Vossos filhos não são vossos filhos:
são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós,
e embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis doar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos;
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força, para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria: pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estático.
(Gibran Khalil Gibran; O profeta)
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Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo. E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram.
Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos! E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos! Pois aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.
(Marcos 3:31-35)
Por que os pais (mesmo os mais espiritualizados) consideram seus filhos como sendo suas propriedades? Será que estão tão iludidos com a matéria que vêem no filho um apêndice? Será que a morte não ensina que não podemos controlar sequer os fios de nossa cabeça?
Quem não abandona seu pai e sua mãe, como eu, não pode ser meu discípulo. E quem não amar a seu Pai e sua Mãe, como eu, esse não pode ser meu discípulo; porque minha mãe me gerou, mas minha Mãe verdadeira me deu a vida.
(Evangelho de Tomé 101)
Huberto Rohden explica: “Quem nunca teve experiência mística da alma, e só conhece o seu corpo, dificilmente compreenderá essa insistência de Jesus no supremo amor das almas, que nasceram de Deus e são filhas da Divindade.”
Os pais temem que os filhos passem por dores, decepções, frustrações. Mas NADA vai prepará-los para a vida, a não ser a própria vivência. Pais frustrados passam seu legado maldito de medos, recalques e frustrações para os filhos, que introjectam esta carga venenosa e repassam, mesmo sem querer, para seus próprios filhos. Precisamos impedir esse vírus de se incubar dentro de nós e matá-lo logo no início. Os pais acham que não precisam de psicólogos, que basta ter um filho pra se tornar guardião da verdade. Não é assim. Os filhos também têm sua parcela de culpa por achar que os pais são a autoridade constituída (como um governo ditatorial) e que por isso mesmo deve ser combatida e superada.
Você culpa seus pais por tudo. E isso é absurdo. São crianças como você. O que você vai ser, quando você crescer
(Renato Russo; Pais e Filhos)
São seus pais, ora bolas. Seu espírito os escolheu, por algum motivo (seja qual for, era para o seu aprendizado, não para a revolta). Às vezes nascemos numa família cujos pais são alcoólatras para reforçar em nosso espírito a aversão pelo álcool. Mas nem sempre dá certo, e o sentimento de revolta (se não for trabalhado internamente) pode acabar jogando essa criança no alcoolismo. Outras vezes vemos nossos pais brigando e juramos pra nós mesmos que não seremos assim… e quando crescemos agimos exatamente como eles… onde ficou nosso aprendizado? Somos seres humanos em evolução? Cadê a evolução?
A revolta deve ser canalizada para a correção íntima, para o Dharma, o caminho correto. Quando a revolta não é trabalhada, gera apenas dor, sofrimento, mágoa, e quando menos se espera a pessoa está fazendo aquilo que ela outrora criticava…
Há uma parábola de Jesus no Evangelho de Tomé que ilustra o fato de que o espírito pode e deve ser trabalhado através das gerações:
Disse Jesus: O Reino se parece com um homem que possuía um campo no qual estava oculto um tesouro de que ele nada sabia. Ao morrer, deixou o campo a seu filho, que também não sabia de nada; tomou posse e vendeu o campo – mas o comprador descobriu o tesouro ao arar o campo.
(Evangelho de Tomé 109)
Huberto Rohden explica: “Tesouros espirituais não são transmitidos de pai para filho. O tesouro espiritual só pode ser descoberto quando se ara devidamente o campo, atingindo as profundezas ocultas do ser humano. A experiência espiritual é uma conquista da consciência, individual de cada um, e não um patrimônio racial. Cada indivíduo tem de “arar” o seu próprio campo humano para descobrir o tesouro oculto, que existia também nos antigos possuidores do campo, mas não foi descoberto e devidamente conscientizado por eles.”
Outras vezes nascemos numa família espiritual (ou seja, criada pela afinidade de muitas vidas juntos) e, quando constituídas de espíritos bons, os frutos dessa família poderão gozar de toda a infra-estrutura espiritual para a formação do seu caráter. Não é difícil que no seio dessa família surja uma “ovelha negra”, alguém que foi criado com todo o amor e cuidado, e se revela um mau-caráter desde cedo. É porque esse espírito imbecil tinha “créditos” (sabe-se lá como foram conquistados) para nascer nesta família, a fim de “endireitar-se”, e os pais, por serem bondosos, nem sempre assumem as rédeas da educação dos filhos como deveriam. Se o criador de uma árvore vê que ela está nascendo torta, é mais do que obrigação que ele amarre uma tala que impeça os movimentos para os lados, enquanto ela está em formação. Depois de enrijecido o tronco, não adianta se lamentar que a árvore nasceu torta…
Se, por outro lado, a família espiritual é composta de espíritos atrasados, tende-se a repetir (geração após geração) os mesmos erros do passado, que são tolerados por conta da convivência e que, quando não são botados em prática com os da família, o fazem com os “outros” (e ai de quem se apaixonar por um membro de uma dessas “confrarias” procurando trazer novos valores). Às vezes pode ocorrer de nascer um espírito totalmente diferente (pra melhor) para contestar certas “tradições” e trazer renovação ao grupo espiritual.
É através desses atritos (gente ruim nascendo em familia boa e gente boa nascendo em família ruim) que a evolução espiritual se processa. Pedra que rola não cria lodo. Os grandes espíritos não se sutilizaram através do ócio, e sim do trabalho aqui na Terra. O exemplo dos Grandes Mestres de todo o mundo não é de usufruto, e sim de serviço ao próximo. Você não precisa ir pra Índia lavar pratos e varrer o Ashram pra adquirir iluminação. Também não precisa dar esmolas ou contribuir com a Unicef. Pode começar se interessando em ajudar um parente, um amigo, o vigia do prédio, a secretária do lar. Ajudar não só materialmente, mas com um sorriso, um ouvido amigo, um conselho. Mas, principalmente, ajudando a criar aquilo que é sua responsabilidade direta, aquilo que o “destino” confiou a você: seja um animal de estimação, uma planta ou um filho. Vejam o drama de Pelé: rodou o mundo pregando o não-uso das drogas nos esportes, mas esqueceu de participar da vida do próprio filho. Culpa dos pais? Não mesmo. Pelé é um exemplo para a humanidade. Mas nada vai tirar da sua consciência que ele poderia ter feito mais pelo filho. Essa é a dor moral, a dor de um comprometimento kármico que ele precisa reajustar. A dor que só um pai ou mãe espiritual sente.
O que sobra disso tudo é a lição:
Pais, criem seus filhos doando de si o melhor de sua personalidade, não o pior. Lembrem-se da Lei do retorno: um dia você poderá ser o filho deles (mesmo nessa vida!).
Filhos, tentem aprender o máximo com os seus pais; antiquado não é sinônimo de ruim; absorva o que eles têm de melhor para ofereceram, descarte o pior, e repasse o aprendizado para seus próprios filhos.
#Espiritualidade #poesia
Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/gibran-pais-e-filhos