Mapa Astral de Fernando Pessoa

Mapa
(13/06)
O Mapa de Fernando Pessoa não poderia ser diferente: Sol, Vênus, Netuno e Plutão em gêmeos, o signo da comunicação, na casa 8 (casa que lida com magia); Lua em leão, próxima do Meio do Céu; Saturno e Caput Draconis em Leão-Câncer ; Mercúrio em câncer e um pouco de ocultismo (ascendente e Júpiter em escorpião-sagitário, na casa 1 – Rei de Bastões na casa do Autoconhecimento).

Começando pelo básico: Sol em Gêmeos na casa 8, Lua em Leão (em conjunção ao MC), Ascendente em Escorpião, Caput Draconis em Leão-Câncer (Cavaleiro de Bastões). Os dois Planetas mais fortes do Mapa são Plutão em Gêmeos (“Se você for capaz de expressar esta influência coletiva de forma pessoal, terá grande interesse em compreender a natureza da mente e a maneira como as pessoas se comunicam”) e Saturno em Leão-Câncer (a energia do Buscador espiritual, ligada com a responsabilidade de saturno), ambos com 7 Aspectações cada.

Temos, então, uma pessoa com facilidade para comunicação, que domina o uso das palavras e alguém voltado para a busca espiritual de maneira bem séria e dedicada. Sua Verdadeira Vontade estava relacionada com as palavras, em expressar idéias, em se colocar na visão do outro. Tudo isso imerso em uma procura espiritual e profundo conhecimento de como estes mecanismos se manifestam.

Mercúrio em câncer auxilia na imaginação (a mistura do pensamento racional lado-a-lado com a imaginação emotiva canceriana), Marte e Urano em Libra trazem a energia de se colocar no lugar do outro (Marte aborda aspectos de luta/gasto de energia enquanto Urano engloba uma consciência do coletivo – estaria relacionado diretamente com suas dezenas de heterônimos?).

Ter Saturno (Planeta que representa a responsabilidade) reforçando o Caput Draconis nas energias de Buscador Espiritual é um bom indicador que ele desceu ao Planeta para auxiliar as Ordens Iniciáticas que esteve ligado. Engraçado que ele devia ter bastante noção disto, pois fez mais de 1000 mapas Astrais para amigos e conhecidos durante a vida. Para os leigos, ignorantes e céticos, capaz deles o colocarem junto com os “charlatões do amor”, mas para quem conhece a vertente ocultista dele, é muito provável que tenha auxiliado estas pessoas a buscar a Verdadeira Vontade delas, de maneira análoga a que eu faço aqui no Blog com o projeto de Hospitalaria/Mapas. Imagina uma interpretação do seu mapa feita pelo Fernando Pessoa??

#Astrologia #Biografias

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Autopsicografia

Como eu havia dito anteriormente, o papa Marcos I, que também foi considerado um poeta, começou a compilar a lista de bispos e mártires que se ajustassem aos interesses da Igreja Roma. Ele permaneceu no cargo apenas nove meses até seu falecimento (é o que chamamos de “papa de transição”), sendo substituído pelo 35º papa, Júlio I.
Júlio I, assim como os primeiros “papas” oficializados por Constantino, era um tremendo fingidor. Finge que comemora o nascimento de Jesus no dia 25 de Dezembro apenas para agradar às massas, pois a festa do Solis Invictus já era comemorada há pelo menos 500 anos nesta data (mas, através da “fé” acaba convencendo tão completamente as pessoas que até os dias de hoje tem gente acreditando mesmo que Jesus nasceu neste dia). Ele provavelmente gostou da idéia, pois é em seu comando que o primeiro calendário com as festas católicas começa a ser elaborado (e adivinhem se cada data “coincidentemente” não chega a cair exatamente sobre as festas pagãs?).
O próximo papa chama-se Libério. Depois de fingir que fazia parte de uma seita ariana durante alguns anos (Arianismo é considerado mais uma heresia, pode adicionar na nossa lista), Libério retorna a Roma e vira a casaca, passando a perseguí-los. Neste meio tempo, instauram um antipapa chamado Félix II (um antipapa é como um vilão dos quadrinhos… é alguém que também se intitula papa ao mesmo tempo que o outro cardeal e surge uma cisma. O vencedor da disputa acaba virando o papa e o perdedor conhece a dor dos hereges e excomungados).
São Damaso I assume o cargo em 366 DC. Neste ponto, Constantino estava no auge de seu poder, coordenando a “Reestruturação do cristianismo segundo as doutrinas de Roma” (leia-se causar muita dor em qualquer seguidor de Yeshua que não concorde em seguir o Jesus-Apolo de Constantino). Damaso é conhecido por coordenar a “tradução” da bíblia e compilação dos capítulos e trechos que interessavam deveras ao Pontifex Maximus (líder da religião pagã em Roma). Em 376, o Imperador Graziano recusa este título, entregando-o para o papa, que sente o acumular do poder sobre os cristãos e sobre os pagões ao mesmo tempo!!!
Em 384 entra São Sirício, que instituiu o celibato para padres, bispos e para os cardeais. A razão para isto é que quando um padre falecia, a Igreja precisava tomar conta de sua esposa e filhos e o papado não desejava abrir os cofres sagrados pagando pensões a viúvas e filhos. É importante lembrar que naquele período não existia “salário” para padres e pastores; todas as suas contas eram pagas pela igreja (mais ou menos como os pastores evangélicos fazem hoje em dia). Também foi responsável pela equipe de tradução que lêem e traduzem para o clero os textos que chegam das seitas devastadas.
Anastásio I ficou no poder de 399 DC a 401 DC e escreve uma bula exigindo que os sacerdotes ficassem de pé na missa durante a leitura dos evangelhos (exceto se isto lhes causasse dor ou desconforto durante a lida); Inocêncio I assume o papado em 401 DC para logo em seguida Roma ser saqueada pelos Visigodos. Zózimo I assume o papado após sua morte, em 417, continuando a guerra contra a heresia do Pelagianismo (o Pelagianismo é a doutrina que diz que as pessoas vão para o céu se forem boas pessoas, independentes de “aceitarem Jesus” ou não). Esta briga entre os que pregavam a “salvação pelos atos” versus os que pregavam a “salvação apenas através da Igreja católica” ainda duraria muitos e muitos anos. Bonifácio I, Celestino I e Sisto III sentem bem as discussões com os antipapas e com outros heréticos.
Leão I, o 45º papa, conhecido como “Magno”, não teve um papado fácil. Assumiu o trono entre 440 e 461 e neste período, Roma foi saqueada pelos hunos e pelos vândalos. Mas este foi um papa macho, mesmo com as duasinvasões que ele teve de passar. Há relatos que, quando Átila o huno estava causando no ocidente, o papa montou um exército e foi até Mântua para negociar um acordo de paz com o velho Átila… todos achavam que o papa seria trucidado, mas ele conseguiu!
Em 461 assume o papa Hilário I. Ele só estabeleceu que para ser sacerdote era necessário possuir uma profunda cultura e que pontífices e bispos não podiam designar seus sucessores. Hilarus era o deus pagão da alegria. Achei curioso o papa adotar um nome pagão, se todos os pagões são satanistas pelos próprios critérios da Igreja… o que nos demonstra que até aquele momento há uma tolerância em relação aos deuses romanos, que como veremos daqui a pouco, ficará cada vez menor.
Durante seu pontifado ocorre a Queda do Império Romano. Definitivamente a Igreja de Roma não achou isso muito hilariante. Em 483 assume Félix III (ou Félix II, dependendo se você vai contar o anti-papa Félix II ou não). Para quem ficou curioso, ao todo existiram 39 anti-papas reconhecidos.
Além de Felix II, aparecem outros cardeais desafiando o papado. Felix alega que eles não têm direito sobre a cadeira de Pedro. E assim, excomunhões de ambos os lados e muitos envenenamentos depois, Gelásio I assume a cadeira de Roma. No meio de anti-papas e hereges (em seu papado enfrentou o Maniqueísmo, Arianismo e pelagianismo), como primeiro ato, declara que a figura do papa não poderia mais ser julgada por ninguém. Isto estabelece as bases da famigerada “Infabilidade papal” ou em outras palavras: “eu estou certo e vocês vão parar nas calhas de roda” (o costume da fogueira ainda estava sendo absorvido dos celtas, que queimavam seus inimigos em grandes bonecos de palha chamados Wicker Man). Gelásio também absorveu a “Gira (festa) de São Valentin”, transformando os bacanais pagãos em algo mais palatável à moral e aos bons costumes, que chamamos hoje de “dia dos namorados” (comemorado dia 14 de fevereiro).
Anastácio I tentou converter os francos e aquele povo pacífico que morava no sul da França e cultuava a Madonna Negra. Foi o primeiro a considerar a imagem blasfema. Dante Aliguieri (um iniciado) o coloca no Inferno em seu poema “Divina Comédia” por isso.
Em 498, com o falecimento de Anastácio, dois papas começam a disputar o papado. Símaco e Lourenço possuíam igual poder político e as guerras escalaram para um estado tal de violência que decidiram chamar o rei Teodorico (que era pagão) para decidir quem deveria ser o papa. Isso é tão absurdo quanto hoje em dia chamar o Richard Dawkins para decidir quem deveria ser o papa em caso de empate.
Os dois papas foram chamados a entreter o rei com promessas e, no final do concílio, Teodorico decide que quem tinha o maior número de votos deveria ser o papa (ah… a razão!).
Nos anos seguintes, esse comboio de papas formados por Símaco (498-514), Hormisdas (514-523) e João I (523-526) enfrentou todo tipo de problemas com hereges, antipapas e cismas, especialmente a de Acácio, Patriarca de Constantinopla, que estava causando com a corda toda no Oriente.
A decisão mais importante que tiveram foi a de proibir a compra do cargo de bispo com donativos e favores, pelo fim da simonia e para tentar colocar um pouco de ordem na bagunça política do Vaticano.
Felix IV (ou III, dependendo da lista) durou pouco no papado. O 54º papa tinha uma vida mais promíscua que o Clube 54 e o rei Ostrogodo o manteve completamente isolado politicamente. Quando ele morreu, Bonifácio II (que “coincidentemente” foi o primeiro papa de origem Germânica) assumiu, sob as bênçãos do rei germânico. É o que se chama “papa do coração”! Por alguma estranha razão, o novo papa estava totalmente alinhado com os gostos do Imperador e, talvez por esta estranha coincidência, tenha durado bastante no trono.

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AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

#Poemas

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A ponte em reforma

» Parte final da série “Para ser um médium” ver a introdução | ver parte 1 | ver parte 2 | ver parte 3 | ver parte 4

Segundo a falsa ideia de que não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa-vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados. É assim, por exemplo, que o indivíduo, propenso a raiva, quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez de se confessar culpado, culpa seu organismo, acusando a Deus por suas próprias faltas. (Hahnemann em O evangelho segundo o espiritismo) [1]

Para ser um médium é preciso abandonar o que fomos, e nos preparar, sem medos ou falsas expectativas, para o que viremos a ser – novos homens e mulheres forjados no único fogo que queima sem se ver, e arde pela eternidade.

Para ser um médium é preciso reconhecer nossa própria alma, tomar posse, mergulhar profundo dentro de nós mesmos, pois que só assim nos conheceremos em verdade. Manuais de natação e mergulho podem ser importantes, mas há algo que são incapazes de nos ensinar – somente mergulhando, sem medos ou dúvidas improdutivas, é que saberemos. O grande poeta português já nos alertou:

Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. [2]

E, se a alma não for pequena, se o amor não for brisa passageira, se a vontade não for chama inconstante que se apaga com os ventos contrários, valerá a pena… Em nosso inconsciente profundo encontraremos, decerto, muitos monstros e demônios, mas caberá a nós, somente a nós, educá-los, persuadi-los, mostrar que só existe um caminho para uma vida plena de liberdade e sentido, e que todos os outros são apenas falsos atalhos e estradas sem saída, que nos fazem girar em torno de nosso próprio ego, sem realmente sairmos do lugar.

Os maiores perigos no início do caminho espiritual são as idealizações, as ilusões encantadas. Já falamos do “complexo de santidade” anteriormente, mas uma outra ilusão tão ou mais comum é a ilusão do céu de ócio eterno, alcançado mediante barganhas com alguma espécie de deus estranho… O que Deus precisa de nós? Apenas que aprendamos a posicionar nossa alma tal qual espelho a refletir a luz solar. Apenas que consideremos que todo pequeno ser, e todo grande ser, são como crianças a tatear um berçário cósmico, descobrindo aos poucos o que significa, afinal, amor infinito.

Um dos espíritos que respondeu a Kardec no Livro dos Espíritos talvez tenha vislumbrado tal amor de forma um pouco mais abrangente do que temos conseguido: “O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica… Não esqueçam que um espírito, qualquer que seja seu grau de adiantamento no plano cósmico, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para o qual é pedido que cumpra esses mesmos deveres, em troca” [3]. Portanto, se não nos perguntamos por que a gravidade nunca deixa de atuar, constante e harmoniosa, por incontáveis eras, da mesma forma não devemos nos perguntar se Deus precisa de alguma coisa de nós – não é Deus quem precisa, são nossos irmãos. Devemos tão somente aumentar o centro de massa de nosso próprio amor, para que cada vez mais seres gravitem em torno dele.

Para ser um médium é preciso reconhecer todas as nuances do amor, é preciso ter um plano para conquistá-lo e estudá-lo, refleti-lo e irradia-lo, conforme tem sido feito pelos seres de cima, em nosso benefício, há tantas eras.

Mas para amar o próximo é preciso antes ter amor dentro de si, e para si. É preciso investigar o sótão da alma e reconhecer que lá há sujeira, e eventualmente arregaçar as mangas e fazer uma pequena faxina, e depois uma grande faxina, até que todos os monstros e demônios não tenham mais onde se ocultar… Será preciso encará-los frente a frente, e aceitá-los como são: apenas partes de nossa animalidade, fruto de nossa longa teia de vidas e espécies vividas. Não será o caso de decapitar tais monstros com uma espada reluzente e afiada… Guarde a espada. Os monstros passarão a ser seus amigos, lembranças de tempos em que você era ignorante do amor, e que agora não têm mais necessidade de serem antagonistas de sua saga. E, se não há exatamente um final feliz neste grandioso conto de fadas, há ao menos uma imensa ilusão em desencanto. Não há guerra: há apenas a ignorância a se desvanecer como a neblina da manhã ante os primeiros raios de sol…

Para ser um médium é preciso compreender que existe, afinal, uma terra de vida e uma terra de morte. E se entre tais territórios há hoje apenas uma tênue ponte de madeira quebradiça e cordas prestes a arrebentar, façamos a reforma!

Pois é esta ponte, somente ela, o que separa nossa alma da vida eterna. E é somente amando que conseguiremos progredir em sua reforma… Um remendo de corda, uma nova placa de madeira de lei, um pequeno gesto de amor, dia após dia. Passos na travessia, passos cuidadosos, rumo ao outro lado, onde há música…

Há esta ponte entre nós e o Absoluto: atravessá-la, através do amor, é o único sentido, o único significado, a única razão para ser, afinal, um médium.

Todos pensam em mudar o mundo. Quão poucos pensam em mudar a si mesmos. (Tolstói)

para Maria Luiza.

» Esta série termina aqui, mas você ainda pode ler o Epílogo que escrevi para ela em meu blog.

***

[1] Cap. IX, item 10. Com ligeiras adaptações.

[2] Trecho final do poema Mar português, de Fernando Pessoa.

[3] São Vicente de Paulo, 888a. Com ligeiras adaptações.

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Crédito das imagens: [topo] moodboard/Corbis; [ao longo] Martin Puddy/Corbis (ponte em Angkor Wat, Cambodja)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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***

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#Espiritualidade #Mediunidade #FernandoPessoa #amor #Espiritismo

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A melhor maneira de viajar é sentir

Poemas de Álvaro de Campos

Retirado de Poemas de Álvaro de Campos (*)

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.

Sentir tudo ele todas as maneiras.

Sentir tudo excessivamente

Porque todas as coisas são, em verdade excessivas

E toda a realidade é um excesso, uma violência,

Uma alucinação extraordinariamente nítida

Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,

O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas

Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,

Quanto mais personalidades eu tiver,

Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,

Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,

Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,

Estiver, sentir, viver, for,

Mais possuirei a existência total do universo,

Mais completo serei pelo espaço inteiro fora,

Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,

Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,

E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,

Cada alma é um corredor-Universo para Deus,

Cada alma é um rio correndo por margens de Externo

Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

Sursum corda [erguei os corações]! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito,

Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos

Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho

E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo!

Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande.

As coisas, ele braços cruzados sobre o peito, reparam

Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos

Que as vê como vagos vultos noturnos na noite negra.

Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso.

Todo o Mundo com a sua forma visível do costume,

Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso.

Escuto-o. e no meu coração um grande pasmo soluça.

Sursum corda! Ó Terra, jardim suspenso, berço

Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva!

Mãe verde e florida todos os anos recente,

Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal

Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adônis

Num rito anterior a todas as significações,

Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales!

Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões,

Grande voz acordando em cataratas e mares,

Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança,

Em cio de vegetação e florescência rompendo

Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso

À tua própria vontade transtornadora e eterna!

Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados,

Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones,

Mãe caprichosa que faz vegetar e secar.

Que perturba as próprias estações e confunde

Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos!

Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino!

Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica íntima

Volteia serpenteando ficando como um anel

Nevoento, de sensações reminiscidas e vagas,

Em torno ao teu vulto interno túrgido e fervoroso.

Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente

Meu coração a ti aberto!

Como uma espada trespassando meu ser erguido e extático,

Intersecciona com o meu sangue, com a minha pele e os meus nervos,

Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre.

Sou um monte confuso de forças cheias de infinito

Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,

A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une

E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim

Não passem de mim, não quebrem meu ser, não partam meu corpo,

Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoura

Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,

Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.

Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo.

Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão,

No vasto chão supremo que não está em cima nem em baixo

Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos

Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.

Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima,

Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo

De chamas explosivas buscando Deus e queimando

A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica,

A minha inteligência limitadora e gelada.

Sou uma grande máquina movida por grandes correias

De que só vejo a parte que pega nos meus tambores,

O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis,

E nunca parece chegar ao tambor donde parte…

Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito

Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si,

Cruzando-se em todas as direções com outros volantes,

Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço

Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus.

Dentro de mim estão presos e atados ao chão

Todos os movimentos que compõem o universo,

A fúria minuciosa e (…) dos átomos

A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,

A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,

E a chuva como pedras atiradas de catapultas

De enormes exércitos de anões escondidos no céu.

Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio

De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh’alma.

Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia. sacode,

Freme, treme, espuma, venta, viola, explode.

Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,

Se com todo o meu corpo todo o universo e a vida,

Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes ,

Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos

Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!

1914~1922

(*) Álvaro de Campos foi o heterônimo mais produtivo da obra conhecida de Fernando Pessoa. Ao que parece, o poeta muitas vezes o utilizou como um alter ego, além de mero heterônimo. Disto resultou uma obra muito extensa em que se entrecruzam temas e estilos de escrita por vezes dissonantes entre si, próprios da mente de um poeta que se dividiu em muitas personalidades distintas.

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Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-melhor-maneira-de-viajar-%C3%A9-sentir

Eros e Psique

Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,

Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado,

Ele dela é ignorado,

Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa

#Poemas

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/eros-e-psique

Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética

A filosofia hermética assume-se como uma das facetas mais importantes do pensamento de Fernando Pessoa. Se é verdade que é na obra poética que se dá a grande realização de Fernando Pessoa, não é menos verdade que a contínua reflexão filosófica e religiosa, é uma faceta igualmente importante que convém revelar.

Em certos poemas de Alexander Search, o heterónimo juvenil, revela-se já o interesse pelo ocultismo.

O ocultismo é precisamente uma das chaves da pluralidade de que ele se reclama.

“Todos os que pensam ocultistamente criam em absoluto todo um sistema do Universo, que fica sendo real. Ainda que se contradigam: há vários sistemas do universo, todos eles reais”. (Textos Filosóficos I).

Um dos seus projectos de conto, arquivado no espólio, tem precisamente por título O Filósofo Hermético. Aqui define o oculto “como o interno, a outra face das coisas”, e diz ainda que o oculto “significa o que não é presente, o que não é actual… o que já passou, o que virá a ser e também o que é, mas nós não o conhecemos”.

A criação literária é para Fernando Pessoa, uma das faces do mistério iniciático. Mistério que se encontra subjacente na Mensagem, na heteronímia, no diálogo entre os vários poetas.

A iniciação única e sempre a mesma, que se encontra no pensamento filosófico, como na actividade literária é a do desdobramento que na criação se verifica desde o primeiro ser. Desdobramento, multiplicação, que depois de assumidos e esgotados permitem a unidade pela transcendência.

Em Essay of Initiation ele identifica transcendência com a fusão de toda a poesia lírica, épica e dramática: “O meu destino pertence a outra lei…”, escreve numa carta a Ofélia.

A perfeição, para os gnósticos supõe a androginia, o regresso ao estado de pureza original do Eden.

A energia sexual deve ser canalizada para outros tipos de actividades. No poema Eros e Psique (1934) apontará uma via e uma revelação (com uma epígrafe tirada do Ritual do Grande Mestre do Átrio da Ordem Templária de Portugal).

Este gnosticismo, explica talvez parte da dificilmente explicável filosofia de Pessoa, que é hermética, mas numa multiplicidade de sentidos, apenas comparáveis aos múltiplos da heteronímia.

Explica também a recusa do casamento e a ausência da mulher na sua obra. “Sentir tudo de todas as maneiras” é um elo bem explícito, entre a filosofia hermética e a prática dos heterónimos, a maneira que tem de se entregar à multiplicidade até chegar à unidade, ao não-diferenciado.

A visão do mundo do poeta é altamente sincrética. A busca, como a iniciação, diz respeito a três ordens de coisas – 1- A verdadeira natureza da alma humana, da vida e da morte; 2- A verdadeira maneira de entrar em contacto com as forças secretas da natureza e manipulá-las; 3- A verdadeira natureza de Deus ou dos Deuses e da criação do mundo (Esp. 54-97).

Fernando Pessoa revela-se venerador de um Deus-Mundo, de um Deus-Homem e um Deus-Deus-Reflexo do Espírito Santo, do Filho e de Si Mesmo “manifestação de si mesmo a si mesmo, hermafrodita espírito-matéria”, segundo diz num apontamento sobre a Kabala (Esp. 54 A-20).

Assim, o simultaneismo da heteronimia é, um verdadeiro exercício espiritual não confessado: “Organiza a tua vida como uma obra literária, pondo nela toda a unidade que fôr possível” (Esp. 28-43).

A Ordem do Subsolo organiza-se à volta de um projecto, a criação de uma ordem interior “Ordem da Emoção”, com os seus graus próprios. Os textos apresentados não passam de fragmentos ou projectos semi-alinhavados de ensaios que o poeta não chegou a acabar.

Faz a distinção entre “Ordem Interna” e “Ordem Externa”, estabelecendo esquemas e correspondências entre duas ordens.

Faz também alusão a uma ordem de ciência ou de sabedoria que é a da emoção: “Há três ordens de scª: a da vontade, a da inteligência, a da emoção. A intuição é a inteligência da emoção. Mas a emoção pura – eis a ciência”.

Mais adiante escreve: “O mistério (que é tudo) não é comprehensível se não há emoção. A inteligência não pode compreender o mistério”.

O Subsolo parece ser o esboço de uma estrutura simbólica servindo de suporte às ordens iniciáticas conhecidas, uma espécie de “assinatura”, de “fundamento” de todas as que o poeta procurasse organizar. Ordem simbólica, para o seu entendimento contribui o texto em que se indica a gradação dos vários sentidos dos símbolo, literal, alegórico, moral, espiritual e divino. Para concluir que “numa cadeia racional, tudo é um” (Esp. 54-91).

Encontramo-nos em plena filosofia hermética .

São vários os documentos em que Fernando Pessoa se ocupa da Ordem do Templo, de que se disse filiado, afirmando que ela se encontra em “dormência” desde 1888 (data do seu nascimento). Herdeira da Ordem do Templo, surge em Portugal a Ordem de Cristo, cujo ideário é o mesmo.

No “documento 54 A-29 do Espólio, Fernando Pessoa refere-se ao celebrado Pymandro de Hermes: O que está em baixo é como o que está em cima. Por esta citação se estabelece o elo (que ele deseja ser relacional, mas que não precisa de o ser, quando se trata do oculto) do Subsolo ao Átrio.

Pessoa diz que a organização das chamadas Baixas Ordens copia “guardadas as diferenças obrigatórias” a organização das Altas Ordens.

As Ordens do Átrio iniciam por meio de símbolos as Ordens do Claustro, superiores às primeiras, por meio de chaves herméticas, e as Ordens do Templo “iniciam plenariamente – isto é, dizendo e explicando os mystérios” (Esp. 54 A-95).

Ao adepto são pedidas várias vitórias: a vitória sobre o Mundo, a vitória sobre a Carne, a vitória sobre o Diabo (Esp. 53-59/60). Mas no fim do caminho, descobre que “terá o que sempre teve”, isto é, que nada lhe é dado exteriormente que ele já não possua primeiro interiormente.

Este é o sentido místico de toda a iniciação. Dá-se “no Ego Íntimo” (Esp. 53-78), em quem morrer o mundo, a carne, o diabo (a tentação de ambos) e que ressurge para uma vida nova, esclarecida, iluminada.

Para Pessoa “a vida é uma symbolologia confusa” (Esp. 53 B-79) e nada deve ser tomado como definitivamente conhecido. Existe sempre o perigo do erro e da ilusão.

Desenvolve ainda a ideia de que a iniciação tem a ver com alma, sendo “uma espécie de nova região por onde a alma se transforma” (Esp. 53 B-83).

Os graus de inciação representam estados de conhecimento que são simultaneamente estados de vida. Quando se consegue esta união de verdade, o inferior liga-se ao superior, ou seja, o inferior revela-se o superior, pois tudo é um.

A maçonaria é para Fernando Pessoa, “uma vida”, mais do que uma sociedade ou uma Ordem. O objectivo final que se pretende atingir é, na sua opinião, a sabedoria e não um Grau. Entendido pela intuição (que é a inteligência da emoção, como ele diz), o significado dos símbolos ritualmente recebidos, o adepto transforma-se em filósofo.

Ao filósofo ele aconselha como regra o silêncio, o estudo e o trabalho. E que organize a sua vida “como uma obra literária pondo nela a maior unidade possível” (Esp. 28-43).

Diz contudo que “o significado real da iniciação é, para este mundo em que vivemos um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos pelos sentido é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão” (Esp. 54 A-55). A iniciação é o dispersar desa ilusão.

Confia-se sobretudo no estudo e na intuição. A intuição é reveladora de conteúdos profundos e espirituais. Permite “a união com deus” de que se fala (Esp. 54 A-63).

Aquele que procura iniciar-se torna-se adepto da Ordem Interior, despido de preconceitos dogmáticos. Dos três caminhos à escolha poderá seguir o místico, o mágico e gnóstico (no entanto, a verdadeira iniciação inclui os três).

Os graus também são três: Neófito, Adepto, Mestre, ou melhor, são dez: quatro em Neófito, três em Adepto e três em Mestre. O Neófito é essencialmente um estudioso. No Adepto há o progresso da unificação do conhecimento com a vida. No Mestre há a destruição desta unidade por via de uma unidade mais alta. (Esp. 54 B-17)

Diz ainda Pessoa que escrever poesia é o objectivo da iniciação. O grau de Neófito será a aquisição dos elementos culturais com que o poeta terá de lidar ao escrever poesia; o grau de Adepto será o de escrever simples poesia lírica; o grau e Mestre será o de escrever poesia épica, poesia dramática; e a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática, em algo de superior que as transcenda (Esp. 54 B-18).

Fernando Pessoa encontra na poesia hermética uma via para o instruir sobre a natureza do homem (e da arte, como sua mais elevada dimensão), a natureza do Universo e Deus.

Alcança deste modo uma forma de sabedoria, em que, segundo as palavras do livro do Desassossego, resta a literatura, que é a única verdade, com o pensamento, que é afinal a única maneira de conhecer e sentir, em que a escrita (a sua obra literária) é a grande revelação.

Fonte: http://www.ufp.pt/ – Universidade Fernando Pessoa – Portugal

#Arte

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Hino a Pã

Tradução de Fernando Pessoa

Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!

Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente – do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina!
Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão –
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã.,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

Fernando Pessoa

#Poemas #Thelema

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Devoradores de Maçãs

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Parte final da série “A ciência da inspiração” ver parte 1 | ver parte 2

Metáfora: Figura de linguagem em que há a substituição de um termo ou conceito por outro, criando-se uma dualidade de significado.

Um dos mitos mais conhecidos da humanidade trata de jardim do Éden, onde os primeiros humanos criados por Deus, a sua imagem e semelhança, viviam imortais, ociosos e aparentemente felizes. Isso foi até que eles resolveram comer os frutos (o mito fala em maçãs) da árvore do conhecimento do bem e do mal, da qual Deus havia alertado que eles não deveriam comer, ou conheceriam a morte. E o resto todos já sabem: Deus ficou furioso e os expulsou do Éden apenas com alguns trapos feitos de couro de animais, pois que agora um se envergonhava da nudez do outro. E Adão e Eva povoaram o mundo, muito embora o pecado de Eva tenha nos amaldiçoado por muitos e muito anos, até que Jesus veio pagá-lo para nós.

Joseph Campbell, grande estudioso do assunto, dizia que “o mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre”. Ele provavelmente queria dizer que os mitos tratam de verdades que existem fora do tempo, ou seja, que existem sempre. Todo grande mito da humanidade fundamenta-se em uma ou mais dessas verdades, dessa partícula de essência que emana da eternidade. Foi exatamente por isso que os sábios antigos tiveram o cuidado de popular suas histórias com vários desses mitos. Eles sabiam, certamente, que muitos aldeãos e camponeses ignorantes de sua época iriam interpretar tais histórias ao pé de letra, de forma literal – mas sem dúvida também tinham a esperança de tocar a alma dos outros sábios que viriam a Terra em épocas posteriores.

O mito do Éden é repleto de metáforas. Talvez a mais interessante delas seja exatamente o paradoxo do pecado pelo qual Eva foi condenada. Ora, antes de devorar a maçã, ela era sem dúvida ignorante do conhecimento (seja do bem, seja do mal). Se nunca houvesse comido o fruto proibido, estaria ociosa e imortal, por toda eternidade, em um jardim onde poucas coisas interessantes acontecem – mas seria feliz, acredita-se. Animais ignorantes também são “felizes” vivendo no meio selvagem; Entretanto, as pressões do meio-ambiente nunca os deixaram relaxar: na guerra do sofrimento e da fome, mesmo em meio a sua “felicidade”, presas e predadores lutaram pela sobrevivência por longos e longos anos. Não fosse por essa pressão da natureza, talvez a Terra estivesse até hoje populada por hominídios, ou nem mesmo isso, por roedores e outros pequenos mamíferos…

Pois foi exatamente quando adquiriu à consciência e o conhecimento do bem e do mal que o ser humano se tornou quem é. Por um lado, portanto, a metáfora do fruto proibido é apenas uma história fantasiosa, por outro, é uma explicação surpreendentemente avançada para a época em que foi escrita. Será que os rabinos judeus tinham ideia de que estavam a antecipar um dos grandes mistérios da evolução das espécies? Será que tinham pleno conhecimento daquilo que escreviam talvez guiados pela pura intuição? Acredito que a resposta não esteja nem tanto lá, nem tanto cá. Certamente os sábios antigos tinham noção de que lidavam com assuntos sagrados, e que os estavam passando adiante “cifrados” em metáforas dentro de mitos. Mas da mesma forma eles certamente tinham consciência de que não tinham como saber tudo, e é exatamente por isso que passavam tais símbolos para as gerações futuras – como uma mensagem numa garrafa arremessada no oceano, a espera de alguma praia onde existam seres mais sábios para decifrar seus enigmas.

Nós já ficamos com nós na cabeça ao abordarmos o conceito de programação genética. E, da mesma forma, já consideramos com carinho a possibilidade da mente humana ser o resultado da interseção de módulos mentais (naturalista, técnico e social). Além disso, também falamos sobre como a neurologia compreende a criatividade: o foco mental em novos estímulos e ideias, em fluxo e trocas constantes com as ideias que já dominamos em nossas respectivas artes ou disciplinas… Ora, em posse dessas informações, talvez o processo misterioso dos algoritmos genéticos não seja mais tão insondável.

Vamos falar, por exemplo, de poesia: da mesma forma que gerações de algoritmos se digladiam no meio-ambiente do problema a ser resolvido, todos os estímulos que os poetas enviam para suas mentes – através de seus olhares sempre atentos aos menores detalhes da natureza à volta – nada mais são do que algoritmos em busca da solução de sua próxima poesia. A grande diferença é que, ao contrário dos programadores, os poetas geralmente sequer tem ideia de qual é o problema a ser resolvido – de certa forma, para eles, as soluções chegam junto com os problemas, embora nenhuma solução seja realmente a derradeira, e todos os problemas sejam quase sempre infinitos. Nessa batalha mental travada por estímulos ambíguos e aparentemente sem relação uns com os outros, ninguém sai derrotado, pois o fruto é sempre uma nova legião de metáforas. E estas maçãs são divinas, jamais proibidas… Os poetas são verdadeiros devoradores de maçãs!

Vejamos uma dessas “soluções”, pelo grande poeta místico, Gibran Khalil Gibran:

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue

Neste belo trecho do poema “A floresta”, é impossível chegar a uma compreensão efetiva do que o poeta quis dizer sem usar ao menos parte de nossa emoção e nossa intuição juntamente com nossa razão… Mesmo assim, ficará sempre aquela dúvida se realmente compreendemos todo o bem e todo o mal deste belo fruto da inspiração de Gibran. O lírio é uma taça para o orvalho, e não para o sangue – quantas e quantas interpretações e conceitos contidos em apenas uma frase.

Há ainda outros poetas que conseguem inserir metáforas dentro de metáforas dentro de ainda outras metáforas… Quando Fernando Pessoa diz que “o poeta é um fingidor, finge ser dor a dor que deveras sente”, ele está nos trazendo para uma análise existencial da qual a solução jamais será algo racional, objetivo, tal qual 2+2=4. Nesse sentido, é possível que os algoritmos genéticos sejam extensões de nossa racionalidade, aplicadas a problemas descobertos por nossos cientistas e matemáticos, e que tudo o que fazem é poupar seus cérebros de rodar trilhões de cálculos, antecipando uma solução que em séculos passados seria inviável. Entretanto, na poesia pode ser mais depressa ainda: a solução chega junto com o problema. A diferença é que na poesia a solução jamais será final, e após termos devorado todas as maçãs do Éden, teremos de sair nós mesmos em busca de mais conhecimento – ainda que o velho barbudo tenha se esquecido de nos expulsar…

Muito do debate acerca da existência de Deus se resume ao ancião das metáforas do antigo testamento bíblico – sim, pois o Deus de Jesus é sempre um coadjuvante, que intervém apenas por emanação de pensamentos, e não de forma “direta”. Esses debates se parecem mais com debates entre crianças que brincam em uma praia – uma delas constrói um castelo de areia e diz que “esta é a cidade de deus”… Enquanto outras crianças com senso crítico mais desenvolvido esperam as ondas da maré chegar e destruir os castelos, e então bradam convictas: “Viram! Não lhes disse que este deus tinha pés de barro?”.

Ora, mas e se o reino de Deus estiver em sua volta? E se ele abarcar não só os castelos de areia, como cada grão de areia da praia, e cada gota de água do mar, e cada nuvem e cada pássaro a planar pelo céu, e cada sol a flutuar pelo Cosmos, e cada partícula a bailar por nosso cérebro e nossa alma?

Einstein dizia que “a ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega”. Ora, um dos grandes cientistas de nosso tempo, em sua maturidade, defendia uma “religiosidade cósmica”, baseada na presença de um poder racional superior, revelado no universo ainda oculto ao conhecimento da ciência. Muitos outros cientistas e filósofos foram teístas, deístas, panteístas, agnósticos, etc. Para quem possuí muita ciência, fica muito difícil apostar que tudo o que há surgiu do nada como numa “passe de mágica cósmico”. No mínimo, é preciso admitir que tal questão não pode ser compreendida hoje, e talvez jamais possa… De qualquer forma, pela lógica, também se faz necessário concordar com Espinosa (como Einstein, aliás, concordou) quando este afirma em sua “Ética” que “uma substância não pode criar a si mesma”…

E se Deus for um grande programador cósmico? E se nós formos parte dos algoritmos divinos que ele inseriu em sua criação? E se no núcleo de cada átomo, nos filamentos de cada DNA, em cada um de nosso neurônios, nas partículas etéreas de nossa alma, não estiverem inscritos códigos sagrados que ditam que este Cosmos nada mais é do que um problema em solução? E se formos nós mesmos os personagens e co-criadores desta poesia infinita? Navegando dentre raios cósmicos e poeira de estrelas, é impossível participar deste problema sem estarmos encharcados de Deus por todos os lados e a todos os momentos…

O reino de Deus sempre esteve a nossa volta. Nós jamais fomos expulsos do Éden. Tudo o que falta é compreendermos isso – que o Éden jaz, antes de mais nada, em nossa consciência… E que Deus ou o Cosmos jamais foram uma solução, jamais uma muleta na qual pudéssemos nos acomodar, mas sim um grandioso problema que vem sendo solucionado passo a passo, inspiração por inspiração. Nós devoramos uma maçã de cada vez…

Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor

Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera

Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão

Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!

O canto é o pasto das mentes,

e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Gibran Khalil Gibran, trecho de “A floresta”.

***

Crédito das fotos: [topo] Guto Lacaz (exposição “Einstein no Brasil”); [ao longo] Marcos Homem

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#Religião #Mitologia #Ciência #Criatividade #poesia

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