Aleister Crowley: o Homem Mais Perverso do Mundo

Por Mike Karn

Revista The Square, volume 43, n° 2, junho 2017, páginas 32-34.

Aleister Crowley é considerado uma das figuras mais notáveis e sinistras do século passado. Ele foi um renomado estudioso que usou seu incrível intelecto para se tornar um especialista e praticante do ocultismo e da magia negra. Tão grande era o seu domínio que, para muitas pessoas, ele se transformou na personificação absoluta do mal. Seus ritos, orgias e cerimônias profanas chocaram até mesmo os mais cínicos e despertaram curiosidade, fúria e ódio nas outras pessoas.

​Ele sempre insistiu que seu nome fosse pronunciado como “Crow-ly” – muitas vezes acrescentando, com um sorriso malicioso: “para rimar como holy [sagrado]!”. No entanto, provavelmente é difícil, para quem desconhece a reputação de Crowley, imaginar a controvérsia que seu nome incitou no público em geral – e o ódio e medo que sentiram.

​Crowley nasceu no auge da era vitoriana, em 1875, em Leamington, Warwickshire, Inglaterra. Proveniente de uma família próspera adepta da seita dos Irmãos de Plymouth, ele foi devidamente batizado como Edward Alexander Crowley. Foi criado para acreditar que Deus era todo-poderoso e que o livre-arbítrio não era uma opção. Seu pai, Edward, era de uma rica família quaker, e ele e sua esposa, Emily, eram fanáticos religiosos que se juntaram aos Irmãos de Plymouth na fundação da seita.

​Para Crowley, o Cristianismo assumiu proporções extremas e se tornou o inimigo. Em seu tormento, ele procurava ajuda e conforto em outras fontes – essa direção por fim levava ao inimigo natural: o demônio. Ele se rebelou totalmente contra a religião de sua família e posteriormente mudou seu nome para Aleister, para não partilhar do mesmo nome de seu pai, Edward.

​Crowley teve uma infância muito infeliz. Seu pai viajava pelo país pregando, enquanto sua mãe rezava, lamentava e atormentava o filho. O pior ainda estava por vir: seu pai faleceu quando ele tinha 11 anos de idade, e sua guarda foi concedida à mãe de seu irmão, que o tratava com crueldade. Isso só foi ultrapassado por um mestre sádico de uma escola dos Irmãos Plymouth, à qual foi confiado.

​Portanto, quando criança, Crowley rezou para o demônio em segredo, para se manter protegido de sua mãe, de seu tio, do mestre e dos garotos que o maltratavam na escola. Seus sentimentos em relação ao Cristianismo e à sua família eram de puro ódio, e ele não foi criado como uma criança normal. No início de sua adolescência, como seu comportamento comum era não aceitar a doutrina dos Irmãos Plymouth, a mãe de Crowley o amaldiçoou e passou a chamá-lo de “a besta”, cujo número era 666, conforme o Livro do Apocalipse no Novo Testamento da Bíblia. Em vez de ficar ofendido com isso, ele adotou o nome e agiu como se não houvesse mais nada a fazer a não ser aceitá-lo.

Crowley frequentou a Malvern College como uma criança oprimida e mentalmente perturbada. Uma escola pública não era lugar para um garoto tão tímido e estranho, e ele sofria agressões físicas e psicológicas, a ponto de ser retirado da escola e transferido para a Tonbridge School. Mas então houve uma transformação nele. Crowley tinha crescido e se tornou forte física e mentalmente. Ele passou por uma mudança completa, como se algo tivesse sido despertado dentro dele. Deixando de lado toda a sua insegurança, superou os intimidadores e se transformou em um deles.

Nessa época, ele começou a praticar alpinismo. O cabo de Beachy Head e as montanhas galesas foram os cenários de suas primeiras expedições, mas então ele começou a escalar penhascos que ninguém jamais havia ousado, e realmente obteve muitas experiências na escalada.

Em 1895, aos 20 anos de idade e denominando-se Aleister, foi para a Trinity College, em Cambridge, como graduando do curso de ciência moral. Ele também escreveu, estudou poesia e continuou a praticar alpinismo. Crowley era considerado um jovem com um futuro promissor, mas enveredou pelo ocultismo e por todas as formas de imoralidade. Ele vivia como um aristocrata privilegiado e mantinha uma vida sexual vigorosa, conduzida com prostitutas e mulheres que ele escolhia nos bares locais, mas isso posteriormente se estendeu a atividades homossexuais. Ele também começou a publicar poesia explicitamente sexual.

Quando frequentava a Trinity College, conheceu Allan Bennett. Os dois se interessaram pelo ocultismo e começaram a experimentar rituais mágicos. Ao que tudo indica, eles obtiveram resultados impressionantes, incluindo a manifestação de uma hoste de seres sobrenaturais e de atividades de espíritos.

Em 1898, Crowley e Bennett se juntaram à Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn) em Londres, que praticava magia ritualística, alquimia, astrologia, tarô e outras ciências ocultas. A ordem foi fundada em 1887 por três membros da Maçonaria: Samuel MacGregor Mathers, William Robert Woodman e dr. William Wynn Westcott. Todos eles também foram membros da Sociedade Rosacruciana.

A Golden Dawn afirma que sua origem remonta de documentos codificados na posse de Wynn Westcott, segundo os quais o grupo era uma ramificação da Ordem Rosacruz alemã. Eles conceberam cinco rituais nos moldes maçônicos, que foram expandidos por Mathers. Sua influência no desenvolvimento do ocultismo moderno ocidental foi profundo, e muitos grupos afirmam serem originados da Golden Dawn.

Um ano depois, um fundo em depósito que foi estabelecido após a morte de seu pai lhe foi liberado. Crowley se tornou um homem rico, sem ter que depender mais de sua família. Ele abandonou a universidade sem concluir o curso, adquiriu um apartamento em Londres e começou a se dedicar a seus estudos ocultistas. Crowley tinha uma aptidão natural para a magia e logo fez avanços, tornando-se um mago poderoso, assim como seu amigo Allan Bennett.

Crowley não apenas se aprofundou no ocultismo, mas também foi promovido rapidamente pelos graus da Golden Dawn. Em 1889, ele completou os estudos necessários para obter o grau de Adeptus Minor. Entretanto, por causa de suas atitudes e de seu comportamento homossexual, o líderes em Londres o consideraram inadequado para avançar na Segunda Ordem. Então, Crowley foi para a França, onde o líder da Golden Dawn em Paris, MacGregor Mathers, o iniciou na Segunda Ordem.

Posteriormente, em 1900, a Golden Dawn foi fragmentada. Mathers, em uma tentativa de se unir à Loja londrina e se tornar um líder incontestável da ordem, mandou Crowley para a Inglaterra como seu “enviado especial”. Crowley fez uma tentativa frustrada de obter novamente o controle das propriedades da ordem em nome de Mathers. Ele surgiu em uma reunião ritualística vestido de maneira excêntrica com traje escocês completo e um capuz preto. Pouco tempo depois, Mathers e Crowley foram expulsos da ordem.

Crowley era maçom. Registros apontam que ele foi para a França em 1903, onde foi iniciado na Maçonaria na Loja Anglo-Saxônica nº 343, em Paris. Essa era uma Loja principalmente para expatriados e para aqueles que não podiam se afiliar à Maçonaria na Inglaterra por causa dos altos padrões da Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI).

Crowley afirmou ter sido recomendado por um Past Grão-Capelão Provinciano de Oxfordshire. No entanto, não existem evidências documentadas disso, e Crowley certamente nunca foi iniciado na Maçonaria inglesa. Posteriormente, ele continuou tentando ser admitido em reuniões de Lojas em Londres, mas frequentemente era recusado, pois pertencia a uma Ordem Maçônica ilegítima.

Em seu livro The Confessions of Aleister Crowley, uma auto-hagiografia, Crowley se explica:

Eu mencionei ter obtido o 33° na Cidade do México. Isso não acrescenta muita importância ao meu conhecimento dos mistérios, mas ouvi falar que a Maçonaria era uma irmandade universal e esperava ser recebido em todo o mundo por todos os Irmãos. Fui surpreendido com um considerável choque nos meses seguintes, quando, tendo a chance de discutir o assunto com um apostador arruinado ou agente de apostas – não me lembro exatamente –, descobri que ele não me “reconhecia”! Havia uma diferença simples em um dos apertos de mão ou alguma outra formalidade totalmente sem sentido. Demonstrei um desprezo imenso por todo o ritual. Eu fui admitido ao ser iniciado na Loja Anglo-Saxônica nº 343, em Paris.

Retornei à Inglaterra um tempo depois, após passar meu posto na minha Loja, e, esperando me juntar ao Arco Real, dirigi-me a seu venerável Secretário. Apresentei minhas credenciais. “Ó Grande Arquiteto do Universo”, o velho homem irrompeu de raiva, “por que não queimais este impostor no fogo dos céus? Senhor, vá embora. Você não é um maçom!”.

Pensei que isso seria um pouco difícil de meu Reverendo Pai em Deus, o criador, e percebi que, obviamente, todos os ingleses e norte-americanos que visitam uma Loja na França correm o risco de expulsão ou detenção instantânea e irrevogável. Então, eu não disse nada, mas fui para outra sala no Freemasons’ Hall sem seu conhecimento, e tomei meu lugar como um Past Master em uma das Lojas mais antigas e importantes de Londres.

Em 1905, Crowley voltou a se dedicar ao alpinismo e tentou conquistar o Kangchenjunga, no Nepal, a terceira montanha mais alta no mundo. Houve grande controvérsia durante a tentativa frustrada, e Crowley foi acusado de crueldade por agredir seus carregadores e deixar outro homem morrer na montanha. Era evidente que ele não conseguia tolerar qualquer tipo de fraqueza nas outras pessoas, mas essa viagem acrescentou muitas outras histórias terríveis à sua reputação crescente como um homem perverso.

Em 1906, Crowley fez uma viagem com sua esposa e sua filha para a China e depois para o Vietnã, onde as abandonou. A criança faleceu posteriormente, e sua esposa recorreu ao consumo de álcool para aliviar a dor, chegando à loucura. Tempos depois, Crowley a internou em um sanatório, e eles por fim se divorciaram em 1909.

Em 1910, Crowley conheceu John Yarker. Yarker era maçom, costumava escrever sobre assuntos relacionados à Maçonaria e era membro da Loja Quatuor Coronati. Em 1871, ele esteve envolvido com a fundação de um Grande Conselho do Rito Antigo e Primitivo em Manchester, uma ordem que se separou da GLUI e criou uma conexão com o Rito Antigo e Aceito e com outros ritos egípcios. Isso não era considerado comum pela maioria das Grandes Lojas. Crowley se juntou à ordem, da qual mais tarde se tornou Grão-Administrador Geral e também Mestre Patriarca Geral.

Em 1913, Crowley visitou o Secretário da Loja Quatuor Coronati e o Grande Secretário do Freemasons’ Hall, buscando uma forma de se juntar à Loja inglesa. Ele então escreveu à Grande Loja solicitando seu direito de se juntar a Lojas inglesas e participar delas, baseado em sua associação à Loja francesa. Seu pedido foi negado, devido à irregularidade de sua Loja-Mãe. A Grande Loja não identificou Crowley como um membro da Maçonaria. Todas as suas afiliações estavam ligadas a órgãos irregulares, portanto lhe negaram reconhecimento.

Crowley estava escalando montanhas na Suíça quando a Primeira Guerra Mundial irrompeu e ele retornou para a Inglaterra. Estava impossibilitado de se juntar às forças armadas por causa de sua saúde debilitada, mas ofereceu seus serviços: sua escrita e sua inteligência. Supostamente, sua oferta foi rejeitada com desprezo pelo Serviço de Inteligência Britânico, e, para um homem como Crowley, isso resultou em seu ressentimento e apoio subsequente à Alemanha. Ele foi para os Estados Unidos, onde escreveu e publicou propaganda antibritânica, o que o tornou um traidor e desertor na Inglaterra.

Nos Estados Unidos, ele estudou com ocultistas norte-americanos, começou a pintar e escreveu muitos livros. Em 1919, enquanto vivia em Greenwich Village, conheceu Leah Hirsig, e os dois sentiram uma conexão imediata e instintiva. Em 1920, eles foram para a Sicília e criaram um templo em uma antiga fazenda. Eles tiveram uma filha e, sob a influência de ópio e cocaína, fundaram um novo culto religioso chamado Thelema. Com Crowley considerando-se um profeta da nova era, a famosa Abadia de Thelema foi fundada. Thelema era uma religião, e sua lei era: “Faze o que tu queres”. Rapidamente, circularam histórias sobre depravação. O povo italiano se ressentiu das atividades diabólicas de Crowley, e Benito Mussolini, o ditador italiano, determinou que ele fosse deportado. Como sempre, Crowley não negou as acusações feitas contra ele.

Crowley também foi membro da Ordo Templi Orientis (O.T.O.) e, em 1925, por fim assumiu liderança e revisou os ritos, estabelecendo rituais da ordem nos mesmos moldes da Maçonaria. A O.T.O. é uma sociedade secreta e, ao longo dos anos, ressurgiu diversas vezes. Atualmente, está em atividade em 25 países, com uma afiliação crescente de mais de 4 mil membros. Segundo consta, todos os homens e mulheres livres, com maioridade completa e bons precedentes, têm o direito de serem iniciados nos primeiros três graus dessa ordem.

Muitos livros ocultos foram escritos por Crowley, os quais, apesar de terem sido escritos com discernimento, são muitas vezes difíceis de serem acompanhados. Um deles é o sagrado Livro da Lei, que tem como princípio fundamental: “Faze o que tu queres há de ser o todo da lei”, que significa que todo homem e toda mulher deverão encontrar sua verdadeira vontade, seu propósito e seu sentido de vida, seguindo isso e nada mais. Dois de seus romances, The Diary of a Drug Fiend (1922) e Moonchild (1929), foram parcialmente baseados em sua vida pessoal e em suas alucinações egomaníacas. Acredita-se que Crowley tenha realizado muitas tentativas sem sucesso, com diferentes mulheres, de procriar uma “criança mágica”. Ele escreveu sobre essas tentativas em forma de ficção no livro Moonchild.

Crowley sempre atraiu um pequeno grupo de seguidores nos Estados Unidos e na Alemanha, talvez não mais de algumas centenas de pessoas por vez, e, por quatro anos, perambulou pela Alemanha e por Portugal, sendo financiado por seus seguidores fiéis. Ao retornar para a Inglaterra, em 1935, foi à falência após perder um processo judicial contra um jornal que o teria chamado de mago negro. A evidência contra ele era devastadora – e é de se imaginar que o caso só tenha sido levado à corte por mera publicidade!

Durante os anos seguintes, Crowley parou de viajar e permaneceu na Inglaterra, onde escreveu muitos outros livros. Ele passou seus últimos anos sozinho em uma pensão em Hastings, como um homem velho e debilitado, mal sobrevivendo por seu vício em heroína. Seu ato final foi amaldiçoar o médico que se negou a prescrever a quantidade de heroína que ele queria. Crowley morreu em 1º de dezembro de 1947, aos 72 anos de idade, e foi cremado em Brighton. Suas cinzas foram enviadas a seus seguidores nos Estados Unidos. O médico que ele amaldiçoou teria morrido em menos de 24 horas depois.

Sem arrependimentos e sem se curvar, ele partiu deste mundo com um desprezo final pela sociedade. Crowley havia preparado seu próprio funeral e, em vez do serviço religioso comum, criou seu último ritual com suas obras. Amigos leram Hymn to Pan e Collects and Anthems, de Gnostic Mass. Passagens selecionadas do Livro da Lei também foram lidas. Houve tantas reclamações por parte do público a respeito do serviço funerário que o Conselho de Brighton decidiu tomar providências para prevenir que um incidente como esse nunca mais acontecesse.

Provavelmente, Crowley foi o mago mais famoso de sua época, tornando-se ainda mais influente após sua morte do que quando estava vivo. Ele foi muitas vezes odiado em vida, mas certamente causou influência e impacto no desenvolvimento da nova era do ocultismo moderno. Seu conhecimento sobre magia e bruxaria era certamente profundo, e ele transmitiu esse conhecimento por meio de seus diversos livros. Na sociedade liberal dos dias de hoje, seus livros estão sendo procurados e reimpressos, e algumas pessoas parecem apreciar seu estranho intelecto. Sua impiedade persistente era um traço de sua personalidade e influenciou homens e mulheres, mas Crowley deixou para traz um rastro de devastação em se tratando das mulheres e dos homens em sua vida. Alcoolismo, vício em drogas, insanidade e suicídio surgiram em seu caminho. Portanto, Crowley era um mago negro perverso? Provavelmente sim, mas tão importante quanto isso era o fato de ele querer que todo mundo acreditasse nisso.

Há uma reviravolta na história, pois, quando Crowley morreu, foi encontrada uma carta da Inteligência Naval Britânica endereçada a ele, requerendo o prazer de sua companhia em uma recepção. A história então revelada é a de que ele teria sido recrutado pela Inteligência Britânica durante a Segunda Guerra Mundial, quando queriam explorar as informações de que nazistas de alto posto estavam envolvidos com astrologia e ocultismo. Agente britânico por muito tempo, Ian Fleming (que escreveu os romances de James Bond) disse que Crowley foi recrutado pela primeira vez para a investigação de Rudolf Hess. Fleming também revelou que foi Crowley quem sugeriu o símbolo de “V” de vitória usado por Churchill – o símbolo com os dois dedos sendo o oposto direto e destrutivo do símbolo solar da suástica.

Atualmente, poucas pessoas irão refutar a ideia de que Crowley teria sido um agente britânico durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhando nos Estados Unidos e ajudando na campanha de desinformação, em vez de ter sido um traidor, como se acreditava.

Crowley foi chamado de “o homem mais perverso do mundo”. No entanto, talvez hoje em dia ele não fosse considerado assim. Ele possivelmente seria tratado como um excêntrico, com poucas pessoas se incomodando com seu comportamento – o que não seria de forma alguma apropriado para ele.

#Thelema

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/aleister-crowley-o-homem-mais-perverso-do-mundo

Iniciação no Novo Aeon: O Verdadeiro Eu contém Bem e Mal, O Certo e Avesso

Faça o que tu queres há de ser Tudo da Lei

Nota: originalmente escrito em 14 de abril de 2009

2) O verdadeiro eu contém o bem e o Mau, certo e Avesso

“Meus adeptos ficam de pé ; suas cabeças acima dos céus, seus pés abaixo dos infernos”.

– “Liber Tzaddi”, linha 40

A iniciação no Novo Aeon é “a Criança Crescendo até a Maturidade” pelo assassinato do eu-ego (eu-egóico) cuja “morte é vida por vir” para o Verdadeiro Eu. Mas qual é a natureza desse Verdadeiro Eu? Essencialmente, o Verdadeiro Eu transcende as dualidades. Especificamente, o Verdadeiro Eu transcende a dualidade moral do Bem e do Mau.

As pessoas têm uma tendência comum de imaginar seu objetivo como seu “Eu Superior”, que eles imaginam como Bem Absoluto, cuidadoso, benevolente, etc. Em suma, muitas pessoas constroem um ideal ou uma abstração de seus ideais e crenças mais elevados e acreditam ser essa a sua meta. Crowley afirma em “Magick Without Tears”: “Ele não é, deixe-me enfatizar, uma mera abstração de você mesmo; e é por isso que eu tenho insistido bastante que o termo ‘Eu Superior’ implica uma ‘Maldita heresia e uma perigosa ilusão’”. O termo “Eu Superior” é uma ilusão porque o objetivo da Iniciação no Novo Aeon é fazer com que o indivíduo identifique-se com o “Eu Total” ou “Todo-Eu”, não o “Eu Superior” (ou “Eu Inferior”). Devemos explorar e conquistar os lados “bons” e “maus” de nós mesmos: em termos da psicologia [Junguiana] moderna, não podemos negligenciar nossa própria Sombra. Como Crowley aconselha: “todo mago deve estender firmemente seu império até a profundidade do inferno” (“MIT&P”, capítulo 21). [E] como diz Nietzsche: “As grandes épocas da nossa vida são as ocasiões em que ganhamos a coragem de rebatizar nossas qualidades Malignas como nossas melhores qualidades” (Beyond Good & Evil, Aphorism 116).

Muito do imaginário de Thelema pode ser visto como “sinistro”. Exemplos incluem a “Besta” e “Babalon” do Livro das Revelações (onde eles não aparecem numa ótica favorável); a experiência da divindade como “beijos do Mau [corrompendo] o sangue (…) como um ácido come em aço, como um câncer que corrompe completamente o corpo” (“Liber LXV” I: 13, 16) e “veneno” (“Liber LXV” III: 39 IV: 24-25 V: 52-53, 55-56); o “oculto” dentro de si mesmo em que “todas as coisas são teu próprio Eu” (Liber Aleph, “De Libidine Secreta”) é chamado Inferno ou Satanás (que é identificado com o Sol em Liber Samekh”); etc. Estes [exemplos] poderiam todos ser considerados como tentativas de trazer a psique do indivíduo à aceitação de ambos os aspectos retos e avessos da existência. Poder-se-ia até dizer que é o lado “mais sombrio” do eu que surge por causa de sua negligência nos sistemas do Velho Aeon que se concentram no Bem, Virtude, Graça, etc. e excluem seus opostos. No Novo Aeon afirmamos que o Verdadeiro Eu contém (e portanto transcende) tanto o Bem como o Mau. “Menos que Tudo não pode satisfazer o Homem” (William Blake, “não há nenhuma religião natural”).

Esta idéia do Verdadeiro Eu como contendo tanto o Céu como o Inferno, o Bem e o Mau, certo e Avesso, é capturada sucintamente em “Liber Tzaddi”, linhas 33-42:

“Eu vos revelo um grande mistério. Vocês estão entre o abismo da altura e o abismo da profundidade. Em qualquer um deles vos espera um companheiro; e esse companheiro é Você Mesmo. Você não pode ter outro Companheiro. Muitos se levantaram, sendo sábios. Eles disseram: ‘Buscai a imagem brilhante no lugar sempre dourado e uni-vos a Ela’. Muitos se levantaram, sendo tolos. Eles disseram: ‘Abaixem-se ao mundo sombriamente esplêndido, e se casem com aquela Criatura Cega do Limo’. Eu, que estou além da Sabedoria e da Tolice, me levanto e vos digo: alcançai ambos os casamentos! Unam-se com ambos! Cuidado, cuidado, eu te digo, para que não busques o um e perdeis o outro! Meus adeptos ficam de pé; sua cabeça acima dos céus, seus pés abaixo dos infernos (…) Assim o equilíbrio se torna perfeito”.

Como mencionado na última seção, o Verdadeiro Eu transcende a dualidade da Vida e da Morte. Nesta seção vemos que o Verdadeiro Eu transcende a dualidade de Certo e Avesso, Bem e Mau. O Verdadeiro Eu está mesmo “além da Sabedoria e da Tolice”. Devemos [nos] unir com ambos o Certo, “a imagem cintilante no lugar sempre dourado”, e com o Avesso, “aquela Criatura Cega do Limo.” Somente assim o homem pode vir a conhecer seu verdadeiro Eu: caso contrário, o indivíduo terá uma perspectiva unilateral do eu. Deve-se lembrar que é apenas por causa de suas raízes profundas no chão escuro que uma árvore é capaz de produzir frutos. Como observou o psicólogo Abraham Maslow: “A natureza superior do homem repousa sobre a natureza inferior do homem, precisando dela como fundação e desmoronando sem essa fundação” (Toward a Psychology of Being, 1968).

O método de Iniciação no Novo Aeon é, portanto, um de União de Opostos e Equilíbrio. O equilíbrio não é o da moderação, o Caminho do Meio do Buda (ou a Doutrina da Média de Aristóteles), onde procuramos evitar os extremos e permanecer no centro. O equilíbrio da Iniciação do Novo Aeon é entendido como o equilíbrio alcançado pelo exagero de ambos os extremos de qualquer dualidade. “Vá-te aos lugares mais remotos e subjuga todas as coisas” (“Liber LXV” I: 45). Não tomamos a Certo (“luz branca”) ou avesso (“satânico”) da dualidade Certo/Avesso e miramos apenas para isso; miramos tanto os céus como os infernos. Pode-se dizer, simbolicamente, que o Velho Aeon é como um poste ou uma árvore, onde a seção Certo é reta e estreita, evitando extremos. O Novo Aeon é, então, como um grande edifício ou uma pirâmide onde a base é expandida horizontalmente. Isto mostra simbolicamente que, exagerando os extremos (expandindo a base horizontalmente nessa metáfora), ampliamos nossas fundações, o que nos permite assim suportar melhor os “ventos” da experiência. Como está no Livro da Lei: “A Sabedoria diz: sede forte! Então poderás ter mais alegria. Não seja animal; refina o teu arrebatamento! (…) Mas exceda! Exceda! Esforce-se cada vez mais! “(II: 70-72). William Blake também declarou enigmaticamente: “O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.”

Novamente, podemos olhar para Hórus (com o Núcleo Infinitamente Contraído em Chama como Seu Coração e o Espaço Infinitamente Expansível como Seu Corpo) como um símbolo Daquilo que transcende as dualidades do Bem e do Mau, do Certo e do Avesso. Ao nos unir tanto com a “imagem cintilante” como com a “Criatura Cega do Limo”, podemos nos conhecer como o Todo que contém, mas transcende ambos: “Posto que duas coisas são feitas e uma terceira coisa é iniciada (…) Hórus pula três vezes armado do ventre de sua mãe” (“Liber A’ash”, linha 8). Como diz Hórus em Visão e a voz: “Eu sou a luz, e eu sou a noite, e eu sou aquilo que está além deles. Eu sou o discurso, e eu sou o silêncio, e eu sou aquilo que está além deles. Eu sou a vida, e eu sou a morte, e eu sou aquilo que está além deles”. Poderíamos acrescentar: “Eu sou bom, e eu sou o Mau, e eu sou aquilo que está além deles”. Hórus, o Sol, é um símbolo Daquilo que contém e transcende as dualidades, uma imagem dos nossos Verdadeiros Eus, idênticos em essência, porém diversos em expressão para cada indivíduo; outros símbolos cognatos incluem o ponto no círculo (o glifo Solar); a Rosa-Cruz; sêmen e fluido menstrual combinados (dois fluidos vivos e generativos combinados em um terceiro que “é uma substância e não duas, não viva e não morta, nem líquida nem sólida, nem quente nem fria, nem macho nem fêmea”- MIT&P, capítulo 20); o Coração circulado pela Serpente “Este meu coração está circundado com a serpente que devora suas próprias espirais” (ver Liber LXV); a cruz no círculo; o círculo ao quadrado (Liber AL II: 47); o Sol e a Lua unidos (chamados “a Marca da Besta” em “Liber Reguli” e “o sigilo secreto da Besta” no 1º Aethyr de Visão e a Voz); o Leão e a Águia; a palavra ABRAHADABRA; e infinitos outros. Em um determinado ritual onde o indivíduo se identifica com Hórus (“Liber XLIV: A Missa da Fênix”), proclamamos nossa transcendência da dualidade moral: “Não há graça: não há culpa:/Esta é a Lei: FAÇA O QUE TU QUERES!”

“Pois a Perfeição não reside nos Pináculos, nem nos Fundamentos, mas na Harmonia ordenada de um com todos”.

– “Liber Causae”, linha 32

Amor é a lei, amor sob vontade.

Link Original: https://iao131.com/2010/08/09/new-aeon-initiation-the-true-self-contains-good-and-evil-upright-and-averse/

#Thelema

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/inicia%C3%A7%C3%A3o-no-novo-aeon-o-verdadeiro-eu-cont%C3%A9m-bem-e-mal-o-certo-e-avesso