Diamantes são eternos!
Quem nunca ouviu essa frase antes? Ela se tornou ainda mais popular graças ao filme homônimo de 1971, onde James Bond – a última interpretação do herói feita por Dean Connery – se faz passar por um traficante de diamantes.
É claro que o significado da frase está relacionado com a vida útil do diamante, certo? Afinal diamantes estão entre as substâncias mais duras deste planeta! Inclusive, na escala de Mohs – criada em 1812 pelo mineralogista alemão Friedrich Vilar Mohs com dez minerais de diferentes durezas existentes na crosta terrestre – o diamante é o indicador extremo de dureza. A escala possui valores de 1 a 10. O valor de dureza 1 foi dado ao material menos duro da escala, que é o talco, e o valor 10 dado ao diamante que é a substância mais dura conhecida na natureza. E acredite, se você pensar que a escala é relativa, que eventualmente vão encontrar algo mais duro do que o diamente e a escala não vai valer nada, não está tão enganado: de fato encontraram uma substância mais dura do que o diamante, o diamante nanocristalino (também conhecido como hiperdiamante ou fulerita ultradura) – assim o diamante ainda é rei!
A lógica é simples, até uma criança pode entender. Escala de Mohs quantifica a resistência que um determinado mineral oferece ao risco, ou seja, à retirada de partículas da sua superfície. Quartzo risca o vidro, então é mais duro que o vidro. Topázio risca o quartzo, então é mais duro. Uma safira risca o topázio. Um diamante risca tudo!
E isso tudo porque o diamante é um alótropo do carbono. Mas não se assuste com o nome. Alotropia (do grego allos, outro, e tropos, maneira) foi um nome criado por Jöns Jacob Berzelius e que hoje designa o fenômeno em que um mesmo elemento químico pode originar substâncias simples diferentes. As substâncias simples distintas são conhecidas como alótropos. Assim, apesar de grafite ser feito de carbono e diamantes serem feitos de carbono, são diferentes. No caso do diamante o que o torna um, bem, um diamante, é que seus átomos estão alinhados em estruturas de cubo, o que cria uma configuração “metaestável”. A estrutura molecular de um diamante é incrivelmente robusta e, a não ser que o diamante seja submetido a quantidades incrivelmente altas de calor – e com isso quero dizer INCRIVELMENTE ALTAS PRA CARALHO – sua estrutura permanece inalterada indefinidamente.
É por isso que diamantes são eternos, correto?
Na verdade essa frase não foi criada se pensando nisso. Até a primeira metade dos anos 1800, diamantes eram muito raros. Para se ter uma idéia, até então a produção mundial de diamantes não passava de poucos quilos por ano. Naquela época os diamantes eram encontrados nas selvas brasileiras e em alguns leitos de rios da Índia. Nada que sustentasse uma operação de mineração em grande escala – na verdade nem uma operação em média escala. Mas então tudo mudou!
Em 1867 depósitos massivos desse mineral foram encontrados na África do Sul. Não cabe aqui culpar essas pequenas pedras por coisas como o Apartheid, a miséria e exploração predatória das pessoas e dos recursos da região. Na verdade agora e o momento de dizer que a partir daquele momento, a produção de diamantes aumentou exponencialmente. Ai então operações de mineração de grande escala passaram a se tornar interessantes.
Uma das pessoas que também percebeu isso foi o negociante inglês Cecil Rhodes, que em 1888 fundou, juntamente com o magnata dos diamantes Alfred Beit e com a bênção do banco londrino N M Rothschild & Sons, a De Beers. A De Beers teve o monopólio da industria de diamantes até 1957, ano em que Cecil morreu.
Bem, se antes de 1867 diamantes eram raros, e depois dessa data começaram a surgir quase às toneladas, o que você acha que aconteceu com o preço das pedras? Antes de responder imagine novamente o negociante Cecil Rhodes. Ele não era burro, e pensou na mesma coisa que você está pensando agora. O problema de começar a trabalhar com algo que é raro e caro e se torna abundante é que ele deixa de ser tão caro. Cecil não queria que isso acontecesse, não é a toa que ele foi acusado, entre outras coisas, de manipular o preço de diamantes, inclusive mantendo cofres cheios de pedras, controlando sua distribuição, para que não inundassem o mercado, se tornando objetos mais comuns e mais baratos.
Só que o problema não era apenas a De Beers inundar o mercado com diamantes, cada vez mais pessoas compravam as pedras, principalmente as existentes em jóias como colares, brincos, tiaras e anéis. Como as pedras eram um bom investimento, seria interessante que elas também não começassem a aparecer no mercado quando seus donos, ou donas, se encontrassem em uma situação de perrengue, assim a De Beers teve uma sacada de gênio!
Para evitar que as pessoas saíssem revendendo diamantes, dez anos antes de Cecil morrer, a De Beers conseguiu associar as pedras a uma instituição que era reverenciada por todos. Uma instituição atrelada até mesmo ao próprio Deus: o amor, o matrimônio, o casamento!
Na época, a crença geral era de que os diamantes eram um artigo de luxo existentes apenas para os ultra-ricos. A maioria das mulheres preferiam que seus futuros maridos investissem seu dinheiro em coisas mais práticas como um carro para a família, uma casa para a família, qualquer coisa para a família – não jóias. Ai entra uma agência de publicidade contratada pela De Beer, a N.W. Ayer & Son, e tem início uma campanha massiva para mudar a mente sã dessas pessoas preocupadas com o futuro de suas famílias.
A estratégia era simples, eles começaram a convencer as pessoas de que se você estivesse prestes a se casar, que melhor símbolo para uma união eterna do que uma aliança com um diamante.
Coincidência o musical da Brodway, “Gentlemen Prefer Blondes” – Os Homens Preferem as Loiras – de 1949 ter se tornado tamanho success que virou um filme em 1953 estrelado por Marilyn Monroe, trazendo a cena clássica em que a protagonista canta “Diamonds Are a Girl’s Best Friend” – os diamantes são os melhores amigos das mulheres?
Para se ted uma idéia do success da campanula de Ayer & Son, em 1951, 80% das novas apenas now Estados Unidos, tin ham uma aliança de diamantes, e essa porcentagem se mantém constante até os dias de hoje.
Um cavalheiro de nome Frances Gerety foi o pai da frase “diamantes são eternos”. A frase foi criada e usada para deixar claro que o diamante representava o seu amor eterno, pela sua afeição e carinhos eternos pela sua pessoa amada. Os diamantes se tornaram a manifestação física do seu compromisso com aquela pessoa que você diz ser o amor da sua vida. E isso tudo, claro, acabava impedindo que uma pessoa sequer pensasse em revender o seu diamante. E isso impedia que a nova quantidade de pedras invadisse o mercado, fazendo com que – Deus me perdoe – o preço delas começasse a diminuir.
Algo que poucas pessoas sabem, é que por causa da Grande Depressão americana, as alianças de casamento eram algo que estavam saindo de moda. Um luxo para pessoas que mal podiam comprar pão. A campanha do diamante as fez voltar com tudo! E você pensando em todo o simbolismo esotérico de uma aliança. Tsc tsc…
Mas isso quer dizer então que diamantes não duram para sempre?
O que você quer dizer com sempre?
O universo é a putinha da Entropia, você não pode se esquecer nunca disso. Ao longo do tempo – talvez tempo seja a palavra errada aqui, já que estou falando de uma quantidade além de qualquer compreensão que você tenha do termo – as coisas mudam. Elas não podem evitar. Eventualmente todas as coisas decaem e se degradam e diamantes não são imunes a isso. Em uma quantidade de tempo longa o suficiente os diamantes se transformam em grafite, exatamente igual àquele encontrado dentro do seu lápis 6B! Mas quanto tempo levaria para isso?
Bilhões e bilhões de anos, talvez mais. Para você ter uma idéia o nosso sol levou aproximadamente 50 milhões de anos para passar de uma nuvem gasosa para uma estrela de verdade. Muita gente fala do dia em que o sol vai entrar em colapso e fritar tudo ao redor. Estima-se que isso vá ocorrer em aproximadamente 6.5 bilhões de anos. Ou seja para um diamante talvez quase nada! Imagine que um diamante precise de 15 bilhões de anos para se transformar em carbono, agora imagine que nosso universo tem apenas 14 bilhões de anos. Começou a entender a dimensão da coisa?
Assim, mesmo que um diamante não seja para sempre, ele provavelmente vai viver muito mais tempo do que nós, do que nossa estrela, e do que parte do universo antes de deixar de ser um diamante. Você consegue imaginar algo que consiga resistir tanto tempo assim? Algo que permaneça inalterado e puro por tanto tempo?
Só uma coisa me vem à cabeça! Um triângulo retângulo.
Veja, diamantes podem ser quase eternos, podem existir por tanto tempo quando o nosso universo, mas eventualmente eles vão virar algo tão comum e ordinário quanto um pedaço de grafite. Um triângulo retângulo não.
Onde quer que dois catetos se encontrem com uma hipotenusa, a soma de seus quadrados será igual ao quadrado da dita hipotenusa. Não importa que não existam mais seres conscientes, não importa que o universo seja um campo de grafites sem uma folha sulfite onde se escrever isso. O teorema de Pitágoras existirá.
E não apenas ele.
O teorema de Euclides de que existem infinitos números primos também existirá exatamente como é mesmo depois que o universo tenha apagado suas luzes e colocado as cadeiras em cima das mesas.
Euler já não existe mais, seu corpo morreu em 18 de setembro de 1783, em sua eulogia para a Academia Francesa, o filósofo e matemático francês marquês de Condorcet, escreveu:
il cessa de calculer et de vivre
ou em bom português: “ele terminou de calcular e de viver”.
Mas seus teoremas – o Teorema de Euler sobre as Diferenciais Exatas, O Teorema do Deslocamento de Euler, O Teorema da Distribuição de Euler, o Teorema de Fermat-Euler, e muitos outros – poderão ser recitados, mesmo que com outros nomes, no fim do tempo, e estarão lá intocados, verdadeiros e eternos, como nenhum diamante, ou nenhuma substância estará.
Mesmo quando a Entropia terminar de consumir a si mesma, o Teorema de Liouville, que diz que uma função complexa inteira e limitada é constante, estará. Inalterado.
Isso não quer dizer que a Matemática exista independente do cérebro humano, ou que o cérebro humano crie a matemática. Isso só quer dizer que se você quer mesmo algo que simbolize algo eterno – REALMENTE ETERNO – para associar a seu amor, a seu compromisso. Esqueça diamantes. Dê um teorema.
Um Fuckerupper de LöN Plo
[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/diamantes-sao-eternos/ […]
Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/diamantes-sao-eternos/
Eu tava com saudades do site de volta, principalmente por causa desse texto.
LoN Plo, você explodiu minha mente de um jeito belo e poético.