A Bipolaridade do Mundo e do Homem

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“Tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto.”  (Lei da Polaridade) 

Átomos e astros se movem em elipses bicêntricas – não existe no Universo um único círculo unicêntrico.

A eletricidade só se manifesta como luz, calor e força, graças à sua bipolaridade positiva e negativa.

Toda a vida superior da terra está baseada na bipolaridade dos elementos masculino e feminino.

Esses dois polos da natureza são rigorosamente equilibrados e funcionam em perfeita harmonia.

De modo análogo, é o Universo hominal governado pela bipolaridade da natureza humana, que a Filosofia e a Psicologia modernas denominam o Eu e o ego.

A Filosofia multimilenar do Oriente chama o Eu Atman e o ego Aham.

Os livros sacros do cristianismo usam os termos Alma ou espírito divino para designar o Eu central do homem, e a expressão corpo ou mundo para significar as periferias da natureza humana.

“Que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro se chegar a sofrer prejuízo em sua própria alma”? (o Cristo, Eu)

“Eu te darei todos os reinos do mundo e sua glória, se te prostrares em terra e me adorares”. (o Anticristo, ego)

O Eu corresponde ao Uni do Universo, e o ego ao elemento Verso.

O homem perfeito e integralmente realizado estabeleceu perfeito equilíbrio entre o seu Uno (Eu) e seu Verso (ego).

O homem profano só cultiva o seu ego, atrofiando o Eu. Alguns místicos tentam realizar somente o Eu sem o ego.

O homem cósmico, univérsico, porém, realiza o seu Eu através do seu ego, porque sabe que o Eu ou Uno é Fonte, e o ego ou Verso é canal, pelo qual as águas vivas da nascente fluem e beneficiam a sua vida.

A ciência tem por objeto as leis da natureza externa. A sapiência ou filosofia visa ao conhecimento e à realização do homem interno.

A ciência é cosmo-cêntrica.

A filosofia é antropo-cêntrica.

O aperfeiçoamento do Eu ou da alma humana é o fim supremo da vida – e essa realização se faz através do ego, cujos elementos são o corpo, a mente e as emoções.

Sendo que a evolução do homem começa pela periferia e vai rumo ao centro, os grandes Mestres da humanidade insistem sobretudo no desenvolvimento do Eu ou da alma humana, a fim de evitarem a hipertrofia unilateral do ego e a atrofia do Eu.

O homem perfeito é o homem cósmico ou universificado, que estabeleceu perfeito equilíbrio e harmonia entre os dois polos interno e externo. É este o fim supremo de toda a educação verdadeira.

O educador deve eduzir de dentro do educando, e desenvolver o Eu dele, a fim de equilibrá-lo com seu ego.

Huberto Rohden, Filosofia Univérsica: Sua origem, natureza e finalidade. 

#hermetismo #Rohden #Universalismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-bipolaridade-do-mundo-e-do-homem

Autoiniciação

Texto de Huberto Rohden

Hoje em dia, muitas pessoas falam em iniciação. Todos querem ser iniciados. Mas entendem por iniciação uma alo-iniciação, uma iniciação por outra pessoa, por um mestre, um guru. Esta alo-iniciação é uma utopia, uma ilusão, uma fraude espiritual.

O homem só pode ser iniciado por si mesmo. O que o Mestre, o guru, pode fazer é mostrar o caminho por onde alguém se pode autoiniciar; pode colocar setas ao longo do caminho, setas ao longo da encruzilhada, setas que indiquem a direção certa que o discípulo deve seguir para chegar ao conhecimento da verdade sobre si mesmo. Isto pode e deve o mestre fazer – suposto que ele mesmo seja um autoiniciado.

Jesus, o maior dos Mestres que a humanidade ocidental conhece, ao menos aqui, durante três anos consecutivos, mostrou a seus discípulos o caminho da iniciação, o que ele chama o “Reino dos Céus”, mas não iniciou nenhum dos seus discípulos. Eles mesmos se autoiniciaram na gloriosa manhã do domingo de Pentecostes, às 9 horas da manhã – como diz Lucas, nos Atos dos Apóstolos.

Mas esta grandiosa autoiniciação aconteceu só depois de 9 dias de profundo silêncio e meditação; 120 pessoas se autoiniciaram, sem nenhum mestre externo, só dirigidas pelo mestre interno de cada um, pela consciência de seu próprio Eu divino, da sua alma, do seu Cristo Interno.

E esta autoiniciação do primeiro Pentecostes, em Jerusalém, pode e deve ser realizada por toda a pessoa. Mas, acima de tudo, o que é que quer dizer Iniciação?

Iniciação é o início na experiência da verdade sobre si mesmo.

O homem profano vive na ilusão sobre si mesmo. Não sabe o que ele é realmente. O homem profano se identifica com o seu corpo, com a sua mente, com suas emoções. E nesta ilusão vive o homem profano a vida inteira, 30, 50, 80 anos. Não se iniciou na verdade sobre si mesmo, não possui autoconhecimento, e por isto não pode entrar na autorrealização.

O que deve um homem profano fazer para se autoiniciar?

Para sair do mundo da ilusão sobre si mesmo e entrar no mundo da verdade? Deve fazer o que fez o primeiro grupo de autoiniciados, no ano 33, em Jerusalém, isto é, deve aprender a meditar, ou cosmo-meditar. Os discípulos de Jesus fizeram três anos de aprendizado e nove dias de meditação – depois se autoiniciaram. Descobriram a verdade libertadora sobre si mesmos. A verdade que os libertou da velha ilusão de se identificarem com o seu corpo, com a sua mente, com as suas emoções; saíram das trevas da ilusão escravizante, e ingressaram na luz da verdade libertadora: “Eu sou espírito, eu sou alma, eu e o Pai somos um, o Pai está em mim e eu estou no Pai… O reino dos céus está dentro de mim”.

E quem descobre a verdade sobre si mesmo, liberta-se de todas as inverdades e ilusões. Liberta-se do egoísmo, da ganância, da luxúria, da vontade de explorar, de defraudar os outros. Liberta-se de toda a injustiça, de toda a desonestidade, de todos os ódios e malevolências – de todo o mundo caótico do velho ego.

O iniciado morre para o seu ego ilusório e nasce para o seu Eu verdadeiro.

O iniciado dá o início, o primeiro passo, para dentro do “Reino dos Céus”. Começa a vida eterna em plena vida terrestre. Não espera um céu para depois de morte, vive no céu da verdade, aqui e agora – e para sempre.

Isto é autoiniciação.

Isto é autoconhecimento.

Isto é autorrealização.

O início de tudo isto é a meditação ou cosmo-meditação, de que já falamos em outra ocasião.

Repito que é impossível a verdadeira meditação sem que o homem se esvazie de todos os conteúdos do seu ego ilusório; quem se esvaziar do sua egoconsciência será plenificado pelo cosmo-consciência, que é a iniciação.

Mas é possível realizar este ego-esvaziamento na hora da meditação, mesmo que seja meia hora de introversão, se o homem viver 24 horas extrovertido, escravizado pelas coisas de seu ego ilusório.

A meia hora de meditação nada resolve, não abre as portas para a iniciação – se o homem não se libertar, durante o dia, da escravidão de seu ego.

Como fazer isto?

Libertar-se da escravidão do ego é usar as coisas materiais na medida do necessário, e não do supérfluo; o homem deve e pode ter um conforto necessário, sem desejar confortismos excessivos.

A mística da hora da meditação é impossível sem a ética da vida diária, sem o desapego do supérfluo. Luxo e luxúria são lixo, que atravancam o caminho para a iniciação. Quem não remove esse lixo do luxo e da luxúria pode fazer quantas meditações quiser que não se poderá iniciar; porque as leis cósmicas não podem ser burladas.

A verdadeira felicidade do homem começa com a sua autoiniciação. Fora disto, pode ele ter um mundo de gozos e prazeres, mas não terá felicidade verdadeira, paz de espírito, tranquilidade de consciência. Todos os gozos e prazeres são do ego ilusório, somente a felicidade é do Eu verdadeiro.

Um autoiniciado é também um redentor, para os outros.

Quando um único homem, escreveu Mahatma Gandhi, chega à plenitude do amor (autorrealização), neutraliza ele o ódio de muitos milhões.

Nada pode o mundo esperar de um homem que algo espera do mundo – tudo pode o mundo esperar de um homem que nada espera do mundo.

O iniciado dá tudo e não espera nada do mundo. Ele já encerrou as contas com o mundo, está quite com o mundo. Pode dar tudo sem perder nada.

O autoiniciado é um místico – não um místico de isolamento solitário, mas um místico dinâmico e solidário, que vive no meio do mundo sem ser do mundo.

Onde há uma plenitude, aí há um transbordamento. O homem plenificado pelo autoconhecimento e pela autorrealização transborda a sua plenitude, consciente ou inconscientemente, saiba ou não saiba, queira ou não queira. Esta lei cósmica funciona infalivelmente. Faz bem pelo fato de ser bom, de viver em harmonia com a alma do Universo.

Por isto, para fazer bem aos outros e à humanidade, não é necessário nem é suficiente fazer muitas coisas, mas é necessário e é suficiente ser bom, ser realizado, e plenificado do seu Eu central, conscientizar-se e vivenciar de acordo com o seu Eu central, com o seu Cristo interno.

A plenitude da consciência mística da paternidade única de Deus transborda irresistivelmente na vivência ética da fraternidade universal dos homens.

Para ter laranjas – laranjas verdadeiras – não é necessário fabricá-las. É necessário e suficiente ter uma laranjeira real e mantê-la forte e vigorosa. Nem é necessário ensinar à laranjeira como fazer laranjas – ela mesma sabe, com infalível certeza, como fazer flores e frutos. Assim, toda a preocupação de querer fazer bem aos outros sem ser bom é uma ilusão tão funesta como o esforço de querer fabricar uma laranja verdadeira sem ter uma laranjeira. Mais importante que todo o fazer é ser.

Onde não há plenitude interna não pode haver transbordamento externo. Para fazer o bem aos outros deve o homem ser realmente bom em si mesmo.

Que quer dizer ser bom?

Ser bom, não é ser bonachão, nem bonzinho, nem bombonzinho. Para ser realmente bom deve o homem estar em perfeita harmonia com as leis eternas da verdade, da justiça, da honestidade, do amor, da fraternidade, e viver de acordo com esta sua consciência.

Todo o fazer bem sem ser bom é ilusório, assim como qualquer transbordamento é impossível sem haver plenitude. O nosso fazer bem vale tanto quanto o nosso ser bom. O ser bom é autoconhecimento e autorrealização.

Somente o conhecimento da verdade sobre si mesmo é libertador; toda e qualquer ilusão sobre si mesmo é escravizante.

Os mais ruidosos sucessos sem a realização interna são deslumbrantes vacuidades; são como bolhas de sabão – belas por fora, mas cheias de vacuidade por dentro. 1% de ser bom realiza mais do que 100% de fazer bem.

Autoiniciação é essencialmente uma questão de ser, e não de fazer. Esta plenitude do ser não se realiza pela simples solidão, mas pelo revezamento de introversão e extroversão. O homem deve, periodicamente, fazer o seu ingresso dentro de si mesmo, na solidão da meditação, e depois fazer o egresso para o mundo externo, a fim de testar a força e autenticidade do seu ingresso.

Todo o autoiniciado consiste ingredir e nesse egredir, nessa implosão mística e nessa explosão ética.

Não há evolução sem resistência. Tudo que é fácil não é garantido; toda evolução ascensional é difícil, exige luta, sofrimento, resistência.

Estagnar é fácil.

Descer é facílimo.

Subir é difícil.

Toda evolução é uma subida, e sem subida não há iniciação.

Autoiniciação e autorrealização é o destino supremo do homem.

Um único homem autorrealizado é maior maravilha do que todas as outras grandezas do Universo.

Huberto Rohden

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#Filosofia #iniciação #Rohden #Universalismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/autoinicia%C3%A7%C3%A3o

Casamento Alquímico e Taoísmo: A Síntese Perfeita

“Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém separe”
– Mateus 19:6

Na primeira parte deste artigo, entendemos um pouco sobre o simbolismo alquímico e vimos algumas correlações com a psicologia analítica de Jung. Os arquétipos Solar e Lunar, tanto para Jung quanto para os alquimistas, deviam ser integrados para sintetizar uma consciência mais equilibrada, que permitisse um diálogo saudável com o inconsciente. Através do conceito de Anima e Animus apresentados, compreendemos a natureza bipolar da psique. Bipolaridade esta que não deve ser confundida com estigmas de diagnósticos, mas aquela dualidade primordial que nos habita, que é convidada a se harmonizar para acessar uma unidade ainda mais primordial.

No entanto, não é exclusividade de Jung apresentar esse tipo de conceito. No livro “O Caibalion”, um clássico de literatura hermética, são apresentados sete princípios chaves para o funcionamento da realidade e do universo. Vejam só o que dizem os princípios 4 e 7:

Quarto Princípio, da Polaridade: Tudo é Duplo; tudo tem polos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados. Este Princípio encerra a verdade: tudo é Duplo; tudo tem dois polos; tudo tem o seu oposto […] A Tese e a Antítese são idênticas em natureza, mas diferentes em grau; os opostos são a mesma coisa, diferindo somente em grau; os pares de opostos podem ser reconciliados; os extremos se tocam; tudo existe e não existe ao mesmo tempo; todas as verdades são meias-verdades; toda verdade é meio-falsa; há dois lados em tudo, etc., etc. Ele explica que em tudo há dois pólos ou aspectos opostos, e que os opostos são simplesmente os dois extremos da mesma coisa, consistindo a diferença em variação de graus.

Sétimo Princípio, do Gênero: “O Gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos. Este princípio encerra a verdade que o gênero é manifestado em tudo; que o princípio masculino e o princípio feminino sempre estão em ação. Isto é certo não só no Plano físico, mas também nos Planos mental e espiritual. Todas as coisas e todas as pessoas contêm em si os dois Elementos deste grande Princípio. Todas as coisas macho têm também o elemento feminino; todas as coisas fêmea têm o elemento masculino.

Percebemos, portanto, que a dualidade nada mais é do que uma questão de perspectiva, e que a integração dos paradoxos se mostra altamente necessária para obtenção de uma perspectiva mais aproximada da natureza real das coisas. Vale a pena frisar que tudo isso é de caráter psicológico e simbólico, de forma alguma a orientação sexual ou a identidade de gênero deve ser interpretada frente estes vieses. A presença desses arquétipos serve para contrapor a consciência e apresentar alternativas visando ampliar a percepção da mesma quanto a sua própria natureza, além de produzir novas ferramentas para lidar com suas próprias contradições.

“A Anima como a contraparte interna da personalidade do homem visa dar um equilíbrio a personalidade, pois compensa o intelectualismo racional do mesmo com um eros compreensivo, assim como o Animus da mulher equilibra sua personalidade com o saber sobre o que se quer realmente do outro clivando seu caos de estados afetivos em uma ideia diretora com um estatuto de subordinação das emoções, no caso a transformação de impulsos afetivos em sentimentos racionais” (JUNG, 2011).

A psique busca de forma tão intensa a união dos opostos e a integração que quando ficamos ‘polarizados’ demais, ou seja, quando manifestamos apenas uma polaridade e negligenciamos outra, ela tende a nos forçar a manifestar o lado reprimido num processo chamado ‘enantiodromia’. Apesar de o nome ser complicado, este termo criado pelo filósofo Heráclito nada mais é do que a ideia de que quando uma grande força é gerada numa direção, uma força de mesmo valor é criada na direção oposta. Ninguém menos do que Jung, reutilizou este termo para definir o fenômeno de forças compensatórias entre o consciente e o inconsciente.

“O velho Heráclito, que era realmente um grande sábio, descobriu a mais fantástica de todas as leis da psicologia: a função reguladora dos contrários. Deu-lhe o nome de enantiodromia (correr em direção contrária), advertindo que um dia tudo reverte em seu contrário” (JUNG, 1987)

Agora que começamos a entender melhor como funciona a psique, e percebemos que nela habitam ambas as energias, masculina e feminina, que necessitam de harmonia, é possível deslocarmos ligeiramente nosso enfoque. Quando pensamos em duas energias a princípio conflitantes, mas cujo fluxo e interação é harmônico, facilmente visualizamos este símbolo:

O Yin e Yang é o símbolo que mais representa toda essa dinâmica de polaridades que estamos discutindo. Veja só o que Jung tem a dizer sobre este símbolo milenar:

“Não há positivo sem sua negação. Apesar da extrema oposição, ou por isso mesmo, um termo não pode existir sem o outro. É exatamente como formula a filosofia chinesa: yang (o princípio luminoso, quente, seco e masculino) contém em si o geme do yin (o princípio escuro, frio, úmido e feminino), e vice-versa” (JUNG, 2007)

Herder Lexicon (1990) assinala que “a mútua dependência de ambos os princípios, às influências de yin-yang nunca se opõe como princípios inimigos, pelo contrário, acham-se em uma contínua relação de influências mútuas”. É mister compreender que os aspectos paradoxais da psique se completam, e não se excluem. A dinâmica, que a priori pode aparecer um conflito, talvez seja melhor entendida como uma dialética.

“Segundo a lei da enantiodromia, dos fluxos contrários, tão bem interpretada pelos chineses, com o final de um ciclo dá-se o início de seu oposto. Assim, Yang em seu limite transforma-se em Yin, e o positivo, em negativo” (JUNG, 1986)

A unilateralidade é, eventualmente, prejudicial a nossa psique, sendo responsável por diversos problemas, tanto enfermidades de natureza psicológica quanto somatizações físicas. Além disso, o problema não se limita a natureza individual, um exemplo do dano causado pela unilateralidade da consciência, expressado na esfera social, é bem elaborado por Robert Johnsson, quando este afirma que:

“O homem tem visto seu lado sombrio como feminino e, ao empurrá-lo cada vez mais para as profundezas do seu ser, acabou por transformá-lo numa bruxa. Grande parte da escuridão do elemento rejeitado durante a idade média era feminino – daí a caça às bruxas e as fogueiras. E isso não se constituiu apenas de incidentes isolados que ganharam muita notoriedade. Estima-se que quase quatro milhões de mulheres foram queimadas nos patíbulos no auge da contra-reforma na Europa” (JOHNSSON, 1993)

Como podemos ver, o exagero da parcialidade é extremamente perigoso e prejudicial, tanto individualmente quanto socialmente. Mas por que a psique apresenta todos estes mecanismos para incentivar o diálogo entre as diferentes polaridades que nos habitam? Pura e simplesmente para nos ajudar a superar a nós mesmos. Para nos possibilitar transcender o maniqueísmo estático que parece tanto nos agradar. A totalidade é o objetivo final dessa luta constante das polaridades, permitir que atinjamos a plenitude, a consciência, que nos aproximamos cada vez mais da onisciência divina, ao menos à onisciência de nós mesmos.

“Após uma vivência de muitos anos no rico mundo da psique, aprendendo suas leis, Jung notou uma enorme força evolutiva atuando no universo psíquico. Ele percebeu que a psique humana desenvolve um esforço constante em busca da totalidade um esforço no sentido de se completar e se tornar mais consciente. O inconsciente procura transferir o seu conteúdo para o nível da consciência, onde pode ganhar existência e ser assimilado, formando uma personalidade consciente mais completa. A psique de cada indivíduo tem um estímulo inerente para evoluir, para integrar os elementos do inconsciente, juntando as partes que ainda faltam ao indivíduo total para formar um self completo, pleno e consciente” (JOHNSSON, 1993)

Como dito no início do texto, Jung deslocou alguns conceitos originais da Alquimia, adaptando-os a um sistema de compreensão psicológica. Os antigos alquimistas já sabiam há tempos dessas leis que governavam a mente, suas polaridades e interações. Não à toa que uma operação alquímica essencial pra a obtenção da pedra filosofal era a Coniunctio, ou Casamento Alquímico. Esta operação era quase sempre representada pela união de uma figura masculina, como um Rei ou o Sol e outra feminina, como uma Rainha ou a Lua, mas também como Hauck aponta “um coração pegando fogo, um terra frutífera, casamentos, hermafroditas, galos e galinhas” entre outros.

Esse casamento é a grande chave para a integração dos opostos complementares, com ele, é possível transcender o maniqueísmo, e através de uma interação de tese e antítese, permitir o nascimento de uma síntese. Novamente, conseguimos perceber o nascimento deste terceiro elemento quando analisamos figuras alquímicas que representam o casamento alquímico. Na imagem seguinte, vemos com exatidão a união simbólica do Rei (Sol) e da Rainha (Lua) obtendo como resultado ao criança, que na alquimia é representada como andrógina e perfeita.

“Jung constatou que a psique é andrógina: ela contém componentes masculinos e femininos. Assim homens e mulheres vêm equipados com uma estrutura psicológica que em sua totalidade inclui a riqueza de ambos os lados, de ambas as naturezas, de ambos os conjuntos de capacidades e forças. A psique espontaneamente se divide em opostos complementares e os representa como uma configuração masculina-feminina. Ela assinala algumas características como sendo “masculinas” e outras, como “femininas”. Como o yin e o yang, na antiga psicologia chinesa, estes opostos complementares se equilibram e se completam mutuamente. Nenhum qualidade ou característica da personalidade humana é completa em si: cada um deve se fazer acompanhar de seu “par” masculino ou feminino, numa combinação consciente, se quisermos alcançar equilíbrio e totalidade” (JOHNSSON, 1995)

E essa ideia da criança andrógina, representando simbolicamente a inocência e a pureza, não é exclusiva do pensamento alquímico, como vemos no Evangelho de Tomé, capítulo 22:

“Jesus viu crianças de peito a mamarem. E ele disse a seus discípulos: Essas crianças de peito se parecem com aqueles que entram no Reino. Perguntaram-lhe eles: Se formos pequenos, entraremos no Reino? Respondeu-lhes Jesus: Se reduzirdes dois a um, se fizerdes o interior como o exterior, e o exterior como o interior, se fizerdes o de cima como o de baixo, se fizerdes um o masculino e o feminino, de maneira que o masculino não seja mais masculino e o feminino não seja mais feminino – então entrareis no Reino”.

Apesar da representação sexual nas pranchas alquímicas, é sabido que tais experiências refletem experimentos interiores, subjetivos e que a relação sexual deve ser encarada com temperança. Além de técnicas antigas como o sexo Tântrico, que visa harmonizar as energias masculinas e femininas através da troca de energias ao longo do ato sexual, existe um conceito na alquimia taoísta chamado “Cultivação Dual”, na qual, em suma, os homens desenvolvem técnicas para interagir e absorver a energia feminina, sem desperdiçar a sua própria, acumulando assim ambas. Evidentemente essas técnicas orientais estão muito distantes da nossa realidade, e acredito que devemos sim estudar e nos aprofundar nas diferentes práticas, afinal, unir oriente e ocidente nada mais é que um reflexo da harmonia dos opostos que tanto discutimos ao longo do texto. Além disso, a meditação e análise psicológica podem ser ferramentas que realmente ajudam no autoconhecimento.

Mas acredito que para nós, ocidentais, existe algo que é uma chave igualmente efetiva, e mais próxima para nosso entendimento: o Amor. Quando abrimos nosso coração e permitimos essa força incrível da natureza se manifestar, podemos atingir patamares inimagináveis. O amor é transformador e é um ingrediente indispensável.

“Assim como na alquimia, a psique, dentro do processo analítico, vai transformando-se, ora dispondo-se num lado e ora de outro, no sentido das suas polaridades, até que lhe seja capaz a absorção de uma terceira figura, gradativa e construída, surgida de dentro da sua própria alma que lhe traduz essa expressão de convivência com o dual. […] O casamento Divino, que somente existirá se ali houver o Amor, sua causa e seu efeito. […] Revela-se no mundo como o altruísmo em seu sentido extrovertido e na psique, como a conexão com o Si-mesmo, gerando a unidade” (MASSAN, 2009)

Na imagem acima vemos o deus Marte (Animus) e a deusa Vênus (Anima) e seu filho Cupido, também conhecido como Eros e Amor. Coincidência?

Na Tábua de Esmeralda encontramos a seguinte inscrição:

“E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas”.

Concluímos então que existe uma aproximação muito evidente entre conceitos da alquimia e da psicologia analítica, e que ensinamentos antigos de filosofia grega e da sabedoria taoísta são fontes ricas de informações que podem nos ajudar a fortalecer a reflexão e, literalmente, integrar ideias. No final, nosso objetivo principal é voltar a Unidade, e dissolver todos os conflitos neuróticos e polarizados que nos impedem de ver as coisas como realmente são. Devemos buscar sempre fazer as coisas com o coração e amor, pois só assim podemos ter empatia e perceber os ‘dois lados das coisas’ e unir os paradoxos. Nem cara, nem coroa, somos todos moedas rodopiando.

Referencias Bibliográficas:

CAMAYSAR, Rosabis. O Caibalion. São Paulo Editora Pensamento. 2000

Evengelho de Tomé traduzido por Huberto Rohden

HAUCK, Dennis Willian. The Emerald Tablet: Alchemy for Personal Transformation. Arkana. Ed.Pengun Group. 1999.

JOHNSON, Robert A. HE: A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina. São Paulo: Mercúrio, 1993

JOHNSON, Robert A. WE: A Chave da Psicologia do Amor Romântico. São Paulo: Mercúrio, 1995

JUNG, C. G. Fundamentos de Psicologia Analítica. OC XVIII/I. Petrópolis: Vozes, 1987a.

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. OC IX/1. Petrópolis: Vozes, 2007.

JUNG, C. G. Psicologia do Inconsciente. OC VII/1. Petrópolis: Vozes, 1987b.

JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. OC XII. Petrópolis: Vozes, 1991b.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião. OC XI/1. Petrópolis: Vozes, 1987c.

JUNG, Carl Gustav. Civilização em Transição. Petrópolis. Vozes. 2011.

LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolos. São Paulo. Cultrix. 1990

MASSAN, Francisco. Opus Alquímica e Psicoterapia. Disponível em: www.clinicapsique.com/doc/opus.doc. 14/05/2013

VON FRANZ, Marie Louise. A Alquimia: Introdução ao Simbolismo e a Psicologia. São Paulo. Ed. Cultrix. 1993.

Tábua de Esmeralda – Tradução de Isaac Newton , 1680 , encontrada em seus textos alquímicos. Folger, Washington 1988

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano, Mestrando em Ciências da Religião e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br ou envie um e-mail para contato@antharez.com.br

Imagens:

‘Philosophical Mercury’. Itália. Século XV.
Perspectivas circulares de Luz e Sombra, imagem encontrada na internet.
Yin-Yang.
“Spirals” de M. C. Escher (1953).
Cena de uma bruxa na fogueira (Série “American Horror Story: The Coven”)
Princípios Alquímicos do Masculino e Feminino.
Gravuras Alquímicas de “Donum Dei”.
“Mars, Venus and Cupid”. 1808, Leopold Kiesling.

#Alquimia

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O Inconsciente é o divino

A superfície consciente da nossa natureza é o nosso pequeno ego humano – as profundezas inconscientes são o nosso grande Eu divino.

A Realidade Universal é o grande Inconsciente, não o Inconsciente da vacuidade, mas o Inconsciente da plenitude. O Inconsciente da plenitude é o Oniconsciente, mas esse Oniconsciente se apresenta ao nosso ego consciente como sendo o Inconsciente. Os extremos se tocam. Quem olha para dentro da treva nada enxerga; quem olha diretamente dentro da luz solar, nada enxerga. Aquela escuridão é a ausência da luz, esta é a plenipresença da luz. Treva total e luz total são, para nossa percepção finita, a mesma coisa – o Nada, o Vácuo, a Treva, a Ausência. Nós, os finitos, só enxergamos o Todo quando ele é reduzido a Algo, mas não o enxergamos como o Todo, que nos parece o Nada.

A luz Incolor da Realidade Total não é objeto de nossa percepção finita; só a Luz Colorida da Realidade Parcial, isto é, do Algo Finito, é que pode ser percebida por nós. Os nossos sentidos e o nosso Intelecto – o nosso ego humano – funcionam como “válvulas de redução”, diz Aldous Huxley; se assim não fosse, não poderíamos existir como indivíduos. O impacto da Realidade Total nos aniquilaria, desindividualizando-nos, universalizando-nos; deixaríamos de existir finitamente, continuando a ser universalmente. Mas esse “ser universal” não sou eu, não és tu, não é nenhuma creatura finita, isto é a Realidade Infinita do puro Ser. Nós, os finitos, existimos graças à nossa finitude; existimos a mercê das nossas limitações. Se não fôssemos limitados, não existiríamos como indivíduos.

Por isto, o Inconsciente do Todo, do Ser, do Infinito, é percebido por nós como um Inconsciente. O ontologicamente Inconsciente é, para nós, logicamente consciente, uma vez que “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do cognoscente”.

Quando nos abismamos em profunda contemplação espiritual, estabelecemos ponto de contato entre o nosso finito consciente e o Infinito Inconsciente. E, quando o Inconsciente do Infinito sobrepuja o nosso consciente finito, então perdemos a percepção dos sentidos e a concepção do intelecto; tudo “desmaia” [1] diante do nosso consciente, nada mais sabemos de tempo e espaço, que são criações do ego consciente, e temos a impressão de submergirmos no eterno e no infinito, que são a negação de tempo e espaço.

Quando entramos profundamente no sagrado “Aum”, e quando espira a derradeira vibração sutil do “m” final, então, dizem os orientais, entramos no grande “nada” [2], que é a derrota do nosso consciente pelo Inconsciente. Estamos no terceiro céu, no samadhi, no ekstasis (êxtase), expressões várias para designar a absorção do consciente pelo Inconsciente.

Fonte:

Huberto Rohden, Roteiro Cósmico: Martin Claret, 2011. pg. 129.

[1] – A palavra “desmaiar” não vem do latim. Provavelmente, os portugueses a trouxeram do Oriente, em séculos pretéritos. Maya é a palavra sânscrita para “natureza”, quem desmaia, perde a noção de Maya; está fora de tempo e espaço, ambiente da natureza perceptivo-conceptiva.

[2] – Como a palavra “desmaiar”, também o vocábulo “nada” não é de origem latina. Na língua sânscrita, o termo “nada” quer dizer silêncio absoluto, o Infinito, o Vácuo. Quando o homem atinge o auge da sua contemplação mística, depois de esgotar todas as vibrações do sacro trigrama “AUM”, abisma-se no grandioso “Nada” do silêncio de Brahman. Esse Nada do existir é o Todo do Ser. O Nada da Imanência de Deus é o Todo da Transcendência da Divindade. Da Divindade nada pode o homem saber, de Deus ele sabe um pouco.

#Filosofia #Inconsciente #Universalismo

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Gibran – Pais e Filhos

Vossos filhos não são vossos filhos:

são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós,

e embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis doar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos;

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,

porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força, para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estático.

(Gibran Khalil Gibran; O profeta)

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Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo. E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram.

Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos! E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos! Pois aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.

(Marcos 3:31-35)

Por que os pais (mesmo os mais espiritualizados) consideram seus filhos como sendo suas propriedades? Será que estão tão iludidos com a matéria que vêem no filho um apêndice? Será que a morte não ensina que não podemos controlar sequer os fios de nossa cabeça?

Quem não abandona seu pai e sua mãe, como eu, não pode ser meu discípulo. E quem não amar a seu Pai e sua Mãe, como eu, esse não pode ser meu discípulo; porque minha mãe me gerou, mas minha Mãe verdadeira me deu a vida.

(Evangelho de Tomé 101)

Huberto Rohden explica: “Quem nunca teve experiência mística da alma, e só conhece o seu corpo, dificilmente compreenderá essa insistência de Jesus no supremo amor das almas, que nasceram de Deus e são filhas da Divindade.”

Os pais temem que os filhos passem por dores, decepções, frustrações. Mas NADA vai prepará-los para a vida, a não ser a própria vivência. Pais frustrados passam seu legado maldito de medos, recalques e frustrações para os filhos, que introjectam esta carga venenosa e repassam, mesmo sem querer, para seus próprios filhos. Precisamos impedir esse vírus de se incubar dentro de nós e matá-lo logo no início. Os pais acham que não precisam de psicólogos, que basta ter um filho pra se tornar guardião da verdade. Não é assim. Os filhos também têm sua parcela de culpa por achar que os pais são a autoridade constituída (como um governo ditatorial) e que por isso mesmo deve ser combatida e superada.

Você culpa seus pais por tudo. E isso é absurdo. São crianças como você. O que você vai ser, quando você crescer

(Renato Russo; Pais e Filhos)

São seus pais, ora bolas. Seu espírito os escolheu, por algum motivo (seja qual for, era para o seu aprendizado, não para a revolta). Às vezes nascemos numa família cujos pais são alcoólatras para reforçar em nosso espírito a aversão pelo álcool. Mas nem sempre dá certo, e o sentimento de revolta (se não for trabalhado internamente) pode acabar jogando essa criança no alcoolismo. Outras vezes vemos nossos pais brigando e juramos pra nós mesmos que não seremos assim… e quando crescemos agimos exatamente como eles… onde ficou nosso aprendizado? Somos seres humanos em evolução? Cadê a evolução?

A revolta deve ser canalizada para a correção íntima, para o Dharma, o caminho correto. Quando a revolta não é trabalhada, gera apenas dor, sofrimento, mágoa, e quando menos se espera a pessoa está fazendo aquilo que ela outrora criticava…

Há uma parábola de Jesus no Evangelho de Tomé que ilustra o fato de que o espírito pode e deve ser trabalhado através das gerações:

Disse Jesus: O Reino se parece com um homem que possuía um campo no qual estava oculto um tesouro de que ele nada sabia. Ao morrer, deixou o campo a seu filho, que também não sabia de nada; tomou posse e vendeu o campo – mas o comprador descobriu o tesouro ao arar o campo.

(Evangelho de Tomé 109)

Huberto Rohden explica: “Tesouros espirituais não são transmitidos de pai para filho. O tesouro espiritual só pode ser descoberto quando se ara devidamente o campo, atingindo as profundezas ocultas do ser humano. A experiência espiritual é uma conquista da consciência, individual de cada um, e não um patrimônio racial. Cada indivíduo tem de “arar” o seu próprio campo humano para descobrir o tesouro oculto, que existia também nos antigos possuidores do campo, mas não foi descoberto e devidamente conscientizado por eles.”

Outras vezes nascemos numa família espiritual (ou seja, criada pela afinidade de muitas vidas juntos) e, quando constituídas de espíritos bons, os frutos dessa família poderão gozar de toda a infra-estrutura espiritual para a formação do seu caráter. Não é difícil que no seio dessa família surja uma “ovelha negra”, alguém que foi criado com todo o amor e cuidado, e se revela um mau-caráter desde cedo. É porque esse espírito imbecil tinha “créditos” (sabe-se lá como foram conquistados) para nascer nesta família, a fim de “endireitar-se”, e os pais, por serem bondosos, nem sempre assumem as rédeas da educação dos filhos como deveriam. Se o criador de uma árvore vê que ela está nascendo torta, é mais do que obrigação que ele amarre uma tala que impeça os movimentos para os lados, enquanto ela está em formação. Depois de enrijecido o tronco, não adianta se lamentar que a árvore nasceu torta…

Se, por outro lado, a família espiritual é composta de espíritos atrasados, tende-se a repetir (geração após geração) os mesmos erros do passado, que são tolerados por conta da convivência e que, quando não são botados em prática com os da família, o fazem com os “outros” (e ai de quem se apaixonar por um membro de uma dessas “confrarias” procurando trazer novos valores). Às vezes pode ocorrer de nascer um espírito totalmente diferente (pra melhor) para contestar certas “tradições” e trazer renovação ao grupo espiritual.

É através desses atritos (gente ruim nascendo em familia boa e gente boa nascendo em família ruim) que a evolução espiritual se processa. Pedra que rola não cria lodo. Os grandes espíritos não se sutilizaram através do ócio, e sim do trabalho aqui na Terra. O exemplo dos Grandes Mestres de todo o mundo não é de usufruto, e sim de serviço ao próximo. Você não precisa ir pra Índia lavar pratos e varrer o Ashram pra adquirir iluminação. Também não precisa dar esmolas ou contribuir com a Unicef. Pode começar se interessando em ajudar um parente, um amigo, o vigia do prédio, a secretária do lar. Ajudar não só materialmente, mas com um sorriso, um ouvido amigo, um conselho. Mas, principalmente, ajudando a criar aquilo que é sua responsabilidade direta, aquilo que o “destino” confiou a você: seja um animal de estimação, uma planta ou um filho. Vejam o drama de Pelé: rodou o mundo pregando o não-uso das drogas nos esportes, mas esqueceu de participar da vida do próprio filho. Culpa dos pais? Não mesmo. Pelé é um exemplo para a humanidade. Mas nada vai tirar da sua consciência que ele poderia ter feito mais pelo filho. Essa é a dor moral, a dor de um comprometimento kármico que ele precisa reajustar. A dor que só um pai ou mãe espiritual sente.

O que sobra disso tudo é a lição:

Pais, criem seus filhos doando de si o melhor de sua personalidade, não o pior. Lembrem-se da Lei do retorno: um dia você poderá ser o filho deles (mesmo nessa vida!).

Filhos, tentem aprender o máximo com os seus pais; antiquado não é sinônimo de ruim; absorva o que eles têm de melhor para ofereceram, descarte o pior, e repasse o aprendizado para seus próprios filhos.

#Espiritualidade #poesia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/gibran-pais-e-filhos

O Problema da Felicidade Humana

Texto de Huberto Rohden

Os maiores médicos e psiquiatras do mundo concedem e confessam que o grosso da humanidade hodierna é neurótica, frustrada ou esquizofrênica. O Dr. Victor Frankl, diretor da Policlínica Neurológica da Universidade de Viena, em diversos livros traz estatísticas pavorosas sobre essa calamidade do homem civilizado dos nossos dias. E dá também o diagnostico do mal: a falta de uma consciência de unidade. O homem moderno, hipertrofiado na sua diversidade (ego) e atrofiado na sua unidade (Eu), é a consequência dessa descosmificação do homem, que não podia deixar de acabar num caos, em que a dispersividade derrotou a centralidade.

Frustrar é a palavra latina para despedaçar, fragmentar, desintegrar. O homem frustrado sente-se realmente como que desintegrado interiormente, o que produz nele um senso de profunda infelicidade. Em última análise, toda felicidade provém de uma consciência de coesão e integridade. O homem é infeliz porque perdeu a consciência da sua inteireza e unidade; pode ser uma personalidade, uma persona (máscara), mas deixou de ser uma individualidade, um ser indiviso em si mesmo. Unidade, integridade, felicidade, são sinônimos.

Muitos frustrados acabam em esquizofrenia. A palavra esquizofrênico quer dizer, em grego, mente partida. O homem mentalmente fragmentado é um homem desunido, descosmificado. Onde não há realização existencial há necessariamente uma frustração existencial, que é o motivo da infelicidade de milhares de homens.

O homem que deixou de ser cosmo pela unidade acaba, cedo ou tarde, num caos pela desunião consigo mesmo. As leis que regem o Universo sideral regem também o Universo Hominal. Os Mestres da vida, além de fazerem o diagnóstico da enfermidade, indicam também a sua cura. Victor Frankl cura os seus doentes frustrados com logoterapia, mostrando-lhes o caminho para restabelecer a sua integridade existencial, despertando-lhes a consciência do seu Lógos interno, o seu Eu, a sua alma. E os que conseguem fazer gravitar os planetas dos seus egos em torno do sol do seu Eu, restabelecem a harmonia e felicidade da sua existência.

Krishna, na Bhagavad Gita, afirma que o ego é o pior inimigo do Eu, mas que o Eu é o maior amigo do ego. O próprio Einstein, à luz da sua matemática metafísica, mostra que do caminho dos fatos (ego) não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores (Eu).

Que é tudo isto senão Filosofia Univérsica, expressa de outra forma? O homem, para ter harmonia e felicidade, deve ter um centro de gravitação fixo e

imutável, deve afirmar a soberania da sua substância divina sobre todas as tiranias das circunstâncias humanas – deve ser Universificado.

Nada disto, porém, é possível, se o homem passar as 24 horas do dia na zona da dispersividade centrífuga do ego, e não der uma hora sequer à

concentração centrípeta do Eu. As leis cósmicas são inexoráveis e imutáveis, tanto no mundo sideral como no mundo hominal. Obedecer a essas leis da natureza humana é harmonia e felicidade – desobedecer-lhes é caos e infelicidade.

Não somos advogados da passividade contemplativa de certos orientais – mas defensores da harmonia e do equilíbrio entre atividade e passividade, entre introversão e extroversão, entre concentração e expansão, entre implosão e explosão, que são o característico de todos os setores da natureza. Enquanto o homem não se “naturalizar” ou cosmificar, será sempre frustrado e infeliz. Uma hora, ou meia hora, de profunda cosmo-meditação pode dar ao homem o devido equilíbrio para o resto do dia.

Não recomendamos a meditação em forma de pensamentos analíticos, que é ineficiente, mas recomendamos a profunda sintonização com a alma do

Universo, o esvaziamento de toda a ego-consciência, para que a plenitude cosmo-consciência possa plenificar com as águas vivas da fonte divina a

vacuidade dos canais humanos. Enquanto a ego-plenitude (egocentrismo, egolatria) funciona, a teo-plenitude não pode funcionar. É lei cósmica: plenitude só enche vacuidade, ou na linguagem dos livros sacros, “Deus resiste aos soberbos (ego-plenos), mas dá da sua graça aos humildes (ego-vácuos)”.

Durante a cosmo-meditação deve o homem esvaziar-se de todos os conteúdos do seu ego-humano – sentimentos, pensamentos e desejos – mantendo, porém, plenamente vígil a sua consciência espiritual; deve manter 100% de teo-consciência (Eu) e reduzir a ego-consciência a 0%.

O fim da Filosofia Univérsica é, pois, estabelecer no homem a mesma harmonia que existe no Universo, com a diferença de que no homem esta harmonia é voluntária e livre, enquanto no cosmo ela é automática. Esta harmonia livremente estabelecida pode dar ao homem uma felicidade consciente infinitamente maior do que toda a harmonia, beleza e felicidade do Universo extra-hominal.

O esforço inicial dessa harmonização vale a pena pela subsequente felicidade da vida humana. No princípio necessita o principiante de períodos determinados, em lugar certo para essa integração; mais tarde pode ele manter a concentração interior no meio de todas as dispersões exteriores, pode unir a sua implosão mística com todas as explosões dinâmicas; pode viver simultaneamente no Deus do mundo e nos mundos de Deus.

Huberto Rohden foi um dos precursores do espiritualismo universalista, trabalhou como professor, conferencista e escritor onde publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião. Foi tradutor da Bhagavad Gita, Tao Te Ching, O Evangelho de Tomé, O Novo Testamento, dentre outros. Propôs a Filosofia Univérsica como um meio de conexão do ser humano com a consciência coletiva do universo e florescimento da essência divina do indivíduo.

Encontre-nos no facebook.com/filosofiauniversica

#espiritualismo #Filosofia #Rohden #Universalismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-problema-da-felicidade-humana

Razão e Vontade

“A Verdadeira Vontade deve saltar, uma fonte de Luz, de dentro de nós, e fluir desimpedida, fervente de Amor, para o Oceano da Vida.” (Crowley)

A Razão, o Logos, é a Luz, a Vida, o Espírito Universal.

A Vontade é a direção individual em que a Razão Universal flui.

A Razão é como que um lago imenso, um mar, um oceano de energia estática.

A Vontade é algo como uma torrente dinâmica que sai desse imenso reservatório de energia estática; é uma voltagem que dinamiza a massa da amperagem, canalizando-a em determinada direção.

Quando a Vontade canaliza parte da energia racional para fins pessoais, egoísticos, torna-se ela adversativa, satânica, contrária à Razão Universal; mas quando a Vontade canaliza as águas da Razão numa direção universal, então se torna ela crística, harmonizada com o Logos.

Amor é uma vontade para fins universais, construtivos.

Egoísmo é uma vontade para fins pessoais, destrutivos.

Texto da série Roteiro Cósmico, de Huberto Rohden. 

#Rohden #Universalismo #VerdadeiraVontade

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/raz%C3%A3o-e-vontade

Yeshua no deserto…

Texto de Huberto Rohden

Antes de iniciar sua vida messiânica, retirou-se Jesus durante quarenta dias ao deserto da Judéia. Depois desse período de solidão e meditação enfrenta ele o “adversário”, que em grego se chama diabolus, e em hebraico shai’tan.

As teologias entendem por esse adversário uma entidade objetiva, externa, que teria tentado Jesus. Entretanto, é bem possível que esse adversário tenha sido a personalidade humana de Jesus, que se opôs ao seu Cristo divino, tentando dissuadi-lo dos seus planos de redenção e abrindo gloriosas perspectivas, em que o ego humano vê redenção.

Durante quarenta dias, havia a personalidade humana de Jesus sido suspensa das suas funções normais; nem a sua natureza física, nem as suas faculdades mentais haviam funcionado durante esse tempo, enquanto o Eu divino do seu Cristo se achava no “terceiro céu” do êxtase ou samadhi.

Era natural que, terminando esse período de ego-banimento, a personalidade humana reclamasse os seus direitos suspensos, tentando e testando a individualidade crística com três invectivas tipicamente humanas: satisfazer a sua fome material, exibir a sua magia mental e apoderar-se do domínio político do mundo inteiro.

O cristo divino derrota o seu adversário humano e dá-lhe ordem de se pôr na “retaguarda” (vade retro) como servidor, e não na vanguarda como senhor, porquanto “a deus adorarás e só a ele prestarás culto”.

A sabedoria milenar do Bhagavad Gita harmoniza-se com essa atitude, quando diz: “O ego é um péssimo senhor, mas é um ótimo servidor da nossa vida”.

O texto sacro não manda o adversário (ego humano) ir-se embora, mas, sim, pôr-se na retaguarda, como dócil servidor do Eu divino do Cristo.

E após esses dias de meditação no deserto, a primeira mensagem que, logo no princípio, dirigiu ao povo é o chamado “Sermão da Montanha”, um grande tratado de paz, que representa o programa da mística divina e da ética humana, visando a total auto-realização do homem…

(Huberto Rohden)

#Espiritualidade #Filosofia #meditação #Universalismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/yeshua-no-deserto

Rastros Luminosos

Só vale a vida terrestre – pelo bem que fizermos…

Pelo rasto de luz que deixarmos após a partida…

Se entre o teu berço e esquife bocejar um vácuo hiante, uma treva estéril, não viveste – vegetaste apenas…

“Aqui jazem os restos mortais de fulano, que morreu – mas não viveu”…

Meu amigo, faze da tua vida um poema de fé – uma epopéia de amor…

Assinala tua passagem pela terra com uma esteira de amor e benquerença…

São tantos os males – não os aumentes com tua chegada…

São tantas as dores – não as intensifiques com tua aspereza…

Ilumina a zona da tua presença com grandes idéias e belos ideais…

Por que extinguir essas lâmpadas que, incertas, bruxuleiam?

Por que quebrar de todo a cana fendida?

Por que apagar a mecha fumegante?

Fala às alma sem luz das luzes eternas…

Aponta às almas tristes as alturas de Deus…

Não olhes, como o chorão, para a terra – que um ente querido tragou…

Verdade nas palavras, sinceridade nas intenções, bondade nos atos, indulgência no juízo, fidelidade nas promessas, serenidade na dor, castidade contigo, caridade com todos – margeia destas luzes tua vida e a vida dos outros…

Ninguém é infeliz em hora noturna – quando sabe que à noite sucede sorridente alvorada…

Faze transbordar nas almas o excesso da tua plenitude.

Transfunde nos homens a abundância da tua luz.

Comunica ao mundo a beatitude de que Deus te encheu.

Fixa a estrela polar da vontade divina – e dirige tua nau por trevas e procelas…

Mão firme no leme! – serena confiança na alma!…

Tua calma acalmará os companheiros da travessia…

Se, algum dia, desalento te invadir o coração – dize-o ao Deus eterno, e não a creaturas efêmeras!

Se lágrimas rebeldes romperem as represas – chora a sós com o Onipotente, e não com seres impotentes.

Se dúvida atroz te oprimir o espírito – pede luzes ao Sapiente, e não aos insipientes.

Vive assim como desejarias ter vivido quando a morte teu corpo ceifar…

Erige nas almas dos pósteros um monumento de amor – um obelisco de fé…

Fonte:

Huberto Rohden, De Alma para Alma: Martin Claret, 2011. pg. 55.

#poesia #Rohden #Universalismo

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