sempre saía na frente, pensou por um tempo muito longo — deve ter sido pelo menos cinco minutos, embora eu não ousasse me mexer e mal respirasse — e enunciou um número de nove dígitos; depois de um tempo semelhante, seu irmão gêmeo, Michael, respondeu com um número do mesmo tipo.

 

E então, eu, na minha vez, depois de olhar furtivamente o livro, acrescentei minha própria e desonesta contribuição, um número primo de dez dígitos.

 

Fez-se novamente, e por um tempo ainda mais longo, um silêncio repleto de fascinação e quietude; em seguida, John, depois de uma prodigiosa contemplação interna, saiu-se com um número de doze dígitos. Esse eu não tinha como verificar, e assim não pude responder à altura, pois meu livro — que, pelo que eu sabia, era o único de seu gênero — não ia além dos números primos de dez dígitos. Mas Michael mostrou-se apto para o desafio, embora demorasse cinco minutos — e uma hora mais tarde os gêmeos estavam trocando números primos de vinte dígitos, ou pelo menos supus que fosse isso, pois não havia meio de comprovar. Também não existia uma maneira fácil, em 1966, sem ter à disposição um computador sofisticado. E, mesmo então, teria sido difícil, pois quer usemos o crivo de Erastótenes ou qualquer outro algoritmo, não existe um método simples de calcular números primos. Não existe um método simples para os números primos dessa ordem — e, no entanto os gêmeos os estavam descobrindo. (Ver, porém, o pós-escrito.)

 

Novamente pensei em Dase, sobre quem eu tinha lido anos antes, no fascinante livro Human personality, de F. W. H. Myers (l 903).

 

Sabemos que Dase (talvez o mais bem-sucedido desses prodígios) era singularmente desprovido de compreensão matemática […] Apesar disso, em doze anos ele produziu tabelas de fatores e números primos para o sétimo e quase todo o oitavo milhão — uma tarefa que poucos homens poderiam ter realizado, sem auxílio mecânico, ao longo de todo um período normal de vida.

 

Portanto, concluiu Myers, ele pode ser considerado o único homem a ter prestado um valioso serviço à matemática sem ser capaz de entender os conceitos matemáticos mais simples.

 

O que Myers não esclarece, e que talvez não estivesse claro, era se Dase possuía algum método para produzir as tabelas ou se, como sugerido por seus simples experimentos de ”ver números”, ele de algum modo ”via” aqueles grandes números primos, como aparentemente os gêmeos viam.

 

Observando-os discretamente — isso era fácil de fazer, pois eu tinha uma sala na enfermaria onde os gêmeos estavam alojados —, vi-os em inúmeros outros tipos de jogos numéricos ou comunhão numérica, cuja natureza não pude apurar ou mesmo supor.

 

Mas parece provável, ou certo, que eles estejam lidando com propriedades ou qualidades ”reais” — pois o arbitrário, como os números aleatórios, não lhes dá prazer, ou lhes dá muito pouco. Está claro que eles precisam ter ”sentido” em seus números — do mesmo modo, talvez, como um músico precisa ter harmonia. De fato, eu me surpreendi comparando-os a músicos — ou a Martin, também retardado, que encontrava na serena e magnífica arquitetônica de Bach uma manifestação sensível da suprema harmonia e ordem do inundo, inacessível para ele conceitualmente devido às suas limitações intelectuais.

 

”Todo aquele que é composto harmonicamente”, escreve sir Thomas Browne, ”deleita-se com a harmonia [ ] e uma profunda contemplação do primeiro compositor. Há nela algo da divindade mais do que descobre o ouvido, é uma hieroglífica e obscurecida lição sobre todo o mundo [ ] uma pequenina seção da harmonia que soa intelectualmente nos ouvidos de Deus […] A alma […] é harmônica e tem sua afinidade mais estreita com a música ”

 

Richard Wollheim, em The thread ofhfe (1984), faz uma distinção absoluta entre cálculos e o que ele denomina estados mentais ”icônicos”, e antevê uma possível objeção a tal distinção

 

Alguém poderia contestar o fato de que todos os cálculos são não icônicos alegando que, quando a pessoa calcula, as vezes o faz visualizando o calculo em uma pagina. Mas isso não constitui um contra exemplo. Pois o que esta representado em tais casos não é o cálculo em si, mas uma representação do mesmo, os números e que são calculados, mas o que se visualiza são os numerais, que representam números

 

Leibmz, por outro lado, apresentou uma instigante analogia entre números e música ”O prazer que obtemos da música vem de contar, mas contar inconscientemente A música nada mais é do que aritmética inconsciente”

 

Até onde podemos apurar, qual é a situação dos gêmeos, e talvez de outros? O compositor Ernst Toch — contou-me seu neto, Lawrence Weschler — conseguia prontamente reter na memória, depois de ouvir uma única vez, uma série muito longa de números, mas fazia isso ”convertendo” a série de números em uma melodia (que ele próprio criava, ”correspondendo” aos números). Jedediah Buxton, calculador dos menos elegantes, mas dos mais tenazes de todos os tempos, que tinha uma grande, até mesmo patológica, paixão por cálculos e cômputos (ele ficava, em suas próprias palavras, ”bêbado de contar”), ”convertia” música e drama em números. Segundo um relato contemporâneo sobre ele, escrito em 1754: ”Durante a dança, ele fixava a atenção no número de passos; depois de um belo trecho musical, declarava que os inúmeros sons produzidos pela música o haviam deixado imensamente perplexo, e ia até mesmo assistir às peças do sr. Garrick só para contar as palavras que este proferia, no que afirmava ter pleno êxito”.

 

Eis um belo, ainda que extremo, par de exemplos — o músico que transforma números em música e o perito em contar que transforma a música em números. Fica-se com a impressão de que é impossível encontrar tipos de mentes mais opostos ou, pelo menos, estilos mentais mais opostos.

 

A meu ver, os gêmeos, que têm uma ”sensibilidade” extraordinária para números, sem serem capazes de calcular coisa alguma, têm nesse aspecto uma afinidade não com Buxton, mas com Toch. Exceto — e isto nós, pessoas comuns, achamos dificílimo imaginar — pelo fato de que eles não ”convertem” números em música, mas realmente sentem os números, em si mesmos, como ”formas”, como ”tons”, como as numerosíssimas formas que compõem a própria natureza. Eles não são calculadores, e sua habilidade numérica é ”icônica”. Eles convocam, habitam estranhos cenários numéricos; perambulam livremente por vastas paisagens de números, criam dramaturgicamente todo um mundo feito de números. Eles têm, creio, uma imaginação extremamente singular — da qual a singularidade maior é o fato de que ela só pode imaginar números. Não parecem ”operar” com números, de um modo ”não icônico”, como um calculador; eles os ”vêem”, diretamente, como um vasto cenário natural.

 

E se nos perguntarmos ”existem analogias, pelo menos, com uma iconicidade assim?”, nós as descobriremos, acredito, em certas mentes científicas. Dmitri Mendeleev, por exemplo, carregou consigo, escritas em cartões, as propriedades numéricas dos elementos até que elas se tornaram totalmente ”familiares” para ele — tão familiares que ele não mais pensava nelas como agregados de propriedades, mas (segundo ele próprio afirmou) ”como rostos conhecidos”. Ele passou a ver os elementos, iconicamente, fisionomicamente, como ”rostos” — rostos que se relacionavam, como membros de uma família, e que compunham, in totó, periodicamente organizados, todo o rosto formal do universo. Uma mente científica assim é essencialmente ”icônica” e ”vê” toda a natureza como rostos e cenas, talvez também como música. Essa ”visão”, essa visão interna, envolta pelo fenomênico, tem ainda assim uma relação integral como físico, e devolvê-la do psíquico para o físico constitui o trabalho secundário, ou externo, dessa ciência. (”O filósofo procura ouvir dentro de si os ecos da sinfonia do mundo”, escreveu Nietzsche, ”e volta a projetá-los na forma de conceitos.”) Os gêmeos, embora deficientes mentais, ouvem a sinfonia do mundo, imagino, mas a ouvem inteiramente em forma numérica.

 

A alma é ”harmônica” seja qual for o Qi da pessoa, e para alguns, como os cientistas físicos e os matemáticos, o senso de harmonia, talvez, é primordialmente intelectual. No entanto, não consigo pensar em algo intelectual que não seja, de algum modo, também sensível — de fato, a própria palavra ”senso” tem sempre essa dupla conotação. Sensível e, de certo modo, também ”pessoal”, pois é impossível alguém sentir alguma coisa, julgar uma coisa ”sensível” sem que ela seja, de algum modo, relacionada ou passível de relacionar-se com a pessoa. Assim, a imponente arquitetônica de Bach proporciona, como fazia para Martin A., ”uma hieroglífica e obscurecida lição sobre todo o mundo”, mas ela também é, reconhecível, única e afetuosamente Bach; e isso também era sentido, comoventemente, por Martin A., e por ele relacionado ao amor que sentia pelo pai.

 

Os gêmeos, a meu ver, não possuem apenas uma estranha ”faculdade” — mas uma sensibilidade, uma sensibilidade harmônica, talvez afim à musical. Poderíamos chamá-la, com muita propriedade, de sensibilidade ”pitagórica” — e o singular não é sua existência, mas sua evidente raridade. A alma da pessoa é ”harmônica” seja qual for o seu QI, e talvez a necessidade de encontrar ou sentir alguma harmonia ou ordem suprema seja um universal da mente, independentemente das capacidades desta ou da forma que ela assuma. A matemática sempre foi considerada a ”rainha das ciências”, e os matemáticos sempre viram o número como o grande mistério e o mundo como sendo organizado, misteriosamente, pelo poder do número. Isso é expresso com primor no prólogo à autobiografia de Bertrand Russell:

 

Com igual paixão tenho buscado o conhecimento. Desejo compreender o coração dos homens. Desejo saber por que as estrelas brilham. E tento entender o poder pitagóríco pelo qual os números têm influência sobre o fluxo.

 

É estranho comparar esses gêmeos deficientes mentais a um intelecto, um espírito como o de Bertrand Russell. E, no entanto, em minha opinião, não é tão absurdo. Os gêmeos vivem exclusivamente em um mundo de pensamentos numéricos. Não têm interesse pelas estrelas que brilham nem pelos corações dos homens. Mas acredito que para eles os números não são ”apenas” números, mas significâncias, significantes cujo ”significando” é o mundo.

 

Eles não lidam com os números levianamente, como faz a maioria dos calculadores. Não estão interessados em cálculos, não têm capacidade para os mesmos e não são capazes de compreendê-los. São, antes, serenos contempladores do número — e lidam com os números com um senso de reverência e pasmo. Os números, para eles, são sagrados, repletos de significação. Essa é a sua maneira — como a música é a maneira de Martin — de entender o primeiro compositor.

 

Mas os números não são apenas impressionantes para eles, são também amigos — talvez os únicos amigos que eles já tiveram em sua vida isolada de autistas. Esse é um sentimento muito comum nas pessoas que têm um dom para os números — e Steven Smith, embora considerasse o ”método” o mais importante, fornece muitos exemplos fascinantes disso: George Parker Bidder, que escreveu sobre sua primeira infância numérica: ”Adquiri total familiaridade com os números até cem; eles se tornaram, por assim dizer, meus amigos, e eu conhecia todos os parentes e conhecidos”; ou o contemporâneo Shyam Marathe, da índia: ”Quando digo que os números são meus amigos, quero dizer que em alguma época passada lidei com aquele número específico de várias maneiras e, em muitas ocasiões, descobri novas e fascinantes qualidades nele ocultas […] Assim, se em um cálculo deparo com um número conhecido, imediatamente o vejo como um amigo”.

 

Hermann von Helmholtz, discorrendo sobre a percepção musical, afirma que, embora tons compostos possam ser analisados e divididos em seus componentes, eles são normalmente ouvidos como qualidades, qualidades únicas de tom, todos indivisíveis. Ele fala, nesse sentido, de uma ”percepção sintética” que transcende a análise e é a essência, impossível de analisar, de todo senso musical. Compara esses tons a rostos, e reflete que podemos reconhecê-los mais ou menos da mesma maneira pessoal. Em suma, parece sugerir que os tons musicais, e certamente as melodias, são de fato ”rostos” para os ouvidos e são reconhecidos, sentidos, imediatamente como ”pessoas” (ou como tendo ”qualidade de pessoa”), um reconhecimento que implica afeto, emoção, relação pessoal.

 

Isso parece ocorrer com os que amam os números. Estes também se tornam reconhecíveis como tais — em um único, intuitivo, pessoal: ”Eu conheço você!”.20 O matemático Wim Klein expressou isso muito bem: ”Os números são amigos para mim, mais ou menos. Para você, 3844 não significa o mesmo, não é? Para você, é apenas um três, um oito, um quatro e outro quatro. Mas eu digo: ’Olá, 62 ao quadrado!’”.

 

Acredito que os gêmeos, aparentemente tão isolados, vivem num mundo cheio de amigos, tendo milhões, bilhões de números aos quais dizem ”Olá!” e que, tenho certeza, respondem ”Olá!” para eles. Mas nenhum dos números é arbitrário — como 62 ao quadrado — nem (e este é o mistério) se chega a ele por algum dos métodos usuais, ou por qualquer método que eu consiga discernir. Os gêmeos parecem empregar uma cognição direta — como anjos. Eles vêem, diretamente, um universo e um céu de números. E isso, embora singular, embora bizarro — mas que direito temos de chamá-lo ”patológico”? —, proporciona uma singular auto-suficiência e serenidade às suas vidas, e poderia ser trágico interferir nelas ou destruí-las.

 

Essa serenidade foi, de fato, interrompida e destruída dez anos mais tarde, quando se julgou que os gêmeos deviam ser separados – ”para seu próprio bem”, a fim de prevenir sua ”prejudicial comunicação entre si” e que pudessem ”sair e enfrentar o mundo […] de um modo adequado, socialmente aceitável” (segundo explicado pelo jargão médico e sociológico). Assim, foram separados em 1977, com resultados que podem ser considerados tanto gratificantes como calamitosos. Ambos foram transferidos para ”semiinternatos” e executam trabalhos simples e subalternos em troca de um pagamento mínimo, sob estrita supervisão. Eles são capazes de tomar ônibus, se forem cuidadosamente orientados e receberem um passe para pagar a condução, e de se manterem moderadamente apresentáveis e limpos, embora seu caráter de retardados mentais e psicóticos ainda seja reconhecível à primeira vista.

 

Esse é o lado positivo — mas também há um lado negativo (não mencionado em suas fichas, pois antes de mais nada nunca foi reconhecido). Privados da ”comunhão” numérica entre si e de tempo e oportunidade para qualquer ”contemplação” ou ”comunhão” — sempre sendo apressados e empurrados de uma tarefa para outra — , eles parecem ter perdido sua estranha capacidade numérica e, com ela, o principal prazer e sentido de suas vidas. Mas isso é considerado um pequeno preço a ser pago, sem dúvida, por se terem tornado semi-independentes e ”socialmente aceitáveis”.

 

Isso nos lembra um pouco o tratamento dado a Nadia—criança autista com um dom fenomenal para o desenho. Nadia também foi submetida a um regime terapêutico ”para encontrar maneiras nas quais suas potencialidades em outras direções poderiam ser maximizadas”. O efeito líquido foi que ela começou a falar — e parou de desenhar. Nigel Dennis comenta: ”Ficamos com um gênio que teve seu gênio removido, nada restando além de uma deficiência generalizada. O que devemos pensar de uma cura assim tão curiosa?”.

 

Cabe acrescentar — este é um aspecto ressaltado por F. W. H. Myers, cuja reflexão sobre os prodígios numéricos abre seu capítulo sobre ”Gênios” — que essa faculdade é ”estranha” e pode desaparecer espontaneamente, embora com a mesma freqüência seja vitalícia. No caso dos gêmeos, obviamente, não se tratava apenas de uma ”faculdade”, mas do centro pessoal e emocional de suas vidas. E agora que eles estão separados, agora que ela desapareceu, já não há mais um sentido ou um centro em suas vidas

 

PÓS-ESCRITO

 

Quando Israel Rosenfield leu o original deste texto, salientou que existem outras aritméticas, superiores e mais simples do que a aritmética ”convencional” das operações, e aventou a possibilidade de as singulares capacidades (e limitações) dos gêmeos refletirem o uso, por eles, de uma aritmética ”modular” desse tipo. Em um bilhete que me escreveu, ele sugeriu que os algoritmos modulares, do tipo descrito por lan Stewart em Concepts of Modern mathematics (1975), poderiam explicar as habilidades dos gêmeos como calendário:

 

Sua habilidade para determinar os dias da semana ao longo de um período de 80 mil anos sugere um algoritmo bastante simples. Divide-se o número total de dias entre o ”agora” e o ”então” por sete Se não houver resto, a data cai no mesmo dia que ”agora”, se o resto for um, a data cairá um dia mais tarde e assim por diante Observe que a aritmética modular é cíclica- ela consiste em padrões repetitivos. Talvez os gêmeos estivessem visualizando esses padrões, seja na forma de tabelas fáceis de construir, seja na de algum tipo de ”paisagem” como a espiral de inteiros mostrada na página 30 do livro de Stewart

 

Isso não responde por que os gêmeos comunicavam-se com números primos. Mas a aritmética do calendário requer o sete, que é primo E quando se pensa em aritmética modular em geral, a divisão modular produzirá padrões cíclicos distintos apenas se forem usados números primos. Como o número primo sete ajuda os gêmeos a identificar datas e, conseqüentemente, os eventos de dias específicos de suas vidas, eles podem ter descoberto que outros números primos produzem padrões semelhantes àqueles que são tão importantes para seus atos de recordação. (Observemos que, quando a caixa de fósforos caiu e eles disseram ”111 — 37 três vezes”, eles estavam tomando o número primo 37 e multiplicando por três.) De fato, apenas os padrões de números primos podiam ser ”visualizados”. Os diferentes padrões produzidos pelos diferentes números primos (por exemplo, tabelas de multiplicação) podem ser os elementos de informação visual que eles estão comunicando um ao outro quando repetem um dado número primo. Em suma, a aritmética modular pode ajudá-los a recuperar seu passado e, em conseqüência, os padrões criados para usar esses cálculos (que só ocorrem com números primos) podem assumir uma importância particular para os gêmeos.

 

Com o uso de uma aritmética modular como essa, ressalta Stewart, pode-se chegar com rapidez a uma solução única que não se presta a nenhuma aritmética ”ordinária” — em especial visando exatamente (pelo chamado pigeon-hole principie, o princípio da classificação sistemática) números primos extremamente grandes e incomputáveis (por métodos convencionais).

 

Se tais métodos, tais visualizações, são vistos como algoritmos, eles são algoritmos de um tipo muito singular — organizados não algebricamente, mas espacialmente, como árvores, espirais, arquiteturas, ”paisagens de pensamentos”—, configurações em um espaço mental formal e contudo quase sensorial. Os comentários de Israel Rosenfíeld e as exposições de lan Stewart sobre aritmética ”superior” (e especialmente modular) empolgaram-me, pois parecem prometer, se não uma ”solução”, pelo menos uma grande chance de se chegar à compreensão de capacidades de outra forma inexplicáveis como as dos gêmeos.

 

Essas aritméticas superiores ou mais profundas foram concebidas, em princípio, por Gauss em Disquisitiones arithmeticae, em 1801, mas só receberam aplicações práticas em anos recentes. Não se pode deixar de pensar que talvez exista uma aritmética ”convencional” (ou seja, uma aritmética de operações) — muitas vezes irritante para o professor e para o aluno, ”antinatural” e difícil de aprender—e também uma aritmética íntima do tipo descrito por Gauss, que pode ser verdadeiramente inata ao cérebro, tão inata quanto a gramática sintática e gerativa ”íntima” de Chomsky. Uma aritmética dessas, em mentes como as dos gêmeos, poderia ser dinâmica e quase viva — aglomerados globulares e nebulosas de números turbilhonando e evoluindo em um céu mental sempre em expansão.

 

Como já mencionei, depois da publicação de ”Os gêmeos” recebi uma vasta correspondência, tanto pessoal como científica. Algumas cartas tratavam dos temas específicos de ”ver” ou apreender números, outras do sentido ou importância que pode haver nesse fenômeno, outras ainda do caráter geral de inclinações e sensibilidades autistas e como elas podem ser incentivadas ou inibidas, e finalmente outras da questão dos gêmeos idênticos. Especialmente interessantes foram as cartas de pais de crianças desse tipo, as mais raras e notáveis provenientes de pais que tinham sido, eles próprios, forçados a refletir e pesquisar e que haviam conseguido combinar o mais profundo sentimento e envolvimento com uma acentuada objetividade. Nessa categoria estavam os Park, pais muito inteligentes de uma criança muito talentosa, porém autista (ver C. C. Park, 1967, e D. Park, 1974, pp. 313-23). A filha dos Park, ”Ella”, era uma exímia desenhista e também muito habilidosa com números, especialmente quando bem pequena. Ella fascinava-se com a ”ordem” dos números, especialmente os primos. Esse sentimento singular pelos números primos evidentemente não é raro. C. C. Park escreveu-me sobre uma outra criança autista que ela conhecia, a qual enchia folhas de papel com números escritos ”compulsivamente”. Todos eram primos, observou ela, e acrescentou: ”São janelas para um outro mundo”. Posteriormente, ela mencionou uma experiência recente com um jovem autista que também sentia fascinação por fatores e números primos e que os percebia instantaneamente como ”especiais”. De fato, a palavra ”especial” precisava ser usada para provocar uma reação:

 

”Há alguma coisa de especial, Joe, nesse número (4875)?”

 

Joe: ”Só é divisível por 13 e 25”.

 

Sobre outro (7241): ”É divisível por 13 e 557”.

 

E sobre 8741: ”É um número primo”.

 

Park comenta: ”Ninguém na família dele incentiva seus números primos; eles são um prazer solitário”.

 

Não está claro, nesses casos, o modo como se chega às respostas quase instantaneamente: se elas são ”pensadas”, ”conhecidas” (lembradas) ou — de alguma forma — apenas ”vistas”. O que está claro é o singular senso de prazer e significação ligado aos números primos. Parte disso parece dever-se a um senso de beleza formal e simetria, mas uma outra parte, também, a um singular ”significado” ou ”potencial” associativo. Isso com freqüência foi considerado ”mágico” no caso de Ella: números, especialmente os primos, evocavam pensamentos, imagens, sentimentos, relações especiais — alguns quase ”especiais” ou ”mágicos” demais para serem mencionados. Isso é bem descrito no artigo de David Park (op. cit).

 

Kurt Gõdel, de uma maneira muito abrangente, expôs como os números, em especial os primos, podem servir como ”marcadores” — para idéias, pessoas, lugares, qualquer coisa; e esse marcador gõdeliano abriria caminho para uma ”aritmetização” ou ”numeralização” do mundo (ver E. Nagel e J. R. Newman, 1958). Se isso realmente ocorre, é possível que os gêmeos, e outros como eles, não meramente vivam em um mundo de números, mas em um mundo, no mundo, como números, sendo sua meditação ou brincadeira numérica uma espécie de meditação existencial e, se for possível alguém entendê-la, ou encontrar a chave (como David Park às vezes consegue), também uma estranha e precisa comunicação.

por Oliver Sacks

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/os-gemeos/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/os-gemeos/

O Tetraedro

O Tetraedro simboliza e representa a nossa causalidade, limitada pelo tempo e espaço, formados pelos quatro pontos de força: O comprimento, a altura, a largura e a profundidade, que juntas formam a quinta dimensão além das quatro dimensões espaciais: O tempo.

 

O tetraedro também é composto por quatro “elementos formativos” do pentagrama, que são eles o fogo, o ar, a água e a terra e o espaço da existência (e por vezes o anticósmico plano/ Qliphot), ou seja, o plano espiritual, o plano mental, o plano astral e o plano físico.

O Quinto Elemento (ou a quinta dimensão Acausal), que na tradição escura, chama-se “Chama Negra”, “A pérola amorfa” ou “O sangue de Kingu”, está fora das quatro dimensões formadas pelos elementos, e também está vinculada com os outros quatro elementos, tornando o quadrilátero em um pentagrama (veja as figuras abaixo).

Figura 1:

 

Figura 2:

 

Olhando a figura 2, podemos ver que o “espírito” não está abaixo ou acima dos outros quatro elementos, mas situado do lado de fora deles.

Portanto, o Magista pode usar o Tetraedro nos rituais do qual ele deseja separar os quatro elementos da sua Chama Negra interna (espírito), e, portanto, indicar que ele é poderoso e que carrega dentro de si a força que está além do mundo manifesto, mas não pelo motivo dele ter a Quintessência, mas pela excelência dele ser capaz de gerenciar, transformar e destruir todas as formas.

Durante os rituais onde se usa o Tetraedro, ativa-se a “Chama Interna Amorfa” do Magista, que por sua vez controla todas as dimensões, elementos e planos. Durante os rituais o Tetraedro pode ser visualizado, pintado com tinta ou sangue, ou feito em escultura de barro ou de alguma outra forma, contanto que seja bidimensional ou tridimensional como na imagem.

O Magista pode usar o Tetraedro como um ponto focal para os rituais mentais, meditacionais e entre outros rituais, do qual ele possa servir como o quinto elemento.

Ele pode, por exemplo, ungi-lo desenhando com seu próprio sangue um sigilo que representará a mudança que deseja causar no plano físico, astral, mental, ou espiritual; na Chama Interna, dentro, abaixo ou acima do Tetraedro (dependendo de como o mesmo foi desenhado ou esculpido), e, em seguida, ativá-lo invocando o pentagrama do tetraedro (na seguinte ordem: terra, água, ar e fogo).

O Magista ativa “o pentagrama espiritual” tocando com o punhal ritual na virilha, no ombro esquerdo, no peito direito, no peito esquerdo, no ombro direito, e novamente na virilha, e visualiza o pentagrama queimando com a Chama Negra brilhante despertada pelo Dragão Negro interno.

Em seguida, o Magista direciona as forças sinistras e Acausais das trevas, tais como, por exemplo, canalizar a sua vontade de poder, no Tetraedro ou sigilo, visualizando claramente as mudanças que ela trará com o seu poder espiritual durante 15 minutos, e depois queimar o sigilo na Chama Negra que arde em cima do altar selando e liberando as energias que surgiram durante o ritual ligadas ao mesmo.

Desta forma o Magista torna-se o quinto elemento do pentagrama, e sua vontade se manifesta em todos os planos.

Enxergue além das formas e encontrará a essência!

Salve a Caosofia!

Fonte: Liber Azerate: O Livro do Caos Colérico.

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© 2002 MLO – Anti-Cosmic Productions Todos os Direitos Reservados.

Tradução e Adaptação: Zeis Araújo (Inmost Nigredo) Revisão: Gabriela Paiva 2014.

Texto enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/o-tetraedro/

O Hotel Hilbert está Lotado. Temos Vagas…

Caso você esteja lendo este texto durante o trabalho em vez de trabalhar ou durante a aula em vez de estudar, temos uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que ler sobre o infinito pode lhe dar a impressão de que o tempo passa mais rápido. A má notícia é que quando brincamos com o infinito, somos obrigados a admitir que a hora de ir embora do trabalho ou da aula, em termos matemáticos, nunca deveria chegar. Assim o maior objetivo deste artigo é mostrar que Ela (a Matemática) é uma ninfomaníaca e sussurra aos nossos ouvidos sem parar, sem parar, sem parar, sem parar.

Sempre que o relógio parece não avançar temos uma oportunidade de lembrar que o tempo é um conceito muito mais complexo do que estamos acostumados. Considere que faltam apenas 20 minutos para você ir para casa. Somos obrigados a admitir que antes de se passar 20 minutos, 10 minutos devem se passar. Mas além disso, antes de se passar 10 minutos, 5 minutos devem correr. Mas antes disso 1 minuto devem correr. E antes disso 30 segundos… bom, já deve ter dado para entender. O problema crucial é que o tempo pode ser dividido infinitamente, de modo que somos obrigados a admitir que para um reles segundo passar temos que cruzar o infinito. Por outro lado, ao vivermos em um espaço curvo e relativo, o tempo sempre parece passar mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado. Mas esta é outra história.

O Paradoxo de Zenão

O que vimos acima é uma variação de um dos Paradoxos de Zenão, no qual o herói Aquiles nunca deveria alcançar a tartaruga. Imagine você que o “The Flash”™ e o “Jaba, the hutt”™ vão apostar uma corrida. Como o Flash é muito foda ele deixa o Jaba sair na frente com um dia de vantagem. Depois disso ele sai em disparada na velocidade da luz… Mas pense comigo:

1 – Para ultrapassar Jaba ele deve primeiro chegar onde ele já chegou ( ponto x).
2 – Tendo os dois movimento constante ao chegar em X Jaba já se arrastou mais dois metros (X+2=y)
3 – Para chegar ao ponto Y ele deve primeiro chegar onde ele já chegou.
4 – Ao chegar em Y Jaba já se arrastou mais um pouquinho (y+ (um pouquinho)=z)
5 – Para chegar ao ponto Z ele deve primeiro chegar onde ele já chegou…
etc..

Assim como o tempo o espaço também pode ser dividido infinitamente, portanto Flash nunca alcançara o gordão do Jaba. Não importa quão rápido sej ao primeiro ou quão divagar seja o segundo. Estes problemas foram formulados por Zenão cerca de 400 anos antes de cristo e incomodam os lógicos até hoje, pois embora siga uma lógica rigorosa sabemos que por mais que demore a hora do almoço sempre chega e sempre podemos ultrapassar o carro a frente. Talvez isso ocorra porque assim como a matéria e a energia o tempo e o espaço também possua uma unidade mínima abaixo da qual não se pode contar. Neste caso poderiamos entender o constructo espaço-tempo como se fosse composto por pixels e não se pode acender meio pixel.

Georg Cantor e os vários tipos de Infinito

Mas por razões de saúde metal o infinito foi deixado de lado pelos matemáticos por séculos até que Georg Cantor (1845-1918)  resolver quebrar o tabu. Cantor realmente terminou a vida em um manicômio, mas sua esquizofrenia abriu portas interessantes que não foram fechadas até hoje.

Cantor foi um homem religioso. Destes que não só falam com Deus, mas que ouvem a resposta. Ele acreditava que existem tipos diferentes de infinitos e dedicou sua vida para provar isso por meio de cálculos. No caminho ele foi internado diversas vezes e inventou a teoria dos conjuntos e todo um novo ramo da matemática.

Seus colegas de trabalho há conheciam os números naturais (1,2,3,4,5), os inteiros (…-2,-1,0,+1,+2…), os racionais (0.5,1.42,23.23…) os irracionais (π, e, etc..) e os reais (que inclui todos os anteriores). Mas ninguém tinha considerado que mesmo se todos os números sejam infinitos, alguns são mais infinitos que outros.

Os números irracionais por exemplo, não podem ser representados por uma simples fração, nem mesmo por um número decimal. Consequentemente Cantor mostrou que embora os números naturais e racionais sejam contaveis, os numeros irracionais e reais não o são. Pense assim.. mesmo se você estiver em uma fila infinita do Banco do Inferno e sua senha é 100000000000000000000000000000000000000000 você sabe que será o próximo quando o número 99999999999999999999999999999999999999999 for anunciado. Mas se Satã chamar π ninguém saberá quem seria o próximo.

Assim os irracionais são mais infinitos que os números racionais. Eles são tão espetacularmente infinitos que ganharam um nome próprio: “transinfinitos”. Cantor representava o conjunto de infinitos racionais, por 0 (alef zero) e os transinfinitos irracionais de 1 (alef 1). Em outras palavras, os números naturais são infinitos em uma direção… 1->2. Os números inteiros são infinitos em duas direções -1<-0->1, mas os números irracionais rasgam o tecido da matemática e são infinitos para dentro! Não é toa que Cantor passou a velhice num hospício.

Hotel Hilbert está lotado

Mas o universo  0 também tem seus encantos. Conhecer seus vizinhos trás algumas vantagens. Uma destas vantagens pode ser entendida por meio do paradoxo do Hotel Hilbert, que recebeu este nome porque foi descoberto pelo matemático alemão David Hilbert (1862-1943) que se aprofundou nos estudos do infinito iniciados por Cantor.

Imagine que você acaba de chegar no Hotel Hilbert e pede uma vaga. Você escolheu este hotel justamente porque sabe que lá existem quartos infinitos, mas para sua surpresa o recepcionista informa que eles estão lotados. Todos os quartos do hotel infinito estão ocupados por hóspedes infinitos. Que fazer?

Hilbert sugere que isso pode ser resolvido se o gerente deslocar o hóspede do quarto 1 para o quarto 2. O do quarto 2 para o quarto 3, e assim sucessivamente. Desta forma, apesar do incomodo um quarto vazio vai surgir.

Sempre há vagas no Hotel Hilbert, mesmo quando ele está lotado.

Por LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/o-hotel-hilbert-esta-lotado-temos-vagas/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/o-hotel-hilbert-esta-lotado-temos-vagas/

No Início era o CAOS

A matemática nasceu nas sociedades coletoras e caçadoras primitivas, se derivando da necessidade de manter um registro de gado e outros bens. Eles se utilizavam de marcas em pedaços de paus, pedras, etc. aplicando o princípio de correspondência biunívoca[1]. Essas necessidades foram responsáveis por uma crescente abstração por parte desses povos como, por exemplo, a percepção que um grupo de duas maçãs e um grupo de duas laranjas possuem algo em comum. Desta forma a matemática evoluiu gradualmente para

Espere. Por um momento me esqueci que este blog passa por constantes processos de higienização, tornando-o livre de merda. Isso mesmo. Se duvida confira o selo abaixo.

Viu? Um livre de merda.

Afirmar que conceitos matemáticos primitivos se limitavam a experiências nascidas de uma necessidade práticas é apenas uma forma moderna de poder ser racista sem que as pessoas falem mal de você. Isso é apenas uma maneira de dizer que os homens primitivos eram limitados e burros, incapazes de fazer contas e de lidar com abstrações filosóficas complexas. Bem, eles podiam ser feios. Com certeza eram fedidos e tinham bafo, piolhos talvez. Mas burros? Me dê uma prova de que a burrice foi extinta com a evolução e continuamos com esta conversa.

Já que a burrice e a limitação existem até hoje, de forma refinada ainda, e a matemática continua evoluindo, podemos afirmar que limitações cerebrais não tem nada a ver com o seu desenvolvimento.

Pare para pensar. O texto mais antigo que temos hoje, ou o registro mais antigo de um texto que temos hoje, é a Epopéia de Gilgamesh, um registro que conta a história de um monarca que existiu provavelmente no fim do segundo período dinástico da Suméria, aproximadamente no século XXVII a.C. O registro mais completo deste texto está em uma tábua de argila escrita na língua acádia que data do século VIII a.C., embora existam tábuas com excertos do texto datando do século XX a.C. Em 1860 George Smith traduziu o texto para que pudéssemos apreciá-lo.

Por acaso você sentiu calafrios ao ler o parágrafo acima? Não? Então releia-o mais devagar, pode ler acompanhando com a boca, ninguém vai tirar sarro.

Imagine agora que um texto escrito há mais de quarenta (40) séculos (grupo de 100 anos), não apenas pode ser lido como também traduzido e compreendido. Não só isso, ele pode ser compreendido e comentado, “nossa, esse Gilgamesh era mesmo um malandro não? Um velhaco de fato!” Hoje uma criança de sete anos pode ler e entender, e talvez achar chato, um coisa escrita em argila a mais de quatro mil (4000) anos atrás, depois de traduzida – a não ser que a criança tenha sido alfabetizada em acádio e assim pode entender sem a tradução. E o que assusta mais é que se a coisa foi escrita é porque a escrita já existia, e a história já circulava muito antes, pelo menos desde alguns anos depois do século XXVII a.C. Meu ponto aqui não é me surpreender com o período relativamente curto da história, desde que a linguagem escrita se desenvoleu até os dias de hoje e blah blah blah. Meu ponto é que sabendo a língua e as gírias, uma pessoa de hoje poderia trocar figurinhas e fofocar com um ser humano que viveu quarenta séculos atrás, cinquenta, sessenta séculos atrás. Ou seja, hoje vivemos praticamente o que se vivia naquela época, claro que temos essas chatisses de facebook e provão do Enem, mas de resto, tirando os odores corporais uma pessoa de 5.000 anos atrás é basicamente como nós. Dê um uniforme e alguns dias de treinamento ao homem de Cro-Magnon e ele poderá trabalhar no metrô. Tendo as mesmas dúvidas, os mesmos desejos e as mesmas divagações que qualquer um de nós teria.

Obviamente que historicamente isso não é muito, para se ter uma idéia eu perdi meu tempo criando uma linha do tempo (não se pode falar de tempo por muito tempo sem se esbarrar nesses malditos paradoxos) da evolução do que hoje é cientificamente conhecido como “nós”. Para entender o que é aceito cientificamente hoje pelo Dogma, temos que entender que ser humano, no contexto de evolução humana, se refere especificamente aos macacos carecas do gênero Homo (podem fazer suas piadinhas de bichas sendo nossos antepassados e como isso influencia nosso medo de esfregar pintos no metrô, eu faço o tempo todo). Como sei que desde crianças somos ensinados a associar nomes a formas coloridas, preparei um gráfico para que você não se perca com essa linha do tempo:

No início havia o nada e então BUM! O primeiro de nós, o macaco.

7.000.000 a 5.000.000 de anos atrás – aquilo que virariam seres humanos ramificaram-se de seu ancestral comum com os lêmures;

5.000.000 a 4.000.000 de anos atrás – Depois de uma boa caminhada com o resto da macacada Ardipithecus ramidus se separa dos chipanzés para explorar seu próprio ramo evolutivo

4.000.000 a  3.500.000 de anos atrás – os Australopithecus espicham um pouco o cérebro e se sentem muito importantes para compartilhar o mesmo ramos dos Ardipithecus.

3.500.000 a 2.300.000 de anos atrás – o Gênero Homo se afastou dos Australopitecos na África.

ALERTA DE FATO IRRELEVANTE

Fato irrelevante: Dado à limitação do progresso linear do Dogma, o pessoal das antigas já andava ereto muito antes do Homo Erectus (1,8 milhões a 300 mil anos atrás – elemento 4) aparecer e ficar com a fama. Da mesma forma existem indícios de que já usavamos e construíamos coisas muito antes do Homo Habilis (2.3 a 1.4 milhões de anos atrás – Elemento 1) levar o título para casa. Isso é compreensivel já que no momento em que seus fósseis foram descobertos, respectivamente em 1891 e 1962 todos os macacos já haviam esquecido destes fatos ou eram novos demais para lembrar deles, e todos os livros a respeito de nossa evolução já haviam sido escritos e ficava complicado recolher a todos, reescrever os fatos, mudar todos os nomes e colocar tudo no mercado de novo como se nada houvesse acontecido.

400.000 e 250.000 de anos atrás – o Homo sapiens (Elemento 2) arcaico evoluiu.

O Dogma segue afirmando que o Homo sapiens surgiu na África e migrou para fora da continente num período que engloba provavelmente 100.000 a 50.000 anos atrás, substituindo as populações de H. erectus na Ásia e de H. neanderthalensis (Elemento 7) na Europa.[2]

(Os elementos restantes são Australopithecus boisei – Elemento 5 – que viveu entre 2.3 e 1.4 milhões de anos atrás. Homo Heidelbergensis 700.000 a 300.000 anos atrás – Elemento 6 – e o H. Floresiensis – Elemento 3 – que ficou famoso por comer ratos gigantes entre  95.000 e 13.000 anos atrás.)

Pelo menos 400.000 anos atrás já havia pessoas como nós contanto piadas e falando mal dos outros. Agora, caso você seja um racista de primeira linha, pode dizer que só em 250.000 anos atrás surgiram “pessoas como nós” correndo para cima e para baixo pelo mundo, as mesmas que alguns milênios depois e estariam escrevendo coisas como o Gilgamesh.

Seria justo imaginar que esses “primitivos” seriam tão diferentes de nós hoje em dia, que teriam que ficar olhando maçãs e laranjas feito imbecis babando antes de perceber que havia algo sinistro ali?

Esqueça que somos humanos por um momento. Será que a abstração que chamamos de números é algo unicamente primata? Como outros animais lidam com números?

Kevin C. Burns, da Victoria University em Wellington, Nova Zelândia, e seus colegas realizaram experimentos. Ele fizeram buracos em troncos e pedaços de troncos caídos. Mas não pararam por ai, dentro dos buracos eles colocaram diferentes númeras de larvas de besouros e, não se dando por satisfeitos por essa ousadia, fizeram isso na frente de grupos de tordos – tordos são pássaros ( No futuro será provado que pássaros são répteis, mas este é outro assunto). Não sabemos o que ele quis originalmente provar com esse experimento, mas sabemos o que ele descobriu com ele. Não apenas os tordos voavam juntos para os buracos que tinham uma maior quantidade de larvas, como se Kevin os enganasse, removendo alguns dos insetos quando os pássaros não podiam ver, após devorar todas as larvas que tiveram a infelicidade de ser colocadas no buracos, os pássaros permaneciam muito mais tempo lá “procurando algo” do que quando o número de larvas que eles viam ser postos não era adulterado.

Rosa Rugani, da Universidade de Trento, na Itália, e seu time de pesquisa realizaram experimentos. Eles chocaram ovos de pintinhos. Obviamente não se contentaram em parar por ai e foram além, assim que nasceram os pintinhos foram criados com cinco objetos idênticos. Obviamente as pequenas aves se encontravam em um de seus momentos de vulnerabilidade de impressão[3] e por isso passaram a considerar os objetos seus pais. Não sabemos o que ela quis originalmente provar com esse experimento, mas sabemos o que ela descobriu com ele. Quando um dos cientistas subtraia dois ou três dos objetos originais colocando os objetos subtraídos atrás de um biombo, os pintinhos saiam em busca pelo número maior de objetos, como se dissessem que sua mãe estava mais para um 3 do que para um 2. Rugani também variou o tamanho dos objetos para descartar a possibilidade de que os pintinhos se baseassem simplesmente no grupo de itens que ocupasse mais espaço.

Elizabeth Brannon da Universidade de Duke realizaou experimentos. Ela fez uma máquina que apitava. Mas não parou por ai. Na frente da máquina havia monitores que mostravam formas geométricas, um com o número de objetos igual ao número de apitos que a primeira máquina produzia e outros com números que não combinavam com nada. Não satisfeita ela pegou macacos rhesus e os fez ouvir os apitos e apresentou os víros monitores. Não sabemos o que ela quis originalmente provar com esse experimento, mas sabemos o que ela descobriu com ele. Os macacos eram capazes não apenas de contar, mas de combinar inputs vindo de diferentes estímulos. Claro que ela não parou por ai. Ela pegava uma tela mostrando um número X de objetos, cobria a tela e subtraia alguns deles, mostrando a tela depois. Os macacos eram colocados em telas que mostravam a diferença e outras com objetos aleatórios. Claro que eles acertaram as telas com as diferenças corretas. Não satisfeita ela colocou duas telas lado a lado, cada uma mostrando um grupo de pontos, a pegadinha é que um tinha mais pontos e o outro menos pontos. E não se limitou a macacos desta vez, ela colocou estudantes da universidade na cadeira também. O objetivo apontar a tela com mais pontos. “A performance final dos estudantes e a dos macacos é praticamente indistinguível uma da outra”. Olhando apenas os resultados você não sabe dizer se o teste foi realizado por um humano ou um macaco.

Claudia Uller, da Universidade de Essex, Reino Unido, descobriu que Salamandras sabem contar, escolhendo tubos de ensaios que possuem mais quantidades de moscas. Primeiro escolhendo entre tudo com 1, 2 e 3 moscas e depois entre tubos que possuiam diferenças de até 16 moscas entre si.

Porra, Christian Agrillo e seus colegas mostraram que um peixe-mosquito consegue contar, discriminando números até 16!

Pela Deusa, vivemos em um mundo onde atá galinhas fazem aritmética! E nós achando que os árabes eram fodas.

Se animais percebem números, por que nós, ou nossas versões antigas, não perceberiam também?

Assim, se fôssemos ignorar tudo isso que foi escrito para então reescrever o primeiro parágrafo, ele seria mais ou menos assim:

“Aquilo que conhecemos como matemática nasceu antes de nós, e é passada para nós através de nosso cérebro, queiramos ou não.” [4]

Concordo que é muito mais elegante e sucinto. Mas nem por isso menos real.

Querendo ou não, a matemática é algo que parece vir de brinde quando se é vivo. Macaco ou não. Mamífero ou não. Assim a história da matemática estaria de certa forma ligada à história de nosso sistema nervoso. Hoje existem cientistas fazendo pesquisas que indicam que invertebrados tem essa “abstração numérica” também. Logo vão descobrir que a abstração numérica é algo que independe de um sistema nervoso e ai as pessoas começam a pirar, ou não. Já existem hoje aqueles que afirmam que a Matemática existe pronta na natureza, nós apenas a percebemos. Se Pascal já não tivesse feito isso eu diria que é uma questão de tempo até as pessoas começarem a afirmar que a matemática é algo que não apenas emana de Deus como também Deus pode ser comprovado matematicamente. Deixemos isso para outro dia.

Peixes contam, anfíbios contam, répteis contam, aves contam, macacos contam, nós contamos. Assim não houve sociedades caçadoras e coletoras primitivas desenvolvendo uma noção abstrata de números, esse noção já fazia parte delas antes delas nascerem.

Mas ela pode ter sido desenvolvida graças à contagem de rebanhos e frutas, certo?

Hoje em dia, o conceito público do que é evolução tem a ver com algo primitivo se tornando moderno, com um aumento de sofisticação, com uma melhoria. Os primeiros computadores pesavam toneladas e ocupavam salas inteiras e não tinham 1/100 da capacidade do seu relógio digital de hoje certo? Se a voz do povo é a voz de Deus então infelizmente Deus é burro. Evolução tem a ver com um aumento de complexidade. Pense na primeira célula que só sabia comer, cagar, se dividir e morrer e pense no que existe hoje no tocante a variedade de espécies. Tecnicamente essas novas espécies fazem as exatas mesmas coisas que aquela célula primitiva, mas houve um aumento significativo na complexidade desses seres e mais ainda, na variedade desses seres. É ai que Darwin pisou na bola, já que seu cânon explica muito bem como uma espécie se adapta e evolui, mas não como surgem novas espécies com tanta variedade. Mas não viemos discutir religião aqui, voltemos aos números.

Se a Matemática se desenvolveu, ou evoluiu, partindo de uma forma simples de abstração numérica rumo a uma forma muito mais complexa, acompanhando o desenvolvimento do raciocínio, ela deve ter deixado evidências. Vejamos se podemos encontrar por ai alguns fósseis de idéias abstratas.

Estudos sobre como a matemática surgiu, recuando até 50.000 anos atrás, supostamente a época que os Homo sapiens começaram a se espalhar pelo mundo, chegaram-se à conclusão que o conceito de divisão numérica tem aproximadamente 12.000 anos, antes disso ele seria muito complexo para que os pobres macacomens que zanzavam pelo mundo a compreendessem.

Um entalhe feito na presa de um mamute, datado de aproximadamente 32.500 anos atrás traz uma representação da constelação de Orion. Num primeiro momento isso pode não parecer muito, mas quem fez esse entalhe já possuia uma noção muito boa de constelações. Fazer uma representação de um grupo aleatório de coisas é algo, uma costelação já é outra diferente. Você precisa saber que aquele grupo de estrelas surge constantemente. Isso já mostra uma noção de abstração de tempo muito boa. Datado quase da mesma época, aproximadamente 32.000 anos atrás, uma espécie de calendário trazendo o desenho de uma mulher a cada 28 dias. Pessoas, como você e eu, há dezenas de milhares de anos, com uma compreensão do mundo muito próxima da nossa hoje. Muito primitivo não? Esses dois entalhes nos mostram de cara que nossos tatatatatatatatatata elevado a tata taravós já se utilizavam de conceitos abstratos (números) para medir outro conceito abstrato (tempo), dividindo esse conceito em grupos menores – constelações de um lado, períodos de 28 dias do outro. Além disso existem outras evidências interessantes hoje como, por exemplo, um culto a cobras na Africa, datando de pelo menos 70.000 anos atrás ou um registro, datando de 30.000 anos atrás, da cerimônia de enterro de um xamã – para terem idéia isso é coisa do paleolítico, da idade da pedra lascada, é nessa época que o Dogma acredita que o homem descobriu o fogo e a roda. Esses achados já mostram que abstrações eram algo que já fazia parte do dia a dia dos antepassados, e já eram abstrações complexas. As formas de culto ou cerimônias de sepultamento não eram diferentes das que temos hoje – nossa capacidade de abstração não evoluiu tanto quanto gostaríamos de pensar que ela fez.

Dizer que o homem da caverna tinha medo do relâmpago e por isso achava que ele era um Deus, já que não sabia explicá-lo cientificamente, e ai criava uma religião para adorá-lo é uma besteira. Um pensamento simplista e tosco, mas que mesmo assim já mostra uma capacidade complexa de abstrações gerando ainda mais abstrações. Agora o que seriam esses primitivos e sociedades primitivas?

Quando pensamos em civilizações antigas hoje, a grande maioria de nós pensa nos Egípcios, nos Babilônios, nos Sumérios. A civilização Suméria é considerada a mais antiga de todas, ela é datada de 6.000 anos atrás mais ou menos. Antes disso a crença não era em civilização, mas em sociedades mais ou menos complexas e organizadas. Infelizmente esse pensamento a cada dia parece afundar cada vez mais e fazer cada vez menos sentido.

Ruinas submersas na ilha de Yonaguni no Japão, são o testemunho de sociedades complexas com economia e engenharia que datam de cerca de 11.000 anos atrás. Ou seja,  dezenas de milênios antes da nossa “civilização” mais antiga já haviam japoneses contando e medindo não apenas o tempo ou trabalhando com padrões cíclicos e repetitivos, mas erguendo obras arquitetônicas e lidando com economia.

Assim, não é de se surpreender que os artefatos matemáticos mais antigos que temos hoje venham deste período pré-civilizado, o osso Lebombo sendo o bisavô de todos eles. Datado de 37,000 anos, ele é uma fíbula de babuíno marcada com 29 talhos, e foi descoberto nas montanhas da Suiça. “Primitivo”, mas interessante, se bem que se peixes contam isso não deveria nos surpreender. Na Checoslováquia encontraram outro desses ossos com marcas, foi chamado de osso de Lobo, datados de 30.000 anos atrás, esse osso traz 55 marcas e uma escultura da figura de Vênus em uma das pontas; contagem ligada à Deusa da Fertilidade, a Deusa-Mãe. Uma complexidade maior, mas matematicamente simples ainda, afinal se envolve a deusa Mãe é apenas matemática aliada à biologia.

Olhemos para outro osso agora, batizado de osso Ishango. Ele foi encontrado perto do rio Nilo, no Congo, datado de 20,000 anos. Outra fíbula de babuíno com marcas, em um aponta trazia um cristal de quartzo preso, o que levou muitos a acreditarem que esse osso era uma espécie de caneta antiga, usada para marcar outras coisas. Nada sensacional certo?

Vamos olhar o osso de Ishango:

garotas, é só clicar na imagem acima com jeitinho que ela cresce pra vocês

Repare nos talhos que aparecem nele. Bem, logo que foi descoberto acreditaram que as marcas deste osso fossem simplesmente uma forma de deixar o osso menos escorregadio, e melhorar a “pegada” nele, a versão antiga das capinhas de silicone das canetas metidas de hoje.

Como essa imagem ainda é confusa, vamos remover o osso e deixar apenas as marcas:

Coluna A

Coluna B

Coluna C

Se você parou para contar as marcas das 3 colunas do osso deve ter se assombrado também. Repare como elas estão em três colunas assimétricas. na primeira coluna as marcas estavam agrupadas em 4 grupos:

19 riscos
17 riscos
13 riscos
11 riscos

Na coluna do centro em 8 grupos:

7 riscos
5 riscos
5 riscos
10 riscos
8 riscos
4 riscos
6 riscos
3 riscos

na última coluna 4 grupos:

9 riscos
19 riscos
21 riscos
11 riscos

Bem, isso implica que alguém, ou alguma coisa, 20.000 anos atrás, em pleno Paleolítico, pegou o osso do braço de um babuíno, e como não tinha nada a fazer começou a riscar nele, em colunas. Na primeira coluna marcou apenas números ímpares, listando todos os números primos entre 10 e 20, o que, se não bastasse forma um primo quádruplo – primos quádruplos são uma série de quatro primos na forma {p,p+2, p+6, p+8}, que representa o agrupamento mais próximo possível de quatro primos maiores que 3, caso você não esteja conseguindo seguir o raciocínio do primitivo limitado que riscava ossos.

Na coluna do meio, a pessoa/coisa começou fazendo 3 riscos e depois fez 6 (olhe da direita para a esquerda). Para provar que essa evolução não foi por acaso, em seguida foram feitos 4 riscos seguidos por 8. Notou algum padrão? Se não olhe de novo e veja que foram feitos 10 riscos e então 5. Para aqueles desavisados isso parece muito com multiplicação e divisão por 2.

Na terceira coluna números que podem ser representados como [10-1], [20-1], [20+1] e [10+1]. Se isso não fosse assustador o suficiente repare que as somas dos riscos da primeira coluna é igual a 60 e da terceira é igual a 60 também. Como vimos, de acordo com o Dogma, o ser humano só adquiriu o conceito de divisão em aproximadamente 10.000 a.C. e sem ele não haveria a chance de ter idéia do que são números primos, que por sua vez só seriam compreendidos no ano 500 a.C. Bem, parece que de novo o Dogma vai por água abaixo; bem, vimos que macacos e estudantes costumam ter o mesmo desempenho em alguns tipos de testes matemáticos, talvez este tenha sido o caso au invés de considerações matemáticas complexas – pense assim se imaginar um homem das cavernas brincando com números primos e coisas assim te faz cagar tijolos.

SIM IRMÃOS E IRMÃS! A MATEMÁTICA ESTÁ DENTRO DE NÓS! E ELA QUER SAIR! ALELUIA!

Mas antes de começarmos a cantar hinos e fazer dancinhas sinistras, vamos ver como diferentes pessoas ativaram esses circuito de contar de dentro de si, e como eles colocaram ele em uso. E então vejamos como podemos usar a própria matemática para alterar esse circuíto que existe dentro de nós.

Notas:

[1] Correspondência biunívoca é simplesmente a capacidade de comparar dois conjuntos estabelecendo uma relação entre o conjunto que se conta e o conjunto contado. Em linguagem simples, fechar a mão e levantar um dedo para cada vez que alguém espirrar, ou fazer uma marca para cada ave que enxergar.

[2] Existem, obviamente, hereges defensores da crença de que o Homo sapiens evoluiu em regiões geograficamente separadas. Muitos cientistas hoje invejam em segredo a Igreja Católica por ter inventado a inquisição e ficam tristes porque hoje queimar pessoas vivas em praça pública pode dar cadeia.

[3] Abracadabra

[4] Claro que se consideramos a matemática uma música que existe por tráz da existência, desenrolando de maneira sutil e que gradualmente é percebida por nós, eu afirmo que a matemática nos é passada independente de termos ou não um cérebro. Não precisamos dele para perceber a harmonia matemática, sentimos ela com o nosso ser – independente dele ser humano ou não.

Créditos fotográficos:

A imagem de abertura é da calculadora mecânica O Macaco Educado. Inventada na distante antiguidade, aproximadamente 100 anos atrás, era usada como um auxílio educacional e funcionava de forma totalmente mecânica, bastava mover os pés do macaco para os números que você desejava multiplicar e as mãos mostravam o resultado.

A imagem da rapaziada é de autoria de Ivan Allen.

fecham-se as cortinas – lembrem-se que é expressamente proibido alimentar os animais sem as calças.

Por LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/no-inicio-era-o-caos/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/no-inicio-era-o-caos/

Música, Fibonacci e o Diabo

Um dos meios para expandir a consciência e modificar e transformar o indivíduo em seu aspecto psicomental e espiritual é a música. Na prática da Magia e da Filosofia a música tem sido utilizada de diversas maneiras, e na Via Draconiana ela é especialmente importante em seus aspectos mais ocultos.

A música sempre esteve presente em todas as culturas e épocas do mundo e foi se desenvolvendo ao longo do tempo, sendo usada para diversas finalidades. Os antigos povos de quase todos os lugares pensavam que a música fosse um presente dos deuses, e, especialmente para os gregos, um presente das deusas: as musas, e mais especificamente a musa Euterpe.

Agora, se a musa da música é quem estruturou todos os elementos musicais, ninguém sabe ao certo… Mas como se sabe, a música é caracterizada basicamente pelos seguintes elementos: melodia, harmonia e ritmo. Melodia pode ser definida como uma sequência de notas dentro de uma escala, uma após a outra (são os solos instrumentais e as linhas vocais ou instrumentais); harmonia é a combinação de notas que são vibradas simultaneamente; e ritmo é marcação do tempo e o que faz a melodia e a harmonia fluírem. Além desses, a boa música ainda apresenta dinâmica (volume e intensidade dos sons), timbres, etc. Para que uma música possa ser diferente da outra, esses elementos característicos devem ser compostos e arranjados de modos diferentes e com o feeling e a “pegada” pessoal de cada músico/compositor/instrumentista. E essas características e elementos apresentam certa variedade: diversos modos/tonalidades de escalas) que são a base para as harmonias (acordes de diferentes tipos); e diversos modos rítmicos.

E o que Fibonacci tem a ver com isso? Bom, toda essa variedade dentro da música, que existe essencialmente na matemática, está relacionada à sequência numérica de Fibonacci, que também está relacionada a diversas áreas do conhecimento. Fibonacci, ou Leonardo de Pisa, foi um matemático italiano da Idade Média (1170-1240) que descobriu uma sequência numérica em que o número seguinte é sempre a soma dos dois anteriores, assim: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8… Na música, essa sequência está presente nos intervalos musicais, ou seja, na relação entre duas notas, formando as escalas que são a base para as melodias e para os acordes (harmonia). Esses intervalos procedem em graus a partir da primeira nota ou tônica. Por exemplo, a escala básica e simples é formada por intervalos de terça (3º grau), quinta (5º grau) e oitava (8º grau) a partir da tônica (1º grau), ou seja, a sequência Fibonacci: 3, 5, 8. Essa sequência na escala natural, de tonalidade dó maior (ou C, em notação cifrada), apresentará, então, as notas mi (3º grau), sol (5º grau) e dó (8º grau) a partir da tônica dó (1º grau) – em cifras, E, G e C, respectivamente.

Entretanto, há outros números na série Fibonacci, antes e depois dos números 3 e 8. O número zero obviamente “expressa” pausa (ou silêncio), usada na música; o número 1 é a tônica; o outro número 1 é o uníssono, quer dizer, dó e dó, de mesmo grau e altura (ou frequência). Os números depois de 8 apresentam outros intervalos com notas da escala natural (no caso de dó maior) que entram na formação de outros acordes dessa tonalidade, repetindo as notas em oitavas, infinitamente. Quando se tratar de outras tonalidades/escalas, os mesmos intervalos são transpostos para a tonalidade em questão, mantendo-se a série Fibonacci inalterada.

Mas as músicas compostas com a escala natural (dó maior) e suas transposições para outras tonalidades que sempre estarão nos intervalos correspondentes à série Fibonacci em geral são bastante consonantes, “agradáveis”, estáveis em sua vibração, como a grande parte das composições musicais fáceis de digerir pela maioria das pessoas. Músicas ou meros sons consonantes são literalmente harmônicos, segundo o conceito geral e senso comum predominante. Refletem a harmonia comum e “perfeição” do mundo como ele deveria se manifestar para a grande maioria dos seres humanos e segundo o que esses humanos pensam sobre o que é harmonia. Os sons consonantes expressam, de modo geral, a harmonia universal segundo os padrões rígidos de estética, beleza e, até mesmo, alguns tipos de religiosidade. As escalas e intervalos consonantes e a série Fibonacci seguem padrões tradicionais que refletem um mundo/universo organizado segundo regras relativamente restritas. Mas, certamente, existem muitas obras musicais relativamente consonantes excelentes e realmente inspiradas, em diversos gêneros, e que podem levar o ouvinte a um grau de êxtase.

Agora, o que o capeta tem a ver com tudo isso? Simples. Antigamente, quando a religião mandava no mundo ocidental, controlando até mesmo a produção cultural, certos tipos de combinações de notas musicais, ou intervalos, eram proibidos e categorizados como coisas do Diabo. O mais famoso desses intervalos era conhecido como diabolus in musica, que era um intervalo dissonante de quarta aumentada (4º grau mais meio tom, a partir da tônica dó, por exemplo, que resulta na combinação entre as notas dó e fá sustenido) ou de quinta diminuta, ou seja, dó e sol bemol, sendo o sol bemol igual ao fá sustenido. Esse intervalo também era chamado de trítono porque era feito de três tons inteiros. No nosso exemplo, contando-se do dó (C) e indo até o fá sustenido (F#), temos três intervalos inteiros: 1) dó ao ré; 2) ré ao mi; e 3) mi ao fá sustenido. Não seria trítono se a partir da nota dó o intervalo fosse apenas fá natural; do mi ao fá natural há meio tom e não um tom inteiro. Logo, o “maldito” intervalo diabolus in musica é dó com fá sustenido, podendo ainda ser combinado com outros intervalos que podem ou não estar na série Fibonacci. É claro que esse e outros intervalos dissonantes são bastante usados em diversos gêneros musicais, mas apreciado somente por uma minoria se comparada às grandes populações ao redor do globo. Está claro que os intervalos dissonantes “perturbam” a ordem das coisas, se o leitor já estiver entendendo…

Note que o “som do capeta”, o intervalo de quarta aumentada, não faz parte da série Fibonacci! Quando se quebra a consonância com a dissonância, abre-se um outro universo musical (e não somente musical), mais rico e multifacetado; quando essa sequência numérica sofre alteração, a harmonia estável das coisas é quebrada e a “rebelião” é instalada na ordem das coisas, advêm as transformações, as mudanças, o progresso, novas regras (ou ausências de regras), novas experiências, novas percepções, novos mundos… E esses mundos, na Filosofia Oculta, são aqueles que as pessoas comuns, das consonâncias demasiadamente açucaradas e das regras restritas, não se atrevem a explorar. As dissonâncias subvertem as tradições e as regras inúteis e restritivas e provocam a inquietação do espírito, geram inquietudes pelo crescimento, por descobertas, pela evolução psicomental e espiritual. A dissonância na música é equivalente ao surrealismo, nas artes plásticas; à poesia “maldita” e romântica e aos poemas sem métricas exatas, na literatura; aos sabores “estranhamente” condimentados, agridoces e apimentados, na gastronomia; etc.

Se um intervalo trítono subverte as escalas comuns de sete notas – correspondentes aos sete planetas “tradicionais” e às sete cores –, a dissonância, na Via Draco-Luciferiana, subverte os sistemas mágico-ocultistas tradicionais (e os sistemas sociorreligiosos dogmáticos), obviamente, propiciando ao magista experiências sinestésicas, psicomentais e espirituais incomuns e gratificantes. A música dissonante em contextos filosófico-ocultos pode trazer experiências muito além do que se vive cotidianamente. Som, cor e sabor se fundem numa única entidade que “encarna” a essência de determinada vibração, e comunicações podem ser feitas. O som funde-se ao indivíduo, e este pode literalmente sentir o sabor de uma combinação de notas, pode ver o som em cores correspondentes às notas em suas progressões dinâmicas dentro de uma escala. As notas se mostram como entidades vivas e inteligentes e como som musical sem palavras, mas que podem se tornar palavras inteligíveis. O diabolus in musica pode trazer à tona atavismos da subconsciência e resolver problemas psicológicos – ou piorá-los, dependendo da vontade, compreensão e discernimento de cada um –, pois cada tonalidade, cada modo de escala, cada tipo de ritmo e cada tipo e timbre de instrumento tem suas características psicomentais e espirituais.

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Como mencionado, as notas estão relacionadas aos planetas da tradição oculta e alquímica e às cores, como seguem:

 

  • Saturno/nota si/cor preta;
  • Júpiter/nota dó/cor azul;
  • Marte/nota ré/cor vermelha;
  • Sol/nota mi/cor amarela;
  • Vênus/nota fá/cor verde;
  • Mercúrio/nota sol/cor laranja;
  • Lua/nota lá/cor violeta.

Os antigos egípcios sabiam disso e faziam invocações musicais para convocar esses sete planetas (na Filosofia Oculta, o Sol e a Lua são considerados planetas). Assim, uma sinfonia cósmica consonante é a conjunção e o ritmo próprio desses planetas, formando harmonias que alguns consideravam celestes. Uma conjunção entre Júpiter e Vênus faz um intervalo musical entre dó e fá, por exemplo. Quando uma dissonância surge nessa harmonia cósmica plácida e estável (e estabilidade demais provoca monotonia e tédio), os planetas revelam seu lado oculto, sombrio, sinistro, impetuoso e impulsivo, porém necessário para as transformações do universo, assim como conhecer o subconsciente (considerado “demoníaco”) é essencial para o crescimento e evolução espiritual de alguém. A dissonância faz brilhar as cores das notas sobre o fundo negro das trevas, pois sem esse contraste não é possível “extrair” a luz e o conhecimento. Quando o diabolus in musica se manifesta na experiência do indivíduo, com a nota “intrusa” “quebrando” a sequência da escala convencional, a dissonância faz uma ruptura, um buraco negro na sequência Fibonacci, e as notas dó e fá sustenido (em nosso exemplo aqui) abrem um portal para o qual a consciência é “sugada”, entrando assim na dimensão aberta sinistra e rica de Júpiter, conhecida na Via Draconiana como a qlipha jupiteriana (“concha”). De um modo geral, se a combinação de notas for maior, a experiência e expansão da consciência também se ampliarão.

Todos os planetas do sistema setenário planetário da Filosofia Oculta têm seu lado escuro, mais oculto e secreto que pode ser acessado por meio de seus trítonos. A nota tônica de cada planeta com sua quarta aumentada gera o vórtice energético para o lado oculto, para o “lado negro da força” planetária, para a qlipha correspondente ao plano planetário da nota tônica; a quarta aumentada é que cria a fenda para o “Outro Lado” (Sitra Ahra). Além disso, o intervalo de quarta justa (4J), em cada tonalidade, vibra os quatro elementos (Ar, Fogo, Água e Terra) no planeta correspondente a determinada tônica. A quarta aumentada “demoníaca” (4+), portanto, vibra o Espírito oculto e sombrio sobre esses elementos, a Sombra (junguiana) inacessível e secreta do Logos individual.

Assim, temos os trítonos de cada planeta, de cada vibração espiritual e frequência consciencial:

 

Nota tônica (1º grau) Quarta aumentada (#4º ou 4+) Qlipha planetária
Si (B) Mi sustenido = fá (E#=F) Saturno
Dó (C) Fá sustenido (F#) Júpiter
Ré (D) Sol sustenido (G#) Marte
Mi (E) Lá sustenido (A#) Sol
Fá (F) Si (B) Vênus
Sol (G) Dó sustenido (C#) Mercúrio
Lá (A) Ré sustenido (D#) Lua

 

Em termos práticos, e num contexto apropriado e em conjunto com outras “ferramentas”, a vibração sustentada e não resolvida dos trítonos deve ser feita de maneira correta e de acordo com a natureza de cada planeta/plano de consciência, por meio de certos procedimentos, concentração e vontade. Esse som dissonante juntamente com o ritmo sincopado é o buraco negro do universo mágico, aberto na superfície da consciência comum. Basicamente, a síncope é um deslocamento do tempo normal, da nota do acento rítmico para a batida fraca, que pode se prolongar até a batida forte (acento rítmico), abrindo um buraco no andamento rítmico (como um deslocamento de ar, ou o deslocamento da mente para outro “mundo”). A síncope “quebra” o ritmo, causando a sensação de vazio e de queda, e de queda no vazio; nesse “vazio”, o diabo in musica vibra e um portal pode ser aberto para a consciência. Quando a síncope e o trítono são contextualmente aplicados numa prática meditativa ou ritualística (simples ou complexa), pode-se atingir certo grau de êxtase correspondente à vibração planetária em questão. Se o êxtase for demais, o indivíduo pode ele mesmo ter uma síncope, ou seja, “apagar” temporariamente, com a consciência “vazia”.

Pelo que precede, o “diabo intruso” é o guardião do portal para a senda da autoconsciência expandida. O intervalo de quarta aumentada e a síncope vão além do conceito “tradicional”, comum e corrente do que seja divino (o que é muito relativo no próprio nível da vida cotidiana). O trítono sincopado rompe a tal “harmonia divina” para ir mais além da ordem estabelecida e das muitas regras inúteis da existência, para mais além do cosmos como é manifestado, para o “Outro Lado” (Sitra Ahra), para o Universo B, além de nosso universo pretensiosamente conhecido.

Pois é, parece que Fibonacci e o Diabo viviam em desarmonia antigamente, em tempos terríveis de dominação dogmática quando a Inquisição via o mal em tudo e categorizava coisas, animais e pessoas como sendo obras do Diabo, segunda sua visão distorcida, tendenciosa e realmente perversa. Tendo a música autêntica e honesta sido inspirada pela musa ao longo da história, fica evidente sua relação com feminino e sua forte influência. A musa Euterpe era também considerada a doadora dos prazeres, dos deleites e da alegria. Daí o controle da produção musical (e de todos os prazeres do povo) pelas instituições sociorreligiosas repressoras e opressoras, já que a religião/estado também controlava, perseguia e eliminava o feminino por essas e outras infinitas e estupidamente absurdas razões…


Adriano
Camargo Monteiro
é escritor de Filosofia Oculta, Draconismo, Mão Esquerda e é estudioso de simbologia e mitologia comparadas. É membro de diversas Ordens e possui diversos livros publicados. Escreve também para a Revista Universo Maçônico, para o Jornal Madras, para o Projeto Morte Súbita, para o Zine Lucifer Luciferax e para blogs pertinentes.

Contatos:

http://adrianocamargomonteiro.blogspot.com

http://www.geocities.ws/imaginariusarte

Por Adriano C. Monteiro

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/musica-fibonacci-e-o-diabo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/musica-fibonacci-e-o-diabo/

Magia, Multiverso e Função de Onda

Esse artigo constitui uma jornada especulativa a respeito dos seguintes temas: Magia Caótica, Mecânica Quântica, Cosmologia e Neurologia. Eu não pretendo ser mais do que um leigo bem informado nos 3 últimos campos, no entanto, a respeito da Magia, expertise é um julgamento subjetivo. Na Cosmologia e nas Neurociências, estamos passando por revoluções incríveis. Esses últimos 10 anos praticamente reconstruíram nosso entendimento sobre às macro-estruturas cósmicas e as micro-estruturas do nosso cérebro. A Mecânica Quântica, que já tem quase 100 anos desde a sua formulação, é tão contra-intuitiva (mas também demonstrada repetidamente por meio de experimentos) que ainda estamos tentando compreende-la e interpretá-la corretamente. Eu tentei escrever um texto relativamente simples, mas sem algum conhecimento nessas ciências você poderá achá-lo muito complicado. Não tão complicado, pelo menos, quanto alguns cientistas considerariam as bases teóricas da Magia Caótica.

Teoria do Multiverso

Esse ensaio trata, para propósitos místicos, do modelo cosmológico e quântico designado de Multiverso. Esse modelo foi formulado originalmente por Hugh Everett III, enquanto era um estudante de graduação. Em 1957, preocupado pela divergência entre os modelos Newtoniano e Quântico da Mecânica, Everett sugeriu a interpretação dos Muitos-Mundos, que ajuda a resolver os problemas conceituais envolvidos na definição da Função de Onda.

Podemos entender por analogia a Função de Onda da Mecânica Quântica. Um dos princípios fundamentais dessa teoria (o Principio da Incerteza de Heisenberg) afirma que é impossível saber ao mesmo tempo a posição e a velocidade de determinada partícula. Em outras palavras, dá pra saber a velocidade de um elétron mas não onde ele se encontra, e vice versa. Imagine que seus amigos te telefonam do Rio de janeiro e que você vive na cidade de São Paulo.. A incerteza da Mecânica Quântica afirma que, numa analogia extrema, não se pode prever quanto tempo vai durar a viagem, eles só sabem onde estão e não tem idéia qual sua velocidade. Se eles telefonam e dizem que estão se movendo a 100 quilómetros por hora, isso implica que a sua localização exata é desconhecida, então só podemos
estimar probabilisticamente quanto tempo a viagem vai levar.

O argumento mais comum é que essa analogia se refere ao nível macro-molecular, onde opera a Física Newtoniana, não no nível micro-molecular, onde opera a Mecânica Quântica, mas isso é uma escapada patética da maioria dos cientistas, ou então seriamos forçados a crer que as Leis da Física operam de modo diferente em escalas distintas de magnificação da realidade?

A Função de Onda é uma equação baseada na probabilidade de que determinada partícula, que esteja se movendo em certa velocidade, vai estar em um lugar a tal instante. Mas é claro que ela é muito mais complexa..

Aqui vai outra definição pra ela:

A Função de Onda, também chamada de Equação de Schroedinger, é a descrição matemática de todos os estados probabilísticos de determinado objeto ou sistema físico. Por exemplo, imagine-a como um baralho, onde cada carta corresponde a um estado quântico não observado. O baralho possui 52 possíveis configurações de estado, de forma que a Função de Onda que o descreve possui 52 cristas ou depressões.

Segundo a perspectiva formal da Mecânica Quântica, qualquer um desses eventos é possível (porque as condições iniciais do sistema são indeterminadas), mas alguns são mais prováveis que os outros. Mesmo os físicos possam dizer muito pouco sobre a probabilidade de cada evento em particular, a Física Quântica funciona – é possível fazer predições a partir dela por causa da aparição de padrões probabilísticos, após a realização de um numero suficiente de medições. É mais provável que alguns eventos ocorram em vez de outros, e depois de muitos experimentos, um padrão de resultados se torna previsível. De forma que, para que seu método funcione, o físico quântico atribui uma probabilidade a cada uma das configurações alternativas de estado representadas pela Função de Onda.

Por analogia, sabemos que leva umas 4-5 horas de carro entre o Rio e São Paulo. Fazemos essa predição porque padrões de probabilidade emergiram como resultado do número de vezes em que realizei essa viagem, também porque o mapa confirma essa informação e todos concordam com essa expectativa. Em outras palavras, porque podemos acumular informações sobre uma quantidade significativa de eventos é que se torna possível fazer previsões probabilísticas.

Até ai tudo bem. Todavia, as equações da Mecânica Quântica só funcionam se aceitarmos que todos os outros estados possíveis de determinado evento são reais e existem verdadeiramente. Ela provou, experimento após experimento, que a perspectiva Newtoniana do mundo é inadequada, sugerindo também que – para que uma probabilidade se manifeste na realidade observada por seres humanos – a existência de todas as outras probabilidades, em algum lugar, é requerida. Nesse local, por exemplo, interruptores podem estar ligados e desligados ao mesmo tempo, elétrons estão em mais de um lugar ao mesmo tempo, articulas subatômicas são capazes de se comunicar instantaneamente a distancia (aparentemente violando a Teoria Relativística), um gato pode estar 1/2 vivo e 1/2
morto.

De fato, todos esses resultados foram demonstrados empiricamente, exceto pelo experimento do gato, de forma que o aparecimento de evidencias empíricas dessas anomalias não foi somente contra-intuitivo, mas extremamente problemático, minando a visão Newtoniana e (de certo modo) também a visão Relativística da realidade. Em outras palavras, continuando a metáfora automobilística, existem historias alternativas onde meus amigos nunca conseguem chegar à minha casa, onde essa trajetória demora 24 ou 36 horas, ou onde eles desencanam de andar de carro e simplesmente vem voando ou se teletransportam imediatamente pra cá. Essas não são exatamente probabilidades irreais, nós podemos facilmente imaginá-la, e segundo a Mecânica Quântica, não há nenhuma razão para descarta-las.

A maioria dos cientistas está acostumada a raciocinar de acordo com a Navalha de Occam, ou seja, consideram desnecessária a multiplicação de entidades empregadas na explicação de fenômenos, em linguagem comum pode-se
dizer que preferem soluções simples em vez de soluções complicadas. Então, por muitos anos, especialistas na Mecânica Quântica, cosmólogos e até mesmo neurologistas, tentaram desviar o foco da discussão, o que requeria a postulação de entidades matematicamente muito complexas para serem examinadas por leigos, como o Espaço de Hilbert. Esse espaço possui um numero infinito de dimensões, é abstrato e real (o que geralmente é dito em sussurros), servindo como o local de existência de todas as probabilidades descritas pela Função de Onda. Decoerência é o termo técnico empregado para descrever o processo através do qual eventos se manifestam em nosso cantinho do Espaço de Hilbert. Esses eventos de algum modo sofrem uma desestabilização, tornando-se observáveis para nós. Como a Mecânica Quântica tem sido um campo tão rico de estudos, gerando muitos desenvolvimentos tecnológicos, somente recentemente é que outras partes do espaço de Hilbert tem sido mais discutidas, adentrando
vagarosamente no conhecimento popular.

O que deixa tudo mais difícil é o fato de que o estado probabilístico se manifesta para nós aleatoriamente. A Ciência, e também o nosso próprio modo de perceber a vida, se baseia em regras que se repetem e na Ordem. Ao afirmarmos que uma probabilidade se manifesta porque é observada parece ser um raciocínio circular que não nos leva a lugar nenhum. O Universo deve então ser ao mesmo tempo caótico e coordenado, mas definitivamente controlado pelas Leis da Física. Até mesmo na Teoria do Caos, que está em moda atualmente, define o Caos como um tipo de Ordem pertencente a uma escala de magnitude muito elevada para o nosso domínio instrumental. A Magia Caótica, apesar desse nome, está estruturada sobre esta condição (de outro modo ela só funcionaria de modo inesperado). A verdadeira aleatoriedade, fenômenos que não possuem qualquer lógica implícita, é tão impossível quando a Ordem absoluta. Conseqüentemente, o fundamento da Ciência é que o funcionamento da Natureza faça sentido.

A contradição entre as visões de mundo Newtoniana e Quântica decorre na suposição de que os fenômenos diferem em suas escalas micro e macro. Esse blefe intelectual apresenta certos problemas: ela divide a totalidade do Universo entre 2 conjuntos de regras mutuamente incompatíveis. Pior do que isso, porque dados cosmológicos atestam as observações quânticas, por exemplo, a radiação cósmica de fundo. A Função de Onda é completamente determinística, habitando numa dimensão infinitamente abstrata – o Espaço de Hilbert – e todo evento não passa de uma dessas probabilidades que colapsa, tornando-se observável através de nossos aparelhos de medição.. Everett sugeriu então que a melhor interpretação para o que ocorre com todos os outros estados probabilísticos que são reais, de acordo com a Função de Onda, mesmo que não possam ser observados, era considerar o Universo, ou mais
precisamente o Espaço de Hilbert, como infinito.

Essa teoria, que foi reformulada de um modo ou de outro, é praticamente convenção entre os cientistas de hoje. Supõem-se a existência de um numero infinito de universos semelhantes ao nosso, todos coexistindo simultaneamente e contendo todo possível arranjo estrutural de matéria permitido estatisticamente pela Mecânica Quântica. A passagem do tempo é um processo acarretado pela simples sucessão desses universos em seqüência. Cada Universo também é estático, como se fosse um instantâneo de determinada organização de elementos constituintes. Mudanças, ou seja, transições de estado, não ocorrem realmente, mas as infinitas combinações e maneiras de se colocar em seqüência esses segmentos de realidade tornam tudo isso muito interessante. O que nos parece real é apenas uma
travessia por um pedaço infimo do Multiverso. Com a consciência cósmica, todas as possibilidades seriam
observadas indistintamente.

Curiosamente, o cenário do Multiverso também aparece na cosmologia, que é estritamente regulada pela Teoria da Relatividade. Quando Everett sugeriu sua interpretação da Mecânica Quântica, o Universo parecia ser, cosmologicamente, bem menor do que é hoje. As imagens do Telescópio espacial Hubble nos mostram um número incontável de galáxias, o que significa que a distribuição da matéria no Universo é basicamente uniforme. A partir dessa observação, podemos deduzir que provavelmente não há nenhuma fronteira entre o Universo e o Nada. A teoria do Einstein sugere que o Universo possa curvar-se sobre si mesmo, o que implicaria em um Universo fechado, mas poucas evidências foram encontradas em suporte a essa hipótese. Em um Universo infinito, novamente todas as
probabilidades, todos os arranjos estruturais de seus elementos constituintes, são igualmente prováveis e devem existir. A maior diferença entre os dois cenários está apenas na distancia que a sua copia mais próxima esta de você. Na teoria cosmológica, suas cópias viveriam alem do universo observável, e na teoria do Multiverso, elas estão ocupando o mesmo espaço físico, estando em outra realidade paralela, ou vibrando numa freqüência dimensional distinta.

Magia Caótica, Budismo e o Multiverso

Então, já que a maioria dos cientistas agora acredita que cada um de nós possui múltiplas cópias, a maioria bem semelhante a nós, mas muitas radicalmente distintas, o estilo especifico de Magia Caótica que utilizo usa essa teoria para concretizar minhas intenções em atos.

Toda Magia pode ser considerada como o método através do qual manipulamos as probabilidades a nosso favor.

No cenário do Multiverso, o resultado desejável para um ato de Magia, a realização de sua vontade, está exatamente em alterar a minha percepção de uma linha de probabilidade para outra. Eu sei que existo, assim como acredito na existência de todo e qualquer outro fenômeno imaginável, que se estende pela vasta seqüência de realidades paralelas. É claro que existem muitos Universos em que eu nunca nasci, mas como existem infinitos destes no Multiverso, é seguro que podemos encontrar ao menos um onde minha vontade se concretizou. Tendo sido condicionado pela linha narrativa da minha vida até esse instante, ou pelo modo como escolhi perceber o segmento de realidades paralelas pelas quais já transitei, tenho uma tendência menor de vislumbrar realidades paralelas na
qual sou, por exemplo, uma nuvem de vapor..

A maioria das pessoas que são terríveis magos e feiticeiras foram tão condicionados pela sua narrativa pessoal que não conseguem nem imaginar o resultado que gostariam de realizar. A Magia Caótica, portanto, pode ser compreendida como um método de descondicionamento das nossas próprias historias. Também existe uma historia mundial, criada e modificada pelos outros seres humanos, uma falta de sensibilidade de se levar isso em consideração também leva a muitos fracassos nessa área (ou seja, devemos contar com certa resistência proporcional ao número de vidas que afetamos com nosso desejo). Não adianta dizer-se capaz de desligar o sol por alguns minutos, isso não significa nada se as outras pessoas não forem persuadidas a acenderem as luzes, não passaria de auto-ilusão. Porém é possível que isso ocorra, teoricamente, mas está tão fora da realidade
consensual que é até difícil de acreditar. A realidade consensual é constituída por uma serie de regras de observação com as quais concordamos, e isso sustenta a integridade da realidade que compartilhamos. Existem
argumentos, no entanto, que outros animais possuam aparatos sensoriais, como os morcegos com sua eco-localização, podendo perceber segmentos bem maiores do Espaço de Hilbert do que nós. Posso até mesmo argumentar que todos nós usamos o Espaço de Hilbert bem mais rotineiramente do que podemos imaginar.

Por exemplo, quando escolhemos uma dentre um grande numero de ações possíveis. Não costumamos reconhecer que cada um dos resultados realmente ocorre, mas de acordo com a teoria do Multiverso elas existem. A nossa relação com o Iniverso é que está sendo limitada pela instrumentação orgânica, nossos órgãos sensoriais. Mas as estruturas corticais superiores que interpretam essa informação o fazem pela seleção por semelhança. A linguagem da mente é simbólica – padrões de neurônios em atividade. Os padrões desses impulsos neurais que são tanto químicos quanto elétricos, são rapidamente comparados com os moldes abstratos em estão armazenados nos níveis corticais superiores. Essa informação que chega também pode ser emitida para os nossos órgãos sensoriais – sonhos, síndrome do membro fantasma e etc são evidencias disso. A teoria do Multiverso parece indicar que essas imagens realmente existem concretamente em algum lugar.

De modo que a realização da Magia, nesse modelo, decorre da observação de determinado estado probabilístico. Da multiplicidade de realidades paralelas para cada resultado, escolhe-se um. Por observação, quero dizer: interação, crença, força de vontade, e todo tipo de estímulo sensorial, intelectual, emocional ou instrumental que cria o mundo como percebo, e espera-se que o resultado colapse. As circunstancias da narrativa pessoal e a estrutura do regime de crenças consensuais da qual participamos pode limitar ou impedir que a vontade se
cumpra.

O regime de crenças consensuais é percebido individualmente e comparado com a auto-narrativa que cada um de nós consolida em nossas mentes. A informação de nossos sentidos deve fazer referencia a esses padrões pra ser compreendida, uma vez que eles são indissociáveis de uma resposta emocional, elas despertam tanto sensações intelectuais quanto emocionais. A Magia Caótica afirma que tanto as mudanças pessoais quanto ambientais que experimentamos são limitadas pelo sistema de paradigmas, ou de crenças que possuímos, e que estes podem ser alterados pela intencionalidade.

É difícil compreender o que realmente ocorre quando um desejo se concretiza através da utilização do modelo do Multiverso. Será que um Universo inteiro é criado conforme a nossa vontade? Aparentemente sim. Será que a consciência do praticante de Magia passa a habitar o corpo de sua cópia em uma realidade paralela, ou ela se torna o praticante? Acho que isso nem importa, mas por que parto de uma perspectiva budista sobre o assunto não posso justificar uma distinção fundamental entre mim e qualquer outro arranjo estrutural de matéria  suficientemente similar. Isso quer dizer que o principal ai é a questão da identidade. Seria o eu do Universo onde a vontade é concretizada o mesmo daquele em que formulou-se o desejo? Essas questões sobre identidade rapidamente revertem para o problema do essencialismo e à impossibilidade de se definir qualquer entidade sem fazer referencia a sua correlação com outras. As teorias cientificas foram provadas empiricamente, mas questões sobre a alma continuam sem resolução.

No sistema de crenças do Budismo, já se especulava sobre uma realidade infinita, o que pode até mesmo ter influenciado o desenvolvimento cientifico nessas áreas, e é também possível que a nossa noção atual de Magia tenha partido dessas questões. As entidades do panteão budista, com seus múltiplos braços e membros, provavelmente se referem não somente a seus múltiplos poderes, mas também a sua hiperdimensionalidade, sua
presença em um número ilimitado de realidades.

Uma maneira de compreender essas divindades seria supor que vivem no Estado de Hilbert, colapsando onde desejarem em diferentes ramos probabilísticos. Esse seria o principal motivo para alguem resolver trabalhar com elas, seriam como canais de comunicação pelo Multiverso – o praticante pode duvidar da sua própria capacidade, portanto elas facilitariam principalmente o seu enfrentamento das estruturas do regime consensual de crenças. Poderíamos duvidar de nossa capacidade de realizar isso sem qualquer assistência, mas parece claro que, pela ação de uma
divindade, isso se tornaria muito mais provavel. A Magia Caótica é, portanto, um método para desconstrução de estruturas de  crenças consensuais, selando a parte do ego que duvida de nossascapacidades. Sigilos, servidores e rituais também auxiliam o praticante a se comunicar através do Multiverso, como essas divindades. Cada uma dessas
técnicas parece ajudar os praticantes de Magia a se mover conscientemente pelo Espaço de Hilbert, ao relaxarmos os rígidos padrões de pensamento do hemisfério esquerdo do cérebro que definem o que é real e o que é plausível.

Pura especulação

Nos últimos 10 anos, cosmólogos descobriram que o Universo é primariamente composto de energia e matéria escura, com a porcentagem de matéria visível sendo em torno de 10% do conteúdo energético total do Universo. A matéria escura é um tipo não radiante de matéria que estrutura a formação de galáxias e aglomerados filamentosos. A energia escura nem sabemos o que pode ser, mesmo que esta componha a maior porção daquilo que existe, tendo inclusive acelerado a expansão cósmica. Tudo está se distanciando de qualquer outra coisa, sendo preenchido por essa energia escura. Talvez isso esteja relacionado ao Espaço de Hilbert, basta pensar que a emergência da vida, nesses últimos bilhões de anos, se deve ao aumento da complexidade estrutural do universo. Consciência seria apenas um outro modo de nos referirmos à vida. Talvez seja isso que acelere a expansão cósmica, ao criar uma matriz observacional que acelera a expansão cósmica, aumentando o numero de probabilidades a serem observadas. Aprecio o fato de que o Universo tenha a aparência de ser isotrópico e homogêneo, e que há mais conexões cerebrais do que partículas no universo observável. Fenômenos como o ponto cego, a síndrome de Charles Bratton e etc, nos dão uma pequena indicação de tudo que nossas estruturas neurais são capazes de realizar. Creio ser obvio que a incrível complexidade do cérebro humano esteja integralmente relacionada ao Multiverso de modos que quase não percebemos, talvez porque elas ocorram a nível inconsciente.

Uma manual prático

Sendo um fã de teorias complicadas, e de técnicas fáceis que funcionem, quer entendamos ou não as teorias que as fundamentem, fica claro que, na Magia Caótica o que importa é a crença, e já foram realizadas inúmeras discussões sobre a necessidade de sinceridade nessa crença para se obter o resultado. Em minha opinião, o mecanismo seria mais bem descrito como a suspensão de descrença. De qualquer forma, a Magia Caótica depende da transformação psicológica ou pessoal, de modo que essas técnicas, em união com o modelo do Multiverso, sirvam para nos convencer que o resultado que foi sendo manifestado era o esperado.  O que faço é me isolar, tento chegar num estado alterado de consciência, onde a atividade mental se torna mais difusa. Minha intenção era a de trocar de
lugar com uma cópia que tivesse uma auto-narrativa mais consistente.

Foi basicamente o que fiz, e sabia o que estava fazendo mesmo que não possa colocar em palavras, pois como todo ato de Magia bem sucedido está além da descrição simbólica. De qualquer maneira, é bem fácil, considere que existe uma copia sua que habita uma realidade paralela onde seu desejo foi realizado, Troque de lugar com a cópia, e torça para que ninguém perceba o que aconteceu. A sua própria memória se tornará meio confusa, mas é grande a probabilidade de que ela já seja assim, e somos nós que não percebemos isso.

Será que eu realmente tive sucesso, trocando de lugar com a minha copia? Ou apenas me convenci de que isso ocorreu? Segundo a magia Caótica, isso nem importa, pois ela se preocupa mais com resultados. Desde então tenho sido muito mais feliz, e tenho estado muito mais alerta para alterações de comportamento que comprometam esse estado de graça. Considero que tenha tido sucesso, mas apenas o tempo dirá; espero que  minha cópia nunca apareça por aquipra reclamar de seu paraíso perdido.

Suspeito que qualquer estilo de Magia poderia ser modificado pela perspectiva do modelo do Multiverso, o que responderia a muitas perguntas:

– Como a Magia funciona?

Ao fazer uma outra parte do estado probabilístico do Multiverso se manifestar pela observação, ou se preferir, ao trocarmos de lugar com uma cópia de uma realidade paralela.

– O ritual é necessário?

Apenas enquanto ferramenta para transformação de seu sistema de crenças.

– Existem deuses e/ou demônios de dimensões obscuras da realidade?

Sim, com tanta validade quanto a sua própria existência, já que mais pessoas acreditam nesses mitos do que em você eles podem ser até mais reais. Mas não creio nisso, suspeito que a qualidade da observação acaba vencendo sobre a quantidade de observadores. De qualquer forma, não faz sentido perguntar essas
coisas.

Não existe nenhuma razão para considerarmos a Ciência e a Magia como contraditórias. A Primeira categoria é grande o suficiente pra abranger a segunda, mesmo que a mente da maioria dos cientistas ainda seja muito streita. Uma questão mais interessante, do meu ponto de vista, é se os praticantes da Magia estão  finalmente prontos para aceitar que o Multiverso é a melhor explicação para o fenômeno da conformidade da realidade com as nossas expectativas.

por Mark Defrates, trad. Dr. Clandestino:

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/magia-multiverso-e-funcao-de-onda/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/magia-multiverso-e-funcao-de-onda/

Liber 0: A Abolição da Emancipação

Trata-se da clara exposição do mal causado pela ilusão do livre-arbítrio bem como de sua charmosa cura. Este livro é um absurdo, uma mentira, a melhor coisa que você lerá em toda a sua vida miserável:

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/liber-0-a-abolicao-da-emancipacao/

Inquisição – dos Dias de Amanhã até os Dias de Ontem

A verdade é que o amanhã é uma grande entropia.

Um dos grandes mistérios da neurociência é a nossa consciência. Não se sabe ao certo como ela ocorre e tudo que temos é pressupostos antigos baseados em experiências nazistas da segunda guerra. Essa brecha permite que nós consigamos acreditar no espiritual. Mas acreditar no espiritual nunca foi algo tão difícil para o ser humano, até porque aquilo que mais nos uniu para matar o próximo, foi ele. Ops, desculpe escrevi errado. Quis dizer “amar”.

Mas vamos para a Ásia. Depois voltamos a consciência. E pulamos para a inquisição.

Mas mundo moderno não seria o mesmo sem os árabes. Se hoje você abomina o ISIS, EL e afins, lembrem-se que muito antes de destruírem cidades antigas ou resolverem decepar cabeças,  o café que tomamos, a medicina, matemática, a química (até então chamada de alquimia), várias coisas do nosso dia a dia carregam em sua história, o DNA de um povo tão interessante.  Abu Saʿd al-ʿAlaʾ ibn Sahl (c. 940–1000) foi um deles. Ele não foi somente um matemático, físico e engenheiro óptico da Era dourada Islâmica,  Ibn Sahl foi quem descobriu a Lei da Refracção, ao qual em seu tratado On Burning Mirrors and Lenses, utilizado por outro árabe, Abū ʿAlī al-Ḥasan ibn al-Ḥasan ibn al-Haytham (965 – c. 1040), ou mais conhecido como Al-Haytham, foi o primeiro a perceber que os nossos olhos recebem a luz e então a traduzem, ao contrario do que os gregos pensavam até então, que nós emitíamos a luz.

Do mesmo modo que a consciência foi um mistério para os filósofos gregos, a principal “função” da consciência foi um mistério – a luz e a tradução da mesma. A neurologia evoluiu graças a experimentos bizarros da medicina, isso inclui abrir crânios com a pessoa viva, passando por espetar o cérebro dela enquanto observa as reações dos sortudos que caíram nessas experiências. Mas tudo isso não passava de uma única busca.

A nossa consciência.

O século X foi recheado de descobertas para os árabes e aprimoramentos de descobertas de outros povos, como o espelho, ao qual nosso amigo Ibn Sahl foi o criador do espelho parabólico. Os espelhos acompanham a humanidade desde 3000 A.C., os primeiros até então, eram apenas pedras e/ou metais polidos, porém  a criação de um espelho feito já com um revestimento de prata é atribuída ao químico alemão Justus von Liebig, quando decorria o ano de 1835. Mas durante toda história os espelhos foram recheados de mistérios. Os judeus antigos temiam que as mulheres olhassem para eles, com medo de que Lilith ou Zahriel, as demônias que viviam neles, pudessem despertar vaidade nelas. O maior problema de um espelho é que ele nos dá consciência de nós mesmos. A pessoa consciente então, iria se perguntar sobre sua origem e a questão novamente iria para o âmbito metafísico. É uma merda. Nunca fugimos disso.

Então vamos fazer o que a igreja sempre fez. Vamos queimar toda essa bruxaria.

Na França, no pequeno vilarejo de Treves, o arcebispo local condena 120 homens e mulheres à morte sob a acusação de que eles interferiam nos elementos da natureza, devido ao inverno duríssimo que enfrentavam. Todos foram queimados.

A confissão havia sido conseguida através de métodos violentos de tortura.

Uma histeria coletiva surgiu após a publicação do livro “O Martelo das Bruxas” (1486), pelos monges alemães Heinrich Kramer e Jakob Sprenger, por quase 300 anos, o continente europeu viveu sob as ferozes regras de queimar e caçar as pessoas acusadas de bruxaria.

Literalmente, era um manual de processo contra os acusados de bruxaria, que delineava os métodos mais eficazes de se descobrirem as bruxas.

Parece que a consciência da existência das bruxas tornavam elas reais.  “O TODO É MENTE” era o que diziam os antigos herméticos. Talvez seja por isso que, conforme a caça prosseguiu, mais e mais bruxas e pessoas ordinárias eram queimadas. Supostamente foram várias pessoas inocentes, livres da abominação da bruxaria. Mas nós sabemos que no fundo mesmo, tudo que queria era amar o próximo.

Ops, quis dizer matar o próximo.

A palavra consciência por si só carrega um axioma científico. Mas para um texto supostamente metafísico, vou utilizar a palavra espírito. Espírito, vem do latim, spiritus, que significa “ar, sopro”. O mesmo conceito se encontra na cabala em Ruach, o sopro da vida. Os egípcios acreditavam que o espírito entra no corpo do recém nascido a partir da primeira inspiração. E que saia na última. Esse mesmo espírito era sustentado pelo prana, a energia vital que aparece em diversas culturas sob nome de Chi, Ki, Mana… O espirito se mantém vivo se alimentando de prana. Em outras palavras sua consciência se mantém lúcida por causa da respiração. As coisas ganham uma clareza espetacular quando usamos um linguajar menos místico.

Coincidência ou não, exercícios respiratórios aumentam sua capacidade de lembrar seus sonhos. Os mais místicos vão dizer que é por causa do fluxo de prana, que fortalece seu espírito dando a ele uma melhor capacidade de relembrar. Os mais céticos vão dizer que seu cérebro apenas ganha mais lucidez por causa da hiperoxigenação dentro desses exercícios.

Consciência é uma coisa tão interessante, que o fato de ter consciência de algumas informações, já te torna perigoso. Apenas por estar vivo. Vamos relembrar alguns casos de ontem.

Uma das bruxas de São Paulo foi Maria da Conceição,  queimada em uma fogueira perto do Convento São Bento, morta em 1798, no centro antigo de São Paulo.  Por motivos incertos, ela arrumou problemas com um padre conhecido somente como padre Luis. Ao que parece, ele era radicalmente contra o que ela fazia e conseguiu levá-la a julgamento por bruxaria.

Maria era uma conhecida mulher da localidade, que preparava alguns remédios para curar doentes, algumas poções para atrair homens e gozava de uma certa reputação.

Consciência nos leva novamente ao espírito. E espírito nos leva a magia. Bruxas.

Uma bruxa consegue ser infinitamente pior que uma caça as bruxas. Alguém que consegue usar o próprio espírito para influenciar o espíritos dos outros é uma ideia no mínimo assustadora. Quantas outras poções são feitas e empurradas pela goela baixo dos homens que se perdem em suas núpcias com outras mulheres, que secretamente venderam a alma pro diabo? Alma, vem de anima, em latim, aquilo que anima. Ou seja, o espírito. Consciência. Então elas se venderam para o diabo. Mas a histeria coletiva não foi somente séculos atrás. Pelo contrario. Vamos relembrar um outro caso em que a consciência da população sobre uma bruxa levou a histeria.

Fabiane Maria de Jesus (1980-2014) uma falsa notícia publicada na web, utilizando um retrato falado de um caso criminal ocorrido no Rio de Janeiro, acusando a mulher retratada como sendo sequestradora de crianças para a prática da bruxaria e rituais de magia negra no litoral de São Paulo. Uma página da rede social Facebook divulgou essa imagem, que foi associado por populares à Fabiane Maria de Jesus. Ela foi cercada por uma multidão, espancada e torturada. Morreu horas depois. Sua inocência foi provada posteriormente.

Mas uma noticia de ontem. Precisamos de algo de amanhã, alguma noticia sobre amanhã.

Exercito evangélico destrói terreiros. Invade festivais wiccanos e uma briga generalizada. Evangélicos ganham cargos importantes no senado. Um presidente evangélico. Brasil para Cristo. Marginalização de praticas religiosas.

E a melhor parte de todas: eles estão certos. Existe uma teoria no mundo que quando uma pessoa acredita profundamente em algo, aquilo se torna real. Vocês todos já devem ter escutado sobre isso. É repetido dia após dia, entre exemplos místicos e mundanos – o poder da crença. Curas milagrosas feitas pela fé. Pedidos atendidos. Se até hoje a fé não moveu uma montanha sequer, ao menos gerou uma montanha de dinheiro para o Vaticano e posteriormente para o movimento milionário do evangelho.

Eu digo que eles estão certos porque eles acreditam que estão certos e que estão numa guerra contra o mal.

Quando você olhar num espelho, vai ver que o espelho serve de uma auto afirmação sobre quem você pensa que é e seu papel na terra. Isso vale para todas as vezes que você olhar em um espelho e lembrar que ele foi inicialmente feito por um árabe que não era do ISIS. E lembrar que o instinto bélico da Ásia sempre foi bem a flor da pele e que cortar cabeças, sodomizar inimigos ou queima-los era uma pratica na guerra. O que hoje o ISIS faz, foi feito ontem por outros povos que viviam ali mesmo.  Talvez logo tenha isso no Brasil novamente também, levando em conta que o amanhã está sendo consumido pelas ideias da entropia evangélica que comungando com zumbis, criaram um exercito que amanhã você vai ficar sabendo que é maior do que o pensamos hoje. E eles estão certos. A certeza fortalece o espírito e o espírito fortalece a carne. É a fé que mais uma vez não foi explicada tem um poder sobrenatural sobre a nossa consciência. As crenças refletem na consciência e na forma de agir.

No fim das contas, nossa atitude é uma prostituta a serviço de nossa crença.

LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/inquisicao-dos-dias-de-amanha-ate-os-dias-de-ontem/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/inquisicao-dos-dias-de-amanha-ate-os-dias-de-ontem/

Fúria Matemática

O texto a seguir revelará a maneira perfeita de transformar um macaco em um Campeão. Para prosseguirmos vamos precisar de um pouco de matemática, mas ela se resume a um pouco de multiplicação e divisão, então não temam, bando de matematofóbicos. Vocês podem pular para o final do texto e ver apenas o resultado.

Não. Foda-se. Não vou fazer isso.

Se algum cretino não tem estômago para uma simples raiz quadrada ou não consegue compreender o conceito de uma função, saia daqui agora. Se mande e não volte até ter aprendido um mínimo de matemática, qualquer coisa sobre estatística, teoria da probabilidade, até saber desenhar um gráfico ou pelo menos até que saiba o suficiente para que seu queixo preguiçoso não caia até o chão quando eu derivar a desigualdade de Hölder.

E quer saber por quê?

Simples. Porque é tudo culpa sua.

E o que é culpa sua?

TUDO!

Tudo mesmo. Cada uma das merdas que estão erradas no mundo.

Cada uma das decisões financeiras absurdas tomadas pelos governos, companhias e indivíduos é sua culpa. Você deveria ter percebido, seu cretino ignorante de matemática; você deveria saber o que os números significam mas ao invés disso ficou como um animal paralizado no meio da estrada quando a luz dos faróis de um carro que vem em sua direção em alta velocidade o atinge, como um animal estupidificado que não sabe diferenciar um milhão de um bilhão.

Cada uma das quebras do mercado de ações é sua culpa, já que a sua espécie não tem a menor idéia de como esses enormes sistemas aleatórios podem flutuar, então você simplesmente marcha em direção ao desastre, e ao fazê-lo o torna dez vezes pior. Ou mil vezes pior. Não que eu espere que você saiba a diferença.

E não se trata apenas de não saber lidar com a especulação porque é a sua espécie de macaco que deu aos “Jogos de Azar” este nome. Nenhuma empresa pode sobreviver se não souber produzir o máximo com o menor custo objetivando o melhor lucro. E como você ou seu chefe tentam fazer isso? Por tentativa e erro! Puta que pariu você prefere fazer o feng shui do escritório à olhar o balancete e acha que a diferença entre ativo e passivo é apenas uma questão de quem vai comer quem.

O mundo dos inadimplentes cresce a cada segundo, recebendo gente do seu tipo a cada instante. Gente que não tem idéia do que “juros” significa, que não consegue conceber como a aleatoriedade trabalha e se empenha em arruinar cada uma de suas boas intenções. Você não planeja, você não pensa em como as coisas funcionam, você nem ao menos pára para pensar se elas podem funcionar. Cada estelionatário, cada fraudador de sucesso, cada aposentado que é roubado dos frutos de anos de investimento é sua culpa. Cada idéia brilhante arruinada por idiotas sem nenhum senso de probabilidade é sua responsabilidade, incluindo o desastre que ocorreu após o desastre de Hindenburgo. Sim! Você é a razão pela qual nós não temos mais dirigíveis; você entrou em pânico depois do Hindenburgo e sua paranóia e incompreensão bovina foram o fim daquela era maravilhosa. Nós poderíamos ter naves aéreas se não fosse por você e por sua inabilidade de compreender matemática!

Bernie Madoff, o Banco Rural e toda essa laia são suas crianças, seu cretino. Cada maníaco de powerpoint corporativo, cada molestador de gráficos, mentindo com números sem legenda, com abscissas e ordenadas desiguais, com falsas porcentagens, totais omitidos e questionários tortuosos são da sua laia também. Você deu a luz a eles, os amamentou. Tenha certeza de que cada um deles vai para o túmulo muito bem alimentados pela sua incompreensão numérica. Você também alimentou os homeopatas, os curandeiros de cristais e outras escórias semelhantes porque seu cérebro tolo algaravia sempre que uma potência de dez surge e acredita que a matemática não tem poder de lhe morder os fundilhos se você não parar para prestar atenção nela. Os criacionistas, evolucionistas e cientologistas, juntamente com suas abominações matemáticas são sua culpa, assim como todas as vidas arruinadas pelas parafilias pervertidas da astrologia e numerologia. Cada criança que foi privada de uma guloseima, porque suas estúpidas unidades parentais decidiram comprar o Código da Bíblia ao invés de passar pela sessão de salgadinhos do supermercado tem apenas você a culpar, e a criança está chorando.

Durante a Idade Média a Peste Negra dizimou mais de dois terços da vida na Europa. Pelo menos a peste era sincera e honesta, ela matava pessoas, não as transformavam em zumbis como você, que acredita que um livro ou uma palestra podem te transformar no melhor vendedor, no mais rico empresário. Zumbis estupidificados, recitando mantras e seguindo passos simples para o sucesso, como um bando de hare-krishnas infernais que acreditam ter descoberto a pedra filosofal que trasmutará sua incompetência numérica em ouro.

Cada milhão desviado da educação, destinado para o desenvolvimento de novos remédios alopatas milagrosos, tem o seu carimbo de aprovação, afinal é melhor gastar bilhões em patentes médicas do que simplesmente aceitar o fato de que alguns males não tem cura. Sua capacidade de analisar simples estatísticas te cegam para o fato que hoje muitos tratamentos são piores do que as doenças que deveriam curar e que mais dametade dos remédios consumidos visam combater efeitos colaterais de outros remédios consumidos, a maioria sem necessidade.

Cada criança que poderia ter a vida salva com uma simples refeição diária merece um pedido de desculpas de você, um pedido que nunca chegará, pois você prefere pregar aos quatro cantos do mundo que o costume de comer carne vermelha é um dos grandes responsáveis pela fome mundial ao invés de estudar um simples gráfico que mostra quanta alface é jogada no lixo todo dia por imbecis como você. Não são os matadouros e assassinos de vacas os responsáveis pela fome no mundo, mas sim a sua burrice e a sua preguiça. Você é tão idiota que acredita que a loteria é um investimento melhor, mais excitante e mais certeiro do que uma poupança.

Você é responsável por cada político que prefere aumentar o próprio salário ao invés de investir na rede pública. Cada Bolsa Família, cada déficit estadual, cada desvio de dinheiro, tem o seu nome escrito. Você deveria se cumprimentar a cada morte em filas de espera de hospitais públicos que são mantidos com os impostos que você paga.

Você não é apenas um perdulário, um destruidor do dinheiro e da vida alheia. Você é um assassino também. Cada criança morta graças ao medo dos minúsculos riscos da vacinação, um medo que parece não existir em relação aos riscos muito maiores da falta de vacinação, também é culpa sua, meu caro inumerado. Cada pessoa morta por causa do “com certeza isso não vai acontecer comigo!” é uma vítima sua, jazendo morta e despedaçada nas ruínas de sua própria crença na superioridade do exepcionalmente pessoal em detrimento à probabilidade bruta.

São chucros como você que, quando ouvem termos como uma quinta ou uma oitava, são incapazes de perceber que o assunto é música, e é essa surdez numérica que impede que você perceba como os números berram que os grandes hits da sua vida como Basket Case da banda Green Day, Don’t Look Back in Anger, do Oasis, Crying do Aerosmith, C U When U Get There do Coolio, We’re not gonna take it do Twisted Sister, Get Me Away From Here, I’m Dying do Belle e Sebastian, Life Goes On do Tupac, The Black Parade do My Chemical Romance, Hook do Blues Traveler, Go West do Petshop boys, além de dezenas e dezenas de outros são basicamente uma única estrutura melódica matematicamente definida desde o Canon de Pachelbel.

Qual a sensação de ter seus dígitos cobertos de sangue? Mães adolescentes, pessoas incriminadas erroneamente em tribunais, criminosos que são absolvidos… cada um deles é culpa sua. Seu apalermado embrulhado em uma camisa polo, que sempre é totalmente enganado e mistificado pela retórica e por joguinhos emocionais, dentro de sua casa ou sentado no banco do júri em julgamentos, incapaz de compreender aquilo que os números dizem, incapaz de entender o que “o menor dos males” significa, já que você é um analfabeto, um cego, um tonto que nunca vai enxergar como pequenas probabilidades às vezes podem nos levar a quase certezas, um inépto que não consegue enxergar que tudo se reduz a números, inclusive esse disperdício que é a sua vida e o custo da sua inumeracia. Você é daquele tipo de imbecil que acredita que com um único ponto anedótico de dados se é possível se traçar um curva. Chega mais perto e eu vou usar o único ponto da minha bengala pra traçar uma porra de um polinômio do terceiro grau na sua cara idiota!

Cada pessoa que perdeu o emprego por causa de cada crise financeira, deve sua desgraça a você e à sua incapacidade de assimilar termos como investimento de alto risco. ALTO RISCO! Por algum motivo seu cérebro consegue interpretar essas palavras como ALTO LUCRO! Ele não percebe que não existe vantagem em se pagar por algo que nunca vai ser seu. Você diz que não gosta de números e que não precisou mais deles depois que se formou no ensino médio, mas bastam te darem um % e você acredita. Te dão um $ e você obedece.

Você é tão repulsivo que não percebe que vive em um mundo onde 80% das pessoas acredita sem nenhum tipo de questionamento em qualquer dado que seja precedido de uma porcentagem. E é tão imbecil que provavelmente vai acreditar nesta estatística sem nem ao menos questioná-la.

Eu só não tenho mais asco de você porque diariamente você também paga o preço de sua própria estupidez. Você paga mais impostos de o que deveria. Você é enganado pela televisão. Você é roubado pelos bancos. Você perde no jogo e acha que apenas não tem sorte no amor. Você gasta mais do que tem. Você ganha menos do que mereceria. Você não sabe administrar seu próprio tempo e as únicas metas que consegue cumprir são as do dono do seu chicote. Seu desinteresse pelas regras do mundo, no fim das contas, fazem com que você seja sempre passado para trás por pessoas que no fundo são só um pouco menos idiotas do que você. Você vive em uma cidade onde todo jogo é viciado e todos trapaceiam e mesmo sabendo disso sempre que perde apenas se limita a sorrir e dizer que hoje a sorte não sorriu para você. Sorte! Você ao menos já sentiu curiosidade de saber o que significam pequenas palavras como probabilidade, aleatoriedade e estatística?

Tudo isso e qual a sua reação? “Oh… meu deus, eu nunca fui muito bom com números” ou “Eu nunca precisei de matemática depois da escola.” ou ainda “De que servem essas equações inúteis?”

Por Gauss! Você é o tipo de gentinha que deve achar que proporção áurea tem alguma coisa haver com o fim da escravidão e só conhece Fibonacci por causa de algum romance popular que nem tem a ver com matemática. Você não faz idéia do que ele diz e provavelmente faz questão de não saber, esse conhecimento provavelmente destruiria a bênção que você deve considerar a sua ignorância. A cada segundo de cada dia que você desperdiça com sua existência, você joga na privada o trabalho e a paixão de centenas de seres humanos que levaram centenas e milhares de anos com o único objetivo de lapidar uma jóia que te foi dada de graça. De graça! Uma jóia que de qualquer maneira vai durar mais tempo do que qualquer coisa que você pode conceber na vida, que seus filhos inúteis e seus netos retardados concebam, e os filhos e netos deles também. Você é um porco que come pérolas, caga pérolas e ainda reclama do gosto.

Eu não vou facilitar as coisas para você, escória. Você não merece nada fácil. Continue fazendo esta cara de bunda sempre que uma divisão de dois dígitos for necessária para pagar a conta no bar.

É claro você pode sentir um certo incômodo e se iludir pensando que a partir de agora vai reagir, vai tentar mudar e recuperar um pouco daquilo que seus pais ou o estado tentaram de dar no começo da vida.

Mas você é do tipo que pula as partes difícieis direto para o resultado, que no fim é o que interessa certo? Certo? Aqui esta ele: Você é um idiota.

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/furia-matematica/ […]

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