As raízes judaicas da Magia Sexual

Excerto de “Modern Sex Magick” de Donald Michael Kraig

Para aqueles que não estão familiarizados, a história da magia sexual começa com os Cavaleiros Templários. Fundado em 1118 EC, o propósito declarado dos Templários era proteger os peregrinos que iam para o Oriente Médio durante a Segunda Cruzada. A história dos Templários é bastante fascinante, mas para nossos propósitos basta dizer que eles foram suprimidos em 1312 por autoridades religiosas e temporais que tinham inveja de seu poder e riqueza. Vários dos seus membros foram presos ou mortos. Seu líder, Jacques DeMolay, foi queimado vivo. Os Templários, como outros acusados ​​de heresia, feitiçaria e prática de magia, foram acusados ​​de uma litania de crimes. Essas acusações provavelmente foram apenas um ardil perpetuado pela igreja e pelo estado para obter a imensa riqueza e amplas propriedades que os Templários possuíam. A história aceita é que os templários aprenderam magia sexual com os sufis do Oriente Médio, que a aprenderam com os tântricos da Índia. Os alquimistas medievais receberam esta informação dos Templários e a codificaram em alguns ensinamentos em suas obras. Eventualmente, Aleister Crowley, que aprendeu sobre magia sexual em suas viagens à Índia e à África, começou a experimentar tanto as técnicas tradicionais quanto as suas próprias técnicas recém-criadas.

Enquanto isso, um homem chamado Pascal Beverly Randolph havia descoberto os segredos da magia sexual ou inventado algumas novas técnicas também. Nascido em 1815, era filho de um médico e de uma dançarina de salão. Tornou-se grumete e aprendeu o ofício de marinheiro, tornando-se em seguida mestre de embarcação. Ser marinheiro permitiu-lhe viajar muito. Aos vinte e cinco anos, foi iniciado na Irmandade Hermética de Luxor. Em 1868 (depois de várias viagens à França), fundou a Irmandade de Eulis, que acabou tendo muitos seguidores. Ele publicou um livro (Magia Sexual) que postulava um tipo de bissexualidade espiritual junto com a ideia de que o orgasmo era mágico e sagrado. Randolph influenciou as pessoas que recriaram os Cavaleiros Templários na forma da Ordo Templi Orientis (OTO). Crowley se juntou a esta Ordem e, eventualmente, após uma batalha divisória, tornou-se seu chefe. Hoje, assim como a maioria dos ensinamentos sobre magia cerimonial foi filtrada pelas lentes dos membros da Golden Dawn, também a maioria dos ensinamentos sobre magia sexual foi filtrada através da lente de Aleister Crowley e da OTO.

A história acima é precisa, mas representa apenas uma parte da corrente. É uma versão um tanto quanto limitada da história da magia sexual ocidental – uma visão de túnel que ignora a realidade mais ampla e falha em duas áreas:  Primeiro, não identifica onde e como a magia sexual se desenvolveu originalmente. Em segundo lugar, implica que a magia sexual permaneceu relativamente inalterada ao longo do tempo (especialmente no último século) e simplesmente transportada para o presente. De fato, há ampla evidência de que a magia sexual tem uma história muito mais ampla do que é comumente reconhecida. Para entender essa história mais profunda, no entanto, devemos primeiro examinar a natureza da Cabala.

Nos últimos anos, tive a sorte de dar palestras em todos os EUA, da Flórida a São Francisco e de San Diego a Nova York. Uma das coisas que faço agora perto do início de cada palestra, não importa o assunto, é escrever as seguintes letras no quadro-negro: T F Y Q A

As letras representam as palavras em inglês para “Pense por si mesmo. Questione a autoridade”. Continuo explicando que simplesmente porque eu ou qualquer outra “autoridade” ou autor escreve ou diz algo não o torna verdadeiro. Eu sempre peço aos meus alunos que ouçam o que eu tenho a dizer, mas depois que verifiquem. Encorajo as pessoas a confiar em si mesmas em vez de acreditar em um líder ou professor, mesmo quando esse professor seja eu.

Muitos de vocês, sem dúvida, estão familiarizados com a Cabala. São os fundamentos místicos do judaísmo, do cristianismo e até, até certo ponto, do islamismo. Aqueles de vocês familiarizados com a Cabala usada em grupos ocultistas conhecem suas teorias sobre a Árvore da Vida com suas correspondências, bem como os sistemas numerológicos como a gematria. Na minha biblioteca, tenho bem mais de 1.000 livros especificamente relacionados à Cabala ou associados a ela. A maioria deles são semelhantes em conteúdo, simplesmente expressando as mesmas coisas de maneiras diferentes. Todos eles alegam explicar as bases do que é a “A” Kabalah.

Todos eles estão errados.

Para aqueles de vocês que foram estudantes da Cabala, eu lhes peço que reflitam sobre estas questões: Não é possível que a Cabala seja muito mais do que gematria, notarikon, temurah e a Árvore da Vida e suas correspondências? Se sim, então por que tão pouco se sabe de outros aspectos da Cabala? Para responder isso temos que olhar um pouco de história.

Nos anos 1700, um grupo de judeus ortodoxos e piedosos se formou na Europa Oriental. A palavra para “piedoso” em hebraico é Hasid (pronuncia-se: “RASSID”). Assim, essas pessoas ficaram conhecidas como os “Piedosos” ou os Hasidim.

Anteriormente, o judaísmo místico incluía muitas maneiras de desenvolver poder sobre o ambiente: o que hoje chamaríamos de magia. Mas os hassidim não queriam nada disso. Eles buscavam a exaltação espiritual, não a capacidade de mudar o mundo. Eles queriam aumentar o poder de suas orações, não o poder sobre as coisas ao seu redor. Como resultado, eles se concentraram nos aspectos mentais da Cabala, incluindo correspondências sobre a Árvore da Vida, meditação sobre como Deus criou o mundo e as manipulações de letras e números, uma versão moderna (para a época) de formas místicas mais antigas do que é chamado de “magia das letras”.

Como essa informação era mística, era inevitável que ela chegasse ao mundo oculto local (alemão), onde se tornou parte da tradição maçônica daquele país. Esses ensinamentos foram posteriormente traduzidos para as línguas românicas e acabaram se tornando, para muitas pessoas, os ensinamentos centrais da Cabala.

Mesmo depois dessa história, muitas pessoas vão duvidar do que estou dizendo sobre a Cabala. Peço-lhe, então, que olhe para o único trabalho publicado que é aceito como talvez o texto cabalístico mais importante – o Zohar. Há muito pouco lá sobre tal numerologia. O mesmo ocorre no pequeno mas importante livro cabalístico primitivo, o Sepher Yetzirah.

Para resumir, a versão da Cabala que é mais amplamente aceita entre os ocultistas hoje é basicamente nada mais do que parte dos ensinamentos místicos dos hassidim alemães. Isso não torna tais estudos de forma alguma “ruins” ou “errados” ou mesmo incompletos. Em vez disso, simplesmente indica que tais estudos são apenas uma abordagem em um tipo ou escola da Cabala,  e não na coisa toda.

Quando comecei a estudar a Cabala, ou melhor, o que é comumente conhecido entre os ocultistas ocidentais por esse nome, eu era como um cachorro faminto na loja de um açougueiro de bom coração. Eu queria provar e experimentar tudo.

Para quem não conhece a gematria, sua ideia básica é simples. Cada letra hebraica está associada a um número. Soma-se os números das letras de uma palavra e, se forem iguais ou tiverem relação com os números de outra palavra, há uma relação entre as duas palavras. Em Magia Moderna dei o famoso exemplo que mostrava como, em hebraico, a enumeração da palavra “amor” era igual ao valor numérico da palavra “unidade” e como, quando suas numerações são somadas, o total é igual a o valor numérico de uma palavra hebraica para “Deus”. É um sistema numerológico simples que, neste caso, indica que Deus é uma unidade e que Deus é amor.

Muitas noites eu ficava acordado até as primeiras horas da manhã seguinte me debruçando sobre cálculos para tentar provar alguma coisa. Analisei meu nome mágico de três letras escolhido em um papel que tinha várias páginas. Da mesma forma, tenho visto pessoas analisando seções das obras de Aleister Crowley, rituais da famosa Ordem Hermética da Golden Dawn, seções da Bíblia, etc., por mais páginas do que gostaria de lembrar.

Mas um dia percebi que faltava algo. Fiquei com a pergunta atormentadora que Peggy Lee fez em sua música: “Isso é tudo o que existe?” Depois de anos de manipulação numerológica cabalística, cheguei à conclusão de que – para mim, pelo menos – uma exploração mais aprofundada já não provava nada de importante. Percebi que havia se tornado uma estrada falsa, como um falso vidente que parece dar muitas informações, mas na verdade fala pouco.

Claro, eu poderia passar horas provando que as palavras estavam relacionadas. Esse tipo de trabalho ainda é feito hoje (veja, por exemplo, os livros de Kenneth Grant) e pode ser de grande valia para pessoas que sentem que precisam desse tipo de prova. Para eles, esse trabalho é importante e valioso. Eu também precisei disso no passado e recebi isto muitas recompensas e insights espirituais.

Mas para mim, os ensinamentos comumente considerados o núcleo da Cabala agora pareciam nada mais do que uma forma de masturbação mental. Para o exemplo de “amor mais unidade é igual a Deus”, eu disse: “E daí? Isso já não é aceito por muitos (inclusive eu)?” Eu já sabia disso. Eu não precisava “provar” isso para mim ou para qualquer outra pessoa. Sei que a Declaração da Independência foi assinada em 1776. Não preciso passar horas tentando provar que esse evento aconteceu. Não preciso ler centenas de livros para saber que esse evento ocorreu em um determinado ano. Fazer tal estudo neste momento da minha vida seria chato e uma perda de tempo. Um dos tipos de pessoas que encontramos no caminho oculto é o “mago de poltrona” que fará alguma magia assim que “acabar com mais um livro” ou “construir mais uma ferramenta mágica”. Ele não consegue nada prático porque nunca faz mágica. Sim, ele ganha conhecimento, o que certamente é um objetivo digno em si. Mas o conhecimento por si só não é o objetivo de um mago praticante. Para todos os efeitos práticos, ele está fazendo o mesmo trabalho que os do místico hassídico do século XVIII. Isso não era o suficiente para mim. Um mágico de poltrona não era alguém que eu queria ser. Esta foi uma grande crise. Eu estava prestes a perder completamente meu interesse pela Cabala – algo que havia me transformado e tinha sido o maior interesse da minha vida por mais de vinte anos. Eu hibernei, fiz leituras de tarô para mim mesmo e meditava. Então, um dia, ficou claro.

Experiência! Era isso que faltava em todas as manipulações numerológicas. Cheguei à conclusão de que pensar em algo não era suficiente para mim. Eu sou ação. E embora muitas das técnicas cabalísticas que usam a numerologia cabalística para fazer talismãs bem-sucedidos, por exemplo, proporcionassem uma gratificação tardia quando o talismã atingia seu objetivo, eu queria algo mais imediato. Eu conhecia apenas uma técnica que forneceu a aventura, ação e experiência que eu desejava: Pathworking cabalístico.

Devido a muitos trabalhos publicados, o termo pathworking perdeu seu significado original. Hoje, pathworking significa qualquer tipo de meditação guiada em que se faz uma viagem mental ou astral visualizada ou algum tipo de viagem. Eu uso a expressão “pathwork cabalístico para representar o significado original da palavra pathworking: andar na Árvore da Vida cabalística enquanto estiver no plano astral. A chave aqui é ser capaz de separar a consciência do corpo e viajar no plano astral. Em outras palavras, esta técnica cabalística requer que você alcance um estado alterado de consciência. Exceto pelos métodos fornecidos em fontes como The Golden Dawn de Regardie e as várias versões dessas instruções que foram publicadas, pouca informação apareceu de um antigo ponto de vista cabalístico. Se o pathworking cabalístico requerer acesso ao plano astral através de um estado alterado de consciência, segue-se que deve haver métodos cabalísticos tradicionais para alcançar tal estado.

Um método que descobri nas obras de Aryeh Kapi era simplesmente colocar a cabeça entre os joelhos. Isso muda o fluxo de sangue para o cérebro, resultando em um estado alterado. No entanto, ao investigar mais, descobri outro método para alcançar um estado alterado, uma técnica que Marsha Schuchard chama de transe sexual. Este método faz parte da teoria cabalística, embora tenha sido ignorado pela maioria dos pesquisadores e praticantes, pois não era uma parte publicada do movimento hassídico alemão. E enquanto esta chave cabalística para o mistério tem estado no subsolo por mais de 2.500 anos, ela vazou ou foi redescoberta de tempos em tempos e formou a base da magia sexual ocidental, em todas as suas formas, como existe hoje. Eu precisava daquilo.

Se você ler a Bíblia como um tipo de história, verá que os profetas de todas as gerações criticaram os hebreus por não adorarem os deuses e deusas de outras culturas. A implicação disso é que os hebreus não eram monoteístas desde a época de Abraão, mas eram tão politeístas quanto suas culturas vizinhas. De fato, em The Hebrew Goddess, o respeitado antropólogo Raphael Patai mostra que os hebreus adoravam uma deusa tanto em suas casas quanto no templo sagrado em Jerusalém até a destruição do segundo templo em 70 EC, você encontrará frequentemente nos artigos sobre as práticas religiosas dos primeiros hebreus, práticas que incluíam a adoração tanto de um Deus quanto de uma Deusa.

Na maioria dos templos judaicos de hoje, o local onde reside a Torá – os primeiros cinco livros da Bíblia em forma de pergaminho – está localizado em uma plataforma elevada. Essa plataforma geralmente tem a forma de um tipo de palco onde o Rabino (o líder das orações) e o Cantor (o líder dos cantos ) também têm suas posições rituais. Esta área é conhecida como bimah (pronuncia-se: bee-mah). A palavra “bimah” significa uma plataforma ou palco. No entanto, a origem da palavra é bamah (bah-mah) que se refere à ideia de um “lugar alto”. No Oriente Médio, uma área elevada era comumente onde várias divindades, não apenas o Deus judeu, eram adoradas. Outros resquícios de tempos pagãos anteriores – incluindo a adoração da Lua como uma forma da Deusa Lunar Levanah (que agora é o próprio nome da Lua em hebraico) – também são encontrados em várias tradições folclóricas judaicas.

As primeiras formas de paganismo tinham vários propósitos, talvez o mais importante fosse a fertilidade. Os primeiros pagãos praticavam ritos para garantir a fertilidade das colheitas, rebanhos e pessoas. Freqüentemente, esses ritos incluíam comportamento sexual. Por exemplo, em algumas culturas, os pagãos teriam ritualizado a relação sexual em cima de colheitas recém-plantadas. Acreditava-se que a energia levantada durante seu rito, através da imitação de sua magia sexual elementar, ajudaria as plantações a crescer.

Existe alguma evidência de que os primeiros hebreus, como seus vizinhos politeístas, tinham ritos e mistérios sexuais? A resposta é sim. Na verdade, alguns desses ritos têm até versões modernas.

Um exemplo é a prática da circuncisão. Antes que essa prática fosse fixada no judaísmo para oito dias após o nascimento de um menino, provavelmente fazia parte dos ritos da puberdade. Em outras palavras, era realizada quando um menino atingia a maioridade como sinal de maturidade sexual. Os ritos de puberdade para meninos e meninas são comuns nas culturas pagãs. Em algumas culturas, os ritos de circuncisão masculina na puberdade ainda são praticados como parte dos “Mistérios Masculinos”. No judaísmo, os meninos ainda têm um tipo de tal rito (embora sem a circuncisão) quando passam pelo ritual de entrada na idade adulta conhecido como Bar Mitzvah. Mais recentemente, as meninas foram adicionadas a essa tradição quando passam por um Bat Mitzvah semelhante.

Na Torá, a circuncisão é um sinal de um pacto entre Deus e os judeus. Nisto se insinua a ligação entre sexualidade e espiritualidade. Outras vezes, você lerá sobre situações em que colocar a mão na “coxa” é sinal de acordo, geralmente entre um humano e o Divino. “Coxa” é um eufemismo para “pênis” (assim como a Bíblia usa o verbo “conhecer” para significar “coito”). Essa ideia foi adotada ou emprestada de outras culturas onde um homem juraria colocando a mão sobre os testículos do outro. De fato, nossa palavra “testemunhar” (derivada, é claro, da palavra “testes”) vem dessa prática.

Há mais evidências de ritos sexuais no antigo judaísmo. O livro de Raphael Patai, “The Hebrew Goddess “, mostra claramente que não havia apenas um forte componente sexual no misticismo judaico mais antigo, mas que era algo muito importante.

Desde a realização do filme Caçadores da Arca Perdida, muitas pessoas se familiarizaram com a forma da Arca da Aliança. Em cima dela estavam dois Querubins. De acordo com Patai, há uma tradição talmúdica de que “… enquanto Israel cumpriu a vontade de Deus, os rostos dos querubins estavam voltados um para o outro: no entanto, quando Israel pecou, ​​eles viraram os rostos um do outro. ” O que isso pode significar?

A Arca da Aliança foi mantida no “Santo dos Santos”, a parte mais privada e sagrada do templo em Jerusalém. Já o famoso historiador primitivo dos judeus, Flávio Josefo (37 D.C.–100 D.C.), escreveu que não havia nada no Santo dos Santos. Por quê? É bem aceito que ele queria representar o judaísmo como “anti-icônico”, uma religião livre da adoração de ídolos ou ícones. Mas haveria algo mais? Algo que Josefo poderia até ter vergonha de mencionar?

A resposta vem de um historiador ainda mais antigo, Filo (30 A.C-45 D.C ). Ele escreveu que na parte mais interna do templo, na parte mais sagrada do local judaico mais sagrado, havia as estátuas dos Querubins. E esses Querubins estavam “entrelaçados como marido e mulher”. Ou seja, eles foram mostrados tendo relações sexuais.

Isso foi verificado mais tarde pelo relato de um talmudista conhecido como Rabi Qetina, que afirmou que nos dias santos, quando as pessoas iam em peregrinação para ir ao templo, os sacerdotes realmente mostravam os Querubins a eles e diziam: “Vejam! o amor diante de Deus é como o amor do homem e da mulher”. Várias centenas de anos depois, o famoso Rashi escreveu: “Os Querubins estavam unidos, agarrados e abraçados, como um macho que abraça uma fêmea”.
Em outras palavras, o segredo final do Santo dos Santos não era que ele continha a Arca da Aliança, a Torá ou as tábuas dos Dez Mandamentos. Em vez disso, era a natureza espiritual do sexo. A tradição talmúdica mencionada anteriormente implicaria que os querubins estariam envolvidos em relações sexuais constantes enquanto Israel cumprisse a vontade de Deus, mas eles se separariam de seu abraço se Israel pecasse. Além disso, acreditava-se que Deus “falava” entre os Querubins.

Lembre-se, de acordo com a Torá e a Cabala, Deus cria através da fala: “E o Senhor disse: “Haja luz.” E eis que havia luz.” Esta, então, é a revelação do segredo cabalístico da magia sexual: profecia, adivinhação e invocação que podem resultar do sexo espiritualizado.  De fontes talmúdicas também sabemos que um dos maiores feriados para os antigos judeus ocorreu cerca de duas semanas após o Ano Novo Hebraico. Os peregrinos vinham ao templo em Jerusalém de todas as partes para este feriado que era considerado uma festa alegre. No entanto, ao final dos sete dias desta festa, que era celebrada tanto por homens como por mulheres, as festividades se tornariam tão intensas que homens e mulheres se misturariam e cometeriam atos que eufemisticamente chamavam de “vertigem”. Em termos modernos, a multidão corria sexualmente desenfreada. Este comportamento terminou algo entre cerca de 100 AEC. e 70 d.C.

Outra fonte que indica que o judaísmo primitivo tinha ritos sexuais é encontrada no livro O Cântico dos Cânticos, de Carlo Suares, que é sua interpretação desse pequeno texto bíblico (conhecido também por seu título mal traduzido, Cantares de Salomão). Na introdução, Suares descreve brevemente o honrado Rabi Akivah (também conhecido como Akiba), que nasceu em 40 D.C e foi executado no ano 135.
D.C. depois de passar muitos anos na prisão por ser um apoiador da guerra judaica contra Roma. Hoje, Rabi Akivah é homenageado por judeus em todo o mundo. Poemas e orações atribuídos a ele são recitados por judeus fiéis. Ainda me lembro da bela e ritmada oração cantada que começa com “Amar Rabi Akivah…” (assim falou Rabi Akiba…). Ele é considerado o pai da versão escrita das leis orais judaicas conhecidas como Mishná. Ele também é considerado por muitos como o pai da Cabala.

Assim como as principais seitas cristãs têm divisões entre si, também houve divisões no judaísmo. No primeiro século EC, o rabino Ismael assumiu uma posição semelhante à de alguns cristãos fundamentalistas modernos de hoje. Ele e seus apoiadores sustentavam que os escritos sagrados judaicos foram escritos em uma linguagem que falava diretamente aos homens e deveriam ser aceitos literalmente. Rabi Akivah discordou e sustentou que as palavras eram apenas a forma da mensagem. O verdadeiro significado da Torá deveria ser encontrado em sua interpretação mística, sua essência interior. Assim, quando uma discussão sobre quais livros deveriam ser considerados parte da Bíblia judaica estava ocorrendo entre os principais Rabinos, a maioria deles queria excluir o aparentemente profano poema de amor que é o Cântico dos Cânticos. Afinal, como poderia um judeu hoje em dia ter frases como “beije-me com os beijos de sua boca” e “seus seios são como dois filhotes” em seu livro sagrado?

Rabi Akivah foi um dos rabinos mais honrados de seu tempo e assim permanece até os dias atuais. Em seu tempo, ele foi mantido em grande respeito e era considerado uma autoridade poderosa no judaísmo. Akivah exerceu sua reputação e autoridade para mudar a atitude dos outros rabinos. “O universo inteiro não vale o dia em que aquele livro… [foi] dado a Israel”, disse ele, “porque todas as escrituras são sagradas, mas o Cântico dos Cânticos é o mais sagrado”.

Quando li pela primeira vez esta citação, fiquei fascinado e intrigado. Não é estranho que um dos rabinos mais importantes da história judaica tenha defendido a canção de amor não apenas como um bom livro, não (como alguns diriam) porque é Deus dizendo como Ele ama Israel (ou vice-versa), mas porque é a “santíssima” de todas as escrituras?

Lembre-se, Akivah é considerado o pai da Cabala. Não poderia a razão para a defesa do livro de Akivah ser que ele retinha o segredo sagrado do judaísmo, o segredo da magia sexual? Este segredo teria então sido passado para seus seguidores e de lá para muitas das escolas da Cabala.

Mesmo o bastante enfadonho e pedante AE Waite, em The Holy Kabbalah, refere-se ao fato de que os judeus místicos consideravam o casamento um sacramento e que praticavam um “ensino em caminhos pouco freqüentados, algo herdado do passado … [dos quais ] há algum vestígio de ensino no Oriente.” Isso aparece na seção do livro de Waite intitulada “O Mistério do Sexo”, e indica que entre os cabalistas havia um ensinamento de magia sexual que era de certa forma semelhante aos ensinamentos sexuais dos taoístas e tântricos. Em uma nota de rodapé ele diz que os magos sexuais cabalísticos:

… tinham um ideal interior, espiritual e divino, no qual eles habitavam, e pelo qual eles parecem ter realizado transmutações abaixo. Isto é, sua magia sexual (que era tanto um ato físico quanto espiritual) e produzia mudanças – magia – no plano físico.

Como nota final para esta seção, eu acrescentaria que entre os judeus devotos de hoje é uma mitsvá (uma palavra que significa tanto um mandamento de Deus quanto uma bênção) fazer sexo com seu cônjuge no sábado. Isso porque Deus é considerado um andrógino Divino e ao fazer sexo, unindo homem e mulher, eles estão simulando Deus. Uma interpretação alternativa é que eles estão imitando Deus em união com sua consorte, a Shekhina (semelhante à noção pagã ocidental do Deus unido à Deusa ou à noção hindu de Shiva unida a Shakti).

A Disseminação da Cabala Após a destruição do Segundo Templo no ano 70 d.C., os judeus foram dispersos por toda a Ásia e Europa. Muitos judeus consideravam isso um castigo de Deus sobre eles por não seguirem as tradições do judaísmo. Especificamente, eles não estavam seguindo as muitas leis judaicas e estavam adorando outros deuses e deusas. Mas os cabalistas alegaram que, ao dispersar os judeus, a sabedoria da Cabala se espalhou por todo o mundo. Deste ponto de vista, a diáspora não era uma maldição para os judeus, mas uma bênção para o resto do mundo. E essa bênção, a Cabala, consistia, pelo menos em parte, nos segredos da magia sexual. À medida que os judeus se moviam pela Europa, formavam pequenas comunidades. Em alguns deles havia escolas de cabalistas. A separação entre as comunidades acrescentou diversidade, e muitos dos ensinamentos cabalísticos, incluindo aqueles relativos à magia sexual, devem ter mudado e evoluído. Mas como os ensinamentos foram além das escolas do judaísmo místico? A resposta, acredito, vem da própria natureza do judaísmo e sua longa tradição de judeus sendo o povo do livro. À medida que a Igreja Católica se fortaleceu, a educação secular (incluindo leitura, escrita e matemática) dos fiéis foi desaprovada e limitada à realeza, aos ricos, escribas da Igreja e certos membros das forças armadas. Mas porque muitos judeus sabiam ler, escrever e sabiam matemática, agiam como mensageiros viajantes ou como cobradores de impostos para os ricos. Com alguns deles veio junto Cabala e a magia sexual.

Eles se comunicavam com outros que viajavam, incluindo os músicos errantes conhecidos por nomes como trovadores, menestreis, bardose os posteriores minicantores e meistersingers que vagavam por partes da Europa ocidental nos séculos XII e XIII d.C.  Não eram apenas homens como como registrado por historiadores do sexo masculino que, durante séculos, subestimaram a importância das mulheres na história, algumas mulheres também atuavam assim.

No século XIII, um livro pouco conhecido chamado Iggeret Ha Kodesh (A Carta Sagrada) foi difundido entre os judeus na Espanha. Foi por muitos anos atribuído ao famoso rabino chamado Nachmanides, mas os estudiosos hoje concordam que o rabino provavelmente não foi o autor. O livro era tão popular que três manuscritos variados deste livro são conhecidos. Foi dito que todos os livros verdadeiramente sagrados podem ser lidos em três níveis: físico, espiritual e místico. No nível físico, este livro parece ser um manual de casamento judaico. Em um nível espiritual, este livro é visto como uma “obra cabalística que descreve o relacionamento de Deus” com os judeus. Mas em um nível místico revela virtualmente todos os mistérios e técnicas de magia sexual que estão em uso até hoje. É minha opinião que os menestréis errantes medievais tinham alguma familiaridade com este livro ou com aqueles que usaram suas técnicas e ajudaram a difundir o conhecimento.

Até então, os casamentos não eram muito conhecidos. As pessoas viveriam juntas e se chamariam de marido e mulher. Eles eram considerados casados ​​mesmo sem um ritual de casamento. Nas Ilhas Britânicas, as regras para proteger as mulheres tornaram-se parte do que era conhecido como “lei comum [principalmente não escrita]”. Assim, após um certo período de tempo de convivência e alegando ser marido e mulher (e aceito como tal pela comunidade), uma mulher seria legalmente reconhecida como esposa de direito comum de um homem. Daquele ponto em diante, ele não poderia simplesmente jogá-la na rua quando estivesse cansado dela. Ela tinha direitos sob as leis do divórcio, embora eles não tivessem passado por uma cerimônia formal de casamento. O direito comum é inda hoje uma das bases do sistema jurídico americano.

Geralmente, na sociedade ocidental, controlada pelos cristãos, eram apenas os ricos e a realeza que se casavam. O objetivo dessa exibição pública era mostrar a todos que apenas os filhos dessa mulher seriam os herdeiros legítimos de um determinado homem. Na verdade, o casamento era mais um contrato legal do que um desejo de se unir por amor. Às vezes, pinturas eram feitas para mostrar a cena do casamento para provar que um casamento havia sido realizado.

Governantes e homens ricos queriam saber que seus filhos, na verdade, eram seus filhos de sangue. Acreditava-se que o sangue tinha qualidades mágicas inatas. Existe até uma crença hoje entre alguns bretões no “Toque do Rei” – que o próprio toque de um rei (que também foi aprovado pelo Deus cristão, ou então como ele poderia ser rei?) poderia curar várias doenças. Para garantir uma linhagem contínua, a monogamia tornou-se a regra para as esposas dos ricos e da realeza. Mesmo assim, há ampla evidência de que tanto as esposas quanto os maridos costumavam fazer sexo fora do casamento.

Eventualmente, a ideia de amor tornou-se um acessório do casamento. Foi uma conseqüência da noção de “amor cortês” que foi difundida pelos bardos viajantes. Eles até tinham regras para o amor cortês, algumas das quais escondiam os segredos da magia sexual. Por exemplo, a regra 30, de acordo com Andreas Capellanus cerca de 1.500 anos atrás, diz: “Um verdadeiro amante é continuamente é ininterruptamente obcecado pela imagem de sua amada”.

Dentro dessas palavras está um segredo de magia sexual que alguns dizem ter sido “descoberto” por A. O. Spare neste século. Como pode ser visto, este aspecto da magia sexual antecedeu Spare em mais de um milênio!

Outro grupo de viajantes eram os comerciantes, artesãos capazes de muitas habilidades valiosas. Eles vieram desde os primeiros tempos (quando cada ofício também estava associado a uma divindade) e continuaram no Renascimento. Na Roma antiga, essas guildas eram conhecidas como collegia (a fonte de nossa palavra “faculdade”). Eles tinham seus próprios edifícios onde eles compartilhariam os segredos de sua guilda. Os membros realizavam festas conhecidas como ágape, provavelmente a fonte das festas ágape cristãs do primeiro século. Para identificar outros membros ou permitir entrada nos limites das casas de guildas, eles tinham sinais de mão, gestos e toques especiais, incluindo beijos especiais e ritualísticos. Dessa forma, eles eram os elos entre as antigas escolas de mistérios e as modernas lojas ocultistas. De fato, os collegia foram influenciados pelos gregos, que, por sua vez, foram influenciados por uma variedade de culturas do Oriente Médio, incluindo os ensinamentos dos egípcios, dos sírios e dos antigos Hebreus.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/as-raizes-judaicas-da-magia-sexual/

As Prostitutas da Antiguidade

Em determinadas épocas do ano, sacerdotisas e mulheres de todas as classes sociais uniam-se sexualmente a reis, sacerdotes ou a estranhos.

Para os povos antigos, a lua era andrógina, como disse Plutarco, “chamase a Lua (Artemis) a mãe do universo cósmico; ela possui uma natureza andrógina”. Na Babilônia, o deus-lua Sin é andrógino e quando foi substituído por Istar, esta conservou seu caráter de androgismo. Igualmente no Egito, Ísis é denominada Ísis-Neit, enquanto andrógina.

Pelo mesmo fato de a lua ser andrógina, o homem-lua, cujo representante na terra era o rei ou o chefe tribal, passava a primeira noite de núpcias com a noiva, a fim de provocar a fertilização dela, da tribo e da terra. Tal hábito, permaneceu na França até a Idade Média com o nome de Le Droit du cuissage du Seigneur.

O fato de todos dependerem dos préstimos da lua para a propagação da espécie, da fertilização dos animais e das plantas, enfim, da boa colheita anual, em todos os sentidos, é que provocou, desde a mais remota antiguidade, um tipo especial de hieròs gámos, de casamento sagrado, uma união sagrada, de caráter impessoal. Trata-se das chamadas hierodulas, literalmente, “escravas sagradas”, porque adjudicadas, em princípio, a um templo, ou ainda denominadas “prostitutas sagradas”, mas sem nenhum sentido pejorativo.

Em determinadas épocas do ano, sacerdotisas e mulheres de todas as classes sociais uniam-se sexualmente a reis, sacerdotes ou a estranhos, todos simbolizando o homem-Lua, com o único fito de provocar a fertilização das mulheres e da terra, bem como de angariar bens materiais para o templo da deusa (Lua) a que serviam. Tudo isso parece muito estranho para nossa mentalidade ou para nossa ignorância das religiões antigas.

Puta, em latim, era uma deusa muito antiga e muito importante. Provém do verbo putare, “podar”, cortar os ramos de uma árvora, pôr ordem, “pensar”, contar, calcular, julgar, onde Puta era a deusa que presidia à podadura. Com o sentido de cortar, calcular, julgar, ordenar, pensar, discutir, muitos são os derivados de putare em nossa língua, como deputado, amputar, putativo, computar, computador, reputação. O sentido pejorativo, ao que parece, surgiu pela primeira vez num texto escrito entre 1180-1230 d.e.c. Não é difícil explicar a deturpação do vocábulo. É que do verbo latino mereri, receber em pagamento, merecer uma quantia, proveio meretrix, “a que recebe seu soldo”, de cujo acusativo meretrice nos veio meretriz, que também, a princípio, não tinha sentido erótico. Mas, como putas e meretrizes, que se tornaram sinônimos, se entrevam não só para obter a fecundação da tribo, da terra, das plantas e dos animais, mas também recebiam dinheiro para o templo, ambas as palavras, muito mais tarde, tomaram o sentido que hoje possuem.

Não eram, todavia, apenas mulheres que “trabalhavam” para a deusa-Lua. Homens igualmente, embora fosse mais raro, após se emascularem, entregavam-se ao serviço da deusa. Na Índia, segundo W. H. Keating, os homens de Winnipeck consideram o sol como propício ao homem, mas julgam que a lua lhes é hostil e se alegra quando pode armar ciladas contra o sexo masculino. Desse modo, os homens de Winnipeck, se sonhassem com a lua, sentiam-se no dever de tornar-se cinaedi, quer dizer, homossexuais. Vestiam-se imediatamente de mulher e colocavam-se ao serviço da lua.

Cibele era a grande deusa frígia, trazida solenemente para Roma entre 205 e 204 a.e.c., durante a segunda Guerra Púnica. Identificada com a lua, protetora inconteste da mulher, seus sacerdotes, chamados Coribantes, Curets ou Galos e muitos de seus adoradores, durante as festas orgiásticas da Bona Mater, Boa Mãe, como era chamada em Roma, se emasculavam e cobriam-se com indumentária feminina e passava a servir à deusa-Lua Cibele.

No Egito e na Mesopotâmia as deusas-Lua Ísis e Istar sempre tiveram um grande número para os templos, para elas trabalhavam infatigavemnte. No judaísmo, as hierodulas causaram problemas sérios. Para Astarté, deusa-lua semítica da vegetação e do amor (a Afrodite do Oriente), as hierodulas,, sobretudo em Canaã, operevam, quer ao longo das estradas, quer nos próprios santuários da deusa. O dinheiro arrecadado, a que se dava o nome de “salário de meretriz” ou “de cachorro”, era entregue aos santuários. Sob a influência cananéia, o abuso penetrou também no culto israelítico, embora a Lei se opusesse energicamente a isso e proibisse que o dinheiro fosse aceito pelto Templo. Sob Manassés e Amon (séc. VII a.e.c.), as prostitutas sagradas instalaram-se no próprio Templo de Jerusalém. Foi necessário que Josias mandasse demolir suas habitações. Mais tarde, à época da desordem total, até pagãos as procuravam no Templo da Cidade Santa.

Na Grécia, à época histórica, emludar de oferecer seu corpo e sua virgindade em honra da deusa-lua, as mulheres ofereciam sua cabeleira.

A Afrodite, divindade do prazer pelo prazer, do amor universal, que circula nas veias de todas as criaturas, porque, antes de tudo, Afrodite é a deusa das “sementes”, da vegetação, estavam ligadas, à maneira oriental, as célebres hierodulas, as impropriamente denominadas prostitutas sagradas. Essas verdadeiras sacerdotisas entregavam-se nos templos da deusa aos visitantes, com o fito, primeiro de promover e provocar a vegetação e, depois, para arrecadar dinheiro para os próprios templos. No riquíssimo (graças às hierodulas) santuário de Afrodite no monte Érix, na Sicília, e, em Corinto, a deusa era cercada por mais de mil hierodulas, que, à custa dos visitantes, lhe enriqueciam o santuário. Personagens principais das famosas Afrodísias de Corinto, todas as noites elas saíam às ruas em alegres cortejos e procissões rituais. Embora alguns poetas cômicos, como Aléxis e Eubulo, ambos do século IV a.e.c., tivessem escrito a esse respeito alguns versos maliciosos, nos momentos sérios e graves, como nas invasões persas de Dario (490 a.e.c) e Xerxes (480 a.e.c.) se pedia às hierofuldas que dirigissem preces públicas a Afrodite. Píndaro, talvez o mais religioso dos poetas gregos, celbrou com um (skólion), isto é, com uma canção convival, um grande número de jovens hierodulas que Xenofonte de Corinto ofertou a Afrodite, em agradecimento por uma dupla vitória nos Jogos Olímpicos.

por Prof. Junito de Souza Brandão

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/as-prostitutas-da-antiguidade/ […]

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Os Cátaros e a Quarta Cruzada

O catarismo, do grego katharos, que significa puro, foi uma seita cristã da Idade Média, descendente direta dos essênios, que se tornou conhecida no Limousin (França) ao final do século XI, a qual praticava um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, manifestado num extremo ascetismo. Concebia a dualidade entre o espírito e a matéria, assim como, respectivamente, o bem e o mal. Os cátaros foram condenados pelo 4º Concílio Lateranense em 1215 pelo Papa Inocêncio III, e foram aniquilados durante a quarta cruzada e pelas ações da Inquisição, tornada oficial em 1233.

Que segredo possuíam os cátaros, para causar tanto mal estar à Igreja Católica?

Antes de começar com os Cátaros, seria interessante ao leitor acompanhar os textos mais antigos sobre como o cristianismo original se desenvolveu até chegar aos Cátaros e ao Sul da França:

– Bota o Natal na conta do Papa

– Jesus Cristo e Maria Madalena

– Pitágoras e Buda, os professores de Jesus

– Seria Yeshua um X-men?

– Que fim levaram os Apóstolos?

O maniqueísmo

Maniqueísmo, filosofia religiosa sincrética e dualística ensinada pelo profeta persa Mani (216-276), combinando elementos do Zoroastrismo, Cristianismo e Gnosticismo, condenado pelo governo do Império Romano, filósofos neoplatonistas e cristãos ortodoxos.

A igreja cristã de Mani era estruturada a partir dos diversos graus do desenvolvimento interior. Ele mesmo a encabeçava como apóstolo de Jesus Cristo. Junto a ele eram mantidos doze instrutores ou filhos da misericórdia. Seis filhos iluminados pelo sol do conhecimento assistiam cada um deles. Esses “epíscopos” (bispos) eram auxiliados por seis presbíteros ou filhos da inteligência. O quarto círculo compreendia inúmeros eleitos chamados de filhos e filhas da verdade ou dos mistérios. Sua tarefa era pregar, cantar, escrever e traduzir. O quinto círculo era formado pelos auditores ou filhos e filhas da compreensão. Para esse último grupo, as exigências eram menores. Mani foi um preservador da tradição gnóstica. Com a morte de Mestre Jesus, o Cristo, os discípulos se separaram em dois grupos, e fugiram. Um, como bem sabemos, o maior, seguiu para o Egito (onde escolas gnósticas floresceram nas décadas seguintes), seguindo depois para o porto de Marselha, na França. Tal é o motivo de Maria Madalena ser tão venerada na França, e Tiago ter seu famoso “Caminho de Santiago de Compostela”. Tal é o motivo das historias britânicas estarem estritamente relacionadas a José de Arimatéia e assim por diante. Do outro lado temos o grupo de Tomé, Simão o Mago, Matheus… que sobe para as regiões da Síria, onde pequenos núcleos de buscadores da gnosis serão formados. Décadas depois a Síria estará entre as regiões visitadas por Apolônio de Tyana e o gnóstico Paulo. Aliás, a Síria sempre foi objeto de grande interesse espiritual, séculos depois é para a Síria que os Templários se dirigem em busca dos Mistérios, e é igualmente para a Síria que Christian Rosenkrantz, o pseudônimo do fundador dos rosacruzes, se dirige, e lá encontra o seu “livro secreto”, e um “augusta fraternidade”.

“Coincidência” ou não, é impossível ignorar a importância dessa região. Algo, sem dúvida, devia haver lá.Então, esse segundo grupo de discípulos se dirige para a Síria. Há relatos que sugerem que Tomé teria passado um tempo lá e retornado para a Índia (como indica o Hino da Perola, que é simbólico, mas usa de base a historia de um príncipe que veio do Oriente). Curiosamente esse ‘Hino da Pérola’ (Ou ‘Hino da veste de glória’) vai ser divulgado a partir de escolas na Síria.

Entre a coleção de textos divulgados pela escola da Síria, está o dito Hino e também os escritos de Tomé; cópias do Evangelho de Tomé se preservaram graças a esses gnósticos antigos.

Além do Evangelho de Tomé, temos o “Livro de Tomé” redigido por Matheus enquanto Jesus conversava com Tomé, segundo consta o próprio livro. Esses textos são divulgados mais tarde principalmente por um gnóstico chamado Bardesanes, na Síria. Bardesanes não é nada menos que o avô de Mani. Portanto é nesse contexto gnóstico de Hinos da veste de glória e Evangelho de Tomé que Mani, o Profeta da Luz, é educado. Mani, jovem e inspirado, ignorou ingenuamente o perigo que vinha do oeste e ensinou abertamente a população; logo, os atentos olhos da Igreja de mão de ferro que se formava em Roma viram em Mani um problema.

Assim o maniqueísmo passou a ser combatido.

Os Paulicianos

Os Paulícianos ou Paulacianos eram um grupo de Cristãos considerados hereges pelo Catolicismo que predominavam na Armênia, antiga Babilônia, Síria, Palestina, Monte Arará, Cordilheira do Touro e Antióquia no Séc. VI d.c no chamado Império Bizantino.

Eles traziam os ensinamentos dos apóstolos que foram para a Síria e tiveram seu início a partir das pregações dos mesmos no primeiro século depois de Cristo.

O Imperador Justiniano ao promulgar seu código a partir de 525 d.C, declarou que o “rebatismo” ou “Anabatismo”(grego) era uma das heresias que deveriam ser punidas por morte, os Paulacianos tinham como apelido “Sabian” que expressava o ato de batizarem por imersão e rebatizarem indivíduos provindos do catolicismo, pois rejeitavam a submissão à Igreja Romana, por isso eram tidos como “Anabatistas hereges”.

Em 668 DC iniciou-se uma grande perseguição aos Paulacianos que provocou a morte de um de seus grandes líderes chamado Constantino em 690 DC,que foi morto apedrejado e seu sucessor queimado vivo. Eles tiveram um pequeno fôlego nos anos seguintes por conta do filho de Leão III, que simpatizava com a sua causa.

A Imperadora Teodósia, no séc.IX (842-867 DC) iniciou uma perseguição que matou 100.000 deles, pois eram acusados de Anabatismo e denominados Gnósticos e Maniqueísmo Dualistas. (não confundir Teodósia com Teodora, nem com Marósia que, assim como a Imperadora, também são gente que faz!) A Imperadora era defensora do culto com ícones (imagens), os Paulacianos porem negavam-se ao uso de imagens, rejeitavam cultos aos santos e culto a Maria.

Após as perseguições os então denominados hereges Paulacianos expandiram-se para os Balcãs ocidentais, dando origem aos Bogomilos e aos Albigenses nos Alpes do sul da França ao se unirem com os “hereges” que lá residiam.

Nos registros do século XII (mais precisamente no ano de 1.116 DC), um grupo que se denominava Paulaciano desembarcou na Inglaterra, sendo então perseguido pelo Imperador Henrique II que ordenou que fossem ferreteados na testa e expulsos do território Inglês. Alguns teólogos e historiadores pertencentes à Igreja Batista afirmam que os Paulacianos eram os “Batistas antes da Reforma”.

Os bogomilos diziam ser a “verdadeira e oculta Igreja Cristã”. Esta heresia precipitou o surgimento do catarismo e era tradicionalmente reconhecida por eclesiásticos e inquisidores como “tradição oculta por trás do catarismo”.

Os Cátaros

Nos meados do século XII, iniciou-se na Itália um movimento religioso denominado Catarismo (Albigenses), a doutrina dos cátaros era nitidamente diferente da Igreja Católica, numa reação à Igreja Católica e suas práticas, como a venda de indulgências, e a soberba vida dos padres e bispos da época, que viviam imersos em corrupção, prostituição e baixarias sem fim.

Os cátaros eram radicais e dualistas, assim como os maniqueístas; acreditavam que a salvação vinha em seguir o exemplo da vida de Jesus, negavam que o mundo físico imperfeito pudesse ser obra de Deus, acreditavam ser o mundo criação do príncipe das trevas, rejeitavam a versão bíblica da criação do mundo e todo o antigo testamento, acreditavam na reencarnação, não aceitavam a cruz, a confissão e todos os ornamentos religiosos.

Com medo da repressão da Igreja, os Cátaros mantiveram sua fé em segredo; porém, em pouco tempo esta ordem atraiu muitos seguidores. Cresceram bastante no sul da França e se estenderam a região do Flandres e da Catalunha, funcionaram abertamente com a proteção dos poderosos senhores feudais, capazes de desafiar até mesmo o Papa.

O chamado “Pays Cathare” (País Cátaro) se estendia pela zona chamada Occitania , atual Languedoc, em uma extensão fronteiriça com Toulouse até o oeste, nos Pirineus até o sul, e no Mediterráneo até o leste. Em definitivo, uma área política que, durante o século XIII, limitava-se com a Coroa de Aragão, França e condados independentes como o de Foix e Toulouse.

As cerimônias cátaras eram muito simples e consistiam basicamente em um sermão breve, uma benção e uma oração ao Senhor; essa simplicidade influenciou posteriormente uma gama de seguimentos protestantes. Possuíam duas classes ou graus.

Os leigos eram conhecidos como crentes e a esses não eram exigidos seguir suas regras de abstinência reservada aos perfecti, ou bonhomes eleitos, que formavam a mais alta hierarquia do catarismo. Para ser um perfecti tinham que tanto homem quanto mulher, passar por um período de provas nunca inferior a 2 anos, e durante esse tempo, faziam a renúncia de todos os bens terrenos, abstinham de carne e vinho, não poderiam ter contato com o sexo oposto. Depois deste período o candidato recebia sua iniciação conhecida com o nome de Consolamentum que era realizada em público. Essa cerimônia parecia com o batismo e continha também uma confirmação e uma ordenação.

Na idade média, marcada pela violência e pela sede de poder da igreja Católica Romana, o Catarismo chocou-se frontalmente com o dogmatismo da Igreja. A religião cátara propunha, como aspectos básicos, a reencarnação do espírito, a concepção da terra como materialização do Mal, por encher a alma de desejos e prende-la às coisas efêmeras do mundo, e do céu como a do Bem, numa concepção dualista do mundo. Mas o principal ponto de discórdia tenha sido o de que os cátaros não admitiam qualquer tipo de intemediação entre o homem e Deus. Sem papa, sem dízimo. Neste ponto o leitor já deve ter uma noção que uma religião como esta não duraria muito quando a Igreja católica resolvesse agir, certo?

A Cruzada Albigesa

A Cruzada Albigesa (devido à cidade de Albi), comandada por Simon de Montfort (1209 – 1224) e pelo Rei Luis VIII (1226-1229) durou 40 anos. A perseguição arrasou a região dos Cátaros, a resistência teve que enfrentar-se com duas forças enormes, o poder militar do Rei de França e o poder espiritual da Igreja Católica.

Na primeira fase da cruzada, foi destruída a cidades de Béziers (1209), onde 60.000 pessoas morreram. Destruída a cidade, os cruzados marcham para a cidade de Carcassone, onde Simon de Montfort se apossa dos condados de Trencavel (carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi.

Em Béziers, tornou-se célebre o diálogo entre o comandante dos cruzados e o representante do papa: Disse o comandante “Mas senhor, nesta cidade encontram-se vivendo em paz cristãos, judeus, árabes e cátaros. Como vamos saber quais são os inimigos?” ao que a Igreja respondeu “Matem todos; Deus escolherá os seus!”

Em 1216, houve outra investida contra os cátaros. Simon morre em 1218, acabando também a cruzada, sem, entretanto, extinguir a heresia. Amaury, filho de Montfort, oferece as terras conquistadas por seu pai a Felipe Augusto, rei da França que as recusa, porém seu filho Luís VIII acabará aceitando as terras.

Em 1224 Luís VIII liderando os barões do norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges. O resultado dessa disputa foi um acordo imposto pelo rei da França aos Senhores feudais das áreas conquistadas e conseqüentemente os domínios disputados passariam para a coroa da França (Tratado de Meaux, 1229).

Militarmente, apesar de terem o apóio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir ao genocídio das cruzadas, embora elas não tenham conseguido erradicar o Catarismo de forma definitiva… até a Inquisição!

Muitos dos Cátaros encontraram refúgio dentro das Ordens Templárias, chegando até mesmo a executar seus rituais dentro das Igrejas e Castelos templários. O abrigo e proteção aos Cátaros foi uma das inúmeras alegações que a Igreja usou contra os Templários em 1314.

Os Cátaros deram origem aos primeiros grupos dos chamados “Alquimistas” e seus textos simbólicos, que a partir do século XVII passaram ser conhecidos como Rosacruzes.

Líderes Templários do Período:
Gilbert Horal: Um grande líder templário, que tentou estabelecer alianças e fazer as pazes com os muçulmanos. Por conta disso, as tensões entre os Templários e os Hospitalários ficaram maiores do que nunca, a ponto quase de eclodir uma guerra interna entre os cavaleiros. Durante as reuniões com o papa Inocente III, este argumentou a favor dos Hospitalários, pois o papa estava furioso com os acordos de paz entre os Templários e Malek-Adel, irmão de Saladino. Gilbert organizou e ampliou as posses dos Templários na França.
Phillipe de Plessis: foi o décimo-terceiro Grão Mestre Templário, de 1201 a 1208. Ele se juntou aos cruzados durante a Terceira Cruzada e acabou conhecendo e se iniciando nos místérios Templários em Jerusalém. Não houveram muitas intervenções militares durante seu governo, pois a 4a cruzada nunca saiu da europa; os Templários atingiram seu pico de influencia e força e criaram uma grande disputa com os Teutônicos na Germania (o que quase causou a expulsão dos Templários do território, se não fosse a intervenção do papa).

#Templários

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O Estado Anti-Islâmico

O termo Islã deriva de uma antiga palavra árabe que significa “submissão”. Num contexto místico-religioso, é claro que estamos falando de uma “submissão a Deus” e, dessa forma, fica subentendido que todos os verdadeiros islâmicos, os realmente religiosos e místicos, buscam a Deus dentro de si e em tudo o que há. A sua guerra é interna, e a única conquista que desejam é o amor divino.

O Estado Islâmico, dessa forma, está mais para Anti-Islâmico; eles não se submetem de fato a alguma divindade que lhes habita a alma, mas tanto o inverso disto: esperam que o mundo inteiro se submeta as suas regras, ao seu califado sombrio.

Eles basicamente entenderam a religião pelo inverso, mas isto não ocorreu da noite para o dia, e nem é exclusividade do islamismo, ou mesmo de doutrinas religiosas desvirtuadas. Como sabemos, os homens se dedicam a se matar uns aos outros há tempos e pelas mais variadas razões, e ainda que por vezes tentem justificar sua carnificina usando o nome de Deus, na prática eles fazem guerras pelo mesmo motivo de sempre, a mesma ignorância antiga e persistente: por estarem submissos aos territórios, as riquezas e ao poder mundano.

Para os que buscam “evangelizar” o terror, “Deus” é apenas uma palavra, uma desculpa. Como não conseguem se submeter ao Deus que lhes habita, como o evitam a todo custo e a todos os momentos, como temem se abandonar no amor, e aniquilar os seus próprios egos, eles buscam justificar sua própria ignorância da religião subvertendo o sentido de tudo: o caminho então já não é buscar a Deus em mim, mas ter certeza de que todos creiam na mesma doutrina que eu creio, nem que para isso eu precise recorrer a violência extrema, ao caos e ao medo.

Apesar de muitas doutrinas religiosas e ideologias políticas terem a sua cota de sangue pela história humana, é inegável o fato de que hoje, no início deste novo século, foi o islamismo quem pariu a cria mais nefasta e perigosa. E quem deve admitir isto são primeiramente os próprios islâmicos, uma vez que são eles os que mais sofrem com o chamado Estado Islâmico: os países que fazem fronteira com suas bordas no Iraque e na Síria, em sua maioria de muçulmanos, são aqueles que mais sofreram atentados, os que mais tiveram baixas em combates militares, e os que mais receberam refugiados.

No entanto, como vinha dizendo, tal organização pseudo-religiosa não surgiu do dia para a noite. O Estado Islâmico é uma cria do wahabismo, e o wahabismo não teria chegado onde chegou não fosse pela condescendência da Arábia Saudita.

Fica mais fácil explicar contanto uma triste história:

Era manhã em Karbala, uma cidade próxima de Bagdá, e o mercado local estava cheio quando todos ouviram gritos. Um grupo de homens vestidos de preto, levando espadas e bandeiras negras, invadiu o mercado matando crianças, mulheres, idosos e adultos; indistintamente e sem pena. Eles continuaram com a matança avançando pelas ruas até tomar o controle de toda a cidade. Alguns afirmam que, apenas neste dia, cerca de 4 mil pessoas morreram.

Os homens vestidos de preto que organizaram tal ataque não eram do Estado Islâmico. O massacre ocorreu há mais de 200 anos e o grupo era comandando por um dos primeiros governantes da Arábia Saudita, que havia acabado de fundar um novo movimento religioso ultraortodoxo e radical dentro do Islã, o wahabismo.

Segundo o professor Bernard Haykel, de Princeton, especialista em teologia islâmica [1], “o wahabismo sempre foi descrito popularmente como a mãe de todos os movimentos fundamentalistas”. “No entanto” – ele prossegue –, “para encontrar a inspiração ideológica destes movimentos é preciso voltar ao salafismo jihadista”.

O salafismo remonta ao século 19 e uma de suas figuras mais influentes foi um homem chamado Muhammad ibn Abd al Wahhab, um pregador nascido em um lugar remoto da Península Árabe em torno de 1703. Segundo Haykel, “ele acreditava que os muçulmanos tinham se distanciado da verdadeira mensagem do Islã, e ficou horrorizado com o que via em Meca, o lugar sagrado para os muçulmanos, com os nobres vestidos de forma extravagante, fumando haxixe e escutando música”.

Wahhab era um fundamentalista que queria “purificar” o Islã, crendo que para tal bastaria que todos se voltassem aos princípios básicos da fé. E assim, gradualmente, suas ideias foram se espalhando… Mas é claro que nem todos estavam de acordo e, como era de se esperar, ele acabou expulso do vilarejo onde morava.

Após peregrinar sem rumo, eventualmente encontrou abrigo junto ao homem que governava uma pequena cidade vizinha, Muhammad Ibn Saud, com quem fechou um acordo em 1744. Com este acordo, foram firmadas as bases para a formação de toda a região: Saud se comprometeu a apoiar Wahhab política e militarmente e, em troca, Wahhab conferiria a Saud uma “legitimidade religiosa”.

Juntos, eles tomaram o controle de muitas cidades no entorno. Saud reinava e Wahhab pregava e colocava em prática o que acreditava ser “o islamismo puro”. Segundo Haykel, “eles tinham listas de todos os membros da comunidade e assim garantiam que todos eles iam à mesquita cinco vezes ao dia para orar. Era uma imposição da fé que aplicavam quase como justiceiros, uma versão intolerante da fé que no Islã tradicional não existe”.

A aliança entre Wahhab e Saud continuou conquistando territórios. Pelo final do século 18 eles já controlavam quase toda a Península Árabe. Desta forma foi estabelecida a união histórica entre a Arábia Saudita e o wahabismo. Portanto, não deveria causar espanto que muitas das execuções transmitidas online pelo Estado Islâmico sejam muito parecidas com as execuções oficiais da Arábia Saudita: não poderia ser de outra forma, pois que ambos os estados, o oficial e o terrorista, de certa forma seguem a uma mesma lei sombria.

Nos dias de hoje há um debate acirrado entre os especialistas sobre se realmente Wahhab pregava a violência ou se suas ideias foram manipuladas por Saud e pelos descendentes e partidários que vieram depois dele, e eventualmente fundaram a Arábia Saudita em 1932, mas seja como for, fato é que a ignorância do verdadeiro Islã venceu, e o que restou foi somente o dogma e a violência, sem muito espaço para nada que lembre, nem de longe, alguma espécie de misticismo.

Decerto não ajudou em nada o Reino dos Saud estar situado bem em cima das maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Somente tanta riqueza farta, afinal de contas, pode explicar como a sua monarquia sobreviveu até o nosso século, e como ainda conseguem se manter aliados do Ocidente e dos EUA, que convenientemente se esquecem de que os maiores grupos terroristas da nossa época basicamente não existiriam não fosse pela “vista grossa” que os governantes sauditas fizeram e ainda fazem em relação ao wahabismo.

Claro que estou resumindo bastante a história. Sempre vale lembrar que há séculos persiste o conflito entre duas vertentes do Islã: os sunitas e os xiitas [2]. No atual jogo de xadrez do Oriente Médio, a maior nação xiita é o Irã, enquanto que a maior nação sunita é a própria Arábia Saudita. Dessa forma, uma vez o wahabismo sendo uma vertente radical do sunismo, também foi sempre conveniente para os governantes árabes “fingirem que não estavam vendo” grupos radicais surgindo aqui e ali, dentro de seu próprio território, uma vez que eles eram a promessa de muito trabalho para os seus inimigos iranianos.

Mas certamente ninguém imaginou que a ignorância e a violência chegariam aos níveis atuais. Claro, é bem provável que o mar de refugiados batendo a porta da Europa tenha causado mais problemas para as “boas relações” do Ocidente com os sauditas do que propriamente os anos e anos de extermínios no Iraque, na Síria e no Curdistão, mas fato é que ainda hoje há muita gente que lucra com o Estado Islâmico. Afinal, eles ainda têm de encontrar compradores para sua produção de petróleo nos poços que vieram a conquistar; e, da mesma forma, alguém tem de estar lhes vendendo armamento de guerra. Quem será? Interessa ao Ocidente saber? Vocês me digam…

O Estado Islâmico é um câncer e uma mancha cada vez mais sombria na luz do verdadeiro Islã. Mas é chegada a hora de enfrentá-los de verdade, pois temos visto que apenas o discurso não tem dado tão certo.

E, no entanto, por mais bombas que joguem em suas cabeças, nada me parece tão letal para a sua doutrina do que estas palavras, as palavras de um poeta do século 13, um poeta que também foi um religioso islâmico, e é lembrado até hoje. O wahabismo é incapaz de sobreviver à poesia de Jalal ud-Din Rumi:

O que eu posso fazer, ó muçulmanos? Eu não me conheço mais. Não sou cristão ou judeu. Nem um islâmico, nem um mago. Não venho nem do Oriente nem do Ocidente. Nem do continente, nem do mar. Tampouco do Manancial da Natureza, ou dos céus circundantes. Nem da terra, nem da água, nem do ar, nem do fogo.

Não venho do trono, nem do solo. Nem da existência, nem do ser. Nem da Índia, nem da China, Bulgária ou Saqseen; nem do reino do Iraque ou de Khorasan; nem deste mundo nem do próximo: nem céu nem inferno. Nem de Adão nem de Eva. Nem dos jardins do Paraíso nem do Éden.

Meu lugar é sem lugar, minhas pegadas não deixam rastros. Nem corpo nem alma: tudo que há é a vida do meu Amado.

Eu afastei toda dualidade: eu vi dois mundos como um. Eu desejo Um, eu conheço Um, eu vejo Um, eu clamo: “Um”.

***
[1] Trechos retirados de artigo da BBC.
[2] A história remonta a uma cisma ocorrida ainda no século 7, 30 anos após a morte de Maomé, quando após o assassinato do atual califa (governante religioso), um grupo (os xiitas) defendeu que um primo de Maomé deveria ser o novo califa, enquanto outro (os sunitas) defendeu que tal cargo caberia a um amigo de Maomé, que no entanto não era seu parente de sangue. Os sunitas venceram a disputa e, ainda hoje, são o grupo majoritário, com cerca de 84% dos islâmicos do globo.

***

Para quem quiser se aprofundar no tema, indico o livro Estado Anti-Islâmico da jornalista brasileira e muçulmana Chadia Kobeissi (obs.: este artigo originalmente foi publicado em meu blog anteriormente ao lançamento do livro, o título similar é somente uma feliz coincidência).

Crédito da imagem: Google Image Search/khamenei.ir (uma comparação entre as execuções na Arábia Saudita e no Estado Islâmico)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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#guerra #Islamismo #Rumi

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A Voz do Silêncio

Tradução de Carlos Cardoso Aveline

Prefácio de Helena Blavatsky

As páginas que se seguem têm como origem o Livro dos Preceitos de Ouro, uma das obras que são colocadas nas mãos dos estudantes místicos do Oriente. O conhecimento destas páginas é obrigatório naquela Escola cujos ensinamentos são aceitos por muitos teosofistas. Portanto, como conheço de memória muitos destes Preceitos, o trabalho de traduzi-los foi uma tarefa relativamente fácil para mim.

É bem sabido que, na Índia, os métodos de desenvolvimento psíquico diferem de acordo com os Gurus (professores ou mestres), não só porque eles pertencem a diferentes escolas de filosofia, das quais existem seis, mas também porque cada Guru tem o seu próprio sistema e o mantém em grande segredo. Porém do outro lado dos Himalaias o método das Escolas Esotéricas não difere, a menos que o Guru seja simplesmente um Lama, e tenha poucos conhecimentos mais do que aqueles a quem ensina.

A obra da qual eu traduzo o material aqui publicado faz parte da mesma série de que foram tiradas as “Estâncias” do Livro de Dzyan, e nas quais se baseia a Doutrina Secreta. Assim como a grande obra mística chamada Paramartha − que, segundo conta a lenda de Nagarjuna, foi dada ao grande Arhat pelos Nagas ou “Serpentes” (na verdade um termo usado para designar os antigos Iniciados) −, o Livro dos Preceitos de Ouro reivindica a mesma origem. No entanto, as suas máximas e suas ideias, embora sejam nobres e originais, são frequentemente encontradas sob diferentes formas em obras sânscritas como o Dnyaneshvari, aquele esplêndido tratado místico no qual Krishna descreve para Arjuna, em cores brilhantes, o estado de um Iogue plenamente iluminado; e também em certos Upanixades. Isto é bastante natural, já que a maior parte, se não a totalidade dos grandes Arhats − os primeiros seguidores de Gautama Buddha − eram hindus e arianos, não mongóis, especialmente os que emigraram para o Tibete. Só as obras deixadas por Aryasangha já são muito numerosas.

Os Preceitos originais estão gravados em finas folhas ou lâminas oblongas; as cópias são feitas, com muita frequência, em discos. Estes discos, ou chapas, são geralmente preservados nos altares dos templos que existem junto aos centros onde as Escolas chamadas de contemplativas, ou Mahayana (Yogacharya), estão estabelecidas. Os Preceitos são escritos de várias maneiras, às vezes em tibetano, e na maior parte dos casos em escrita ideográfica. A língua sacerdotal (Senzar), além de possuir o seu próprio alfabeto, também pode ser usada em vários tipos de escrita, em símbolos cifrados que parecem mais ideogramas do que sílabas. Outro método (lug, em tibetano) consiste em usar algarismos e cores, cada um dos quais corresponde a uma letra do alfabeto tibetano (trinta letras simples, e setenta e quatro letras compostas), formando-se assim um alfabeto criptográfico completo. Quando são usados os ideogramas, há um modo definido de ler o texto, porque, neste caso, os símbolos e sinais usados em astrologia − isto é, os doze animais do zodíaco e as sete cores primárias, cada uma delas com três tonalidades, a mais clara, a básica e a mais escura − correspondem às trinta e três letras do alfabeto simples, para as palavras e as frases. Por isso, neste método, os doze “animais”, repetidos cinco vezes e associados aos cinco elementos e às sete cores, formam um alfabeto inteiro, composto de sessenta letras sagradas e doze signos. Um sinal, colocado no início do texto, determina se o leitor deve formar as palavras do modo indiano, segundo o qual cada palavra é simplesmente uma adaptação do sânscrito, ou de acordo com o princípio chinês da leitura por ideogramas. A maneira mais fácil, no entanto, é a que permite ao leitor não usar nenhuma língua em especial, ou usar qualquer língua, já que os sinais e símbolos eram, assim como os números ou algarismos arábicos, propriedade comum e internacional dos místicos iniciados e os seus seguidores. A mesma peculiaridade é característica de um dos modos chineses de escrever, que pode ser lido com igual facilidade por qualquer um que esteja familiarizado com o símbolo: por exemplo, um japonês pode lê-lo em sua própria língua, assim como um chinês o lê com igual facilidade em seu idioma.

O Livro dos Preceitos de Ouro − alguns dos quais são pré-budistas enquanto outros pertencem a uma data posterior − contém cerca de noventa diferentes tratados pequenos. Destes, eu memorizei trinta e nove, alguns anos atrás. Para traduzir o resto, eu teria que recorrer a notas espalhadas por um número excessivamente grande de papéis e memorandos reunidos durante os últimos vinte anos e que nunca foram colocados em ordem, para que a tarefa se tornasse pelo menos um pouco mais fácil. Além disso, nem todos eles poderiam ser traduzidos para um mundo tão egoísta e tão apegado aos objetos dos sentidos que não está preparado, de modo algum, para receber do modo correto uma ética tão elevada. Porque, a menos que o homem persevere seriamente na busca do autoconhecimento, ele jamais ouvirá com boa vontade conselhos desta natureza.

E, no entanto, esta ética ocupa volumes e volumes da literatura oriental, especialmente nos Upanishads. “Mate o desejo de viver”, diz Krishna a Arjuna. Este desejo se concentra apenas no corpo, o veículo do eu materializado, e não no EU que é “eterno, indestrutível, que não mata nem pode ser morto” (Katopanishad). “Mate a sensação”, ensina o Sutta Nipata; “olhe do mesmo modo para o prazer e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota.” E ainda: “Busque refúgio apenas no Eterno” (ibid). “Destrua o sentido de separatividade”, repete Krishna de muitas maneiras diferentes. “A mente (Manas) que segue os sentidos oscilantes torna a alma (Buddhi) tão indefesa quanto o barco que o vento leva à deriva pelas águas.” (Bhagavad Gita, cap. II)

Portanto, foi considerado mais correto fazer apenas uma seleção sábia daqueles tratados que serão mais úteis para os poucos realmente místicos da Sociedade Teosófica, e que irão, certamente, atender às necessidades deles. Só eles serão capazes de apreciar estas palavras de Krishna-Cristos, o “Eu Superior”:

“Os sábios não se preocupam nem pelos vivos nem pelos mortos. Eu nunca deixei de existir, nem você, nem estes líderes dos homens. Nenhum de nós jamais deixará de existir.” (Bhagavad Gita, cap. II)

Nesta tradução, fiz o melhor que pude para preservar a beleza poética da linguagem simbólica que caracteriza o original. Cabe ao leitor avaliar até que ponto o esforço foi bem sucedido.

“H.P.B.”, 1889.

A VOZ DO SILÊNCIO

1. Estas instruções são para aqueles que ignoram os perigos dos IDDHI inferiores.

2. Aquele que pretende ouvir a voz de Nada , o “Som Sem Som”, e compreendê-la, deve aprender antes a natureza de Dharana.

3. Tendo se tornado indiferente aos objetos de percepção, o aluno deve buscar o Rajá dos sentidos, o Produtor do Pensamento, aquele que desperta a ilusão.

4. A Mente é o grande Assassino do Real.

5. O Discípulo deve matar o Assassino.

Porque −

6. Quando para ele mesmo a sua forma parecer irreal, como parecem irreais ao despertar as formas que ele vê em sonhos;

1 A palavra páli Iddhi é sinônimo do termo sânscrito Siddhi, e se refere às faculdades psíquicas, os poderes anormais no homem. Há dois tipos de Siddhis. Um grupo abrange as energias inferiores, grosseiras, psíquicas e mentais; o outro grupo exige o mais elevado treinamento dos poderes Espirituais. Krishna afirma no Shrimad Bhagavad [Bhagavad Gita]: “Aquele que se dedica à realização da Ioga, que controlou seus sentidos e concentrou sua mente em mim (Krishna) a tal Iogue todos os Siddhis estão prontos para servir.”

2 A “Voz Sem Som”, ou a “Voz do Silêncio”. Do ponto de vista literal, talvez a melhor tradução seja “A Voz no Som Espiritual”, já que Nada é a palavra equivalente, em sânscrito, de um termo em senzar.

3 Dharana é a intensa e perfeita concentração da mente sobre um objeto interior, acompanhada de completa abstração de tudo o que pertence ao Universo externo, ou ao mundo dos sentidos.

7. Quando ele tiver cessado de escutar os muitos, ele poderá discernir o UM − o som interno que
mata os sons externos.

8. Só então, e não antes disso, ele poderá abandonar a região de Asat, do falso, para vir até o reino de Sat, o verdadeiro.

9. Antes que a Alma possa ver, a Harmonia interior deve ser alcançada e os olhos físicos precisam ficar cegos para toda ilusão.

10. Antes que a Alma possa ouvir, a imagem (o homem) deve tornar-se surda tanto para rugidos como para sussurros, e tanto para o bramido dos elefantes quanto para o leve zumbido do vaga- lume dourado.

11. Antes que a Alma possa compreender e possa lembrar, ela deve estar unida ao Orador Silencioso, assim como a forma pela qual a argila é modelada se une, primeiro, à mente do oleiro.

12. Porque então a Alma irá escutar, e ela lembrará.

13. E então falará, ao ouvido interno – E ela dirá: A VOZ DO SILÊNCIO

14. Se tua Alma sorri enquanto se banha na luz do Sol da tua Vida; se tua Alma canta dentro da sua crisálida de carne e matéria; se tua Alma chora dentro do seu castelo de ilusão; se tua Alma luta para romper o cordão de prata que a liga ao MESTRE, então fica sabendo, ó Discípulo, que a tua Alma é da terra.

15. Quando diante do tumulto do mundo a tua Alma florescente se põe a escutar; quando tua Alma responde à voz ruidosa da Grande Ilusão; quando, assustada por ver as lágrimas quentes do sofrimento, ensurdecida pelos gritos de aflição, tua Alma se retira como a tímida tartaruga para dentro da carapaça do SEU PRÓPRIO INTERIOR, percebe, ó Discípulo, que tua alma não é um templo digno do Silencioso “Deus” dela própria.

16. Quando, tornando-se mais forte, a tua Alma sai do seu retiro seguro; e, rompendo com o santuário protetor, estende o seu fio de prata e se apressa para avançar; quando, olhando para sua própria imagem nas ondas do Espaço, ela murmura: “esta sou eu” − confessa, ó Discípulo, que tua Alma está presa pelas redes da ilusão.

17. Esta terra, Discípulo, é o Salão do Sofrimento, e nele, ao longo de um Caminho de duras provações, há armadilhas para fascinar o Eu através da ilusão chamada “Grande Heresia”.

18. Esta terra, ó Discípulo ignorante, é apenas a entrada sombria que leva à luz fraca existente antes do vale da verdadeira luz − aquela luz que nenhum vento pode apagar, a luz que queima sem uma mecha, e sem combustível.

19. Diz a Grande Lei: “Para que tu te tornes CONHECEDOR de TODO SER, tu tens primeiro que conhecer o SER”. Para alcançar o conhecimento daquele SER, tu deves desistir do Eu em função do Não-Eu, e desistir do ser em função do não-ser. Então poderás repousar entre as asas do GRANDE PÁSSARO. Sim, agradável é o repouso entre as asas daquilo que não nasce, nem morre, mas é o AUM, ao longo das eras da eternidade.

20. Cavalga o Pássaro da Vida, se quiseres ter conhecimento.

21. Renuncia à tua vida, se queres viver.

22. Três Salões, ó Peregrino exausto, conduzem ao final da fadiga. Três Salões, ó vencedor de Mara, te levarão através de três estados até o quarto , e dali até os sete Mundos, os mundos do Descanso Eterno.

23. Se queres aprender os nomes deles, então escuta com toda atenção e lembra.

24. O nome do primeiro Salão é IGNORÂNCIA − Avidya.

25. Este é o Salão em que tu viste a luz, em que tu vives e morrerás.

26. O nome do segundo Salão é Salão do APRENDIZADO. Nele a tua alma encontrará as flores da vida, mas sob cada flor haverá uma serpente enroscada.

27. O nome do terceiro Salão é SABEDORIA, além do qual se estendem as águas sem praia de AKSHARA, a indestrutível Fonte da Onisciência.

28. Se queres atravessar o primeiro Salão em segurança, não deixes que a tua mente confunda o fogo da luxúria, que arde ali, com a luz do sol da vida.

29. Se queres atravessar o segundo Salão em segurança, não pares para experimentar a fragrância fascinante das suas flores. Se queres libertar-te das correntes cármicas, não procures o Guru nestas regiões mayávicas.

30. Os SÁBIOS não se demoram nas regiões prazenteiras dos sentidos.

31. Os SÁBIOS não dão atenção às vozes encantadoras da ilusão.

32. Busca por aquele que te fará nascer no Salão da Sabedoria, o Salão que está mais além. Nele todas as sombras são desconhecidas, e a luz da verdade brilha com uma glória que jamais perde sua força.

33. Aquilo que nunca foi criado está presente em ti, Discípulo, assim como está presente naquele Salão. Se queres alcançá-lo e unir os dois, deves deixar de lado as tuas escuras vestimentas de ilusão. Endurece a voz da carne, não deixes que imagem alguma dos sentidos se ponha entre a sua luz e a tua, de modo que assim os dois possam tornar-se um. E, tendo compreendido a tua própria Ajnyana, foge do Salão do Aprendizado. Este Salão é perigoso em sua beleza pérfida. Ele só é necessário para a tua provação. Cuida, Lanu, para não ser fascinado e capturado por esta luz enganosa.

34. Esta luz brilha desde a joia do Grande Enganador (Mara). Ela domina os sentidos, cega a mente, e deixa o imprudente abandonado e destruído.

35. A mariposa atraída para a luz deslumbrante do teu lampião noturno está condenada a perecer no óleo viscoso. A alma imprudente que deixa de lutar contra o demônio da imitação e da ilusão, retornará à terra como escrava de Mara.

36. Observa as Hostes de Almas. Olha como elas pairam sobre o mar tempestuoso da vida humana, e como, exaustas, sangrando, com as asas quebradas, caem uma depois da outra nas ondas crescentes. Levadas por ventos terríveis, perseguidas pelo temporal, elas vão à deriva até os remoinhos, e desaparecem dentro do primeiro grande vórtice.

37. Se queres alcançar o Vale da Bem-Aventurança através do Salão da Sabedoria, Discípulo, fecha com força os teus sentidos contra a terrível heresia da Separatividade que te afasta do resto.

38. Não deixes que o teu “Nascido-no-Céu”, submerso no mar de Maya, rompa com a Fonte Universal (ALMA), mas faz com que o poder flamejante se retire até a câmara mais interna, a câmara do Coração, e moradia da Mãe do Mundo.

39. Então, desde o coração aquele Poder surgirá no sexto, a região do meio, o lugar entre os teus olhos, e se transformará no alento da ALMA UNA, a voz que tudo permeia, a voz do teu Mestre.

40. Só então tu podes tornar-te um “Caminhante do Céu”, que pisa os ventos sobre as ondas e cujo passo não toca as águas.

41. Antes de colocares o teu pé sobre o degrau superior da escada, na escala dos sons místicos, deves escutar de sete maneiras a voz do teu DEUS interior.

42. O primeiro som é como a voz doce do rouxinol cantando uma canção de despedida para sua companheira.

43. O segundo vem como o som de um címbalo prateado dos Dhyanis, acordando as estrelas cintilantes.

44. O próximo é como o lamento melodioso de um espírito do oceano, preso em sua concha.

45. E este é seguido pelo canto da Vina.

46. O quinto alcança o teu ouvido como o som agudo da flauta de bambu.

47. Ele muda em seguida para o toque de uma corneta.

48. O último vibra como o rolar distante e pesado de um trovão pela nuvem.

49. O sétimo engole todos os outros sons. Eles morrem, e então já não são ouvidos.

50. Quando os seis são destruídos e colocados aos pés do Mestre, então o discípulo se une ao UM, torna-se aquele UM e nele vive.

51. Antes de ingressar neste caminho, tu deves destruir o teu corpo lunar, limpar o teu corpo mental, e tornar puro o teu coração.

52. As águas puras da vida eterna, cristalinamente claras, não podem misturar-se às águas lamacentas da tempestade tropical.

53. A gota de orvalho do céu que brilha no meio da flor de lótus com o primeiro raio de sol da manhã, quando cai na terra se torna um pedaço de barro; olhe, a pérola agora é uma partícula de lama.

54. Luta contra teus pensamentos impuros antes que eles te dominem. Usa-os como eles te usarão, porque se os poupares e deixares que criem raízes e cresçam, deves saber que estes pensamentos te dominarão e te matarão. Tem cuidado, Discípulo, não deixes sequer que a sombra de tais pensamentos se aproxime. Porque a sombra crescerá, aumentará em tamanho e poder, e então esta coisa de escuridão absorverá o teu ser antes que tu tenhas percebido bem a presença do monstro preto e repugnante.

55. Antes que o “Poder místico” 33 possa fazer de ti um Deus, Lanu, tu deves ter desenvolvido a capacidade de destruir à vontade a tua forma lunar.

56. O Eu Material e o EU Espiritual nunca podem encontrar-se. Um dos gêmeos deve desaparecer; não há lugar para ambos.

57. Antes que a mente da tua Alma possa compreender, o casulo da personalidade deve ser esmagado; a lagarta dos sentidos deve ser destruída além da possibilidade de ressurreição.

58. Não podes trilhar o Caminho antes de te transformares no próprio Caminho.

59. Que tua Alma ouça cada grito de dor, assim como a flor de lótus se abre para beber o sol da manhã.

60. Não deixes que o sol ardente seque uma só lágrima de dor antes que tu a tenhas tirado do olho daquele que sofre.

61. Mas faz com que cada lágrima humana caia queimando no teu coração e lá permaneça; não a afastes jamais, antes que a dor que a causou tenha sido removida.

62. Estas lágrimas, ó ser de coração extremamente piedoso, estas são as correntes que irrigam os campos da compaixão imortal. É neste solo que nasce a flor da meia-noite de Buddha, mais difícil de encontrar e mais rara que a flor da árvore de Vogay. É a semente da libertação dos renascimentos. Ela isola o Arhat tanto do conflito como da luxúria, e o leva através dos campos do Ser até a paz e a bem-aventurança conhecida apenas na terra do Silêncio e do Não-Ser.

63. Mata o desejo; mas, se o matas, cuida para que ele não ressurja dos mortos outra vez.

64. Mata o amor à vida, mas, se matas Tanha, que isso não seja por uma sede de vida eterna, mas sim para substituir o que é passageiro pelo que é eterno.

65. Não desejes coisa alguma. Não te irrites com o Carma, nem com as leis imutáveis da Natureza. Mas luta apenas com o que é pessoal, com o transitório, o evanescente e o perecível.

66. Ajuda a Natureza e trabalha com ela; e a Natureza te verá como um dos seus criadores, e te obedecerá.

67. E ela abrirá diante de ti os portais das suas câmaras secretas, e revelará diante do teu olhar os tesouros ocultos nas profundezas do seu puro seio virgem. Jamais manchada pela mão da Matéria, ela mostra os seus tesouros apenas para o olho do espírito − o olho que jamais se fecha, a visão diante da qual não há um só véu, em todos os reinos da natureza.

68. Então ela te mostrará os meios e o caminho, o primeiro portão e o segundo, o terceiro, até o próprio sétimo portão. E, então, a meta; depois da qual estão, sob o sol do Espírito, glórias indizíveis que só o olho da Alma pode ver.

69. Há uma única estrada para o Caminho; só no seu final a Voz do Silêncio pode ser ouvida. A escada pela qual o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e dor, e estes só podem ser silenciados pela voz da virtude. Ai de ti, portanto, discípulo, se houver um só vício que ainda não abandonaste; porque então a escada cederá e te derrubará. O pé desta escada se apoia na lama profunda dos teus pecados e falhas, e, antes que tu possas tentar atravessar este amplo abismo de matéria, tens que lavar os teus pés nas Águas da Renúncia. Cuida para não pôr um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa sujar um degrau com pés enlameados. O barro mau e pegajoso seca, se torna resistente, e então gruda os seus pés naquele ponto. E, assim como um pássaro preso pela isca do caçador astuto, ele fica impossibilitado de obter mais progresso. Os seus vícios tomam forma e o arrastam para baixo. Seus pecados erguem suas vozes como a risada e o soluço do chacal depois que o sol se pôs. Os seus pensamentos se tornam um exército e o levam para longe como um escravo e um prisioneiro.

70. Mata teus desejos, Lanu, torna teus vícios impotentes, antes que seja dado o primeiro passo da viagem solene.

71. Estrangula os teus pecados e torna-os mudos para sempre, antes de erguer um pé para subir pela escada.

72. Silencia os teus pensamentos e fixa toda tua atenção em teu Mestre, que ainda não vês, mas sentes.

73. Funde os teus sentidos em um só sentido, se queres estar seguro contra o inimigo. É por este sentido apenas – que está escondido dentro do vazio do teu cérebro – que o caminho íngreme até o teu Mestre pode ser revelado diante dos teus olhos turvos.

74. O caminho diante de ti é longo e cansativo, ó discípulo. Um só pensamento sobre o passado, que tu deixaste para trás, te arrastará para baixo e então terás que começar novamente a subir.

75. Mata em ti mesmo toda memória de experiências passadas. Não olhes para trás ou estarás perdido.

76. Não acredites que se possa jamais eliminar a luxúria gratificando-a ou saciando-a, porque esta ideia é uma abominação inspirada por Mara. É ao alimentar o vício que o vício se expande e se torna forte, como o verme que engorda às custas do coração de uma flor.

77. A rosa deve transformar-se novamente em botão, nascido do seu caule progenitor antes que o parasita comesse seu coração e bebesse o seu fluido vital.

78. A árvore dourada produz botões de joias antes que o seu tronco fique ressequido devido à tempestade.

79. O Aluno deve recuperar o estado infantil que ele perdeu, antes que o primeiro som possa chegar ao seu ouvido.

80. A luz vinda do MESTRE ÚNICO, a única luz dourada e imperecível do Espírito, lança seus raios brilhantes sobre o Discípulo desde o início. Os seus raios atravessam as nuvens densas e escuras de Matéria.

81. Aqui e ali, agora e mais adiante, estes raios iluminam a Matéria assim como os clarões da luz do sol iluminam a terra através da densa folhagem da floresta em crescimento. Mas, ó Discípulo, a menos que o corpo físico esteja imóvel, a mente calma, a Alma tão firme e tão pura como um diamante que brilha, a energia radiante não chegará à câmara, a sua luz solar não aquecerá o coração, nem os sons místicos das alturas do akasha alcançarão os ouvidos – por mais que eles estejam atentos – no estágio inicial.

82. A menos que tu escutes, não poderás ver.

83. A menos que tu vejas, não poderás escutar. Ouvir e ver é o segundo estágio.

84. Quando o Discípulo vê e ouve, e quando ele percebe o odor e o gosto com os olhos e ouvidos fechados e a boca e as narinas paralisadas, quando os quatro sentidos se combinam e estão prontos a passar para o quinto sentido, o sentido do tato interior − então ele passou para o quarto estágio.

85. E no quinto, ó matador dos teus pensamentos, todos eles têm de ser mortos de novo, além da possibilidade de serem reanimados.

86. Afasta a tua mente de todos os objetos externos, de todas as visões externas. Detém as imagens internas, para que elas não lancem uma nuvem escura sobre a luz da tua Alma.

87. Tu estás agora em DHARANA, o sexto estágio.

88. Quando tu tiveres passado para o sétimo, ó ser feliz, tu já não perceberás o Três sagrad, porque te terás transformado tu mesmo naquele Três. Tu mesmo e a mente, como gêmeos em uma linha; a estrela que é a tua meta brilha no alto.

Os Três que vivem na glória e na bem-aventurança inefável agora perderam seus nomes no Mundo de Maya. Eles se tornaram uma estrela, o fogo que brilha mas não queima, aquele fogo que é o Upadhi da Chama.

89. E isso, ó iogue bem sucedido, é o que os homens chamam de Dhyana, o legítimo precursor de Samadhi.

90. E agora o teu Eu está perdido no EU, tu mesmo estás em TI MESMO, unido a AQUELE EU do qual foste irradiado em primeiro lugar.

91. Onde está a tua individualidade, Lanu, onde está o Lanu, ele próprio? Ele é a faísca que se perdeu na chama, é a gota dentro do oceano, o raio sempre-presente que se transforma no Todo e na radiância eterna.

92. E agora, Lanu, tu és o autor e a testemunha, o radiador e a radiação, a Luz no Som, e o Som na Luz.

93. Tu conheces os cinco impedimentos, ó ser abençoado. Tu és o vencedor, o Mestre do sexto, transmissor dos quatro tipos de Verdade. A luz que cai sobre eles brilha a partir de ti, ó tu que foste um discípulo, mas agora és um Mestre.

Em relação a estes tipos de Verdade: −

94. Tu não passaste pelo conhecimento de toda aflição − a primeira verdade?

95. Não venceste o Rei dos Maras no Tsi, o portal de reunião − a segunda verdade?

96. Não destruíste o pecado no terceiro portão, atingindo a terceira verdade?

97. Não entraste no Tau, o “Caminho” que leva ao conhecimento, a quarta verdade?

98. Que descanses agora sob a árvore de Bodhi, a perfeição de todo conhecimento; porque tu deves saber que és o Mestre do SAMADHI − o estado em que há uma visão impecável.

99. Observa! Tu te tornaste a Luz, tu te tornaste o som, tu és o teu Mestre e o teu Deus. Tu és TU MESMO o objeto da tua busca: a Voz inquebrantável que ressoa através das eternidades, isenta de mudança, isenta de pecado, os Sete Sons em um,

A VOZ DO SILÊNCIO

100. Om Tat Sat.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/yoga-fire/a-voz-do-silencio/

Aromas Afrodisíacos para uso ambiental

Os aromas pró-sexuais podem ser colocadas no ambiente via incensos ou por gotas colocadas sobre uma lâmpada incandescente, que ao ser ligada aquece e passa a espalhar o aroma. São eles:

  • Baunilha (Vanilla Planiflora)
  • Canela;
  • Cravo-da-Índia (Syzygium Aromaticum; Caryophyllus Aromaticus)
  • Cravo-da-Índia;
  • Gengibre (Zingiber Officinale)
  • Jasmim (Jasminum Grandiflorum; Jasminum Officinale; Jasminum Sambac)
  • Nérole (Citrus Aurantium)
  • Patchouly (Pogostemon Patchouli)
  • Rosa (Rosa Damascena; Rosa Centifolia)
  • Sândalo (Santalum Album)
  • Sangue-de-Dragão.
  • Ylang-Ylang (Canaga Odorato)
  • Zimbro;

Texto J.R.R.Abrahão

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/aromas-afrodisiacos-para-uso-ambiental/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/aromas-afrodisiacos-para-uso-ambiental/

As Aventuras de Pi – Uma análise cabalística

Aparentemente, “As Aventuras de Pi” (The Life of Pi), filme mais premiado do Oscar de 2013 (Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Trilha Sonora e Melhor Diretor), é apenas um filme com fotografia de encher os olhos que conta a história de Piscine Patel, vulgo Pi, que tenta provar a existência de Deus a um escritor desencorajado, relatando sua luta por sobrevivência em um bote salva-vidas, após um naufrágio em alto-mar com seu companheiro de viagem: o tigre Richard Parker. Porém, pode-se considerar redundância fazer uma análise cabalística deste filme, tão óbvio é o viés cabalístico presente em sua essência.

Pi nasce na Índia, filho caçula do dono de um zoológico e de uma botânica. Inabalável em sua crença no sagrado, quando criança, ele encontra espaço o suficiente em seu coração para abraçar as três maiores fés do mundo: o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo, ignorando as diferenças de dogmas e preconceitos. Pi entende a unicidade e onipresença da luz de D’us, independente das formas e dos avatares existentes na história da humanidade.

Em um episódio peculiar com Richard Parker, em seu primeiro contato íntimo com o tigre, o protagonista tenta alimentá-lo com a própria mão, encarando-o nos olhos. Pi enxerga a alma do animal e a impressão que temos é que tudo correria bem, se o pai de Pi não o tivesse impedido, com medo do que aconteceria com o filho. Para ensiná-lo uma lição, o Sr. Patel alimenta o tigre com uma cabra, pedindo-o para ficar de olhos abertos, presenciando a selvageria do animal. Pi fica desolado. Seu mundo perde a cor, e sua fé fica completamente abalada. Assim o protagonista cresce, à procura de algo que trouxesse novamente significado em sua vida.

O auge do filme, porém, ocorre após a decisão do Sr. Patel de se mudar com toda a família para o Canadá, embarcando em um navio japonês, denominado Tsimtsum, para vender os animais do zoológico. Depois de quatro dias de viagem, Pi acorda no meio da noite em meio a uma violenta tempestade. Curiosamente, ele pede “mais chuva, mais chuva” ao “Deus da Tempestade”, e o Tsimtsum afunda, deixando-o a deriva no Oceano Pacífico.

O grande cabalista Isaac Luria descreveu um fenômeno curioso. No começo não havia Nada, apenas Luz Infinita. Nesse estágio pré-Criação, não existia lugar onde algo pudesse existir. Quando Ele decidiu criar, sabendo que nada poderia existir onde existisse a Luz Infinita, tamanha sua potência, o Criador retraiu sua Luz em um determinado espaço e o circunda, resultando em um vácuo dentro da Luz Infinita. Só então Ele estendeu para dentro deste vácuo circular um raio de Luz que gerou toda a Criação.

Esse ato de contração de si mesmo para que pudéssemos existir, Luria chamou de Tsimtsum. O Criador, ao criar este espaço, delimitá-lo e enviar um raio de Luz, revela os conceitos de limite e restrição tão necessários à criação, muito similar à função do número irracional Pi.

Pi, durante a tempestade, age como a Criatura foi programada para agir: ele pede mais e mais, pois assim é a criatura em essência, em seu desejo egoísta de receber. E é nesse instante que o Tsimtsum afunda, em uma linda cena com alegorias sobre o momento da Criação para satisfazer qualquer estudante de cabala (talvez até mesmo o próprio Isaac Luria).

Após o naufrágio, o protagonista passa por diversas situações em sua luta para sobreviver. Sozinho, tendo perdido sua família, alimentando e ao mesmo tempo dominando Richard Parker, o que pode claramente ser uma alusão ao nosso Adversário, ao nosso ego e ao constante desejo de receber para si.

Durante toda a viagem de Pi e Richard Parker em alto mar, é possível identificar diversas referências cabalísticas. Em certo ponto, por exemplo, os personagens passam pela esfera de Yesod, antes de terminarem sua jornada, chegando finalmente a Malkuth. Para não entregar o ouro tão facilmente, deixemos aos leitores a percepção destes pormenores.

Ao final de sua história, Pi conta para o jornalista que existem duas versões da história e que ele deve escolher qual é a verdadeira: a que ele acabara de contar, repleta de significados, amor e milagres; e a outra, com fatos realistas e cruéis.

De acordo com Pi, D’us é a “melhor história”. Acreditar em D’us torna a vida mais rica e mais repleta de sentidos – e ainda assim, a vida é a mesma. Ele viveu seu momento pessoal de re-criação do seu universo, sobrevivendo a todas as mazelas e vendo a beleza do Criador em todas elas.

A escolha, na verdade, é sempre nossa: ver apenas o sofrimento e a dor do mundo ou descobrir o significado profundo de todas as coisas.

D’us, ao criar o Universo, oculta sua Luz de nós, para que nós possamos fazer nossas próprias escolhas. Mas Ele permanece imanentemente presente, mesmo estando oculto. De certa forma, ele está mais presente em Sua ausência que em Sua presença.

Do excelente blog CEMEC – Centro de Estudos e Meditação Cabalista

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/as-aventuras-de-pi-uma-an%C3%A1lise-cabal%C3%ADstica

A Lua na Astrologia segundo Aleister Crowley

Por Aleister Crowley
Tradução e Nota: Frater Goya (Anderson Rosa)

Um dos epítetos favoritos da deusa Lua entre os romanos era Trivia, a de três formas, porque tinha três formas. É uma mulher, como mãe e como menina; esta dupla capacidade completa esse conceito de sexo feminino, do qual Vênus, que foi descrita mais acima, é apenas uma parte. Há, sem dúvida, um certo aspecto sinistro da vida de uma mulher e para compreende-lo devemos novamente retornar ao exame dos povos primitivos. Nas primeiras comunidades, uma mulher que já não pudesse ter filhos era uma mulher inútil, quaisquer que tivessem sido seus serviços à comunidade, estes eram esquecidos. Ela caía em desprezo e no ódio, o qual ela naturalmente devolvia, pondo em uso a sublimação das artes, que havia aprendido a tratar com os homens para molesta-los. Inclusive nos dias atuais, na Índia, o mesmo que em outras comunidades sobre as quais é desnecessário entrar em detalhes, as mulheres velhas são vistas com medo e aborrecimento. Supõe-se que passam o tempo inteiro causando algum dano. Entre as pessoas supersticiosas, adquiria portanto, e de maneira bastante óbvia, a reputação de ser uma bruxa. A Lua minguante foi, portanto, tomada como um símbolo de toda classe de diabruras. É Hécate, a Rainha das Estrígias*. Uma descrição moderna e bastante aproximada nos é dada em Macbeth.

O terceiro aspecto da Lua é aquele sugerido pelos ocorridos na natureza, seu rápido curso pelo céu e seu aspecto mutável lhe dá inconstância e instabilidade. Isso se relaciona com a variabilidade e a falta de atenção que observamos nas crianças. Deve-se, por conseguinte, considerar estes principais aspectos. Primeiro, representa a vida da mulher exatamente da mesma maneira que o Sol representa a vida do Homem. Segundo, representa a mulher em seu aspecto como mãe em oposição à esposa, e também representa o menino em seus primeiros anos, antes que a mente, que é Mercúrio, esteja totalmente desenvolvida, e a criaturinha não seja mais que um conjunto de desejos, estados de ânimo e emoções. Terceiro, representa na mulher em grande medida o que Saturno representa para o Homem, mas isso somente quando está aflita e na minguante. A consideração desses aspectos permitirão ao estudante compreender bastante bem o que os astrólogos querem dizer ao falar da influência de nosso satélite.

Há outros dois aspectos que devemos assinalar no Horóscopo aos quais nos referimos anteriormente. Hoje em dia, alguns astrólogos se descuidam, dizendo que a influência que lhes é atribuída por investigadores mais antigos das estrelas foram explicadas pelo descobrimento de Urano e Netuno, mas temos visto Horóscopos nos quais sua influência é extremamente notória, e cremos que não irá complicar de forma indevida o assunto, se dedicamos brevemente suas funções e natureza.

São os Nódulos Lunares, que são os pontos nos quais a Lua cruza a eclíptica. São chamados na astrologia de Caput Draconis e Cauda Draconis, a cabeça e a cauda do dragão. A influência da cabeça do dragão combina de maneira peculiar, repentina e violenta os efeitos de Sol e Júpiter, e é portanto favorável para iniciar qualquer operação importante. É especialmente proveitoso para o estudo das mais sublimes e mais puras classes de ciências ocultas, e presta grande força ao estudante de tais materiais. A cauda do dragão, que está na direção oposta à cabeça, possui a influência oposta. É utilizada para terminar um assunto, mas implica em perdas repentinas, da mesma forma que a cabeça indica ganhos súbitos. É pouco apreciada para o estudantes de tipos mais físicos e práticos do ocultismo.

Nem a cabeça nem a cauda do dragão formam aspectos com os planetas. Sua única importância é sua posição no Horóscopo.

* Estrígia – Ser mitológico que temos conhecimento a partir de Antonio de Torquemada, que nos descreve o mesmo como sendo uma “Ave noturna, que de noite produz grande barulho, e quando pode entrar onde estão os bebês, lhes retira o sangue do corpo, e o bebe“. Por causa disso, as bruxas também são chamadas Estrígias, pois fazem a mesma coisa, que é sugar o sangue de tudo que podem alcançar, principalmente crianças pequenas. Em Latim, Strix=Ave Noturna, de onde surge o termo para bruxa na língua Italiana, Strega. (Plural=Streghe, Masculino=Stregone)

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/a-lua-na-astrologia-segundo-aleister-crowley/

O Triângulo

Por isso, é usado pra representar o aspecto Divino, através da Trindade, presente em várias culturas:

Cristianismo: Pai, Filho e Espírito Santo
Hinduísmo: Brahma, Vishnu e Shiva (trimurti)
Egito: Ísis, Osíris e Hórus
Irlanda: Morrigan, Badb e Macha (facetas da Deusa da batalha)
Celtas: Virgem, Mãe e Anciã (Aspectos da Mãe Terra)
Espiritismo: Deus, princípio espiritual (Espírito) e princípio material (matéria)
Platão: Ser (modelo perfeito, original), devir (cópia do modelo) e receptáculo (espaço, lugar)

São necessários dois elementos duais (e, ainda assim, complementares) para produzir um terceiro.

Vida + Morte = Evolução

Bem + Mal = Discernimento

Pólo positivo + pólo negativo = Corrente elétrica

Homem + mulher = Vida

Luz + Trevas = Conhecimento

Prestando atenção, quase sempre um desses componentes é visto como ruim (negativo), enquanto o outro é bom (desejável). O ser humano não escapou dessa visão distorcida da realidade, herança do zoroastrismo, que separava o bem do mal, o claro do escuro. O Zen budismo e o Taoísmo nos mostram visões complementares, como o Yin que é oposto mas complementar ao Yang. O binário vida e morte compõem um ciclo evolutivo em que o homem vive os dois tipos de experiências, a do plano físico e as do mundo espiritual, os quais proporcionam a dinâmica que favorece a evolução.

No hebraico, o plural das palavras no masculino terminam em im, e nome utilizado para Deus (Elo-him) pode ser um sinal dessa trindade. As palavras de abertura do Gênesis dizem: “Bereshit bará Elo-him” (No princípio Deus criou); Elo-him é plural, mas bará (criou) é singular. Unidade na diversidade. Multiplicidade resultando numa só força Criadora.

Por isso Deus não pode ser descrito como algo. Usemos uma analogia: seria como dizer que o ar que respiramos é composto tão somente pelo elemento AR, ignorando toda a complexidade das cadeias de átomos, partículas agregadas e outras variáveis. Seria tomar o resultado pela causa. Existe o ar na ionosfera, mas também existe o ar nas cavernas. Tecnicamente não é o mesmo, mas também NÃO deixa de ser o mesmo. Não há separação entre o ar, apenas adaptação, num imenso degradê. Por isso não podemos dizer que seu Deus é melhor que o meu Deus, pois são manifestações do Todo, que é Deus, adequadas a uma determinada época / povo / mentalidade.

SELO DE SALOMÃO

O selo de Salomão, que no judaísmo é conhecido como Maguen David (Escudo de David, em hebraico) é composto por dois triângulos: Um com seu vértice para cima, e o outro com o vértice para baixo. Sua origem – e isso quase ninguém sabe – remonta a Índia, onde tem o nome de Signo de Vishnu, que é o deus mantenedor na trindade Hindu. Era utilizado como amuleto contra o mal, e esse significado se perpetuou, como atestam os nomes “selo” e “escudo” do Hebraico. No Kabbalah (ou na Cabalá, como queiram) vemos que os dois triângulos representam as dicotomias inerentes ao homem: o bem e o mal, o espiritual e o físico. É mais um aspecto do positivo/negativo que se unem, como no símbolo do Yin/Yang.

O Maguen David também significa a Onipresença de Deus. Suas seis pontas correspondem às direções do microcosmo: norte, sul, leste, oeste, o céu e a terra.
PENTAGRAMA

O Pentagrama representa o microcosmo (aspecto humano) e o Selo de Salomão o macrocosmo (aspecto Divino). Leonardo Da Vinci sabiamente interpenetrou estes signos dentro do homem no seu desenho “Estudo de proporções“. Obviamente os signos não estão desenhados, mas sugeridos apenas a quem os conhecessem, pois naquela época seria considerado uma heresia. Ele nos remete ao pensamento de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas” e ao “Sois Deuses” do Velho Testamento.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-tri%C3%A2ngulo

Sangue, Necessidade e a Casa da Noite

Encontramos o termo ‘bruxaria’ utilizado como uma referência aos hábitos pagãos, ao naturalismo e uma série de práticas de tom mais sombrio. Em todas as suas variações, a idéia da bruxaria é diluída, enriquecida e amputada pela diversidade de práticas e inclinações que buscam este rótulo. Pode ser por isso que a que a arte das bruxas pode ser tomada por qualquer pessoa, assim como qualquer um pode se educar sobre um comércio ou arte através de alguns livros. Há outros que enveredam nos terrenos dos selvagens e há outros, por propósito ou acidente, que são reconhecidos como ‘o outro’ por um dos seus pares.

Ninguém pode ser o juiz de nada disso levado por sua própria crença, pode-se, entretanto, dizer algo sobre sua natureza. Para mim, minha percepção da Arte Tradicional vem se desenvolvendo ao longo de quase duas décadas agora, onde tenho sido abençoado em encontrar peregrinos e mestres de uma variedade de convicções que eu definiria como o Ofício dos Sábios investido na ascendência tradicional. Como muitos, tomei conhecimento do termo ‘bruxaria tradicional’ através das cartas e escritos de Robert Cochrane, e minha busca foi recompensada ao encontrar uma hoste de praticantes da arte maravilhosos, onde a consangüinidade foi mutuamente reconhecida. 

As artes e ofícios da bruxa são muitas vezes relacionados à transgressão, contudo, do tipo de transgressão e práticas que honram a natureza e desafiam a  ordem social profana em favor da verdade. Verdade — aquela incômoda palavra! Pois a verdade não está relacionada com fatos e evidências, mas com a imanência da fonte — por esta razão, podemos dizer que o ‘feiticeiro’ lida com a fonte e a bruxa transforma os trabalhos sobre a fonte em um ofício. Isto é verdade — a verdade é um estado ativo do ser. Em um mundo que ama o engano mais do que a verdade, naturalmente aqueles que defendem isto se arriscam a  serem vilipendiados e tornam-se alvo de ódio e desconfiança.

Então talvez seja correto assumir que ofício da bruxa possa ser definido como ‘possuir o conhecimento natural e oculto’, o que torna alguém apto a manipular ou apaziguar os espíritos da natureza, e fazer com que a alma do mundo seja favorável. Se assim for, muitos podem se declarar praticantes de bruxaria pela virtude feiticeira ou conhecimento íntimo do ofício de encantamentos e meios simpáticos para alcançar determinados objetivos. Naturalmente quando o conhecimento considerado oculto é revelado em divinação e pelos meios da astrologia clássica, ele pode causar suspeita — e do mesmo modo o murmurar de encantamentos que torcem e refinam uma corrente natural e desfavorável em uma favorável e gratificante.

O sábio que encanta uma verruga para desaparecer, o astrólogo que faz uma eleição e cria um talismã para determinado propósito, ou o andarilho solitário que abençoa o útero estéril para que dê luz a uma criança são praticantes da superabundância do Ofício. Poderíamos concordar que estas variedades da arte podem ser consideradas como ‘bruxaria’ no mesmo nível em que a ‘venefica’ (originalmente ‘trabalhos venerados’, que mais tarde foram associados com ‘envenenamento’) e ‘malefica’ (práticas negativas) estavam sujeitas à condenação pelo o Tribunal da Inquisição. O Ofício em si é, em última instância, os conhecimentos relacionados à ‘mão que amaldiçoa’ e à ‘mão que concede’. Também deve ser observado que há uma tendência em separar a bruxa benigna da bruxa malévola. Ginzburg descreve bem como a balança do mundo é mantida pela batalha entre os benadanti, que abençoam o mundo, e os maladante, que amaldiçoam o mundo. É o mesmo poder e segredos que são manipulados, mas por um é para benefício da comunidade e pelo outro para o detrimento do bem-estar comum. Assim, este ícone da bruxa como uma envenenadora e personificação da possível perversidade — sendo uma constante ameaça à ordem social — é, de fato, uma realidade que a bruxa abraça voluntariamente ou com relutância.

As acusações de bruxaria foram passadas às pessoas que eram acusadas de malefica, e também por agirem de formas que não estavam em conformidade com o que era considerado magia ‘lícita’. Magia lícita era, em maior parte, o trabalho simpático e com ervas, plantas e raízes, geralmente feitos por um clérigo, e daí aqueles que se envolviam com isso e estavam fora dos confinamentos eclesiásticos ou reais, e corriam risco de ser condenados por maléfica. Isso  mesmo se o trabalho fosse realizado com bons propósitos. Desde a Idade Média e até a maturidade da Idade Moderna, a ‘bruxaria’ passou por muitas fases de entendimento, mas sempre contendo algo perverso, misterioso e estranho. A palavra ‘bruxa’ se tornou tão problemática que os praticantes da Arte Tradicional muitas vezes aceitam o rótulo, só para escapar dele, como no caso de Robert Cochrane, que se limitou a aceitar o rótulo enquanto manteve um tipo de significado, embora não definisse a si como um bruxo. Para Cochrane, este desconforto com o termo ‘bruxo’ era parcialmente causado por um grupo de Wiccanos denominado por ele de ‘Gardnerianos’, que também se consideravam ‘bruxos’. Deixarei esta questão e apenas mencionar que Gerald Gardner — como demonstrado em pesquisas recentes por Philip Heselton — provavelmente obteve uma introdução tradicional em uma linhagem de bruxos tradicionais. Mas ele também queria fazer a transmissão e o conhecimento que ele recebeu como dele próprio. Para Gardner isso significava transformar a bruxaria em um sistema ritualístico mediado por uma guarnição maçônica polvilhada com alguns elementos crowleyanos e Rosacrucianos. Nada de errado nisso, mas ao fazer isso ele também se tornava o pai da religião da fertilidade moderna que vemos na Wicca hoje. Isso pode ser visto como uma transgressão em seu próprio direito, uma vez que assumiu aspectos dogmáticos distintos que são incomuns para as crenças daqueles que se definem como ‘bruxos tradicionais’ que conheço.

A idéia do sangue-bruxo/élfico é um tema constante, e de fato a questão do sangue é exatamente o que põe a bruxa à parte de um sábio ou um feiticeiro — uma linhagem secreta que vive desde tempos esquecidos, onde tudo era mistério, onde os mundos visível e invisível eram livres do véu. Possuir o sangue ou não é uma questão que às vezes é visto como provocativo e causado por elitismo, mas isso não é assim. Trata-se de linhagem e pertencimento em relação à família e aos parentes. Ao longo do tempo, muitas destas famílias se dissolveram e foram fragmentadas, levando aqueles do sangue para se encontrarem novamente, apelando ao sangue da terra e encontrando o reavivamento de seu ardente sangue lá, em sua terra natal. Para outros, o ‘cunning meeting’ (encontro sábio) e os vínculos familiares intactos fizeram o reconhecimento e aceitação do sangue-élfico menos enigmático e seus mistérios mais claros do que é para muitos peregrinos solitários que caminham pelas florestas e montanhas seguindo os sussurros de uma silenciosa pulsação na alma dos mundos.

A Arte dos Sábios é diversa, mas diversificada em todos os pólos de sangue e terra. Isso significa que uma prática específica pode manifestar-se em uma miríade de variações mediadas pela terra, pelo sangue e pelo homem — e para aqueles de olhos aguçados, estes laços se tornam salientes e evidentes onde quer que sejam encontrados. É também de minha convicção que, mesmo se o sangue for esquecido, isso não significa que ele não esteja lá.

O ícone da Bruxa que temos hoje deve muito à ‘La Celestina’ de Fernando de Rojas e a ‘La sorcière’ de Jules Michelet. Em ‘La Celestina’ encontramos o apaixonado Calisto que procura ajuda da dona do bordel, Celestina, para dominar o objeto de desejo com poções e feitiços, pintando uma imagem da bruxa sedutora e perigosa, tal como uma sereia da libertinagem possuidora da sabedoria proibida, espelhando Circe. Michelet segue essa imagem de muitas maneiras, mas dentro das anotações históricas e explicações, ele permite que a bruxa surja. Uma realidade poética — um conto de fadas encarnado — e talvez seja este ícone poético que colore nossa percepção da bruxa mais do que qualquer outro conto. Vejo Julio Caro Baroja e Carlo Ginzburg aperfeiçoarem este ícone. Também gostaria de colocar Emma Wilby e Gustav Henningsen nesta sucessão de pesquisa, pois eles alargaram o escopo de seus estudos e trouxeram mais nuances no estudo da bruxaria.

Como mencionado, Michelet argumentou que a bruxaria ocorreu como uma rebelião contra o sistema feudal e o abuso clerical na Idade Média, em outras palavras, como um contra-movimento ao abuso clerical e político. Ele se equivocou como a pesquisa de Keith Thomas e Eva Pocs demonstrou. Parece que a ‘feitiçaria’ que ele tem como foco para sua apresentação se desenvolveu dentro das paredes eclesiásticas da Igreja e dos monastérios. É possível sugerir que os clérigos e frades na verdade entraram no santo ofício com esta sabedoria ou simplesmente fizeram uso destas habilidades e encantamentos que aprenderam com os moradores da zona rural. Isso também pode ser assumido pelas idéias sobre Missa Negra e o Sabbath das Bruxas serem a mesma coisa, segundo Michelet e outros que o acompanharam. O Sabbath das Bruxas é o principal motivo que encontramos entre o povo basco e deste modo reconhecido pelas bruxas de outros lugares no mundo familiarizadas com o congresso do espírito. Pode ser que a Missa Negra seja uma corrupção deste Sabbath ou Aquelarre das Bruxas, dada a forma e significado profanos. Pelo o menos as ocorrências das Missas Negras e as investigações sobre o Sabbath das Bruxas coincidem ao longo da mesma linha de tempo e geografia. O precedente histórico das Missas Negras, no entanto, é largamente apresentado nos escândalos em torno os conventos das Ursulinas em Loudon e Aix-en-Provence, onde possessões diabólicas e matrimônios com demônios foram realizados em estilo orgiástico condizente com o imaginário popular das Missas Negras e continuados pelo abade Etienne Guibourg (1610 -1686). Guibourg morreu na prisão, mas as Missas Negras ainda foram celebradas, de verdade ou por boatos, dentre o clero francês e germânico, o que conduziu à adoração orgiástica do monsenhor carmelita Eugene Vintras e seu sucessor, o abade Boullan. Boullan adotou a Missa Negra em trabalhos de natureza sexual e mágica de forma mais similar à feitiçaria do que celebrações para apaziguar a natureza e a noite. Podemos de fato questionar se estes clérigos eram do sangue ou não — não será possível dar uma resposta, apenas admitir ou negar… O terreno da Bruxaria Tradicional é, e talvez deva ser e permanecer um mistério?

A marca da ‘bruxa’ é que ele ou ela busca ‘o outro’ em lugares de poder — e eles são encontrados em todos os lugares, assim como os parentes da ‘bruxa’ dispersos por todo o mundo, e estas encruzilhadas são encontradas em todos os lugares. É aqui que onde entra a idéia da Bruxaria Tradicional; trata-se de uma conexão com a origem pela virtude de um sangue e descendência partilhada. Trata-se de família no sentido mais radical da palavra, como famulus — habitantes de um agregado familiar, sejam eles vivos ou desencarnados, simulando a idéia de um totem entre os índios norte-americanos. A Bruxa que é Tradicional terá tal parentesco e enquanto muitas destas famílias mantêm um selo da discrição buscando manter a sua quietude e silêncio, há alguns que possuem e ainda demonstram a atividade do famulus de forma que eles se mostram ao mundo, conscientes ou não — é sobre a alteridade que fala a partir do silêncio, onde a verdade perdura e se arrasta…

A maioria dos dicionários, como por exemplo, o Webster, definirá a bruxaria como ‘um poder mais que natural’, ‘o poder da influência’ ou ‘encantar as pessoas’ — daí encantamento, o poder de atar alguém ou algo pela utilização de ligações naturais ou atividade espiritual. Feitiçaria e bruxaria são muitas vezes palavras sinônimas e definidas como ‘a arte das bruxas’ — e assim é o congresso em sonho ou ‘orgia’ (em seu real significado Elísio; uma comunhão mágica dos sentidos) com espíritos, geralmente considerados maléficos — ainda que eles sejam, na verdade, os habitantes da Noite.

O cruzamento entre feitiçaria, bruxaria, tradição e culto é um assunto delicado e se torna cada vez mais estonteante se voltarmos nosso olhar para fora e ver, por exemplo, na Índia, onde hoje a bruxaria é sinônima de maldade e é tratada como uma ameaça à ordem social. Apesar disso a bruxaria, na verdade, pode ser vista como algo transmitido entre Kapalikas e as seitas tântricas de várias orientações com o foco em yathuvidah — ‘o conhecimento feiticeiro’. Seria mais preciso, talvez, rotular estes praticantes como um tipo semelhante à idéia das ‘Bruxas Tradicionais’ do Norte da Europa, pois eles possuem um darshana/samaya, ou doutrina tradicional sobre a qual proferem a sua arte mágica em companhia dos espíritos. Da mesma forma, o obscuro keshupherim judeu — aqueles que conhecem keshup (os trabalhos secretos da lua) são pessoas conduzidas aos mistérios pela virtude da intercessão dos antigos Rabbis e Rebbas que continuam a trabalhar a partir do outro lado e abrem o mundo da noite para o praticante. Estas pessoas podem ser consideradas ‘bruxas tradicionais’ ou elas são mais semelhantes aos feiticeiros que trabalham com os poderosos djinns? Se assim for, onde está a linha divisória entre a arte da bruxa e a bruxa em si? Até certo ponto trata-se da indução de um grupo que possui uma sucessão linear que jaz no conhecimento tradicional, o conhecimento variado em foco e escopo.

Se nos voltarmos à África Ocidental, a bruxaria é considerada um poder inato com o qual algumas pessoas nascem – um fogo caótico e eruptivo que deve ser temperado, mas que, a partir de uma perspectiva do povo ioruba — não deve ser combatido. Este poder bruxo (ajé) é encontrado entre mulheres que são chamadas para receber a iniciação à Senhora dos Pássaros da Noite, Iyami Osoronga. Estas mulheres fazem parte do conselho Ogboni — a sociedade dos sábios — e somente elas possuem o poder de coroar ou destronar um rei. É somente quando malefica é proferida com férvidas paixões e em um espírito de cólera e vingança que estas mulheres são entendidas como bruxas em uma forma negativa e perversa. Do ponto de vista de uma bruxa tradicional, isso pode ser visto como um reconhecimento da ‘alteridade’ que conduz à iniciação e indução aos mistérios. Além disso, há também o Imole Oso, ao qual é dada a forma de mago e é o espírito protetor de um culto secreto ligado vagamente ao Ogboni. Acesso ao culto é concedido pela divinação e somente alguns são chamados para ingressar — eles são, então, sujeitos a iniciação destes mistérios e devem fundir-se ao espírito de Oso — tornando-se o próprio Oso. Alguns destes — ou talvez todos — são possíveis candidatos ao rótulo de Bruxaria Tradicional quando seus adornos culturais são removidos?

O ponto de debate é que, quando você convoca o espírito e ele responde, quem pode negar a você esta conexão? Se você julgar esta conexão como a do sangue, repousa apenas em sua irrevogável convicção de ter encontrado o seu Self — e isso automaticamente causará uma humilde lembrança do que foi esquecido. Ao encontrar a si mesmo você pode encontrar família e parentes — ou não. Ao afirmar isto também estou ciente de que abro as portas — porém, também sei que a Verdade fala em Silêncio e, portanto, qualquer necessidade de verificação profana sobre a descoberta do próprio Self de alguém se transformará em poeira e ilusões arruinadas. O sangue reconhece o sangue, pois a iniciação, como tal, foi um pacto do passado… que pode ser encontrado e perdido repetidas vezes.

Podemos entender a Bruxaria Tradicional como uma realidade poética da noite e da natureza que, enquanto toma várias formas, concede forma à possibilidade do ‘outro’. A Bruxaria Tradicional é um conjunto de práticas nascidas da necessidade, terra e sangue. Ela é a arte do trabalho com seu próprio Destino e a arte de trabalhar com o limiar, o monte e morro para o benefício próprio. Este benefício pode ser limitado a uma necessidade imediata própria ou a de um grupo ou conclave de pessoas e suas necessidades. A bruxa, em um sentido tradicional, é alguém que é ciente de sua linhagem — o sangue característico que põe a bruxa à parte, como o outro.

Robert Cochrane afirmou que uma bruxa nunca é uma pagã, mas uma pagã pode ser uma bruxa, apontando ao erro em confundir paganismo e reconstruções pagãs com bruxaria tradicional propriamente. A distinção encontra-se na diferença entre reverência e adoração, e aquilo que é conhecido como dupla observância, que é bastante característico de várias vertentes de bruxaria tradicional. A dupla observância indica que a pessoa é capaz de ver o mesmo mistério agindo em várias manifestações culturais e é capaz de abarcar ambos — sendo mais salientes as bruxas que utilizam santos, bem como seus próprios famulus e guias espirituais para alcançar seus fins.

Por Nicholaj de Mattos Frisvold

Do original Blood, Need and the House of Night

Traduzido por Leonardo Martins

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/sangue-necessidade-e-a-casa-da-noite