O Simbolismo Alquímico do Fogo: As Cinzas do Rei

Come on baby, light my fire

– The Doors

Quimicamente a operação da calcinação é referente ao aquecimento intenso de um sólido, com a intensão de remover a água e outros elementos ‘impuros’. Podemos entender, portanto, que é uma operação psíquica que visa a eliminação das impurezas da personalidade através da força espiritual do fogo simbólico. Vamos realizar alguns paralelos simbólicos desta operação, analisando alguns textos e pranchas alquímicas. Vamos começar com uma receita da calcinato encontrada em “the Twelve Keys” de Basil Valentine, alquimista alemão do Séc. XV:

“Toma um feroz lobo cinzento, que… é encontrado nos e nas montanhas do mundo, nos quais uiva, quase selvagem, de fome. Dá-lhe o corpo do rei e, quando ele tiver devorado, queima-o totalmente, até torna-lo cinzas, numa grande fogueira. Por este processo, o rei será libertado; e quando isso tiver sido realizado por três vezes, o leão terá suplantado (superado) o lobo e nada encontrará nele para devorar. E assim nosso corpo terá se tornado apropriado para o primeiro estágio do nosso trabalho”

Calcinato do rei. O lobo como prima materia, devorando o rei. Maier, Atalanta Fugens (1618)
Lembrando que para os alquimistas, a realidade externa (processos químicos) é análoga a realidade interna (processos psíquicos). Então para interpretar esta passagem devemos considerar que ela também retrata um processo químico. O elemento antimônio é conhecido como o ‘lobo dos metais’ e é utilizado na purificação de ouro fundido, já que ele se une, ou ‘devora’, todos os metais com exceção do ouro: remove-lhe as impurezas.

“O antimônio também é conhecido como “balneum regis” ou “o banho do rei”. Esta passagem seria a uma referência a tal operação química, que para ser executada deveria ser realizada três vezes. No entanto, como já sabemos, há muito conteúdo psíquico projetado nesta simbologia” (EDINGER, p.38)

Quando o texto fala sobre o corpo do rei, presume-se que este já esteja morto, logo, já passou pelo processo da mortificatio. Todo simbolismo de morte na alquimia geralmente indica a morte do ego, a abdicação da condição original e a entrega para um força superior, o Self. Podemos entender a morte do rei com ‘um tempo de crise e transição’, que psicologicamente representa a morte do princípio egoico que rege a consciência. Sobre a substância a ser calcinada ou ‘o lobo voraz’, Edinger conlui:

” […] a calcinato é efetuada no lado primitivo da sombra, que acolhe o desejo faminto e instintivo e é contaminado pelo inconsciente. O fogo para o processo vem da frustração desses mesmos desejos instintivos. Uma tal provação de desejo frustrado é um aspecto característico do processo de desenvolvimento”. (EDINGER, p.42)

O número três representa, entre outras coisas, a consumação temporal. Por exemplo, repetir algo três vezes para dar certo, dar ‘três pulinhos’ para São Longuinho ou falar três vezes Beetlejuice (ou noiva do banheiro!). O rei serve de alimento para o lobo, ou seja, o desejo faminto, animal, primitivo. Mas em seguida o lobo alimenta o fogo, que também é desejo, mas de esferas superiores, o fogo da consciência, do espírito. Podemos entender que o desejo consome a si mesmo, “depois de uma descida ao inferno, o ego (rei) renasce, à feição da fênix, num estado ´purificado” (EDINGER, p.39)

Vemos que existem diversos nomes e simbolismos para a substância que deve ser calcinada, mas todas representam simbolicamente a mesma coisa: a vontade superior deve transmutar e ampliar a consciência do ego. Voltamos a receita de Valantine: Dá-lhe o corpo do rei e, quando ele tiver devorado, queima-o totalmente, até torna-lo cinzas. A fênix se mostra, portanto, um símbolo pertinente da nova consciência que renasce após ser inflamada pela consciência do espírito, por isso, as cinzas são, também, um símbolo da purificação.

E parece que Jorge Vercílio manja dos paranauês, em sua música Fênix, encontramos o seguinte:

Agoniza virgem Fênix
O amor!
Entre cinzas arco-íris
Esplendor!
Por viver às juras
De satisfazer o ego mortal…

Coisa pequenina
Centelha divina
Renasceu das cinzas
Onde foi ruína
Pássaro ferido
Hoje é paraíso…

Luz da minha vida
Pedra de alquimia
Tudo o que eu queria
Renascer das cinzas…

Imagens:

Calcinato do rei. O lobo como prima materia, devorando o rei. Maier, Atalanta Fugens (1618)
Imagem encontrada na internet
Imagem encontrada na internet

Referências Bibliográficas:

EDINGER. Edward. Anatomia da Psique. SP: Cultrix, 1990.

#Alquimia #Psicologia

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Psicologia Anomalística: Aliens, Alquimia e Ayahuaska – Ricardo Assarice

Bate-Papo Mayhem 212 – 29/07/2021 (Quinta) Com Ricardo Assarice – Psicologia Anomalística: Aliens, Alquimia e Ayahuaska

Os bate-Papos são gravados ao vivo todas as 3as, 5as e sábados com a participação dos membros do Projeto Mayhem, que assistem ao vivo e fazem perguntas aos entrevistados.

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[parte 1/7] Alquimia, Individuação e Ourobóros: Introdução

“Os Alquimistas estão chegando…”

– Jorge Ben

Introdução

O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem. Esta suma de Heráclito define bem a constante transformação do indivíduo e denota como a transformação é um aspecto presente, tanto no homem quanto na natureza. As coisas fluem, mudam, se transformam e transmutam.

Assim é a consciência, um sistema em constante transformação, porém, com que finalidade?

A vida humana é calcada por ciclos. A primeira infância, segunda infância, puberdade, adolescência, juventude e vida madura são as etapas comumente conhecidas no desenvolvimento humano. Simbolicamente, cada ciclo pode ser interpretado como uma nova vida, e o fim dos ciclos como uma morte. A vida, morte e ressureição, são então, etapas arquetípicas do desenvolvimento psico-espiritual, no qual, para atingir um novo nível de consciência, é necessário realizar sacrifícios e abdicar dos antigos paradigmas da consciência, se integrar, mudar e melhorar.

Eram estes sacrifícios que permeavam a vida dos antigos (e dos contemporâneos) alquimistas, que buscavam, em seus laboratórios, a obtenção da pedra filosofal, do elixir da vida.

Ao longo de sua prática clínica, o psicólogo suíço Carl Gustav Jung percebeu uma correlação entre sonhos de seus pacientes com figuras alquímicas, e a partir daí, traçou diversos paralelos entre as metáforas alquímicas com o processo que denominou individuação (JUNG, 1999).

Foi averiguado os paralelos entre a opus alquímica e o processo de individuação, investigando o significado desta imagem rica em simbolismos do Ourobóros. Através do método de amplificação e de levantamentos bibliográficos, foram analisadas obras filosóficas e acadêmicas que explicitavam a simbologia desta imagem arquetípica, suas correspondências dentro da simbologia alquímica e as respectivas analogias com o processo de individuação descrito por C. G. Jung.

Para Chaise e Viana (2011), o método de amplificação foi introduzido em 1912 na psicologia por Carl Gustav Jung em seu livro Símbolos da Transformação (JUNG, 1986), denotando a ruptura entre Jung e a psicanálise, cujo objetivo era “libertar a psicologia médica do viés subjetivo e personalístico que caracterizava sua perspectiva (…) e tornar possível à compreensão do inconsciente como uma psique coletiva e objetiva” (CHAISE E VIANA apud JUNG, 2011).

Ressaltam ainda que a amplificação promove associações diretas da consciência frente a uma imagem, conteúdo ou símbolo explorado, cujo nome é circumbulação, ou seja, um movimento circular em torno de um ponto, o próprio método é o uma manifestação ourobórica. “A amplificação consiste simplesmente em estabelecer paralelos” (JUNG, 2008).

Estende-se ao ponto de considerar aspectos coletivos através de experiências individuais, recorrendo a fontes de cunho cultural, histórico, mitos e filosóficos, afim de “ampliar o conteúdo metafórico do simbolismo” (JUNG, 2008).

Os símbolos como manifestações individuais são retirados deste contexto através de imagens arquetípicas, conceito melhor elaborado nos posts seguintes, mas que se resumem como a manifestação do arquétipo na psique, não o representando completamente, mas sugerindo seu potencial.

Portanto, a amplificação é executada em três fases distintas: a primeira seria o contato com o símbolo e as observações experienciais do analisado; a segunda é a etapa de amplificação coletiva, onde se pega um símbolo específico e o associa com outras imagens arquetípicas, e por isso pode ser denominada de objetividade da imagem; a terceira e última é o retorno ao subjetivo com o auxilio das analogias universais, em outras palavras, o símbolo – primordialmente individual – manifestado, passa por uma variedade de possibilidades significativas através da associação com a coletividade, após essa etapa, ele necessita do indivíduo, que utiliza como parâmetro o reconhecimento afetivo dentro dos aspectos coletivos para dar sentido ao símbolo.

Entende-se que “qualquer estudo simbólico leva em conta duas vertentes, a individual e a coletiva” (JUNG, 1999).

Sendo a primeira carregada de impressões pessoais do indivíduo e a segunda o repertório de arquétipos da humanidade.

De acordo com Denise Ramos (1990), no passado, o método utilizado na interpretação dos processos e dinâmicas mente-corpo eram feitos de forma reducionista e causal, derivada de uma visão cartesiana e newtoniana, e que, com o passar do tempo, frente a fenômenos como a globalização, a inter-relação de fatores, surgiu a necessidade do desenvolvimento de uma visão holística e simbólica para compreender os fenômenos da saúde.

Neste sentido, a presente reflexão, fundamenta sua base metodológica como forma de ampliar a percepção dos pesquisadores e o estudo comparativo de sociedades e religiões para uma compreensão mais integral da saúde. É percebido que, a base do adoecimento, para inúmeras religiões, era a saída do indivíduo de seu eixo divino (a etimologia da palavra religião é religar, ou seja, estabelecer uma [re]conexão com o divino), e por isso, a enfermidade, nesse contexto religioso, é encarada como uma oportunidade de desfazer esta desarmonia interna.

A compreensão dos aspectos religiosos e simbólicos na psique se mostram, portanto, de grande importância, uma vez que possibilitam o melhor entendimento da subjetividade humana, permitindo, por exemplo, melhorias na saúde do indivíduos.

Denise Ramos (1990) nos introduz aos cientistas precursores do símbolo como um organizador e centralizador da psique: C. G. Jung e G. Groddeck, sendo este último o defensor da doença como um sinalizador da psique de que alguns aspectos internos precisam ser expressos, ou então, expressados de uma nova forma. É de interesse a percepção junguiana do processo, que percebe a doença como uma manifestação do processo de individuação.

A autora ainda define como um dos principais conceitos que orientam essa afirmação, a intermediação de um terceiro fator na relação psique-corpo: o símbolo.

O equilíbrio dos opostos seria uma finalidade natural da psique, e essa integração ocorre quando se percebe diferentes níveis de corpos, físico, onírico, sutil, e a manifestação dos arquétipos que ocorre através destes. Quanto maior a capacidade do ego em organizar tais estruturas, mais repertório este poderá desenvolver para enriquecer a troca com o self, e por conseguinte, a manifestação do corpo será mais harmoniosa e menos ‘doente’.

O símbolo estaria carregado com os significados arquetípicos de uma forma apresentável para o ego, e seria então o terceiro fator da relação psique-corpo, um intermediador que facilitaria o equilíbrio e manifestação da individualidade, possibilitando uma vida menos sintomática. Uma vez que a psique tem dificuldade de perceber e atuar com diferentes polaridades, a doença de manifesta como uma forma de chamar a atenção para a unilateralidade da psique, e convidá-la a integrar outros aspectos.

A apercepção do universo do simbolismo se torna uma das principais ferramentas da psique, e dos interessados em compreendê-la. As religiões, carregadas de informações simbólicas, ajudam o homem a se religar com sua própria natureza e com uma expressão sadia do Self, permitindo uma forma mais natural e fluída de expressão da personalidade. Toda manifestação de doenças exigiria, também, uma compreensão e investigação simbólica, que facilitaria a dissolução da mesma.

Em síntese, considera-se que o paradigma social de unilateralidade, manifestado entre outras esferas, na psique, produz adoecimentos nos indivíduos, em níveis mentais e físicos.

Através do método de amplificação, que consiste ressaltar as impressões individuais acerca de um símbolo, em seguida associá-lo com outras imagens arquetípicas e por fim resignificá-lo a partir dos vieses individuais e coletivos será analisado o símbolo arquetípico do Ourobóros e suas correlações com os processos alquímicos e a o conceito de individuação de Jung, permitindo uma maior compreensão do processo de individuação e a potencialidade da alquimia como forma de integrar a psique.

Referências Bibliográficas:

CHAISE E VIANA. Validação do Projeto: Mutus Liber. Disponível em: https://translatioanimae.wordpress.com/.14/05/2013

JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas. Vol. IX/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2011.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Obras Completas. Vol. XII. Petrópolis. Ed. Vozes. 2009.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. Obras Completas. Vol. V. Petrópolis. Ed. Vozes. 2008

RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Coração: Uma Leitura Analítica de seu Simbolismo. São Paulo. Cultrix. 1990.

Imagens:

“Heraclitus” de Johaness Moreelse (1630)

Ourobóros em antigo livro de Alquimia

“Melancolia I” obra de Albrecht Dürer (1514)

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br

#Alquimia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/parte-1-7-alquimia-individua%C3%A7%C3%A3o-e-ourob%C3%B3ros-introdu%C3%A7%C3%A3o