O Senhor dos Exércitos

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Deixe-me dar-lhe adeus, todo homem tem de morrer.
Porém está escrito na luz das estrelas, e em cada linha de sua mão:
Nós somos tolos por guerrear com nossos irmãos de armas…
(Brothers in Arms, Dire Straits)

O ano de 1209 deixou marcado na história o sangue de milhares de homens e mulheres massacrados pela Cruzada Albigesa, comandada pelo Rei da França e “abençoada” pelo então Papa da Igreja de Roma. Um dos principais objetivos desta Cruzada em especial não era “converter” os muçulmanos nas terras distantes, mas sim arrasar aos cátaros, um movimento religioso surgido dentro do próprio catolicismo, e que pregava uma visão um tanto quanto mística das Escrituras.

Bastante influenciado pelo gnosticismo, o catarismo pregava o cristianismo puro (do grego katharós, “puro”). Falavam em amor, fé, tolerância, perdão e misericórdia por onde passavam. Os cátaros eram queridos pelo povo, pois pregavam que não era necessária uma intermediação dos eclesiásticos em seu contato com Deus – eles poderiam orar em qualquer local, e realizar suas próprias missas e rituais de adoração, sem a necessidade de um padre. Também defendiam que a salvação da alma se daria pelo conhecimento (gnose) e pelo amor, sendo desnecessário, aqui também, o envolvimento da Igreja.

Mas os cátaros também tinham ideias radicais. Eles não acreditavam que o mundo tivesse sido criado diretamente por Deus, mas que era uma materialização do Mal e que, portanto, os que aqui viviam estavam destinados à expiação até que, após uma vida destinada ao bem, voltassem ao Éden perdido. Enquanto não conseguissem isso teriam que reencarnar em sucessivas vidas na Terra… Ou seja: os cátaros eram excelentes candidatos a serem arrasados por uma Cruzada; Isto é, caso se recusassem a “conversão”, aceitando a Verdade das Escrituras (segundo a Igreja de Roma, é claro).

Bem, eles se recusaram… Em 1209 a cidade Béziers era habitada por cerca de 60 mil pessoas, dentre elas muitos cátaros. O problema é que nem todos eram cátaros, o que gerou um questionamento muito pertinente de um dos comandantes do exército francês ao representante do Papa, quando eles se preparavam para invadir a cidade com uma força militar vastamente superior. O comandante perguntou: “Mas senhor, nesta cidade encontram-se vivendo em paz cristãos, judeus, árabes e cátaros. Como vamos saber quais são os inimigos?”. E a Igreja assim o respondeu: “Matem todos; Deus escolherá os seus!”. Béziers foi dizimada, mas não se sabe se Deus conseguiu encontrar os seus…

A ideia da guerra do Bem contra o Mal é poderosa e sedutora, e por isso mesmo sempre agradou aos Imperadores, Reis e Papas. De todas as ilusões que se interpõe a verdade inconveniente de que, como já vimos, todas as guerras do mundo se dão pelo desejo da conquista de territórios e riquezas, a lenda do Bem contra o Mal é a mais simples de se compreender, e a mais capaz de arrebatar uma grande massa de ignorantes. Nesse tipo de guerra, não há dor na consciência em dizimar inocentes, nem mesmo em estuprar mulheres e crianças, pois fica pré-estabelecido que elas são como demônios sem alma, fruto de um suposto exército comandando pelo Mal.

Engana-se quem pensa que tal artimanha se perdeu na Era Medieval, pois ela é até hoje utilizada em muitas guerras preventivas e atos de terror… Para os terroristas islâmicos, os civis de Nova York eram tão demônios quanto os civis do Iraque o eram para o exército americano. Nas manchetes, porém, havia o anúncio: “O Iraque será libertado das garras do Mal”. E acreditou quem quis, ou fingiu acreditar.

Nas Escrituras há inúmeras menções ao Senhor dos Exércitos, que presume-se ser o Deus Bom. Ocorre que, se ele é o senhor de um exército, falta definir quem seria o senhor dos outros exércitos, os inimigos do Bem. Esta ideia está muito bem definida na mitologia do zoroastrismo. Nesta antiquíssima religião persa, anterior ao próprio judaísmo e ao início da produção das Escrituras, há uma série de crenças que até hoje se veem presentes em inúmeras religiões modernas [1]: a imortalidade da alma, o advento de um messias, a ressurreição dos mortos, o juízo final, etc. Mas o que nos interessa aqui é a própria essência do zoroastrismo, que prega que o mundo inteiro é tão somente o grande palco da luta de duas divindades. Aúra-Masda seria o Deus Bom, e Arimã o Deus Mal. Espera-se, é claro, que o Bem vença esta batalha eterna… Pois bem, e todo esse tempo acreditávamos que o Imperador Constantino havia encontrado no cristianismo o sistema religioso ideal para a manutenção de seu império, quando na verdade ele deveria agradecer mesmo era a Zoroastro [2], e não a Jesus.

Interessante, porém, como mesmo a Bíblia parece ser bem pouco clara em identificar quem seria exatamente esse tal Deus Mal. Dizem que é Lúcifer, um suposto anjo caído, mas não se sabe onde exatamente ele está descrito. “Lúcifer”, termo que significa “o portador de luz”, e na antiguidade era quase que sempre associado ao planeta Vênus [3], parece se referir a uma pessoa diferente cada vez que é citado nas Escrituras: em Isaias (14:12) refere-se a um ambicioso rei babilônico que caiu no mundo dos mortos; no Apocalipse (12:4 e 7-9), um verdadeiro hino pagão, ele é identificado (por seus outros nomes) como um imenso dragão, que lembrava uma serpente gigantesca; já no mesmo Apocalipse (22:16) e em II Pedro (1:19), o termo está se referindo ao próprio Jesus Cristo. Mesmo quando é supostamente citado indiretamente, como em Ezequiel (28), fala sobre um querubim, um anjo que esteve no Éden, mas foi condenado por desafiar a autoridade de Deus (assim como Adão e Eva o desafiaram, aliás).

Vamos simplificar um pouco, senão daremos ainda muitas voltas sem sair do lugar, e essa questão me parece tão simples que uma criança poderia resolvê-la para nós, desde que fosse deixada livre para pensar por si mesma:

O que é o Mal? Agir, por vontade própria, para infligir nos outros algo que não gostaríamos que os outros infligissem em nós.

O que é Deus? O ser ou força primordial que gerou tudo o que existe a partir de si próprio, de modo que, se não existisse Deus, nada mais haveria.

Pode haver outro ser incriado, como Deus? Não, pela lógica só poderá haver um único ser incriado. Se houvesse outro, ou se houvessem mais de um, haveriam de ter sido criados por ainda outro Deus anterior a estes.

Lúcifer é mal, e foi necessariamente criado por Deus. Isso faz de Deus um ser mal? Faria, se Lúcifer fosse mal desde o princípio. Mas ainda podemos resolver a questão considerando que Lúcifer, tal qual o querubim que desafiou Deus, nasceu bom, ou neutro, mas depois tornou-se mal.

Mas então, Lúcifer é eternamente mal? Não, se qualquer ser criado por Deus fosse eternamente condenado a ser mal ou, de fato, eternamente condenado a proceder sempre por um mesmo princípio moral, ainda que bom, isso faria de Deus não um criador de seres, mas de robôs ou fantoches. Como Lúcifer nasceu bom e tornou-se mal, nada impede que ele se arrependa e se torne novamente bom. Conhecemos, pela nossa história, inúmeros exemplos de homens maus que tornaram-se bons (dentre eles o próprio São Paulo, que antes fora Saulo). Se estes podem se arrepender, Lúcifer também pode.

Mas, digamos que Lúcifer até hoje é mal por vontade própria, o que ele pretende conseguir em sua luta contra o Deus Bom? Difícil dizer, mas o que fica óbvio é que Lúcifer não teria nenhum poder sobre Deus, e nenhuma esperança de um dia vencer tal batalha.

Se Lúcifer sabe que jamais poderá vencer, porque ele precisa das almas dos homens? Difícil dizer, mas talvez seja uma forma de aliviar sua insatisfação: já que não pode “evoluir” no mal, trata de trazer para junto de si outros seres, de modo que fiquem estagnados como ele.

E Deus seria um Deus Bom se permitisse tal estagnação, sem proteger os seus da “sedução” de Lúcifer? Obviamente que não. De fato, independente de existir ou não um ser como Lúcifer, por toda a Natureza podemos ver claramente que a estagnação é severamente punida; Não para o mal, mas para o bem dos seres, conforme um remédio amargo… A isto Charles Darwin intitulou “a guerra da fome e da morte”.

***

Eis que todas as guerras do mundo são mesmo uma mesma guerra. Mas não uma guerra religiosa, não uma guerra ideológica, não uma guerra lendária, e nem mesmo uma guerra por riquezas e territórios… Pois que todos os imperadores que marcharam pelo mundo brandindo a bandeira com o símbolo do Senhor dos Exércitos eram apenas cegos um pouco mais elevados que outros cegos, ignorantes pastoreando ignorantes, buscando no horizonte algo que sempre esteve dentro deles mesmos, mas não perceberam, não acordaram e nem tampouco iluminaram suas consciências… Marcharam e dizimaram, e talvez tenham até “convertido” alguém, mas tudo o que conquistaram foi apenas sangue e fumaça.

Mal sabiam eles o quão próximos estiveram, e ainda estão, do Reino que, uma vez conquistado, jamais poderá ser perdido…

» Na parte final, a guerra da alma…

***
[1] Na verdade o zoroastrismo ainda é praticado por cerca de 200 mil pessoas, em sua maioria na Índia e no Irã.
[2] Profeta mítico que criou o zoroastrismo.
[3] Ovídio menciona que cada novo dia começa quando “Lúcifer brilha radiante no céu, chamando a humanidade para seus afazeres diários. Lúcifer excede em brilho as estrelas mais radiantes”.

Crédito das imagens: [topo] Iluminura dos irmãos Limbourg, do inicio do século XV (uma das raríssimas representações medievais de Lúcifer ainda enquanto anjo, e que mostra exatamente a sua queda); [ao longo] Lawrence Manning/Corbis

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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A História do Deus Mitra

Este estudo buscará enfocar o tema Mitra em cinco partes: a) as origens antigas do Deus; b) o culto e a liturgia do mitraísmo; c) a derrota frente ao cristianismo; d) resquícios mitraícos e sua influência sobre a maçonaria e e) como seria um mundo moderno mitraíco à guisa de conclusão. Utilizamos, para este trabalho, enciclopédias e diversos textos da Internet, principalmente o texto de Jean-Louis dB no “La parole circule”.

I – As Origens Antigas do Deus Mitra.

Existe muita controvérsia sobre a etimologia de Mitra. Na Índia védica, Mitra significava ‘amigo’, no persa avéstico era traduzido como ‘contrato’. Esta última definição é a que prevalece nos nossos dias, sendo pois Mitra a personificação do contrato. Segundo os etimologistas, Mit(h)tra é composto de um sufixo instrumental – “tra” – que significa instrumento de trabalho e de um prefixo “mi” que é encontrado em todas as línguas indo-européias sob diferentes raízes. “Mei” pode significar ainda “lugar, encontro”. Em sânscrito “mitram” significa “amigo”. Mitra significando, pois, ‘contrato’ e ‘amigo’ não se opõem realmente, visto que não existe amizade sem um engajamento mútuo. Não se fala em ‘pacto de amizade’? Mitra se encontra sob diferentes ortografias: Mihr, Meher, Meitros, etc.

Os trabalhos clássicos de Mircea Eliade e principalmente os de Georges Dumézil sobre a Índia védica demonstram uma estrutura fundamental da sociedade e da ideologia das diferentes sociedades indo-européias. A sociedade é dividida em três classes: sacerdotes, guerreiros e agricultores que correspondem a uma ideologia religiosa trifuncional: a função da soberania mágica, da sacrificadora e da jurídica (Varuna-Mitra, Rômulo-Júpiter e Odin); a função dos deuses da força guerreira (Indra, o etrusco Lucumão-Marte e Thor) e, finalmente, a das divindades da fecundidade e da prosperidade econômica (os gêmeos Nâsatya ou os Asvins, Tatius [e os sabinos]-Quirino e Freyr).

Encontra-se o Deus Mitra no Panteão Védico da Índia desde 1380 a. C. Este Proto-Mitra estaria associado a Varuna e forma uma dualidade antitética e complementar. Mitra seria a face jurídico-sacerdotal, conciliadora, luminosa, próxima da terra e dos homens enquanto Varuna seria o aspecto mágico violento, terrível e tenebroso. Mitra torna-se, pois, a garantia do compromisso, a força deliberante, enquanto Varuna o respeito ao bom direito pela força atuante. A antítese Mitra-Varuna encontra-se também em Roma com a oposição dos dois primeiros reis: Rómulo (Varuna-Júpiter), semi-deus violento e Tatius (ou Numa-Mitra), ponderado e sábio, instituidor das questões sagradas e das leis, ligado igualmente aos deuses da fertilidade e do solo. Mitra é o Deus soberano sob seu aspecto racional, claro, regrado, calmo, benevolente, sacerdotal. Seu papel é secundário quando esta isolado de Varuna, mas compartilha com este todos os atributos da soberania. O Sol é seu olho, nada lhe escapa. A conclusão de um acordo se fará através de um sacrifício ao Deus Mitra, mas um sacrifício incruento, pelo menos no início, pois, mais tarde, terminará por aceitar sacrifícios sangrentos. Esta evolução é metaforizada pelo papel de Mitra na história dos Deuses, pois terminará por ser associado à morte do Deus Soma. Na origem, Mitra recusa-se a participar da morte ritual, sendo amigo de todos, pois prestará sua ajuda para, no final, ser um ator ativo na morte ritual.

O Mitra avéstico, encontrado na religião iraniana, é o Mitra mais conhecido e divulgado e precede o monoteísmo zoroastriano. A influência da antiga religião iraniana para a formação religiosa do Ocidente é bastante significativa: o tempo linear, a articulação dos diversos sistemas dualistas – sejam cósmicos, éticos ou religiosos -, o mito do Salvador; a elaboração de uma escatologia ‘otimista’ que proclama o triunfo do Bem sobre o Mal; a salvação universal; a doutrina da ressurreição dos corpos; certos mitos gnósticos; a mitologia dos Magos etc.

Na religião dos aquemênidas, a oposição entre Aúra-Masda (o Bem) e os daêvas (o Mal) sempre foi presente, já que na Índia védica aconteceu o contrário: no conflito entre os devas e os asura, aqueles foram vencedores, pois tornaram-se os verdadeiros deuses, ao triunfarem sobre as divindades mais arcaicas – os asura – que nos textos védicos são considerados figuras ‘demoníacas’. Processo similar, ainda que com sinal trocado, aconteceu no Irã: os antigos deuses, os daêvas, foram demonizados (ai, dos perdedores!). Eliade argumenta que “pode-se determinar em que sentido se efetuou essa transformação: foram sobretudo os deuses de função guerreira – Indra, Saurva, Vayu – que se tornaram daêvas. Nenhum dos deuses asura foi ‘demonizado’. Aquele que, no Irã, correspondia ao grande asura proto-indiano, Varuna, torna-se Aúra-Masda”.

Aqui, a antítese Varuna-Mitra é substituída pelo duo Mitra-Aúra sendo que a função continua a mesma. Mitra é um deus da luz, da aurora, guardião que socorre as criaturas, onisciente e vitorioso. Aúra, tornando-se progressivamente Aúra-Masda, transforma, também, a significação de Mitra, metamorfoseando-o paulatinamente num deus guerreiro. Mitra continua deus do contrato e do acordo e assegura uma ligação entre os diferentes níveis da sociedade da qual é garantidor da ordem, representada pelo gado e a fecundidade. Interessante notar que aquela trilogia de Dumézil – sacerdote, guerreiro e agricultor – começa a ser baralhada. Este Mitra avéstico, mais do que o védico, beneficiará os sacrifícios, notadamente os do Touro. Seu papel de deus guerreiro, contudo, crescerá à medida que Aúra-Masda fortifica e torna dominante o seu lugar no Panteão dos Deuses. Tal ‘evolução’ é lógica, pois como deus garantidor da ordem, sempre estará ao serviço do respeito da lei e do contrato para aqueles que o reverenciam. Com o tempo metamorfoseia-se num deus violento e cruel. É um deus solar com mil olhos e orelhas e, como vimos, um deus da fertilidade dos campos e dos rebanhos. Atua, como Hermes, no papel de psicopompo, ou seja, condutor das almas dos mortos, pois como senhor dos Céus conduz as almas até o Paraíso.

Mitra foi adorados por quase todos os soberanos persas: Ciro o reverenciava; sob Dario houve um breve eclipse, pois este, segundo alguns especialistas, era partidário de Zoroastro; e reaparece com Artaxerxes. Na cerimonial da realeza persa, o dia de Mitrakana era o único dia em que o rei persa tinha o direito de embriagar-se, numa clara analogia com a morte védica.

Mitra retorna ao primeiro plano como deus do sol, dos juramentos e dos contratos, sob a influência dos Magos. Estes foram uma classe de sacerdotes dos antigos medas com um papel sacrificial importante e que entre os gregos antigos gozavam de uma reputação de serem depositários de uma sabedoria esotérica. No Panteão dos Deuses avésticos, Mitra seria filho de Anihata ou Anahita, a gênia feminina do fogo, uma espécie de Virgem Imaculada, Mãe de Deus. É a única figura feminina associada a Mitra, pois este permanecerá celibatário por toda a vida, exigindo de seus admiradores a prática do controle de si, a renúncia e a resistência a toda forma de sensualidade. Vale salientar que o maior Mithraeum (templo) construído em Kangavar na Pérsia Ocidental era dedicado a esta deusa. Segundo reza o Mihr Yasht, o extenso hino em honra a Mitra da saga religiosa persa, a história de Mitra é a seguinte: após ter sido promovido ao panteão dos Grandes Deuses, Aúra-Masda mandou construir-lhe uma mansão no cimo do Monte Hara, ou seja, no mundo espiritual, além da abóbada celeste. Postou-se aí como o protetor de todas as criaturas e não era adorado como todos os outros deuses menores com preces rotineiras. Aúra Masda consagrou Haoma como sacerdote de Mitra que o adorava e lhe oferecia sacrifícios. Aúra Masda cria e prescreve o rito próprio ao culto de Mitra no paraíso. Mitra, assim, retorna à terra para o combate contra os daêvas sem, contudo, conseguir vencê-los. Somente quando Mitra se une a Aúra Masda o destino dos daêvas será selado. Mitra será, a partir daí, adorado como a luz que ilumina todo o mundo.

No tocante aos babilônios, estes incorporarão o Deus Mitra no seu Panteão e, em troca, introduzirão, na religião persa, seu culto solar, tendo a astrologia como um dos seus pontos mais fortes. Convém salientar que a cultura judaica sofrerá uma influência marcante do dualismo zoroastriano a partir do cativeiro em 597 a.C. No judaísmo primordial, Iavé era concebido como o único criador do Mundo e do Universo, ou seja a totalidade absoluta do real, contendo inclusive o mal. O dualismo Iavé – HaShatan advém de uma crise espiritual que se seguiu ao cativeiro babilônico, personificando aspectos negativos da vida, sob a forma de Satã, que se tornará progressivamente também eterno. Satã seria, então, o fruto de uma cissão da imagem arcaica de Iavé combinado com as doutrinas dualistas iranianas. Esta tradição impactará fortemente o cristianismo nascente.

O Mitra irano-helenístico tem a sua gênese com as conquistas de Alexandre e a queda do império persa durante o ano de 330 a. C., pois Alexandre e 10.000 de seus soldados macedônios se casam com mulheres persas e mais, dentro do ritual persa. Sabe-se que alguns destes macedônios e seus filhos, iniciados pelas mães persas, introduziram o culto de Mitra na Macedônia e na Grécia. É deveras conhecido que a adoração deste Deus Mitra, advindo do inimigo persa, nunca obteve uma grande popularidade na Grécia, apesar de continuar a manter a influência junto à aristocracia meda e iraniana. Tanto assim que o nome Mitrídate (dado a Mitra) é encontrado em diversos reis partos, do Bósforo e do Ponto Euxino. A arqueologia tem descoberto diversos templos – Mitreas – na Armênia. Apesar da pouca influência junto ao povo grego, a religião iraniana entrou num vasto movimento sincrético junto à cultura helênica. Mitra era adorado em todo o império de Alexandre e os Magos continuavam a ser os sacerdotes sacrificadores. O culto repousava sobre uma cronologia escatológica de 7.000 anos, cada milênio sendo governado por um planeta. Daí advém a série dos 7 planetas, dos 7 metais, das 7 cores etc. Durante os 6 primeiros milênios, Deus e o Espírito do Mal combatem pela supremacia e, quando o Mal parecia vitorioso, Deus enviou o Deus solar Mitra (Apolo, Hélio) que domina o sétimo milênio. No fim deste período setenal, a potência dos planetas cessa e um incêndio universal recobre o mundo.

Curioso nesta época é a biografia do rei Mitrídate VI Eupator, rei do Ponto, anterior ao nascimento de Cristo. Seu nascimento foi anunciado por um cometa, um raio caiu sobre o recém-nascido, deixando-lhe uma cicatriz. A educação deste rei é uma longa série de provas iniciáticas. É visto durante sua coroação como uma encarnação de Mitra. A biografia real é muito próxima do Natal cristão. Ele será o último rei de uma longa lista de grandes reis Mitridates. Conquistou quase toda a Ásia Menor por volta de 88 a. C., mas foi derrotado pelos romanos em 66. Provavelmente aliou-se aos piratas Cilicianos dos quais falaremos a seguir. Foi, também, o primeiro monarca a praticar a imunização contra os venenos, a qual, segundo o Aurélio, se adquire por meio da repetida absorção de pequenas doses deles, gradualmente aumentadas, daí o nome mitridatismo.

A grande popularidade e o apelo do mitraísmo como uma forma refinada e final do paganismo pré-cristão foi discutida pelo historiador grego Heródoto, pelo biógrafo, também grego, Plutarco, pelo filósofo neoplatônico Porfírio, pelo herético gnóstico Orígenes e por São Jerônimo, um dos pais da Igreja.

O contato com o mundo helênico desenvolvia-se essencialmente a partir de Comageno na Ásia Menor. Daí surgem os primeiros testemunhos sobre Mitra, como um Deus dos Mistérios no primeiro século a. C., curiosamente, no seio dos piratas Cilicianos em luta contra os romanos. É dentro deste contexto de resistência e luta que Mitra pode tornar-se um Deus iniciático. Plutarco diz que celebravam em segredo ‘os mistérios de Mitra’. Sua capital era Tarso, onde nasceu S. Paulo, e Perseu era o seu Deus fundador. O símbolo da cidade era o combate do Leão com o Touro. Paralelamente a isto, os Magos medas se fixaram na Ásia Menor e na Mesopotâmia, infiltrando-se cultural e religiosamente no mundo helênico, principalmente, como vimos, na aristocracia. Cita-se que o rei Tiridate quando veio a Roma para ser coroado rei da Armênia por Nero, dirigiu-se ao imperador chamando-o por Mitra (Deus Sol).

O Mitra romano faz sua ‘rentrée’ no Império através dos Mistérios. O termo “mistério” possui um sentido muito preciso. Os mistérios gregos, e depois romanos, foram numerosos: Dionísio, Elêusis, Cibele, Átis e Deméter. Podem ser ainda citados os de Ísis, Sarápis, Sabázios, Júpiter Doliqueno etc. Uma certa bruma enigmática envolvia todos estas cerimônias dos mistérios, mas o comum entre eles, era o aspecto ‘solar’, apesar de todos esconderem sua identidade essencial. Desnecessário dizer que, por serem os mistérios, secretos e ocultos, poucos documentos escritos chegaram até nossos dias. O pouco que se sabe sobre eles advém da patrística cristã que, na ânsia de combater o mitraísmo, terminou por nos legar uma série de descrições sobre o mesmo. Alguns autores gauleses chegam a afirmar que assim como a maçonaria foi a religião clandestina da IIIª República Francesa, o mitraísmo sustentava subterraneamente a ideologia da Roma Imperial.

A inoculação do veneno mitraíco no seio do Império, segundo Plutarco (Vita Pompeu), foi o transplante, feito por Pompeu em 67 a. C., de 20.000 prisioneiros Cilicianos (uma província na costa sul oriental da Ásia Menor) que praticavam os “ritos secretos” de Mitra. Daí, a epidemia mitraíca se alastrou por todo o mundo romano, reforçada ainda pelos múltiplos contatos das tropas de ocupação romana com as outras culturas mitraícas, tendo atingido o seu zênite no século III, quando começou a travar uma luta de vida e morte com o cristianismo. Tanto assim que do século II ao IV da nossa era, os Mithrae (ou Mithraeum no singular) – templos dedicados ao culto do deus – chegaram a ser mais de 40 em Roma. Um dos maiores templos construídos podem ser encontrados hoje nos subterrâneos da Igreja de São Clemente, perto do Coliseu. Esta adoração não se restringia somente à capital do Império, mas principalmente às cidades portuárias da atual Itália: Óstia, Antium, no mar Tirreno; Aquiléia, no Adriático, Siracusa, Catânia, Palermo etc. Paralelamente, a propagação se dá na Áustria, na Germânia, nas províncias danubianas, na Polônia, na Hungria e Ucrânia e num movimento de volta, nas províncias da Trácia e da Dalmácia, num retorno à Grécia e a Macedônia. No terceiro século, encontram-se traços mitraícos na Criméia, no Eufrates, no Egito e sobretudo no Maghreb. Curioso é que a Espanha e Portugal sofreram pouquíssima influência. A Gália oriental, renana e belga, pagou o seu tributo, assim como também a Aquitânia. Encontram-se vestígios na região parisiense, como também em Boulogne sur Mer. Na Inglaterra, a concentração se dá em Londres e na região norte, ao longo do muro de Adriano, até Canterbury. Locais de adoração mitraíca foram encontrados também, na Bretanha, na Romênia, na Alemanha, na Bulgária, na Turquia, na Pérsia, na Armênia, na Síria, em Israel etc. No final do século III, Mitra era adorado da Escócia à Índia, chegando até a oeste da China, onde era conhecido como Amigo, nome que indica uma filiação védica.

Mitra passa a ser representado como um general militar. É o Amigo do homem durante a sua vida e seu protetor contra o mal após a sua morte. Mitra não é só propagado pelos militares romanos como também pelos funcionários, comerciantes, artistas, meio jurídico e financeiro e, principalmente nos círculos do conhecimento. Ao contrário da Grécia, penetra nos meios mais modestos e populares. Por mais de trezentos anos, os romanos adorarão Mitra.

Em meados do segundo século, seu culto atinge a cúpula militar. Os neófitos começaram a congregar-se sob os Flávios, espalhando-se o culto na época dos Antoninos e Severos. Os próprios Imperadores se fizeram iniciar nos mistérios, havendo suspeitas de que Nero tenha sido um deles. Contudo, é Cômodo (185-192) que parece ter sido o primeiro a se converter ao culto, seguido por Sétimo Severo. Caracala (211-217) encoraja o culto do Deus solar sob a forma de Sol invictus. O culto foi reintroduzido por Aureliano (270-275). O apoio oficial virá, entretanto, no reinado de Diocleciano em 307. Apesar destas emanações, não parece que Mitra tenha recebido uma preponderância imperial na corte dos Césares pagãos. Deve-se notar, ainda, que do mesmo modo que o cristianismo, sua influência não foi estendida ao meio rural. Alguns autores sugerem que isto se deveu à exclusão das mulheres nas funções litúrgicas.

II – Representações Litúrgicas e Ritualísticas do Deus Mitra

Mitra é um Deus de forma humana. É representado sob a forma de um jovem montado num touro e, com uma das mãos, empunha uma adaga para o degolar. Alguns afrescos, encontrados na parte mais central do Mithraeum (templo subterrâneo de adoração), representam Mitra com a cabeça voltada para o alto ou para o lado, significando desgosto com o que está fazendo. Sincreticamente, encontram-se ainda imagens de Teseu matando o Minotauro ou Perseu chacinando a Górgona ou, ainda, Hércules esfolando o Touro. Mitra está vestido em trajes orientais e muitas vezes circundado por dois meninos ou pastores que podem simbolizar o levante e o ocaso, o Outono ou a Primavera, as marés – montante e vazante – e ainda, a vida e a morte. A cena possivelmente se passa numa gruta. Um corvo, mensageiro do sol, está quase sempre na borda do rochedo. Vê-se ainda um cão se aproximando para beber o sangue da vítima, uma serpente enroscada dentro de uma pequena cratera e ao redor de um recipiente, um leão ameaçador, espigas de trigo sobre o rabo do touro e um escorpião que pica os testículos do animal morto.

A figura do touro tem sido exaltada através do mundo antigo pela sua força e vigor. Os mitos gregos falavam sobre o Minotauro, um monstro metade-homem metade-touro que vivia no Labirinto nos subterrâneos da ilha de Creta e que exigia um sacrifício anual de seis mancebos e seis donzelas antes de ter sido morto por Teseu. Peças de arte minóica representavam ágeis acrobatas saltando bravamente sobre o dorso de touros. O altar, em frente ao Templo de Salomão em Jerusalém, era adornado com chifres de touros que acreditavam ser portadores de poderes mágicos. O touro era também um dos quatro tetramorfos, ou seja um dos símbolos animais associados com os quatro evangelhos. A mística deste poderoso animal ainda sobrevive atualmente nas touradas da Espanha e do México, no rodeio dos ‘cowboys’ dos EEUU e agora, também, no Brasil.

Os estudos clássicos do belga Franz Cumont (1913) que provaram ser os mistérios mitraícos derivados das antigas religiões iranianas explica parcialmente como a cena da morte do Touro – conhecida como tauroctonia – inexiste na mitologia iraniana com a figura de Mitra. Cumont responde que teria encontrado textos que apresentavam o matador do touro como Ahriman, ou seja a força cósmica do mal na religião iraniana.

Somente a partir do Primeiro Congresso Internacional de Estudos Mitraícos (1971) levantaram-se novas hipóteses para explicar esta incongruência. A iconografia tauroctônica seria, na verdade, um mapa astronômico! Tais hipóteses, segundo os estudos de David Ulansey, baseiam-se em dois fatos: i) cada figura, na tauroctonia padrão, teria um paralelo com um grupo de constelações ao longo de uma faixa contínua no céu: o boi tem um paralelo com a constelação do Touro, o cachorro com o Cão Menor, a serpente com a Hidra, o corvo com o Corvus e o escorpião com Scorpio; ii) a iconografia mitraíca, em geral, é permeada por imagens astronômicas explícitas: o zodíaco, os planetas, o sol, a lua e as estrelas são permanentemente encontrados na arte mitraíca.

A pesquisa de Ulansey sobre cosmologia antiga, principalmente a astronomia greco-romana, focaliza o seu caráter “geocêntrico” no tempo dos mistérios mitraícos, no qual a terra era fixa e imóvel no centro do universo e tudo girava à sua volta. Nesta cosmologia, o universo era imaginado como estando contido numa grande esfera no qual as estrelas eram fixadas em várias constelações. Hoje sabemos que a terra tem um movimento de rotação sobre o seu eixo cada dia, mas na antigüidade acreditava-se que, uma vez por dia a grande esfera das estrelas fazia a sua rotação sobre a terra, oscilando num eixo que corria da abóboda do polo norte para o do sul. No seu giro, a esfera cósmica carregava o sol, explicando assim a oscilação do mesmo sobre a terra.

Além deste movimento, os antigos atribuíam um segundo movimento mais vagaroso. Enquanto hoje sabemos que a terra gira ao redor do sol durante o ano, na antigüidade acreditava-se que, durante o ano, o sol – que estava bem mais próximo do que as outras estrelas – viajava sobre a terra, traçando um grande círculo no céu tendo como fundo as outras constelações. Este círculo, traçado pelo sol durante o ano, era conhecido como o zodíaco, uma palavra significando ‘figuras vivas’, pois o sol passeava, durante o ano, sobre doze diferentes constelações que representavam diversas figuras de animais e formas humanas. Visto que os antigos acreditavam na existência real de uma grande esfera de estrelas, suas várias partes – tais como os eixos e os pólos – jogavam um papel crucial na cosmologia de seu tempo. Particularmente, um importante atributo da esfera das estrelas era muito mais bem conhecido do que hoje: o equador, denominado na época de equador celeste. Assim como o equador terrestre é definido como um círculo ao redor da terra eqüidistante dos pólos, também o equador celeste era entendido como um círculo ao redor da esfera das estrelas eqüidistante dos pólos desta mesma esfera. O círculo do equador celeste era visto como tendo uma importância especial por causa dos dois pontos em que ele cruzava com o círculo do zodíaco: estes dois pontos eram os equinócios, ou seja, o local onde o sol, no seu movimento através do zodíaco, cortava-o no primeiro dia da primavera e no primeiro dia do outono. Assim, o equador celeste era responsável pela definição das estações e, por esta razão, tinha uma significação concretíssima ao lado seu significado astronômico mais abstrato.

Um outro fato sobre este equador celeste é decisivo: como não estava fixo, possuía um movimento lento alcunhado de “precessão dos equinócios”. Este movimento, sabemos hoje, é causado por uma oscilação na rotação da terra sobre seu eixo. Como resultante desta leve oscilação, o equador celeste parece mudar sua posição no curso de milhares de anos. Este movimento é conhecido como a precessão dos equinócios por que o seu efeito observável mais facilmente é uma mudança na posição dos equinócios ou seja, os locais onde, como vimos acima, o equador celeste cruza o zodíaco. Desta maneira, esta precessão resulta num movimento vagaroso para trás ao longo do zodíaco, passando sobre uma constelação do zodíaco a cada 2.160 anos e percorrendo todo o zodíaco a cada 25.920 anos. Hoje, por exemplo, o equinócio da primavera está no final da constelação de Peixes, mas, em algumas dezenas de anos, estará entrando em Aquário – já se fala muito, atualmente, na Era de Aquário. A grosso modo, o equinócio da primavera estava em Touro entre 4.000 a 2.000 a.C. mais ou menos; em Áries de 2000 a.C. até o nascimento de Cristo, ou seja nos tempos greco-romanos; a Era de Peixes – o cristianismo –, da gênese do mesmo até a nossa mudança de milênio e de 2000 e poucos em diante, a tão decantada Era de Aquário.

Ulansey descobriu que, neste fenômeno da precessão dos equinócios, estaria a chave para desvendar o segredo do simbolismo astronômico da tauroctonia mitraíca. Para as constelações desenhadas nas tauroctonias mais comuns havia uma coisa constante: todos eles estavam posicionados no equador celeste como na época imediatamente precedente à Era de Áries dos tempos greco-romanos. Durante esta idade anterior, que podemos chamar de Era de Touro (como vimos durou mais ou menos de 4.000 a 2.000 a.C.), no equador celeste da época estavam Taurus (Touro, o equinócio da primavera), Canis Minor (o Cão), Hydra (a serpente), Corvus (o Corvo) e Scorpio (o Escorpião que estava no extremo oposto do Touro, ou seja, o equinócio do Outono). A coincidência é impressionante, todos estas constelações estão representadas nas tauroctonias.

Em muitas ilustrações tauroctônicas, a cabeça de Mitra é nimbada de estrelas. Assim, a morte do Touro representaria, no zodíaco, o fim da Era de Touro e o começo da Era de Aries no equinócio da primavera e Mitra, o deus Todo-Poderoso, que poderia reger e mudar todo o sistema cósmico. Nos escritos do filósofo neoplatônico Porfírio, encontra-se a alusão de que a caverna, onde se posiciona o Mithraeum e está desenhada a tauroctonia, na sua parte mais recôndita, seria, na verdade, uma ‘imagem do cosmos’.

Como curiosidade, Freud e Jung tiveram uma divergência básica sobre a interpretação psicanalítica do morte do touro, sendo um dos pontos básicos de divergência e conflito entre ambos, resultando, posteriormente, em separação definitiva.

Mitra, Deus solar, também é representado com a cabeça de um Leão quando é saudado com o título de Sol invictus. São os afrescos, encontrados em Mênfis, com as coxas peludas, patas de caprino e a cabeça radiada. Mitra Leoncéfalo, portando as chaves, é outra imagem lapidar, pois fora das cenas tauroctônicas, ele é representado em momentos de refeição ou de iniciação.

No tocante ao culto e à liturgia, estes se faziam no interior do Mithraeum e na presença dos fiéis. A liturgia constava de ofícios e orações; manducação de pão e sumpção de água e vinho, acompanhadas de fórmulas sagradas; danças de luzes e fórmulas de êxtase; orações ao nascer do Sol, ao meio-dia e ao ocaso. As festas realizavam-se no sétimo mês do ano, mas todos os meses se festejava uma semana inteira, sendo cada dia destinado a um planeta. Comemorava-se, de modo especial, o dia natalício do deus (Natalis Invicti), a 25 de dezembro. Os ofícios dos templos faziam-se à luz de velas, com toques de sinos e com hinos, cujo teor não se conhece, porque se perderam.

O Mithreum típico era uma pequena câmara retangular subterrânea (25x10m) com um teto arqueado. Um corredor dividia o templo ao meio, com bancos de pedra dos dois lados de 80 cm de altura no qual os membros do culto podiam descansar durante suas reuniões. Um mithraeum podia comportar de 20 a 30 pessoas. No fundo do templo, no final do corredor, havia sempre uma representação – normalmente um relevo entalhado e algumas vezes uma escultura ou pintura – do ícone central do mitraísmo: a tauroctonia ou a cena da morte do touro, conforme descrito acima. Outras partes do templo eram decoradas com várias cenas e figuras. Deveria ser implantado perto de uma fonte ou curso d’água ou, na falta destes, de um poço. Havia centenas, talvez milhares, de templos mitraícos no Império Romano.

Os adeptos de Mitra não se contentavam com um misticismo contemplativo. O seu culto encorajava a ação e um grande rigor moral. Para os soldados, a resistência ao mal e às ações imorais representavam uma vitória tão importante quanto as militares.

Reuniam-se, em pequenos grupos, unidos e solidários pelo ritual iniciático. Partilhavam o banquete sacramental com os deuses e finalizavam com uma aliança entre o sol e Mitra. O repasto, sobre os despojos de um touro, era seguido de um sacrifício, muitas vezes de um touro, ou de animais simbolizando o touro: cabras, javalis e/ou galináceos.

Consagrava-se o pão e a água, bebia-se o vinho que simbolizava o sangue do touro e comia-se a carne. O processo da iniciação mitraíca requeria a subida simbólica de uma escada cerimonial com sete degraus, cada um feito de um metal diferente para simbolizar os sete corpos celestiais. Simbolicamente galgando esta escada cerimonial através de sucessivas iniciações, o neófito podia atravessar os sete níveis do céu. Os sete graus do mitraísmo eram: Corax (Corvo), Nymphus ( Noivo), Miles (Soldado), Leo (Leão), Peres (Persa), Heliodromus (Corrida do Sol) e Pater (Pai); cada grau era protegido por um planeta (na cosmologia da época): Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, a Lua, o Sol e Saturno. Cada dignitário apresentava a vestimenta e a máscara correspondente ao seu grau. Como todo rito mitraíco a estrutura hierárquica era setenária. Os adeptos tinham a sua divisão de papéis: o chefe (pater), o papel de Mitra, o heliodromo (sol), o corvo apresentavam as carnes e as bebidas aos convivas dentro de uma ordem hierárquica. A carne era assada sobre os altares dentro da concepção do sacrifício do mundo greco-romano.

Os rituais iniciáticos constavam da admissão dos fiéis por “inductio”. Antes de serem admitidos, os candidatos eram interrogados, sondados, informados num local distinto do templo. Em seguida, eram submetidos a uma série de provas, nus e com os olhos vendados, marchavam às apalpadelas diante de um mistagogo para finalizar se ajoelhando diante de um personagem que portava uma tocha diante de seus olhos. A seguir, com as mãos atadas às costas, colocavam um joelho no chão ao mesmo tempo que um sacerdote cingia-lhes a cabeça com uma coroa. No final, prostravam-se como mortos. Tudo isto faz parte da tipologia iniciática das sociedades secretas em geral: olhos vendados, resistência física, morte simbólica, etc.

Reprova-se, nos adeptos de Mitra, a propensão aos sacrifícios humanos. Tal suposição advém de se ter encontrado, nos diversos Mithrae, restos de esqueletos humanos.

Apesar de todos os estudos antigos e modernos, conhece-se mal a “teodicéia” mitraíca. Sabe-se, contudo, que os “mistérios” da Antigüidade revelam um mito ou uma história santa que legitima a liturgia. É uma certa explicação do Mundo e da passagem do homem sobre o mesmo que dá toda a força aos “mistérios”, sejam eles de Mitra, de Elêusis, em suma de quase todos. A religião de Mitra se independentizou de suas origens orientais, agindo como um imã que atraiu diversos aportes: gregos, babilônicos, romanos etc. Finalizou como um Deus adaptado ao Império Romano, explicando assim o seu sucesso. Uma das grandes ironias da história é o fato de que os romanos terminaram por adorar um deus de um de seus maiores inimigos políticos: os persas. O historiador romano Quintius Rufus assinala no seu livro História de Alexandre que antes de ir batalhar contra os “países anti-mitraícos” de Roma, os soldados persas oravam a Mitra pela vitória. Sem embargo, tendo as duas civilizações inimigas estado em contato de conflito aberto ou latente por mais de mil anos, os adoradores de Mitra migraram dos persas, através do frígios da Turquia, até os romanos.

Numa análise simbólica final, o culto de Mitra revela uma história do Mundo. Saturno (ou Cronos, representando o Tempo) reinava soberano sobre o Mundo, quando entregou a Júpiter o raio, uma arma letal que serviu para derrotar os gigantes e gênios do mal. Alguns autores hipotetizam que este gênio do mal poderia ser o Oceano que cobria a Terra.

Mitra, Deus petrógeno, não descende aqui do Céu, pois surge miraculosamente de uma rocha com um barrete asiático, tendo em uma das mãos uma tocha luminosa e na outra, a adaga. Pastores assistem e ajudam este nascimento. Mitra, em seguida, é encontrado junto de uma árvore ceifando o trigo. Depois é visto atirando com um arco sobre uma parede rochosa onde jorra uma fonte que sacia os pastores. Alguns autores concluem que as forças do mal (Oceano?) tentaram aniquilar os humanos pela fome e pela sede e que Mitra, salvador dos homens e Deus protetor, interveio para os alimentar e saciar sua sede, não só dos homens como dos rebanhos. Nota-se, também, que o papel “justiceiro” das tradições asiáticas não desapareceu, pois Mitra vem em socorro do Mundo para fazer respeitar a Lei Divina.

Começa, agora, a perseguição ao Touro. O touro está em conjunção com a lua, seus dois chifres formam o crescente. O touro contem os elementos vivos (o esperma do touro purificado pelo raio da lua produzirá os espécimens animais). Mitra tem a missão de subtrair estas forças vivas das tentações maléficas. O touro se refugia numa construção mas dois pastores ateiam fogo ao local. Mitra alcança o animal, agarra os seus cornos e consegue cavalgá-lo. Depois, prende as patas traseiras do animal, arrasta-o até a gruta onde um corvo, mensageiro do Sol, impõe-lhe a tarefa de matar o animal insubmisso. A morte do touro atrai uma serpente e um cachorro que se apressam em sugar o sangue que jorra da ferida enquanto um escorpião (algumas vezes um caranguejo ou um ‘câncer’) fisga os testículos da vítima para aspirar sua força vivificante.

Cumont afirma que espigas de trigo saem da ferida, juntamente com o sangue que escorre da calda do touro. Do corpo da vítima moribunda nascem as ervas e as plantas salutares… De sua medula espinal germina o trigo que dá o pão, de seu sangue, a vinha que produz a beberagem sagrada dos mistérios.

É após a morte do touro que um conflito se abate entre Hélio e Mitra. O Sol, ajoelhado diante da tauroctonia, perde sua prerrogativa de astro soberano. Mitra torna-se o verdadeiro Sol Invictus que vem salvar a criação. O Sol reconhece a preeminência de Mitra pois se faz iniciar no grau de Soldado (Miles).

III – O Cristianismo Triunfante

O fim do mitraísmo coincide com o seu zênite no século III d.C. e vem acompanhado da entronização do cristianismo como religião do Império Romano. Como vimos, o mitraísmo sofria o passivo de praticar uma liturgia elitista em pequenas sociedades secretas na qual as mulheres eram excluídas. Não se propunha ser uma reli-gião de massa, aberto a todos, como o cristianismo. Era uma religião otimista e Mitra teve o grande defeito de não ter morrido para salvar o mundo.

Como os persas eram inimigos hereditários do Império Romano, os cristãos fizeram de tudo para ligar o mitraísmo a uma religião “inimiga”, persa por excelência, pois os romanos não deveriam adorar um deus importado do adversário. Apesar de tudo parece que Constantino manifestou uma certa simpatia pelo mitraísmo, principalmente na sua versão de “Sol invictus”. Quando este primeiro imperador cristão colocou todas as religiões pagãs na clandestinidade, poupou os mitraístas pois estes possuíam muita influência junto aos militares que eram o cimento do Império. O ‘punctus saliens’ no qual os cristãos atacavam os mitraístas era a sua propensão aos sacrifício animais. Quando estes sacrifícios foram interditados, bloqueou-se um dos fundamentos vitais do culto mitraíco.

O combate mortal entre o cristianismo e o Mitra pagão pode ser lido nos escritos de Tertuliano (160-220 d.C.) ao afirmar que esta religião utilizava indevidamente o batismo e a consagração do pão e do vinho. Dizia, ainda, que o mitraísmo era inspirado pelo diabo que desejava zombar sobre os sacramentos cristãos com o intuito de levá-los para o inferno. Não obstante, o mitraísmo sobreviveu até o século Vº em remotas regiões dos Alpes entre as tribos dos Anauni e conseguiu sobreviver no Oriente Próximo até os dias de hoje.

No curto reinado do imperador Juliano, sobrinho de Constantino, Gibbon afirma que se assistiu a um retorno temporário ao mitraísmo, tendo este Imperador se reconhecido até mesmo como adepto e chegando a construir um Mithraeum nos calabouços de seu palácio em Constantinopla. Seguiu-se um período de tolerância quando, sob o reinado de Teodósio (375-395), o cristianismo tornou-se religião de Estado e o paganismo foi definitivamente interditado. O mitraísmo sobreviveu em Roma até 394 sendo que a Basílica de São Pedro foi construída sobre o local do último culto mitraíco: o Phrygianum. A partir daí, o cristianismo construiu, boa parte de seus templos, acima de cavernas que continham Mithrae, seja em Roma seja nas províncias do Império. A catedral de Canterbury e a de São Paulo em Londres, o mosteiro do Monte Saint-Michel e algumas catedrais em Paris estão construídas sobre antigos Mithrae em ruínas.

Os pontos comuns entre o cristianismo e o mitraísmo são inúmeros. O nascimento de Cristo é anunciado por uma estrela assim como o de Mitridate Eupator. Ambos são nascidos de uma Virgem Imaculada que toma o nome de Mãe de Deus. A caverna, a gruta são os locais de nascimentos tanto de Cristo quanto de Mitra. A presença de pastores e de seu rebanho também estão presentes em ambos os nascimentos. A gruta de Belém é prenhe de luz e Mitra é um deus solar. Além do mais, o ouro, símbolo do Sol, tem uma importância crucial na liturgia cristã. Deus é Amor mas também Luz. O nascimento dos dois deuses foi a 25 de dezembro, solstício de Verão no Hemisfério Norte. Sabe-se que Cristo não teria nascido no dia 25 e que, somente com o fim do mitraísmo, a Igreja Cristã, “cristianizou” o dia como a festa do Natal. Tanto Cristo como Mitra eram castos e celibatários. Todas as duas religiões são fundadas sobre um sacrifício salvador do Mundo, mas com a morte de Cristo, o cristianismo tira a sua vantagem e sua superioridade. A morte do Touro encontra um símile na luta de São Jorge com o dragão. A vontade de neutralizar as potências do mal, a guerra entre as duas potências e a vitória do Bem. A consagração do pão e do vinho estão presentes entre os cristãos e os iniciados de Mitra. No grau de Soldado (Miles), o iniciado é marcado com uma cruz de ferro em brasa sobre a fronte. A imortalidade da alma e a ressurreição final. As igrejas antigas possuem criptas subterrâneas que evocam os templos mitraícos. A fraternidade e o espírito democrático das primeiras comunidades cristãs se assemelham muito ao mitraísmo. A fonte jorrando da rocha, a utilização de sinos, os livros e as velas, a água santa e a comunhão, a santificação do Domingo (fora da tradição judaica do Sábado), a insistência numa conduta moral, o sacrifício ritual, a angeologia, a teologia da luz, dualidade deus-diabo, o fim do mundo e o apocalipse são também comuns em ambas as religiões.

Outro símile interessante seria entre Mitra e Papai Noel. Vestimentas vermelhas e barrete frígio são comuns a ambos como também as velas incrustadas em árvores (de Natal) nas cerimônias natalinas.

IV – Sobrevivência Mitraíca e sua Influência na Maçonaria

Encontram-se traços mitraícos nas diversas gnoses e principalmente nas heresias dualistas cristãs. O esoterismo do gnosticismo cristão foi muito influenciado pelas religiões egípcias e iranianas. Os segredos, revelados aos “Perfeitos”, referiam-se aos mistérios da ascensão e descida de Cristo através dos Sete Céus habitados pelos anjos. Autores modernos chegam a afirmar que o gnosticismo é um fenômeno pré-cristão de origem iraniana que poluiu o cristianismo nascente. A influência dos cultos iranianos e especificamente mitraícos sobre a gnose de Mani são insofismáveis. Desde o século III d. C., o segredo mitraíco força as portas da barca de São Pedro. A pressão deste dualismo maniqueísta percorre toda a Idade Média. O bogomilismo da Europa Oriental inicia a sua trajetória a partir do século X colocando Satã no lugar de Deus, infligindo um poder considerável sobre as heresias Cátaras e Albigenses no alvorecer do século XII na Europa Ocidental. Estas heresias gnósticas cristãs professavam a asserção de que Deus não teria criado o Mundo, estando este sob o domínio de Satã – assimilado ao demiurgo Yahvista. O verdadeiro Deus estaria tão distante da Terra onde se dão estes embates entre o Bem e o Mal. Apesar disto teria enviado Cristo para salvar os homens ao mostrar-lhes o método da libertação.

Outra difusão de um mitraísmo mitigado estaria entre os Cavaleiros do Templo, pois estes sofreram a influência dos maniqueus. No culto a Baphomet, também conhecido como o filho de Mitra, havia um ícone representado por um Touro ornado com uma chama entre seus cornos…

O culto de Mitra enquanto sociedade iniciática tem certas semelhanças com a maçonaria propriamente dita. A fraternidade entre os membros, a exigência de uma conduta moral, a vontade de defender, de maneira ativa e não contemplativa, o bem e a virtude são, ao mesmo tempo, padrões maçônicos e mitraícos. A defesa da ordem política e social, o culto exclusivamente masculino são também pontos comuns. Ritualisticamente encontram-se os seguintes traços: a mania pelo número 7, a existência de graus iniciáticos, as velas, os altares, a Luz, as palavras de passe, etc. O templo maçônico pode ser visto como uma gruta mitraíca ou se não se quiser ir muito longe o símile poderá ser feito com a câmara de reflexões; o teto estrelado do templo tem profunda semelhança com os mitraícos. Os templários, a tradição judaica e cristã foram os grandes transmissores de símbolos mitraícos. Os dois São Joães – de Inverno e de Verão – tem profunda vinculação com os dois pastores da tauroctonia. O sacrifício ritual fundador de Hiram está muito próximo do sacrifício ritual do Touro. O corvo no acampamento militar, encontrado nos altos graus do escocesismo, é uma prova cabal da influência mitraíca.

Outro símile estaria no mais baixo grau de iniciação – o grau de Corvo (Corax) – simbolizava a morte do novo membro, o qual deveria renascer como um novo homem. Isto representava a fim de sua vida como um não-crente (ou descrente) e cancelava pretéritas alianças de outras crenças inaceitáveis. Curioso salientar que o título de Corax (Corvo) originou-se com o costume zoroástrico de expor os mortos em elevações funerárias para ser comido pelas aves de rapina. Este costume continua, até os dias de hoje, sendo praticado pelos Parsis da Índia, descendentes dos persas seguidores de Zaratustra.

O simbolismo sexual, encontrado em diversos rituais maçônicos, poder ter um paralelo com o touro, pois este era uma óbvia representação da masculinidade pela natureza de seu tamanho, de sua força e de seu vigor sexual. Ao mesmo tempo, o touro simbolizava as forças lunares em virtude de seus cornos e as forças telúricas em virtude de ter as quatro patas assentadas no solo. O sacrifício do touro simboliza a penetração do princípio feminino pelo masculino, a vitória da natureza espiritual sobre a animalidade, tendo um paralelo com as imagens simbólicas de Marduk destruindo Tiamat, Gilgamesh aniquilando Huwawa (grafia de Eliade), São Miguel dominando Satã, São Jorge vencendo o dragão, o Centurião lancetando Cristo e, por que não nos referirmos a um ícone moderno: Sigourney Weaver lutando contra o Alien?

Finalmente, o mitraísmo era, concomitantemente, um culto dos mistérios e uma sociedade secreta. Tal como os ritos de Deméter, Orfeu e Dionísio, os rituais mitraícos admitiam candidatos em cerimônias secretas cujo significado era do conhecimento somente do iniciando. Como todos os outros ritos de iniciação institucionalizados do passado e do presente, este culto dos mistérios permitia aos iniciados ser controlado e posto sob o comando de seus líderes. Ao ser iniciado, o neófito tinha que provar sua coragem e devoção nadando através de rio caudaloso, escalando um rochedo íngreme ou pulando através das chamas com suas mãos atadas e os olhos vendados. Ao iniciado era também ensinado o segredo das palavras de passe mitraícas que eram usadas para identificação mútua como também era auto-repetida freqüentemente como um mantra pessoal.

V – Como seria um Mundo Mitraíco à Guisa de Conclusão

O legado mitraíco resulta em comportamentos usados ainda hoje em dia, tal como o apertar as mãos e o uso da coroa pelo monarca. Os adoradores de Mitra foram os primeiros no Ocidente a pregar a doutrina do direito divino dos reis. Foi a adoração do sol, combinada com o dualismo teológico de Zaratrusta, que disseminou as idéias sobre as quais o Rei-Sol Luis XIV (1638-1715) na França e outros soberanos deificados na Europa mantiveram o seu absolutismo monárquico.

Alguns estudiosos afirmam que, durante o IIº e o IIIº século d.C., nunca a Europa esteve tão perto de adotar uma religião indo-ariana quando Diocleciano, oficialmente, reconheceu Mitra como o protetor do Império Romano, nem mesmo durante as invasões muçulmanas.

Especulações teóricas anglo-saxãs hipotetizam que se um golpe de estado, dado pelos centuriões adoradores de Mitra, tivesse impedido Constantino de estabelecer o cristianismo como a religião oficial do Império, o mitraísmo poderia possivelmente sobreviver através dos séculos seguintes com a assistência teológica da heresia maniquéia e seus epígonos, assumindo “ipso facto” que os ensinamentos de Jesus teriam, de alguma maneira, sido simultaneamente anulados e, talvez, com um número crescente de crucificações. Esta ausência do cristianismo, devido à continuação do mitraísmo no Ocidente, teria obstado o crescimento do Islã no século VII e a violência das Cruzadas necessariamente não teria ocorrido. Assumindo, ainda, que o Islã não teria, assim, conquistado religiosamente a Pérsia, a adoração de Mitra poderia ter continuado no panteão de Zaratrusta. Como conseqüência, o mitraísmo poderia ter penetrado com mais força nos panteões da Índia e da China e, possivelmente, teria aportado nos países do Extremo-Oriente.

Continuando com a especulação saxã que resultou na “lenda negra” da dominação espanhola no Novo Mundo, Colombo realizou os seus descobrimentos em pleno período da Inquisição, fenômeno este representativo da culminância de mais de mil anos de uma das maiores religiões monoteístas semítica – o cristianismo. Se o mitraísmo tivesse sobrevivido o milênio até o ano de 1492, os povos indígenas das Américas poderiam ter sido expostos à adoração de Mitra no lugar dos missionários católicos. Imaginaríamos, assim, o Taurobolium – ritual de regeneração ou sacrifício do touro, no qual o sangue do animal era derramado sobre o iniciado – sendo sido transposto e sincretizado com o ritual da caça do búfalo dos índios das planícies do Oeste americano e a cerimônia do sacrifício dos maias, incas e astecas, e provavelmente, estes impérios não teriam sido aniquilados pelos brutais conquistadores europeus em nome do Rei e de Cristo.

Autor: Ven. Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO

#Mitologia #Religiões

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-hist%C3%B3ria-do-deus-mitra

‘Mero Cristianismo (Cristianismo Puro e Simples)

C.S.Lewis

Este livro é a adaptação de uma série de entrevistas feitas pela BBC entre 1941 e 1944 com C.S.Lewis. O escritor das Crônicas de Narnia foi também um dos maiores e mais divertidos apologistas do cristianismo no século XX.  O livro tornou-se um clássico instantâneo e considerado pela revista Christianity Today um dos 12 Livros  mais importantes na história recente do cristianismo. Sua escrita é leve e cheia de humor e lembra bastante o estilo de G. K. Chesterton.

Índice:

Prefácio 

Introdução

O Certo e o Errado como chaves para compreensão do Universo

No que acreditam os Cristãos?

A Conduta Cristã

Além da Personalidade ou Os Primeiros Passos na Doutrina da Trindade

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/jesus-freaks/mero-cristianismo-cristianismo-puro-e-simples/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/jesus-freaks/mero-cristianismo-cristianismo-puro-e-simples/

9 dicas para se livrar da sua religião

 

Este artigo foi escrito como intuito de ajudar pessoas infectadas por memes prejudiciais, em especial aos da religião institucionalizada. Caso você não esteja familiarizado com o conceito original de meme. Leia o artigo, O Poder do Meme-Meme, de Susan Blackmore, e depois volte aqui.

Não vou entrar no mérito de quais meme são prejudiciais ou não. Isso ficará implícito no decorrer de meu texto que certamente refletirá o meu próprio túnel limitado de realidade. O ponto que sustento é que uma simples análise racional, muitas vezes não basta para que uma pessoa se liberte de um modo de vida irracional. O ser humano é uma entidade complexa que possui corpo, emoções, hábitos, meio e moral não sendo portanto somente uma máquina de pensar. Com isso em mente resumi neste artigo nove pontos que podem ajudar de forma prática, todas aquelas pessoas que atualmente se sentem na triste condição de infectados.

1 –Não Alimente Memes Prejudiciais. Esta é a primeira e mais importante regra.  A questão é que existem diversas formas de se fortificar um memeplexo que forma um túnel específico de realidade, e se quisermos nos livrar deste memes todas estas formas devem ser evitadas. Se você quer ser alguém livre novamente é melhor começar a agir como alguém livre desde já. Isso é especialmente importante quando falamos dos hábitos que certas realidades impõem. Pode ser difícil no começo, mas você deve parar de por exemplo orar antes das refeições se quiser deixar de ser um cristão ou, se for o caso, deve parar de rezar voltado para Mecca cinco vezes ao dia se quiser deixar de ser um muçulmano. Se quiser mudar a si próprio, mude seus hábitos primeiro, o resto é conseqüência.

2 – Abra sua mente. Uma boa maneira de se desprender de memeplexos daninhos é contemplar túneis de realidade contraditórios. Esta é uma ótima maneira de descobrir os pontos fracos de alguma visão de mundo em particular, pois mostra o quão fortemente elas estão fixadas em princípios insólitos. Em outras palavras, neste primeiro momento procure as criticas escritas por seus concorrentes diretos. Isso é admiravelmente eficaz no caso de memeplexos religiosos: Judeus desmentirão o islamismo, o islam acusara o hinduismo de incoerência, o hinduismo refutará brilhantemente o cristianismo. Isso sem contar as disputas internas que também são valiosas fontes de contradições: Sunitas mostrarão a fraqueza do argumento Shiita e vice e versa, protestantes passarão a perna nos católicos que mostrarão o erro evidente em que estão os neo-pentecostais. De certa forma todos estão certos em acusar o outro de estar errado e isso pode ser uma ferramenta valiosa. Esta pratica não deve ser estendida por muito tempo, pois é preciso ter cuidado que no processo você não seja levado a engolir todo um novo sistema que usou as criticas a outro sistema como uma espécie de isca. De qualquer forma una rápida contemplação, leitura ou conversa com outros pontos de vista servirão para tirar você de um mundo maniqueísta e preto-e-branco onde não existe a necessidade do raciocínio.

3 – Saída a francesa. Em casos mais graves de infecção o psiconauta pode se livrar gradualmente de seus memes dominantes. E o que eu chamo de Libertação Gradual. Pode parecer hipócrita, e na verdade é mesmo, mas o fato é que funciona e pode ajudar você. Todo túnel de realidade possui variações diversas: existem católicos conservadores e existe a renovação carismática, existem hindus místicos e hindus absolutamente laicos. O truque é buscar conhecer a vertente ideológica que esteja ligada a sua atual, mas que ao mesmo tempo represente um passo (ainda que pequeno) para fora das amarras. Haverá muito poucos conflitos memético para atrapalhar e criar rejeição, nada que não se possa tolerar, mas mesmo assim este será um passo a mais na sua busca por sanidade. Um idealista da extrema direita poderia , por exemplo buscar conhecer os pensadores de centro-direita, enquanto que um radical de esquerda poderia mergulhar em um universo social-democrata. Passo a passo ambos verificarão que estão relativamente menos presos a seus antigos memes.

4 – Blasfêmia é entendido como ultrage dirigido contra pessoa ou coisa respeitável e é uma ferramenta poderosíssima para o psiconauta pois é uma oficialização de total rejeição a aquilo que antes era sagrado. A Blasfêmia deve de preferência ser feita em particular, para não agredir o túnel de realidade das outras pessoas. Ela inclui a profanação de objetos e figuras de autoridade antes tido como sagrados. A blasfêmia é um ato essencialmente simbólico e deve ser o tão desrespeitosa quanto possível (contanto que não agrida ninguém), pois desencadeará impressões mentais importantes e será um verdadeiro ato de liberdade ao que antes o oprimia. A idéia não tem nada de mística como podem sugerir alguns, mas é simplesmente a quebra factual de um tabu para assim iniciar um novo processo mental. Há algo de profundamente errado com o ex-nazista que ainda guarda com carinho sua cópia do Mein Kampf em um lugar de destaque de sua biblioteca particular. A blasfêmia eficaz é aquela que é seguida por um sentimento de indiferença. Ao sentir-se culpado por jogar no lixo seu crucifixo ou sua coleção de fotos do Elvis, atente aos demais conselhos deste artigo.

5 – Heresia é toda doutrina contrária ao que foi definido por alguma conceituação oficial, donde se conclui que todos somos hereges de uma forma ou de outra. Para fins de se purgar de memes prejudiciais a heresia será a crítica clara e sensata ao túnel de realidade em questão. È necessário que se contemple o memeplexo que esta em jogo sob a fria luz da lógica. Ao contrario da blasfêmia a heresia é mais eficiente quando feita em público, ela deve ser a oficialização de seu desprezo pelo seu antigo memeplexo parasita e não um convite aos sofismas daqueles que ainda os defendem. Na visão daqueles ainda contagiados você será visto ou como tolo, ou como traidor. No primeiro caso eles buscarão lhe “ajudar” tentando reprogramar o seu cérebro para a aceitar novamente seus memes, na segunda irão lhe atacar indiscriminadamente. Ambos os casos se resolvem com o isolamento higienico.

6 – Isolamento Higiênico. Com vista a limpar a mente dos memes prejudiciais é essencial que se evite também todo os vetores que os propagam. Isso quer dizer que você não deverá ir mais a sinagoga ou as reuniões do partido. De preferência deve-se eliminar não só os que encontramos fora de casa, mas também os vetores que estão ao alcance de nossas mãos em nossa própria residência. Não atenda ao telefonemas dos seus amigos SkinHeads. Mande a sua coleção de revistas Sentinela/Despertai para o centro e reciclagem. Tire o site da Cientologia da sua pasta de favoritos. E por favor, não leia a Biblia ou qualquer livro doutrinário antes de dormir. Se você quer sua mente limpa novamente terá que parar de arrastar ela na lama.

7 – Abrace o inimigo. Quase todo o túnel de realidade tem um túnel de realidade que é seu arquiinimigo ou possui algum grupo humano para ser bode expiatório. Como eu gosto de colocar: todo mundo é o idiota de alguém. Memeplexos daninhos comumente partem do principio da generalização para manter a sua coerência, ainda que a generalização não se sustente quando analisada coerentemente. Então se você precisa deixar de ser capitalista descubra um socialista que possa admirar e se quer deixar de ser nazista, procure um judeu que tenha uma história de vida admirável. Um membro da KKK pode por exemplo desenvolver um respeito por algum negro de destaque e a partir daí tomar coagem para fazer amigos negros no seu dia a dia. Um Ateu incorrigível pode buscar conhecer a vida de grandes teistas e com isso se livrar da crença de que todo crente é um ignorante. A essência desta pratica é q compreensão de que as pessoas estão acima das ideologias.

8 – Conheça suas necessidades.  Muitos memplexos constroem seus túneis de realidade valendo-se para isso de necessidades naturais do ser humano. Como fontes fornecedoras estes memeplexos criam uma situação de dependência que muitas vezes resulta em um incondicional retorno do psiconauta a condição de infectado. A melhor coisa a se fazer nestes casos é identificar exatamente quais são estas necessidades preenchidas e então buscas fontes alternativas para satisfazê-las. Uma congregação cristã pode por exemplo empurrar todo um discurso doutrinal satisfazendo antes necessidades emocionais, sociais e mesmo físicas. Estas mesmas necessidades poderiam ser satisfeitas de maneira muito mais saudável como na participação de um grupo de teatro, de uma equipe de basquete ou na pratica e artes marciais.

9 – Não se culpe. O primeiro sinal de reação memetica é o sentimento de culpa. A culpa é um sentimento humano natural usado pelos genes para corrigir atos insensatos como bater na mãe. Acontece que alguns memes se valem deste sentimento para fazer alguns atos parecerem insensatos, quando absolutamente não o são. É como se sentir triste por uma tragédia que nunca ocorreu. Não tente portanto argumentar com este tipo de culpa ou vergonha. A culpa e a vergonha não são argumentos e portanto não precisam de contra-argumentação. Na maioria das vezes a culpa surge porque alguma necessidade discutida no parágrafo anterior foi ignorada. Este tipo de sentimento é na verdade o último golpe dado pelos memes que não “querem” abandonar a memesfera de sua mente. O bom humor unido à razão é sempre o melhor remédio para contornar este problema.

Tamosauskas

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/9-dicas-para-se-livrar-da-sua-religiao/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/9-dicas-para-se-livrar-da-sua-religiao/

‘Chamando os Filhos do Sol

DA PARTE DA ORDEM RUBI E OURO – M. RIO DE JANEIRO, ABRIL DE 1962, A.·.A.·.

Publicação em Classe b – Imprimatur: N. Fra. A. · . A. · .
O. M. 7 º = 4 º R.R. et A.C. – F. 6 º = 5 º Imperator

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

1 – O toque da trombeta

Este livro é da natureza de um arauto. É um chamado às armas. Bastante tempo dormistes, ó guerreiros do Rubi e Ouro! Levantai-vos. Deixai-me explicar a natureza da trombeta que vos chama. O ser humano, quando nasce, esquece as suas vidas anteriores e sua existência nos mundos celestes que acaba de deixar. Porém, tal esquecimento não é completo. Nas regiões subterrâneas da mente, no inconsciente da alma, uma lembrança fica. E é assim que alguns tem uma certeza intuitiva da existência de Deus e do além, é assim que outros sentem despertar neles simpatias ou antipatias inexplicáveis para com outros seres humanos que encontram em sua rota. É ainda assim que alguns – e entre estes se contam freqüentemente almas muito evoluídas – sentem, através de sua vida terrena inteira, uma saudade, uma solidão, um anseio indefinido, e sentem-se como viajantes, longe, muito longe, de algum fantástico, maravilhoso, imaginário lar.

Existem raças espirituais como existem raças físicas. Existem nações no mundo invisível como existem nações no mundo visível. Cada uma de tais raças e nações é simbolizada por um sinal, um símbolo, e as vezes, por vários símbolos. Tais símbolos são, por assim dizer, côtas de armas do astral. Os antigos heraldos eram videntes que examinavam nos planos internos os símbolos correspondentes a natureza anímica de certos indivíduos e desenhavam uma côta de armas que simbolizasse as qualidades de seu dono. O brasão era transmitido de pai a filho porque era reconhecido que a semente espiritual do pai se transmitia magicamente de geração a geração, contanto que influências externas não se manifestassem. Às vezes era necessário incluir alguma influência nova, combinar duas côtas, se por casamento, adoção ou outros meios, a natureza anímica de uma família nobre mudava. Esta ciência heráltica clarividente está hoje quase que completamente perdida.

É por causa dessa simbologia astral que, muita vez, certos símbolos são apresentados à consciência de um indivíduo que nunca teve contato com o que é chamado “ocultismo” ou “espiritualismo”, e no entanto o indivíduo reconhece os símbolos, sente um despertar de atividade em sua consciência, e percebe intuitivamente que ele pertence aos símbolos ou os símbolos pertencem a ele. Os símbolos, tanto em desenhos quanto em imagens escritas, e as chaves apresentadas neste livro, representam outras tantas côtas de armas e pertencem a legião dos Filhos do Sol.

2 – A Nova Era

Já vos falaram muito da Nova Era, de Aquário-Leo. Ela começou em abril de 1904, quando a terra foi ocultamente, regenerada pelo fogo. Todas as crianças nascidas após esta data trazem no inconsciente o selo das energias e tendências espirituais da Nova Era. Chamamos o grupo dos Filhos do Sol encarnados no Brasil à execução de suas vontades. Chamamo-los à consciência do fito da encarnação. Chamamo-los à realização da Grande Obra. Faze o que tu queres há de ser tudo da lei.

3 – O Fim das dores

Muito vos tem sido dito a respeito das razões para a encarnação do mundo. Muito vos tem falado da “divina redenção da Dor”. Tem-vos sido dito que este mundo é um vale de lágrimas, um antro de demônios que se encarnam para expiar os seus pecados. Somente o sofrimento, dizem-vos, traz a luz e a libertação. Eu vos digo que tudo isso está acabado.

Faze o que tu queres há de ser tudo da lei.

4 – A Alegria do mundo

Não procures luz nas Igrejas e nos Templos; a Luz está em Ti. O sofrimento, é o fruto da ignorância, e sua presença é sintoma de erro, e não sinal de espiritualização. Todo ser humano que sofre, sofre por sua própria culpa, e no momento em que sofre. Os vossos erros passados determinam as vossas condições de manifestação; mas a essências do vosso íntimo, o fogo interno que queima no coração da estrela caída, está sempre presente em vós; está sempre presente em vós a possibilidade da Pedra Filosofal, que transmuta o pesado, penoso chumbo de Saturno no belo, luminoso Rubi e Ouro do Sol. Todo homem e toda mulher é uma estrela.

5 – Estrelas no mundo

A encarnação é uma batismo, uma queda, a finalidade da qual só é revelada nos transes da mais alta iniciação; mas pode ser-vos dito desde já que a finalidade da Encarnação não é a expiação de “culpas” da alma. Todas as culpas e todas as virtudes da alma são igualmente ilusões de Maya; e o Fogo Interno que queima no coração da Estrela Humana consome totalmente a teia ilusória do Karma desde o momento em que desperta para a consciência da sua verdadeira identidade. É este fogo interno que era simbolizado entre os Egípcios pela Cobra Capêlo levantada sobre a fronte de Faraó, o Sacerdote – Rei. É este fogo interno a mais alta manifestação daquilo que é, em parte, chamado Kundalini nos Tantras, e cuidadosamente cultivados pelos Agni-Yogis. A marca deste Fogo Interno está na testa do Buddha e de todas divindades Brahmânicas e Tibetanas. É uma das possíveis marcas da Bêsta, o Leão Solar. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. No folclore tradicional europeu, os filhos das fadas e as crianças protegidas ou vítimas de encantamentos traziam a marca de uma estrela na testa. Quando vítimas, elas estavam sempre sendo provadas.

6 – Quebra das correntes

Somente aquela influência que se torna mais poderoso sobre o teu destino realmente expressa o Teu Destino, ó Estrela Caída! Foge portanto daqueles que querem “salvar” por procuração. Não adores a Deus, pois quando o fazes, tentas obrigar a Deus que adore a si próprio em ti, e isso é masturbação. Adora antes o teu próximo, ou aquela pedra, ou o astro mais longínquo; “Pois Eu estou dividida por amor ao amor, pela chance de união”. Que ouça aquele que tem ouvidos de ouvir. Todo profeta, todo livro, todo deus que quer despertar em ti uma tendência a dobrar o joelho a alguma coisa ou sêr com exclusão do resto, é um profeta falso, é um livro tolo, é um deus negro.

Todo homem e toda mulher é uma estrela. Todo número é infinito; não há diferença.

Foge portanto daqueles que te querem convencer que o sofrimento voluntário, cego ou passivo, que a subjugação da liberdade da tua consciência a outra, que a negativização da tua aura, é O Caminho.

Tu és o Teu Próprio Caminho.

Por isto está escrito: Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos fará livres. Este mundo não é um antro de demônios expiando seus pecados; este mundo é um dossel de Deuses que dormem, e dormindo, sonham.

7 – A ressureição dos mortos

Tem-vos sido dito: Tende piedade dos pobres, dos humildes e dos fracos. Mas eu vos digo, que direito tendes de sentir piedade dos mortos, vós que estais mortos? Pois se estivésseis vivos, saberíeis que o espírito é eterno, indestrutível e divino; que a terra não pode enterrá-lo; que a água não pode afogá-lo; que o ar não pode soprá-lo; que o fogo não pode queimá-lo; que o éter mesmo, e os outros Dois, não são mais que envolturas tomada pela eterna chama quando repousa e sonha no regaço da Natureza. Portanto os Mestres são sem piedade e egoístas; calcam aos pés os que caem e pensam somente em Si Próprios; portanto está escrito que para fazer ouro é preciso ter ouro para começar; portanto está escrito que àquele que tem, mais lhe será acrescentado, mas aquele que não tem, até o que tem lhe será tirado; e portanto, também está escrito, na palavra de algum santo rabino da velha Judéia: Deixa que os mortos enterrem seus mortos.

8 – Lei da Liberdade

Aqueles que tem em mente a Libertação do Homem não podem aceitar se não a atividade individual e espontânea dos outros. Portanto, os Mestres limitam-se a apontar todos os detalhes úteis de uma situação, para fazê-la clara ao julgamento, e nunca salvam os homens de seus erros nem manifestam piedade pelos que caem. A compaixão é um sentimento ilusório e ofensivo à natureza real do homem. Acaso tendes piedade de Deus? A verdadeira caridade consiste em um transe espiritual pelo qual o discípulo chega à consciência da divindade contida em tudo que existe. Aos olhos de um vidente, a alma de um tal homem desabrocha como um Sol. Desse momento em diante, uma nova luz ilumina o mundo, um novo farol aponta o Caminho, a Ressurreição e a Vida. Tais são os Pelicanos, tais são os verdadeiros Sacrifícios (isto é, aquilo que é feito sagrado), tais são os Filhos da Luz, e é esta Luz que é a verdadeira caridade. Não dês esmolas aos mendigos; anula a mendicância no teu íntimo, e dá Vida, Amor, Liberdade e Luz à humanidade em peso. Que ouça aquele que tem ouvido de ouvir. Por isto a verdadeira fraternidade apresenta sempre os verdadeiros símbolos, mas sem explicá-los; a intuição das coisas divinas desperta certa atividade nos corações; movido por uma força dentro de si mesmo, o indivíduo une-se à corrente que harmoniza com sua capacidade de vibração. A verdadeira fraternidade não prega nem insiste. Limita-se a expor os fatos e deixa que cada qual os verifique por si mesmo e tire as suas próprias conclusões.

Não há nenhuma lei além de faze o que tu queres.

9 – A Verdadeira Vontade

Quereis fazer bem ao vosso próximo? Aumentai então a vossa sabedoria, a vossa saúde, a vossa riqueza; despertai a vossa atividade espiritual, e deixai que vosso próximo faça o mesmo quando quiser. Ficai certos que quanto mais felizes, saudáveis e ricos fordes, mais aumentareis a possibilidade da felicidade, saúde e riqueza alheias; pois aquele que se liberta da carga alivia a tarefa dos que ainda estão ligados a ela. Esta é a única maneira de aliviar eficazmente o Karma da Humanidade. Vedes em volta vossa miséria, sofrimento, paixões indisciplinadas e desejos artificiais e doentios. Quereis aliviar estas condições? Disciplinai o vosso íntimo, submetei a vossa entidade humana à Real Vontade de vossa essência divina; e quando o fizerdes, a vossa passagem na terra será um sopro de ar fresco através de um quarto fechado há muitos séculos. Por isto está escrito: Se queres tirar o arqueiro do olho de teu irmão, tira antes a trave que tens no teu.

Tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade. Faze isto, e nenhum outro dirá não.

10 – Deus Encarnado

Dizem-vos que Deus veio ao mundo, foi crucificado pelos nossos pecados, ressuscitou e subiu aos céus, mas por divina caridade morre novamente e se ergue novamente todo dia na cerimônia da missa. Ouvis isto, e dobrais o joelho? Cegos, não compreendeis que vós sois Aquele crucificado sobre a cruz da carne, e que a Crucifixão Vossa é o Batismo da Encarnação? Vós sois o Caminho, a Verdade e a Vida! Erguei-vos, como Ele se ergue diariamente, no Batismo da Ressurreição!

ROSA-CRUZ. Aumgn!

11 – Deus Falcão

Dizem-vos que o Sol Espiritual mergulhou sob a terra, e fazeis penitência e orais pela vossa salvação, tanto quanto o povo gemeu nas cerimônias da Morte de Asar-Osiris, lamentou-se durante a noite, e soltou gritos de alegria à ressurreição da manhã. Cegos, pois não vos ensinam já a todos nas escolas que o Sol não se põe nem se levanta, mas que em torno dele a Terra dança a dança das estações? Por isto havia no Egito um Deus misterioso que só adoravam aqueles que na cripta haviam tido murmurada ao seu ouvido a terrível revelação de que Osiris é um deus negro. Esse Deus era chamado Ha-Hoor-Khuit, o que significa Sol dos Dois Horizontes. Isto demonstra que os Iniciados Egípcios sabiam que a Terra gira em torno do Sol, coisa que a Igreja Cristã sempre negou e, em seu tempo, mandou iniciados à fogueira por querer revelá-lo ao mundo. E no entanto, Eppur si muove! (Ela assim se move)

Sê conosco, Deus-Falcão!

12 – A Política do Êxtase

Tem-vos sido dito: reprimi o vosso sexo! É a voz da Bêsta em vós. Mas eu vos digo: Sede tanto mais abençoados quanto mais fordes potentes, quanto mais ansiardes pela beleza e refrigério da Mulher! Porque, é verdade, a voz do sexo é a voz da Besta em vós; é a voz do Cordeiro de Deus e a voz do Leão Solar!

666. Aumgn!

13 – Abertura da porta do Templo

As macerações e o masoquismo psico-fisiológico são o defeito necessário de todos os sistemas religiosos desenvolvidos durante a Era de Virgo-Pisces. Por isto tem-vos sido dito que ir à igreja aos domingos, ou à sessão espírita uma vez por semana, ou ao candomblé na Sexta-feira ou Sábado, e abandonar-vos a uma receptividade passiva de diversas influências que são derramadas sobre vós, é adorar o verdadeiro Deus. Dizem-vos que a espiritualidade consiste em dobrar o joelho humildemente e confessar-se indigno e pecador, e oferecer meigamente o pescoço à espada temível do Juiz Supremo. Eu vos digo que tudo isso está acabado. Eu vos digo que só é verdadeiro o culto e só é santo o sacerdote cuja atividade desperta em vós a consciência, mesmo se temporária, da divindade de vós mesmos. Eu vos digo que na idade de Aquário-Léo, os homens devem orar pelos seus atos. Eu vos digo que os homens não mais se conhecerão pelas intenções, pelos pensamentos, ou mesmo pelas palavras; digo-vos que não há graça espiritual que vos salve da conseqüência de vossos atos, nem Juiz Espiritual que vos condene; digo-vos que a Lei do karma é a Lei de Causa e Efeito da Ciência; digo-vos que o Deus que recompensa ao que dobra o joelho e se confessa cheio de faltas e pede perdão é um vampiro, é um deus falso, é um deus negro; digo-vos que o Verdadeiro Deus está dentro de vós; digo-vos que nenhum dos vossos atos vos condena a não ser na medida que vos vela da consciência do Olho que se abre sobre vós; digo-vos que sois chamados à Grande Obra, e não a esperar que Algum ou Algo vos auxilie ou vos conduza; e digo-vos, enfim, que o maior crime que podeis cometer contra a Chama que queima em vosso coração é dobrar o joelho diante de qualquer relicário que não seja esse relicário interno.

Não sabeis que sois o Templo de Deus Vivo?

Eu sou só: não há nenhum Deus onde Eu Sou.

14 – Abundância de frutos

Não vos masturbeis psiquicamente em momentos de inspiração provocada por circunstâncias exteriores à vossa vontade, pensando que estais adorando a Deus quando apenas vos estais abandonando à expansão de um turbilhão astral. Se quereis orar ao Verdadeiro Deus, trabalhai; não importa em que, mas trabalheis com capricho, com devoção, fazendo do vosso trabalho vosso culto; pois quando trabalhais ativamente e com concentração, fazeis germinar as sementes de individualidade e iniciativa que existem latentes dentro de vós. Por isso está escrito: O que quer que tua mão faça, faze-o com todo o teu poder. E por isto, também, está escrito: Conhecê-los-eis pelos seus frutos.

15 – O lado escuro da lua

Há entre vós muitos que vos professais seguidores de Jesus, e que no entanto pretendeis como vosso Chefe Espiritual o Príncipe Conde St. Germain. Sabei então o que esse Mestre disse certa vez a um assustado discípulo: “Sim, meu amigo, Jesus não é nada: mas afligir-vos é sempre alguma coisa, e portanto, não mais falarei”. Osiris é um deus negro. Apo pantos kakodaimonos!

16 – A criança celeste

Somente a Criança Divina é o Deus de Luz para os próximos dois mil anos. Por isso está escrito que ninguém que não se torne como uma criancinha entrará no reino dos céus; e por isto está também escrito que o Leão e o Cordeiro se deitarão lado a lado, e uma criancinha os conduzirá.

Sê conosco, Deus Menino! Sê conosco, Deus Falcão!

17 – A Lei Única

Tem-vos sido dito: A lei natural é uma, a Lei Divina é outra. Mas eu vos digo que as leis naturais são as únicas leis divinas. Por isto o verdadeiro cientista, e principalmente o astrônomo, é o mais profundo sacerdote de Deus. A natureza é o corpo de Deus. Glória a Nossa Senhora das Estrelas, ó homens! Isis-Urânia, Mãe de Nós Todos, Aum!

18 – O elogio da lagarta

Escreveu um Grande Iniciado: “O fito daquele que queria ser Mestre é único; os homens chamam-no de Ambição Pessoal. Isto é, ele quer que seu Universo seja tão vasto, e seu controle de seu Universo tão perfeito, quanto for possível”. Leu um verme em forma humana estas palavras, e gritou: “Esse homem é egoísta e maligno! Ele quer dominar-me!” Leu um Aspirante estas palavras, e pensou alegremente: “Eis o meu fito”.

Os escravos servirão. Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir.

19 – Sobre Caridade

Vede em torno vosso muitos indivíduos que se professam verdadeiros seguidores do verdadeiro Deus, porque praticam a caridade, isto é, dão esmolas aos mendigos, socorrem os famintos, montam orfanatos e promovem auxílio aos desempregados. Em verdade vos digo que esses são cegos conduzindo os cegos; tanto os que conduzem como os que são conduzidos reagiram sempre ao círculo vicioso do Karma instintivo do homem lunar. Pois aquele que dá esmolas aos mendigos incita seu próximo à mendicância; aquele que socorre os famintos afasta muita vez o aguilhão que desperta uma consciência animal à atividade humana; aquele que monta orfanatos deveria antes ensinar aos ignorantes a controlar os seus instintos; e aquele que oferece emprego indiscriminadamente a um desempregado o mais das vezes interrompe uma fase de deslocamento que leva um homem a descobrir sua verdadeira vocação e vontade. Pôr isto os Mestres não auxiliam os homens, mas fazem com que eles aprendam a se auxiliarem a si próprios.

20 – Sobre Espiritismo

Uma palavra a dizer-vos sobre o espiritismo. Quer sejam os seus chefes espíritos descarnados, quer sejam cascarões astrais em processo de decomposição, quer sejam egrégoras de correntes das mentes instintivas associadas, existe em sua prática um defeito técnico e um defeito espiritual, a saber, que os médiuns desenvolvem a tendência a Ob no abandonamento passivo aos turbilhões astrais, o que é contrário aos deveres da evolução humana; e o inspirador espiritual dessas cohortes e desse movimento é dito ser “Jesus”, isto é, uma entidade que jamais existiu como tal, e que não foi mais que a máscara com que Osiris foi oferecido aos gregos e romanos. No passado, tudo isto seria talvez de pouca importância; mas lembrai-vos que a espiral tem dado mais uma volta, e que Osiris é um deus negro. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

21 – Sobre os cultos Afros

Uma palavra a dizer-vos sobre a macumba. Quer sejam os seus chefes espíritos africanos desencarnados, quer sejam demônios do baixo astral em disfarce, existe nas práticas deste movimento o mesmo defeito técnico que existe no espiritismo, isto é, o uso da força de Ob. Mas existe também uma diferença fundamental, que a macumba adora, sob diversos nomes os mesmos deuses do Pantheon greco-romano, os quais eram também adorados sob outros nomes por toda a Antigüidade, e que são personificações de grandes Forças através de cuja existência nos mundo sutis certas correntes espirituais são formadas para inspirar a vida dos homens. Por tanto a macumba é mesmos prejudicial à individualidade interna que o espiritismo, por isto que não ofende os fatos da Natureza: No passado tudo isto teria pouca importância; mas lembrai-vos que a espiral tem dado mais uma volta, e que despertou de seu sono de dois mil anos o mais misterioso Deus dos pagãos, o grande Deus Pan. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

22 – Sobre o comunismo

Uma palavra a dizer-vos sobre o comunismo. Quer se disfarce como primitivo cristianismo, quer se chame a si próprio materialismo científico, não é nem uma coisa nem outra, pois os primitivos cristãos adoravam a Deus n’Eles mesmos; refiro-me aos Gnósticos, que a Igreja Católica ferozmente perseguiu e dizimou, porque os sabia conhecedores da natureza da grande feitiçaria. Quanto a materialismo científico, isto é coisa que o comunismo nunca foi, sendo baseado num certo número de axiomas romanescos e idealísticos que nada tem a ver com os fatos da ciência; como, por exemplo, que os homens são todos iguais, quando a evidência é farta de que a lei natural a este respeito é variação da norma; e como, por exemplo, que possessões pessoais ofendem a comunidade humana, o que é fundamentalmente falso e até tolo, pois se a propriedade pessoal fosse o roubo, como querem os socialistas, os homens teríamos todos um só corpo, um só cérebro, uma só língua, um só pênis e um só anus. Ainda mais, a organização social pregada por este “materialismo científico” está em fragrante contraste com a lei natural de evolução por mutação e seleção das espécies; pois a genética nos ensina, e a observação da conduta das espécies o demonstra, que variações da norma produzem evoluções, e que a sobrevivência sempre tem que ser dos mais aptos. Toda sociedade humana, portanto, que não permite o máximo de liberdade para cada indivíduo de desenvolver livremente e por escolha própria as suas tendências naturais, e de competir livremente e igualmente com outros sobre o campo de batalha da vida, é uma sociedade idealística, que nada tem a ver com materialismo ou com a ciência. Portanto, o comunismo, como qualquer outra tendência à uniformidade e sujeição do indivíduo aos interesses de um rabanho ou de uma entidade fictícia (o “Estado”), é uma tendência malsã, idealística e viciosa; combatei-o com todas as forças de vossa individualidade, vós que sois verdadeiros homens!

Tu não tens o direito a não ser fazer tua vontade. Faze aquilo e nenhum outro dirá não.

Ouça aquele que tem ouvidos para ouvir.

23 – Sobre a Igreja Romana

Uma palavra a dizer-vos sobre a Igreja Católica. Está morta, como todos os que lhe pertencem, e sua aparente grande atividade presente não é mais que a turbulência inconsciente de decomposição de um cadáver gigantesco. Os cristãos aos Leões! Que ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

24 – Sobre a Maçonaria

Uma palavra a dizer-vos sobre a Maçonaria. Aquela que foi baseada na lenda de Hiram, lenda que, qual a de Jesus, não é mais que uma versão dramática adaptada à mentalidade ocidental do Ritual do Deus Sacrificado, isto é, Osiris, está tão morta quanto a Igreja Católica. Há porém esta diferença fundamental: que a Maçonaria tendo sido iniciada por Adeptos da Fraternidade da Luz para combater a grande feitiçaria da Loja Negra, neste momento mesmo novos brotos maçônicos estão sendo cuidadosamente regados pelos mestres encarregados da disseminação da Boa Nova, isto é, dos princípios sociais e espirituais da Nova Era; e esses mestres são, como disse uma inspirada das Lojas do Tibet, “um dos mestres ingleses e o Conde de Saint Germain”. O nome do Mestre inglês pode agora ser revelado: Ele era Sir Aleister Crowley, M. 33º e Rei da Ordem do Templo para a Inglaterra; e papel mais importante ainda ele desempenhou como encarnação da Besta 666. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. Quanto ao Conde de St. Germain, também chamado por alguns de Mestre Racoczy (e que sorri dessas tolices), ele segue os passos do Mestre Inglês com o mesmo assombro e admiração com que no passado seguiu os passos do Conde de Cagliostro. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. A Maçonaria está morta, ela vive. O Rei está morto, viva o Rei!

25 – Sobre a Educação

Uma palavra a dizer-vos sobre a educação das crianças. Vossos filhos não vos pertencem, e pais que não dão aos seus rebentos o nome deles próprios, seguindo de Filho, estão satisfazendo uma triste vaidade. Se vos conhecêsseis tal quais sois, e se realmente amasseis os vossos filhos, a última coisa que quereríeis no mundo é que eles se parecessem convosco. Na Nova Era, mais e mais crianças nascerão em cada família que não pertencem à gama vibratória dos pais. Isto é porque, de acordo com as predições de todos os videntes dos últimos duzentos anos, a família já não é mais a unidade do organismo social. Gamas vibratórias que se conservam coesas durante séculos, membros da mesma estirpe reincarnando-se constantemente na mesma corrente genética, estão para sempre partidas. O indivíduo, homem ou mulher, é a unidade do organismo social. A família agora não é mais que o primeiro conjunto de indivíduos a cuja presença a alma nova é submetida. Portanto, ó pais, se quereis o respeito de vossos filhos, não o exijais como um direito; provai pelo exemplo dos vossos atos que o mereceis, e vossos filhos galardoar-vos-ão o respeito com um prêmio que haveis conquistado. É esta sempre a Lei: desperta a virtude no teu íntimo, e verás com surpresa como a virtude se acende no coração dos outros. Ida está a idéia de laços familiares. Custa a morrer por causa da inércia do pensamento humano, imantado pelos hábitos de quatro mil anos (pois a família já estava formada no Aeon de Isis, que precedeu o de Osiris; somente, então era a mãe o chefe da família). Mas as suas convulsões, tal qual as da Igreja Católica e, de um modo geral, do Cristianismo, são as convulsões de um moribundo. Quanto mais os pais reforçam sua autoridade, mais os filhos se rebelam, e fazem bem. A pátria do homem é o mundo, o seu mundo é o universo, e a sua família é a humanidade inteira. Há um Deus de viver em um cão? Não! E se por acaso um Deus nasce no seio de uma alcatéia, e pedem-lhe que roa ossos como o resto, que esperais, senão que o Deus ultrajado se retire para o meio de seus semelhantes ou, num acesso de cólera, dizime os cães insolentes até que, assustados, param de importuná-lo e começam a obedecê-lo como é próprio? Os escravos servirão. Quereis educar bem os vossos filhos? Tratai-os como frescas incarnações da divindade, deuses recém-descidos ao mundo, verdes mensageiros das alturas, emissários do mundo misterioso do além-túmulo a que ireis dar um dia. Proporcionai-lhes todas as oportunidades de adquirir conhecimento e experiência, e deixai que eles escolham livremente entre todas as oportunidades que lhes proporcionais. Não os limiteis nunca a não ser nas coisas que o bom senso manda, isto é, na conservação da saúde e na disciplina da inteligência. Está bem comandar a uma criança que não ponha a mão no fogo, mas é melhor ainda explicar-lhe que o fogo queima os descuidados, e dar-lhe uma demonstração. Quando vosso filho ou vossa filha atinge a idade de responsabilidade, isto é, a puberdade, momento em que o Fogo se manifesta pela primeira vez através da inteira carne, ou a Água jorra pelos portais da vida com sua doçura e alegria, não tenteis apagar o fogo, nem tenteis represar a água. Ensinai antes ao menino e à menina tudo que sabeis a respeito da reprodução dos sexos, o que não é muito; ensinai-lhes como evitar a concepção involuntária, tendência natural do ser instintivo; ensinai-lhes as regras de higiene que conservam o aparelho criador livre das chamadas doenças venéreas: e assim, cumprido o vosso dever, deixai que corram os vossos filhos livremente o largo mundo. Se tivestes o cuidado de respeitar o julgamento de vossos filhos desde o berço, se cultivastes com desvelo a vossa essência interna, ressoando assim na virtude interna de vossos filhos, se, enfim, habituaste os vossos filhos ao destemor e à liberdade, eles amarão sem prejudicar e sem serem prejudicados, e voarão mais alto e mais longe do que jamais alcançastes. Que maior fonte de orgulho podem Ter os pais, que ver como os seus filhos os surpassam em tudo? E há nisto simples e saudável egoísmo, que se fazeis de vossos filhos homens e mulheres mais livres e mais fortes do que sois, eles, por sua vez, farão de vós homens e mulheres mais livres e mais fortes ainda, quando reincarnardes no meio deles. Cada criança que nasce e cresce saudável e livre é a esperança da humanidade. Regai portanto as flores, ó homens, se quereis um dia colher os frutos! Isto regenerará o mundo, o mundozinho minha irmã, meu coração & minha língua, a quem eu mando este beijo.

26 – Sobre a Sociedade

Existem analogias entre a sociedade humana e o corpo vivo que fareis bem em observar e imitar. Pois no corpo existem estruturas que mudam lentamente, que se desgastam e se renovam relativamente tão devagar que quase se poderia dizer que são imóveis. E no entanto estas estruturas são a base sobre a qual são construídas as estruturas mais fluidas. No corpo humano estas estruturas são os ossos, e na sociedade são as leis que regem o metabolismo das células chamadas homens. Pensai por um momento quão terrível seria se o esqueleto humano, ao invés de ser parcialmente flexível, e constituído de modo a permitir aos órgãos que se suportem uns aos outros suportando-se nele, fosse rígido e separasse os órgãos uns dos outros, ou os comprimisse de maneira a impedir a sua livre função! Tal se dá em casos kármicos de má conformação óssea, e muita vez observais e rides do resultado, em vez de vos lembrardes que o mesmo vos pode Ter acontecido em outra vida, ou pode acontecer-vos no futuro. E no entanto, rindo como rides dos corcundas e capengas, viveis vós mesmos numa sociedade horrenda pelas suas leis e seus hábitos, e nada fazeis para modificar sua pesada e antinatural constituição. Sabei portanto que as leis, tal como os ossos, devem ser organizadas para a máxima flexibilidade combinada com o máximo de força e permanência, e devem, pela sua estrutura mesma, permitir o máximo de iniciativa aos indivíduos e de intercâmbio às instituições. No aparente e imortal paradoxo do Conde de Fênix: A autoridade absoluta do Estado deve ser a função da liberdade absoluta de cada vontade individual.

TU NÃO TENS DIREITO A NÃO SER FAZER A TUA VONTADE. FAZE AQUILO, E NENHUM OUTRO DIRÁ NÃO. POIS VONTADE PURA, DESEMBARAÇADA DE PROPÓSITO, LIVRE DA ÂNSIA DE RESULTADO, É TODA VIA PERFEITA.

Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

27 – Sobre a morte

Eu me assombro cada dia em meio vosso, de ver como pagais serviço com vossos lábios a certas crenças, mas sempre desmentis vossas palavras com vossos atos. Dizeis acreditar em outra vida para a alma, onde ela será mais feliz do que foi aqui na terra, e chorais desabaladamente quando os vossos entes queridos (e até os vossos entes não-queridos) morrem. Dizeis acreditar que aquilo que Deus ligou o homem não pode desligar, e as vossas igrejas hediondas conspiram para que todas as leis sociais impeçam o mais possível aos homens que tentem desligar os laços matrimoniais.

Dizeis acreditar que a alma é salva pelo batismo na infância, e no entanto vossas igrejas e sacerdotes vis passam a vida inteira do batizado a espreitar, boquejar, e freqüentemente a condenar. Ó geração covarde e hipócrita! Dai um festim quando alguém morre, daí o cadáver de comer às bestas (ou ofertai-o ao hospital mais próximo), e confiai a alma às mãos de sacerdotes iniciados para que a acompanhem e aconselhem na viagem às plagas divinas, tal qual fazem ainda os simples povos do Tibet! Ó degenerados, ó devassos, ó impotentes! Não vos intrometais com as leis do Amor, que é o instrumento e modo de operação da vontade espiritual dos homens! Ó fariseus imundos, descrentes e malfazejos! Não compreendes que o Primeiro Batismo é a passagem através das Portas, que a água batismal é o fluido âmnico, e que no Aeon de Hórus o batismo sacerdotal há que ser de fogo, o fogo do Espírito Santo, tomado na Missa de Confirmação! Por isto está escrito: Eu vos batizo com água; mas Um virá após mim, maior que eu e ele vos batizará com Fogo.

Ra-Hoor-Khuit! Hoor-Paar-Kraat! HERU-RA-HÁ!

Sê conosco, Deus Menino! Sê conosco, Deus Falcão! Kyrie, Christe! IAO SABAO! AGIOS, AGIOS, AGIOS, IO PAN!

28 – Sobre falsas ordens

Muito pouco é conhecido da Rosa-Cruz, e no entanto pululam em vosso meio “ordens” e “fraternidades” fazendo uso desse NOME. Transcrevo aqui, para vossa edificação, as palavras simples de um homem que tinha algum conhecimento do que estava falando: (1) “É curioso mas é assim: para poder falar da mais elevada das entidades iniciáticas conhecidas no Ocidente devo usar tal nome sem antepor os termos: ‘Ordem,’ ‘Fraternidade,’ ou algo semelhante, para que o leitor ou o Discípulo não confundam com algumas das inumeráveis sociedades que, qual cogumelos surgiram com nomes imitativos da : “ROSA-CRUZ”. “É também necessário declarar aqui, algo que o não foi bastante claramente pelos que me precederam, que a ROSA-CRUZ, isto é, a misteriosa Fraternidade suprema, que atua com tal nome há uns três séculos somente no Ocidente, sempre existiu sob outras denominações. “Não tem sede que alguém possa situar em nenhuma cidade, nem seus Membros se declaram como tais. Isto é tudo que se pode dizer do ponto de vista da sua organização. Ao que se refere à sua atuação, parece muito simples explicá-la: cada vez que um ambiente determinado: sociedade, centro iniciático ou o que seja, NECESSITA E MERECE a atenção da ROSA-CRUZ, se envia algum Missionário relacionado pelo menos com os Círculos Externos d’Ela: ou, em outros casos, algum dos membros de dita sociedade ou fraternidade é inspirado, sendo também possível que ele mesmo não se dê conta cabal por muito tempo às vezes de como está sendo “inspirado, dirigido…e observado.” Quando finalmente se dá conta, é porque já está ‘MADURO’ em seriedade. Discrição, dedicação e capacidade. Isto é, pelo menos, o que sei de fonte que, como se diz em linguagem diplomática, ‘deve ser considerada como habitualmente bem informada…’ “

Mais tarde ainda, esse escritor acrescenta: TODA SOCIEDADE QUE SE DIGA OU SE TENHA PELA AUTÊNTICA E ÚNICA ROSA-CRUZ, OU BEM ESTÁ ENGANADA, OU ESTÁ ENGANANDO.

Ao bom entendedor, meia palavra basta.

29 – Sobre a Rosa e a Cruz

Do pouco que é conhecido da verdadeira ROSA-CRUZ, podemos concluir o seguinte: Primeiro, os ROSA-CRUZ adotam as vestimentas da época e país em que viajam ou atuam. Segundo, eles se conhecem imediatamente entre si por certas características que passam desapercebidas dos profanos. Terceiro, a influência ROSA-CRUZ está tão mais longe de organizações “rosacrucianas” quanto mais estas protestarem que está perto. Quarto, os ROSA-CRUZ adoram periodicamente em um Templo do Espírito Santo, onde aprendem a curar os doentes, transmutar os metais e onde comungam uns com os outros. Esse Templo está ao mesmo tempo em toda parte e em parte alguma; é a coisa mais fácil de achar pelo iniciado e a coisa jamais sonhada pelo profano. Quinto, a característica fundamental dos ROSA-CRUZ é que eles possuem o Elixir da Vida, a Pedra Filosofal, o Summum Bonum e a Felicidade Perfeita. Sexto, não se segue, de que os ROSA-CRUZ se dedicam a curar os doentes, que eles sejam médicos por profissão; nem se segue, de que eles possuem o Elixir da Vida, que eles prolonguem sua existência terrena. Aquele que escreve estas palavras não é Rosa-Cruz.

30 – Sobre a organização o Brasil

Para instrução e aviso dos Filhos do Sol: Três “fraternidades” principais se manifestam neste país, chamando-se a si mesmas rosacruz. A Ancient and Mystical Order Rosae Crucis (AMORC) foi fundada para um H. Spencer Lewis, iniciado nos círculos esternos da Ordem do Templo do Oriente (O.T.O.).

Desobedeceu ele as ordens dos seus superiores, dando a sua organização o Nome que absolutamente não merecia; traiu ele o seu mestre, ao qual, rico como se tornara pelas suas intrujices, deixou praticamente morrer de fome (pois assim era a Sua vontade); e foi por sua vez traído pelos seus comparsas em profanação. Esta “ordem” desobedece ao mais sério preceito de toda Ordem Iniciática real, em que recebe dinheiro para conferir iniciações. The Rosicrucian Fraternity in América, inicialmente de origem maçônica superior, degenerou progressivamente e, sob a gestão de R. Swimburne Clymer, traidor e infame membro da Loja Negra, foi corrompida pelos mesmos métodos da grande feitiçaria. É agora, com justiça, desprezada e encarnecida pelas Ordens que tentou usurpar.

A Fraternitas Rosicruciana Antiqua foi iniciada por um membro de alto grau da O.T.O., com permissão de seus superiores; mas a resolução do fundador (Dr. Arnold Krumm-Heller, “Huiracocha”) de usar o nome ROSA-CRUZ foi deplorada por todos os Irmãos, os quais por conseqüência se afastaram do fundador e da Ordem. Ela está agora em vias ou de dissolução ou de transmutação; que a responsabilidade de uma ou da outra recaia sobre seus dirigentes, como já recaiu sobre o seu fundador!

31 Sobre a Grande Fraternidade dos Irmãos da Luz

A Grande Fraternidade dos Irmãos da Luz tem várias subdivisões, das quais as principais para este planeta são a Fraternidade Negra (que não deve ser confundida com a Loja Negra), a Fraternidade Amarela e a Fraternidade Branca. Elas são simbolizadas na Cabala pelos três filhos de Noé.

A Fraternidade Negra mantém que toda manifestação tem forçosamente que ser da natureza de sofrimento; que o fito do homem deve portanto ser esgotamento do Karma pessoal e absorção no Nirvana. Nessa Fraternidade foi o Buddha Sidharte Galtama o maior expoente; seu livro canônico foi o Dhammapada.

A Fraternidade Amarela mantém que toda manifestação, sendo forçosamente resolvida de cima, deve Ter razão de ser; e que portanto o fito do homem deve ser adaptar-se plasticamente às condições de manifestação, eliminando fricção, e jamais presumindo de modificar, de uma maneira ou de outra, os processos da Natureza. O maior expoente dessa Fraternidade foi Lao-Tse, e seu livro canônico o Livro do Tao.

A Fraternidade Branca mantém que o fito do homem é tornar-se aquilo que Madame Blavatsky chamava um Nirmanakaya; que a Grande Obra é a transmutação progressiva, primeiro dos metais pessoais em ouro, depois dos metais planetários em ouro, e finalmente dos metais universais em ouro; e que o propósito e divertimento do adepto deve ser fazer com que o deserto floresça de beleza e perfume. O maior expoente dessa fraternidade foi e é a Grande Besta do Apocalipse e seu livro Canônico, que não é seu, mas pertence a Nossa Senhora das Estrelas, ao Fogo Divino e à Criança Solar, é o Livro da Lei.

E porque tu não possuis Sabedoria, não saberás se essas três Fraternidades, que sempre se antagonizam e completam umas as outras, fazem uma ou fazem três. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

32 – Sobre os sábios do Oriente

Lao-Tse veio ao mundo e disse, entre outras coisas, que o Tao que pode ser concedido não é o verdadeiro Tao. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Lao-Tse; e hoje seu livro é um joguete dos tolos e pedantes. Thoth (mas realmente Tahuti) veio ao mundo e disse, entre outras coisas, que a sabedoria consiste em estruturalizar a mente de uma forma tão orgânica, tão flexível e tão fluída, que a mente se torna um veículo adequado para o Verbo Criador. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Thoth; e hoje Seu Livro é em parte usado como base de jogos de salão.

Buddha veio ao mundo e disse que não havia nem salvador nem salvação, que dores e macerações não conduzem o homem à paz divina; que toda manifestação era necessariamente da natureza de um sofrimento, e que a essência da sabedoria consiste na extinção. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Buddha, rezaram penitência em seu nome, e imploraram a ele que os conduzisse à libertação.

Dionísio veio ao mundo, ele, Osiris Ressurrecto, e ensinou aos homens que no processo de geração, com sua morte e ressurreição, está contido o supremo mistério da construção do templo do Espírito Santo, do Verbo manifestado em carne, do Reino na Terra. E portanto os homens adoram-NO sob muitos nomes, inclusive o de Jesus, e rogam-lhe que os conduza à salvação. E no entanto, Ajuda-te, que Deus te ajudará, diz a sabedoria do povo. Mohammed veio ao mundo e destruiu parcialmente a grande feitiçaria da Loja Negra, engendrada após a extinção metódica da Igreja Gnóstica Exotérica, e perseguição que durou vinte séculos da Igreja Gnóstica Esotérica. Glória a Mohammed, Espada de Deus! Profeta parcial, mas profeta contudo, da Unidade de Deus e da Virilidade do homem! E agora, vos é dito: Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir a Voz da Besta 666.

33 – Chamando os Filhos do Sol

A nossa Fraternidade é a Fraternidade dos Filhos da Luz. A nossa Habitação é o Lago de Fogo Eterno, o Sol. O nosso Pai é Satã, o Senhor do Fogo Eterno, o Senhor do Sol, o Logos Solar. Os nossos chefes são a Besta 666, o Leão Solar, e a sua Concubina BABALON. Quando encarnados sobre a Terra eles são sempre um homem e uma mulher, cuja atividade superior desperta o fogo estelar no coração dos homens.

Acima de nosso Pai Satã, que também foi através dos tempos chamado Abrasax, Mitras, Ra, Bal, Al, Allah, Cristo e incontáveis nomes, há Nossa Senhora das Estrelas, em cujo seio nosso Pai repousa, e Hadit Seu Esposo, dos quais nada é permitido revelar, e dos quais nosso Pai é um dos filhos, cujo corpo é a Estrela Sol.

Os homens sempre tem adorado o Sol Espiritual, do qual somos chispas cristalizadas sobre a Terra, e nossos sonhos e anseios divinos são memórias de nossa Casa, o Imenso Lago de Luz. Falamos aqui dos Filhos do Sol, pois há outros encarnados sobre a Terra que são filhos de outras estrelas; pois, como está escrito, a casa de meu Pai tem muitas moradas. Mas estas coisas são de interesse apenas para os mais altos iniciados, porque só eles podem realmente compreende-las e utilizá-las.

Na era de Aquário-Léo, o mundo já foi regenerado pelo Fogo; a Estrela caiu sobre a Terra, e a escuridão do mundo já se enverdece e galardoa de Aurora. Hoje Ele não é nosso Pai, apenas; é nosso Mestre e nosso Esposo; é Nós Mesmos, a Criança Coroada e Conquistadora, Horus, o Filho de Isis e Osiris, em seu nome Heru-Ra-Há; o Deus Menino, o Verbo feito Carne em cada um de nós!

Tu que és eu mesmo, além de tudo meu;

Sem natureza, inominado, ateu;

Que quando o mais se esfuma, ficas no crisol;

Tu que és o segredo e o coração do Sol;

Tu que és a escondida fonte do universo;

Tu solitário, real fogo no bastão imerso;

Sempre abrasando; tu que és a só semente

De liberdade, vida, amor e luz eternamente;

Tu, além da visão e da palavra;

Tu eu invoco; e assim meu fogo lavra!

Tu eu invoco, minha vida, meu farol,

Tu que és o segredo e o coração do Sol

E aquele arcano dos arcanos santo

Do qual eu sou veículo e sou manto

Demonstra teu terrível, doce brilho:

Aparece, como é lei, neste teu filho!

Amor é a lei, amor sob vontade

Esta foi a primeira publicação thelêmica no Brasil, resultado de uma ordália passada por Frater Saturnus à Frater Aleph. Pouco depois de lança-lo, Marcelo Motta o recolhe logo em seguida por discordar de algumas conclusões a que chegou na obra. Poucos compraram na época, sendo um deles Frater Thor.

Marcelo Motta

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/chamando-os-filhos-do-sol/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/chamando-os-filhos-do-sol/

‘Carta a um Maçon

Marcelo Ramos Motta

O presente livro é na verdade uma carta escrita por Marcelo Ramos Motta, grande divulgador da lei de Thelema no Brasil a um maçon de Petrópolis, Rio de Janeiro em 9 de julho de 1963. Seu conteúdo disserta sobre a construção histórica do mito de Jesus Cristo, e sobre como a propositada influência romano-alexandrina estrategicamente inverteu a essência do evangelho.

Esta é a quarta versão do presente documento, sendo que a diferença para com a versão anterior é a substituição da Bibliografia por suas respectivas versões em português, uma vez que muitas obras permaneciam apenas em seus originais em inglês e espanhol na época em que esta epístola foi escrita, e a organização de trechos da carta em capítulos de forma a facilitar a pesquisa e estudo. O título “A Inversão do Cristianismo” é também uma sugestão da presente edição, pois o antigo nome, mantido aqui como subtítulo, fazia o precioso conteúdo da carta permanecer cativo de um público extremamente limitado.

Índice

Marcelo Mota,grande ocultista Brasileiro, mas como Aleister Crowley tinha uma personalidade muito difícil e contraditória e gostava de fazer um marketing negativo de si mesmo, talvez para mostrar que não ligava para seu ego mundano.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/sociedades-secretas-conspiracoes/carta-a-um-macon/

As Origens da Mitologia Grega

O mito era o coração da sociedade grega antiga, como forma de entender os fenômenos naturais e os acontecimentos sem a ação dos humanos. Os gregos, crentes nas histórias e nas narrativas dos poetas, estabeleceram rituais e cultos fundamentados nessas lendas heróicas, divinas e humanas. Desde aquele tempo, o ser humano precisou criar concepções lógicas acerca das histórias contadas apenas pelos poetas. O filósofo Homero fazia a educação da Grécia e, para os gregos, os mitos eram a mais pura verdade.

Os deuses eram divindades com atribuições próprias e com inúmeros poderes. Eram imortais, podiam salvar ou destruir. Tinham o poder de transformar-se em objetos e animais ou adquirir outras personalidades. A mitologia, embora seja repleta de narrações sobre batalhas, traições, intrigas e maldades, servem para interpretação subjetiva dos diversos arquétipos que ainda hoje são muito atuais e que encontramos em nossos dias.

Localizada na junção da Europa, Ásia e África, a Grécia é o berço de nascimento da democracia, da filosofia e literatura, da historiografia e ciência política e dos mais importantes princípios matemáticos. É o berço de nascimento do teatro ocidental, incluindo os gêneros do drama, tragédia e o da comédia e dos jogos olímpicos.

Apaixonados pelo debate e pela controvérsia, os gregos criaram os primeiros ordenamentos políticos com cunho democrático, onde compartilhavam e defendiam argumentações. Esses princípios fundamentais definiram o curso do mundo ocidental e também divulgaram a mitologia grega, que ainda se torna eficiente, segundo muitos autores, para a educação acadêmica como também para um entendimento profundo e filosófico do ser humano.

Segundo estudiosos, diversas teorias buscam explicar as origens da mitologia grega:

* Teoria Escritural, as lendas mitológicas procedem de relatos dos textos sagrados, no qual os feitos reais foram disfarçados e, posteriormente, alterados.

* Teoria Alegórica: os mitos antigos eram alegóricos e simbólicos, porém com verdade moral, religiosa ou filosófica ou um fato histórico que, com o passar do tempo, passou a ser aceito como verdade.

* Teoria Histórica: todas as personas mencionadas na mitologia foram seres humanos reais, e as lendas sobre elas são meras adições de épocas posteriores.

* Teoria Física: os elementos ar, fogo e água foram objetos de adoração religiosa, e passaram a ser personificações desses poderes da natureza.

Os historiadores acreditam que os gregos começaram a dar novas interpretações acerca das coisas e a desacreditar dos poetas e dos dramaturgos, insistentes em inventar narrativas e lendas sobre a origem e os motivos das coisas. Ao tentar aprofundar sua compreensão sobre os mitos gregos, o homem da Grécia antiga encontrou certas limitações e contradições nessas histórias, o que desencadeou em uma série de processos filosóficos.

A filosofia surgiu justamente para compreender a verdade, mas de outra forma. Uma das contradições, defendidas por historiadores, foram as viagens marítimas empreendidas pelos gregos e a exploração de algumas regiões nas quais acreditavam serem habitadas por deuses. Porém, ao visitá-las, puderam constatar que era povoada por seres humanos.

As explorações marítimas dos gregos – uma das primeiras do homem antigo – contribuíram para a decadência do mito. Os estudiosos acreditam que os gregos, ao inventarem o calendário, conseguiram calcular o tempo como forma de prever e entender os estados térmicos, o sol e a chuva e outros fatores climáticos, antes vistos como feitos divinos e incompreensíveis. Isso proporcionou uma grande mudança na crença dos mitos.

De forma semelhante, a invenção da moeda como forma de trocas abstratas e a escrita alfabética, como forma de materialização de textos antes propagados somente pela oratória, além da invenção da política para a exposição das opiniões sociais, foram marcos da sociedade grega que, com o início dessa vida urbana e mais moderna, começou a tecer bases para o artesanato, o comércio e outras criações, que propiciaram a depreciação dos mitos.

Com essas mudanças, o homem viu a necessidade de entender e desenvolver, criando a filosofia para suprir essa incompreensão. Os filósofos e estudiosos creem que as habilidades poderosas de mudança saíram das mãos dos deuses imaginários, foram assumidas pelos homens antigos e se estendem até nossos dias atuais, onde acreditamos que uma administração política adequada — realizada e levada avante pelos homens e não pelos deuses — pode resultar numa influência positiva nas sociedades, assim como uma administração inadequada resulta em influências negativas.

OS ARQUÉTIPOS

Arquétipo é um termo usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, para designar as ideias como modelos de todas as coisas existentes, segundo a concepção de Platão. Nas filosofias teístas o termo indica as idéias presentes na mente de Deus. Pela confluência entre neoplatonismo e cristianismo, termo arquétipo chegou à filosofia cristã, sendo difundido por Agostinho, provavelmente por influência dos escritos de Porfírio, discípulo de Plotino.

Arquétipo, na psicologia analítica, significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. C. G. Jung usou o termo para se referir aos modelos inatos que servem de matriz para o desenvolvimento da psique. Eles são as tendências estruturais invisíveis dos símbolos. Os arquétipos criam imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da situação consciente.

Jung deduz que as imagens primordiais, um outro nome para arquétipos, se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Funcionam como centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. Eles se encontram isolados uns dos outros, embora possam se interpenetrar e se misturar.

O núcleo de um complexo é um arquétipo que atrai experiências relacionadas ao seu tema. Ele poderá, então, tornar-se consciente por meio destas experiências associadas. Os arquétipos da Morte, do Herói, do Si-mesmo, da Grande Mãe e do Velho Sábio são exemplos de algumas das numerosas imagens primordiais existentes no inconsciente coletivo. Embora todos os arquétipos possam ser considerados como sistemas dinâmicos autônomos, alguns deles evoluíram tão profundamente que se pode justificar seu tratamento como sistemas separados da personalidade. São eles: a persona, a ânima, o animus e a sombra.

Chamamos de instinto aos impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, estes instintos podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença apenas através de imagens simbólicas. São estas manifestações que revelam a presença dos arquétipos, que as dirigem. A sua origem não é conhecida e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por fecundações cruzadas, resultantes da migração.

Os arquétipos são a principal origem da ligação entre a Física e a Psicologia, pois é por meio deles que os fenômenos psíquicos estudados pela psicologia analítica se manifestam, frequentemente violando as leis físicas da ordem temporal e espacial. O estudo interdisciplinar destas estruturas imateriais e seus fenômenos teve origem com Jung e Pauli, na primeira metade do século 20, estendendo-se até hoje com a linha de pesquisa da Física e Psicologia.

Por Lúcia de Belo Horizonte.

#Mitologia #MitologiaGrega

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/as-origens-da-mitologia-grega

‘Asatru – O Paganismo Nordico

A menos de mil anos atrás os antigos sábios da Islândia tomaram uma decisão. Sob pressão política da Europa cristianizada e enfrentando a necessidade de comércio, a assembléia nacional declarou a Islândia como sendo um oficialmente um país cristão. Dentro de poucos séculos os últimos remanescentes do Paganismo Nórdico, acabaram morrendo. Contudo, a Islândia era um país tolerante e os mitos, estórias, e lendas da era pagã felizmente não foram queimados, e com isso, acenderam o fogo das crenças pagãs em gerações posteriores. Em 1972, depois de uma longa campanha feita pelo poeta e Godhi (Sacerdote) Sveinbjorn Beinteinsson, a Islândia novamente reconheceu o paganismo nórdico como uma religião legitima e legalizada.  

Hoje o paganismo nórdico, conhecido como Asatru (“lealdade aos Deuses” do nórdico antigo), é praticado em vários países além dos países escandinavos. O Asatru também faz parte do grupo das religiões neo-pagãs como o Druidismo, a Wicca, a Bruxaria Tradicional, a Stregheria, etc. Contudo, o Asatru permanece desconhecido pela maioria, até mesmo dentro da comunidade neo-pagã.  

O mais importante para se lembrar é que o Asatru é uma religião. Não é um sistema de magia ou uma “Prática New Age”. A palavra Asatru derivou-se do “As” (Aesir, família principal dos Deuses de Asgard) e “tru” (trutrue – verdade – confiança – lealdade). Ser Asatru é estar ligado com lealdade e confiança aos antigos arquétipos do norte da Europa, contudo, você pode pegar coisas de outras religiões e outros arquétipos e continuar sendo Asatru, basta você ter o panteão nórdico como o seu preferido e sua base nos princípios nórdicos. Outra coisa característica do Asatru é a condenação da conversão, como nas religiões missionárias tipo o cristianismo. Para o Asatru não existe “verdade absoluta”; cada pessoa é dona de si mesma e é capaz de escolher sua “verdade”, nenhuma religião é errada. Asatru valoriza seus ancestrais, valoriza o estudo do passado e das origens e valoriza a guerra com sabedoria. O Asatru não é universal e não considera seu caminho como sendo o correto para todos, o Asatru acredita que há espaço para todos os arquétipos no mundo e que todos eles tem o seu valor. Baseado nisso, clamar que Zeus é o mesmo Deus que Odin é loucura.  

Os Valores do Asatru  

Uma das funções básicas de qualquer religião é estabelecer um conjunto de valores nas quais os seus seguidores poderão basear suas ações. No Asatru não existe moralismo, nem caos desenfreado. Invés, de pré estabelecermos o que é certo ou errado, o que é bom ou mal, nós lidamos com conceitos filosóficos básicos que são baseados nas lendas dos Deuses.  

No Asatru o julgamento moral está dentro do coração e da mente humana. Nós como seres humanos com o presente da inteligência, somos sensatos e responsáveis o bastante para determinar o que é melhor para nós e agir adequadamente.  

As nove virtudes da nobreza da alma, dentro do Asatru são: Coragem, Verdade, Honra, Fidelidade, Disciplina, Hospitalidade, Força de Vontade, Autoconfiança e Perseverança. 

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A Nuvem sobre o Santuário – Carta 2

Por Karl von Eckartshausen.

É necessário, meus caríssimos irmão no Senhor, dar-vos uma idéia pura da Igreja interior, desta “Comunidade Luminosa de Deus”, que está dispersada através do mundo; mas que é governada pela verdade e unida pelo espírito.

Esta comunidade da luz existe desde o primeiro dia da criação do mundo, e sua existência permanecerá até o último dia dos tempos.

Ela é a sociedade dos eleitos que distinguem a luz nas trevas, separando-a em sua essência.

Esta comunidade da luz possui uma escola na qual o próprio Espírito de Sabedoria instrui àqueles que têm sede de luz; e todos os mistérios de Deus e da natureza são conservados nesta escola pelos filhos da luz. O conhecimento perfeito de Deus, da natureza e da humanidade, são os objetos do ensinamento desta escola. É dela que todas as verdades vêm ao mundo; ela foi a escola dos profetas e de todos aqueles que procuram a sabedoria; e é somente nesta comunidade que se encontra a verdade e a explicação de todos os mistérios. Ela é a comunidade mais íntima e possui membros de todo o universo, eis as idéias que se podem ter dela. Em todos os tempos, o exterior tinha por base um interior do qual não era mais do que a expressão e o plano.

Assim é que, em todas as eras, existiu uma assembléia íntima, a sociedade dos eleitos, a sociedade daqueles mais capazes para a luz e que a procuravam; esta sociedade íntima era chamada o Santuário interior ou a Igreja interior.

Todos os símbolos, cerimônias e ritos que possui a Igreja exterior, correspondem à letra da qual o espírito e a verdade se acham na Igreja interior.

Portanto, a Igreja interior é uma sociedade cujos membros estão espalhados por todo o mundo, mas ligados intimamente pelo espírito do amor e da verdade, ocupada sempre na construção do grande templo para a regeneração da humanidade, pela qual o reino de Deus há de se manifestar. Esta sociedade reside na comunhão daqueles que estão mais aptos para receber a luz, ou dos eleitos.

Estes eleitos estão unidos pelo espírito e a verdade e o seu chefe é a própria Luz do Mundo, Jesus Cristo, o eleito da luz, o mediador único da espécie humana, o Caminho, a Verdade e a Vida; a luz primitiva, a sabedoria, o único “meio” pelo qual os homens podem retornar a Deus.

A Igreja interior nasceu logo após a queda do homem e recebeu de Deus, imediatamente, a revelação dos meios pelos quais a espécie humana caída seria reintegrada na sua dignidade, e libertada de sua miséria. Ela recebeu o depósito primitivo de todas as revelações e mistérios; ela recebeu a chave da verdadeira ciência, tanto divina como natural.

Mas quando os homens se multiplicaram, a fragilidade e fraqueza inerentes a espécie impuseram um culto exterior para ocultar a sociedade interior e encobrir pela letra o espírito e a verdade. Porque a coletividade, a multidão, o povo, não eram capazes de compreender os grandes mistérios interiores e constituiria um perigo demasiado grande confiar o mais santo aos incapazes, encobriram as verdades interiores nas cerimônias exteriores e sensíveis, para que o homem, pelo sensível e o exterior que é o símbolo do interior, se tornasse gradativamente capaz de aproximar-se mais das verdades internas do espírito.

Mas a essência sempre foi confiada àquele que, no seu tempo, tinha mais aptidões para receber a luz; e somente esse era o possuidor do depósito primitivo como Sumo sacerdote do Santuário.

Quando se tornou necessário que as verdades interiores fossem simbolizadas nas cerimônias exteriores, por causa da fraqueza dos homens que não eram capazes de suportar a vista da luz, o culto, exterior nasceu, mas ele foi sempre o tipo e o símbolo do interior, quer dizer, o símbolo da verdadeira homenagem feita a Deus “em espírito e verdade”.

A diferença entre o homem espiritual e o homem animal, ou entre o homem racional e o homem dos sentidos, obrigou as formas exterior e interior.

As verdades internas ou espirituais manifestaram-se envoltas em símbolos e cerimônias, para que o, homem animal ou dos sentidos pudesse despertar e ser conduzido pouco a pouco, às verdades interiores.

Portanto, o culto exterior é uma representação simbólica das verdades interiores, das verdadeiras relações do homem com Deus antes e após a queda, no estado de sua dignidade, de sua reconciliação e de sua mais perfeita união. Todos os símbolos do culto exterior estão construídos sobre estas três relações fundamentais.

O cuidado do exterior era a ocupação dos sacerdotes, e cada pai de família estava, nos tempos primitivos, encarregado deste ofício. As primícias dos frutos e as primeiras crias dos animais eram oferecidas a Deus; os primeiros simbolizando que tudo o que nos alimenta e nos conserva vem Dele; e os segundos simbolizando que o homem animal deve morrer para dar lugar ao homem espiritual e racional.

A adoração exterior de Deus não deveria jamais separar-se da adoração interior; mas como a fraqueza do homem leva-o facilmente a esquecer o espírito para agarrar-se à letra, o Espírito de Deus despertou sempre, entre todas as nações, naqueles que tinham as aptidões necessárias para a luz, e serviu-se deles, como seus agentes, para espalhar por todo o mundo a verdade e a luz, segundo a capacidade dos homens a fim de vivificar a letra morta pelo espírito e a verdade.

Por estes instrumentos divinos, as verdades interiores do santuário eram levadas às nações mais longínquas, e modificadas simbolicamente, segundo os hábitos, capacidade de cultura, clima e receptividade.

De maneira que os tipos exteriores de todas as religiões, seus cultos, suas cerimônias e seus livros santos, em geral, têm quase claramente por objeto as verdades interiores do santuário, pelas quais a humanidade será conduzida somente no devido tempo, à universalidade do conhecimento da verdade única.

Quanto mais o culto exterior de um povo permaneceu unido ao espírito das verdades interiores, mais a sua religião foi pura; quanto mais a letra simbólica se separou do espírito interior, mais a religião se tornou imperfeita, até a ponto de degenerar entre alguns, em politeísmo, quando a letra exterior perdeu completamente seu espírito interior e não restou mais de que o cerimonial exterior sem alma e sem vida.

Quando os germens das verdades mais importantes puderam ser levados aos povos pelos agentes de Deus, Ele escolheu um povo determinado para erigir um símbolo vivo, destinado a mostrar como Ele queria governar toda a espécie humana em seu estado atual, e conduzi-la à sua mais alta purificação e perfeição.

Deus próprio deu a seu povo a sua legislação exterior religiosa; e, como signo de sua verdade, entregou-lhe todos os símbolos e todas as cerimônias que continham a essência das verdades interiores e grandiosas do santuário.

Deus consagrou essa igreja exterior em Abraão, deu-lhe os mandamentos por Moisés, e assegurou-lhe sua mais alta perfeição pela dupla missão de Jesus Cristo, no princípio, vivendo pessoalmente na pobreza e no sofrimento, e depois pela comunhão de seu espírito na glória do ressuscitado.

Mas, como o próprio Deus deu os fundamentos da Igreja exterior, a totalidade dos símbolos do culto exterior formou a ciência do templo, ou dos sacerdotes daqueles tempos, e, todos os mistérios das verdades mais santas e interiores tornaram-se exteriores pela revelação.

O conhecimento científico deste simbolismo santo, era a ciência de religar Deus ao homem caído, e daí a religião recebeu seu nome como sendo a doutrina que liga o homem, separado e afastado de Deus, a Deus que é sua origem.

Vê-se facilmente por esta idéia pura do nome religião em geral, que a unidade da religião está no santuário íntimo, e que a multiplicidade das religiões exteriores não pode jamais alterar nem enfraquecer esta unidade que é a base de todo exterior.

A sabedoria do templo da antiga aliança era governada pelos sacerdotes e pelos profetas.

O exterior, a letra do símbolo, o hieróglifo; eram confiados aos sacerdotes.

Os profetas tinham a seu cuidado o interior, o espírito e a verdade, e sua função era a de conduzir sempre os sacerdotes da letra ao espírito, quando lhes acontecia esquecer o espírito e agarrar-se à letra.

A ciência dos sacerdotes era a do conhecimento dos símbolos exteriores.

A ciência dos profetas era a posse prática do espírito e da verdade destes símbolos. No exterior a letra; no interior o espírito vivificante.

Existia também, na antiga aliança, uma escola de sacerdotes e uma escola de profetas.

A dos sacerdotes ocupava-se dos emblemas e a dos profetas das verdades que estavam encerradas sob os emblemas. Os sacerdotes estavam de posse exterior da Arca, dos pães da proposição, do candelabro, do maná, da vara de Aarão, e os profetas estavam de posse das verdades interiores e espirituais que eram representadas exteriormente pelos símbolos dos quais vimos falar.

A Igreja exterior da antiga aliança era visível; a Igreja interior era sempre invisível, devia ser invisível, e entretanto governar tudo, porque somente a ela estavam confiados o poder e a força.

Quando o culto exterior abandonava o interior, caia, e Deus provava por uma continuidade das mais notáveis ocorrências, que a letra não pode subsistir sem o espírito; que ela somente é dada para conduzir ao espírito, tornando-se inútil e mesmo rejeitada de Deus, se abandona sua finalidade.

Assim como o espírito da natureza se espalha nas profundezas mais estéreis para vivificar, para conservar e para dar desenvolvimento a tudo que lhe é susceptível, assim também o espírito da luz se espalha no interior de todas as nações, para animar completamente a letra morta pelo espírito vivo.

É assim que encontramos um Jó entre os idólatras, um Melquisedeck entre as nações estrangeiras, um José entre os sacerdotes egípcios, e Moisés no país de Madian, como prova palpável de que a comunidade interior daqueles que são capazes de receber a luz, estava unida pelo espírito e pela verdade em todos os tempos e entre todas as nações.

A todos esses agentes de luz da comunidade interior e única, uniu-se o mais importante de todos os agentes, o próprio Jesus Cristo, no meio do tempo como um rei-sacerdote; segundo a ordem de Melquisedeck,

Os agentes divinos da antiga aliança não representaram senão as perfeições particulares de Deus; no decorrer dos tempos uma ação poderosa devia produzir-se que mostrasse de uma só vez o todo em Um. Um tipo universal apareceu acentuando a completa unidade, abrindo uma nova porta e destruindo a numerosa servidão humana. A lei do amor começou quando a imagem emanada da própria Sabedoria mostrou ao homem toda grandeza de seu ser, revigorou-o de todas as forças, assegurou-lhe sua imortalidade e elevou seu ser intelectual para tornar-se o verdadeiro templo do Espírito.

Este agente maior de todos, este Salvador do mundo, este regenerador universal fixou toda a sua atenção sobre esta verdade primitiva, pela qual o homem pôde conservar sua existência e recobrar a dignidade que possuía.

Em suas humilhações implantou a base da redenção dos homens e prometeu cumpri-la completamente por seu espírito. Ele mostrou também num perfeito esboço aos seus apóstolos tudo o que devia se passar um dia com seus eleitos.

Ele continuou a cadeia da comunidade interior da luz, entre seus eleitos, aos quais enviou o Espírito da Verdade, e confiou-lhes o depósito primitivo mais elevado de todas, as verdades divinas e naturais, em sinal de que eles não abandonariam jamais sua comunidade interior.

Quando a letra e o culto simbólico da Igreja exterior da antiga aliança, passaram em verdade pela encarnação do Salvador, e foram atestados em sua pessoa, novos símbolos se tornaram necessários para o exterior, que mostrassem segundo a letra, a realização futura ou integral da redenção.

Os símbolos e os ritos da igreja exterior Cristã foram dispostos segundo estas verdades invariáveis e fundamentais, e anunciaram coisas de uma força e importância que não se podem descrever, nem foram reveladas àqueles que conheciam o santuário intimo.

Este santuário interior permaneceu sempre invariável, ainda que o exterior da religião, ou seja, a letra recebesse no decorrer do tempo e circunstâncias, diferentes modificações, e se afastasse das verdades interiores, que são as que podem conservar o exterior ou a letra.

O pensamento profano de querer atualizar tudo o que é cristão, e de querer cristianizar tudo o que é político, modificou o edifício exterior, e cobriu com as trevas e a morte o que estava no interior, a luz e a vida. Daí nasceram as divisões e as heresias: o espírito sofístico queria explicar a letra embora já tivesse perdido o espírito da verdade.

A incredulidade levou a corrupção ao mais elevado grau; até se procurou atacar o edifício do cristianismo em suas primitivas bases, confundindo o interior santo, com o exterior que estava sujeito às fraquezas e à ignorância dos homens frágeis.

Assim nasceu o deísmo, que engendrou o materialismo e viu como uma fantasia toda união do homem com as forças superiores; e por fim nasceu, parte pelo entendimento e parte pelo coração, o ateísmo, último grau de decadência do homem.

No meio de tudo isto, a verdade permaneceu sempre inquebrantável no interior do santuário.

Fiéis ao Espírito da verdade que prometeu jamais abandonar a sua comunidade; os membros da Igreja interior viveram em silêncio e em atividade real e uniram a ciência do templo da primitiva aliança ao espírito do Grande Salvador dos homens, a espírito da aliança interior, esperando humildemente o grande momento no qual o Senhor os chamará, e reunirá sua comunidade para dar a toda letra morta a força exterior e a vida.

Esta comunidade interior da luz é o conjunto de todos aqueles que estão capacitados para receber a luz dos eleitos, e é conhecida sob o nome de “Comunhão dos santos”. O depósito primitivo de todas as forças e de todas as verdades foi confiado em todos os tempos a esta comunidade da luz; que só ela, como disse São Paulo, estava de posse da ciência dos Santos. Por ela os agentes de Deus foram formados em cada época, passaram cio interior, ao exterior, e comunicaram o espírito e a vida à letra morta, como já dissemos anteriormente.

Esta comunidade da luz foi em todos os tempos a verdadeira escola do Espírito de Deus; e, considerada como escola, tem sua Cátedra, seu Doutor; possui um livro no qual seus discípulos estudam as formas e os objetos dos ensinamentos, e finalmente um método de estudo.

Ela tem, também, seus graus pelos quais o espírito pode desenvolver-se sucessivamente e elevar-se sempre cada vez mais.

O primeiro grau, o menor, consiste no bem moral pelo qual a vontade simples, subordinada a Deus, é conduzida ao bem pelo móbil puro da vontade, quer dizer, Jesus Cristo, que ela recebeu pela fé. Os meios dos quais o espírito desta escola se serve são chamados inspirações.

O segundo grau consiste no assentimento intelectual, pelo qual a compreensão do homem de bem que está unido a Deus, é coroada com a sabedoria e a luz do conhecimento; e os meios pelos quais o espírito se serve para este grau são chamados iluminações interiores.

O terceiro grau enfim, e o mais elevado, é o completo despertar do nosso sensorium interno, pelo qual o homem interior alcança a visão objetiva das verdades metafísicas e reais. Este é o grau mais elevado onde a fé se transforma em visões claras e os meios pelos quais o espírito se serve para isso são as visões reais.

Eis os três graus da verdadeira escola de sabedoria interior, da comunidade interior da luz. O mesmo espírito que aperfeiçoa os homens para esta comunidade, distribui também os graus, pela coação do próprio candidato, devidamente preparado.

Esta escola da sabedoria foi em todos os tempos, a mais secreta e a mais oculta do mundo, porque ela estava invisível e submissa unicamente à direção divina.

Ela não esteve jamais exposta aos acidentes do tempo nem às fraquezas dos homens. Porque nela não houve em todos os tempos senão os mais capazes que foram escolhidos pelas suas qualidades, e o Espírito que os escolheu não podia errar.

Nessa escola se desenvolveram os germens de todas as ciências sublimes que foram primeiramente recebidas pelas escolas exteriores, e, aí revestiram-se de outras formas verdadeiras algumas vezes tornadas disformes.

Esta sociedade interior de sábios comunicou, segundo o tempo e as circunstâncias, às sociedades exteriores, seus hieróglifos simbólicos para tornar o homem exterior atento às grandes verdades do interior.

Porém todas as sociedades exteriores só subsistem enquanto esta sociedade interior lhes comunica seu espírito. No momento em que as sociedades exteriores queriam emancipar-se da sociedade interior e transformar o templo de sabedoria em um edifício político, a sociedade interior retirava-se e nelas ficava somente a letra sem o espírito.

Assim é que todas as escolas exteriores secretas da sabedoria foram somente véus hieroglíficos, a verdade mesma permaneceu sempre no santuário para que não pudesse ser jamais profanada.

Nesta sociedade interior o homem encontra a sabedoria, e com ela tudo; não a sabedoria do mundo que não é senão um conhecimento científico rodeando o invólucro exterior, sem jamais tocar o centro onde residem todas as forças; mas a verdadeira sabedoria, assim como os homens que a ela obedecem.

Todas as disputas, todas as controvérsias, todos os objetos da falsa prudência do mundo, todos os idiomas estrangeiros, as vãs dissertações, os germens inúteis das opiniões que propagam a semente da desunião, todos os erros, os cismas e os sistemas, dela estão banidos. Não se encontra ali nem calúnias nem maledicências; todo homem é honrado. A sátira, o espírito que gosta de se divertir a custa do próximo, são ali desconhecidos, e somente se conhece o amor.

A calúnia, este monstro não levanta jamais entre os amigos da sabedoria, sua cabeça de serpente, o respeito mútuo é ali observado rigorosamente; ali não se nota as faltas do próximo nem se lhe fazem criticas sobre defeitos. Caridosamente, conduz-se o viajante ao caminho da verdade, procura-se persuadir, tocar o coração que está em erro, deixando a punição do pecado a clarividência do Mestre da Luz. Alivia-se a necessidade, protege-se a fraqueza, rejubila-se da elevação e da dignidade que o homem adquire.

A felicidade que é o dom do destino não eleva ninguém sobre o próximo; somente se considera feliz aquele ao qual se apresenta a ocasião de fazer o bem a seu próximo, e todos estes homens, que um espírito de verdade une, formam a Igreja invisível, a sociedade do Reino interior sob um chefe único que é Deus.

Não se deve imaginar que esta comunidade representa qualquer sociedade secreta que se reúne em certos tempos, escolhendo seus chefes e membros e propondo-se a determinados fins. Todas as sociedades, quaisquer que sejam não vêm senão depois desta comunidade interior da sabedoria; ela não conhece quaisquer formalidades que são a obra dos homens. No reino das forças todas as formas exteriores desaparecem.

O Próprio Deus é o chefe sempre presente. O homem mais perfeito de seu tempo, o primeiro chefe, não conhece por si mesmo todos os membros; mas no instante em que para a finalidade de Deus se torna necessário esse conhecimento, ele os encontra certamente no mundo para agir em direção a essa finalidade.

Esta comunidade não tem absolutamente véus exteriores. Aquele que é escolhido para agir perante Deus é o primeiro, apresenta-se aos outros sem presunção, e é recebido por eles sem inveja.

Se é necessário que verdadeiros membros se unam, eles se encontram e se reconhecem sem dúvida alguma. Não pode existir nenhum disfarce, e nenhum gérmen de hipocrisia ou dissimulação sobre os traços característicos desta comunidade, porque são fora do comum. São arrancadas a máscara e a ilusão, e tudo aparece em sua verdadeira forma.

Nenhum membro pode escolher um outro; o consentimento de todos é requerido. Todos os homens são chamados; os chamados podem ser escolhidos, se eles se tornarem aptos para a entrada.

Cada qual pode procurar a entrada, e todo homem que está no interior pode ensinar ao outro a procurar a entrada. Mas enquanto não se estiver preparado não se alcança o interior.

Homens não preparados ocasionariam desordens na comunidade, e a desordem não é compatível com o interior. Este interior expulsa tudo aquilo que não é homogêneo.

A Prudência do mundo espreita em vão este Santuário interior; em vão a malícia procura penetrar os grandes mistérios que aí estão ocultos; tudo é hieróglifo indecifrável para aquele que não está prepara do; nada pode ver nem ler no interior.

Aquele que já está preparado junta-se à corrente, muitas vezes lá onde menos pensava e a um elo do qual nem supunha a existência.

Procurar alcançar a maturidade deve ser o esforço daquele que ama a sabedoria.

Nesta comunidade santa está o depósito original das ciências mais antigas do gênero humano com os mistérios primordiais de todas as ciências e técnicas conduzindo à maturidade.

Ela é a única e verdadeira comunidade da Luz em possessão da chave de todos os mistérios e conhecendo o íntimo da natureza e da criação. Ela une as suas forças às forças superiores e compõem-se de membros de mais de um mundo. Estes formam uma república que será um dia a mãe regente do universo inteiro.

#Martinismo #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-nuvem-sobre-o-santu%C3%A1rio-carta-2

A jornada espiritual não é confortável

No período em que vivemos nós temos a ideia de que o objetivo da vida é obter o máximo de prazer e de conforto. E nós refletimos esses desejos também quando buscamos uma religião ou práticas espirituais.

Vivemos numa época individualista, materialista e utilitarista. O individualismo se manifesta quando buscamos uma religião cuja meta seja satisfazer apenas a nós mesmos, como indivíduos separados de todo o resto. Perdemos a noção de que fazemos parte de um todo e nossa busca não é mais tentar reconectar-se com as outras pessoas, com o divino ou com a natureza. Nós apenas identificamos que “eu” estou com um problema e “eu” preciso arrumar um jeito de resolver isso. Como se minha perda de conexão com Deus, com o mundo ao meu redor e com as outras pessoas não tivesse nenhuma relação com isso.

Quando percebemos que a realidade é muito maior do que a nossa pequena existência, a morte já não parece assim tão assustadora. Não parece tão terrível o pensamento de desaparecer, porque o mundo não gira ao meu redor. Se eu morrer, não estarei sozinho, porque muitos seres já morreram antes e muitos seres ficarão. Eles, de certa forma, são uma extensão de mim mesmo, porque eu não sou totalmente separado de todo o resto como acho que sou.

O materialismo se manifesta quando buscamos somente gratificação material numa prática espiritual. Atualmente é comum achar que somente a realidade que eu experimento com meus cinco sentidos tem existência, e que a mente é somente uma projeção do cérebro, como se fôssemos máquinas. Então, se tudo que existe é meu corpo físico e minhas emoções, a religião se torna apenas um veículo para aumentar o êxtase que sinto com meu corpo físico (prazer dos sentidos) e com minha mente (prazer emocional).

Com isso, a meta da jornada espiritual do materialista acaba se reduzindo a busca de prazeres. Você vai à igreja para sentir uma sensação de paz mental ou realiza uma meditação para sentir aquele êxtase obtido com os estados alterados de consciência. Se a religião servisse só para isso não seria muito diferente de usar drogas.

Por fim, o utilitarismo se manifesta quando optamos por realizar certa prática espiritual apenas na medida em que ela me é útil. “Para que serve isso?” você se pergunta. E somente passa a realizar as práticas que são convenientes para você. A espiritualidade já não é boa por si mesma, ela precisa “servir” para alguma coisa e esse objetivo precisa ser necessariamente material ou emocional, para satisfazer a máquina que é o ser humano.

Muita gente diz que o objetivo de ter uma religião é alcançar coisas como paz mental, alegria, ter disciplina ou simplesmente sentir-se bem. Mas se fosse assim, ela poderia ser substituída por qualquer outra coisa, como uma visita ao psicólogo, uma agenda, um sorvete ou sair com os amigos.

É verdade que você pode obter essas coisas ao longo de sua jornada espiritual, mas sugiro que as pense mais como subprodutos de sua prática e não como a meta em si. O foco principal de uma religião é o espírito, o transcendente.

Mas o que isso quer dizer? No mundo em que vivemos já não há espaço para o espírito, porque ele parece meio antiquado e não parece ter uma utilidade imediata como um lápis ou uma panela. Então, que tal deixá-lo de lado? Que tal reduzir a nossa vida somente ao essencial e abandonar tudo o que é supérfluo para a obtenção dos meus prazeres?

Muitos de nós sentem uma sensação de tédio ou vazio. Nossa vida está aparentemente completa. Nós estudamos, ou trabalhamos, temos amigos, pequenos lazeres. Mas a vida é apenas isso? Parece que falta alguma coisa. Parece que, em algum momento da sua vida, você deixou para trás algo absolutamente importante, ou nunca foi atrás disso de fato.

As religiões lidam com a porção espiritual de nossa existência. Não é algo que possa ser substituído por filosofia, que se ocupa da razão, ou por psicologia, que se ocupa da mente e emoções. No máximo, essas e outras áreas podem complementar as religiões, mas nunca substituí-las.

No budismo não se fala tanto em Deus ou em alma, mas a iluminação é tida como um “apagar”. Precisamos nos desapegar da nossa noção de “identidade” e nos desapegar de nossos desejos incessantes por prazeres do corpo e da mente. Algumas pessoas que praticam meditação o fazem porque buscam os prazeres que ela proporciona, mas a meta é deixar de lado até esse tipo de prazer. O budismo não existe para obter “paz mental” ou “conforto”. O primeiro passo é obter desenvolvimento moral (produzir bom karma e deixar de produzir mau karma). O passo seguinte é deixar de lado até o bom karma (não se identificar mais com as ações do corpo e da mente).

Mas isso é doloroso. Quando abandonamos até mesmo os prazeres obtidos na meditação, ficamos sem nada. E esse é exatamente o momento de travarmos nossa guerra contra Mara, que procura nos tentar novamente com as ilusões do mundo.

Jornadas similares são trilhadas em outras religiões. No cristianismo, muita gente passa a frequentar a igreja porque quer se sentir bem. No momento da missa, sentem um grande êxtase e passam a realizar práticas como orações porque gostam da sensação de conforto e segurança.

Ou seja, encaram a religião como se tivesse uma utilidade e essa utilidade fosse somente material: sinto boas sensações no corpo inteiro quando me ajoelho, e também sinto paz e felicidade. Sendo assim, a prática não é espiritual, mas uma busca de um êxtase dos sentidos, como relata São João da Cruz, que pode ser substituída por um banho de espuma ou uma massagem.

Acaba-se por acreditar em Deus porque se busca a salvação individual. Eis o individualismo: quero crer em Deus para salvar a mim mesmo e não porque busco reconectar-me com o divino para descobrir que meu pequeno eu não está sozinho no universo. E eu não devo buscar isso porque a solidão que sinto é insuportável, mas porque tenho uma busca pela verdade.

Claro que não é errado começar buscando uma religião tendo desejos como esses. No entanto, com o tempo, é desejável ocorrer algum amadurecimento espiritual para notarmos as coisas que realmente importam em nossa jornada.

Hoje em dia, as meditações budistas realizadas nos templos viraram sinônimo de um momento confortável de relaxamento para aliviar o estresse e a ansiedade. Da mesma forma, frequenta-se uma igreja não para adorar a Deus porque essa adoração é excelente, mas para que o padre me diga palavras de conforto e eu me sinta bem. Essa mudança de paradigma ficou muito clara com as mudanças ocorridas após o Concílio Vaticano II na década de 60. Antes nas missas o padre ficava de costas e a meta central não era deixar os frequentadores da missa satisfeitos, mas honrar a Deus e não resolver meus problemas psicológicos. Agora, o padre se volta para a frente, como se a utilidade da missa fosse mostrar que nós somos os protagonistas e não Deus.

O cristianismo de hoje é praticado de uma forma que C.S. Lewis chama de “cristianismo água com açúcar”: muitos acreditam em Deus, mas não no diabo. Mal se fala no diabo hoje em dia. As pessoas preferem o Deus mais reconfortante do Novo Testamento e criticam o Deus do Velho Testamento, porque não se sentem confortáveis com seus discursos e ações.

Com isso, estamos usando a religião para atender as nossas necessidades individuais: vou escolher somente os dogmas que me parecem bonitos, especialmente os mais confortáveis e fáceis, que confirmem minhas visões de mundo.

Então a religião não passa mais a ter um estudo e prática dedicado para que se tente compreender os dogmas mais difíceis. É muito mais fácil criticar as religiões e dizer que elas são antiquadas, preconceituosas e erradas do que admitir que talvez nós possamos estar errados.

Recentemente terminei de ler um livro sobre anjos do grande teólogo Peter Kreeft. E uma das perguntas contidas no livro reflete exatamente o mal de nosso tempo:

“De acordo com a angeologia, anjos supostamente formam uma hierarquia. Por quê? Isso não é apenas uma projeção das políticas monárquicas medievais?”

Kreeft inicia sua resposta com os seguintes dizeres:

“A noção alternativa de que anjos são iguais poderia também muito bem ser uma projeção das nossas políticas igualitárias modernas”

O que isso significa? Que preferimos achar que os pensamentos medievais são atrasados ou incorretos do que admitir que talvez nós estejamos cometendo o erro de interpretar uma religião antiga com os preconceitos existentes na nossa própria época.

Hoje o cristão não deseja entender o que é Deus. Deseja inventar em sua cabeça o Deus que é conveniente para ele.

Kreeft observa no mesmo livro que Rabbi Abraham Hescel objetou seriamente a noção de um Deus reconfortante. Hescel disse:

“Deus não é um tio. Deus não é bonzinho. Deus é um terremoto”

O termo “temor a Deus” é muito mal compreendido hoje e geralmente interpretado como respeito. Porém, a interpretação ideal do termo “awe” seria: “um sentimento de respeito reverente, misturado com medo ou espanto”.

Quando meditamos, nós sentimos medo. Até mesmo medo da morte. Quando nos entregamos a práticas místicas do cristianismo, também sentimos medo diante de Deus. E esse medo é essencial para a jornada, que São João da Cruz chama de “a noite escura da alma”.

É claro que queremos uma meditação confortável. É evidente que preferimos um Deus e um anjo que somente massageiam nosso ser. Mas não é assim que iremos avançar na jornada.

Para avançar, precisamos dos obstáculos e desafios. É necessário o mal, o diabo, a dor, o sofrimento. É preciso cair. É imprescindível sentir temor a Deus ou verdadeiro temor diante dos estados alterados de consciência, pois somente assim gera-se a concentração de acesso para ir adiante nos jhanas.

Tire os demônios do cristianismo, tire as práticas ascéticas e desconfortáveis das religiões indianas e você matará essas religiões.

Tente assistir a um filme em que todos os personagens são felizes e em que não há situações difíceis. Experimente jogar um jogo muito fácil e logo enjoará. Tente viver uma religião cor-de-rosa, na qual existem apenas inocentes querubins (e não anjos magníficos e assustadores, que também podem cair como nós) e meditações com chás e bolos. Talvez essa religião te satisfaça por um tempo. Você apenas cortou os galhos da árvore e não atingiu suas raízes. Siga uma religião que apenas te deixe confortável na maior parte do tempo, e, no momento que chegar a dor e a morte não terá maturidade para lidar com elas.

A jornada espiritual não é confortável. Mas ela também não é terrível. Na Idade Média se falava em excesso sobre o demônio, o que também pode ser um exagero. Mas atualmente não se fala nem em Deuses e nem em demônios, mas apenas no ser humano, como se não houvesse o espírito e o transcendente, e a religião fosse meramente uma metáfora para desenvolver a moralidade.

O primeiro passo para equilibrarmos nossa busca espiritual é ler seriamente e praticar seriamente. Não ler e praticar apenas o que nos agrada, mas ousar dar um passo adiante para sair da zona de conforto e aceitar que não sabemos de tudo. Ainda há muito a aprender.

E uma mensagem para os praticantes da Magia do Caos: investigue, experimente, ouse. Além de pragmática e divertida, a sua prática poderá se tornar repleta de espíritos, Deuses e desafios. Afinal, caoísmo não é fazer qualquer coisa, mas montar um laboratório de experimentos e permitir-se o aprendizado tanto da matéria quanto do espírito em sua jornada.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-jornada-espiritual-n%C3%A3o-%C3%A9-confort%C3%A1vel