A Peste Negra

A chamada peste negra foi talvez a pandemia que mais marcou a história a história universal. Seja por sua extensão territórial, seja por ter permanecido inexplicáel por muito tempo, ou mesmo pelo número assombroso de pessoas que matou, sua lembrança persiste até hoje no imaginário ocidental como uma genuina expressão da face da morte, comparável às das  grandes guerras mundiais.

No início de 1330 o primeiro foco da peste bubônica aconteceu na China. A peste afeta principalmente roedores, mas suas pulgas podem transmitir a doença para as pessoas. Uma vez infectada, o contagio a outras pessoas ocorre de maneira extremamente rápida. A peste causa febre e um inchaço doloroso das glândulas linfáticas chamadas de bulbos, daí o seu nome. A doença pode também causar manchas na pele que apresentam primeiramente uma cor avermelhada e então se torna negra.

Como a China era um das maiores nações comerciais, foi só uma questão de tempo até que a epidemia da peste se espalhasse pela Ásia oriental e pela Europa. Em outubro de 1347, vários navios mercantes Italianos retornaram de uma viagem ao mar negro, um dos elos no comércio com a China. Quando os navios aportaram Sicília muitos dos que estavam a bordo já estavam morrendo por causa da peste. Após alguns dias a doença se espalhava pela cidade e pelos arredores. Uma testemunha ocular conta o que aconteceu:

“Percebendo que um desastre mortal havia chegado a eles, as pessoas rapidamente expulsaram os italianos de sua cidade. Mas a doença permaneceu, e logo a morte estava por toda parte. Pais abandonavam seus filhos doentes. Advogados se recusavam a sair de casa e fazer testamento para os moribundos. Frades e freiras foram deixados para trás para tomar conta dos doentes e monastérios e conventos logo estavam desertos, pois eles também foram afetados. Corpos foram deixados em casa abandonadas, e não havia ninguém para lhes dar um funeral Cristão.”

A doença atacava e matava com terrível rapidez. O escritor italiano Boccaccio disse que as vítimas normalmente,

“almoçavam com seus amigos e jantavam com seus ancestrais no paraíso.”

Em agosto no ano seguinte, a peste havia se espalhado ao norte até a Inglaterra, onde as pessoas a chamavam de “A Morte Negra” por causa das manchas negras que ela causava na pele. Um terrível assassino estava solto na Europa, e a medicina medieval não tinha nada para combatê-lo.

No inverno a doença parecia desaparecer, mas somente porque as pulgas, grandes responsáveis pelo transporte da peste de pessoa para pessoa, estavam dormentes. A cada primavera a peste atacava novamente, fazendo novas vítimas. Após cinco anos 25 milhões de pessoas estavam mortas, um terço da população da Europa.

Mesmo quando o pior havia passado epidemias menores continuaram a acontecer, não só por anos mas por séculos. Os sobreviventes viviam em medo constante do retorno da peste, e a doença não desapareceu até o século XVII.

A sociedade medieval nunca se recobrou dos resultados da praga. Tantas pessoas haviam morrido que houveram sérios problemas de mão de obra em toda a Europa. Isso fez com que trabalhadores pedissem maiores salários. No fim do século XIV revoltas de camponeses aconteceram na Inglaterra, França, Bélgica e Itália.

A doença também cobrou sua dívida na igreja. Pessoas durante a era cristã rezaram com devoção para serem liberados da praga. Por que essas preces não foram atendidas? Um novo período de distúrbio político e questionamento filosófico surgiam à vista.

O Desastre Acontece

População estimada na Europa entre os anos 1000 e 1352

1000 38 milhões
1100 48 milhões
1200 59 milhões
1300 70 milhões
1347 75 milhões
1352 50 milhões

Calcula-se que a peste negra tenha matado mais de 25 milhões de pessoas entre 1347 e 1352. Ou seja, a peste bubônica sozinha dizimou cerca de 1/3 da população na Europa em apenas cinco anos. Isso sem contar a imensidão de orfãos e viúvas deixados no rastro da epidemia.

Um Relato Sobre o Início da Peste

“No começo de Outubro, no ano 1347 da encarnação do Filho de Deus, doze galeões Genoveses que estavam fugindo da vingança de nosso Nosso Senhor, vingança essa lançada contra seus feitos nefastos, entraram no porto de Messina. Em seus ossos traziam tão virulenta doença que qualquer um que tão somente falasse com eles enfrentaria seus sintomas mortais e logo sucumbiria sem esperanças de evitar a morte. A infecção se espalhou para todos que tiveram intercurso com os doentes. Os infectados se sentiam penetrados por uma dor que se fazia sentir por todo o corpo e, por assim dizer, indeterminada. Então desenvolviam em suas virilhas e em seus braços bolhas pustulentas. Estas infectavam o corpo inteiro e penetravam tão profundamente que o paciente ficava vomitando sangue violentamente. Esses vômitos de sangue se seguiam sem pausa por um período de três dias, sem haver como curá-lo, e então o paciente expirava. Mas não só aqueles que tinham intercurso com eles morriam, mas também aqueles que haviam tocado neles ou em qualquer uma de suas coisas.

“Em breve os homens se odiavam tanto que se um filho fosse atacado pela doença seu pai não cuidaria dele. Se, apesar de tudo, ele ousasse se aproximar também se contaminaria e estaria marcado para morrer em três dias. E isso não era tudo, todos aqueles habitando a mesma casa que ele o seguiriam à morte. Conforme o número de mortes crescia em Messina muitos desejavam confessar seus pecados aos padres e expressar seus últimos desejos colocando-os em seus testamentos. Mas eclesiásticos, advogados se recusavam a entrar nas casas dos doentes. Mas se algum deles colocasse um pé dentro da casa do doente ele era imediatamente abandonado para a morte súbita. Freiras, Dominicanos e membros de outras ordens que ouviam as confissões dos moribundos eram logo subjulgados pela morte tão rapidamente que alguns nem chegavam a abandonar o quarto do doente. Logo os corpos estavam largados pelas casas. Nenhum eclesiástico, nenhum filho, nenhum pai e nenhum parente ousava entrar, mas pagavam serventes altas taxas para enterrar os mortos. Mas as casas dos mortos permaneciam abertas, com todos os seus pertences, jóias e ouro e todo aquele que decidisse entrar para reclamá-las o fazia sem encontrar obstáculos, pois a praga atacava com tanta veemência que em pouco tempo havia uma falta de serventes e finalmente não havia nenhum.

“Quando a catástrofe alcançou seu clímax os Messienses se decidiram emigrar. Uma parte deles achou abrigo nos vinhedos e nos campos, mas uma parte maior procurou refúgio na cidade da Catânia, na esperança que a Santa Virgem Agatha de Catânia lhes pouparia de seu mal. Para esta cidade se dirigiu a Rainha da Sicília e de lá convocou seu filho Don Federigo. Em novembro os Messienses persuadiram o Patriarca, Arquebispo de Catânia, a permitir que as relíquias de santos fossem trazidas para sua cidade. Mas a população de Catânia não permitiriam que os ossos sagrados fossem removidos de seu lugar. Agora processões e pelegrinagens se dirigiam a Catânia para se apresentar a Deus, mas a praga atacava com mais veemência que antes. A fuga não era mais uma opção. A doença se escondia entre os fugitivos e os acompanhava por todo lugar onde fossem buscar ajuda. Muitos dos fugitivos caiam nas beiras de estradas e eram arrastados para o campo ou escondidos entre os arbustos para morrerem lá. Aqueles que alcançaram a Catânia tiverem seu último suspiro nos hospitais que haviam lá. Os cidadãos horrorizados demandavam que o Patriarca proibisse que os doentes recebessem uma banição eclesiástica e que fossem enterrados nos arredores da cidade, e então eles eram atirados em valas cavadas do lado de fora dos muros da cidade.

“A população de Catânia era tão tímida e atéia que ninguém dentre eles ofereceu (aos fugitivos) abrigo. Se alguns grupos em segredo não houvessem ajudado um pequeno número de pessoas de Messina, elas teriam sido abandonadas sem auxilio algum. Mesmo se espalhando por toda a ilha da Sicília, e junto com eles a peste, inúmeras pessoas morreram. Sempre que alguém em Catânia sofria de dores de cabeça e calafrios essa pessoa sabia que estava destinada a morrer dentro do prazo, então saia para se confessar com os padres e para fazer seus testamentos com os advogados. Quando a praga ganhou peso em Catânia o Patriarca delegou a todos os eclesiásticos, até os mais jovens, com todos os poderes sagrados para a absolsão dos pecados que ele como bispo e patriarca possuía. Mas a pestilência continuou atacando de outubro de 1347 a abril de 1348. O próprio patriarca foi um dos últimos a morrer. Ele morreu realizando seu trabalho. Ao mesmo tempo o Duque Giovanni, que havia evitado cuidadosamente cada casa infectada e pessoa doente morreu.”

Analisando a Peste

A variedade de respostas à praga talvez seja o que melhor nos mostre a natureza da sociedade medieval Européia na Idade Média.. Mas quando investigamos as respostas humanas à peste devemos considerar o seguinte:

É a natureza humana reagir e responder a diferentes eventos e circunstâncias. Uma boa técnica de entender os complexos eventos é analisar o comportamento humano separando-o em categorias distintas. Essas podem incluir respostas científicas e médicas, políticas, sociais ou religiosas. Essas categorias não são exclusivas e uma coisa pode cair em várias categorias, mas geralmente esse método faz que vários dados sejam organizados de maneira compreensiva.

Todas as civilizações sempre se preocuparam com a saúde e doenças. Todas tiveram curandeiros de um modo ou outro e forneceram explicações para a ocorrência de doenças. Veja agora os elementos da teoria e prática médica prevalecente na Europa e no Oriente Médio na época da praga.

Rumores do Anti-Cristo

Com tantas mortes ao seu redor, os europeus começaram a enxergar o fim do mundo, como a Bíblia Cristã previa. Uma das professias do Livro do Apocalipse dizia que o Anti-Cristo apareceria.

“Os rumores citados abaixo foram escritos em 1349, pelo Irmão William de Blofield na Inglaterra para um irmão Frade Dominicano em Norwich. Existem inúmeros profetas nos arredores de Roma, cujas identidades permanecem um segredo, que inventaram estórias como esta por anos. Eles dizem que neste mesmo ano, 1349, o Anti-Cristo vive com 10 anos de idade e é uma criança encantadora, tão bem educada em todas as áreas de conhecimento que nenhum ser vivo pode se igualar a ele. E eles também dizem que existe outro garoto, agora com 12 anos, e vivendo além das terras dos tártaros, que foi criada como um cristão e será ele que destruirá os saracenos e se tornará o maior homem no reinado cristão, mas seu poder logo será trazido para um fim pela chegada do Anti-Cristo.”

Teorias Médicas Medievais

A teoria médica medieval esteve em grande dívida com os antigos filósofos Gregos e Greco-Romanos. A medicina islâmica não somente se utilizava de práticas antigas, mas os filósofos islâmicos também desenvolveram um sofisticada teoria médica. A medicina européia do século XIV aplicava as tradições antigas assim como as islâmicas. Para a maioria dos europeus existiam três grandes autoridades que representavam essas tradições médicas, Hipócrates, Galen e Avicena.

Os documentos revelam as teorias médicas envolvendo as causas da peste e seus métodos de tratamento.

Naquele tempo a peste não se encaixava no conhecimento médico contemporâneo que em sua maioria afirmavam que doenças eram transmitidas através do “ar ruim”, que geralmente possuía um cheiro nauseabundo. Para prevenir que as doenças se espalhassem era comum a terapia de aromas. Isso podia incluir a queima de incensos ou a inalação de fragrâncias, como perfumes ou flores. Isso não afetou o avanço da peste e muitos curandeiros  fugiam ao primeiro sinal da doença.

Biologia da Peste Negra

Nós devemos nos lembrar que no século XIV, as idéias modernas de medicina ainda não haviam se desenvolvido. Não foi até o século XIX que os fisiologistas foram capazes de isolar a causa precisa da peste.

A causa da peste foi finalmente descoberta pela comunidade médica na última década do século. Como resultado da então nova teoria de germes causadores de doenças, pesquisadores acharam que a peste bubônica era de fato causada por uma infecção massiva da bactéria Yersinia Pestis. Somente com esta descoberta é que se tornou possível sintetizar os antibióticos necessários para combater esta doença.

O bacilo, Yersinia Pestis, é normalmente encontrado vivendo como um parasita dentro de ratos. Lá a bactéria pode se multiplicar, infectar a corrente sangüínea, órgãos e outros sistemas dos roedores hospedeiros. Pulgas vivendo nesses ratos ingerem o sangue infectado quando se alimentam, e assim se tornam infectadas pela bactéria. Normalmente essas pulgas vivem somente nos ratos, mas a peste também os afetou assim como aos humanos, e logo os ratos hospedeiros acabam morrendo. As pulgas devem então encontrar um novo hospedeiro e, por causa da proximidade entre as duas espécies devido principalmente às condições de vida da época, logo elas migraram para seus novos hospedeiros, os humanos. A infecção acontece quando a pulga começa a se alimentar de sangue humano e acaba passando a bactéria através de fluídos para o hospedeiro humano.

Este tipo de infecção acaba causando o tipo de peste denominada “bubônica”. A bactéria começa a se multiplicar na corrente sangüínea da pessoa infectada, chegando à veias e artérias e ao tecido dos pulmões. Como resultado, uma pessoa infectada normalmente exibirá uma descoloração na pele causada pela hemorragia nos capilares. Como resultados sua pele apresenta uma aparência pálida marcada por vários hematomas. A bactéria também ataca o sistema linfático. A infecção dos nódulos linfáticos é que dá a este tipo de peste o seu nome. Os nódulos linfáticos tentam criar anticorpos para combater a infecção, o que acaba resultando num inchaço do tamanho que varia de uma noz até o tamanho de uma maçã. Os inchaços resultantes, localizados nas axilas, pescoço ou virilha eram chamados de “bulbos” ou “bubões” pelos europeus medievais. Era geralmente este sintoma em particular que permitia com que os doutores contemporâneos detectassem a presença desta doença. A forma bubônica desta doença na maioria dos casos se mostrava fatal, mas existem registros de pessoas que se recuperaram completamente após ficarem seriamente doentes.

Existem outras duas formas desta doença, pneumônica e infecciosa. A primeira envolve uma infecção no tecido pulmonar que causa o acúmulo de fluído que acaba acarretando na morte do infectado. Evidência sugere que um pessoa pode contrair esta forma da doença ao inalar gotículas de saliva ou outro fluído corporal de uma pessoa infectada. A forma pneumônica parece causar uma taxa de morte que se aproxima a 100%. A Segunda forma da doença, infecciosa, envolve uma forma de infecção tão rápida e massiva que a morte acontece antes mesmo que os sintomas principais tenham tempo de aparecer. Esse tipo relativamente raro da peste pode ser encontrado em registros médicos indicando que a pessoa simplesmente morreu durante as epidemias de peste por nenhuma razão aparente.

Ambos os tipos desta doença afetaram a sociedade européia entre os anos de 1347-1348 e em epidemias que ocorreram nos anos seguintes. Infelizmente ainda é muito difícil se dizer qual das formas da doença estava presente em algumas das localidades e em alguns casos da peste. De fato ao que tudo indica alguns casos de epidemias da peste não passavam de casos de disinteria, por exemplo, e muitas outras doenças acabaram ganhando o rótulo da peste em epidemias que ocorreram mais tarde. Uma pista para se identificar a forma da doença depende da época do ano no qual determinada epidemia aconteceu. Por causa da temperatura e umidade do ar que permitem a população de pulgas a prosperar, a peste bubônica tendia a surgir nos meses de verão enquanto a pneumônica durante o inverno. A relação entre a forma da peste, o clima e a localização geográfica da epidemia entretanto é algo complexo, e um conhecimento biológico definitivo destes eventos históricos é difícil de se estabelecer.

Durante os períodos medievais e no início do período moderno somente o rato negro, ou rato de telhado, parece ter vivido na maior parte da Europa. O rato negro (Rattus rattus) vivia próximo de humanos preferindo, por exemplo, viver em sótãos ou telhados. O rato negro não encontrou dificuldades para se adaptar aos humanos já que pesavam 315 gr e chegavam a 17,5 cm. O rato marrom, ou rato de esgoto, tomou o lugar do rato negro em algum ponto do século XVIII. As pulgas do rato marrom (Rattus nirvegicus) são menos efetivas como transmissoras da bactéria e alguns historiadores alegam que essa mudança foi a responsável pelo, de outra maneira difícil de se explicar, desaparecimento das grandes epidemias na Europa nessa época.

A Peste na Europa

No fim de 1347 a “Peste Negra” havia chegado no centro oeste e estava começando a se dirigir para a parte sul da Europa. Em seis meses, no início do verão, a doença havia se espalhado pela Itália, Europa Central e atingido a parte norte da Espanha. No Natal de 1348 o seu alcance atravessou o Canal da Mancha e os Alpes. Outros seis meses foram testemunhas do seu avanço para a Irlanda, interior da Inglaterra e para o norte da Europa. O inverno de 1349 trouxe a peste para a Escócia, partes da Escandinávia e aos Países Baixos. No ano seguinte a doença havia chegado na Suécia, norte da Alemanha e norte da Polônia. Nenhuma parte da Europa foi tão afetada como as cidades de Liege e Nuremberg, assim como algumas cidades do sul da França e da Alemanha central parecem ter sido ignoradas pela praga.

Durante a Era Medieval as rotas de comércio na Europa passavam pelo eixo norte-sul. Mercadorias dos mercados do Oriente Médio inundavam o sul da Europa chegando pelas cidades estados da Itália. De lá as rotas de comércio se ramificavam em direção ao norte seguindo os rios as passagens naturais nos Alpes. Como a tecnologia marítima ainda era muito precária as principais rotas eram terrestres.

A Peste Bubônica pode voltar?

como visto anteriormente, a peste bubônica é provocada por uma bactéria, a Yersinia Pestis, geralmente transportada por pequenos roedores (ratos) e transmitida ao homem pelas pulgas. Como facilmente se compreende, são os países das regiões mais pobres, com condições sanitárias e higiénicas mais desfavoráveis, os que estão à mercê deste tipo de doença.

Esta lógica tem elevado com frequência a preocupação da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), quanto ao problema, especialmente depois dos anos 90 quando os relatados  de algumas dezenas de casos acoteceram na Índia. Neste mesmo país, entre os anos de 1889 e 1950 a Peste Bubonica já foi responsável por mais de 12,5 milhões de mortos.

As formas conhecidas como peste bubônica e peste pneumônica ainda existem no Brasil, especialmente na região nordeste. Apesar de dispormos de tratamento com antibiótico, este é eficaz quando o diagnóstico é feito precocemente. O diagnóstico precoce também é importante pelo caráter contagioso da forma pneumônica, que necessita isolamento respiratório do doente. Se tratado a tempo, este se recupera sem sequelas.

 

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-peste-negra/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-peste-negra/

Os Corvos de Wotan, parte 3

» Parte 3 da série sobre Odin ver parte 1 | ver parte 2

A fonte da sabedoria

Ainda abaixo de uma das gigantescas raízes de Yggdrasil, a árvore cósmica a sustentar todos os reinos míticos da mitologia nórdica, se encontra uma nascente d’água muito especial: Mímisbrunnr. É neste pequeno lago que vivia o Mímir, um reconhecido sábio (seu nome significa algo como “o sábio”, ou ainda “aquele que se lembra”). Odin ficou sabendo da existência desta fonte, que se acreditava dar “a sabedoria de todas as eras” aqueles que a bebiam regularmente (daí a sabedoria do próprio Mímir, seu guardião). Ora, como Odin era um deus que buscava a sabedoria, ele a visitava regularmente para beber um pouco de sua água, assim também ficando amigo de seu protetor.

O que ficou mais conhecido desta história, entretanto, foi o fato de Odin ter arrancado um de seus olhos (não se sabe qual ao certo) e o mergulhado no lago, onde jaz até hoje, oculto no lodo, onde talvez só ele e o Mímir saibam localizar. Diz-se que Odin realizou tal sacrifício em troca da sabedoria do Mímir, mas obviamente algo aqui não faz sentido: se Odin já conhecia a localização do poço, se já era amigo do Mímir, qual seria a necessidade de sacrificar um olho em troca de sabedoria (da qual ele já dispunha gratuitamente)?

Este me parece mais um mito cuja interpretação exige que usemos os olhos da alma, e não do corpo. Para mim, está muito clara a metáfora de “se ter um olho no mundo espiritual, e um olho no mundo terreno”. Ora, por mais que Odin pudesse galopar os céus em seu corcel de oito patas, ele aparentemente não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ou pelo menos não podia estar no plano terreno e no plano espiritual ao mesmo tempo. Esta bela história nos aponta, portanto, para um fato bastante conhecido do caminho espiritual, e até mesmo da própria prática da magia ou da mediunidade: abre-se um olho lá, fecha-se um olho cá. Mas, querer fazer ambas as coisas ao mesmo tempo pode nos levar a loucura, a não ser, talvez, que sejamos também da raça dos deuses.

A cabeça perdida e encontrada

Infelizmente o destino do Mímir não foi dos mais agradáveis… Na apocalíptica guerra entre os vanir e os æsir, o Mímir teve sua cabeça cortada por um guerreiro vanir. Ora, os vanir eram um povo relativamente pacífico e místico, que cultuava deuses da fertilidade e da sabedoria, e também se dizia que muitos eram capazes de ver o futuro. Eles já habitavam o norte europeu, mas foram invadidos pelos æsir (ou “meio-deuses”), um conglomerado de tribos guerreiras e expansionistas, que vinham da Ásia e do sul europeu em busca de novos territórios. Como o Mímir, juntamente com Odin, pertencia aos æsir, foram deles a iniciativa do ataque.
Os vanir eventualmente foram conquistados e tornaram-se um subgrupo dos æsir, até que as eras se passassem e todos fossem confundidos com um só povo: o povo nórdico…

Mas, voltando a grande batalha: Odin, não se dando por rogado, encontrou a cabeça perdida do Mímir após o final da chacina e, com sua magia, manteve seu amigo vivo como uma peculiar (e, provavelmente, assustadora) cabeça falante que ele carrega consigo para onde quer que vá – pois o Mímir ainda é um grande e sábio conselheiro.

Esta épica batalha, que poderia ser lamentada como um fato trágico, na realidade é festejada como o alvorecer da civilização – de qualquer civilização, pois todas começaram assim, e todas tem mitos muito próximos [1] –, quando tribos sedentárias e pacíficas, que já dominavam a agricultura, são invadidas e quase dizimadas por tribos nômades guerreiras. Mas, no fim, tudo se ajusta: a cultura das tribos nativas, geralmente mais profunda e espiritual (por se tratar de gente “que tinha tempo de viver, e não apenas caçar e coletar”), é assimilada aos poucos pela cultura invasora, e com o passar dos séculos é como se todas fossem uma só cultura – e, de fato, já o são.

O próprio fato de Odin ainda hoje ser visto como um deus de sabedoria e magia, e não apenas um grande guerreiro, demonstra que talvez, no fim, a cultura dos vanir tenha se sobressaído à cultura dos æsir, e isso talvez indique que ainda podemos ter a esperança de uma volta a este antigo mundo pacífico: onde a fertilidade é mais exaltada do que a ferocidade.

Mas, e quanto à cabeça decepada e falante do Mímir, o que diabos isso significa? Olha, não vou dizer que sei o que isso significa, mas este mito me remete pelo menos a duas considerações: a primeira, é que os nórdicos já sabiam valorizar a importância da cabeça em relação ao corpo, o que a neurociência apenas confirmou; a segunda, é que eles tinham algum senso de humor.

O deus enforcado

Como já disse no início, Odin também é reverenciado por ter trazido ao conhecimento dos homens as runas, que nada mais eram do que o primeiro alfabeto do povo nórdico, o que possibilitou a origem da escrita entre eles. O que eu não mencionei é o quão estranha é, a primeira vista, a história que nos conta como Odin obteve tal conhecimento…

Diz-se que ele, desejando adentrar reinos ocultos do mundo espiritual, enforcou-se na própria árvore cósmica, Yggdrasil, por nove dias e nove noites (nove também são os reinos míticos da mitologia nórdica em geral), enquanto era estocado por sua própria lança (não está claro quem o “auxiliava” neste ritual, talvez fosse ainda o Mímir quando tinha o corpo inteiro)… Ao final de todo esse sacrifício, Odin acordou (se é que ele morreu no processo, entende-se que após os nove dias ele ressuscitou [2]) e trouxe consigo a memória do conhecimento da escrita rúnica.

Ora, sabe-se que todos os deuses inventores da escrita foram grandes, ou ainda são: pois foi exatamente a escrita que possibilitou que o conhecimento sobre eles fosse preservado de forma mais exata (o que não necessariamente é algo sempre bom). No Egito antigo sabe-se que tal tarefa coube ao deus Thoth. Posteriormente, na Grécia, existiu também Hermes, que partilhava de tantas características em conjunto com Thoth, que muitas vezes faziam referência a ambos os deuses sob o título de Toth-Hermes. Entre os romanos, Hermes foi conhecido como o deus Mercúrio e, de fato, muitos historiadores acreditam que os romanos também confundiam Mercúrio com o próprio Odin, quando se referiam aos povos nórdicos – assim, o ciclo se fecha…

Mas, o que me interessa aqui é que todos os deuses inventores da escrita também eram reconhecidos como grandes intermediários entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses, ou seja: eram médiuns, ou xamãs [3].

E é exatamente daí que parte a compreensão do que diabos Odin foi tentar fazer ao se enforcar numa árvore cósmica: ora, é claro que se trata de ainda mais uma metáfora. A árvore Yggdrasil sustenta todo o Cosmos e, dessa forma, o ato de “enforcar-se” nela nada mais é do que o ato de “perder a consciência deste mundo, e viajar com ela alhures”… Além desta referência mais clara ao xamanismo (ou a viagem astral) há ainda a questão das “estocadas de lança”: uma imagem muito comum na arte das cavernas, a arte rupestre, de nossa pré-história longínqua, e que também está intimamente relacionada às práticas xamãnicas.

O ato simbólico de se cortar, espetar, estocar com lanças, ou até mesmo destroçar o próprio corpo, significa, para o xamã, o abandono total do apego ao corpo, para que ele possa se elevar mais facilmente, e mais profundamente, aos reinos etéreos de sua própria alma, ou da Alma do Mundo, ou de Yggdrasil. Estes sacrifícios foram necessários para que os xamãs, os grandes heróis míticos de outrora, pudessem nos trazer conhecimentos ocultos, que podiam variar desde “onde caçar amanhã”, a “quais plantas e ervas coletar para fabricar este ou aquele remédio”, a até mesmo a própria inspiração divina para algo totalmente novo, como a escrita rúnica.

» Na última parte: finalmente, os corvos…

***

[1] No Mahabharata hindu temos histórias de batalhas muito parecidas, de onde surgiram grandes reinos e, eventualmente, a própria civilização. Na Europa não será diferente: mesmo a origem de Roma teve seu episódio de brutalidade para com tribos pacíficas na região próxima. No Brasil, poderíamos nos referir aos indígenas como os vanir, e aos colonizadores europeus como os æsir (como já disse, a história é escrita pelos vencedores).

[2] Avatares que morrem por “x dias” e ressuscitam com novos conhecimentos místicos existem aos montes na mitologia em geral.

[3] Você pode achar estranho o termo “xamã” aparecer toda hora neste relato, e tem toda razão: o termo surgiu do estudo antropológico dos primeiros místicos tribais da Sibéria, mas acabou por ganhar o mundo num significado bem mais amplo, referindo-se a todo e qualquer chefe espiritual tribal de toda e qualquer cultura selvagem antiga. Dessa forma, obviamente os índios do Brasil não chamam a seus xamãs como xamãs, mas sim como pajés, e assim vai… É nesse sentido que os termos “xamã” e “xamanismo” (a prática espiritual do xamã) são utilizados ao longo desta série.

***

Crédito das imagens: [topo] viking-mythology.com (A fonte do Mímir); [ao longo] Anônimo

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#Mitologia #Odin #Paganismo #xamanismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/os-corvos-de-wotan-parte-3

A importância do Catimbó na Umbanda

A  Umbanda,  religião  genuinamente  brasileira,  é  um  misto  de  Cristianismo, Espiritismo,    Catolicismo,    culto aos orixás   e Catimbó. A Umbanda tem seu edifício solidificado nas bases principais do evangelho cristão, e sua maior lei é Amar a Deus sobre todas as coisas e o amar ao próximo como a si mesmo. A Umbanda é uma religião, espírita – magista, trabalhando com os espíritos desencarnados, de diversas faixas vibratórias, a Umbanda, tem seu catecismo em simbologias enigmáticas (Pontos riscados, cantados, velas coloridas, etc.)

A Umbanda é voltada para a prática da caridade (fora da caridade não há salvação), tanto espiritual quanto material (Ajuda entre irmãos), propagando que o respeito ao ser humano, é a base fundamental para o progresso de qualquer sociedade.

Hoje o culto do catimbó começa a ser difundido numa rapidez tão grande, como no começo. O Catimbó, ainda hoje cultuado nas terras do Norte e em algumas casas tradicionais de Umbanda, tem significativa importância no processo de entendimento e decodificação da Umbanda Brasileira.

Pajelança, Torés, Rituais de Fogo entre outros, fazem parte desta linha de trabalhadores da Umbanda, que erroneamente são confundidos com Exus ou com espíritos maléficos. O ritual do Catimbó, ainda hoje pouco estudado mais muito difundido, emprega a magia das fumaças dos cachimbos virados,  dos toques dos antigos atabaques, chocalhos e maracás. A presença desses mestres e mestras é constante já há muito tempo, mais de forma errada e por se apresentarem junto com os Exus, passaram a ter ser culto difundido de forma errada. Trabalham em uma faixa de energia vibratória muito parecida com a dos Exus, ou seja o preto começando a clarear para o vermelho.

Daí a necessidade da incorporação nas giras de Exu. Como o culto do Catimbó foi esquecido e eles precisavam trabalhar e prestar a caridade, encontraram na gira de Exu a faixa vibratória perfeita para realização dos trabalhos.

São entidades presentes desde o começo da Umbanda, conhecendo todas as magias e feitiços. Não tem compromisso com qualquer orixá ou entidade, respeitando somente a força de uma árvore conhecida como Jurema. Segundo os mestres do Catimbó, é da jurema que foi feito a cruz para crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Trabalham com fogo, fumaça, pontos de fogo, caldeirões com feitiços, punhais e ossos. Trazem na sua origem os sertões do nordeste onde a fome era predominante, e o sol maltratava a todos.

Muitos foram vaqueiros, tocadores de boi e andarilhos sempre a procura de alguma diversão ou amores com mulheres da vida (algumas hoje também são grandes mestras do Catimbó). Hoje o culto do catimbó, começa a tomar força novamente e algumas casas já dão suas giras separadamente das giras de Exu. Suas bebidas vão desde a cachaça, passando pelas cervejas e chegando até os misturados das terras do norte, tipo Aluá.. Não são assentados e tem por obrigação a sua casa na entrada dos barracões. São cultuados junto com as almas das segundas-feiras, recebem suas oferendas em portas de bar e em subidas de morro. Tem predileção pelo peixe frito e pelos petiscos em geral. Suas guias são de preto, vermelho e  branco. Se vestem com roupas claras e alguns com roupas típicas das regiões onde viveram.

A UMBANDA DE ZÉ PELINTRA

Fica difícil falar em Catimbó sem citar o mais conhecido de todos os malandros e chefe dessa magnífica falange, Seu Zé Pelintra.

Tem sua importância hoje difundida ao ponto de ser sinônimo de catimbó e de culto da Jurema. Ogã de Xangô e morto pelas costas pelo amor de uma velha malandra, hoje Zé Pelintra é difundido e falado em toda as linhas do santo, como grande malandro e boêmio.

Grande mestre do Catimbó, comanda a falange dos mestres e mestras juremeiras e no plano espiritual continua ensinando e difundindo o culto.

Dentre os Mestres e Mestras mais conhecidas, podemos citar Zé pelintra, Mestre Junqueiro, Mestre Chico, Mestre Antônio, Mestre Bira, Carioquinha, Mestra Maria Tereza, Mestra Maria da Luz, Mestra Josefa de Alagoas entre outras. Hoje a saudação usada pala louvar os mestres do Catimbó é A COSTA!!!

A UMBANDA DE SEU MARTIM PESCADOR

São também grandes Mestres da jurema e possuidores de um grande ensinamento. São em geral marinheiros, marujos, navegadores e pescadores que na maioria tiveram seu desencarne nas águas profundas do mar. São comandados e chefiados pelo Mestre Martim, grande catimbozeiro e que trabalha com as energias das águas do mar.

Em comum não são possuidores de giras próprias e se fazem presentes nas giras do Catimbó. Em algumas regiões são conhecidos como baianos ou marujeiros. Quase sempre se apresentam bêbados, e tem em suas danças o balanço das ondas do mar. Suas cores são o branco e azul, vem quase sempre vestidos de marujos, tem no peixe o seu símbolo máximo, comem todos os tipos de frutos do mar e bebem também a cerveja e a cachaça. Sua saudação é TRUNFÊ, TRUNFÁ TRUNFÁ REÁ, A COSTA MARUJADA!!!

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-importancia-do-catimbo-na-umbanda/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-importancia-do-catimbo-na-umbanda/

Caipora

A lenda da Caipora é bastante comum em todo o Brasil. Segundo muitas tribos, principalmente as Tupi-Guarani, a Caipora era um Deus que possuía como função e dom o controle e guarda das florestas. Com o contato com outras civilizações não – indígenas, esta divindade foi bastante modificada quanto a sua interpretação,passando a ser vista como uma criatura maligna. Quando um projeto sai errado, se diz que seu autor viu o caipora, ou caapora. Em algumas regiões, é um indiozinho de pele escura.

Características:

1.Muitas pessoas afirmam que a Caipora é um menino moreno , parecido com um indiozinho, olhos e cabelos vermelhos, possui os pés virados para trás.Outras pessoas dizem que ele parece com um indiozinho que possui uma lança, um cachimbo. Para outras, é uma indiazinha feroz. É descrito também como criança de uma perna só e cabeça enorme.

2.A Caipora tem o poder de ressuscitar qualquer animal morto sem sua permissão, para isso apenas fala para que o bicho ressuscite.

3.Por ser muito veloz as pessoas vêem o Caipora em alta velocidade.

4.Para entrar numa mata com permissão da Caipora, a pessoa deve levar sempre uma oferenda para ela, como um Pedaço de Fumo-de-Rolo ou um Cachimbo.

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/caipora/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/caipora/

Alan Moore

Pesquisa de Jose Carlos Neves

Confira abaixo um resumo dos principais fatos na vida e bibliografia do escritor e mago inglês Alan Moore. Trata-se de excertos do livro Alan Moore: Portrait of an Extraordinary Gentleman, um livro-tributo dedicado aos 50 anos do artista. São páginas recheadas de ensaios, ilustrações, artigos, fotografias, entrevistas, e opiniões sobre o mago-escritor de Northampton. Escritores, desenhistas e pessoas relacionadas aos quadrinhos comentam sua relação com Moore.

Alguns nomes presentes no livro: Michael Moorcock, Ian Sinclair, Darren Shan, Brad Meltzer, John Coulthart, Neil Gaiman, Dave Gibbons, Bryan Talbot, David Lloyd, J. H. Williams III, Kevin O’Neill, Will Eisner, Howard Cruse, James Kochalka, Adam Hughes, Peter Kuper, Jose Villarubia, Jimmy Palmiotti, Rick Veitch, Michael T. Gilbert, Steve Parkhouse, Nabiel Kanan, Bill Koeb, Rich Koslowski, Trina Robbins, Michael Avon Oeming, Sean Phillips, Jeff Smith, Sergio Toppi, Giorgio Cavazzano, Claudio Villa, Daniel Acuna, Willy Linthout, Jean-Marc Lofficier, Eduardo Risso, Dave Sim, Ben Templesmith e outros tantos.

O lançamento da editora Abiogenesis Press, do artista britanico Gary Spencer Millidge, tem caráter beneficente. Toda sua renda está destinada para o Fundos de Combate ao Mal de Alzheimer. Para mais informações, acesse www.millidge.com

Linha da Vida de Alan Moore

– Alan nasceu com pouca visão na vista esquerda e surdo do ouvido direito. Mesmo assim, ele evitou usar óculos até quinze anos. Já adulto, abandonou os óculos chegando a cogitar a possibilidade de usar um monóculo, acabando por achar essa alternativa muito kistch.

– A primeira casa do jovem escritor não tinha banheiro nem gás em sua rua.

– Em 1961, aos 7 anos, Moore descobriu os quadrinhos americanos da DC Comics.

– Moore atribui sua formação moral graças as histórias do Super-Homem.

– Padecendo de uma gripe comum, o jovem Alan Moore pediu para a mãe lhe comprar uma BlackHawk. Ao invés de trazer a HQ pedida, sua mãe o presenteou com a edição número 3 de Fantastic Four (Quarteto Fantástico). Essa revista foi o primeiro contato do escritor com os trabalhos de Jack Kirby, de quem se tornou fã imediato.

– Moore matava aulas no colegial para andar de motocicleta no pátio de um hospital para doentes mentais.

– Em 1968, Moore se tornou fã dos personagens da Charlton Comics, que mais tarde seriam os arquétipos dos personagens da maxi-saga Watchmen.

– Em 1969, ele começou a colaborar com vários fanzines, sempre como desenhista

– Aos 17, em 1970, Moore foi expulso da escola por uso de LSD. O diretor escreveu uma carta para todas as outras escolas e universidades da região, para que ele jamais fosse aceito em outro estabelecimento de ensino.

– Sem poder estudar, Alan trabalhou em um matadouro e limpou latrinas em um hotel de Northampton.

– Nessa época, ele deixou o cabelo crescer, ajudou a publicar o fanzine Embryo e conquistou sua futura esposa Phyllis lendo poesias em um cemitério. Em 1974, aos vinte anos, Moore e Phyllis se casaram.

– Em 1977, nasceu Leah, a primeira filha de Moore. Nessa época, Moore percebeu que tinha que fazer alguma coisa que gostasse logo ou então passaria a vida frustrado. O escritor começou a colaborar com jornais e revistas locais, escrevendo e desenhando tiras de humor. A mais conhecida delas foi Maxwell, the Magic Cat, uma espécie de Garfield inglês. Anos depois, Moore declarou que odiava escrever as historias de Maxwell e que se sentia envergonhado de receber dinheiro por elas. Mesmo assim, ele passou 7 anos escrevendo estas tiras. Detalhe: Moore assinava as tiras com o pseudônimo de Jill de Ray (uma alusão ao francês acusado de ter assassinado dezenas de crianças).

– A experiência com Maxwell mostrou que ele não servia como desenhista. Moore passou a dedicar “apenas” a escrever.

– Moore comecou a trabalhar com a Marvel UK (divisão anglo-saxônica da Casa das Idéias) em 1981. Aos 27 anos, Moore escrevia pequenas tramas nas revistas Star Wars e Dr. Who. Na mesma época, ele fez alguns trabalhos para a 2000AD e teve sua segunda filha: Amber.

– Em 1982, Alan recebeu sua primeira grande chance ao escrever para a recém-criada revista Warrior. Para quem não sabe, a Warrior publicava 4 a 6 histórias por edição, cada história com 6 a 8 páginas. Moore escreveu 3 sagas para a Warrior simultaneamente: The Bojeffrie’s Saga (uma família de monstros muito engraçada), Marvelman (Miracleman) e V de Vingança.

– Naquele mesmo ano, Moore começou a escrever as histórias do Capitão Bretanha. Já no primeiro capítulo, ele se livrou dos conceitos criados pelo escritor anterior e no capitulo seguinte matou o próprio protagonista da série, recriando-o totalmente reformulado na edição de número 3.

– Enquanto a fama de Moore crescia nos quadrinhos, ele encontrava tempo para se envolver em outros projetos. Ele formou uma banda chamada The Sinister Ducks, gravando um single em 1983.

– Na 2000 AD, Moore escreveu D.R. & Quinch, uma hilária saga de dois alienígenas delinqüentes. E ainda escreveu A Balada de Halo Jones e Skizz.

– Todos esses trabalhos renderam a Moore o prêmio Eagle Award de melhor escritor de 1982 e 1983. Foi quando os Estados Unidos começou a se interessar pelos trabalhos do autor.

– Em novembro de 1983, Lein Wein, criador do Monstro do Pântano, ligou para a casa de Alan perguntando se ele queria trabalhar para a DC e escrever as historias do monstro. Alan achou que era um trote e desligou na cara do escritor. É claro que depois ele viu que não era mentira e aceitou trabalhar com o personagem.

– Sob ao comando de Alan Moore, Swamp Thing passou das 17.000 cópias/mês para mais de 100.000 cópias!!!

– No período em que escreveu o Monstro do Pântano, Moore fez outros trabalhos pouco divulgados na DC, como “Tales of the Green Lantern Corps”, “Vigilante”(uma historia sobre abuso sexual de crianças) e uma historia do Batman onde ele enfrenta o Cara de Barro (publicada no Brasil na extinta SuperAmigos). Moore ainda escreveu 2 histórias memoráveis com o Homem de Aço (ambas relançadas no Brasil pela Opera Graphica). Uma delas, “For the Man who has Everything” é possivelmente uma das melhores histórias do Super-Homem.

– O próximo trabalho de Moore seria A Piada Mortal. A história foi escrita em 1985, mas devido a atrasos do desenhista Brian Bolland, a revista só foi terminada e publicada em 1988.

WATCHMEN

Ainda em 1986, a DC concordou em deixa-lo produzir sua própria série. Com o artista britânico Dave Gibbons, Moore sugeriu o projeto de uma série chamada WATCHMEN. A história, como Weaveworld de Clive Barker, é uma epopéia sobre um mundo fictício – embora o mundo que Moore inventou seja de várias maneiras igual ao mundo real de hoje.

Começando em uma Nova Iorque durante os anos 80, Watchmen descreve uma América como poderia ter sido se realmente tivesse testemunhado o surgimento de fato dos “super-heróis” – isto é, seres que possuem habilidades super-normais ou que se apresentam como vigilantes idealistas. Assim como a América nunca teria sofrido uma divergencia política progressiva dos Anos sessenta, imagina Moore, também nunca teria perdido a Guerra de Vietnã, e teria achado um modo para manter Richard Nixon como Presidente. Já no início de Watchmen, dificilmente as coisas são sublimes: alguém decidiu eliminar ou desacreditar os poucos super-heróis remanescentes enquanto que, em uma série de eventos aparentemente não relacionados, os Estados Unidos e a União soviética desenham um crescente conflito nuclear por causa de uma disputa na Ásia.

No centro da consciência desta história, de olho na (e tentando desafiar a) maneira de como o mundo está desmoronando, está um incomum herói criado por Moore: um mascarado, horrendo e transtornado vigilante direitista conhecido como Rorschach. Rorschach fala para o psiquiatra sobre a noite em que ele cruzou a linha da brutalidade:

“Me senti limpo. Senti o sombrio planeta girando sob os meus pés e descobri o que faz os gatos gritarem como bebês durante a noite. Olhado para o céu através da espessa fumaça de gordura humana, e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante, continua para sempre, e nós estamos sós. Vamos viver nossas vidas na falta de qualquer coisa melhor para fazer. Deixemos a razão para depois.

Nascemos para o esquecimento; agüentando crianças destinadas para o inferno, nós mesmos; caminhando para o esquecimento. Não há nada mais. A existência é fortuita. Nenhum padrão seguro imaginado por nós depois de encarar isto por muito mais tempo. Nenhum significado seguro além do que nós escolhemos impor. Este mundo sem direção não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus que mata as crianças. Não é o destino que as abate ou que as dá de alimento para os cachorros. Somos nós. Somente nós… Estava renascido então, livre para rabiscar meu próprio desígnio neste mundo moralmente vazio..”

O assustador Rorschach

“Aquela foi uma história terrivelmente depressiva para se escrever,” disse Moore, “em parte porque Rorschach em nada se parece comigo: Eu não compartilho a sua política, e nem compartilho a sua filosofia. Ele é um homem aterrorizado e, em minha visão, ele acaba se rendendo ao horror do mundo.

Mas eu penso que o fundo do poço dos medos e ansiedades de muitas pessoas pode ser igual ao do Rorschach. As coisas que uma vez usamos para nos abrigarmos da escuridão – como Deus, a rainha, o país, e a família – foram se distanciando de nós. Em muitos casos, temos esmagados a nós mesmos, e agora nos deixamos tremendo na chuva, olhando para o mundo e vendo um obstáculo preto que não tem nenhum significado moral, afinal”.

Até que alcance seu devastador mas reafirmado fim, é evidente que, acima de tudo o mais, Watchmen é uma história de como as pessoas encaram a perplexidade do mundo de hoje: como alguns se movem furiosamente e de maneira fatal contra ele e de como outros, heroicamente, reúnem forças até mesmo em face ao Armageddon.

“Enquanto estava trabalhando em Watchmen,” conta Moore, “eu tive que me perguntar, O que é que mais me assusta? E percebi que a verdade é que quando o mundo acabar, não haverá nenhum aviso de quatro minutos, não haverá nenhum conflito nuclear de baixa escala. A verdade é que os mísseis poderiam estar no ar em cinco minutos. E se houver um Armageddon nuclear, não iremos retirar o pó de nós mesmos e nem reinventar os valores humanos. Não poderia haver nenhum valor humano após uma guerra nuclear porque não haveria nenhum humano.

Nosso passado seria erradicado. Nosso futuro seria erradicado. Nosso presente seria erradicado. E eu me achei pensando, Quando as crianças foram para escola esta manhã, eu gritei com elas ou lhes falei que eu as amo?”.

Os roteiros de Moore para essa saga viraram uma lenda pela riqueza de detalhes. O primeiro capítulo, por exemplo, tinha mais de 100 páginas e foi entregue ao desenhista Dave Gibbons sem parágrafos.

Com Watchmen, Moore virou uma celebridade do mundo dos quadrinhos, mas não estava feliz com isso. Certo dia, em uma convenção sobre HQ´s em San Diego, ele foi cercado por dezenas de fãs que o imprensaram contra uma escadaria na tentativa de agarrá-lo e conseguir um autógrafo. Moore decidiu que jamais participaria de convenções novamente.

A Casa do Trovão, em Twilight of the Superheroes

O próximo projeto de Moore na DC seria Twilight of the Superheroes, mas por razões desconhecidas, esse projeto não foi adiante. Anos depois, muitas das idéias de Moore para essa série seriam reaproveitadas na aclamada saga “Kingdon Come”(Reino do Amanhã) de Mark Waid e Alex Ross. A dupla nega qualquer reciclagem dos conceitos de Twilight.

Moore, que já não trabalhava para a Marvel desde a época de Capitão Bretanha, tambem passou a não trabalhar mais para a DC, pois discordava sobre os royalties de Watchmen e principalmente com o fato da DC adotar o código “for mature readers” (própria para leitores maduros/adultos) nas suas revistas.

A última colaboração de Moore para a DC foi o final de V de Vingança, que havia ficado incompleta apos a falência da Warrior. A série foi reeditada nos EUA e se tornou outro best-seller.

 

Miracleman

Na mesma época, ele voltou a escrever Miracleman (agora para a editora Eclipse). Além de tudo o que já havia sido escrito para a Warrior, Moore criou novas historias, entre elas a maravilhosa saga Olympus. Depois disso, ele passou os direitos autorais do personagem para Neil Gaiman (que mais tarde resultou naquele pega ´pra capar entre Gaiman e a cria do inferno, Todd McFarlane. O embate jurídico dura até os dias de hoje).

Moore recusou varios trabalhos nessa época, inclusive o roteiro de Robocop 2 (que assumiu a criança foi Frank DKR Miller). Seus próximos trabalhos foram o livro “Brought to Light”, com ilustrações de Bill Sienkieckz e a graphic novel “A Small Killing”.

Em 1989, Moore decidiu colaborar com a recém-criada revista “Taboo” de Stephen Bissete (parceiro de Moore em Swamp Thing). Para a Taboo, ele escreveu a espetacular “From Hell” – fruto de mais de 8 anos de pesquisa, e “Lost Girls”.

Ainda naquele ano, Moore passou a viver um triângulo amoroso com sua esposa e sua namorada Deborah Delano. Irritado com a intolerância do governo de Margareth Tatcher com os homosexuais, Moore colaborou com entidades GLS, publicando a história “Mirror of Love”, pela editora Mad Love, propriedade do próprio autor e de sua esposa.

Big Numbers

O próximo projeto era a serie Big Numbers, projetada para 12 capítulos e mais de 500 páginas. Somente 3 edições foram lançadas, 2 com desenhos de Sienckwiecz e uma com os traços de Al Columbia. Ninguém sabe ao certo porque o projeto nao foi adiante, mas especula-se que a complexidade do texto de Moore foi demais para os desenhistas que nao conseguiram dar conta do recado.

Nessa época teve início o inferno astral de Alan Moore: a Mad Love faliu e seu casamento terminou. A Taboo também chegou ao fim, deixando sagas como From Hell para serem completadas anos depois.

Em 1993, Moore tomou uma decisão que desapontou muitos de seus fãs. Aceitou trabalhar para a Image Comics escrevendo títulos como Spawn, Supreme, Glory, Youngblood, Wild C.a.t.s. Moore desabafou que aquilo não era um retrocesso ou que ele estava vendendo sua alma para os demônios Rob Liefeld e Jim Lee, e sim um desejo de escrever histórias mais simples, para garotos de 14 anos e não para adultos de 30. Ainda pela Image, ele participou do projeto 1963. Este ultimo projeto acabou gerando uma briga entre ele e Stephen Bissette. Até hoje eles não se falam.

Moore passou a morar com uma nova companheira: Melinda Gebbie. No dia em que completou 40 anos, Moore decidiu se tornar um mago. Ainda em 1993, ele praticou performances teatrais como “Snakes and Ladders” e “BirthCaul”. Mais tarde essas performances foram adaptadas para HQ´s por Eddie Campbell, seu companheiro de trabalho em From Hell.

Algumas conclusões de Moore em relação à magia foram adaptadas para histórias como Supreme, Glory e mais tarde Promethea. Em Supreme, Moore explorou o conceito do IDEASPACE, um mundo de arquétipos, semelhante ao Mundo das Idéias de Platão. Supreme vai investigar uma estranha cidade no alto do Tibet, encontrando uma paisagem desnorteante, formada por um grande número de paisagens diferentes fundidas numa só. Há partes dela que parecem como um bairro decadente durante a Depressão de 1930, onde ele conhece uma gangue de crianças e um herói fantasiado.

O Grande Criador

Supreme continua a vagar pela estranha paisagem até encontrar uma trincheira de um campo de batalha, onde há uma infinidade de soldados de várias etnias: Um irlandês, um judeu, um negro, tudo muito parecido com o Sgt. Fury e toda uma enorme linha de heróis patrióticos.

Isto continua até Supreme conhecer o criador supremo deste mundo, que se mostra ser Jack Kirby. Isto é muito difícil de explicar porque leva uma história inteira para ser contada, mas é basicamente uma gigantesca cabeça flutuante, que se altera sob uma fotomontagem da cabeça de Kirby em transmutação; ela sempre é apresentada no estilo dos desenhos de Jack Kirby. Esta entidade gigantesca explica a Supreme que ele foi um artista de carne e osso e sangue, mas agora ele está completamente no reino das idéias, que é muito melhor porque a carne e os ossos e o sangue tem suas limitações, já que ele podia fazer somente quatro ou cinco páginas em um dia de trabalho; mas agora ele existe puramente no mundo das idéias. As idéias só podem fluir sem interrupções. Ele fala sobre todo um conceito de um espaço onde idéias são reais, que é o tipo de lugar onde, de algum modo, todos os criadores de quadrinhos trabalham durante toda a sua vida, talvez Jack Kirby mais do que a maioria. É como se uma idéia se tornasse livre do corpo físico, e este artista pode então explorar os mundos infinitos da imaginação e das idéias.

Em 1996, Moore escreveu seu primeiro romance, intitulado A Voz do Fogo. Foram 5 anos para escrever este livro, um tratado de 5 mil anos da sua cidade natal, Northampton. O primeiro capítulo é narrado em primeira pessoa (de forma muito singular) por um personagem que vive numa Northampton paleolítica, quando a cidade tinha duas a três cabanas de barro e uma ponte. O segundo é narrado em primeira pessoa por um personagem totalmente desligado do primeiro que vive em Northampton durante a Idade de Bronze, em uma comunidade que começou a crescer, se desenvolvendo através das eras. Lentamente, nós movemos através dos séculos, até o décimo primeiro capítulo, que é narrado pelo próprio autor na Northampton do presente.

Trabalhando para a editora Wildstorm (que acabou sendo posteriormente vendida para a DC) Moore criou uma nova linha de HQ´s, a America’s Best Coomics (ou ABC), onde surgiram as aclamadas séries: Top Ten, Tom Strong, League of Extraordinary Gentlemen, Promethea e Tomorrow Stories.

Aos 50 anos, Moore anunciou que pretende se aposentar dos quadrinhos. Será?

Liga dos Cavalheiros Extraordinários

Se você assistiu LXG, a dica de leitura é um antídoto para a pataquada que você viu na telona. Leia a edição especial A Liga Extraordinária da Devir. Apesar do preço salgado (R$ 45,00), você pode encontrar esse lançamento na FNAC por R$ 36,00. Preço justificado pela luxuosa edição de 192 páginas repleta de material inédito, incluindo o tão aguardado conto “Allan e o Véu Rasgado”, no melhor estilo das obras de H.P. Lovecraft.A Liga de Moore não tem nada a ver com aquela versão X-Men Vitorianos. As Aventuras da Liga dos Cavalheiros Extraordinários é o fanfict definitivo: Imagine uma força-tarefa formada por personagens da literatura inglesa, mas com uma pitadinha do tempero de Alan Moore: Então o Capitão Nemo é uma figura intrigante, um fanático cheio de equipamentos misteriosos. Hyde é de uma complexidade assustadora. Mina Murray não é uma vampira anabolizada e o decadente Alan Quatermain passa longe da interpretação impecável de Sir Connery. Só para você ter uma idéia, o Quatermain da HQ é viciado em ópio! Leia o mais rápido possível e fique aguardando ansiosamente o volume dois, ainda “inédito” aqui no Brasil.

Entrevista com Alan Moore

Apresento-vos uma entrevista com o escriba, realizada por Alan David Doane. A tradução é de David Soares (Portugal)

Eu soube que este “Quiz de 5 perguntas” seria um esforço maior que os anteriores, excedendo certamente esse número de questões, quando o homem que eu considero ser o melhor escritor de banda desenhada de sempre deteu-se, pensativamente, durante oito minutos para responder à minha primeira interrogação (envisionando e esclarecendo, em conjunto, as seguintes). Olhando a isso, abandonei a fórmula inicial; que outra escolha tinha? Durante a década de 80, Alan Moore recriou a banda desenhada por imprevisto, como irão ler adiante, e, desde a sua estréia, uma engenhosidade e paixão superlativas constantes são as características reconhecidas no seu trabalho. Conversar com Alan Moore, mais que uma honra, foi uma aventura e é meu dever agradecer ao autor a sua disponibilidade, mas, também, a Chris Staros, da Top Shelf Productions, por apadrinhar este encontro. Esta editora publica muitos dos melhores trabalhos de Moore, como o seu romance “Voice of the Fire”.

Alan David Doane – O que te inspirou a escrever um romance com a profundeza de “Voice of the Fire”?

Alan Moore – Sempre vivi em Northampton, como os meus pais, talvez tenha sido isso. Somos todos descendentes uns dos outros nesta única grande família que são os seus cidadãos. “Nascidos de fresco com sangue em segunda-mão”, como gostamos de dizer por cá. Esta cidade fascina-me e saber que a sua história, tão singularmente rica, é completamente ignorada sempre se me apresentou contra-sensual. A maioria dos ingleses é capaz de identificar Northampton apenas como uma mancha indistinta a meio da M-1, entre Birmingham e Londres, mas quando comecei a investigar as suas origens na altura em que me lembrei de escrever este livro encontrei matéria convincente o bastante para concluir que Northampton é, mesmo, o centro do universo. No mínimo, eu fiquei convencido.

Penso que a sua é uma história esplêndida que remonta desde a Idade da Pedra quando caçadores de mamutes, e os próprios mamutes obviamente, ainda caminhavam sobre estas ruas, atravessando a Idade do Bronze e as migrações dos povos Celtas, prosseguindo pela Idade do Ferro e as invasões romanas e, ainda, parece-me ser uma cidade que assumiu sempre uma importãncia central, de um modo mais complexo que a sua simples localização geográfica. Lembro-me, se me encontro sem erro, que os avós de George Washington, e de Benjamin Franklin, habitavam duas pequenas aldeotas vizinhas durante os anos da Guerra Civil Inglesa. Os pais de Washington moravam aqui, os pais de Franklin moravam em Ekton e ambos os casais abandonaram Northampton após a guerra civil que terminou nesta cidade (provavelmente, o local mais desconfortável para comprar uma casa durante o séc. XVII) e emigraram para a América. De acordo com aquilo que sei, a própria bandeira norte-americana é baseada no seu, agora esquecido, brasão de família, tradicional de Northampton.

O tipo que descobriu o ADN, Francis Crick, viveu aqui e foi aluno na mesma escola que eu frequentei com apenas algumas décadas de intervalo entre os seus anos lectivos e os meus e ia semanalmente à catequese na igreja que ainda se encontra no fim da minha rua. Muitos episódios da história inglesa também circulam Northampton, como a Guerra das Rosas que também conheceu o seu fim neste lugar, simetricamente à nossa Guerra Civil, como já te contei, e a Conspiração da Pólvora que foi urdida nesta cidade e pretendia rebentar a sede do parlamento, em Londres, em 1605. Pensamos, inclusive, que o empreendimento foi um fracasso e é por essa razão que o tornámos numa festa anual, mas os conspiradores não se saíram, realmente, mal.

Também foi nesta cidade que a rainha Mary, da Escócia, foi decapitada e é avaliando esse conjunto de acontecimentos que te digo que existe muita história aqui, nem sempre agradável, admito, mas está presente uma força nuclear para a vida humana e que influenciou de certeza a evolução do modo de vida inglês, e, em última análise, possivelmente outros modos de vida em outros lugares.

A génese do livro nasceu dessa fé que me diz que, sim, Northampton é, na verdade, o centro do universo. Acredito nisso, assim como acredito que é esta é uma cidade despida de características especiais. Posso dizer-te que qualquer pessoa, habitante de qualquer lugar sobre o globo, pode desenterrar uma mão-cheia de maravilhas da terra do seu próprio quintal, se tiver feito uma pesquisa paciente sobre esse local e se for engenhosa o bastante para as encontrar. Demasiadas vezes caminhamos pelas nossas ruas, a pé ou de automóvel, e não compreendemos que sob as fachadas descaracterizadas se pode esconder o antigo cárcere de algum poeta ou um sítio reservado ao homicídio, o sepulcro oculto de alguma rainha lendária e é o somatório destas pequenas histórias que enriquecem um lugar: de repente, não te encontras simplesmente a passear numa cidade comum, aborrecida e homogénea, mas numa aventura em avenidas prodigiosas recheadas de histórias fantásticas. Na minha opinião, viver é uma experiência muito mais recompensadora se conhecermos intimamente a parte do mundo que nos foi destinada como casa e esta é a melhor resposta que te posso dar sobre a tua pergunta.

ADD – Bom, na verdade já respondeste às primeiras quatro perguntas.

AM – A sério? (Risos) Estou em forma.

ADD – (Risos) Sendo assim, vamos à última. Imagino que durante a criação das histórias deste livro, à medida que ias desenvolvendo a tua pesquisa e estruturando a narrativa, foste apanhado de surpresa por algumas coisas acidentais que não estavam previstas quando iniciaste o empreendimento.

AM – Fui surpreendido por uma grande quantidade de coisas. Repara que uma das minhas premissas iniciais era a de não querer escrever um trabalho histórico, por que não queria abdicar da liberdade que um trabalho de ficção me oferece, como, por exemplo, entrar na personalidade das pessoas sobre quem eu pretendo escrever e o sentido dessas vidas, pois acredito que dessa forma o resultado final é mais verdadeiro, mais humano. Contudo, mesmo conjurando todas estas vozes fictícias do passado queria que o seu discurso se baseasse em fatos reais e circunstâncias possíveis e comecei com esse objetivo em mente para, em seguida, compreender que determinados temas, determinadas imagens, estavam a emergir da minha narrativa.

Aparentemente, a maioria dos episódios ocorrem em Novembro, no dia do meu aniversário,e, paralelamente a isso, outros elementos estavam a manifestar-se repetidamente em diferentes histórias e indicavam-me uma espécie de padrão: pessoas com membros amputados; matilhas de cães pretos espectrais; cabeças decepadas e outros ícones de natureza igualmente inquietante.

O desafio de “Voice of the Fire”, se eu queria realizar esse livro de acordo com a minha ideia original, era ter um narrador diferente para cada uma das doze histórias, alguém que pertencesse a esse espaço-tempo e que relatasse na primeira pessoa. Para o último capítulo, que tem lugar nos dias de hoje, o único narrador possível só poderia ser mesmo eu próprio. Contar essa história com a minha voz, debruçando-me sobre os meus assuntos particulares sem inventar pormenores sobre o que estaria a acontecer durante essa altura e, coincidentemente, quando finalmente comecei a fazê-lo, descobri que já me encontrava em Novembro, mais uma vez… Iniciei a escrita desse capítulo com a esperança que a própria cidade me sugerisse um final que amarrasse todas as pontas e todas as hipóteses que fui deixando por rematar ao longo dos capítulos anteriores sem saber se isso iria acontecer ou se, pelo contrário, os últimos cinco anos da minha vida tinham sido um logro e que não deveria ter começado o livro, em primeiro lugar.

Sempre acreditei que existem momentos na vida de um escritor em que ele, ou ela, é confrontado com a noção de que as fronteiras entre a ficção e a vida real são, muitas vezes, inexistentes e isso é frequente em trabalhos nos quais optamos por um registro auto-referencial. Esses dois universos inclinam-se para um maior cruzamento à medida que te aproximas de casa o que pode ser desconfortável, no mínimo. Por isso não foi surpreendente, mas ainda assim bizarro, quando sucessivas ocorrências se conjugaram para satisfazer as necessidades do meu texto. Coisas sobre e com cabeças cortadas e enormes cães pretos que me mostraram que enquanto ações mirabolantes têm lugar na ficção, outros movimentos igualmente mirabolantes, e perigosos, acontecem na vida real; experiências que são simétricas. Por mais que as esperes, são sempre perturbantes.

ADD – Esse capítulo final, acredita, foi uma das coisas mais perturbantes que já li.

AM – Pois. Obrigado.

ADD – Existe uma frase nesse capítulo… Tu sabes qual: “O Homem escreve.”, “O Homem escreve.”…

AM – Sim.

ADD – Essa tua frase que aparece repetidas vezes e que parece tão absurda consegue reunir toda a informação do livro e fazer sentido no final, quando todas as centenas de páginas e todas as centenas de anos que assimilaste acabam por nos conduzir à tua casa, ao teu quarto, não é verdade?

AM – É quase isso. Não és conduzido ao meu quarto, felizmente para ti, mas à minha mente. Até esse ponto exato, ainda poderias pensar que “Voice of the Fire” é composto por uma série arbitrária de histórias suavemente associadas em órbita da minha cidade e nesse capítulo quis fundir tudo isso: as histórias, a minha vida, a minha mente e as vidas e as mentes dos leitores. Aparentemente, para surpresa de todos, o livro acaba mesmo por ser sobre mim. Pode ser sobre mim, sentado a escrever o próprio livro. Ou ser sobre o processo criativo de se escrever outro livro. Ou sobre outro assunto qualquer. É isso. E fico contente que tenhas reagido bem à frasezinha, por que ela arrepiou-me um bocadinho quando a escrevi. Lembro-me que pensei: “-Isto está a ficar sinistro, por isso devo estar a criar algo interessante”.

ADD – A frase não é sinistra, em si, mas consegue impressionar-te dessa forma.

AM – Obrigado.

ADD – É perturbante, como já te disse. Aliás, já li o teu “From Hell” e senti em algumas passagens dessa história que ultrapassaste a barreira entre autor e leitor. Uma barreira que não tinha sido ultrapassada em nada que já tivesse lido.

AM – Isso é maravilhoso…

ADD – Não tenho a certeza de qual dos livros foi editado em primeiro lugar, mas o efeito que “Voice of the Fire” me provocou pareceu-me uma ampliação do que senti em segmentos de “From Hell”, naqueles momentos em que tu, como acabaste de explicar, penetras, e nós contigo, na mente da personagem, que neste caso és tu. Não tinha pensado nisso, mas o leitor acaba por se transformar em Alan Moore.

AM – Pois… é possível. Penso, inclusive, que um ingrediente que pode ajudar a cozinhar esse efeito é o facto de que no último capítulo de “Voice of the Fire” não possuo um conhecimento “in loco” do meu consciente não-autónomo, ou seja: o meu “eu” pensante. Falando nisso, nunca utilizo a palavra “eu”, entendes? Acaba por funcionar como uma narração na primeira pessoa do singular, mas sem uma pessoa. Não sei se era a isto que fazias referência, mas eu também não compreendo muito bem o que me leva a escolher uma determinada forma de fazer as coisas. Na altura, pareceu-me que funcionava.

Pareceu-me que deixava o leitor respirar, sem estar constantemente a ser confrontado com a noção de que é um… deixa-me pensar… um ego de outra ordem que fala com ele. Fico satisfeito pela tua reacção a esta experiência.”Voice of the Fire” e “From Hell” nasceram mais ou menos na mesma altura, talvez com um ano de diferença, e isso acaba por estabelecer uma comunicação entre os dois, por que têm algumas afinidades, como, por exemplo, o facto de partilharem um momento da minha vida em que decidi tornar-me um ocultista e estudar a fundo matérias que estão imersas num mundo à parte às quais, vulgarmente, chamamos magia. No “From Hell” isso está explícito nos diálogos de William Gull quando ele nos descreve as suas crenças e que os deuses existem realmente, em majestade e monstruosidade, na nossa mente. Escrevi isso quase por acidente e compreendi depois que tinha escrito algo mais profundo, algo significante que, eventualmente, acabou por introduzir o meu interesse pela magia.

Certamente, esta inclinação coloriu com outros tons o final de “From Hell”, e a conclusão de “Voice of the Fire”. Este título reservou-me outra surpresa: comecei o livro contando a história de um xamã que procura um código de palavras, uma ladainha, um conjunto mnemónico para aglutinar o seu povo e na última história, eu sou esse xamã, inconscientemente, milénios depois, realizando a mesma rotina. Não a mesma, claro, pois os meus métodos não envolveram nenhum sacrifício humano. Podes dormir sossegado.

ADD – A mensagem de “From Hell, bom, pelo menos a que eu retirei da minha leitura e que, infelizmente, não é expressa pela sua adaptação cinematográfica…

AM – Tens de compreender que estás em vantagem sobre mim nesse tópico, por que não vi o filme.

ADD – Tudo bem. Penso que na melhor das hipóteses representar todas as preocupações do teu trabalho, já por si bastante extenso, num filme de duas horas é uma tarefa impossível de concretizar. Mas falava-te do que retirei do livro, a tal mensagem que é a de que a arte tem o poder de transformar o artista, até divinizá-lo, e no decurso da minha leitura percebi que ambos os livros, “From Hell” e “Voice of the Fire”, partilham essa preocupação. Não sei se foi intencional, mas a verdade é que quando se chega ao fim desses livros essa mensagem é, de facto, sugerida.

AM – A magia tem o poder de mudar a relação que tens com o mundo que te rodeia e isso aconteceu comigo. Comecei a olhar as coisas de outra forma, com um sentido, felizmente, mais útil, até, e considerando tudo isso, o que dizes sobre os dois livros pode ser verdade. Através deles, apresento uma visão alternativa da nossa história e das nossas experiências, mesmo que em “From Hell” a minha intenção principal fosse contar uma história sobre um crime, um homicídio. Nessa altura, nem pensei nos crimes de Jack, o estripador. Era, apenas, o uso de um crime como uma experiência avassaladora que me norteava. Felizmente, um homicídio, no contexto de uma vida, é uma experiência bastante improvável. Repara que o número de pessoas que acabam por morrer dessa forma é, ainda assim, muito reduzido.

Essa raridade sugeriu-me a idéia de falar sobre o homicídio de uma forma particular. Porquê abordar apenas a identidade do autor, que parece ser o motor constante de tantos romances policiais? Essa é uma alusão quase tão redutora como um vulgar jogo de salão. Como o CLUEDO, por exemplo, onde só precisas de descobrir quem foi o assassino, a arma que usou e em que local a vítima foi abatida. Com “From Hell” quis esclarecer, também, as variáveis sociais e culturais que permitiram a práctica desse crime, muito mais que, somente, especular sobre a identidade do homicida. Queria ver como um crime poderia agir sobre a sociedade e estudar todas as hipóteses de desenvolvimento que poderiam florescer posteriores a essa ação.

Prosseguindo nessa óptica, se estás a falar sobre um crime, essa experiência avassaladora que pode acontecer na nossa vida, tomas consciência que és capaz, inclusive, de ir mais longe e ter alguma coisa a dizer sobre a grandiosidade da própria condição humana. Podes dirigir este ponto de vista para “Voice of the Fire”, claro, mas desviado suavemente, já que a intenção desse livro não é provar-te que Northampton é o núcleo do universo, mesmo tendo fé absoluta na verdade dessa afirmação, como já te disse, mas mostrar-te que qualquer local, onde quer que te encontres, é muito mais rico, muito mais exótico e prodigioso do que parece à primeira olhadela, entendes? No primeiro livro, procurei mostrar um ponto de vista crítico sobre a condição humana e a cultura, neste caso a cultura e a sociedade inglesas, usando um crime como casa de partida, mas com “Voice of the Fire”, as minhas ambições estavam à solta, a pensar em outras paisagens e para onde a nossa evolução nos conduz. Penso que o que estabelece a comunicação entre os dois livros é mesmo o meu interesse pela magia, que influencia o meu modo de olhar as coisas e de as contar.

ADD – Gostaria  que falasses do modo como vê a tua carreira na banda desenhada e a forma como as obras que tu escreveste, como “From Hell”, mas também “Watchmen” e “The League of Extraordinary Gentlemen”, mudaram o comportamento da indústria da publicação de comics.

AM – Posso dizer-te que a minha ambição foi sempre ganhar a vida como cartunista e nem pretendia ser famoso. O problema foi quando descobri que nunca seria um artista bom e rápido o suficiente para aguentar uma carreira nessa atividade.

Lembrei-me, então, da hipótese de me concentrar na escrita, por que senti que poderia fazer um trabalho melhor como escritor e que desenhando os storyboards para as histórias a minha ligação com o desenho continuaria. Investi com essas premissas e compreendi logo no início que seria incapaz de escrever uma história de encomenda. Se uma idéia sugerida não fosse aquilo que eu tinha em mente, invertia-a para a transformar em algo que me desse prazer escrever ou que fosse, no mínimo, um desafio. Penso que o método que desenvolvi me salvou de muitos compromissos e sempre me providenciou com a motivação necessária para realizar um bom trabalho.

Comecei a ser requisitado aos poucos, para ali e para acolá, em resultado dele e apliquei-o, concisamente, quando a DC me engajou para escrever o “Swamp Thing”. Na minha lógica, o leitor nunca se irá interessar em ler uma história escrita por mim, se eu próprio não estiver interessado em escrevê-la. Isso pressente-se, não te parece? Penso que os leitores são muito bons em descobrir se o autor gostou realmente de fazer o seu trabalho.

Tive de tornar o material mais arrojado, mais destemido, para o forçar a ser interessante. Pensei que fosse arranjar uma porção de problemas por causa disso, mas não. Os leitores compreenderam as minhas escolhas e eu, encorajado por eles, inovei mais ainda, sempre com o apoio da Karen Berger, claro, a minha editora da DC na altura, e, também, por outras pessoas que apreciaram muito a subida das vendas do título, sempre maiores a cada mês. Todo esse conjunto de situações fez nascer uma relação de confiança mútua na qual os editores perceberam que se eu tivesse controlo sobre as minhas decisões criativas nunca lhes iria apresentar um trabalho inteiramente despropositado e foi essa credibilidade que me permitiu ir sempre mais longe, por vezes a locais perturbadores ou tétricos, mas sempre interessantes. De que forma é que isso influenciou a indústria? Não te posso oferecer uma explicação clara. Depende da minha disposição, se queres
mesmo saber. Se eu me sentir deprimido penso que a minha influência foi terrível e que os autores que cresceram a ler o “Swamp Thing” ou “Watchmen” só foram capazes de imitar a violência desses trabalhos, e a sua pose intelectualista, sem a suportarem com a ingenuidade e a aventura que também lá se encontram. Sinto que ignoraram completamente a minha vontade de romper os limites da própria fórmula de contar histórias em BD e contentaram-se em produzir uma série de livros tristes e penosos. Como te disse, esta visão desconsolada da realidade depende muito da minha má-disposição e hoje tiveste azar.

A sério que gostava mesmo de acreditar que, em vez de tudo isto que contei, consegui realmente mostrar com o meu trabalho que a banda desenhada permite inúmeras possibilidades aos seus autores e que estão para nascer livros fabulosos com contornos que somos incapazes de imaginar neste momento. Que podes fazer tudo com algo tão simples como palavras e imagens se as abordares sensivelmente e se fores inteligente, diligente e virtuoso no teu esforço. Talvez esteja a ser brusco, lamento, mas queres afirmar que existe uma influência minha na indústria? Então, por favor, coloca-a aqui em vez de encorajares a minha percepção de que a minha herança será invariavelmente composta por psicopatia e sarcasmo.

ADD – Sou capaz de regressar mais longe que os anos oitenta, quando o teu “Watchmen” e o “The Dark Knight Returns”, do Frank Miller, foram publicados. Na minha opinião, o que poderá ter iniciado a redefinição das personagens, dos super-heróis, poderá muito bem ter sido aquela história que escreveste no “Swamp Thing” na qual representaste os membros da Liga da Justiça, o Batman, o Super-Homem e os outros, como se fossem novos deuses, curiosos em relação à humanidade. É um segmento de quantas páginas? Duas? Contudo, penso que a mudança começou nesse momento.

AM – Quem sabe se a razão está do teu lado… Lembro-me que foi a primeira vez que escrevi sobre super-heróis, no mínimo, os americanos. O Swamp Thing não conta, por que, na altura, era refugo. Para mim, escrever essa história foi voltar a divertir-me com os brinquedos da minha infância, o Flash, o Super-Homem e sentá-los todos no seu grande gabinete cósmico e devolver-lhes o carisma que eles costumavam ter para mim e que, infelizmente, se tinha transformado num sentimento mais próximo de casa. Fi-lo usando pequenos ardis, como nunca os chamar pelo nome verdadeiro e ocultá-los na penumbra. Podes ver uma insígnia pelo canto do olho ou uma silhueta, mas isso é tudo. Sobretudo, quis fazer poesia com estas personagens.

Dizer que uma personagem consegue ver o que acontece no outro lado do globo ou que é capaz de aquecer a antracite o suficiente para a transformar em diamante, como fiz para o Super-Homem, ou que se move a uma velocidade tão intensa que a sua vida se assemelha a uma visita numa galeria de estátuas, como escrevi para o Flash. Falei em poesia e isto, de fato, não é um exemplo de boa poesia, mas constitui um novo olhar sobre estas personagens que temos inclinação a desdenhar, ou a esquecer, por que se tornaram, com o passar dos anos, demasiado familiares e a aproximação que nos liga às coisas e aos assuntos tende, por vezes, a criar essa desilusão. Só pintei uma maquilagem nova sobre o encanto que já existia. O Frank Miller fez a mesma coisa nas páginas do “Daredevil”, não? Quando introduziu outras personagens da Marvel nessa cronologia.

ADD – Tens razão, mas repara que ele não se desviou dos padrões instituídos e nunca nos fez olhar uma personagem conhecida de um modo singular. A mesma acusação é válida para a maioria dos criadores posteriores. É mesmo como dizes: se tivessem considerado a face mais experimental dos vossos trabalhos em vez de se concentrarem no sensacionalismo as coisas poderiam, certamente, ter conhecido outra evolução.

AM – Não duvides e essa face mais arriscada é o que existe de atraente no trabalho do Frank, essa sua mestria narrativa e a inovação constante que ele introduziu no género através das histórias do Demolidor e do Batman, muito mais que o desalento e a testosterona. Seria tão bom se a sua influência penetrasse mais fundo que a camada superficial feita de sexo e violência.

Não vamos dizer, todavia, que tudo o que apareceu depois de “Watchmen” e “The Dark Knight Returns” se encaixa nessa pobre categoria e posso dizer-te que na periferia do mainstream encontras grandes trabalhos que não são clones de nenhum destes títulos, mas ainda assim penso que a nossa herança é maldita e uma péssima desculpa para oportunidades perdidas, o que não desvirtua a qualidade do trabalho do Frank e do meu, obviamente.

ADD – Esta conversa sobre herança vem mesmo a propósito. O teu amigo Neil Gaiman já tornou público o que ele diz ser “a conclusão, ou o fim eminente, de um episódio interminável com um editor desonesto, desleal até ao limite do imaginável”, aludindo ao desfecho do processo que levantou contra Todd McFarlane pela posse dos direitos que envolvem parte do franchise do personagem Miracleman, que tu próprio resgataste e ressuscitaste nos anos oitenta. Passados todos estes anos, o que é que tu gostaria de ver feito com essas histórias que escreveste e qual é a tua opinião sobre o processo-crime?

AM – Estou muito contente pelo Neil, como podes imaginar. Ainda bem que acabou, por que deve ter sido um pesadelo moroso. É sempre ridículo que alguém que não seja o criador venha exigir direitos sobre um trabalho e custa-me a entender essa falta de ética, ou melhor, compreendo-a, mas não posso pronunciar-me sobre ela sem dizer um ou dois palavrões. É algo embaraçoso, seboso até, que acaba por nos sujar a todos e que não oferece uma boa imagem da indústria da banda desenhada, por culpa dela própria, também, já que, infelizmente, casos semelhantes a este são frequentes. Penso que o Neil, chegando impoluto à outra margem desse lodaçal para onde irrefletidamente o quiseram arrastar, comportou-se como um verdadeiro super-herói.

Seria divertido ver reimpressões do Miracleman, para que os leitores não estivessem a pagar preços proibitivos por edições raras guardadas religiosamente desde a sua publicação original. Algum do material apresentado nessas histórias era realmente fantástico, como o escrito pelo Neil, por exemplo, e era bom que ele, em algum momento, tivesse oportunidade para lhe dar continuidade. Ele já me propôs há uns tempos uma parceria com vista à realização de uma conta em que todos os royalties derivados das vendas das reimpressões fossem guardados para serem distribuídos com justiça aos autores que trabalharam na série, como nós ou como o Mark Buckingham.

Parte desse dinheiro podia ir, também, para o Comic Book Legal Defense Fund e se houvesse a infelicidade de um ou outro filme aparecer o dinheiro, os meus royalties pelo menos, poderiam ir diretamente para esse fundo ou ficar no estúdio para serem partilhados pelos criadores envolvidos no projeto, por que eu não quero receber um único centavo de mais um filme adaptado de um dos meus livros, nem desejo ver o meu nome associado a um empreendimento desse género. O ideal era que não se fizessem mais filmes inspirados em livros do Alan Moore. Em vez disso, era mais agradável ver bons trabalhos serem reimpressos por um bom editor, sob uma boa política editorial.
Isso seria uma excelente premissa para o futuro e não digo isto motivado pela ganância de ganhar mais uns tostões com o meu material antigo, mas com a intenção de garantir que criadores como eu e como o Neil não tenham de atravessar campos minados no percurso das suas carreiras, por que, na verdade, temos assuntos muito mais importantes com que nos preocupar.

1953 –

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/alan-moore/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/alan-moore/

The Chaonomicon, por Jaq D Hawkins

Magia+do+Caos

Top 50 Livros de Magia do Caos coloquei no Top 1 o livro que a Jaq D Hawkins escreveu em 1996. Como a versão impressa está esgotada nas editoras, a autora resolveu escrever um livro novo na mesma linha de “Understanding Chaos Magic”. Esse mês ela lançou “The Chaonomicon” que está disponível pela Amazon brasileira.

Finalizei minha leitura agora mesmo e gostaria de compartilhar o que aprendi, incluindo alguns trechos da obra que me chamaram a atenção. Esse é um excelente livro para iniciantes, pois trata de temas como história da magia do caos, deidades do caos, teoria do caos, Austin Osman Spare, sigilos, servidores, grupos de magia, iniciação, técnicas de magia, rituais e muito mais.

Eis algumas passagens da obra:

“O termo ‘magia do caos’ foi criado pelo magista e autor Peter J. Carroll em meados dos anos 70. Ele escreveu e mantém que seu significado reflete a aleatoriedade do universo”

“A aleatoriedade na natureza não é inteiramente aleatória, mas trabalha dentro de parâmetros”

“Foi dito que se você pergunta para dez magistas do caos o que é a magia do caos, você irá obter onze respostas diferentes”

“Magia, de qualquer tipo, atrai uma certa porcentagem de pessoas que estão procurando por respostas simples para os problemas da vida. A realidade não é um conto de fadas. Nós não temos uma varinha e todos os problemas irão desaparecer. A magia pode ajudar uma situação, mas a magia é trabalho e aprender como fazê-la ser efetiva é um compromisso de toda uma vida de estudo. Por toda a reputação que a magia do caos tem de gerar ‘atalhos’ na prática mágica, tais atalhos só são efetivos se o magista sabe o que está fazendo”

“Décadas depois do começo da magia do caos, as pessoas ainda perguntam: ‘O que é isso?’. A dificuldade de responder essa pergunta simples está no fato de que ninguém pode dizer que algo não é magia do caos, porque ela é uma atitude em relação à magia e não um sistema em si. Autores modernos de livros que tratam da magia do caos escrevem sobre o misticismo oriental de uma perspectiva caoísta, um livro de rituais Discordianos ou um diário pessoal de práticas mágicas e ninguém pode dizer: ‘Mas isso não é magia do caos’”. 

“Minha própria definição, que penso ser a mais simples, é que a magia do caos é sobre entender o mecanismo da magia, a Física de como a magia funciona”

“Um dos problemas que a magia do caos gerou é a atratividade do que parecem ser métodos ritualísticos simples para os novos magistas aspirantes que podem não ter usado nenhuma outra forma de magia antes. Alguns desses magistas do caos noobs pegam o jeito muito bem, mas muitos passam mais tempo reclamando em grupos de internet e mídias sociais que tal magia não funciona do que tentando desenvolver sistemas que funcionam”

E agora vamos aos meus comentários:

A autora conversou bastante com Kenneth Grant para perguntar a ele sobre seu amigo Austin Osman Spare, então algumas das informações sobre Spare em seu livro são inéditas.

Spare costumava dividir seus sigilos em partes. Por exemplo: “Eu quero” + “obter” + “a força de um tigre” poderiam gerar três sigilos diferentes que poderiam ser posteriormente combinados. Assim você poderia guardar as duas primeiras partes para usar mais tarde. Um sigilo não precisaria ser necessariamente destruído, mas virar uma obra de arte na sua parede. Você veria o sigilo tantas vezes que em algum momento sua mente consciente não faria mas a associação entre sigilo e desejo, deixando que apenas a mente inconsciente atuasse. Ela também lembra que Spare costumava lançar seus sigilos escrevendo-os num papel em branco, colocando-o na testa e entoando alguma fórmula ritualística.

Embora Kenneth Grant tenha divulgado a magia com os Grandes Antigos de Lovecraft, foi Phil Hine seu maior divulgador através de sua obra Pseudonomicon. Também foi Hine quem divulgou o uso dos servidores em seu livro “Chaos Servitors: a User Guide” (1991). O termo “servidor” é relativamente novo e surgiu através do trabalho com formas-pensamento.

Jaq D Hawkins nos informa que, segundo uma carta de Charlie Brewster, o início da magia do caos foi em 1976. Peter Carroll começou a escrever para a revista “The New Equinox” publicada por Ray Sherwin. Em 1986 seria lançada a revista Chaos International, editada por P.D. Brown e Ray Sherwin em seus dois primeiros volumes. Nos volumes restantes, até a edição 23, Ian Read assumiu a direção. A revista teve uma pausa e retornou somente após o início do novo milênio. Outras revistas também existiram, como a americana Thanateros (1989-1990) com artigos de Lola Babylon e Peter Carroll. Também houve a revista Konton, editada por D.J. Lawrence (Dead Jellyfish, da IOT do Japão).

O objetivo inicial da IOT foi criar um grupo não hierárquico, mas frequentemente ocorre de pessoas serem vistas como líderes e abusarem do poder. Hawkins conta como isso acontece não somente na magia do caos, mas em várias outras correntes de magia, incluindo alguns covens de wicca.

Sobre a teoria do caos, Frater Choronzon em Liber Cyber nos diz que o fato de a magia do caos e a matemática do caos terem se desenvolvido mais ou menos na mesma época foi mais uma das “coincidências” mágicas que costumam ocorrer.

A autora nos fala sobre muitas divindades do caos, incluindo Exu. E ela alerta como é difícil trabalhar com as “entidades imaginárias” como as dos livros de ficção (como as obras de Lovecraft). Afinal, os efeitos advindos desses trabalhos são bem reais e pode ser um problema se o magista não souber mais separar o real e o imaginário. Para exemplificar essa abordagem, há o seguinte trecho do livro:

“Austin Spare escreveu sobre um conceito que ele chamou ‘neither-neither’. Essa é uma referência a algo que não é nem uma coisa nem outra. Nesse caso, os Deuses são vistos nem como reais e nem como não reais. Eles existem para nós, e ainda assim eles não existem. Nós damos a eles existência em nossa crença, que é uma existência bastante real. Porém, se nós escolhermos não acreditar neles, eles não existem, a não ser que outro magista escolha acreditar numa entidade particular e nós entramos em contato com isso através de uma experiência comum com o outro magista”. 

Eu diria que essa abordagem é bastante semelhante às teorias de Berkeley na filosofia de que “ser é ser percebido”.

Hawkins também nos alerta sobre o perigo de interpretarmos a realidade por somente um ponto de vista. Será que existe a ordem na natureza ou o caos? Estamos acostumados a uma interpretação linear da realidade baseada na matemática, mas “montanhas não são cones”. A teoria do caos nos aponta para uma realidade caótica, mas mesmo no interior do caos é possível encontrar padrões e ordem.

E será que a natureza funciona numa luta pela sobrevivência? Vejamos esse trecho da obra:

“O notável biólogo evolucionista Stephen Jay Gould salienta que A Origem das Espécies de Darwin foi interpretada de forma muito diferente pelo intelectual russo Petr Kropotkin da forma que foi interpretada pelos cientistas europeus e americanos. Kropotkin encontrou na natureza um sistema de cooperação em vez de competição. Biólogos eminentes como Gould mencionam que a pesquisa não apoia o ponto de vista neo-Darwiniano de que a acumulação gradual de mutações irá eventualmente levar a novas espécies”

A magia do caos nos convida a interpretar a realidade sob múltiplos pontos de vista e paradigmas, sem considerar necessariamente um melhor que o outro. A questão é: “melhor para que e para quem?”, que também é uma visão razoável para aplicar a modelos científicos, tais como nos sugeriu filósofos da ciência como Thomas Kuhn e Karl Popper.

Esses são alguns exemplos de temas abordados na obra. A autora também sugere técnicas mágicas e exercícios a serem usados por iniciantes. É um livro com uma porção de tudo que considero importante na magia. Uma valiosa leitura. E a autora já anunciou que lançará em breve um livro novo sobre magia, que aguardaremos com entusiasmo.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/the-chaonomicon-por-jaq-d-hawkins

Aklo, a “linguagem” dos Grandes Antigos de H.P.Lovecraft

Dicionários são sempre divertidos, mas nem sempre reconfortantes
– M.F.K. Fisher

É inegável que um dos maiores charmes presentes não apenas nas histórias de Lovecraft mas também de seus “afilhados”, são os fragmentos de rituais escritos em línguas alienígenas ou inumanas.

O trecho mais famoso está presente em seu conto O Chamado de Cthulhu – Call of Cthulhu – escrito em 1926 e publicado dois anos depois. No conto a história se desenrola em torno do que se identifica como o Culto a Cthulhu e suas práticas ao redor do globo desde eras imemoriais até os dias de hoje. Durante uma batida policial em um pântano encontram quase 100 membros do culto em um frênesi, cercado por corpos talhados com marcas estranhas e no centros das antenções uma estatueta, todos eles entoando a frase:

ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn

Eventualmente Lovecraft a traduz, dando como significado “Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu morto espera sonhando”.

Essa língua inteligível nunca foi propriamente batizada, mas em outras três obras Lovecraft menciona um nome, criado por um de seus escritores favoritos, Arthur Machen. Em 1899 Machen escreveu As Pessoas Brancas – The White People – um conto curto de horror fantástico que mostra como uma conversa entre dois homens sobre a natureza do mal leva um deles a revelar um temido Caderno Verde, que tem em sua posse. O caderno contém os escritos de uma jovem que, de forma ingênua e provocante, descreve suas memórias de quando era ainda mais nova, além de conversas que teve com sua ama, que a inicia em um mundo secreto repleto de folclore e magia ritual. Em seu caderno a jovem faz alusões cripticas a ninfas, Dôls, voolas, cerimônias brancas, verdes e vermelhas, caracteres Aklo, às línguas Xu e Chian, jogos Mao e a um jogo chamado Cidade de Tróia.

Aklo nunca passou disso em suas primeiras evocações, Machen apenas cita “caracteres Aklo” uma vez em todo o conto, mas isso serviu para incendiar a imaginação de Lovecraft que o menciona em três contos seus, O Horror de Dunwich, escrito em 1928, O Diário de Alonzo Typer, escrito em parceria com  William Lumley em outubro de 1935 e O Assombro das Trevas, escrito em novembro de 1935.

Machen não faz nenhuma menção nem tentativa alguma de sequer explicar o que são caracteres Aklo, ou como, onde ou por quem são usados. Já Lovecraft, em o Horror de Dunwich, o menciona duas vezes em uma única passagem encontrada no diário de uma das personagens:

“Hoje aprendi o Aklo para o Sabaoth, mas não gostei, podendo ser respondido das colinas, mas não do ar.”

e

“Imagino como irei parecer quando a terra for limpa e não houverem mais nela seres terrenos. Aquele que veio com o Aklo Sabaoth disse que eu posso ser transfigurado já que muito do exterior deve ser trabalhado.”

Neste trabalho Lovecraft une Aklo ao termo Sabaoth. Sabaoth é o termo judaico para “Hoste” ou “Exército”, e é usado exclusivamente com o nome do Senhor, para designar Deus como sendo o Senhor das Hostes ou Senhor dos Exércitos. Lovecraft teve acesso a livros de Eliphas Levi, como o Dogma e Ritual da Alta magia onde o termo Sabaoth aparece em dois capítulos, O “Sabbat” dos Feiticeiros”, que foi usado por Lovecraft em seu romance O Caso de Charles Dexter Ward e “O Setenário dos Talismãs”. Em ambos os textos o nome Sabaoth aparece precedido de um dos títulos de Deus: Adonai Sabaoth e Elohim Sabaoth respectivamente. Em ambos os casos o nome parece ser usado para rituais de necromancia ou a confecção de amuletos que necessitam de rituais que envolvem sangue. Algo perfeito para Lovecraft, mas que no texto, como ele o colocou, parece ficar deslocado. Uma hipótese é que tenha usado a palavra Sabaoht no lugar da palavra Sabbath, o termo utilizado para designar, popularmente, a conferência das feiticeiras, assunto tratado à exaustão e com todos os detalhes góticos no capítulo do livro de Levi. Assim ter aprendido as runas para o Sabbath e aquele que veio do Sabbath talvez fizessem mais sentido. Mas isso é indiferente no momento.

No segundo conto que escreveu com Lumley, O Diário de Alonzo Typer, Lovecraft menciona o Aklo três vezes, dando um pouco mais de forma à idéia do que poderia ser:

“Eu acredito que possa ter se aliado a poderes que não desta terra – poderes no espaço além do tempo e além do universo. Ele se eleva como um colosso, se levarmos em consideração o que dizem os textos Aklo.”

seguido por

“Mais tarde eu subi ao sótão, onde encontrei vários baús repletos de livros estranhos – muitos de aspecto completamente alienígena, tanto em sua escrita quanto em sua forma. Um continha variações da fórmula Aklo que eu nem sabia existir.”

e finalmente

“Eu acredito que mais de uma presença possui tal tamanho e eu sei agora que o terceiro ritual Aklo – que achei no livro do sótão ontem – tornaria tal ser sólido e visível.”

Neste texto Lovecraft espande o conceito de Aklo de meros caracteres ou língua para uma cultura, os Textos Aklo, fórmulas e rituais Aklo. A idéia de que um ritual Aklo deveria ser usado para tornar um ser imaterial em uma presença sólida e visível é compatível com a idéia usada no Horror de Dunwich, onde Wilbor deseja manifestar em nosso mundo uma dessas criaturas usando as fórmulas do Necronomicon. Assim o Aklo que ele aprende pode ser uma parte fundamental do processo de evocação. Nos Diários de Alonzo Typer existe a menção a uma série de rituais e escritos Aklo. Isso poderia indicar uma forma não apenas de linguagem, mas de “escola mágica”, assim como a cabala tem sua cultura e caracteres, o Bon Po também, etc. Aklo poderia ser uma cultura que transcende apenas um alfabeto e uma linguagem.

No Assombro nas Trevas Lovecraft faz apenas uma menção ao Aklo, mas desta vez mais ampla.

“Foi em junho que o diário de Blake falou de sua vitória sobre o criptograma. O texto estava escrito, ele descobriu, na sombria linguagem Aklo, usada por certos cultos de maligna antigüidade e que ele aprendera de maneira hesitante através de pesquisas anteriores. O diário é estranhamente reticente sobre o que Blake decifrou, mas ele estava claramente impressionado e desconcertado por seus resultados. Haviam referências a um Assombro das Trevas que podia ser desperto ao se contemplar nas profundezas do Trapezoedro Brilhante e conjecturas insanas sobre os golfos negros do caos de onde ele era invocado.”

Tanto o texto de Machen quanto os de Lovecraft dão a idéia clara que o Aklo se deriva de uma cultura incrivelmente antiga e muito avançada nas artes obscuras. Capazes de evocar criaturas de outras dimensões, materializá-las em nosso mundo e conhecida por poucas pessoas nos dias de hoje. Uma cultura que possuia uma língua proibida e poderosa e possivelmente não humana.

Em vários textos Lovecraft faz uso de sua língua para dar clímax a alguma passagem específica, como no Caso de Charles Dexter Ward onde a fórmula “Y’AI ‘NG’NGAH, YOG-SOTHOTH H’EE-L’GEB FAI THRODOG UAAAH” é usada. Ou os gritos de “IA SHUB-NIGGURATH” que ecoam em diversos de seus contos.

Lovecraft não apenas nunca batizou explicitamente esta língua como também nunca ligou suas diversas menções em diferentes contos com uma única fonte. Geralmente aponta que uma das personagens encontrou as evocações em livros malditos como o Necronomicon ou o De Vermis Mysteriis, cada um desses livros tendo sido escrito por diferentes pessoas em diferentes épocas, mas, implicitamente, lidando com as mesmas criaturas do panteão Lovecraftiano, conhecido como Mito de Cthulhu.

Mais do que mera linguagem

Assim podemos assumir que essa linguagem poderia de fato ter origem extra-terrestre e ser ensinada a magos, feiticeiros, sacerdotes e ocultistas que entraram em contato com os Antigos. Mas seria correto dizer que esta língua/cultura alienígena seria o Aklo? E por que não? Machen nunca se foi além de sua única menção aos “caracteres Aklo” e Lovecraft escreve que o Aklo é usado “por certos cultos de maligna antigüidade” trazendo informações sobre os horrores que se escondem além do tempo e do espaço. Os próprios nomes das divindades parecem se derivar do Aklo, ou ao menos parecem ter chegado à terra nessa língua: Cthulhu, Shub-Niggurath, Shoggots, Cthugua, Tsatogua, etc. Além de outros nomes como a cidade de R’lyeh construída por Cthulhu, o planalto de Leng ou mesmo a misteriosa Sarnath, além disso existem menções a fórmulas e rituais como a fórmula de Dho-Hna; se somarmos a isso a menção de Lovecraft ao aspecto “completamente alienígena, tanto em sua escrita quanto em sua forma” podemos associar não apenas os rituais mas a origem dos Antigos e seus costumes ao Aklo. Talvez os Antigos sejam o Aklo assim como nós somos humanos.

Um ponto importantíssimo do idioma Aklo é que, ao contrário de qualquer outro idioma conhecido, ele não foi concebido para ser pronunciado por humanos, ou por criaturas presas na forma humana. Ele não foi nem mesmo concebido para ser pronunciado com o uso da garganta e língua humana, de modo que devemos ter ciência de que um homo sapiens falando Aklo é como a Gorila Koko falando a linguagem de sinais. Sempre uma mera aproximação limitada por nossa anatomia, neurologia e nossa consciência. É um idioma que deve ser falando principalmente com a mente, e não com as cordas vocais.

Essa idéia foi desenvolvida de forma magistral por Alan Moore no conto curto O Pátio – The Courtyard -, publicado na antologia Sabedoria Estrelar: Um Tributo a H. P. Lovecraft -The Starry Wisdom: A Tribute to H. P. Lovecraft. Em sua visão Aklo não é apenas uma língua alienígena, mas uma chave para se abrir as portas da percepção da mente humana. De acordo com Moore apenas ouvir, ler ou pronunciar o Aklo não causa nenhum efeito à mente, mas se “absorvida” por um cérebro em um estado alternado de consciência os resultados podem ser devastadores. No conto o agende federal Sax ingere DMT-7, para que pudesse “receber” o Aklo. A escolha de Moore é curiosa e muito acertada, já que a DMT, ou dimetiltriptamina é uma substância psicodélica encontrada não apenas em vários gêneros de plantas como a Acacia, Mimosa, Anadenanthera, Chrysanthemum, Psychotria, Desmanthus, etc. – famosa em celebrações religiosas como o culto do Santo Daime, da ayahuasca e da Jurema – como também é sintetizada no cérebro pelo próprio corpo humano. Não se sabe até hoje de forma concreta qual a função do DMT em nosso organismo, nem que órgão o produz – frequentemente se especula que a responsável é a glândula pineal. De acordo com Moore, assim que o DMT produz seu efeito no cérebro, cada “dose”, ou palavra em Aklo destrava na mente a compreensão física para seu próprio significado. Enquanto Lovecraft trabalhava apenas com a tradução do significado de cada palavra:

ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn = Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu morto espera sonhando

Moore trabalha com a compreensão de cada significado, especificamente de três palavras:

WZA-Y’EI

Conhece a Tudo. É uma palavra para o espaço conceitual negativo que rodeia um conceito positivo. As classes de coisas maiores do que o pensamento, sendo tudo o que o pensamento exclui.

DHO-HNA

Uma força que define. Algo que dá significado ao seu receptáculo como uma mão dentro de uma luva, ou vento nos moinhos de vento. Um visitante ou um intruso que cruzam um umbral, lhe dando significado.

YR NHHNGR

Não há uma definição em palavras, pensamentos esquecidos se juntam em flashes que cegam, e fusões impensáveis ocorrem. Surge uma visão de tudo o que existe além de nosso universo, não apenas físico, mas mental.

Se uma língua é um sistema formado por regras e valores presentes na mente dos falantes de uma comunidade linguística, podemos evocar Korzybski que afirmou que todos nós somos limitados por nosso sistema nervoso e nossa linguagem. Assim Moore pode ter encontrado a fórmula para se reprogramar o cérebro e a consciência com os valores presentes em uma cultura alienígena pré-humana, o DMT serviria para preparar o sistema nervoso para receber não apenas uma palavra mas todos os valores presentes nela, desta forma a pessoa aprenderia um dialeto novo não pela repetição ou pelos inúmeros atos de fala com que tem contato, mas de forma viral, já que para compreender o significado de uma palavra a pessoa entraria em contato com todas as palavras usadas para descrevê-la, e cada palavra, por si só, tem o próprio significado. Moore afirma que Aklo é a Síntaxe de Ur, o vocabulário primogênito que recebeu sua forma de ordens pré-conscientes vindas da quente incoerência de estrelas. Ela é composta de cores perdidas e intensidades esquecidas e isso faria com que, uma vez absorvida pelo cérebo, desimpedisse a mente de suas limitações ou, como escreveu Blake: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. Isso também faria com que a pessoa pudesse enlouquecer, já que os valores que temos podem ser completamente diferentes daqueles que inundarão nossa mente, e isso é uma constante nos textos de Lovecraft, onde a personagem, quando se defronta com o conhecimento alienígena/antigo enlouquece, traz para si uma antiga maldição, morre ou as três coisas – não necessariamente nesta ordem.

 

Escrevendo Aklo

Como Lovecraft e sua turma não desenvolveram o Aklo além de citações breves e enigmáticas, coube a seus fãs modernos e contemporâneos desenvolver a língua. Inclusive muitos a rebatizaram de R’lyehan, Cthuvian e até Tsath-yo, além de Lovecraftiano e outros nomes mais estúpidos. Tanto R’lyehan quanto Cthuvian associam a língua diretamente a Cthulhu e a cidade que lhe serve de prisão, R’lyeh. O problema com esses nomes, é que além de ridículos tranformam a linguagem em um dialeto, lhe roubando a universalidade que seus criadores lhe atribuiram originalmente, é como chamar a língua falada no Brasil de Santista, Paulista ou Carioca só porque uma celebridade de alguma dessas cidades caiu na graça dos estrangeiros. Assim vamos nos ater a seu nome original.

Um primeiro obstáculo que encontramos quando começamos a estudar o Aklo é que ele foi desenvolvido por pessoas que falavam o inglês e que não tentaram desenvolver a complexidade da língua. Assim “Cthulhu fhtagn” é traduzido pra o inglês “Cthulhu Dreaming” ou Cthulhu Sonhando. “ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn” é traduzido para o inglês “In his house at R’lyeh dead Cthulhu waits dreaming” – Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu morto espera sonhando. As únicas três palavras que podem ser traduzidas corretamente por comparação são dois nomes, Cthulhu e R’Lyeh e Fhtagn que significaria sonhando. Qualquer tradução palavra por palavra do texto cai no achismo, ainda mais que podemos ver que R’lyeh e Cthulhu são invertidos na tradução. Não há indicações do que “ph’nglui”, “mglw’nafh” e “wgah’nagl” signifiquem respectivamente, e ainda se pararmos para pensar que existem três palavras/termos/conceitos em Aklo que devem ser transliterados nas palavras/termos restantes, “em sua casa”, “morto” e “espera/aguarda”, não sabemos como a gramática funciona – por exemplo, em Latim, o que determina o significado de uma palavra não é sua ordem na frase, mas a terminação de cada palavra, assim ‘Caim matou Abel’ pode ser escrito, em latim, tanto ‘Caim matou Abel’ quanto ‘Abel matou Cain’ ou ainda ‘matou Abel Caim’ que saberíamos não apenas o significado da sentença mas quem faz o papel de assassino e quem foi a vítima. Poderíamos afirmar que Aklo seria semelhante ao latim ou teria uma estrutura mais rígida como o português ou inglês moderno? Não podemos afirmar nada.

Mesmo assim, compilando frases e termos em Aklo usado não apenas na ficção Lovecraftiana mas no material que surgiu posteriormente, podemos chegar a algumas conclusões:

– Aparentemente o Aklo não faz distinções entre pronomes, verbos, adjetivos e outras figuras de linguagem.

– Pronomes podem não aparecer.

– Verbos possuem apenas dois tempos: presente e não presente. A mente dos Antigos não pode ser explicada linearmente, e o nosso conceito de tempo – presente, passado e futuro – se mostra extremamente limítrofe e primitivo.

– Não existem preposições soltas, elas estão geralmente implícitas.

– As palavras se combinam facilmente com prefixos e sufixos que explicam se está sendo descrito um lugar, entidade ou dimensão, ou se algo está acontecendo agora ou não agora.

– Prefixos e sufixos são ligados, geralmente através de apóstrofe.

– Termos novos formados por duas ou mais palavras são ligados por hífem.

– O plural geralmente é indicado pela repetição da última letra.

– Não existe definição de gênero, que é uma limitação característica do tipo de existência física deste planeta, ao invés disso existe uma ligação entre energia e forma, tudo relacionado a energia é tido como masculino, tudo relacionado ao que dá forma é feminino, por isso a distinção entre Pai – principio energético – e Mãe – o ser que dá a forma à vida.

– Não existe diferenciação de localização espacial e localização temporal.

Além da forma, a direção da escrita também é vista como elemento diferenciador do sistemas Aklo. Semelhante ao grego antigo, o Aklo é escrito em linhas com direção alternada: uma linha da direita para a esquerda e a linha seguinte da esquerda para a direita, invertendo a direção das letras; a terceira linha equivalia à primeira e a quarta à segunda e assim sucessivamente. Esse método é chamado de boustrophedon, uma palavra grega que significa “da maneira como o boi ara o campo”. Em livros recentes é compreensível que a escrita seja feita da esquerda para a direita como se tornou comum no ocidente.

 

Caracteres Aklo

Não existe um alfabeto Aklo “oficial” apontado por Machen, Lovecraft ou outro escritor, o que existem são trabalhos feitos por fãs que tentam representar o que consideram ser o alfabeto. O problema com a maioria é que se revelam rebuscados demais para serem práticos. Ou runas trabalhadas demais, ou simbolos carregados de um barroquismo que interferem em sua escrita.

O Aklo sempre foi mostrado de duas formas: ou a transliteração fonética das palavras, como Fhtagn, ou descrição de arabescos e hieroglifos hediondos, antigos e não relacionados com nenhuma civilização. É sabido que a forma de escrita mais antiga que se tem conhecimento hoje era essencialmente formada por ideogramas. O desenho de um pão representava o próprio pão. Duas pernas poderiam representar tanto andar quanto ficar de pé. Com o tempo as simbolos se tornaram abstratos, deixando de representar conceitos para indicar sons. A letra M do nosso alfabeto evoluiu de um hieróglifo egípcio que representava ondas na água e o som que essas ondas faziam, a palavra egípcia água contem apenas uma consoante: M, assim a figura M não representava apenas a idéia de água mas o som que faziam.

Quando a escrita necessitou se tornar “portátil”, os ideogramas foram substituídos por caracteres que pudessem ser desenhados com rapidez pelas ferramentas de mão no meio em que seriam carregados. As ferramentas eram um instrumento pontiagudo e forma triangular e o “papel” da época eram tábuas de argila. O que determinou a evolução da escrita então foi o instrumento usado para escrever, logo que o triangular foi substituído por outro em forma de cunha, surgiu a escrita cuneiforme aproximadamente no século XXIX a.C.

Assim é lógico que qualquer tipo de escrita primitiva feita por humanos teria que seguir uma linha cuneiforme, ou sem formas que exigissem muita complexidade. Isso explicaria também a aparência alienígena atribuída aos textos encontrados nos tomos antigos.

Em 1934, seis anos após a publicação do conto O Chamado de Cthulhu, H.P. Lovecraft enviou uma carta a R.H. Barlow com uma ilustração de próprio punho da escultura de Cthulhu sentado em um bloco com inscrições ao redor.

As inscrições com certeza seriam, na estatueta descrita, Aklo. Lovecraft tentou no desenho incorporar sua versão do Aklo ou simplesmente fez rabiscos sem sentido apenas para mostrar o conceito da estatueta? Alguns dos rabiscos de Lovecraft lembram alguns caracteres do alfabeto fenício.

Outros simplesmente parecem rabiscos mesmo. Mas como os fenícios evoluiram dos sumérios, e uma das cidades estados mais conhecidas da Suméria era Ur talvez não seja um chute tão extremo dizer que Aklo poderia ser representado por caracteres que tenham sido usados pelos fenícios. Curiosamente em uma das edições mais populares do Necronomicon, a de Simon, todo panteão Lovecraftiano é associado com as divindades sumérias, mas essa associação nunca foi feita de forma explícita ou implícita pelos escritores do Mito.

Outra curiosidade a respeito do Necronomicon é que outra de suas edições, conhecida como O Necronomicon de Wilson-Hay-Turner-Langford, graças a seus autores, Colin Wilson, George Hay, Robert Turner e David Langford, oferece um alfabeto de Nug-Soth para ser usado em rituais e sigilos. Nug-Soth é personagem do conto “A Sombra fora do Tempo” de Lovecraft, um mago dos conquistadores negros que viveu no século XVII d.C – DEPOIS DE CRISTO – e que por causa de uma tranferência de mentes com um dos membros da Grande Raça dos Yith ficou aprisionado no ano 150,000,000 a.C. – ANTES DE CRISTO.

Nunca foi afirmado que esse alfabeto fosse Aklo, e basta uma olhada para ver que, apesar dele ter uma funcionalidade prática para a antiguidade, lhe falta a aura alienígena e o aspecto sombrio tão presentes nos textos lovecraftianos. E assim voltamos ao alfabeto fenício. Em 1518 um alfabeto de origem desconhecida foi publicado na obra Polygraphia de Johannes Trithemius. O alfabeto foi atribuido a Honório de Tebas, uma figura cuja existência beira a lenda. Ninguém sabe quem foi Honório, já afirmaram que na verdade era o Papa Honório, e assim sua figura foi associada não apenas com um Papa mas dois: Honorius I e Honorius III. Ele é o autor de um dos maiores livros de magia negra medieval existentes, conhecido como Liber Juratus ou O Livro Jurado de Honório. Curiosamente esse alfabeto não foi encontrado em nenhum dos dois livros atribuídos a Honório que sobreviveram a Inquisição. O alfabeto Tebano, como ficou conhecido, não apresenta semelhança com os alfabetos da época em que foi publicado, seus caracteres não se assemelham a letras latinas, hebraicas, árabes ou de nenhum tipo, mas tem certa semelhança a um alfabeto mais antigo, o fenício. O Alfabeto Tebano, também conhecido como Alfabeto das Bruxas, por causa do seu uso difundido em grupos de feiticeiras ou mesmo por praticantes solitárias, tem as características oníricas e estranhas evocadas por Lovecraft e se assemelham a alguns de seus “rabiscos” na base da estátua. Se levarmos em conta sua presença em livros de magia negra medievais, sua origem desconhecida, sem uso místico, podemos ver que serve perfeitamente como um bom candidato a canal para o Aklo ser transmitido.

Assim como no Latim não existe diferença entre a pronuncia do I e do J ou do U e do V – ou o W moderno – sendo o mesmo caracter usado para indicar os diferentes sons. Não existem também diferenciação entre maiúsculas ou minúsculas, como no caso do hebraico. Assim as diferentes “letras” representam os sons pronunciados pelo mago. Também não existem apóstrofes, hífens ou qualquer pontuação além de uma indicação de fim de sentença, o que indica que o texto não era separado em frases ou parágrafos, sento escrito em bloco com o sinalizador de fim de sentença.

Isso sim é algo que esperamos encontrar garatujado no Necronomicon.

Os apóstrofes, hífens, etc. que surgem na transliteração são indicativos apenas da sonoridade da palavra, de sua pronúncia, não existem no texto Aklo original.

Baixe aqui o Alfabeto Tebano

Pronunciando Aklo

Apesar de deixar sempre claro que os nomes e palavras Aklo não poderiam ser pronunciados por gargantas humanas, existe uma aproximação fonética.

Por exemplo, apesar de Lovecraft ter sugerido diferentes pronúncias para o nome Cthulhu, a mais aceita é a que oferece em Selected Letter V: o “u” é similar a urubu, e a primeira sílaba não sendo muito diferente de “Klul”, então o primeiro “h” representa o som gutural do “u”. Isso seria, de acordo com Lovecraft, o mais próximo que as cordas vocais humanas chegariam de pronunciar uma língua alienígena.

Mas a pronúncia nos contos é muito próxima da fonética das letras. No Caso de Charles Dexter Ward a fórmula:

Y’ai ‘ng’ngah, Yog-Sothoth

é pronunciada no inglês antigo:

Aye, engengah, Yogge-Sothotha

ou, “abrasileirando”:

Iai, ingeingá, Iogui-Sototi

ou ainda:

Yi nash Yog Sothoth

ou, “abrasileirando”:

I-í náchi Ióg Sossóss

Além disso esbarramos em outro problema levantado pelo próprio Lovecraft quando desejamos aprender a pronunciar corretamente as palavras. Em O Chamado de Cthulhu ele escreve:

“[…] de um ponto indeterminado das profundezas veio uma voz que não era uma voz; uma sensação caótica que apenas uma suposição poderia traduzir como som, mas que ele tentou traduzir com um entulho de letras quase impronunciável, ‘Cthulhu fhtagn’.”

“[…] uma voz ou inteligência subterrânea gritando monotonamente em enigmáticos impactos sensoriais indescritíveis a não ser como sons inarticulados […]”

“[…] o modo de discurso [dos Grandes Antigos] era a transmissão de pensamentos.”

E no Horror de Dunwich:

“É quase errôneo chamá-los de ‘sons’, uma vez que muito do seu medonho, e grave timbre falava diretamente com lugares sombrios de consciência e do terror, muito mais sutis do que o ouvido; mesmo assim é necessário que o façamos, uma vez que sua forma era indiscutivelmente, todavia de forma vaga, a de ‘palavras’ semi-articuladas.”

Assim fica claro que qualquer transliteração de Aklo se torna apenas uma aproximação fonética da forma pronunciada da palavra, pronunciada por uma mente alienígena; forma esta que inclui imagens, sensações, emoções, impressões e qualquer outra forma de informação que o limitado cérebro humano possa processar. É um idioma que deve ser falando principalmente com a mente, e não com as cordas vocais. Faça um exercício, tente traduzir a sua última trepada em uma única palavra, escreva em um papel e depois leia a palavra e veja se ela está à altura do ato. Isso torna a proposta de Moore muito mais interessante, talvez com o uso de alguma droga, como o DTM, o aprendizado do Aklo nos leve mais próximo de seu real significado do que meramente de sua pronuncia. Já que nossa mente filtra apenas o que podemos processar e compreender podemos afirmar que o que sabemos desta língua é muito limitado se comparado com o que um Antigo pode compreender e tentar nos passar.

 

Glossário Aklo – Humano

-agl = (sufixo) lugar

aag = local/realidade dos espíritos / essência sem o corpo

ah = ação genérica, e.g. saudar, comer, fazer

‘ai = falar / chamar / glorificar

athg = firmar (contrato) / concordar

ath = nativa / nascida de

azoth = caos

azathoth = caos + nascer/ser criado

 

‘bthnk = corpo / essência

bug = ir

 

c- = (prefixo) nós / nosso

ch’ = cruzar / viajar / atravessar

chtenff = irmandade / sociedade

 

ebumna = poço

eeh = respostas

ehye = coesão / integridade

ep = não agora / então / mas

ep hai = como consequência neste momento

 

f’- = (prefixo) eles / deles

‘fhalma = mãe

fhayak = enviar / oferecer / lugar

fhhui = considerar / preparar

fhtagn = estado de não consiência do momento (contempla sem conseguir sair da contemplação) o espaço entre dois momentos a experiência mais próaxima é “dormir” ou não estar desperto.

fm’latgh = queimar

ftaghu = pele / o espaço externo que limita uma forma / os ângulos que contém uma forma

 

geb = aqui / agora / esta área

gha = vida

ghft = aquilo que revela formas / luz?

gnaiih = pai/criador

gof’n = criança/criação

gof’nn = crianças/criações

goka = garantir/garantia/assegurar

gotha = desejo/desejar

grah = o mesmo que gha

grah’n = desgarrado/larva (possivelmente grah + nnn)

 

h’- = (prefixo) aquilo/daquilo

hafh’drn = sacerdote / aquele que evoca/chama (possivelmente ai/ah + f’ + ron)

hai = agora

hlirgh = aquele que trilha o caminho próprio / que cria a própria escolha

hri = seguidor

hrii = seguidores

hupadgh = nascido de / pertencente a

 

ilyaa = esperar / aguardar

 

k’yarnak = compartilhar / trocar

kadishtu = compreender (Kadath = não compreendida?)

kn’a = indagar / aprender / absorver

 

l’geb = não aqui mas ao lado / próximo

lg = informação sem forma / “pensamento”

li’hee = “ser oprimido sensorialmente por” o sentimento mais próximo para expressar essa palavra é “sofrendo de”

ll = em / ao lado

lloig = mente / psiquê

lw = consciência livre do corpo/da restrição

lw’nafh = ensino por sonhos / influência por sonhos / doutrina por sonhos (lw + nafh?)

 

mg = (conjunção) ainda que

mnahn’ = sem valor

 

‘nagl = local / espaço de influência

n’ = negação do atributo / não

n’gha = não existência / não consciência / morte (n’ + gha)

n’ghft = ausência de sentidos / escuridão (n’ + ghft)

na’ = (prefixo) (contração de nafl-)

nafl- = (prefixo) não, aplicado ao agora

ng- = (prefixo) (conjunção) e / por consequência / uma ação que depende de uma ação não tomada

nglui = limite

niggur = negro

nilgh’ri = qualquer coisa / todas as coisas

nnn- = (prefixo) observar / proteger

nnn-l = tomar conta / proteger / acompanhar

nnn-lagl = aquele que espreita / aquele que observa de “não aqui”

nog = vir/estar agora

nw = cabeça / lugar / indivíduo

-nyth = (sufixo) servo / extensão da vontade de

 

-og = (sufixo) ênfase

ogg = poder perceber / estar cônscio

ooboshu = carregar / levar para / visitar

-or = (sufixo) força de / aspecto de

orr’e = essência / informação que compõe / ser sem forma ou fronteiras

-oth = (sufixo) nativo de / nascido de

 

ph’ = (prefixo) sobre / além

phlegeth = onde a informação existe / também o local onde duas mentes se encontram (ph’+ lg ?)

 

r’luh = secreto / segredo / escondido / ofuscado (R’lyeh = cidade oculta?)

r’luh-eeh = sem coerção / conhecimento secreto/proibido (R’lyeh = cidade do conhecimento secreto/proibido?)

ron = aquilo que define a vontade / “religião”

 

s’uhn = aliança

sgn’wahl = espaço que existe para mais de um / espaço compartilhado

sh = um aspecto da realidade / reino

shagg = onde sonhos existem (sh + agg ?)

shogg = onde a ausência de sentidos/escuridão existe (sh + ogg ?)

shub = sh + ub ? lugar fértil / o aspecto da fertilidade?

shub-niggurath = shub + niggur + ath = a manifestação negra (cor) viva da fertilidade

shugg = reino da Terra / dimensão onde a Terra é real

soth = forma que dá origem

sothoth = soth + oth ? aquele que nasceu da forma que dá origem

shtunggli = transmitir / contato

sll’ha = convidar / oferecer

stell’bsna = pedir / rezar por

syha’h = todo tempo / ausência de tempo (neste momento) / eternidade

 

tharanak = juramento / exorcismo / trazer a um preço (sacrifício?)

thflthkh’ngha = preparar (para) receber (a) essência/consciência/vida (daquele) que serve/que é extensão de sua vontade

throd = tremer

 

uaaah = conclusão do ritual

ub = fértil

Ugaga = Cria a vida em nosso planeta / é responsável pela vida em nosso planeta (ugg+gha ?)

ugg = Terra / nosso plano de existência

uh’e = muitos / multidão

uln = chamar / evocar / tornar real

 

vra = entrar / se tornar um com

vulgtlagln = pedir/desejar

vulgtm = pedido/desejo

 

wgah’n = ocupar / habitar / controlar

wgah’nagl = casa (de) (ocupar/controlar + local/espaço de influência)

wgn = aguardar no local que habita

wk’hmr = transferir a / impregnar com

 

y’hah = “que se realize”

y- = (prefixo) eu / meu

ya = eu

-yar = (sufixo) tempo de / momento

yog = era / tempo

yog-sothoth = yog+soth+oth = aquele que nasceu da forma que dá origem ao tempo

 

zhro – anular desejo/feitiço

por Shub-Nigger, A Puta dos Mil Bodes

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/aklo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/aklo/

A Imagem de Maioral

Por Danilo Coppini

Dentro dos costumes e tradições da Quimbanda, a grande maioria dos Templos/Terreiros usa uma imagem muito similar à Deusa “Baphomet” para representar o “Imperador Maioral”. Essa forma de idolatria também ocorreu por conta do sincretismo religioso ocorrido na formação do culto, principalmente pela grande influência das obras literárias do “mago cristão” Eliphas Levi, criador da imagem. Dentre suas obras, o livro “Dogma e Ritual da Alta Magia” foi um dos responsáveis pela profanação da “Senhora da Terra” e pela propagação de um dos maiores erros no círculo ocultista. Transcreveremos um trecho dessa obra que expõem sobre Baphomet:

“Figura panteística e mágica do Absoluto. O facho colocado entre os dois chifres representa a inteligência equilibrante do ternário; a cabeça de bode, cabeça sintética, que reúne alguns caracteres do cão, do touro e do burro, representa a responsabilidade só da matéria e a expiação, nos corpos, dos pecados corporais. As mãos são humanas para mostrar a santidade do trabalho; fazem o sinal do esoterismo em cima e em baixo, para recomendar o mistério aos iniciados e mostram dois crescentes lunares, um branco que está em cima, o outro preto que está em baixo, para explicar as relações do bem e do mal, da misericórdia e da justiça. A parte baixa do corpo está coberta, imagem dos mistérios da geração universal, expressa somente pelo símbolo do caduceu. O ventre do bode é escamado e deve ser colorido em verde; o semicírculo que está em cima deve ser azul; as pernas, que sobem até o peito devem ser de diversas cores. O bode tem peito de mulher e, assim só traz da humanidade os sinais da maternidade e do trabalho, isto é, os sinais redentores. Na sua fronte e em baixo do facho, vemos o signo do micro-cosmo ou pentagrama de ponta para cima, símbolo da inteligência humana, que colocado assim, em baixo do facho, faz da chama deste uma imagem da revelação divina. Este panteus deve ter por assento um cubo, e para estrado quer uma bola só, quer uma bola e um escabelo triangular” Levi, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia, Editora Madras – 2008.”

Segundo essa descrição, Baphomet trata-se de uma figura filosófica, hermafrodita, cuja principal função é manter o equilíbrio entre os polos energéticos (+ e -) e promover uma suposta redenção motivada por impulsos de misericórdia e justiça. O ídolo Baphomet foi concebido por esses estudiosos cristitas como sendo um conjunto de fagulhas das mais diversas culturas antigas que capacitaram o entendimento da geração, polaridade, dualidade, entre tantos outros significados.

“Baphomet”, segundo nossos entendimentos, não é a figura panteística do “Absoluto”, tampouco, algum esboço representativo da santidade do homem. Acreditamos que a palavra “Baphomet” é junção das palavras gre-gas “Baphe-Metra” (Βαφή μητερα), que corresponde à “Mãe tingida/sangrenta”, “A tintura da Mãe” ou ainda “o batismo da Mãe” onde ocorre o encontro com a face da Deusa Sinistra. O nome, apesar de filosófico, representa o “Grande Útero Negro” que gerou e capacitou forças para guerrear contra a inércia das religiões estigmatizadas.

Para desmistificar algumas ideias, vamos expor um conjunto de conceitos que nos fazem acreditar que “Baphomet ou Bafomé” não é o “Antigo deus templário” que motivou autoridades católicas e reis perseguirem os “cavaleiros de cristo” ou “uma corrupção do nome Maomé” como infelizes ocultistas persistem perpetuando em escritos sem nexo.

Visivelmente, a imagem de Baphomet é carregada de significados esotéricos. Tais sinais são tão amplos que dão margem à diversas interpretações, por tal motivo, cada corrente filosófica enxerga a imagem com atributos diferentes. Associam-na ao deus Pan (panteão grego), ao Vigilante Azazel (hebreu), ao demônio Behemot e ao próprio Satanás cristão. Alguns alegam que a imagem é o puro “Akasha” (primeiro espírito), outros que representa o “Batismo da Sabedoria” (corrupção da expressão grega “BaphesMetis”) ou “Sophia” e os mais infortunados alegam ainda que o nome é uma corrupção de “Abufihamat” (ou ainda Bufihimat, como pronunciado na Espanha), expressão moura para “Pai do Entendimento” ou “Cabeça do Conhecimento”. Dezenas de teorias enxertam a massa formadora do ícone gnóstico mais corrompido da história da filosofia esotérica.

Como dito anteriormente, o autor e ocultista cristão Eliphas Levi, que outrora se tratava de um abade com impulsos ao “desconhecido”, moldou através dos conceitos preexistentes uma figura filosófica repleta de significados e nomeou-a como “O bode Baphomet ou o Bode de Sabbath”, uma figura visivelmente corrompida e repleta de influências demoníacas. Portanto, o ídolo Baphomet foi construído nas pranchetas de um abade que fundiu dezenas de conceitos e culturas para desenhá-lo.

A imagem de Baphomet, carregada de traços demoníacos e simbologias não cristãs, foi o vaso perfeito para a habitação do “inimigo de Deus”. A Igreja cristã fundiu os dois conceitos e criou uma forma física para propagar o medo que sua doutrina necessita para manter-se viva. A imagem de Baphomet torna-se a imagem de Satã/Lúcifer, cultuado pelos bruxos em suas ritualísticas de “Sabbat Negro”, onde o deus adorado era o “bode negro”, também conhecido como “Mestre Leonardo”.

No processo formador da Quimbanda, a imagem de Levi chegou em terras brasileiras concomitantemente aos demais livros inquisitórios de demonologia. Como a imagem é forte e expressiva, ostentando a cabeça de um bode (animal repudiado), não tardou para ser proliferada como a imagem do próprio demônio ou ainda a imagem que retratava o demônio e suas legiões. Dessa forma, foi a imagem usada para representar as forças de Maioral e a amplitude de seus poderes dentro do culto da Quimbanda. Esse conhecimento é fundamental para a compreensão da imagem de Maioral.

Evidentemente que fica uma lacuna na mente dos adeptos: “Se a imagem de Maioral foi o desenho de um abade esotérico corrompido pela Igreja Católica, a mesma torna-se uma figura desprovida de poder e verdade dentro do culto da Quimbanda. Como seria a imagem de Maioral?” Para sanarmos essa lacuna, temos de readaptar nosso entendimento acerca da imagem, bem como os fundamentos que a mesma carrega. Segundo nossa Tradição V.S. Maioral é um Ser amorfo, portanto, todas as imagens ou gravuras são apenas formas representativas que facilitam o processo evolutivo. Outro ponto importante é que independente da imagem ter sido fruto da imaginação de um ser humano, a mesma adquiriu um poder energético condensado por centenas de anos de egrégora. Cabe aos dirigentes espirituais entenderem e adaptarem novos conceitos para que a imagem possa ser usada nos cultos.

Ao observarmos a imagem de Baphomet, encontraremos alguns aspectos deveras importantes para associá-la ao culto de Maioral. A imagem possui:

Asas: Representa o elemento ar, associado ao “Maioral Beelzebuth”. As asas são a expressão de liberdade que quebram as barreiras mentais.

Escamas: Representa o elemento água, associado ao “Maioral Leviatã”. As escamas são intransponíveis armaduras que garantem a continuidade do astral amorfo, ou seja, a libertação de tudo que escraviza no astral.

Cascos: Representa o elemento terra, associado ao “Maioral Belial”. Os cascos são fortes e as fendas garantem o equilíbrio sob qualquer circunstância. Esse é o símbolo da força necessária para destruir as correntes aprisionadoras físicas, os vícios, as falhas, o ego, o humanismo, a necessidade de auto afirmação, dentre outros comportamentos aprisionadores.

Tocha/Archote: Representa o elemento fogo, associado ao “Maioral Lúcifer”. Esse elemento é responsável pela busca da iluminação interior e espiritual. É o fogo que transforma nossa “Pedra Filosofal” no “Diamante Negro”. É o sacrifício que logra êxito nas jornadas espirituais.

Os quatro Maiorais são os formadores do Grande Dragão Negro e suas representações, bem como seus poderes estão simbolizados na imagem. A cabeça do bode indica uma relação direta com a bestialidade, com o caos, instintos animais, agressivos que o homem tenta sufocar e as Leis aprisionar. É uma forma de entender que apesar da aparência, somos animais e devemos saciar nossos instintos. A tocha sobre a cabeça lembra-nos que tais instintos devem ser controlados e manipulados segundo a necessidade e vontade. Os cornos também são uma expressão do lado animal e da dualidade energética (pela força de penetração e por sua abertura em forma de receptáculo) que todos os adeptos possuem. Indicam a ancestralidade, o poder, a coroa e a proteção ao archote de Lúcifer, afinal, “é a luz que cega os profanos”. Os chifres do bode são um símbolo de sexualidade e procriação, mostrando a ligação com a Terra e todas as disputas que ocorrem nela. Sob uma visão mais esotérica, tais chifres são símbolos relacionados aos poderes infernais, afinal, representam o aspecto lunar e não solar como os do carneiro. Resumimos toda essa explanação em uma frase dita pelo grandioso Exu Pantera Negra: “Abra os olhos, seja corajoso e se torne um bode preto!”.

– 69 -Sob tal entendimento, apesar de Maioral possuir a chama de Lúcifer em sua essência, protege-a de tolos profanos. Seus chifres representam que na Terra é Imperador e possui poderes receptivos e dinâmicos, masculinos e femininos, positivos e negativos, construindo ou destruindo conforme a necessidade. Não se trata de um Ser andrógino, mas de um Ser que possui domínio sob ambas as energias.

Diversas culturas pagãs acreditavam que o bode era um animal divino e carregado de forças de libido e procriação, cujo sangue possui o poder de “temperar o ferro” em associação ao próprio fogo. Todavia, a figura de animal expiatório, iniciada através das religiões de Israel que concentravam a redenção de seus pecados simbolicamente na cabeça desses animais. A religião cristita fez do bode a própria figura do “diabo”, retirando desse animal sagrado o direito de ser divino e repleto de energias de procriação.

“… em ambos os casos, contudo, é importante salientar que tanto o carneiro quanto o bode são claros símbolos de divindades solares, sendo que no primeiro tem-se a exaltação da divindade, enquanto que no segundo a expiação e morte do deus.” Chevalier, Alain Jean Geerbrant. Dicionário de Símbolos. José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 2000); p. 134

A imagem apresenta em cima do chacra Ajna, que na nossa tradição chama-se “Abaddon”. Esse centro energético está diretamente ligado ao Senhor Astaroth e no mergulho para a mente inconsciente que possui sombrios “vales”, a fim de encontramos respostas para nossos caminhos evolutivos. Na imagem tradicional, um pentagrama cósmico representa esse centro energético, todavia, segundo nosso entendimento, apenas o pentagrama invertido pode representar esse caminho, pois a ponta que representa o espírito deve estar voltada para o submundo (para baixo), local de onde habita a escuridão em nossos inconscientes. Dessa forma, existirá o autoconhecimento e a força de Maioral terá o poder de libertação sobre seus escolhidos através da unificação das forças elementares, assim como reza as antigas tradições dos deuses corníferos.

Os braços musculosos mostram o lado guerreiro, forte e onipotente, portador dos garfos (tridentes) eternos no culto da Quimbanda e as mãos, posicionadas para cima e para baixo são símbolos da equação: “O que está em cima e o que está embaixo são mistérios que só os iniciados enxergarão!”, todavia, como apenas dois dedos apontam o caminho (Luz ou Escravidão), concluímos que o caminho oculto deve ser preservado. Não se trata de um símbolo de equilíbrio, trata-se do mistério da escalada do próprio autoconhecimento.

Os seios na imagem de Maioral são apenas representações do “oceano primordial” e honrarias ao ser que deu origem à sagrada linhagem. Também mostram que foi criado como forma de embate aos dogmas e comportamentos preestabelecidos, um Ser que protege seus escolhidos eternamente.

Na barriga da imagem encontramos um dos elementos mais importantes da mesma: “O falo emblemático” denominado como “Caduceu de Hermes/Mercúrio”. O falo aparece de forma peculiar, afinal, salta de um manto que cobre as pernas do ídolo. O mesmo atravessa um “semicírculo” que divide a imagem. Entendemos que esse semicírculo represente as constelações. O falo fecunda e age como um totem para forças além-matéria, e é como um cetro de poder regendo o equilíbrio dinâmico de duas forças. Segundo a tradição esotérica que seguimos e entendemos como correta (não desmerecendo as demais), representa a ascensão do Dragão Cego carregando Lilith através dos centros energéticos do corpo para promover o reencontro com Samael/Satã e receber as sagradas sementes. É um símbolo para despertar uma forma de serpente/dragão, profanamente denominada de “Kundalini” e gerar uma poderosa descarga energética no microcosmo que refletirá no macrocosmo.

Essa imagem possui duas cobras entrelaçadas que posicionam suas cabeças como se estivessem aptas à guerra. Essas duas serpentes possuem uma grande gama de explicações, todavia, acreditamos que no culto ao Senhor Maioral, representem as duas polaridades em embate, comunhão e procriação. Além disso, também comungamos a ideia de que representem a unidade em um mesmo corpo de Luz e Trevas (base de toda nossa crença). De forma esotérica, junto com o falo (eixo central) representa o desenho da própria Otz Daath (Árvore da Morte). Outro conceito interessante é associar as duas serpentes com as correntes lunares e solares, denominadas de Ob e Od (veneno e antídoto).

O manto cobre aquilo que não deve ser visto, que ainda se forma ou que nunca existiu. Cobre as pernas entrecruzadas de Maioral, numa espécie de posição autoritária, assentado sobre a Terra donde rege Seus reinos, povos e legiões, assim como seus escravos.

Sob esses prismas, a imagem de Baphomet, adaptada ao culto de Quimbanda para representar o Senhor Maioral torna-se real e verdadeira. Alguns enxergam a imagem como representação do Senhor Maioral Beelzebuth. Essa visão também é válida, afinal, a imagem contêm a essência desse “Ser” em sua formação.

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-imagem-de-maioral/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-imagem-de-maioral/

Bruxas (folclore)

Bruxa (mulher) ou bruxo (homem), no Brasil e em Portugal, equivale em muitos à Bruja da Espanha, à strega italiana e à tlahuelpuchi do México, a bruxa chupadora de sangue, sua versão espanhola e das américas era um ser vivo capaz de se transformar em vários tipos de animais para atacar crianças. A bruxa era uma figura pré-cristã que se tornou proeminente na Idade Média. Naquele tempo a Inquisição deu especial atenção às crenças pagãs e as considerou endemoninhadas, como atividades maléficas de Satã. Nas regiões rurais de Portugal a crença na bruxaria sobreviveu até o século XX e o governo tem tomado medidas periodicamente para desfazer sua continuada influência.

A Bruxa erai considerada um ser horripilante, um dos maiores pesadelos a serem temidos dentre os que andam pelas noites. No conceito popular que dominou o ocidente por séculos, uma Bruxa à noite se transforma, adquirindo feições horríveis ou assumindo a forma de uma pata, ratazana, o pombo ou a formiga. ou algum outro animal.

Como pessoa, pode ser moça. Não é obrigatoriamente velha nem feia. Chupa o umbigo dos recém-nascidos e carrega consigo crianças, que esquece depois em outras cidades. Nas noites de encantamento deve correr sete praças, isto é, visitar sete cidades e voltar ao lugar de partida entre a meia-noite e as três horas da madrugada. Se transformada em animal não alcançar, dentro desse rprazo, o lugar onde deixou a roupa, aparecerá nua, onde estiver. Ela entra e sai das casas pelo buraco da fechadura.

As bruxas da região reuniam-se nas encruzilhadas às terças e sextas-feiras e esses dias assumiam uma conotação negativa no folclore português. Durante suas reuniões acreditava-se que as bruxas adoravam Satã, de quem teriam recebido vários poderes do mal, entre os quais o olho maligno.

Como é que alguém vira Bruxa?

A Bruxa é sempre a última filha de uma série de sete mulheres. Seu fadário (maldição) é de sete anos. Para escapar a ele deverá ser batizada pela irmã mais velha. Mais tarde será madrinha de crisma dessa irmã. Ela gosta de sal, Cada vez que o recebe está aliviando sua pena, porque o sal é sagrado.

Uma informante estava em casa, com toda a farmília, à noite, quando começou a ouvir um assobio fininho e prolongado. O pai falou: – Fiquem quietos, porque é a Bruxa. E, para ser ouvido por ela, levantou a voz: – Amanhã bem cedo venha buscar sal. O assobio cessou. No dia seguinte, logo que se levantou e foi para o quintal picar lenha, apareceu uma velhinha que ele conhecia, porque morava no bairro. Olhou para ele, calada. Ele também nada perguntou. Entregou-lhe um punhado de sal. Ela agradeceu e partiu. Suas suspeitas, de que havia uma Bruxa nas vizinhanças, confirmaram-se. E ficou sabendo quem era ela.

Bruxas rondam as casas onde há bebês. Se são recém-nascidos e, principalmente, se ainda não foram batizados, é preciso deixar uma luz acesa e não descuidar deles; ela costuma chupar-lhes o umbigo, matando-os por essa forma. Se são crianças maiores, carrega-as para outros lugares, longe de casa, entra sempre em uma venda onde há bebida alcoólica e embebeda-se. Depois volta correndo e esquece-as lá.

Uma Bruxa metamorfoseada em pata apanhou uma menina e transformou-a também em pata. Foram para longe, a Bruxa preocupou-se em procurar bebida e lá esqueceu a menina. No dia seguinte, o dono da venda encontrou a menininha nua, perto das bebidas. Nesses casos é preciso sair procurando os pais das crìanças, para devolvê-las.

Havia duas moças, muito amigas. Uma delas era Bruxa. Fazia orações e gestos especiais e transformava-se. A outra resolveu imitá-la e conseguiu também se transformar, acompanhando-a para local distante, onde havia uma venda com bebidas. Lá beberam bastante. A certa altura, a Bruxa mais recente começou a arrepender-se do que fizera e então voltou à forma humana. A primeira passou pelo buraco da fechadura e foi-se embora. A outra ali ficou, nua. Apanhou um saco vazio e com ele se cobriu. Quando o dono da venda chegou, pela manhã, ficou muito espantado. – Como ê que você conseguiu entrar aqui, com tudo trancado? A moça, chorando, explicou o que acontecera e contou-lhe do seu arrependimento. A esposa do vendeiro emprestou-lhe roupas e ela voltou para casa. Nunca mais quis acompanhar a amiga, a qual, envergonhada, mudou-se do lugar.

Proteção contra bruxas

A proteção contra as bruxas era fornecida por uma série de amuletos mágicos. As crianças também eram protegidas pelo uso de ferro e aço. Um prego de aço fincado no chão ou uma tesoura sob o travesseiro manteria as bruxas afastadas. Havia também uma crença na palavra falada e o folclore era rico em exemplos de inúmeros encantamentos contra as bruxas. Dentes de alho costurados nas roupas das crianças evitariam que fossem levadas pelas bruxas.

Após um ataque eram feitas tentativas de identificar a bruxa maligna. A mãe da criança morta poderia ferver as roupas da criança enquanto as cutucava com um instrumento perfurante. A bruxa, supostamente, sentiria os golpes em seu próprio corpo e seria compelida a voltar para pedir misericórdia. Ou a mãe poderia pegar uma vassoura e varrer a casa ao contrário, da porta para dentro, enquanto repetia o feitiço para que a bruxa se manifestasse. A vassoura, símbolo da bruxaria, era usada para fazer com que as bruxas se acalmassem. Já em 1932 o autor Rodney Gallop relatou o caso de uma criança na cidade de Santa Leocádia de Baião que morreu sufocada. Os pais tinham certeza de que a criança tinha sido “chupada pelas bruxas”. A avó disse que viu a bruxa sair voando disfarçada num pardal preto.

Devido à sua habilidade de se transformar em várias formas de animais a bruxa era freqüentemente associada ao lobisomem, que, na crença popular, também se transformava às terças e sextas-feiras, os mesmo dias em que as bruxas se reuniam.

Para estudos aprofundados:

O Martelo das Feiticeiras,  Heinrich Kramer e J. Sprenger
O Manual do Inquisitor, Antonio Lobos Antunes

 

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/a-visao-folclorica-das-bruxas/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/a-visao-folclorica-das-bruxas/

Batendo na porta do céu: Rituais Básicos de Feitiçaria Taoísta

MIN TZU, excerto de CHINESE TAOIST SORCERY

Para realizar um ritual de feitiçaria, o mago monta um altar em sua casa, em uma sala usada exclusivamente para esse fim. A cerimônia pode então ser aberta e encerrada adequadamente em plena conformidade com os princípios religiosos taoístas. Durante a realização de um ritual, as portas e janelas são mantidas fechadas e as janelas cobertas com cortinas azuis ou vermelhas. Também é tomado cuidado para que as pessoas não entrem ou saiam com frequência da sala; caso contrário, as divindades convocadas poderiam partir e ou mesmo se irritar.

O próprio altar, também chamado de mesa de sacrifício, é quadrado e representa de forma simbólica a terra. Ele é colocado no centro da sala ou contra a parede norte e coberto com um pano amarelo. Quando
o mago fica na frente do altar, ele também estará virado para o norte. Duas velas vermelhas são colocadas na parte superior da mesa, uma em cada canto. As curvas e a luz das velas representam o Céu e juntando a  mesa e o oficiante, eles formam uma trindade simbólica que se funde com aquela formada pelas forças Chi, Yin e Yang. Este é o símbolo chave necessário para entrar no mundo metafísico.

O mago pode colocar no em cima do altar qualquer ícone de sua preferência. Outros objetos colocados sobre a mesa incluem: uma espada de madeira ou faca de tamanho médio usada para expulsar fantasmas malignos, um pequeno incensário, uma xícara contendo uma pequena quantidade de arroz cru, uma tigela pequena cheia de água e outra de vinho, uma grande cinzeiro em que o dinheiro espiritual é queimado e uma tigela cheia de frutas frescas. O feiticeiro está ciente de que até que ele acenda as velas e queime o dinheiro espiritual, as portas do mundo espiritual permanecerão fechadas e os deuses não poderão ouvir suas súplicas ou aceitar suas oferendas.

Quando o oficiante abre a cerimônia, ele se torna parte do triângulo taoísta de poder formado pelo Homem, Terra e Céu. Neste triângulo, ele representa a humanidade de pé ou ajoelhado na terra e eleva suas oferendas ao céu. Desta forma, ele atrai divindades benevolentes para o seu lado, aquelas mais inclinadas a oferecer assistência bondosa às pessoas que as chamam. O tipo e a cor das roupas que ele veste são menos importantes do que a atitude que ele demonstra em relação ao Céu durante o ritual. No entanto, ele evita usar roupas brancas, cor ligada ao luto. O uso de uma touca pequena e redonda é opcional.

Uma vez no meio de um ritual, sua eficácia geralmente depende do nome da divindade invocada pelo mago. Se ele não invocar um deus em particular, a identidade dos espíritos que respondem às suas invocações será desconhecida para ele.

ABERTURA DA CERIMÔNIA

No dia em que faz seu ritual, o oficiante primeiro seleciona a hora correta para abrir a cerimônia. O momento ideal é durante o dia, quando a influência do sol é mais forte na Terra. Rituais realizados à noite, quando a terra está sob a influência da lua, apelam para entidades malignas.

Para iniciar a cerimônia, o oficiante lava as mãos e veste roupas limpas. Ele despeja água fresca e vinho nas xícaras sobre a mesa e coloca frutas frescas na tigela. As portas e janelas do recinto são fechadas ou cobertas para evitar que estranhos interrompam a cerimônia e perturbem a aura pacífica do ritual. Ele então se aproxima da mesa e acende as velas. Ele escreve a palavra “Tao” em tinta vermelha em uma folha de papel branco e a coloca entre as velas.

Tao

Ele junta as palmas das mãos à sua frente em posição de oração e respeitosamente se curva três vezes em direção ao altar.
Neste exato momento, a cerimônia é considerada aberta. Uma ponte metafísica foi construída entre este mundo e o além. O oficiante usa a ponte para unir-se aos bons espíritos, ou para separá-lo dos maus.
Para permanecer no controle total dos poderes sobrenaturais sob seu comando, o oficiante se concentra totalmente no ritual. Nenhum outro pensamento passa por sua mente durante o restante da cerimônia – nenhum pensamento sobre sua família, seu trabalho, sua agenda para o dia ou qualquer outra coisa. Sua mente está absolutamente focada em
Céu acima e terra abaixo.

Em seguida, o oficiante dedica o ritual a um deus específico através da petição escrita. Este é um aspecto importante da feitiçaria porque uma vez que ele tenha entrado no mundo espiritual, ele não receberá ajuda de seus habitantes se apenas vagar sem rumo. Esta situação é semelhante a entrar em uma nova cidade neste mundo. Uma pessoa não pode esperar receber ajuda em nenhum lugar, a menos que conheça alguém que resida lá. Com isso em mente, o oficiante dirige sua cerimônia a um deus amigo que estará disposto a ouvir suas súplicas e receber suas orações. Isso o ajuda a centrar seus pensamentos naquela divindade em particular.

Uma divindade importante no panteão chinês cujo nome é frequentemente usado é “Kuan Ti (ou Guan Yu)”. Se ele for escolhido, o feiticeiro escreve seu nome em um pedaço de papel amarelo separado ou escreve com tinta vermelha em papel branco, e também coloca esse papel entre as velas.

關羽 – Guan Yu

É importante que o feiticeiro entenda uma coisa sobre divindades: como acontece com as pessoas, quando um deus é invocado inesperadamente, ele pode não estar em casa. No entanto, outros deuses menores já são designados como seus ajudantes e geralmente assumem a responsabilidade de prestar ajuda a quem o invoca Só assim uma única divindade pode cuidar de todas as invocações que lhe venham de todas as partes do mundo. Ele não precisa responder a todas elas sozinho.

Depois que o ritual foi endereçado ao deus apropriado, o feiticeiro escreve uma petição. Uma petição é uma carta escrita em um pedaço de papel amarelo, na qual o feiticeiro expressa todos os desejos que deseja que sejam atendidos. Há petições para purificar um lugar ou pessoa, para ajudar os espíritos dos ancestrais do oficiante, para pedir saúde e amor, e até para pedir sucesso financeiro aos deuses. Não há limites para o que uma pessoa pode pedir, exceto aqueles ditados por sua própria consciência. Ele pode escrever sobre qualquer coisa que o perturbe, seguro de que receberá uma resposta rápida e positiva do deus.

Depois de descrever seus desejos por escrito, o mago usa tinta vermelha para escrever o nome do deus que ele escolher (ou seja, o Deus da Riqueza, o Deus da Saúde, etc..), em letras grandes sobre toda a petição. Na parte inferior da petição, ele escreve seu próprio nome, data de nascimento e assinatura.

Se nenhuma solução para seus problemas surgir em breve isso pode significar que o deus específico que ele invocou não é capaz de responder às orações naquele momento. Se isso acontecer, o oficiante reza para outras divindades até que uma finalmente responda aos seus apelos e seu caso chegue a uma conclusão favorável.

Depois de escrever a petição, o oficiante prepara uma oferta em dinheiro para os espíritos. Além das oferendas de água, vinho e frutas, esta é a oferenda mais importante que ele fará porque o mundo do além é estruturado de forma muito parecida com este mundo e os espíritos que ajudam os deuses também precisam de dinheiro. Esses espíritos são os fantasmas de pessoas mortas, então eles devem comprar sua passagem de um nível para um mais alto do pós-vida. Se seus parentes não lhes dão dinheiro, sua melhor esperança é recebê-lo regularmente ajudando deuses conhecidos a responder às orações de suplicantes que também queimam dinheiro espiritual. Por esta razão, os chineses dizem que “Até os deuses amam o dinheiro”.

Os deuses permitem que certos espíritos usem o dinheiro queimado que vem deste mundo. A fumaça desse dinheiro queimado cruza a fronteira entre os dois mundos e pode ser  recebida e usada pelos ajudantes fantasmagóricos que aparecem na sala do altar para ouvir as orações da pessoa.

Para garantir que os espíritos malignos não se apressem para pegar o dinheiro destinado aos espíritos bondosos, o oficiante escreve o nome do deus a quem ele está sacrificando no dinheiro espiritual para ser queimado. Uma nota pequena como um dólar, ou seu equivalente, é suficiente como oferta. Em países onde é ilegal queimar moeda nacional (Como no Brasil), o dinheiro fantasma é usado.

Para reduzir as despesas, alguns feiticeiros preferem oferecer dinheiro fantasma aos espíritos, mesmo que seja legal queimar dinheiro real. Mas os espíritos não podem ser enganados. Se eles receberem dinheiro de mentira sem necessidade, eles concederão favores de mentira também. Afinal, se dinheiro real deve ser trocado por bens e serviços neste mundo, os feiticeiros não podem esperar que seja diferente no outro.

Para fazer a oferenda em dinheiro, o oficiante fura uma nota com a espada ou faca de madeira, acende-a com a chama da vela à sua direita e a segura sobre o cinzeiro até que esteja totalmente queimada. Só então o deus invocado, ou os espíritos que o representam, entrarão na sala para recolher as oferendas e ouvir a petição do oficiante.

Inevitavelmente, alguns espíritos malignos também conseguirão entrar na sala neste momento, mas por enquanto o feiticeiro não deve se preocupar com eles, veremos isso a seguir. Ele continua a cerimônia queimando a petição sobre o cinzeiro. Neste momento, o oficiante tornou-se um com a eternidade, aquecendo-se em uma luz invisível, irradiada por um verdadeiro deus que se torna como um sol no altar. Tudo o que resta é que o ritual seja devidamente encerrado, ou finalizado.

ENCERRAMENTO DA CERIMÔNIA

Durante o encerramento da cerimônia, a sala do altar deve ser limpa de quaisquer espíritos malignos que tenham entrado durante o ritual. Essas entidades devem ser enviadas de volta para onde vieram para que não escapem para o mundo exterior e incomodem outras pessoas.
Para conseguir um final perfeito para sua cerimônia, o oficiante escreve uma última petição pedindo a todos os espíritos ao redor do altar, bons e maus, que retornem imediatamente aos seus lugares de origem porque a cerimônia está prestes a ser encerrada.

A água e o vinho no altar já foram abençoados pelo grande poder do ritual; portanto, o oficiante borrifa algumas gotas de cada uma sobre as petições. Ele então perfura as petições com a ponta da espada de madeira, acende-as com a vela do lado esquerdo do altar e as segura sobre o cinzeiro até que estejam completamente queimadas.

Depois de se curvar três vezes em direção ao altar, o oficiante apaga as chamas de ambas as velas e descarta a água e o vinho nas taças. As portas e pontes que conectam este mundo com o futuro estão agora totalmente fechadas e o ambiente protegido. A cerimônia está oficialmente encerrada.

Ao se preparar para um novo ritual, o oficiante pode reutilizar as velas, frutas, grãos e flores de cerimônias anteriores, mas o vinho, a água e o dinheiro espiritual devem ser novos a cada vez. Idealmente, cada cerimônia é feita para atender uma necessidade do oficiante.

Uso do rito para Culto aos Ancestrais

O desejo consciente de realizar rituais pelos mortos coloca o homem bem acima dos animais e o permite encontrar  paz no mundo além. Os mortos ainda gostam das coisas terrenas de que desfrutavam enquanto estavam vivos e, embora não precisem de itens como comida ou roupas no sentido que as pessoas vivas precisam, ainda podem usá-las à sua maneira. Por exemplo, mesmo que não tenham mais bocas ou corpos, eles ainda sentem fome e sede e, embora só possam absorver o cheiro da comida e bebida que lhes é oferecida em rituais, isso é suficiente para satisfazer seus desejos.

Os bons filhos nunca permitem que seus pais falecidos fiquem famintos ou desamparados e assim ofereçam comida aos seus antepassados. Orações e flores são boas oferendas, mas não são suficientes.

É fato que a boa sorte das pessoas pode ser consolidada se elas fizerem oferendas aos seus parentes falecidos e receberem em troca sua ajuda sobrenatural. Tais demonstrações de piedade filial também ajudam a diminuir o número de fantasmas famintos que vagam pela terra.
Como o taoísmo é a religião mais antiga praticada no mundo e existe há pelo menos cinco mil anos, pode-se dizer que os chineses sabem uma ou duas coisas sobre assuntos religiosos profundos. Se eles acreditam no culto aos ancestrais é útil, deve haver algo ai. Seria tolice descartar essa crença como simples superstição.

O ritual realizado para adorar os ancestrais requer o mais simples dos altares. Para fazer o altar, o oficiante coloca uma pequena mesa sob uma foto de seus pais falecidos ou sob uma tabuinha ou papel com seus nomes, e a cobre com um pano vermelho. O altar pode ser instalado em qualquer parte da casa, incluindo a sala de estar, e uma vez instalado, pode ser deixado no mesmo local permanentemente. Um par de castiçais ou um incensário é colocado sobre a mesa.

Quando uma pessoa deseja fazer uma oferenda a seus parentes falecidos, ela traz comida recém-preparada para o altar e a coloca sobre a mesa entre as velas, acende uma vela ou incenso e curva-se três vezes em direção às imagens enquanto oferece mentalmente a eles e deixa a comida no altar por alguns minutos para que os espíritos possam apreciá-la, depois disso leva a comida a mesa de jantar para ser consumida pela família. Até os céticos desse método perceberão que a comida perderá um pouco do sabor porque foi absorvido.

Por mais simples que seja esse ritual, ele garante alegria e bênçãos para o oficiante e sua família se praticado continuamente. Se as oferendas são feitas dessa forma, nenhuma outra cerimônia é necessária.
Se o oficiante também deseja escrever petições para seus ancestrais, uma cerimônia formal é aberta. Nesta cerimônia, ele oferece comida e dinheiro espiritual para seus ancestrais, então queima uma carta na qual ele fala sobre problemas particulares e pede que eles o ajudem a resolver Essa prática traz paz tanto para os espíritos quanto para seus descendentes vivos.

É preferível que o filho mais velho conduza a cerimônia de culto aos antepassados, mas quando uma pessoa ou casal morre sem filhos, qualquer parente pode assumir esse dever. Há também outras alternativas, como quando um aluno cultua seu professor se este morrer sem filhos. Em outros casos, as pessoas adoram os espíritos daqueles a quem são gratos mesmo que não sejam parentes, como quando um indivíduo é adorado por admiradores. É o caso de Confúcio, que ainda é homenageado milhares de anos após sua morte.
De qualquer forma, o que importa é a devoção que o oficiante demonstra pelo falecido em seus rituais, independente do tipo de relacionamento que mantinham.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/bate-a-porta-do-ceu-rituais-basicos-taoistas/