A lenda de yōtō, as lâminas vampiras

Shirlei Massapust

Num belo dia de azar o xogum Tokugawa Ieyasu (1543-1616) conheceu um ferreiro lendário, chamado Sengo Muramasa, cuja oficina estava situada em Kuwana, na província de Ise, Japão. As pessoas falavam coisas estranhas sobre ele, que nasceu em 1341 e que foi aluno do grande Masamune[1], embora o homem estivesse ali vivo e atuante uns bons duzentos anos depois e, mais tarde, haja sumido sem registro de óbito.

O xogum ficou encantado pela qualidade das lâminas de Muramasa e comprou dele um daishō; conjunto geralmente composto por uma espada curta wakizashi e uma espada longa kataná. O ato de vestir o daishō foi um símbolo do poder da classe samurai de 1588 a 1876, quando o Ato de Abolição da Espada foi instaurado pelo regime Meiji. Mas esse ficou exposto no castelo e participou de todos os piores infortúnios recaídos sobre o clã Tokugawa. Em 29 de dezembro de 1535 um funcionário do castelo, Abe Masatoyo, usou a kataná para matar por engano Matsudaira Kiyoyasu, avô de Ieyasu.

Em 1548 um aliado e amigo da família, Iwamatsu Hachiya, totalmente bêbado, perfurou Matsudaira Hirotada, pai de Ieyasu, que sobreviveu ao atentado. Em 5 de outubro de 1579 outro aliado, Amagata Michitsuna, em sã consciência, por uma questão de tradição e respeito, usou a kataná para decapitar Matsudaira Nobuyasu, o filho primogênito de Ieyasu, na ocasião em que este foi forçado a cometer seppuku.

Arai Hakuseki, historiador oficial do xogunato, não pôde deixar de mencionar em documentos oficiais que “Muramasa está associado a muitos eventos aterrorizantes”.[2]  O próprio Ieyasu tinha dificuldade de manejar aquelas lâminas e feriu a si mesmo, acidentalmente, duas vezes. Então sua admiração se transformou em medo. Na Batalha de Sekigahara, Nagatake cortou a crista do elmo de Toda Shigemasa, e Ieyasu pediu para ver a arma que ele havia usado. Ao examinar a inscrição do nome do ferreiro na espiga oculta constatou que também aquela era um produto da oficina de Muramasa.

Mesmo sabendo que lâminas perfeitamente afiadas podem cortar seus usuários em momentos de descuido, imprudência ou imperícia, em 1787 o autor do romance histórico Kashiwazaki Monogatari (  物語) relatou uma lenda onde Ieyasu teria descoberto que, na verdade, Muramasa iniciou uma linha de produção de yōtō (妖刀); termo originário do idioma nihongo composto por kanjis que indicam uma kataná (刀) imbuída de energia yōkai (妖). Ou seja, a yōtō seria de certo modo um objeto senciente, funesto, imbuído de poderes sobrenaturais… Portanto Ieyasu finalmente teria proibido seu uso para a parcela restante de sua família.[3] Segundo Markus Sesko[4], alguns estudos históricos locais da antiga província de Ise narram outra lenda onde Masamune teria visitado o Santuário de Ise e aceito o jovem Muramasa (村正), como seu aluno.

A propósito, a lenda frequentemente citada sobre Masamune e seu suposto aluno Muramasa tendo uma competição sobre a potência de corte de suas espadas não deve passar despercebida aqui. A competição era para que cada um suspendesse suas lâminas em um pequeno riacho com a ponta virada para a corrente. A espada de Muramasa cortava tudo que passava; peixes, folhas flutuando rio abaixo. Muito impressionado com o trabalho de seu pupilo, Masamune baixou sua espada na corrente e esperou pacientemente. Nem uma folha foi cortada, o peixe nadou até ela, e o ar assobiou enquanto soprava suavemente pela lâmina. Depois de um tempo, Muramasa começou a zombar do mestre por sua aparente falta de habilidade na fabricação daquela espada. Sorrindo para si mesmo, Masamune puxou sua espada, secou-a e embainhou-a. O tempo todo, Muramasa o estava importunando pela incapacidade da lâmina de cortar qualquer coisa. Um monge, que estava assistindo a toda a provação, aproximou-se e curvou-se para os dois mestres de forja. Ele então começou a explicar o que tinha visto. “A primeira das espadas, por opinião unânime, é uma espada fina, no entanto, é sedenta de sangue, lâmina maligna (yōtō, 妖刀), pois não discrimina entre quem ou o que cortará. Pode tanto estar cortando borboletas quanto decepando cabeças. A segunda espada foi de longe a mais fina dos duas, pois não corta desnecessariamente o que é inocente e não merecedor”. Ao cortar tudo o que a tocava, a espada de Muramasa mostrava sua natureza sanguinária e maligna. Como tal, isso levou a uma tradição de que uma lâmina de Muramasa deve provar sangue antes de ser embainhada.[5]

Era esperado das armas e armaduras samurai que não fossem meros objetos inanimados, mas sim artefatos moralmente dignos. Essa atitude em relação às lâminas estava impregnada de religiosidade popular. Segundo Gilbertson, “havia as nefastas; outras que traziam felicidade e longevidade, e hinken, espadas que davam riqueza e poder”.[6] Sempre que a jovem Gō caia enferma duma febre misteriosa o seu pai, xogum Toyotomi Hideyoshi, pedia emprestada a espada mágica Ōtenta-Mitsuyo que era posta próxima à cama da moça adoentada para cortar energias negativas.[7]

Um menuki[8] japonês desmontado, em formato de morcego, animal que traz sorte.[9]

Quanto aos produtos da forja de Muramasa, todas as lâminas acabaram sendo julgadas indignas por especialistas oficiais, como Honami Kotobu, e foram removidas dos registros da guilda especializada.[10] Segundo George Cameron Stone, embora o trabalho de Muramasa seja da mais alta qualidade, seu nome é frequentemente deixado de fora das listas de fabricantes célebres por causa da reputação de produtos aziagos que desgraçam seus portadores – especialmente quando empunhadas por membros da família Tokugawa, ao ponto de seu uso ser uma vez proibido na corte do xogum. – “Há uma superstição de que suas lâminas tinham sede de sangue e não davam descanso aos seus donos, impelindo-os a matar outrem ou a cometer suicídio”.[11]

Até hoje, embora a escola Muramasa seja muito conhecida na cultura popular, nenhuma de suas espadas foi tombada ou designada como Tesouro Nacional. Porém, há quem as deseje justamente pela força da lenda. No período Bakumatsu (1853-1868), tais armas foram buscadas pela oposição política, os ativistas anti-Tokugawa, devido ao temor reverencial que inspiravam a toda a gente em favor da causa shishi.

Lâmina de espada Myōhō Muramasa (勢州桑名住村正) exposta no Museu Nacional de Tóquio.

Embora lâminas da escola Muramasa não fossem ostentadas pela família imperial em tempos de paz, uma daquelas espadas terríveis foi empunhada pelo príncipe Arisugawa Putito, comandante-chefe do Exército Imperial contra o Xogunato Tokugawa durante a Guerra Boshin (1868-1869). Para atender à demanda perene e crescente, as falsificações se tornaram comuns durante esse período histórico.[12] Ao menos, é claro, que o lendário ferreiro imortal continuasse assinando profusamente sua inigualável arte bélica aos quinhentos e vinte e sete anos de idade.

A arte imita a vida

O heroísmo samurai vem impulsionando as peças do teatro kabuki desde que essa forma teatral surgiu no século XVII como entretenimento para as classes plebeias. Contudo a própria classe militar era proibida de assistir kabuki, por questões de honra. Eles assistiam somente aos espetáculos privados do teatro . Isso criou um espaço ideal para veiculação ideológica da oposição política nos roteiros sensacionalistas do kabuki. Afinal, como diz um velho bordão, quando o gato sai os ratos fazem a festa.

Histórias estranhas e extraordinárias comumente viravam folhetos ilustrados e peças do teatro popular; cujas arquibancadas eram vistas muito mais cheias antes da invenção da televisão. Suiken Fukunaga localizou representações de lâminas yōtō saídas da forja de Muramasa em vários dramas dos séculos XVIII e XIX, especialmente Katakiuchi Tenga Jaya Mura ( 天下 茶屋 ) (1781), Hachiman Matsuri Yomiyano Nigiwai (八幡祭小望月賑) (1860), Konoma no Hoshi Hakone no Shikabue (木間星箱根鹿笛) (1880) e Kago-tsurube Sato-no-Eizame (籠釣瓶花街酔醒) (1888).[13]

A peça Hachiman Matsuri Yomiyano Nigiwai, escrita por Kawatake Mokuami, foi representada pela primeira vez no teatro Ichimura, em agosto de 1860, em Edo. Originalmente foi dividida em seis atos com temas baseados na queda duma ponte durante um festival xintoísta em 1807, no incidente do assassinato de uma gueixa em 1820, e também no episódio fictício onde o cotidiano do protagonista Kirare Yosa acaba permeado por problemas familiares causado por uma yōtōmuramasa (妖刀村正).[14]

Atores Ôtani Tomoemon IV, Arashi Rikan III, e Ichikawa Kodanii IV interpretando os papéis de Adachi Motoemon, Hayase Iori e Tôma Saburôemon no terceiro ato do drama Katakiuchi Tenga Jaya Mura (敵 討 天下 茶屋 聚), que foi encenado no 5º mês lunar de 1854 no Kawarasakiza (gravura impressa por Utagawa Kuniyoshi).

Quando, na vida real, Sano Jirōzaemon foi à zona de prostituição e matou sua amasia Yatsuhashi, as pessoas disseram que ele também portava uma yōtō. Este caso foi biografado com viés sensacionalista no drama kabuki Kago-tsurube Sato-no-Eizame, escrito por Kawatake Shinshichi III, que identificou a espada como uma das lendárias lâminas forjadas por Muramasa. No fim da peça Sano Jirōzaemon, interpretado por Ichikawa Sadanji I, surge curado duma doença de pele, usa a mulher para testar o fio de corte da sua nova arma e afirma satisfeito: “A kago-tsurube (籠釣瓶) é muito afiada”.[16]

Na vida real, quando Matsudaira Geki foi levado à loucura pelo assédio moral de seus superiores e os matou no Castelo de Edo no 6º ano de Bunsei (1823), os habitantes da localidade espalharam o boato de que o homicida usou uma espada de Muramasa, embora a perícia não haja localizado nenhuma assinatura oculta na espiga daquela lâmina em particular. Segundo Suiken Fukunaga, este incidente mostra quão grande foi a influência dos dramas kabuki sobre as pessoas comuns. [17]

Ilustração pintada por Chikashige Morikawa (守川周重), retratando uma cena de Konoma no Hoshi Hakone no Shikabue (木間星箱根鹿笛) (1880), publicada por Fukuda Kumajiro, em 1880.

Como forjar uma yōtō?

O colecionador britânico Edward Gilbertson (1813-1904) consultou documentos de fabricação de espadas japonesas que apresentavam Muramasa como “um ferreiro muito habilidoso, mas uma mente violenta e desequilibrada à beira da loucura, que supostamente havia passado para às suas lâminas”.[18] Daí a sede de sangue.

A manufatura começava com a composição de um lingote de aço de damasco chamado kawagane (皮鉄), o “coração de aço”, preparado em uma fornalha aberta chamada tatara (鑪). Depois o lingote era enrolado em torno do segundo aço, mais leve, chamado shingane (心鉄), a “pele de aço”, e ambos eram malhados juntos até adquirir o formato da kataná. Finalmente, a lâmina era aquecida ao rubro e recebia têmpera em água, para endurecer. Numa variante da lenda – provavelmente um posicionamento minoritário – este é o momento em que a forja duma yōtō difere da criação regular.

Louis Wertheimber, no romance histórico A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan (1887), descreveu os arredores do lar do ferreiro repleto de cadáveres dessangrados. O falatório na vizinhança teria levantado a suspeita de que Muramasa realizava a tempera do aço numa solução de sangue humano recém-derramado. “A época era supersticiosa o suficiente para acreditar que tal procedimento realizado corretamente traria resultados maravilhosos; e a maravilhosa excelência das produções de Muramasa favoreceu esse raciocínio”.[19]

Falando sobre a vida real e o quotidiano de todos os ferreiros laminadores do tempo dos samurais, Aline Ribeiro nos instrui: “A lâmina é o mais importante e, antigamente, o teste de qualidade chegava a ser feito em corpos de criminosos mortos e, eventualmente, vivos. Para checar se a lâmina era mesmo confiável, samurais costumavam emboscar cidadãos comuns nas vielas”.[20] Sendo assim se justifica o argumento de Louis Wertheimber, segundo quem “A vida humana era considerada barata o suficiente, enquanto boas espadas eram raras; e se fosse necessário sangue humano para fazer uma, alguns mercadores e vagabundos poderiam ser supridos”.[21]

O próprio Muramasa estaria, sem dúvida, ciente da lenda urbana criada em torno de sua pessoa e nunca a contradisse, seja por palavra ou sinal. Ele provavelmente tinha sabedoria mundana suficiente para supor que a atmosfera de mistério em que, por relato comum, ele vivia, gerava um marketing que aumentava o valor de seus produtos.

Em seu romance histórico Louis Wertheimber fantasia o encontro do famoso ferreiro com um jovem samurai avido pela obtenção duma boa espada. Muramasa fala:

“Os deuses foram gentis comigo e me recompensaram por minhas orações, concedendo-me técnica e habilidade; responderam ao meu jejum e minha devoção, meus dias e noites de labuta incansável, permitindo-me descobrir muitos segredos que são desconhecidos para os outros. Oh, os tolos, os tolos! pensam que o aço está morto porque é frio e imóvel e sem vida aparente! Três vezes dito tolos e idiotas! Eles matam a vida que existe no ferro como vem da natureza, e não dão outra em troca; e ainda assim eles sabem por seus antepassados, e aprenderam a tagarelar, que a espada é a alma viva do samurai.

“Há vida nesta lâmina que lhe dou hoje, meu rapaz, – vida melhor, mais fina e mais rica do que na maioria dos rudes que tentam fabricar uma espada. Mas lembre-se que, a menos que você a use com sabedoria e cuidado, esta espada é um presente perigoso. Nunca a desembainhe ao menos que você precise de sua ajuda; nunca a devolva à bainha sem usá-la; e nunca a deixe embainhada por mais do que um ciclo de doze anos. Se você por alguma fatalidade imprevista a tiver puxado e exposto à luz do sol, da lua ou das estrelas sem poder usá-la no inimigo que o provocou, antes de devolvê-la à sua bainha, use-a em algum animal inferior; mas nunca pense em embainhar sem que a lâmina tenha entrado em contato com o sangue de algo ainda vivo. Se você agir assim, achará nesta lâmina uma amiga devotada; ela obedecerá e até mesmo antecipará seus pensamentos e desejos; com a menor orientação, atingirá seus inimigos e oponentes em seus pontos mais fracos até a morte, independentemente da quantidade e da corarem destes, apesar da armadura e do elmo. Mas se você falhar em obedecer às instruções que lhe dei, a lâmina se voltará contra ti e o vitimará com igual certeza; e mesmo que você a enterre no oceano profundo ela não deixará de se vingar de ti.”[22]

Acreditava-se que a personalidade, muitas vezes impressionante, do ferreiro individual era refletida ou incorporada de forma animista nas lâminas que ele forjava.  Porém, noutras mídias, as espadas não precisavam ser batizadas em sangue para se tornarem yōtō. Aliás, em Dororo (どろろ; 1969) nós vemos a cena da forja de yōtōnihiru em água pura. O narrador do episódio explica a lenda corrente no modo como a tradição oral se adaptou, revelando que qualquer uso abusivo, excessivo e imoral por parte de qualquer um dos portadores de armas brancas encarnava uma sombra viva.[23]

Persistência da lenda na cultura popular japonesa do pós-guerra

Osamu Tezuka, no capítulo Yōtō no Maki (妖刀の巻) do romance gráfico Dororo (どろろ), publicado em 1967, apresentou o personagem Tanosuke (田之介), um samurai que recebeu de seu perverso daimyō a ordem de matar todos os construtores dum prédio fortificado, por medida preventiva, a fim de que nenhum deles revelasse métodos secretos de burlar a segurança daquele prédio aos inimigos do feudo.

Tanosuke titubeou, argumentando que é moralmente incorreto executar gente sem culpa, apenas por eles saberem demais. Então o daimyō lhe entregou uma kataná e insistiu que assassinasse uma dezena de inocentes. Uma vez cumprida a ordem, Tanosuke enlouqueceu, desgarrou-se e começou a vagar pelo Japão matando qualquer um que cruzasse seu caminho. Essa incessante busca por sangue tinha por objetivo alimentar o objeto. Sua espada foi chamada yōtōnihiru (妖刀似蛭) porque tal kataná era ou tornou-se o corpo verdadeiro do yōkai chamado Nihiru (似 蛭), cujo nome é composto por kanjis que o descrevem como semelhante (似, ni) à sanguessuga (蛭, hiru).

Uma yōtō influencia o usuário humano ao ponto de supressão da consciência. Por isso, no importante momento em que se apresenta para lutar contra Hyakkimaru, ele diz: “Não sou tão importante a ponto de ser nomeado. Esta espada se chama Nihiru. É uma espada que até hoje já fez jorrar o sangue de dezenas de inimigos. A guerra acabou, mas ela se acostumou com o gosto do sangue e não consegue se segurar”.[24]

Na versão televisiva, veiculada em 1969, à época em que Osamu Tezuka era vivo, Tanosuke lamenta: “Eu me tornei um escravo da espada”.[25] Guts, blogueiro geek, traduziu a cena à sua perspectiva onde Hyakkimaru enfrenta o objeto e seu usuário possesso: “Tanosuke era um bom soldado que foi corrompido pela lâmina e se transformou em uma casca sedenta de sangue de seu antigo eu. Ele é compelido pela espada a matar pessoas inocentes, algo impensável para o verdadeiro Tanosuke”.[26]

O antagonista fala aos escolhidos: “Embora eu não queira me precipitar nesta batalha, ele (Nihiru) não me dá ouvidos. Depois de sentir seu cheiro esta espada está sedenta para beber seu sangue. Sinto muito, mas estejam preparados para morrer”.

Quando Dororo furta a yōtōnihiru ele passa a ouvir uma hipnótica voz masculina repetindo: “Eu quero sangue”. Afetado, mas não totalmente fora de si, ele mata cães de rua. A voz então especifica que anseia por derramamento de sangue humano. Alguma ação acontece até que a lâmina volte às mãos de Tanosuke.[27] Este não consegue sangrar Hyakkimaru por mais que tente, pois ele não é apenas um espadachim excepcional; Hyakkimaru é praticamente um boneco com quase nada de humano. Num ato final, Tanosuke fala à yōtōnihiru: “Experimente o meu sangue! Aproveite… Esta é a sua última refeição!” Então crava a lâmina em seu próprio pescoço.[28]

Ilustração pintada por Chikashige Morikawa (守川周重), retratando uma cena de Koizumo Yawaragi Soga (1880), publicada por Fukuda Kumajiro, em 1882.

Cenas de rejuvenescimento

Na peça Kago-tsurube Sato-no-Eizame (1888) a pose da espada kago-tsurube fez com que um portador de boa índole e má aparência se transformasse num homicida de boa aparência, curado da doença de pele hereditária que o desfigurou ainda no útero. No romance gráfico Dororo (1967) e na série animada homônima (1969) a posse da espada yōtōnihiru fez com que o antagonista calvo voltasse a ter cabelo em abundância; algo que só o fez parecer ainda mais louco por perambular despenteado e esfarrapado.

Na versão de 2019 do seriado há uma inovação: a espada aparece com pontos de ferrugem quando entregue a Tanosuke e assume aparência de lâmina nova após ser molhada em sangue humano. Quando destruída, retorna à aparência de lâmina velha e enferrujada. Assim se comporta como um vampiro que rejuvenesce ao beber sangue.

Certa vez, conversando com a socióloga Daniele Aguiar a respeito do processo de envelhecimento duma espada japonesa, ela opinou que o enferrujamento de lâminas aumenta o risco de causar tétano[29] àqueles que forem feridos por elas. Antes que a erosão por ferrugem se agrave ao ponto de destruir o metal, haveria um lapso de tempo onde a presença de bacilos tetânicos potencializaria a letalidade da arma branca. Sendo assim, pode haver fundamento na lenda onde armas antigas adquirem uma capacidade de ferir para além do normal, observável por meio da relação de causa e efeito.

Espadas vivas e cura de sangue em Castlevania

Sessenta e nove espadas diferentes podem ser equipadas pelo vampiro Alucard no jogo Akumajō Dracula X: Gekka no Yasōkyoku (悪魔城ドラキュラX 月下の夜想), e em sua versão estadunidense Castlevania: Symphony of the Night, ambos produzidos pela Konami, em 1997. Quem teve a ideia de eliminar o sistema de fases presente nos treze jogos anteriores da franquia e introduzir um amplo arsenal, itens de vestuário, etc., foi o diretor Kōji Igarashi, que, por meio deste trabalho, se tornou o fundador informal dum subgênero dos jogos de ação chamado metroidvania.

A maioria das espadas imaginadas por Kōji Igarashi são relativamente comuns, porém algumas tem vida própria e sede de sangue. Após localizar e ativar a relíquia kenma no moto (剣魔の素) nosso avatar, o vampiro Alucard, começa a ser seguido por tsukaimanoken (つかい魔の剣)[30], uma espada mágica voadora que toma iniciativas para protege-lo. Inicialmente a tsukaimanoken golpeia o entorno de modo circular. O item sobe de nível conforme o número de oponentes vencidos.  Quando seu nível ultrapassa os cinquenta pontos a tsukaimanoken se torna equipável[31], com poder de ataque igual ao nível atingido, sendo uma das armas brancas mais fortes do jogo.[32] Foi essa espada que libertou Alucard das amarras da traiçoeira dupla Taka e Sumi no oitavo episódio da terceira temporada de Castlevania, o qual estreou na Netflix em 05/03/2020.

No jogo desenvolvido para o console PlayStation, o diretor Kōji Igarashi também introduziu a poderosa Crissaegrim (クリセグリム), derrubada por Schmoo[33] no mesmo mapa onde empalados utilizados como espantalhos deixam cair yōtōmuramasa (ようとうむらまさ).[34] Basta seu avatar equipar uma Crissaegrim que o jogo acaba para ele, pois tudo é destruído com facilidade e nada mais pode vencê-lo. Os cenários são atravessados com pressa, antes mesmo da conclusão de sua aclamada trilha sonora. Ao toque de um botão de ataque até os chefes de fase estouram indefesos como bolhas de sabão, sem oportunidade de exibir movimentos ou golpes especiais.

Por tudo isso houve quem se queixasse de prejuízo à jogabilidade. Ninguém vence uma guerra com honra jogando duas bombas atômicas sobre a população civil. Ninguém aprecia a sinfonia da noite correndo em enxurrada como as águas bravias dum rio durante a tempestade. Transformar a pior dentre as espadas do inventário no melhor equipamento possível foi o objetivo da parcela minoritária de jogadores que desejava tirar o máximo de proveito do jogo, passando muitas horas entretidos pela emoção da dificuldade, evoluindo Alucard por mérito, fazendo malabarismo no console para ativar seus golpes especiais e vendo tudo que os oponentes são capazes de fazer.

No início a yōtōmuramasa é uma espada de duas mãos de baixo dano, que reduz cinco pontos de ataque e quatro de defesa quando equipada. Ela rejeita um portador fraco, travando durante a luta se o ataque de Alucard for inferior a onze pontes. Ela temporariamente amaldiçoa o vampiro e foge de suas mãos até que ele encontre e ative o poder da relíquia shinzō (心臓), o coração de Vlad Ţepeş.

O jogador inexperiente prontamente rechaçará uma kataná que o atrapalha mais do que ajuda. Porém, não sem motivo, a maioria dos monstros que dropam tal item habitam o cenário da biblioteca do castelo. O jogador instruído intuirá que uma espada que leva o nome do ferreiro Muramasa não pode ser verdadeiramente fraca, por pior que pareça à primeira vista. Acontece que yōtōmuramasa possui uma habilidade oculta, que ativa o efeito estético de resplandescência duma aura vermelho-sangue em seu portador. (Assim o jogador desinformado percebe que algo de diferente aconteceu).

A espada é fortalecida sempre que Alucard, estando ferido, usa-a para sangrar um oponente e os respingos de sangue alheio caem sobre ele, curando-o. Curiosamente tal propriedade vampírica dobra quando o porte da yōtōmuramasa é combinado com uso do pingente buraddosutōn (ブラッドストーン), a “pedra de sangue”.[35]

Com o contínuo progresso do personagem sua velocidade de manejo da espada é otimizada e o tempo do efeito da maldição diminuído. Após atingir trezentos e quinze pontos seu ataque passa a subir de dois em dois pontos, ao invés de um em um. Neste jogo a yōtōmuramasa potencialmente pode evoluir até o limite de novecentos e noventa e nove pontos de ataque caso alguém tenha a infinita paciência de usá-la até Alucard receber mais de um milhão de curas de sangue.[36] Deve haver algum comando oculto de ativação da potência máxima da yōtōmuramasa, pois embora tamanho trabalho seja humanamente impraticável, na internet tem gente matando a cobra e mostrando pau.[37]

 Tanosuke portando a espada yōtōnihiru numa cena do sétimo episódio de Dororo (どろろ; 1969) e yōtōmuramasa no jogo Akumajō Dracula: Yami no Juin (悪魔城ドラキュラ 闇の呪印; 2005).

Na ocasião de lançamentos de novos jogos da franquia alguns poderiam lastimar o desperdício do trabalho após uma canseira hercúlea. Então os projetistas da Konami deram um subterfúgio aos jogadores. Na versão original de Castlevania: Symphony of the Night para PlayStation, apertar todos os quatro botões do joystick mais SELECT e START faz com que o console retenha o nível atual da yōtōmuramasa em sua memória RAM. Depois, se for carregado outro arquivo de jogo no qual o avatar do jogador também tenha uma yōtōmuramasa, o nível será passado para o item daquele jogo. Salvar o jogo definirá permanentemente o novo valor de ataque para a espada.[38]

Para não se prender somente ao folclore nipônico ao dirigir a produção de um importante item de exportação, Kōji Igarashi introduziu mais duas espadas que ativam a cura de sangue em avatares vampiros nos jogos da saga. São a nórdica Dáinsleif (ダインスレイフ)[39] e a genérica Mōnburēdo (モーンブレード), a lâmina do gemido, uma “devoradora de almas”. Porém ambas são notoriamente inferiores à yōtōmuramasa.

Espada Muramasa em Ragnarök Online

Seu avatar é atacado por hordas de mortos vivos e demônios funestos ao entrar em determinados mapas do MMORPG Ragnarök Online (라그나로크 온라인)[40], o qual é desenvolvido pela empresa sul-coreana Gravity Corp. À época do lançamento, em 2002, os melhores locais para encontra-los eram a caverna de Payon, o Navio Fantasma e as ruínas de Glast Heim. Num desses cenários (gl_cas02) brota um looping infinito de monstros “andarilhos” de modo que o mapa está sempre repleto de quarenta e um deles, não importa quantos você derrote. São mortos-vivos semidecompostos vestidos com roupas típicas nipônicas e portando espada kataná. Parecem corpos de samurais ronin.

Existe 0,10% de chance de cada andarilho derrotado deixar cair a espada de duas mãos Muramasa, equipável por avatares da classe espadachins e evoluções a partir do nível 48 da evolução do avatar. A Muramasa é uma arma de nível quatro[41] que aumenta o ataque crítico em trinta pontos e a velocidade de ataque em 8%. Sem dúvida um excelente item de jogo. Sua descrição informa ser uma “espada oriental, batizada com o nome do famoso artesão do antigo Japão”.

Segundo a descrição, ao realizar ataques físicos com a Muramasa deveria haver uma “pequena chance de infligir maldição[42] no usuário”; porém essa pequena chance é eufemista para o tempo inteiro. O que ocorre de fato? Você mira em qualquer coisa e seu avatar fica vermelho, andando lentamente na companhia da Morte, com manto e foice. Os jogadores ficam maravilhados pela estética do efeito. É impossível enjoar. Antes de causar aborrecimento ou atrapalhar a jogabilidade, a maldição da Muramasa é diversão garantida. O único problema é ter de andar com estoque de água benta produzida por noviços e evoluções para destravar a corrida em caso de urgência.

Um personagem do jogo, antigo membro da guilda dos espadachins, evoluído para a classe dos cavaleiros, um destacado guerreiro de nome Seyren Windsor, foi tão afetado pela maldição do equipamento coletado em Glast Heim que ele efetivamente se tornou um possesso chefe de mapa. Ao derrotar uma das versões de Seyren há 0,05% de dropar a Muramasa que ele presumivelmente espoliou do ronin andarilho.

Em 09/11/2005 o jogo Ragnarök Online recebeu a importante atualização que adicionou os mapas Amatsu e Kunlun, com novas missões, monstros e equipamentos. Em Amatsu o chefe de mapa Samurai Encarnado é uma criança controlada pelo espírito dum samurai adulto que, pelas vestes, parece o cadáver de um daimyō ou pelo menos alguém bem mais rico que o andarilho. Este monstro deixa cair, a 0,03% de chance, a espada de duas mãos Masamune descrita como “a grande obra-prima do maior artesão japonês”. Equipável por espadachins transclasse e evoluções a partir do nível 48, essa arma de nível quatro reduz cinco pontos de força, reduz 75% da defesa, aumenta a esquiva em trinta pontos e a velocidade de ataque em dois.

A carta do monstro Samurai Encarnado é considerada muito boa. Ela é gerada no inventário do MVP (most valuable player) a 0.01% de chance. Equipa em slot de arma. Ignora toda a defesa dos personagens e monstros, com exceção dos chefes de mapa. Impede a regeneração natural de HP. Drena 666 de HP do usuário a cada 10 segundos. Drena 999 de HP ao desequipar. Seu prefixo é Bloodlust. Isso significa que se equipada numa rara Muramasa [2] a arma se transforma em Bloodlust Muramasa.

Referências:

DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ichi (妖刀似蛭の巻 ・その一). Sétimo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 18/05/1969. (Cópia e legenda de fansub).

DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Cópia e legenda de fansub).

FUKUNAGA, Suiken. Nihontō Daihyakka Jiten (日本刀大百科事典). Japão, Yūzankaku, 1993. ISBN 4-639-01202-0.

GILBERTSON, Edward. Japanese Sword Blades: A Paper Read Before the Japan Society of London, Nov. 24, 1897. Reino Unido, Uitgever Niet Vastgesteld, 1898. 29p.

RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006. 578p. ISBN:9788480194921, 8480194928

RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015. 98p. ISBN 978-85-432-0997-5.

SESKO, Markus. Legends and Stories Around the Japanese Sword. Alemanha, Books on Demand, 2011. 184p.

SESKO, Markus. Masamune – His Work, His Fame and His Legacy. Morrisville, Lulu Press, 2015. 182p. ISBN:9781329004139, 1329004132

SIMAN, Leandro Gusmão; SOUZA, Fabio Santana de; LIVRAMENTO, Gilson P.; PAULA, Donizete de; LETONAI, Homero & ARAKI, Eric. Castlevania: Symphony of the Night: Estratégia completa, mapas inteiros para o castelo normal e invertido e lista de itens. Em: ALMANAQUE WORLD GAMES. Ano I, nº 1. São Paulo, Editora Canaã, p 45-82.

STONE, George Cameron. A Glossary of the Construction, Decoration, and Use of Arms and Armor in All Countries and in All Times. New York, Dover Publications, 1999. 460p. ISBN 978-0-486-40726-5.

TEZUKA, Osamu. 妖刀の巻 Espada Demoniaca. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. São Paulo, New Pop, 2011, p 55-114.

WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887. 188p. Digitalizado e disponibilizado para download gratuito em: <https://www.google.com.br/books/edition/A_Muramasa_Blade/iz4WAAAAYAAJ?hl=pt-BR&gbpv=0>.

[1] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[2] DECHI, Bird. Review Muramasa. Em: DECHI, Bird. Hanya Seorang Penggemar Nasuverse. Indonésia, 03/01/2021. URL: <https://sehai-kun.blogspot.com/2021/01/review-muramasa.html>.

[3] Em 1849 oTokugawa Jikki (徳 川 實 記), um livro de História, endossou a obra anterior.

[4] O tradutor profissional de nihongo Markus Sesko é um colecionador de espadas japonesas, membro da Associação para a Pesquisa e Preservação dos Elmos e Armaduras Japonesas.

[5] SESKO, Markus. Masamune – His Work, His Fame and His Legacy. Morrisville, Lulu Press, 2015, p 73-74.

[6] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[7] SESKO, Markus. Legends and Stories Around the Japanese Sword. Alemanha, Books on Demand, 2011, p 34-35.

[8] Menuki (目貫) é um ornamento que fica localizado em ambos os lados da empunhadura da espada (tsuka) parcialmente coberto pela corda (ito). Originalmente o menuki foi adicionado com o propósito de esconder o mekugi (pino de bambu), mas que posteriormente foi mudado de posição para facilitar a montagem de desmontagem da espada.

[9] ALAMEDDINE, Rabih. Japanese Menuki (目貫) (sword mountings) in the shape of bats. Postado no Twitter em 13/09/2020. URL: <https://twitter.com/rabihalameddine/status/1305292304551350273?lang=cs>.

[10] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[11] STONE, George Cameron. A Glossary of the Construction, Decoration, and Use of Arms and Armor in All Countries and in All Times. New York, Dover Publications, 1999, p 460.

[12] DECHI, Bird. Review Muramasa. Em: DECHI, Bird. Hanya Seorang Penggemar Nasuverse. Indonésia, 03/01/2021. URL: <https://sehai-kun.blogspot.com/2021/01/review-muramasa.html>.

[13] FUKUNAGA, Suiken. Nihontō Daihyakka Jiten (日本刀大百科事典). Japão, Yūzankaku, 1993. Citado no verbete MURAMASSA, na WIKIPEDIA. <https://en.wikipedia.org/wiki/Muramasa>. Acessado em 23/03/2022 17h02.

[14] HACHIMAN MATSURI YOMIYANO NIGIWAI (A KABUKI PLAY) (八幡祭小望月賑). Em: JAPANESE WIKI CORPUS. URL: <https://www.japanese-wiki-corpus.org/person/Mokuami%20KAWATAKE.html>.  Acessado em 23/03/2022 20h38.

[15] TENGAJAYA. Ultima atualização em 31/10/2018. URL: <https://www.kabuki21.com/tengajaya.php>.

[16] THE HAUTED SWORD. Em: KABUKI PLAY GUIDE. Acessado em 25/03/2022 09h28. URL: < http://enmokudb.kabuki.ne.jp/repertoire_en/%E7%B1%A0%E9%87%A3%E7%93%B6%E8%8A%B1%E8%A1%97%E9%85%94%E9%86%92%EF%BC%88the-haunted-sword%EF%BC%89 >.

[17] MURAMASSA. EM: WIKIPEDIA. <https://en.wikipedia.org/wiki/Muramasa>. Acessado em 23/03/2022 17h02.

[18] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[19] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 53-54.

[20] RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015, p 44.

[21] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 55.

[22] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 85-86.

[23] O narrador fala na abertura de DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二): “A espada não é algo para matar as pessoas, mas sim para autodefesa. Mas quando essa convicção desaparece, e também os donos das espadas, elas se tornam obcecadas como animais. Algumas espadas são espontaneamente retiradas de suas bainhas por homens com sede de sangue. Outras espadas, com desejo pela morte, matam pessoas. Outras, embora não sejam manchadas com o sangue de centenas de pessoas, brilham no campo de batalha, liderando outros. A obsessão dessas espadas só traz tristeza ao seu portador. As pessoas chamam-lhes de yōtō”.

[24] TEZUKA, Osamu. 妖刀の巻 Espada Demoníaca. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. SP, New Pop, 2011, p 57.

[25] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Tradução de fansub).

[26] GUTS. 10 Objetos em anime que corromperam seus usuários. Publicado em GEEKS IN ACTION, 06/08/2021. URL: <https://geeksinaction.com.br/index.php/2021/08/06/10-objetos-em-animea-que-corromperam-seus-usuarios/>.

[27] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ichi (妖刀似蛭の巻 ・その一). Sétimo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 18/05/1969. (Tradução de fansub).

[28] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Tradução de fansub).

[29] O tétano é uma infecção aguda e grave, causada pela toxina do bacilo tetânico (Clostridium tetani), que entra no organismo através de ferimentos ou lesões de pele.

[30] DRACULA X: NOCTURNE IN THE MOONLIGHT: INVENTORY TRANSLATION GUIDE. Em: GAME FAQs, 27/10/2002: <https://gamefaqs.gamespot.com/saturn/197146-akumajou-dracula-x-gekka-no-yasoukyoku/faqs/18248>.

[31] SIMAN, Leandro Gusmão; SOUZA, Fabio Santana de; LIVRAMENTO, Gilson P.; PAULA, Donizete de; LETONAI, Homero & ARAKI, Eric. Castlevania: Symphony of the Night: Estratégia completa, mapas inteiros para o castelo normal e invertido e lista de itens. Em: ALMANAQUE WORLD GAMES. Ano I, nº 1. São Paulo, Editora Canaã, p 56.

[32] BORTOLAÇO, Denis & MARQUES, Rafael. Castlevania: Warpzone Clássicos n

 º 9. São paulo, 2017, p 66.

[33] Shmoo é um personagem criado por Al Capp para as tiras de jornal de Ferdinando Buscapé. Sua primeira aparição ocorreu em 31/08/1948. Era um animal exótico, extremamente amoroso e ingênuo. Sua espécie era muito nutritiva e foi exterminada pelos capitalistas americanos a fim de evitar a falência do negócio agropecuário. Em 1979, os estúdios Hanna-Barbera relançaram o personagem em forma de desenho animado. Nesta revisão Shmoo era apenas um bichinho branco, parecido com um fantasma com aspecto de foca, porém muito carinhoso com todos seus amigos. Serviu de inspiração também para outros dois personagens do estúdio: Gloop e Gleep de Os Herculóides. Podia se transformar em qualquer coisa para ajudar seu dono e amigos, livrando-os dos perigos e facilitando trabalhos dos mesmos. Mas Hanna-Barbera abandonou a ideia dele ser nutritivo e atrair o apetite humano.

[34] As descrições da yōtōmuramasa nos jogos da franquia Castlevania informam ser “uma lâmina com vida própria, criada por um lendário espadachim ferreiro” (Order of Shadows). É também “uma espada sedenta de sangue” (Symphony of the Night), “embebida no sangue de inimigos caídos” (Encore of the Night:), “com reputação macabra” (Dawn of Sorrow). “Uma lâmina oriental mortalmente afiada; requer clareza de vontade para mantê-la sob controle” (Curse of Darkness).

[35] Sozinha a cura de sangue da yōtōmuramasa soma oito pontos à barra de vida de Alucard, mas se ele também usar buraddosutōn a cura de sangue somará dezesseis pontos todas as vezes. Este é o mesmo poder temporariamente ativado pelo feitiço do pergaminho Dark Metamorphose (ダークメタモルフォーゼ) cujo nome foi transliterado do inglês.

[36] Chegar aos 999 pontos de ataque por mérito próprio não é humanamente possível, mas jogadores dão dicas sobre como bugar um controle turbo e deixar Alucard lutando sozinho a noite inteira. A kataná Muramasa ganha um ponto de ataque conforme a equação [(ataque atual × 2) +11] curas de sangue. Por exemplo, para aumentar o atributo inicial -5 para -4 basta uma cura de sangue. Para aumentar -4 para -3 requer três curas de sangue e assim por diante.

[37] 月下の夜想曲」 999まで強化した妖刀村正で全ボス倒したい 「ゆっくり実況」. Publicado no canal T先輩, no Youtube em 03/03/2020. URL: <https://www.youtube.com/watch?v=Tk9F3Fudd9M>.

[38] CASTLEVANIA WIKI. Acessado em 30/03/2022. URL: <https://castlevania.fandom.com/wiki/Muramasa>.

[39] Na mitologia nórdica a espada Dáinsleif pertencia ao rei Hǫgni. Forjada por um anão, ela produzia feridas que nunca cicatrizavam e matava um homem sempre que desembainhada. Sua lenda é semelhante à da espada Tyrfing.

[40] Ragnarök Online foi o primeiro jogo online coreano a ser exportado com sucesso a outros países. No Brasil, foi o primeiro MMORPG traduzido oficialmente para a língua portuguesa, rodado em servidores nacionais, de 2004 a 2021.

[41] O quarto nível é o mais alto e o mais difícil dos ferreiros aprimorarem com minério oridecon para aumentar o ataque.

[42] Maldição é um efeito negativo que passa em poucos segundos. Maldição reduz o ataque do avatar em 25%, zera os pontos de sorte e reduz sua velocidade de movimento. Porém a impossibilidade de correr não atrapalha a quem não quer fugir da luta, a construção de espadachins não exige nenhum gasto de ponto em sorte e o aumento significativo na velocidade de ataque proporcionado pela espada compensa a redução do dano.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/a-lenda-de-yoto-as-laminas-vampiras/

A Cotação do Ouro de Hoje

A cada quatro anos, atletas de centenas de países se reúnem em um país pré escolhido com o objetivo de competirem e ver quem é o mais foda dentre os fodões. Para evitar mais desgraças do que as que os telejornais nos transmitem todos os dias, essas competições se restringem apenas a modalidades esportivas. Diz a lenda que o objetivo dessa disputa acerrada entre os atletas é a união de povos e raças, a paz a amizade e o bom relacionamento.

Esse período de 4 anos entre os jogos recebe o nome de olimpíada, mas curiosamente os jogos que marcam o fim e o início de uma olimpíada receberam o nome de olimpíada também. É como pegar uma forma de assar, colocar massa dentro, rechear a massa de maçãs, assar e depois de 40 minutos tirar do forno e gritar: PESSOAL A FORMA DE ASSAR ESTÁ PRONTA! Bem assim somos nós.

Outra lenda afirma que os jogos olímpicos tiveram inícia na Grécia antiga, na cidade de Olímpia, e os jogos além de não contarem com a participação feminia – afinal estamos falando de gregos – eram dedicados a Zeus, que tinha sua casa de veraneio favorita no monte Olimpo. Mas na verdade esses jogos que praticamos hoje começaram mesmo no ano de 1896. Nos primeiros jogos lendários os vencedores ganhavam ramos de oliveiras como prêmio, mas com o passar do tempo as pessoas julgaram que ninguém competiria para ganhar um galho morto de árvore e assim mas olimpíadas de 1896 o vencedor receberia uma medalha de prata e o segundo colocado levaria para casa o galho morto de árvore – talvez para lembrar a ele que o segundo colocado é o primeiro perdedor. Foi apenas nos Estados Unidos, no verão de 1904, que teve início a moda de entregar medalhas para o primero, segundo e terceiro colocados. Curiosamente a medalha de ouro na época era de ouro maciço, mas em algum momento perceberam que precisavam usar muito ouro para isso e dois jogos depois, em 1912, a medalha do primeiro lugar foi substituida por uma medalha de prata banhada a ouro, com pelo menos 6 gramas de ouro puro nessa cobertura; se quiser saber quem foram os pão-duros que tiveram essa idéia lembre-se que os jogos de 1912 foram na Suécia, o lar de grandes invenções como ABBA, Roxette e Cardigans.

 

Bem, e por que você está perdendo seu tempo com isso?

Além de servir como ótima tática de xaveco em baladas nas épocas de olimpíadas, esse costume de premiar os três melhores competidores mundiais nos mostram coisas interessantes sobre seres humanos.

Nestes jogos de 2012, que talvez sejam os últimos jogos olímpicos antes do fim do mundo da Profecia Maia, um momento me chamou a atenção. Estava eu de pé na sala, fumando um cigarro com a televisão ligada, enquanto passava minhas calças, e um frênezi insano, recheado de gritos e berros tomou conta da transmissão. Eu sabia que era uma competição de natação, porque conseguia perceber a piscina com o canto do olho, e resolvi dar uma olhada para ver se tinha sorte de conseguir captar alguma atleta de maiô pulando para cima e para baixo comemorando sua vitória. O que vi foi mais interessante – não sexualmente mas psicologicamente.

Um marmanjo peludo todo entusiasmado gritava e pulava, infelizmente com seu shorts sunga, segurando sua medalha. Um olhar mais atento revelou que a medalha que ele segurava não era a de ouro – afinal, ninguém pularia daquele jeito por “no mínimo 6 gramas de ouro” – e sim de bronze. O nome do nadador era Brendan Hansen e ele havia ganho os 100 metros de nado peito, um nome curioso para uma modalidade que se permite o uso dos braços e pernas do nadador. Bem, Brendan tinha e ainda tem inúmeras razões para comemorar daquele jeito: ele era o competidor mais velho naquela modalidade com 31 anos, ele estava voltando de uma aposentadoria, estatisticamente nadadores com mais de 30 anos não ganham muitas medalhas, ele foi o 13o a conseguir uma, e ele não era o favorito. Claro que existe mais uma razão para ele estar feliz daquele jeito, a medalha que ele ganhou foi a de bronze e não a de prata.

Se você parar para pensar agora, numa competição entre centenas de pessoas, incluindo você, se tivesse a chance de estar entre os três melhores, mas não como o melhor, preferiria chegar em segundo ou em terceiro lugar?

Em 1995 três pessoas pararam para pensar nisso. Bem não exatamente nisso, mas em algo que levou a esta pergunta. Vicki Medvec, Scott Madey e Tom Gilovich pegaram vídeos dos jogos olímpicos de Barcelona e esturam incessantemente apenas o fim das disputas, o momento exato em que os competidores de determinada competição descobriam como haviam se saído – viam as notas dos juízes ou em que posição haviam terminado. Então eles analizaram as emoções de cada um deles novamente quando subiam ao pódio para receber suas medalhas. Sabe o que eles notaram? Duas coisas:

– Medalhistas de ouro mostravam as emoções positivas mais intensas;

– Medalhistas de bronze tinham emoções positivas muito mais intensas do que medalhistas de prata.

Bem, eles pensaram, que bizarro esses competidores olímpicos. E então repetiram o estudo no Empire State Games – uma espécie de jogos olímpicos anuais para atletas amadores do estado de Nova Iorque. E então em outras competições. E eles repararam que o quadro se repetia:

– Vencedor do ouro: feliz pra caralho;

– Vencedor da prata: putz que legal que eu tou aqui;

– Vencedor do bronze: feliz pacas;

O que os pesquisadores deduziram disso?

Antes de prosseguirmos façamos uma pequena pausa para descansar, olhar ao redor e parecer que não está lendo textos da internet no horário de trabalho. Ou para ir dar aquela mijadinha. Aproveite e veja se tem mais gente por perto e proponha o seguinte jogo:

Cada pessoa coloca R$10 reais num bolo em uma mesa. Todos ficam em volta do bolo de dinheiro. Pegue um maço de baralhos e embaralhe bem. Então decidam que carta vai ser a carta da sorte. Cada pessoa vai tirando uma carta do topo do maço, que deve estar virado para baixo, e a mostra a todos. Se a carta que a pessoa tirar a carta escolhida (um oito de paus por exemplo), ela leva a bolada. Para melhorar discutam para decidir quem começa tirando a primeira carta. Para melhorar ainda mais lembre a todos que como as cartas foram embaralhadas, estão ordenadas aleatoriamente e que a ordem de virar a carta influenciará no resultado.

Normalmente num jogo desses uma pessoa ganha, outras perdem. A que ganha leva a grana para casa, as que perdem costumam ficar pensando no que seria diferente se elas tivessem escolhido ser a segunda ou terceira ou primeira a tirar a carta. Esse tipo de pensamento acerca do que poderia ter sido diferente numa sequência aleatória de acontecimentos, quando esses acontecimentos são influenciados pela ordem em que ocorrem – parecendo assim possuir um efeito de ordem temporal (e se eu tivesse tirado antes ou depois?) – e consequentemente começam a atribuir emoções de culpa ao jogador que jogou antes delas. Ou seja, se o cara que tira a carta antes de você ganha, você olha pra ele e pensa: filho da puta!

A isso damos o nome de pensamento contrafactual.

Descansados? Voltemos ao texto.

Como dizia, os pesquisadores atribuiram as respostas emocionais dos medalhistas de prata e bronze a algo chamado “Pensamento Contrafactual”. Uau! Onde já ouvimos esse nome antes? Bem o pensamento contrafactual são os pensamentos de o que poderia ter acontecido se as coisas tivessem sido diferentes ou se algo diferente tivesse acontecido no meio das coisas.

Ou seja, para os pesquisadores o medalhista de prata fica puto porque ele não venceu. Ele foi o segundo colocado, mais um pouco e ele seria ouro. O MELHOR DE TODOS! O sr. Prata não fica pulando de alegria porque ele acaba se comparando com o sr. Ouro e a comparação não é positiva para o lado dele da balança. Já o sr. Bronze não se preocupa com a prata ou o ouro, ele olha para trás e vê quanta gente atrás dele não ganhou uma medalha, assim ele acaba fazendo uma comparação onde o lado dele tem saldo positivo.

Ou seja, quando você ganha a medalha de prata é muito difícil não pensar: “Cara, que merda, se eu tivesse ido um pouquinho de nada mais rápido, um segundinho… se no final eu desse um pouquinho mais de mim…”. Já quando ganha a de bronze naturalmente pode pensar “eu poderia ganhar ouro se tivesse me saído melhor”, mas é muito mais fácil cerebralmente pensar “Cara… eu quase fico sem medalha… SE FODEU POVÃO… UHUUUUU BEIJEM O MEU BRONZE HAHAHAHAHAHAHA”.

Isso combina com outro aspecto curioso de nosso cérebro, o enquadramento. Veja você se considera uma boa pessoa? Você se considera uma pessoa bonita, ou gorda? Repare na sua resposta a essa pergunta e se questione, por que acha isso? Nosso cérebro não é muito bom em julgar coisas de forma objetiva, para criar um julgamento ele tem que usar uma base de comparação. Assim você pode não se achar uma musa ou um Deus Grego da Beleza, mas com certeza sabe que tem muita, mas MUITA, gente mais feia do que você por ai. Sabendo disso seu cérebro cria uma tabela comparativa e responde para você onde ele se coloca nessa lista. Você é a melhor pessoa naquilo que faz, profissionalmente ou por hobbie? Existem melhores? Existem piores? Esse é um dos motivos que faz com que pessoas tenham inveja de colegas e vizinhos, já que para se classificarem elas precisam de um comparativo, seu apartamento é legal? Seus filhos são inteligentes? Seu pau é grande? Seu carro é foda? Sua bunda é um pedaço de mau caminho? Para responder isso você vai ter que procurar os apartamentos dos amigos, os filhos dos outros, os paus dos atores pornôs, aquelas vagabundas de fio dental na praia. Nós somos incapazes de julgar nossas qualidades e defeitos em um sentido absoluto. E isso inclui nossas performances.

E assim, da mesma forma que com o pensamento contrafactual, o medalhista de prata se compara com o medalhista de ouro, já o medalhista de bronze se compara com todos os que não receberam medalhas.

Curiosamente essa resposta dos medalhistas pode explicar muita coisa da sua vida. Por exemplo, por que existe tanta insegurança sobre o que estamos fazendo? Estou tratando tal pessoa da forma certa? Será que fiz direito naquela reunião de emprego? Digo ou não digo isso pro meu chefe? Tento criar um projeto novo ou simplesmente continuou no arroz com feijão? Dependendo do seu enquadramento, se for positivo ou negativo, você pode evoluir tanto afetivamente quanto profissionalmente quanto mentalmente ou seguir o caminho oposto e apenas adotar o que todos ao redor julgam ser o correto para poder criar uma imagem positiva de si mesmo/mesma.

Se você for um freelancer, pense: porque é tão difícil fazer orçamentos que condizam com o quanto você acha que seu trabalho vale? Melhor cobrar pouco e levar bronze do que chutar alto e não ser o primeiro colocado?

É o velho conselho do sábio zen, ou ele podia ser apenas uma pessoa estúpida também nunca saberemos, comprovado psicologicamente: Basear sua felicidade na expectativa dos outros é o caminho para a infelicidade.

Desta forma a celebração de Brendan não apenas faz sentido, mas era também esperada.

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Mas claro, apenas como forma de manter a competição animada, não podemos deixar de lado o sensação que um medalhista deve sentir não apenas por ganhar, mas de participar nos jogos olímpicos, afinal o objetivo dos jogos é a união de povos e raças, a paz, a amizade, o bom relacionamento e a carteira cheia. Afinal, você não acha que os medalhistas levam para casa apenas um souvenir dos jogos, acha?

Nessas olimpíadas de 2012:

– A Rússia paga R$ 270 mil para cada medalhista de ouro.

– A França paga R$ 130 mil para cada medalhista de ouro.

– O Japão paga R$ 72 mil para cada medalhista de ouro.

– A China paga R$ 63 mil para cada medalhista de ouro.

– A Coreia do Sul paga R$ 600 mil para cada medalhista de ouro.

– Cingapura nunca conquistou uma medalha de ouro. Porém, quem vencer ganhará um bônus de R$ 1,6 milhão.

– O Canadá paga R$ 40 mil para cada medalhista de ouro.

– A Estônia paga R$ 300 mil para cada medalhista de ouro.

– A Alemanha paga R$ 39 mil para cada medalhista de ouro.

– A Itália paga R$ 370 mil para cada medalhista de ouro.

– O Azerbaijão dará um bônus de R$ 1,5 milhão para cada medalhista de ouro.

– Os Estados Unidos paga R$ 50 mil aos medalhistas de ouro, R$ 30 mil aos medalhistas de prata e R$ 20 mil aos medalhistas de bronze. O pagamento é feito pelo Comitê Olímpico dos EUA.

– No Brasil, a premiação não é feita pelo governo, e sim por cada confederação. Na natação e nos saltos ornamentais, cada medalha de ouro vale R$ 100 mil. A prata de Thiago Pereira rendeu R$ 50 mil ao nadador. No judô, o ouro vale R$ 50 mil (foi o que venceu Sarah Menezes). No atletismo, a medalha de ouro vale R$ 30 mil, a prata, R$ 20 mil, e o bronze, R$ 15 mil.

Talvez os únicos atletas reais ainda nos dias de hoje sejam os ingleses, que ganham apenas um “obrigado” de seu pais. Os valores estão em reais.

por LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/a-cotacao-do-ouro-de-hoje/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/a-cotacao-do-ouro-de-hoje/

Abe no Seimei 

Abe no Seimei (japonês 安倍 晴明) é o onmyōji mais famoso da história japonesa. Um onmyōji é um especialista na prática do Onmyōdō, cosmologia esotérica tradicional do Japão que mistura ciência natural e ocultismo. Descendente do famoso poeta Abe no Nakamaro, Seimei viveu no Japão durante o período Heian, entre 921 e 1005. Devido ao seu sucesso como um astrólogo e adivinho, ele era amplamente creditado como um gênio e portador de poderes mágicos e conhecimentos secretos.

Seimei foi discípulo dos onmyōjis Kamo no Tadayuki e Kamo no Yasunori, e sucedeu Yasunori como astrólogo e adivinho da corte imperial. Os deveres de Seimei incluíam determinar o sexo de um feto, encontrar objetos perdidos ou ausentes, dar conselhos sobre como levar sua vida pessoal, conduzir exorcismos, criar defesas contra magia negra e espíritos malignos e analisar e interpretar eventos, como por exemplo fenômenos celestes. Ele escreveu vários livros, dentre eles o Senji Ryakketsu (占 事略 决, lit. “O Resumo de Julgamentos de Divindades”), que contém seis mil previsões e trinta e seis técnicas de adivinhação usando espíritos familiares conhecidos como shikigami, e uma tradução do Hoki Naiden, detalhando técnicas secretas de adivinhação.

Abe no Seimei era tão renomado que a família Abe continuou no controle do Onmyōryō (ministério do governo de onmyōdō) até ele ser encerrado, em 1869. Após sua morte, as histórias sobre Seimei começaram a se espalhar rapidamente e continuaram por centenas de anos. Eventualmente, os detalhes de sua vida tornaram-se tão entrelaçados com inúmeras lendas que já não era mais possível distinguir o que é verdade e o que é mito.

Acreditava-se que a aptidão mágica de Abe no Seimei era derivada de uma linhagem sobrenatural. Dizia-se que sua mãe era uma kitsune, fazendo dele um Hanyō (meio-yokai). O pai de Seimei, Abe no Yasuna, salvou uma raposa branca que estava sendo perseguida por caçadores. A raposa então se transformou em uma bela mulher e disse que seu nome era Kuzunoha. Em agradecimento por salvar sua vida, Kuzunoha se tornou a esposa de Yasuna, e deu-lhe um filho, Seimei.

Aos cinco anos de idade, a linhagem yokai de Abe no Seimei começou a se tornar evidente. Nessa idade, ele já era capaz de comandar um Oni fraco e forçá-lo a cumprir suas ordens. Um dia, ele testemunhou sua mãe em sua forma de raposa. Kuzunoha explicou a Seimei que ela era a raposa branca que seu pai havia salvado no passado. Após a revelação, ela fugiu para a floresta, para nunca mais voltar. Kuzunoha confiou seu filho ao onmyōji Kamo no Tadayuki, a fim de garantir que ele não se tornaria uma pessoa má.

Abe no Seimei teve muitos rivais. Um deles foi um famoso sacerdote chamado Chitoku Hōshi. Chitoku era um feiticeiro habilidoso, e certa vez quis testar Seimei para ver se ele era realmente tão bom quanto as pessoas diziam que ele era. Chitoku se disfarçou como um viajante e visitou a casa de Seimei, pedindo para que lhe ensinasse magia. Seimei percebeu o disfarce de Chitoku instantaneamente. Além disso, ele também viu que os dois servos que Chitoku havia trazido consigo eram na verdade shikigamis disfarçados.

Seimei decidiu se divertir um pouco com Chitoku. Ele concordou em treiná-lo, mas lhe disse que aquele não era um bom dia, e pediu-lhe  para voltar no dia seguinte. Chitoku então voltou para sua casa, enquanto Seimei libertou os seus dois shikigamis sem que ele percebesse. No dia seguinte, Chitoku percebeu que seus criados haviam desaparecido, e voltou até a casa de Seimei, pedindo para que ele devolvesse seus shikigami. Seimei riu dele, o repreendendo duramente por tentar enganá-lo. Seimei lhe disse que qualquer outra pessoa não seria tão bondosa a ponto de devolver shikigamis que foram empregados contra ela. Chitoku então percebeu que estava muito acima de sua cabeça; Seimei não foi só capaz de enxergar através de seu disfarce, mas ele foi capaz de manipular todos os seus feitiços também. Chitoku então Inclinou-se perante Seimei, clamou pelo seu perdão e ofereceu-se para se tornar seu servo.
O principal rival de Abe no Seimei foi um feiticeiro chamado Ashiya Dōman. Dōman era muito mais velho que Seimei, e acreditava que não havia ninguém no mundo que fosse um onmyōji melhor do que ele. Ao ouvir sobre o talento de Seimei, ele o desafiou para um duelo mágico.

No dia do duelo, os dois feiticeiros se encontraram nos jardins imperiais para a competição, onde muitos funcionários e testemunhas estavam presentes para assisti-los. Primeiro, Dōman pegou um punhado de areia, concentrou-se sobre ele por um momento, e o jogou para o alto. As partículas de areia se transformaram em inúmeras andorinhas que começaram a voar ao redor do jardim. Seimei então pegou seu leque, e balançando-o apenas uma vez, fez com que todas as andorinhas se transformassem em grãos de areia novamente.

Em seguida, Seimei recitou um feitiço. Um dragão apareceu acima deles no céu, e uma fina chuva começou a cair. Dōman recitou seu feitiço, no entanto, ele não foi capaz de fazer com que o dragão desaparecesse. Em vez disso, a chuva tornou-se mais forte, enchendo o jardim com água até a cintura de Dōman. Finalmente, Seimei lançou seu feitiço outra vez. A forte chuva parou, e o dragão desapareceu.

A terceira e última competição foi um desafio de adivinhação: os competidores tiveram que adivinhar o conteúdo de uma caixa de madeira. Dōman, indignado por ter perdido a rodada anterior, desafiou Seimei: “Quem perder essa rodada se tornará o servo do outro!”. Dōman declarou confiantemente que haviam 15 laranjas dentro da caixa. Seimei o contradisse, dizendo que haviam 15 ratos na caixa. O imperador e seus acompanhantes que haviam preparado o teste sacudiram a cabeça, pois puseram 15 laranjas na caixa. Eles anunciaram que Seimei tinha perdido. No entanto, quando abriram a caixa, 15 ratos pularam para fora! Seimei não havia só adivinhado o conteúdo da caixa, mas transformou o mesmo em ratos, enganando Dōman e toda a corte e assim vencendo o duelo.

Ashiya Dōman continuou a guardar rancor contra Abe no Seimei, e continuou a conspirar contra ele. Ele seduziu a esposa de Seimei e a convenceu a lhe contar os segredos mágicos de Seimei. Ela lhe mostrou a caixa de pedra na qual Seimei guardava o Hoki Naiden, seu livro de feitiços. Hoki Naiden era um livro de segredos que foram transmitidos desde tempos imemoriais da Índia para Tang, na China. Ele chegou à posse do enviado japonês, Kibi no Makibi, que ao retornar ao Japão, apresentou o livro aos familiares de seu amigo Abe no Nakamaro, que permaneceu na China. De lá foi transmitido de geração em geração, e eventualmente foi herdado por Abe no Seimei.

Uma noite, após Seimei voltar para casa, encontrou Dōman, vangloriou-se de ter adquirido o livro mágico secreto de Seimei. Seimei repreendeu-o, dizendo que isso era impossível, mas tão impossível, que se Dōman tivesse o livro, ele poderia cortar sua garganta.Triunfante, Dōman apresentou o livro a Seimei, que ao perceber que tinha sido traído por sua esposa, ofereceu sua garganta a Dōman. Dōman alegremente cortou a garganta de Seimei, que acabou morrendo.

Quando Seimei foi assassinado, Saint Hokudō – o mago chinês que havia dado o Hoki Naiden a Kibi no Makibi – sentiu a perda de um grande feiticeiro. Ele viajou pelo mar até o Japão, recolheu os ossos de Seimei e o trouxe de volta a vida. Os dois então se prepararam para se vingar de Dōman e da ex-esposa de Seimei, que agora estava casada com Dōman.

Saint Hokudō fez uma visita à casa de Seimei, onde Dōman e sua esposa agora viviam juntos. Ele perguntou a  Dōman se Seimei estava em casa, e Dōman lhe respondeu que, infelizmente, ele havia sido assassinado há algum tempo. Saint Hokudō disse que isso era impossível, pois ele tinha visto Seimei naquele mesmo dia. Dōman riu dele, dizendo que isso era impossível, mas tão impossível, que se Seimei estivesse realmente vivo, ele poderia cortar sua garganta. Saint Hokudō então gritou para Abe no Seimei, que se apresentou e prontamente cortou as gargantas de Dōman e sua esposa.

Seimei também figura em inúmeros outros contos. Ele aparece como um personagem menor no épico Heike Monogatari, sendo responsável por adivinhar a localização de Shuten-doji, um poderoso oni supostamente morto por Minamoto no Yorimitsu. As vezes ele é dito ser o onmyoji que descobriu a verdadeira natureza da lendária kitsune Tamamo-no-Mae, embora a época da história da Tamamo-no-Mae não coincida com o período de vida de Seimei. Essa descoberta muitas vezes creditada a um de seus descendentes, Abe no Yasuchika.

Hoje, Abe no Seimei é adorado como um deus em muitos santuários em todo o Japão. Seu santuário principal está localizado em Kyōto, e fica no local ficava sua antiga casa.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/abe-no-seimei/

A Espiritualidade Queer na China

 

INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE QUEER NO LESTE ASIÁTICO:

Como todas as partes do corpo, da mente e do espírito anseiam pela integração do yin e yang, a relação sexual angélica é conduzida pelo espírito e não pelos órgãos sexuais.

O Huahujing, versículo 69.

O Leste Asiático Queer é uma mudança de paradigma em relação a muitas das regiões exploradas até agora. Para os ocidentais, a comunidade LGBT+ é frequentemente mantida sob controle por meio do conceito de culpa. Uma pessoa queer deve se sentir culpada por sua orientação sexual e identidade porque os atos queer são pessoalmente imorais.

Os orientais queer, no entanto, são mantidos sob controle principalmente por vergonha. Enquanto a culpa é um sentimento privado e autonegativo sobre ações pessoais que você fez, a vergonha está mais focada em se sentir mal por causa de como os outros percebem você e suas ações pessoais. No Oriente, uma pessoa não se sente necessariamente culpada por ser LGBT+ porque as ações queer são moralmente erradas, mas sim, elas se sentem envergonhadas porque a natureza queer é socialmente inaceitável. Assim, ser um membro queer de uma família do Leste Asiático é muitas vezes visto como “ruim” porque traz vergonha para a família e, consequentemente, para aqueles que fazem negócios ou têm associações com a família. Portanto, há muita pressão extrafamiliar e externa sobre as pessoas LGBT+ para suprimir sua natureza queer. Mas, como estamos prestes a ver, nem todas as partes do leste da Ásia sempre se sentiram assim.

A ESPIRITUALIDADE QUEER NO TAOÍSMO:

A China é uma das poucas nações do mundo cujas antigas religiões ancestrais ainda são praticadas pela maioria de seus cidadãos modernos. Oficialmente, a República Popular da China é ateísta devido à preferência nietzschiana da ciência e da razão do comunismo sobre as superstições percebidas da religião que têm sido usadas há séculos pela burguesia para manter as classes trabalhadoras subservientes. Mas isso ainda não impede as pessoas comuns da prática religiosa. Para os chineses, predominam três escolas filosóficas de pensamento: o Taoísmo, o Confucionismo e o Budismo Mahayana. Na maioria das vezes, todos eles são misturados para formar uma fé híbrida amalgamada, mas passaremos por cada um individualmente para destacar suas implicações queer, começando com o que se acredita ser o mais antigo: o Taoísmo.

O Taoísmo é frequentemente considerado mais uma filosofia do que uma religião. Seu fundador é Lao Tzu, que, cansado do mundo e cansado de uma vida inteira assistindo a humanidade lutar entre si durante o século VI a.C., foi obrigado a escrever sua sabedoria antes de deixar a China devastada pela guerra para partes desconhecidas. Seus escritos são conhecidos como o Tao Te Ching, um pequeno manual que explica a maneira natural das coisas e como navegar na corrente da vida em vez de remar inutilmente contra ela e tornar a vida difícil para si mesmo. Este modo natural de coisas é conhecido como o Tao; assim, seguir o Tao é essencialmente seguir o caminho natural do universo em geral. 160

Não há divindades, nenhuma discussão sobre o que acontece após a morte, apenas um foco no aqui e agora, e como seguir o exemplo da natureza é a chave para uma vida tranquila. Por causa disso, não há menção à natureza queer ou mesmo à sexualidade. Não há mesmo nenhum ditado para o que é e o que não é moral, mas sim um aviso de que desviar-se do fluxo natural do universo resultará em tempos ruins. E é aí que as coisas ficam complicadas para o taoísta LGBT+: a interpretação do que constitui ser “natural”. A natureza queer pode ser testemunhada na natureza, mas a incapacidade de procriar parece ir contra a forma como a vida se sustenta naturalmente. Como não há mandatos divinos, a resposta à “naturalidade” da comunidade LGBT+ depende muito da perspectiva.

Até mesmo o símbolo taoísta yin-yang (chamado de taijitu) foi interpretado como a favor e contra a “naturalidade” queer. Todos conhecemos o símbolo; é o círculo dividido em duas metades curvas iguais, uma preta (yin) e outra branca/vermelha (yang), e dentro de cada metade há um círculo menor da cor oposta. Juntos, os dois lados representam a dicotomia do universo natural e o fato de que dentro de cada lado existe um pouco do outro. Yin é o lado feminino, passivo, emocional, frio e criativo da natureza, e yang é o lado masculino, ativo, lógico, quente e destrutivo da natureza. Juntos, eles trazem equilíbrio ao mundo, e cada um não pode existir sem o outro.

Para alguns praticantes, o yin-yang prova que ser queer não é natural, pois há uma divisão clara de apenas dois gêneros, e sua união cria a perfeição harmoniosa da vida. Yang não se mistura com yang e yin não se mistura com yin; cada um precisa de seu oposto para ser completo. Para outros praticantes, no entanto, o yin-yang é a prova de que ser queer é bastante natural em dois níveis separados.

No primeiro nível, mais superficial, um casal do mesmo sexo é uma conclusão de yin e yang, pois há um parceiro passivo “receptivo” e um parceiro ativo “dominador” ao fazer amor. Mesmo que ambos sejam versáteis, os dois se revezam sendo o yin passivo e o yang ativo ou estão simultaneamente recebendo e dando e, portanto, cada um sendo o yin e o yang ao mesmo tempo.

No nível mais espiritual, yin e yang não são tão representativos de feminino e masculino, mas da feminilidade e masculinidade do espírito. Os pequenos círculos dentro de cada metade do yin-yang são os principais pontos de referência para este lado do argumento. Individualmente, um homem gay e uma mulher transgênero pré-operatória podem ser vistos como um corpo yang com um yin interno, e uma lésbica e um homem transgênero pré-operatório seriam vistos como um corpo yin com um yang interno. Uma pessoa intersexo seria uma autocompletude do yin-yang expresso em si mesmo, e um bissexual seria uma autocompletude do yin-yang expresso em relação aos outros.

Para dar um passo adiante, argumenta-se que o yin-yang é um símbolo proponente de ser fluido de gênero, uma vez que é representativo da natureza sempre fluida e não estática de todas as coisas. E, em certo sentido, afirma sutilmente que todo mundo é um pouco bissexual, já que tanto o yin quanto o yang não são preto puro nem branco/vermelho puro. Cada lado tem um pouco do outro dentro de seu centro.

Além da simbologia do yin-yang, a filosofia do Taoísmo admite que a verdadeira natureza do Tao espiritual é incognoscível. A lógica é que se os humanos pudessem entender completamente a complexidade espiritual total do Tao, então não seria o Tao. Como a mente humana é limitada e o Tao é ilimitado, é impossível colocar quaisquer limites ou rótulos sobre o que o Tao é ou não. A sexualidade e a identidade humana são semelhantes ao Tao nesse sentido. Há um amplo e ilimitado espectro de possibilidades, mas não importa como nos definamos ou nos identifiquemos ou aos outros, nunca poderá representar toda a amplitude de possibilidades que é a sexualidade e a identidade humana. Além disso, nossos gostos podem mudar, então qualquer resposta que dermos agora nunca será permanente para sempre.

Ainda assim, a filosofia do Taoísmo eventualmente o levou a se tornar uma prática mágica semelhante à alquimia hermética no Ocidente. O ramo mais místico do Taoísmo muitas vezes se concentrava na vida eterna; para isso, a homossexualidade masculina era vista como uma espécie de remédio, ajudando a garantir a imortalidade (a sexualidade das mulheres era vista como sem importância ao longo da história chinesa até o estabelecimento de um governo comunista por Mao Zedong). Em suma, o sêmen de um homem era visto como sua essência de vida, e se ele ejaculasse, ele estava essencialmente disparando parte de seu elixir mágico, sustentador da vida, como “evidenciado” pelo quão cansado um homem ficaria depois de esfregar um (isto é, depois de se masturbar e ejacular). Mas, claro, aquele elixir branco cremoso parecia ser produzido apenas durante a excitação sexual. Portanto, produzir mais elixir da vida através da estimulação sexual sem perder nada através da ejaculação era visto como um método lógico para prolongar a vida. Isso era especialmente importante se a excitação fosse entre dois homens. A energia yang produzida por um amante masculino aumentava a potência yang do elixir da própria vida – desde que ninguém ejaculasse, é claro. 161

A CONTRIBUIÇÃO TAOÍSTA:

Seguindo o Fluxo da Vida:

Facilmente, a lição mais imediata do Taoísmo é seguir o fluxo natural da vida. Ironicamente, embora isso seja literalmente a coisa mais natural do mundo, nós humanos gostamos de complicar as coisas porque não podemos acreditar que as coisas são tão simples ou que nossos problemas não são tão únicos ou tão complexos quanto gostaríamos. pensam que são.

A natureza queer também é uma coisa natural. Muitos de nós desperdiçamos tempo e energia preciosos se preocupando com “Por que sou assim?” ou “Como posso suprimir minhas tendências queer naturais para me encaixar?” Somos como somos por uma razão.

Confie que você é queer por uma razão. A vida sabe o que está fazendo, e se você parar de suprimir suas tendências naturais, você pode descobrir que a vida é mais fácil quando você segue o fluxo natural do universo.

E pense na arte do feitiço, o ato de manipular as forças naturais do mundo para produzir um resultado específico. Muitas vezes não confiamos que a natureza sabe o que está fazendo ou não sentimos que está trabalhando a nosso favor, então temos que interferir e mudar as coisas para nosso benefício pessoal. Mas vou te contar um segredo: a vida está sempre funcionando para um bem maior. Quanto mais você estuda magia e ciências naturais, mais você percebe que a vida tem uma maneira de se desenvolver em seu próprio tempo e de acordo com sua própria vontade. O problema é que queremos as coisas como queremos quando as queremos, e às vezes nossos desejos pessoais são incompatíveis com o bem maior. Mas quanto mais poderosos e sábios nos tornamos em nossa magia, percebemos que a vida tem tudo sob controle e não precisamos microgerenciar tudo com magia o tempo todo. A magia pode ser útil, mas nunca é necessária para uma vida saudável e feliz.

Portanto, para esta atividade mágica, tente evitar a magia na próxima vez que sentir que é necessário recorrer a um problema específico. Sim, a magia é uma ajuda poderosa, mas se formos imediatamente a ela para resolver todos os nossos problemas o tempo todo, perderemos contato com o fluxo natural do universo tentando microgerenciar tudo. E às vezes coagir uma vitória pessoal resulta na perda do bem maior de maneiras que não podemos ver.

A vida envolve dor. Se você nunca luta, experimenta perda pessoal ou sente dor, então você não está realmente experimentando a vida, está apenas vivendo em uma bolha separada do mundo. Então, da próxima vez que você sentir a necessidade instintiva de fazer mágica, espere um segundo, pare e veja não apenas o que a existência do problema está tentando lhe ensinar, mas também como o fluxo natural da vida pode resolvê-lo para um bem maior, sem manipulação mágica.

A ESPIRITUALIDADE QUEER NO CONFUCIONISMO:

O Confucionismo nasceu, como o Taoísmo, de tempos difíceis. Confúcio, seu fundador homônimo, foi profundamente e pessoalmente afetado pelas intermináveis guerras civis que assolam a China. No entanto, ao contrário de Lao Tzu, que deixou a sociedade e usou a natureza como modelo de vida harmoniosa, Confúcio permaneceu no meio das coisas e acreditava que uma hierarquia social rígida que ditava as interações humanas era a chave para a estabilidade harmoniosa. Assim, como uma panaceia para os acontecimentos durante sua vida (551-479 a.C.), Confúcio estabeleceu um código ético e moral que acabaria com o caos e traria a paz de volta à terra se todos o seguissem. Sua falta de divindades, espiritualidade, discussão sobre a vida após a morte e o Divino fazem com que tecnicamente não seja uma religião, ainda menos que o Taoísmo.

A propagação do Confucionismo demorou um pouco para ganhar força e contrastava fortemente com o Taoísmo. O Taoísmo tinha uma atitude mais mística, laissez-faire, interpretativa e moralmente ambígua em relação ao mundo, concentrando-se na natureza. O Confucionismo, como alternativa, deu às pessoas um conjunto direto e direto de regras sociais conservadoras a seguir e a promessa de retornar aos bons velhos tempos. Como os tempos recentes nos mostraram, esse tipo de mensagem em tempos incertos provou ser muito popular.

Deve-se dizer, porém, que Confúcio nunca viveu para ver a popularidade de seus ensinamentos. Ele morreu acreditando ser um fracasso anônimo, e seus ensinamentos nunca foram totalmente compilados até séculos após sua morte. Coincidentemente, nos séculos imediatos após a morte de Confúcio, as guerras internas da China só se intensificaram. Uma vez que a Dinastia Han chegou oficialmente ao poder em 206 a.C., porém, eles prontamente propagaram o pensamento confucionista para ajudar a normalizar a paz e a ordem de volta à sociedade. O conservadorismo social do Confucionismo também teve o benefício de estabelecer um sistema de pseudo castas em que todos sabiam seu lugar; em tal sociedade, a aristocracia han poderia consolidar seu lugar no topo. 162

Então, qual foi a palavra de Confúcio sobre os indivíduos LGBT+? Nada. Mas, ao contrário do silêncio do Taoísmo em relação à comunidade queer geralmente interpretado de forma positiva, o silêncio do Confucionismo tem sido mais frequentemente interpretado de forma negativa. A razão para isso são os nossos velhos amigos e a vergonha da família. Confúcio ensinava que a família era o modelo ideal para a ordem social e, além de delinear o lugar de cada parente na hierarquia familiar patriarcal, ele a usava como metáfora do bom governo.

Tão poderosamente icônico foi o uso do Confucionismo de um bom governo baseado em uma boa estrutura familiar que foi usado pelo juiz Anthony Kennedy na opinião majoritária da Suprema Corte dos EUA sobre a lendária decisão Obergefell v. Hodges em 2015 (a que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo os EUA). Especificamente, ele escreveu: “A centralidade do casamento para a condição humana não surpreende que a instituição exista há milênios e entre civilizações…. Confúcio ensinou que o casamento está na base do governo.” 163

Ironicamente, foi essa mesma lógica confucionista que a China pré-comunista usou para suprimir os direitos LGBT+. Uma boa família era aquela que cumpria seus deveres. Para os filhos, era obedecer inquestionavelmente aos pais até se tornarem adultos, quando então se casariam e teriam seus próprios filhos, somando-se à família e fortalecendo-a. Se uma dessas crianças fosse queer, então uma chave seria lançada no sistema por sua relutância em se casar com uma pessoa do sexo oposto e/ou sua incapacidade de gerar filhos se tivessem um amante do mesmo sexo. Uma criança bissexual foi forçada a se casar apenas com o sexo oposto. Ser transgênero estava simplesmente fora de questão, pois desafiava a rígida e conservadora hierarquia de gênero do Confucionismo, onde você fica no seu lugar e não deseja ser outra coisa. E, claro, a vergonha era o chicote que mantinha todos na linha. 164

Embora algo vergonhoso, ser LGBT+ não foi crime em grande parte da história da China. Isso tudo mudou após as Guerras do Ópio de meados do século XIX, quando ficou dolorosamente claro para a derrotada Dinastia Qing que a China precisava se modernizar para ter alguma chance de ser levada a sério pelas potências imperiais ocidentais. Assim, junto com muitas outras coisas, a China adotou a moral ocidental moderna em um esforço para imitar o Ocidente e parecer igualmente moderna. Isso significava que todas as coisas queer não seriam mais toleradas legalmente, assim como na Europa. A homossexualidade permaneceu ilegal na China até que o Partido Comunista a legalizou em 1997 e a removeu da lista oficial de doenças mentais em 2001. 165

A CONTRIBUIÇÃO DO CONFUCIONISMO:

A Prevenção da Guerra Civil:

O objetivo original do Confucionismo para o qual foi criado era um código de conduta para reprimir a guerra civil. Há uma guerra civil semelhante acontecendo em nossa comunidade queer. Brigamos entre nós por tudo. Algumas das reclamações internas são legítimas; alguns são frívolos. Mas há tantas brigas internas de todos os lados que o frívolo às vezes parece legítimo e o legítimo às vezes parece frívolo.

Os direitos civis são um processo longo e lento. A maioria das pessoas neste planeta não vai acordar de repente um dia e perceber que todas as pessoas queer são iguais em todos os sentidos às pessoas não-queer. Em nenhum lugar da história do mundo isso foi o caso de qualquer questão social. Temos que vencer batalha por batalha, mas brigar entre si sobre como cada batalha deveria ser travada ou poderia ter sido melhor vencida só cria animosidade. Temos que apreciar cada vitória; desde que seja uma vitória para a comunidade queer, por menor que seja e por qualquer letra da sigla LGBT+, merece apoio e reconhecimento. O objetivo é vencer a guerra, não apenas a batalha pessoal que resolve o problema para você pessoalmente. A vitória total é uma maratona, não um sprint ou uma corrida de velocidade. Leva tempo. Até lá, todas as vitórias contam e temos de nos manter unidos.

A comunidade mágica está em apuros semelhantes. Certas tradições são tão rápidas em menosprezar outras tradições como não sendo magia real ou magia frívola ou como sendo de uma tradição que não tem raízes antigas ou “autênticas”. Os praticantes de magia já são uma minoria difamada por um grande número de pessoas. Precisamos nos manter unidos e edificar uns aos outros. Contanto que a magia de alguém seja eficaz e funcione para eles, quem se importa se não for do seu agrado ou dos padrões de sua tradição? Deixe as pessoas viverem suas próprias vidas; promulgar uma guerra civil não validará suas próprias opiniões. As guerras civis nunca mudam de opinião, apenas eliminam as mentes do lado perdedor.

Então, para sua próxima atividade mágica, escolha uma tradição mágica com a qual você sente que tem problemas e faça uma pesquisa imparcial sobre ela. Encontre algo sobre essa tradição que ressoe com você e, em seguida, incorpore-o em seu próximo feitiço. Ao encontrar algum terreno comum e realmente provar a si mesmo a eficácia de uma tradição que você não necessariamente gosta, isso ajudará a diminuir a divisão.

A ESPIRITUALIDADE QUEER NO BUDISMO MAHAYANA:

O Budismo foi a última das três principais religiões a se firmar e influenciar grandemente a cultura chinesa, chegando durante o primeiro século d.C. de missionários indianos muitos séculos após o Taoísmo (século VI a.C.) e a morte de Confúcio (479 a.C.). Especificamente, o Budismo Mahayana foi o ramo mais bem sucedido do Budismo. Atraiu a China densamente povoada por causa de sua ênfase na libertação espiritual universal para todos e não simplesmente na iluminação pessoal, que era vista apenas como um meio para ajudar melhor todos a alcançar a iluminação.

Como o Budismo estava atrasado para a festa religiosa, encontrou forte resistência. Sua chegada durante o pró-confucionismo da Dinastia Han o tornou inicialmente impopular, já que o Confucionismo era sobre o lugar e o dever de cada um na sociedade, enquanto o Budismo defendia uma fuga da sociedade por meio do desapego pessoal dos problemas sociais. Os dois não se misturavam muito bem e, como o Budismo era uma religião estrangeira, estava associado à barbárie e ao atraso. Era, no entanto, mais semelhante à religião nativa e antiga favorita do Taoísmo, pois ambas tinham visões de mundo liberais e uma aversão a hierarquias sociais estritas. Assim, os missionários indianos tentaram aumentar as semelhanças entre o Budismo e o Taoísmo. Isso levou o Budismo a se afastar de suas origens mais estoicas e ímpias na Índia e se fundir em uma tradição mais mística com um panteão de bodhisattvas sobrenaturais que, depois de atingir a iluminação, perderam a felicidade do nirvana para ajudar as massas a alcançar a iluminação também. 166

A vastidão da China e sua enorme quantidade de tribos amplamente diferentes de pessoas forçaram o Budismo a se adaptar e mudar quando necessário. É por isso que existem tantas visões únicas da filosofia budista em todo o país. Em relação a onde a comunidade LGBT+ se encaixa no Budismo chinês, a resposta está em todos os lugares e em nenhum lugar. Embora alterado e adaptado aos gostos chineses, o Budismo Mahayana tem as mesmas crenças e filosofias fundamentais originadas pelo próprio Buda na Índia. Tudo existe na mente, e tudo fora da mente são apenas rótulos que colocamos em nosso eu infinito, incluindo sexualidade e gênero. Nós somos o que somos, e qualquer coisa mais é uma rotulação da mente para dar sentido e interagir com o mundo ao nosso redor.

A CONTRIBUIÇÃO DO BUDISMO MAHAYANA:

Precedendo o Nirvana:

O Budismo Mahayana é de longe o mais popular dos três ramos budistas, reivindicando um pouco mais da metade de todos os adeptos globais. Não surpreendentemente, também é o mais popular em nações com grandes centros urbanos e condições de vida densamente povoadas, particularmente China e Japão. Em tais lugares é difícil escapar da sociedade, e só o foco social do Budismo Mahayana é relacionável.

Em um nível queer, nós, às vezes, queremos nos afastar do mundo. Queremos escapar da sociedade problemática e sua discriminação e fugir para viver entre nossa própria espécie, onde todos nos entendem. Mas isso é impossível. Mesmo enclaves altamente populosos de pessoas queer como West Hollywood e Castro District, em São Francisco, não são 100% queer nem tolerantes.

E por isso muitas vezes nos isolamos dentro de nossa comunidade. Só vamos a lugares queer, só permitimos que outras pessoas queer sejam amigas íntimas e só interagimos com pessoas cisgênero no trabalho ou quando necessário. Fabricamos um paraíso isolado para que nunca nos sintamos desconfortáveis.

Mas isso vai contra a mentalidade de libertação universal do Budismo Mahayana. Ao contrário de outros ramos budistas, o objetivo do Mahayana não é fugir do mundo para um paraíso pessoal, mas sim trazer o mundo inteiro para esse paraíso. Estar na linha de frente da defesa LGBT+ e alcançar a heterossociedade pode não ser confortável, mas é a única maneira de trazer toda a nossa comunidade para um mundo melhor. Afinal, é por causa dessas pessoas que renunciam à paz pessoal para estar no meio das batalhas pelos direitos civis que temos o nível de paz e aceitação que desfrutamos hoje.

Na comunidade mágica, estando mais em contato com o mundo natural, há uma fantasia idealizada comum de fugir das cidades e viver em meio à natureza, onde os problemas das cidades densamente povoadas não existem. Por causa disso, muitos de nós menosprezamos a vida urbana entre pessoas não-mágicas como um modo de vida menos idealizado que as circunstâncias nos forçam a viver. Mas isso só funciona contra nós em nossa magia. Como podemos criar um feitiço com as forças naturais ao nosso redor se estamos constantemente derrubando as forças naturais nas quais vivemos nossas vidas cotidianas, as forças do urbanismo?

Então, para sua próxima atividade mágica, entre em contato com o deva espiritual da cidade em que você vive, e então comece um relacionamento com essa entidade. Compreendam-se e comuniquem-se. Praticantes de magia geralmente fazem o mesmo ao entrar em lugares “naturais” como florestas, desertos e corpos d’água, então por que não a cidade em que você vive e passa a maior parte de sua vida? Como qualquer relacionamento, levará tempo para que a confiança e a amizade se desenvolvam, mas quando isso acontecer, você começará a perceber que a cidade e sua sociedade estarão ajudando você proativamente com o que você precisa.

DIVINDADES E LENDAS QUEER:

O Alquimista Raposa:

A história do Alquimista Raposa é um antigo conto popular chinês com uma forte mensagem LGBT+ que combina as filosofias taoísta e budista sobre o amor transcendente. Conforme a história, um estudioso idoso é visitado em sua casa solitária uma noite por um homem vestido de preto pedindo para fazer amor com ele. O estudioso fica desconfiado, mas o estranho explica que eles já foram amantes em uma vida anterior e que ele está procurando por sua alma gêmea desde então.

O estudioso começa a se lembrar de seu amor trágico de uma vida passada – como ele tinha sido uma jovem e o estranho seu jovem marido. Eles juraram amar um ao outro para sempre, mas durou pouco, pois eles se apaixonaram durante uma das guerras civis da China e tiveram um fim horrível ainda jovens. A esposa foi sequestrada por soldados rebeldes e tirou a própria vida para não ser estuprada. O marido juntou-se aos soldados rebeldes e morreu na batalha.

Para cada uma de suas ações, o karma os premia adequadamente. A esposa, por sua lealdade ao marido e imperador ao cometer suicídio antes que os soldados pudessem estuprá-la, foi autorizada a reencarnar como homem — não qualquer homem, mas um sábio literato. (Porque, lembre-se, esta é a China antiga e o valor patriarcal dos homens sobre as mulheres ainda era muito forte.) O homem, por sua deslealdade ao imperador e vontade de lutar pelos soldados rebeldes, reencarnou como um animal menor, uma raposa.

Mesmo sendo uma raposa, o marido ainda amava sua esposa e desejava cumprir seu voto de amá-la para sempre. Então, depois de descobrir que ela havia reencarnado em um estudioso do sexo masculino, ele estudou alquimia taoísta e encontrou a mistura mágica que o transformaria novamente em humano para que pudessem ficar juntos, com a ressalva de que os efeitos da poção durariam apenas um ano.

Agora, com a enxurrada de memórias voltando ao estudioso, ele reconhece seu ex-marido no estranho, mas ele não sabe como eles poderiam fazer amor um com o outro agora que ambos são homens. O estranho garante ao estudioso que confie nele e lhe diz que, enquanto os dois se amarem, sempre haverá um caminho.

Os dois aproveitam o tempo e fazem amor todas as noites durante 365 dias consecutivos. Inicialmente, depois que acabou e o estranho voltou a ser uma raposa, o estudioso idoso se perguntou se tudo não tinha sido um sonho, mas ele lembrou que seu amante lhe disse que a evidência de seu amor estaria para sempre nos pilares de sua casa. E assim ficaram: 365 marcas de mordidas feitas durante a agonia da paixão foram embutidas nos pilares de madeira.

Além da misoginia neste conto, é antigo como o amor não conhece limites. Está além do gênero, da idade física e até do próprio tempo. O conceito do próprio espírito é defendido como fluido de gênero, mas o amor é mostrado como sempre constante. 167

Guanyin:

Guanyin (também escrito Quan Yin ou Kwan Yin) é a bodhisattva da compaixão. De acordo com sua lenda, ela alcançou a iluminação, mas porque ela tinha tanta compaixão pela humanidade, ela se recusou a entrar no nirvana feliz até que todos os humanos pudessem vir com ela. Ela reencarnou como uma bodhisattva e se dedicou a ajudar a acabar com o sofrimento das pessoas em todos os lugares.

Seu lugar entre as divindades queer-positivas vem de ela ser uma mulher transgênero e um ícone do movimento LGBT+ na China. Historicamente, quando os missionários indianos espalharam o Budismo na China, Guanyin era o aspecto feminino do bodhisattva masculino Avalokiteshvara, mas esse aspecto feminino se tornou mais popular entre os chineses, levando Guanyin a se tornar seu próprio bodhisattva folclórico separado.

Sua identidade transgênero, no entanto, foi apoiada e mantida por taoístas e budistas, com os taoístas vendo Guanyin como uma harmonia divina das energias yin femininas e yang masculinas, e os budistas a vendo como a perfeição de um homem que aceitou sua compaixão interior e feminilidade que ele alcançou a plena feminilidade.

Por muitos séculos, Guanyin foi um símbolo sutil adotado pelas lésbicas chinesas, não apenas porque ela era uma protetora das mulheres, mas também porque ela supostamente defendia o casamento heterossexual para buscar uma vida mais espiritual. Para a maioria dos movimentos queer e feministas na China, Guanyin é um símbolo do tipo de paz, felicidade e harmonia que pode ser alcançada se a sociedade não enfatizar seu culto à masculinidade e abraçar sua feminilidade auto-suprimida, bem como amor e amor. compaixão por todas as pessoas, independentemente de quem elas sejam. 168

Os Imperadores Queer:

Enquanto muitos imperadores chineses são registrados como tendo tendências queer, nenhum foi tão lendariamente queer quanto o imperador Wu e o imperador Ai.

O imperador Wu, embora belicista, foi um grande defensor do Confucionismo, estabelecendo as primeiras universidades oficiais do país para ensiná-lo ao povo. Apesar do conservadorismo social do Confucionismo, o imperador Wu teve vários amantes do sexo masculino ao longo de sua vida. Seu amor mais forte era por um ex-colega de classe chamado Han Yun. Eles começaram um caso de amor juntos ainda jovens e, após a ascensão ao imperador, Wu lhe concedeu títulos e cargos de prestígio no governo. O favoritismo óbvio causou muita tensão na corte e fez dele um hipócrita, já que ele era o imperador que havia implementado a regra de promover e outorgar patente com base na excelência acadêmica em vez de nepotismo e ter as conexões certas. Em última análise, a pressão de todos os lados forçou Wu a ordenar que Han Yun tirasse a própria vida, encerrando o caso e o lugar indevido de seu amante no governo. 169

O outro monarca gay da China Han, o imperador Ai, é provavelmente o mais conhecido. Ai não tentou esconder sua preferência sexual por homens e teve um romance público de longa duração com um de seus funcionários menores, Dong Xian. O relacionamento deles acabou levando o eufemismo chinês da homossexualidade a ser referido como “a paixão da manga cortada”. Isso se originou de um famoso incidente em que, enquanto se aconchegava na cama, o imperador Ai queria se levantar, mas isso arriscaria acordar seu amante, que dormia profundamente em cima de uma de suas grandes mangas de corte. Então, em vez de correr esse risco, Ai simplesmente cortou sua manga.

Como o imperador Wu, no entanto, Ai mostrou grande favoritismo a Dong Xian, promovendo-o a comandante das forças armadas. Infelizmente para seu amante, o imperador Ai morreu repentina e inesperadamente, deixando Dong Xian como o oficial de alto escalão socialmente desprezado em uma corte sem imperador. Ele acabou sendo expulso e forçado a cometer suicídio. 170

Bibliografia:

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  1. Hinsch, Passions of the Cut Sleeve: The Male Homosexual Tradition in China.
  1. Hinsch, Passions of the Cut Sleeve.

Fonte: Queer Magic, por Tomás Prower.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/a-espiritualidade-queer-na-china/