Estratégia

O homem que atinge o domínio da vida, isso é, o domínio de si mesmo, de suas ações e palavras, sabe que construirá o próprio destino. No entanto há de saber também que determinados objetivos só se tornam possíveis se o homem preenche-se de vontade e habilidade para fazer o que quiser.

Remanescem em suas mãos as ferramentas de que precisa para ir na direção certa. Strategos, do grego, significa o Líder do Exército. Na patente do Exército Helênico moderno é o cargo mais alto. Significa de fato o domínio e é o que empresas e pessoas de todas as partes utilizam para criar o seu próprio futuro.

O desenho da obra praticamente a define. Para torná-la um todo sistêmico, é preciso arregimentar hipóteses e definir as métricas do que nos dispusermos a criar, desenhar e fazer. Por vezes fazer é necessário para uma criação. Outras vezes, uma criação pode surgir na mente e tornar-se real sem que a façamos, pois a mente cria oportunidades que vão além de nossa imaginação e controle. Por isso deve-se ter cuidado com o que se pensa!

Usar sabiamente a visão estratégica significa ter os olhos pensando em soluções. Mas também significa que você acredita que aquilo dará certo. Muitas vezes num longo prazo ou até mesmo em prazos ainda maiores e inesperados. Ainda que você não saiba muito bem o que vai acontecer — ninguém sabe –, seja você mesmo, admita que é divino e saiba que os seus planos darão certo, pois darão.

Mas e os percalços do caminho? Ora, os percalços não podem ser definidores de estratégias. Os que criam estratégias a cada obstáculo certamente não chegarão a lugar algum. Em verdade, não se deve nunca perder o objetivo verdadeiro, pois se criamos estratégias a cada obstáculo a esse objetivo, esqueceremo-nos do essencial.

Os obstáculos podem atrapalhar algumas metas, no entanto não se deve perder nunca a direção. O Leste tem um lado e isso tem um motivo: é o lado em que o Sol nasce. E nessa onda de dias e noites muitas vezes esquecemo-nos de nossas direções. Devemos orientar-nos aos desafios verdadeiros, que são aqueles que valem a pena. E nem tudo vale a pena.

É perder tempo criar estratégias para antigas lutas que já perdemos ou para inimigos que não trazem um verdadeiro propósito. Nós devemos ser os verdadeiros inimigos e amigos de nós mesmos. Pois assim podemos encontrar em nós os defeitos que temos e usá-los contra eles próprios a ponto de melhorarmos!

Efusivas luzes poderão atingir os seus olhos ao perceber que o controle de sua vida está nas suas mãos. A liberdade é algo de que todos dispomos em nossos dias, faltando-nos apenas nas horas de tristeza e frustração, em que nos prendemos em nós que não desatam. O desenlace só se dá quando se possui a alegria e a vontade de atingir o grande objetivo.

São duas grandes estratégias e seis outras menores que compõem um sistema perfeito. Ele é claramente demonstrado por diversas tradições e transcende a nossa compreensão. A primeira estratégia é Amar a Deus. E isso compreende entender que Deus está em tudo, inclusive em nós mesmos, que podemos sentir a essência de sua criação nesse mundo tridimensional que conhecemos. A isso chamamos fé, no que colocamos a nossa esperança. A segunda é amar ao Próximo como se ele fosse você. Isso significa conhecer o divino que há no outro. A isso chamamos de amor, a grande estratégia da natureza.

As outras seis são grandes recomendações. Porque disposto desses dois nobres sentimentos agora conhecidos, falta pouco para montar uma estratégia de sucesso.

A primeira recomendação é a da consciência: ela deve ser escutada. E isso significa saber falar e saber calar. E reconhecer que o que dizemos ou pensamos ecoa no universo. A segunda é a do conhecimento. Conheça a você mesmo e o mundo que o cerca de todas as maneiras possíveis. Aprecie tudo com os cinco sentidos. Assim saberá notar a construção do seu destino com maior apreço. A terceira é a do tempo. Conheça o seu dia e aproveite-o com alegria. Saiba dividir bem o seu tempo para poder construir melhor a sua vida. A quarta é a da retidão. O pensamento correto e a atitude correta transformam o homem e permitem que ele tenha acesso a novas virtudes e novos sentidos, além dos cinco habituais. Além disso, na vida, o caminho da retidão traz, no fim, muito mais resultado do que o caminho incorreto. A quinta é o desenho. Sempre tenha a imagem do que você deseja bem definida, para que aconteça da exata forma que você desenhou. E mantenha os preceitos básicos para que tudo se manifeste com perfeição. E a sexta é a da sabedoria. Desse ponto em diante, o homem é totalmente livre e consegue construir o que quiser.

A sabedoria é um grande instrumento da arte real da construção da vida. Resida em si mesmo com essa vantagem e você poderá fazer de sua vida o que quiser. Tenha ternura e todas as virtudes que encontrar em sua vida. E, em suas estratégias, procure sempre perder muito tempo na busca da Verdade, pois ela não deve nunca ser abandonada. No final a encontraremos no caminho.

Assim seja.

Por Leonardo Dias.

#Poemas

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/estrat%C3%A9gia

Propaganda: Ideologia e Manipulação

Propaganda comercial, eleitoral e ideológica

Ao assistir à televisão, ler um jornal ou revista, ouvir rádio ou olhar um cartaz de rua, tem-se a atenção despertada para mensagens que convidam a experimentar um determinado produto ou a utilizar algum serviço. São anúncios que pedem para usar um sabonete, fumar cigarros de certa marca, depositar dinheiro numa caderneta de poupança e inúmeros outros. Outras vezes, embora sem se referir especificamente aos produtos ou serviços, os anúncios mencionam uma determinada empresa ou instituição, falam de sua importância para a sociedade, dos empregos que ela propicia ou de sua contribuição para o progresso do país. Procuram, dessa forma, criar uma imagem positiva da entidade para que se a considere com simpatia. Trata-se, em todos esses exemplos, de publicidade, também denominada propaganda comercial.

A propaganda eleitoral, geralmente, é realizada em vésperas de eleições. Suas mensagens, veiculadas pelos meios de comunicação ou divulgadas diretamente através de discursos e apelos pessoais, convidam a votar em determinado candidato, enaltecem suas qualidades positivas e informam sobre as obras que realizou no passado e as que irá fazer no futuro, se eleito.

A produção desses anúncios envolve diversas e diferentes etapas. A empresa que deseja aumentar as vendas, o número de usuários de seus serviços, ou o candidato que quer ser eleito, contrata uma agência de propaganda. A partir daí, profissionais especializados passam a estudar cuidadosamente os diversos aspectos que lhes permitam adquirir um perfeito conhecimento da situação. Verificam as características do produto ou serviço, formas de distribuição, preços e informam-se sobre os concorrentes. No caso de candidatos a cargos políticos, analisam suas qualidades, aspectos físicos, idéias que defendem etc. Obtido o maior número possível de informações, a agência passa a investigar os prováveis consumidores ou eleitores. Pesquisa seus hábitos, expectativas, motivações, desejos e todos aqueles elementos necessários para prever as atitudes que poderão assumir em face das propostas a serem apresentadas. Verifica, ainda, os hábitos de leitura, locais que freqüentam, canais de televisão e estações de rádio que preferem e os respectivos horários. De posse de todos esses dados, relativos ao que deve ser anunciado, às pessoas que devem receber as mensagens e aos veículos de divulgação, a agência prepara a campanha. Tem condição, assim, de criar os comerciais e anúncios de forma atrativa e convincente para, em seguida, difundi-los nos locais, veículos e horários mais adequados à consecução dos objetivos que tem em vista.

A pessoa que recebe a comunicação não encontra nenhuma dificuldade em perceber que se trata de propaganda, ou seja, de que existe o fim específico de gerar uma predisposição para a compra ou utilização da serviço, criar uma imagem favorável da empresa ou obter votos. Pode, inclusive, evitar os apelos desligando a TV, mudando a estação do rádio ou simplesmente não prestando atenção.

Há uma outra forma de propaganda que se desenvolve de maneira bem mais complexa. Nos casos até agora mencionados a meta era estimular apenas a prática de um ou alguns atos isolados. Promovia-se, como vimos, a escolha de bens ou serviços de certas empresas ou a opção de voto para o candidato de determinado partido. A propaganda ideológica ao contrário, é mais ampla e mais global. Sua função é a de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua estrutura econômica, regime político ou sistema cultural.

Não é mais tão fácil perceber que se trata de propaganda e que há pessoas tentando convencer outras a se comportarem de determinada maneira. As idéias difundidas nem sempre deixam transparecer sua origem nem os objetivos a que se destina. Por trás delas, contudo, existem sempre certos grupos que precisam do apoio e participação de outros para a realização de seus intentos e, com esse objetivo, procuram persuadi-los agir numa certa direção. E eles conseguem, muitas vezes, controlar todos os meios e formas de comunicação, manipulando o conteúdo das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal forma que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa.

Os noticiários de jornais, rádio e televisão e os documentários cinematográficos transmitem as informações como se fossem neutras, mera e simples descrição dos fatos ocorridos. Mas, em verdade, essa neutralidade é apenas aparente, pois as notícias são previamente selecionadas e interpretadas de molde a favorecer determinados pontos de vista. Os filmes de ficção, romances, poesias, as letras de músicas e expressões artísticas de maneira geral parecem resultar da livre imaginação dos mais variados artistas. Todavia, a distribuição a promoção das obras são controladas de modo a só tronar conhecidas aquelas cujo conteúdo não contrarie as idéias dominantes. As denominações de ruas e praças, as placas comemorativas e de sinalização, as estátuas e efígies de pessoas, colocadas nos mais diversos logradouros, aparentemente se destinam apenas a servir de orientação ou a decorar os ambientes. Porém, na maioria dos casos, cuja vida deva servir de exemplo, com o objetivo de que sejam imitadas em benefício da realização dos interesses promovidos pela propaganda. Professores extravasam sua função de transmitir conhecimentos científicos para divulgar concepções comprometidas com certas posições. Líderes religiosos, que se propõe a orientar seus adeptos pelos caminhos da paz espiritual e da salvação eterna, acabam empurrando-os para ações que favorecem lucros materiais e ambições terrenas.

Por toda a parte e em todos os momentos são propagadas idéias que interferem nas opiniões das pessoas sem que elas se apercebam disso. Desse modo, são levadas a agir de uma outra forma que lhes é imposta, mas que parece por elas escolhida livremente. Obrigadas a conhecer a realidade somente naqueles aspectos que tenham sido previamente permitidos e liberados, acabam tão envolvidas que não têm outra alternativa senão a de pensar e agir de acordo com o que pretendem delas. Um exemplo concreto, dentro da história brasileira, permitirá esclarecer melhor essa amplitude da propaganda ideológica.

Em abril de 1964, alguns militares, com apoio de políticos, empresários e segmentos da classe média, tomaram o poder através de um golpe de estado. O novo regime político foi redefinido no sentido de restringir a participação popular, impedindo quaisquer reivindicações, movimentos ou conflitos. Paralelamente, propunha-se a reorientação do sistema econômico para um modelo de desenvolvimento que, diferentemente das propostas nacionalistas anteriores, permitiria maior penetração de capital externo no país.

Essas diretrizes eram fixadas em função dos interesses das empresas multinacionais, dos grandes proprietários de terras, industriais, comerciantes e banqueiros. Através delas, estimulava-se a acumulação de capital sem os incômodos das tensões causadas pela luta reivindicatória dos trabalhadores.

Mas esses objetivos não poderiam ser realizados sem o apoio e a colaboração dos trabalhadores em geral e da classe média. Necessitavam-se dos operários nas fábricas, dos colonos nas fazendas e dos funcionários nas repartições. Era preciso que todos trabalhassem e se esforçassem o mais possível, sem grandes exigências, para promover a expansão econômica. É claro que tal apoio não seria conseguido se as pessoas visadas não estivessem convencidas de que atuavam em função de seus próprios interesses e benefícios. Para isso o governo promoveu uma intensa campanha de propaganda ideológica, que se resolveu durante vários anos.

Inicialmente improvisada e pouco sistemática, a propaganda logo passaria a ser orientada por órgãos especialmente criados para coordenar as campanhas. A Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência de República (AERP) encarregou-se da propaganda nos governos de Costa e Silva e Médici. Geisel teve a Assessoria de Imprensa e Relações Públicas (AIRP), depois desmembrada em duas. Figueiredo criou a Secretaria da Comunidade Social (SECOM), posteriormente substituída pela Secretaria de Imprensa e Divulgação (SID).

Organizou-se, em todo o país, um sistema de censura de tal forma rigoroso que quase nada podia ser divulgado sem prévia autorização. Qualquer informação ou notícia que não estivesse de acordo com a ideologia oficial do governo era proibida e podia acarretar a punição do responsável. Estabelecido, dessa forma, o controle absoluto das informações, a propaganda passava a desenvolver-se sem nenhum obstáculo. O primeiro passo foi justificar o golpe do estado e o regime implantado. Explicava-se que o militares haviam tomado o poder porque o Brasil era um país desorganizado pelas crises econômicas e distúrbios políticos constantes que os governantes e administradores corruptos não conseguiam solucionar. A dramática ameaça de subversão e guerra revolucionária, orientada por comunistas portadores de ” ideologias exóticas e alienígenas”, era o pretexto anunciado para justificar o caráter autoritário e repressivo do governo.

Procurando legitimar o regime, a propaganda encarregou-se de enaltecer os presidentes, apresentando-os como líderes os mais indicados para serem chefes de governo. Com a construção de uma imagem positiva dos presidentes, esperava-se conseguir despertar a confiança da população para as suas decisões, explicações e esclarecimentos. Pretendia-se obter, também, a submissão às convocações de mobilização para o trabalho e apoio ao governo.

Mas não bastavam imagens; era preciso alguns fatos concretos que mostrassem governos atuantes, e a propaganda se encarregou de difundi-los. Todas as realizações, pequenas ou grandes, eram divulgadas para todo o Brasil com insistência e repetição. A todo o momento, na imprensa, rádio, televisão ou cinema, se mencionavam a industrialização do Nordeste, a Transamazônica, os milhões alfabetizados pelo Mobral e tantos outros.

Muitos feitos foram exagerados e dramatizados ao extremo, com o objetivo de sugestionar os ouvintes. Sugeria-se que naquele período se fizera mais que em toda a história anterior do país; inúmeras construções eram apresentadas como as maiores do mundo. Afirmava-se que todas a realizações visavam ao bem estar da população em geral, ocultando-se que os maiores beneficiados eram os detentores do grande capital.

Apelava-se para o orgulho patriótico da população, mas o amor à pátria passou a ser sinônimo de submissão ao governo. Quem contestasse o regime militar passava a ser considerado antibrasileiro, e o “slogan” de 1970 impunha: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Em seguida, a propaganda procurava instilar o espírito de fé no país para que a população, confiando no futuro, aguardasse chegada de dias melhores e suportasse calmamente as dificuldades. Diziam que o Brasil era uma grande extensão de terras férteis cujas inúmeras riquezas permitiriam que viesse a se transformar em grande potência. Prometia-se a produção de ouro, urânio, ferro, petróleo e alimentos em grandes quantidades, quando então não haveria mais problemas nem sofrimentos.

Otimismo e confiança passaram a ser a tônica das mensagens. “Chegou a hora de crescer sem inflação” (Castelo Branco). “Confiamos no Brasil” ( Costa e Silva). ” Ninguém segura o Brasil” (Médici). ” Este é um país que vai pra frente” (Geisel). ” O Brasil encontrou a saída. Vamos todos crescer” (Figueiredo). Foram épocas e slogans diferentes, mas sempre o mesmo sentido.

Legitimados o golpe e o regime, construída a boa imagem dos presidentes e suas realizações, estimulados o patriotismo e a confiança, restava pedir apoio e convocar para o trabalho. ” Participação”, a idéia-chave da segunda metade dos anos 60 continuaria um lema a ser repetido pelos anos afora. ” Pague seus impostas” (Castelo Branco). ” A ordem do Brasil é o progresso. Marche conosco” (Costa e Silva). ” Você está convidado a participar das duzentas milhas” (Médici). ” O Brasil é o trabalho e participação de todos” (Geisel). Todos esses slogans, cada um na sua época, foram intensa e sistematicamente repetidos em todos os meios de comunicação.

A propaganda deu resultados. Grande parte da população acreditou no que ouvia confiando em que os governos militares eram legítimos e defendiam seus interesses. Submeteu-se às decisões políticas e colaborou com o seu trabalho. Os objetivos foram alcançados em sua maior parte. O país superou a crise em que se encontrava em 1964, expandiu-se o sistema financeiro, o capital estrangeiro investiu em todos os setores, diversificou-se a agricultura e se desenvolveu a indústria. As fábricas, as fazendas e os bancos cresceram e com eles os lucros. Os grandes beneficiados foram os proprietários do grande capital. Uma pequena parte da população recebeu alguns poucos frutos desse desenvolvimento, mas os capitalistas viram sua riqueza multiplicar-se rapidamente, ficando com a maior parte. Para as classes trabalhadoras, contudo, a pior conseqüência foi a alienação produzida pela propaganda, a ignorância sobre suas próprias condições de vida e seu papel na sociedade. Mistificadas, perderam grande parte da sua capacidade de organização e luta em defesa de seus próprios interesses, e só ao final dos anos 80 é que viriam a recuperar parte de sua força.

Esses exemplos são simplificativos para mostrar a força de expansão da propaganda ideológica. Ela foi empregada em todas as épocas conhecidas da história, pelos mais diversos grupos e líderes. Uns para manter o status quo e garantir seu poder, outros para transformar a sociedade todos procuraram envolver as massas na consecução de determinados objetivos e realização de certos interesses. Inúmeras vezes a propaganda foi total, utilizada não apenas para divulgar alguns idéias e princípios, mas para incutir toda uma visão do mundo e sua história, de idéias e respeito do papel de cada indivíduo e sua família, da posição dos grupos e classes na sociedade e para impor valores e padrões de comportamento como os mais adequados e mais justos.

A propaganda nem sempre se desenvolveu da mesma maneira, mas variou conforme o momento histórico que foi realizada. Em cada época, o modo de produção econômico vigente, o estádio em que se encontravam as forças produtivas, a posição e capacidade das classes sociais em conflito é que determinaram a forma, o conteúdo e o grau de intensidade das campanhas. Mas há alguns aspectos que permanecem constantes, repetem-se na história, e podem ser considerados princípios gerais. É o que se verá a seguir.

Classes Sociais, Ideologia e Propaganda

As ações humanas se definem e se distinguem pelo fato de que são realizadas com um caráter eminentemente social, baseadas na cooperação entre diversos indivíduos. Para que possam satisfazer às suas necessidades, as pessoas dependem de bens e produtos os mais diversos. A produção e distribuição desses bens exigem o trabalho integrado de vários homens, colaborando uns com os demais. Para que essa colaboração seja possível, é indispensável que haja certas idéias orientadoras, partilhadas pela maioria, que a oriente numa mesma direção, permitindo a consecução dos objetivos comuns. Cada indivíduo precisa ter concepções a respeito do meio em que vive, dos objetivos que devem ser atingidos e do seu papel no conjunto das relações sociais. Somente quando essas idéias coincidem com as dos demais membros da sociedade é que lhes é possível agir e participar de forma harmônica e integrada.

As idéias não surgem fortuitamente na mente humana, mas são produzidas a partir da percepção da realidade concreta, tal como vivida pelos membros da sociedade. Ocorre que as pessoas não vivem da mesma forma. Embora se encontrem perante uma mesma realidade, inserem-se nela de maneiras diferentes, advindo daí diversas e distintas formas de pensar. Em outras palavras, as idéias são determinadas pela posição que se ocupa no contexto social. Resta verificar como se caracterizam as diferenças de participação dos indivíduos em uma mesma sociedade.
A forma como os homens se encontram integrados na produção econômica determina os limites de sua atuação e participação em todos os níveis sociais, estabelecendo o seu “espaço”. A expressão “espaço”, no aspecto social, tem um sentido específico. É a área, definida por certos limites, dentro dos quais os indivíduos e grupos podem agir. Não se trata de uma área física ou geográfica, mas de um conjunto de relações. Isto significa dizer que as pessoas, em suas relações com os objetos matérias e imateriais e com outros indivíduos, estão condicionadas por certas barreiras que restringem suas possibilidades de ação. É o caso das classes sociais. Uma classe social se constituem pelo conjunto daqueles indivíduos que têm uma mesma posição e ocupam o mesmo espaço no plano da produção econômica, situação que lhes determina uma mesma forma de participação a nível político e cultural. Quando a produção se encontra organizada em moldes capitalistas, a sociedade se caracteriza pela divisão em duas classes fundamentais: os trabalhadores de um lado e os capitalistas do outro. Essas duas classes vivem em condições totalmente diversas e antagônicas.

Os trabalhadores têm o seu espaço delimitado pelo fato de que entram na produção apenas com sua força de trabalho, participando dos resultados através de um salário que lhes garantem, exclusivamente, o mínimo necessário à própria subsistência. Refletindo essa marginalização econômica, em nível político, os trabalhadores são apenas os sujeitos passivos das decisões e medidas geradas no seio do Estado. Essas decisões são tomadas e implementadas através de órgãos governamentais, onde os representantes dos trabalhadores não existem ou constituem uma minoria insignificante. No plano cultural, da mesma forma, a situação reflete a realidade econômica, sendo mínimas as possibilidades de acesso aos produtos culturais para qualquer trabalhador. Poucos podem estudar em escolas além de determinado grau, não têm condições de adquirir livros, discos ou quadros, nem de freqüentar concertos, cinema ou teatro.

Por outro lado, o espaço dos patrões, dos capitalistas, é bem mais amplo. Eles são os proprietários dos meios de produção: as terras, máquinas, ferramentas. Nessa condição, apropriam-se da maior parte dos bens produzidos, fato que se concretizam no seu crescente enriquecimento. Conseguem controlar órgãos do governo para que as decisões e medidas sejam favoráveis aos seus interesses e têm grande acesso à produção cultural que, inclusive, ajudam a financiar.

Essa diversidade de posições, frente a uma mesma realidade, determinam as concepções a respeito dela sejam igualmente distintas. Se para os mais privilegiados trata-se de uma sociedade bem organizada e justa, para os demais ela lhes parece absurda e desumana.

Todavia, os limites que definem os espaços das classes sociais não são estáticos nem eternos. Em determinados momentos históricos surgem possibilidades, para uma classe ou parte dela, de ampliar seu campo de ação. A possibilidade aparece, geralmente, quando um grupo adquire maior força em virtude do aumento numérico de sues membros, ou por se ter organizado melhor, ou qualquer outra razão que permita visualizar uma alternativa de lutar e conquistar melhores condições de existência. É o que tem ocorrido com os operários da maioria dos países de economia capitalista. O desenvolvimento econômico faz com que sejam necessários trabalhadores com melhor habilitação profissional. Pelo próprio fato de serem mais qualificados e, portanto, intelectualmente melhor preparados, esses operários encontram-se com mais condições de entender a situação e perceber a contradição entre o baixo nível salarial e os altos lucros das empresas. A partir do momento em que passam a trocar informações e discutir sua situação, começam a adquirir maior capacidade de organização e mobilização, que lhes permite lutar o obter melhores condições de vida.

Ocorre, contudo, que devido às dissidências e antagonismos existentes entre as classes sociais, a ampliação do espaço de atuação de uma, geralmente, implica a redução do espaço da outra. Realmente, a possibilidade de os trabalhadores obterem um aumento salarial resulta na igual possibilidade de redução dos lucros dos patrões. Da mesma forma, a participação política através da eleição de alguns representantes operários significaria uma diminuição do número equivalente de representantes dos patrões e assim por diante.

É nessa contradição que se definem os interesses das classes sociais. O espaço passível de ser ocupado pelos trabalhadores constitui, ao mesmo tempo, uma área passível de ser perdida pelos patrões. Esse espaço corresponde, nesse momento, aos “interesses” dos setores em conflito. Isso significa dizer que o “interesse” de uma classe social corresponde à possibilidade que ela tem de ampliar o espaço que ocupa ou à necessidade de defendê-lo contra as ameaças de outra classe. Nesse caso, para a classe operária trata-se de um interesse de transformação, com menor ou maior mudança de suas condições. Para a classe patronal, significa um interesse de manutenção, de conservar a sociedade na forma como se encontra organizada, impedindo uma mudança que signifique a perda de uma área já ocupada e das vantagens e privilégios que ela representa. A intensidade da mudança varia de acordo com as condições concretas em que se encontra a sociedade naquele momento. Pode haver pequenas mudanças quantitativas, com maior índice salarial, mais representantes políticos, direito de freqüentar escolas de grau mais elevado. Pode, também, traduzir-se em radicais transformações qualitativas, como a mudança do sistema econômico ou do regime político. Voltemos, agora, à análise da forma como se desenvolvem as idéias dos agentes sociais.

Qual a primeira condição necessária para que uma classe consiga realizar seus interesses, atuando no sentido de ampliar ou manter seu espaço? Antes de mais nada é preciso que seus membros percebam que essa possibilidade existe. Para tanto é importante que tenham conhecimento da situação em que vivem, saibam qual a sua força e quais as condições em que se encontram os membros de outras classes. Só então têm condições fixar objetos e traçar os caminhos mais adequados para atingi-los, que podem ser desde uma reivindicação perante um tribunal até uma greve geral e mesmo uma revolução armada. Em outras palavras, é preciso que a classe adquira consciência das suas reais condições de existência e das possibilidades de mudança ou da necessidade de manutenção nessas mesmas condições. Essa consciência nada mais é que um conjunto de idéias a respeito da realidade social, ou seja, uma ideologia.

Uma ideologia contém três tipos básicos de idéias, que são as representações, os valores e as normas.

Representações são idéias a respeito de como é a realidade: como está organizada a sociedade, em que classes se divide, se há ou não exploração de uma pela outra, como ocorre a exploração etc. Valores são idéias a respeito de como deve ser a realidade: a organização social deve ser diferente, sem classes e sem exploração ou, então, tudo deve permanecer como está. Finalmente, normas são aquelas idéias a respeito do que deve ser feito para transformar a realidade ou mantê-la nas condições em que se encontra: votar no candidato que torne a sociedade menos injusta, organizar uma greve para forçar o governo a providenciar mudanças ou, para aqueles que querem manter a situação, usar força policial para reprimir reivindicações, demitir operários grevistas etc.

Uma vez definida, a ideologia serve como modelo para a compreensão da realidade e guia orientador da conduta de todo o grupo e de cada indivíduo em particular. Resta verificar de que forma essa ideologia é propagada, tornando-se conhecida pelos diversos membros de uma classe social ou, até mesmo, por toda a sociedade.

Uma ideologia nunca surge, ao mesmo tempo, para todos os membro de uma determinada classe. Geralmente são apenas uns poucos, um pequeno grupo que consegue adquirir consciência e visualizar um quadro completo de sua realidade. Todavia, sua atuação isolada pode não ser suficiente. De nada adiantaria se apenas alguns líderes sindicais fizessem uma greve. Se os operários de um único setor da indústria lutarem por seus interesses, podem ser despedidos sem nada obter, sem realizar nenhuma mudança. Os empresários, também, pouco conseguiriam se apenas alguns reagissem contra as ameaças aos seus privilégios ou só uns poucos procurassem obter medidas que assegurassem maiores lucros. Daí a importância do apoio, senão de todos, ao menos de uma grande maioria dos membros de uma mesma classe, para que possam atingir qualquer resultado. Por essa razão que um grupo, percebendo possibilidades de progresso ou a necessidade de defesa contra certas ameaças, procura difundir suas idéias. Sua expectativa a de integrar o maior número de pessoas que, aceitando os mesmos valores e normas, atuem numa mesma direção, permitindo que os objetos sejam atingidos. Senão houver idéias comuns, torna-se impossível coordenar, integrar as ações, organizar as lutas e os movimentos.

Ocorre também, muitas vezes, que determinado objetivos que podem ser atingidos por certa classe se a outra resistir e impedir as ações. Nesse caso se torna necessário que a outra classe dê seu apoio e, até mesmo, colabore ativamente para a consecução daqueles objetivos, o que exige que a ideologia seja aceita também pelos seus membros. Os patrões querem manter ou aumentar seus lucros, precisam do trabalho de seus empregados, sem o qual lhes é impossível realizar esse intento. Para os trabalhadores, também, é mais fácil conquistar melhores condições se puderem contar com o apoio dos empresários, situação que raras vezes ocorre na realidade concreta. Por essas razões é que os grupos sociais procuram difundir suas idéias, não só para aqueles que pertencem à mesma classe social como aos de outras. Essa difusão da ideologia se faz pela propaganda ideológica.

O Desenvolvimento da Propaganda

A propaganda ideológica envolve um processo complexo, com termos e fases distintas. O “emissor”, grupo que pretende promover a difusão de determinadas idéias, ao visar outros com interesses diversos, realiza a “elaboração” de sua ideologia para que as idéias nela contidas pareçam corresponder àqueles interesses. Feito isso, procede um trabalho de “codificação”. pelo qual transforma as idéias em mensagens que atraiam a atenção e sejam facilmente compreensíveis e memorizáveis. Através do “controle ideológico” o emissor manipula todas as formas de produção e difusão de idéias, garantindo a exclusividade na emissão das sua próprias. Procura, dessa forma, evitar a possibilidade de que os receptores venham a receber, ou mesmo produzir, outra ideologia que os oriente contra os interesses do emissor. A partir daí as mensagens são emitidas através da “difusão”, que procura atingir o mais rapidamente possível um maior número de pessoas.

Elaboração

Quando a propaganda ideológica se faz entre os membros de uma mesma classe social, as idéias a serem propagadas não precisam sofrer nenhum tipo de elaboração mais significativo. Isto porque se trata de pessoas que, por pertencerem à mesma classe, ocupam uma mesma posição, donde se segue que tenham interesses comuns.

Nesta caso, as idéias defendidas por uns dificilmente seriam rejeitadas pelos demais.

Não haveria grandes dificuldades para operários transmitirem a outros a idéia de que sua situação é precária e da necessidade de se mobilizarem para conquistar melhores condições. Podem surgir divergências quanto à forma e ao momento da mobilização, mas dificilmente quanto à idéia em si. Um grupo de empresários tampouco teria dificuldades para mostrar aos demais a importância de se ajustar certas medidas econômicas, de forma a aumentar os lucros de todos. Nesses casos, praticamente não há necessidade de convencer, de persuadir, pis que a apresentação clara das idéias já deve ser suficiente para que os receptores dêem sua adesão e apóiem as propostas. A propaganda adquire, nesses casos, um caráter de demonstração e conscientização. Procura explicar a realidade existente, mostrar a necessidade de mudá-la ou mantê-la e indicar formas de realizar interesses que são comuns.
Se a propaganda é realizada de uma classe social para outra que tem interesses diversos, a simples difusão da ideologia já não é suficiente para gerar adesão. Nesse caso, o grupo emissor, antes de difundir suas idéias, elabora-as para que se adaptem às condições dos receptores, criando a impressão de que atendem a seus interesses. Mas a verdade é que as idéias contêm apenas os objetivos do emissor, e a impressão contrária só é possível se, ao se reportar à realidade, as mensagens ocultem ou deformem alguns de seus aspectos. Nesse caso, convencidos de que as propostas atendem às suas necessidades, os receptores não têm razão para discordar delas. A elaboração, dessa forma, esconde quais são os interesses reais existentes por trás da ideologia, ao mesmo tempo que oculta a realidade vivida pelos receptores, para que estes não possam formular outras idéias que melhor correspondam à sua posição. Neste caso, a propaganda não tem mais o caráter de conscientização, mas de mistificação, manipulação e engano.

A forma mais utilizada na elaboração das ideologias é a universalização. As idéias, que na realidade se referem aos interesses particulares de uma classe ou grupo, são apresentadas como propostas que visam a atender a todos e satisfazer às necessidades da maioria. No Brasil, isto tem sido constantemente feito com relação às medidas governamentais, apresentadas através de fórmulas do tipo: “benefícios para o povo”, “progresso do país”, “desenvolvimento nacional”, “para o bem de todos”, “para todos os brasileiros”.
A elaboração também tem sido feita por transferência, em que os interesses contidos na ideologia são transferidos e atribuídos diretamente aos receptores. Um dos primeiros a adotar ostensivamente essa fórmula, no Brasil, foi Getúlio Vargas. Seus inúmeros discursos começavam dirigidos aos “Trabalhadores do Brasil” e seguiam com a enumeração das medidas tomadas pelo governo como tendo sido adotadas para beneficiar os operários. Ajudava-se os industriais com incentivos, empréstimos e subsídios. Mas a propaganda transferia as vantagens para os trabalhadores alegando que, com o estímulo às indústrias, estas teriam condições de oferecer melhores empregos.

A universalização e a transferência também se processam de forma mais sutil. Há expressões que não têm significado muito preciso, de tal forma que cada pessoa lhes dá uma interpretação. É o que ocorre com os conceitos de “democracia”, “igualdade”, “justiça”, “liberdade” e tantos outros. Quando alguém fala em “democracia” a um grande número de pessoas, cada uma entende a palavra num sentido relacionado à sua própria condição. Pequenos empresários pensam em maior abertura para decidir sobre seus próprios negócios ou na possibilidade de concorrer com as multinacionais em igualdade de condições. Operários pensam em liberdade de lutar eficazmente por melhores condições de trabalho. Estudantes imaginam maior participação dos alunos nas decisões e atividades escolares, e assim por diante. E a palavra democracia é insistentemente utilizada pelos políticos e homens de governo, que raramente explicitam a que se referem concretamente. A propaganda age, assim, resumindo as idéias em expressões ambíguas dos tipos mencionados. Consegue-se, com isso, que cada um dos que ouvem a mensagem concorde com ela, por acreditar que diga respeito a si e a seus interesses e necessidades, e acabe apoiando o sistema econômico e o regime político.

A universalização e a transferência são feitas, ainda, de forma indireta. Ao invés de apresentar propostas como possíveis de atender a todos, mascara-se a diferença entre os indivíduos, grupos e classes sugerindo-se a igualdade. Mostra-se a sociedade como um todo homogêneo onde não há diferenças de posições e interesses. Tal imagem acaba por levar à conclusão de que quaisquer medidas beneficiam a todos sem discriminação, já que são iguais. Expressões do tipo “todos são iguais perante a lei”; teses sobre o Brasil ser um país cordial onde todos falam a mesma língua e professam a mesma religião, a propalada afirmação de que no Brasil não há racismos nem preconceitos, são argumentos empregados com aquele objetivo. Ao serem convencidas de que são cidadãos de um país onde todos são tratados igualmente, as pessoas acabam por não perceber a exploração de que são vítimas. As divergências com países estrangeiros, até mesmo em caso de guerras, têm permitido manipular a população para que esta sinta participar de um todo único. A única diferença passa a ser entre nacionais amigos e estrangeiros inimigos. Nesse contexto, todas as idéias e propostas são recebidas como visando ao interesse geral.

Quando não é possível ocultar as diferenças existentes na sociedade, procuram minimizá-las, torná-las insignificantes. A fórmula mais comumente empregada para tal tipo de sugestão é a do chamado “mito do esforço pessoal”. A idéia é divulgada alegando-se que a diferença entre ricos e pobres corresponderia a uma distinção entre pessoas mais e menos esforçadas. Afirma-se que os que detêm grande quantidade de bens conseguiram adquiri-los porque trabalharam muito para isso, e que qualquer pessoas que se exerça o suficiente pode atingir altos cargos e ganhar muito bem. Tomam-se alguns exemplos de pessoas bem-sucedidas, apesar de sua origem bastante humilde, alegando que progrediram porque estudaram com afinco e se esforçaram muito. Embora esses exemplos raramente ultrapassem uma dezena, num país de milhões, fica a idéia de que qualquer um, com tenacidade, pode atingir a nível dos mais privilegiados na sociedade. Essa idéia parece anular a contradição entre as classes, em que uma é explorada pela outra e não tem alternativas para fugir à dominação. Todavia, oculta um aspecto importante dos países subdesenvolvidos. Nesses, a grande massa populacional, devido à subnutrição, doenças, necessidade de trabalhar desde criança, não tem condições de se esforçar ou estudar.

Há outras situações em que as diferenças e contradições entre as classes sociais são muito gritantes. Quando se vê, numa mesma região, favelas e mansões luxuosíssimas, famintos ao lado de indivíduos ostensivamente poderosos, não há meios de se ocultar ou minimizar as diversidades. A propaganda recorre, então, à ocultação dos efeitos da exploração. Não nega a pobreza existente, mas esconde que ela existe para garantir o enriquecimento de alguns. È assim que a elaboração se faz, no sentido de desvalorizar os benefícios recebidos pela classe dominante. Formulam-se argumentos de que as pessoas não podem comer além de um certo limite, não podem utilizar mais de um automóvel ao mesmo tempo, para concluir que a riqueza não é tão significativa nem tão atraente. Afirmam-se serem tão poucos os privilegiados que a redistribuição de sua riqueza sã daria uma pequena e insignificante parte para cada um. Ou, então, procura-se apresentar a riqueza como desvantajosa sob argumentos do tipo “dinheiro não traz a felicidade”, “dinheiro acarreta preocupações”, “rico morre de enfarte”, “os ricos, para manter sua fortuna, precisam trabalhar mais que os pobres e não têm tempo de aproveitar a vida”, “Natal de pobre é mais humano e não tão formal quanto o dos ricos”.

Aproveita-se a diferença de costumes, onde os hábitos das classes mais abastadas são postos como desagradáveis e cansativos. “Rico não pode comer à vontade por ter de obedecer a regras de etiqueta” ou então “tem de comer pouco por educação”. Sugere-se, com isso, que a condição dos explorados é menos desagradável que a dos exploradores.

Quando não é possível ocultar os benefícios para as classes dominantes, disfarçam-se os prejuízos para os dominados. Nega-se, por exemplo, que os salários sejam tão baixos como de fato são. Diz-se que assistência médica garantida pelos Institutos de Previdência, a existência de produtos a preços mais baixos por subsídio do governo, a construção de estradas e avenidas, a assistência das Delegacias do Trabalho, a segurança policial, tudo deve ser considerado como um salário indireto, já que são vantagens que independem de pagamento direto dos empregados e custariam caríssimas se não fosse assim. Tenta-se, também, sugerir que se a situação não é tão boa, resta o consolo de que poderia ser pior. Exemplo sugestivo dessa tática ocorreu em fins de 1976, quando o governo brasileiro lançou uma campanha que, entre outras coisas, afirmava: “Se você está triste porque perdeu seu amor, lembre-se daquele que não teve uma amor para perder (…); se você está cansado de trabalhar, lembre-se daquele angustiado que perdeu o seu emprego; se você reclama de uma comida mal feita, lembre-se daquele que morre faminto (…), lembre-se de agradecer a Deu, porque há muitos que dariam tudo para ficar no seu lugar”.

Para disfarçar os efeitos da dominação procura-se, também, atribuí-los a um “bode expiatório”, um elemento, muitas vezes externo, que é responsabilizado pelos problemas. Crises internacionais, alto preço de produtos importados, ação de empresas e grupos estrangeiros, corrupção de alguns políticos, infiltração comunista até mesmo misteriosas “forças ocultas” passam a ser apresentados como responsáveis por todos os males. Fatos e pessoas do passado, também, costumam ser responsabilizados por problemas presentes, ocultando-se, dessa forma, a real origem dos males. Assim é que a colonização portuguesa teria sido a causa original do subdesenvolvimento brasileiro e das precárias condições econômicas atuais. Ou então foi o sistema de monocultura da economia cafeeira, adotado nos começos do século, que gerou a atual crise econômica. Com tudo isso, a classe dominante disfarça sua exploração sobre os demais e neutraliza a possibilidade de que lutem por melhores condições de vida.

Chega-se, mesmo, a atribuir a culpa da pobreza aos próprios pobres. Por não se interessarem em estudar, por não ferverem as águas contaminadas, é que são incompetentes, pobres e doentes.

Dessa forma, grande parte da população, que não tem nenhum acesso à assistência médica e educacional, vê inverter-se a relação para se tornar culpada pelo que não tem condições de fazer. É em parte com esse objetivo que os textos de certas campanhas repetem tão insistentemente: “você também é responsável”, “O Brasil é feito por nós”, “não deixe de vacinar seu filho”. De tanto ouvir tais apelos, os receptores acabam sentindo-se culpados pelos problemas, com a impressão de que, se eles existem, é porque não tomaram alguma providência para a qual foram alertados. Por toda a parte, na sociedade, estão pessoas a afirmar que se tivessem estudado mais, ou trabalhado com mais afinco, ou feito isso e aquilo, poderiam encontrar-se em melhores condições. Sequer percebem que sua situação é fruto do fato de pertencerem a uma classe à qual não são dadas outras alternativas e a s poucas apresentadas são ilusórias.

Mascara-se, também, a dominação e a exploração de classes atribuindo-se a algumas pessoas ou a certos órgãos e instituições toda a responsabilidade pelas medidas tomadas e implementadas. Apregoa-se, por exemplo, que o governo, o presidente, ou alguns burocratas é que detêm o poder e se encarregam de todas as decisões. Oculta-se que, na verdade, eles não detêm o poder, mas apenas o exercem na defesa dos interesses dos detentores do capital. esse disfarce permite sugerir que todas as decisões são tomadas por pessoas ou grupos neutros e desinteressados, cuja única preocupação é progresso do país.

Na maioria dos países da América Latina, as classes dominantes, as que realmente detêm o poder da decisão, são compostas por proprietários de capital financeiro, latifundiários, empresários nacionais associados aos de empresas multinacionais. com a plena consciência dessa situação, as populações talvez não apoiassem seus governos, porque perceberiam que a participação do povo é insignificante e seus interesses não são atendidos. Por essa razão, deformam a realidade, atribuindo todo o poder de decisão ais militares ou tecnocratas. Como estes não são banqueiros nem latifundiários, podem afirmar que os interesses visados são os do povo. Na verdade, estes militares e tecnocratas são instrumentos – de boa ou má-fé – de grupos cujos interesses não podem deixar de realizar. Estes, a propaganda esconde e não deixa aparecer como os realmente beneficiados.

Tática muito empregada é a de construir a imagem de um líder, responsável por todas as medidas, único detentor do poder. Enquanto a população acreditar nele não percebe quem são os verdadeiros privilegiados que se encontram por trás das decisões. Além disso, há sempre a possibilidade de se substituir um líder por outro, em épocas de crise econômica ou política, convencendo a população de que o substituto poderá solucionar todos os problemas. São os chamados líderes carismáticos, homens que parecem possuir dotes e atributos excepcionais. A propaganda cuida de propalar insistente e repetidamente as qualidades daquele que dirige. Gênio político, inteligente, hábil, de inusitada memória, e superior a todos os demais, a ele deve caber o exercício pleno do poder. Mas não bastam as qualidades excepcionais; os líderes só são seguidos se forem capazes de compreender a condição de seus liderados. A propaganda cuida deste aspecto também, apresentando-o como popular, simples, acessível e, portanto, capaz de compreender melhor que ninguém os problemas da maioria.

A elaboração da ideologia também tem sido feita pela negação de quaisquer possibilidades de mudanças que possam beneficiar os receptores, como forma de fazer com que estes aceitem as propostas apresentadas como as únicas possíveis. Assim, quando trabalhadores pretendem maior participação nos resultados econômicos através de aumentos salariais, argumentam que é impossível melhorar os salários, porque haveria tal aumento de custos para as empresas que as levaria à falência, deixando os operários em situação ainda pior: a do desemprego. Outras vezes, procuram demonstrar que as contradições e desigualdades são naturais e inevitáveis, que sempre haverá pessoas privilegiadas e outras destituídas de quaisquer recursos, de nada adiantando lutar contra isso. Afirmam mesmo que a realidade é de tal ou qual forma porque Deus quis assim e é inútil pretender transformar a natureza em que só o “Todo Poderoso” pode decidir. Ou então se utiliza a técnica de criar uma imagem das pessoas que seja incompatível com qualquer proposta de mudança social. Sob o rótulo de “caráter nacional brasileiro” se atribui uma série de características à população, onde se diz que o homem brasileiro se define pelo individualismo, pela emotividade, pela vocação pacifista e outros. Daí concluem e argumentam que, sendo individualista, pouco dado ao trabalho em conjunto e em cooperação, é incapaz de se organizar em partidos políticos, justificando o controle autoritário dos partidos pelo governo. Sendo emotivo, de comportamento pouco racional, alega-se que não deve ter maior participação política pelo voto direto, que exige senso crítico e tirocínio. Apoiando-se na idéia de que o povo brasileiro é cordial e pacífico, afirma-se que é contrário aos conflitos e se proíbem as greves e movimentos de contestação, porque seriam insuflados por agentes comunistas estrangeiros.

Chega-se a falsificar e deformar fatos da história, a fim de esconder a capacidade de uma classe para obter a realização de seus interesses. Uma das formas de os indivíduos melhor conhecerem suas condições de existência, sua posição na sociedade, é a compreensão do passado histórico. Importa ter noção das próprias raízes, das origens e do desenvolvimento da classe social a que se pertence, das lutas e conquistas obtidas pelos antepassados. São aspectos importantes para que os membros de uma sociedade possam localizar-se no tempo, compreendendo o processo de desenvolvimento em que estão inseridos. Daí a preocupação daqueles que detém o poder em interpretar a história a seu favor, deformando o passado histórico de certos grupos, para que não adquiram consciência a respeito de sua própria força.

A atuação das classes média e trabalhadora teve um papel importante na evolução de todos os países capitalistas. Suas exigências determinaram uma série de medidas que permitiriam uma organização mais racional e eficiente do trabalho. Todavia, a história universal foi escrita e ensinada nas escolas como um conjunto de fatos resultantes das decisões de apenas alguns homens, ora heróis, ora tiranos. A história passou a ser um conjunto de atos e comportamentos das elites, como se a maioria das populações não tivesse nenhum papel no processo. Essa interpretação, quando disseminada, gera um impressão de que os povos são incapazes de decidir sua própria vida, necessitando das elites para cuidar de seus interesses.

Mas nem sempre é possível ocultar totalmente os interesses dos receptores ou a sua capacidade de escolher seu próprio destino. Nesse caso a elaboração tem sido feita pelo adiamento, para um futuro vago, das satisfação de certas necessidades. As elites e os governantes costumam prometer futuros grandiosos quando haverá bem-estar para todos. Sugerem que se deve suportar alguns problemas e aceitar sacrifícios, em função dos melhores dias que virão. As descobertas de riquezas, os avanços tecnológicos, têm sido constantemente alardeados, de forma dramática, como as novas fontes que trarão o progresso e desenvolvimento para todos. Com tudo isso se faz que as pessoas, confiando no amanhã, no dia melhor para seus filhos, aceitem passivamente suas agruras.

Todos os casos acima mencionados constituem fórmulas de apresentação das idéias e propostas de grupos que deformam a realidade, ocultando o fato de que elas se referem exclusivamente à satisfação de seus objetivos. Adequando-as, assim, aos interesses de todos ou, mais especificamente, dos receptores, tornam possível fazer com que se submetam e até mesmo colaborem para a realização daqueles intentos. Existem ainda outras possibilidades de elaboração de ideologia, cada momento histórico determinando quais são as mais eficazes.

Codificação

A realidade social é extremamente complexa. São indivíduos, grupos menores ou maiores e classes sociais interando-se uns com os outros e se defrontando com objetos que podem ou não satisfazer as suas necessidades. Integram-se econômica, política e culturalmente, compondo toda uma trama de relações altamente diversificada. Por participarem de formas diferentes dessas relações os homens têm conhecimentos e experiências igualmente diversas. Sua capacidade de compreensão variável. Enquanto uns têm mais facilidade para entender certos fenômenos, outros não conseguem sequer percebê-los. Outros, ainda, nem chegam dar atenção a um grande número de fatos e acontecimentos, por não considerá-los importantes, embora possam interferir profundamente em suas vidas. Uma ideologia, por refletir a realidade, reflete também grande parte de sua complexidade e, para muitos, dificilmente é compreensível em seu todo. Nessa condições a propaganda, para transmitir a ideologia, precisa adaptar e adequar as idéias nela contidas às condições e à capacidade dos receptores de tal forma que tenham sua atenção despertada para as mensagens e consigam entender seu significado. Pois bem, codificação é processo pelo qual as idéias são transformadas em mensagens passíveis de serem transmitidas e entendidas.

Há inúmeras formas pelas quais as idéias são codificadas antes de sua divulgação. Em primeiro lugar, levando-se em conta aquelas pessoas que têm dificuldade em entender certas idéias complexas, procura-se simplificá-las. Essa simplificação pode ser maior ou menor, em função do grau de compreensão daqueles que deverão recebê-las. Lenin, procurando definir a maior forma de organizar a propaganda socialista, afirmava que o agitador para atingir uma grande massa, deveria transmitir uma só idéia ou um pequeno número delas. Hitler, por sua vez, entendendo que a capacidade de compreensão do povo era limitada, considerava que a propaganda deveria restringir-se a poucos pontos repetidos como estribilhos. A propaganda, dessa forma, procura difundir apenas o essencial do conteúdo de uma ideologia, selecionando algumas idéias fundamentais, restringindo-se a uma ou se limitando a um mero sinal simbólico.

As declarações, programas e manifestos, entre outros, constituem formas de simplificação em que se encontram selecionadas e destacadas as idéias centrais de uma determinada ideologia. O “Credo” contém as idéias básicas defendidas pela Igreja Católica.

O “Manifesto Comunista” constitui uma síntese das principais conclusões contidas no pensamento socialista tal como formulado por Marx e Engels.

Procurando obter simplificação ainda maior, a propaganda utiliza fórmulas curtas que contenham uma ou alguma das idéias mais importantes de uma dada corrente ideológica. A “palavra de ordem” contém, em uma expressão curta, o principal objetivo a ser atingido em determinado momento.

Quando, durante os movimentos estudantis ocorridos ao final dos anos 60, defendia-se a idéia de que era necessário reduzir a verba destinada às Forças Armadas para que fosse possível atender às necessidades básicas do povo, adotou-se, para difundi-la, a palavra de ordem “Mais pão, menos canhão”.

O slogan, outra forma de simplificação muito semelhante à palavra de ordem, contém um apelo aos sentimentos de amor, ódio, indignação ou entusiasmo daqueles a quem se dirige. “Aqui começa o país da liberdade”, escreviam os revolucionários franceses na fronteira de seu país. Esses mesmos revolucionários adotavam o lema “Liberdade, igualdade e fraternidade” para representar suas idéias e despertar a emoção dos ouvintes.

A fórmula mais sintética que se pode utilizar para exprimir uma idéia é o símbolo, breve sinal que resume uma ideologia ou que a representa. Justamente por ser bastante simples, é usado constantemente pela propaganda. Impresso em jornais, panfletos, nas bandeiras, pintando nas paredes e muros, utilizando como distintivo nas roupas, permite difundir a idéia a que se refere de forma ampla e rápida.

Os símbolos são formados por sinais gráficos, gestos ou expressões e cumprimentos repetidos pelos adeptos de uma determinada corrente. Foram empregados em todas as épocas e, dentre os conhecidos, o adotado pelos aliados durante a Segunda Guerra Mundial pode ser considerado dos mais perfeitos. O “V” era bastante simples: apenas dois traços retos que podiam ser rapidamente reproduzidos, com qualquer instrumento de escrita, em papéis, paredes, no chão ou em quaisquer objetos. Além disso, era suficientemente sugestivo por ser a letra inicial da palavra Vitória ( Victory), que representava o principal objetivo dos aliados. Importa lembrar que a palavra vitória começa com a letra “V” tanto em inglês, como em francês, espanhol ou português, o que lhe dava um grande valor para ser difundida em nível internacional. Era um sinal versátil, que podia passar de gráfico para plástico e ser feito com os dedos indicador e médio ou com os dois braços erguidos. Além disso, tornou-se sonoro, porque a letra V, em código Morse, formada por três pontos e um traço, e passou a ser associada ao trecho inicial da Quinta Sinfonia de Beethoven, que tem três notas curtas e uma longa.

Além da simplificação, as idéias tornam-se mais acessíveis quando associadas a outras mais simples. Essa associação é feita por semelhança, se a idéia transmitida é explicitada por outra diferente, mas com a qual guarda alguma similitude de forma ou estrutura e que seja mais simples. Para transmitir as idéias relativas à organização política do país e à estrutura dos órgãos de governo, tem sido muito utilizado o recurso de compará-las a um sistema familiar. A família é uma realidade mais conhecida e vivida pelos receptores, que nem sempre conseguem compreender toda a complexidade das instituições governamentais. Durante o Estado Novo, procurou-se uma fórmula para apresentar a idéia de que o Brasil era uma só nação, unida sob a direção de Getúlio Vargas, líder absoluto a quem deveriam ser atribuídas todas as decisões e toda responsabilidade. Para tanto, dizia-se: “A nação é uma grande família”, ” Getúlio, o pai dos pobres”, ” Getúlio, o pai dos trabalhadores”.

As ideologias geralmente se referem a certas situações que, por jamais terem sidos presenciadas pelos receptores, são pouco compreensíveis. Como explicar o valor e a importância de um regime liberal e democrático a quem tenha vivido apenas sob sistemas autoritários ? Nesse caso a associação da idéia é feita por contraste, em que se compara a situação a ser explicada a outra contrária, porém mais conhecida. Essa é a fórmula constantemente empregada por grupos de oposição que apresentam suas propostas recorrendo a imagens de um regime “sem censura”, “sem violência policial” etc.

A ilustração de idéias com exemplos concretos conhecidos é outra forma comum de codificação. Aqueles que defendem a necessidade de que a direção da economia fique a cargo da iniciativa privada costumam apoiar-se na tese da incompetência administrativa e gerencial do governo. Para demonstrá-la recorrem freqüentemente a exemplos bem conhecidos de empresas e repartições públicas desorganizadas e ineficientes. A existência de favelas serve para ilustrar a idéia de que o governo deve investir antes na solução do problema habitacional que na construção de obras suntuárias. Lenin, para explicar essa forma de apresentar as mensagens, levantava a hipótese de se ter de explicar uma greve. Segundo ele, para defini-la em suas características mais importantes, o agitador deveria ilustrar a noção de greve tomando um fato bastante conhecido por seus ouvintes, como o de uma família de grevistas pobre e faminta. A partir desse exemplo é que procuraria mostrar o absurdo da contradição entre a riqueza de uns em oposição à miséria absoluta de outros. Só então é que seria possível explicar a greve como uma conseqüência da forma de organização econômica do sistema capitalista.

Outro aspecto importante a ser considerado na codificação é o fato de que as pessoas já carregam consigo uma série de concepções a respeito da realidade em que vive. Ideologias já existentes, idéias e crenças as mais diversas, mitos e superstições dão aos indivíduos que vivem em uma cultura uma versão de seu ambiente e de sua vida, uma explicação da realidade, que lhes permitem integrar-se ao meio e exercer um determinado papel. A propaganda não deve deixar de considerar, ao difundir novas idéias, o fato de que elas podem chocar-se com as já existentes, por serem diversas e mesmo contraditórias. Nesse caso, ao mesmo tempo que se apresentam certas idéias, pode-se negar as já existentes, procurando mostrar que são falsas e não correspondem à realidade. É o que ocorre com alguns pregadores protestantes ao difundir suas idéias aos adeptos da fé católica combatendo a prática da adoração dos santos e criticando a utilização de imagens como as existentes nas igrejas católicas.

Essa orientação, contudo, nem sempre é eficaz, porque as pessoas tendem a se apegar emocionalmente a certas concepções que, às vezes, trazem consigo desde a infância e rejeitam qualquer nova explicação. Outra possibilidade, nesse caso, é a de fundir a idéia a ser propagada com as concepções já existentes, solução que inclusive facilita a aceitação das mensagens, porque baseadas em idéias já aceitas como verdadeiras. A propaganda hitlerista pregava a pureza da raça ariana, destinada a dominar o mundo, ao mesmo tempo que condenava e combatia os judeus. Essas idéias, contudo, não foram criadas pelos nazistas, mas já se encontravam disseminadas pela Alemanha. A propaganda nazista se apropriou delas, combinando-as com as propostas do partido para torná-las mais convincentes.

Controle ideológico

Por mais que um grupo elabore sua ideologia, ocultando que se refere exclusivamente a seus objetivos, para obter o apoio dos demais, é possível que estes acabem por adquirir consciência de sua própria posição na sociedade e de que seus interesses são diversos. Nessa hipótese, poderiam formular outra ideologia, mais adequada às suas condições, que os levaria a agir em sentido diverso daquele pretendido pelos emissores da propaganda. Por essa razão, os grupos que propagam suas idéias, geralmente procuram evitar que os receptores possam perceber a realidade por outro prisma que não aquele que lhes é proposto. Fazem isso tanto impedindo a formação de outras ideologias como neutralizando a difusão das já existentes. O controle ideológico compreende todas as formas utilizadas para que determinados indivíduos e grupos não tenham condições de perceber sua realidade e, assim, fiquem impedidos de formar sua própria opinião.

Os indivíduos e grupos só podem adquirir consciência de suas reais condições de vida por duas vias: a observação direta do meio em que vivem ou através das informações obtidas de outros, seja pessoalmente, seja pelos meios de comunicação. Daí o controle ideológico se realizar sobre o meio ambiente, sobre os meios de comunicação e sobre as pessoas.

A remodelação do ambiente físico permite torná-lo mais adequado às idéias difundidas pela propaganda. Procuram, assim, fazer com que as imagens percebidas confirmam as idéias apresentadas. Desde a Antiguidade se encontram momentos em que os grupos detentores do poder procuraram moldar a decoração do meio, de forma a apoiar suas idéias. Inúmeros reis, imperadores e dirigentes políticos mandaram construir grandes monumentos para reforçar a idéia de seu poder e prestígio.

No Brasil, Getúlio Vargas foi um dos que mais se preocuparam com a forma do ambiente urbano como instrumento de confirmação das suas idéias. A eficiência e modernidade de suas medidas eram sugeridas através de inúmeras construções que indicavam um governo organizado e empreendedor. A idéia do seu carisma e de sua personalidade forte era reforçada através das suas fotografias, obrigatoriamente afixadas em todas as escolas, fábricas, repartições públicas, bares e restaurantes, vagões de trens. Sua efígie estava nas moedas, selos, placas comemorativas e de inauguração. Bustos de bronze foram erigidos em diversos locais. Seu nome foi atribuído a inúmeras ruas e logradouros públicos. Sua imagem, dessa forma, impregnava todos os lugares e ambientes durante todo o tempo.

As idéias e concepções, contudo, nem sempre provêm da percepção direta do meio ambiente. Devido à complexidade do contexto em que vivem as pessoas, elas só têm condições de se informar e se conscientizar a respeito de sua sociedade através dos meios de comunicação. O controle desse meio se faz, principalmente, pela sua utilização direta. Dado o fato de que a comunicação depende, cada vez mais, de aparelhagem sofisticada e bastante cara, torna-se inevitável que os meios sejam controlados por pessoas e grupos da classe economicamente mais forte. Ele os utilizam exclusivamente para a difusão das idéias e opiniões que lhes são favoráveis, não permitindo que se propaguem ideologias contrárias ou fatos que contestem seus interesses. A população fica, desse modo, impossibilitada de ter acesso à maior parte dos aspectos de sua realidade e, assim, impedida de compreender exatamente sua posição e seu interesses, termina por ser envolvida na única ideologia que lhe é apresentada.

A censura oficial, realizada por órgãos governamentais, também é um instrumento de controle ideológico. Através dela se definem os limites do que pode ou não ser divulgado, neutralizando-se as possibilidades de manifestações contrárias aos valores defendidos pelos governos.

Sem acesso às informações que lhe possam fornecer uma visão dos diversos aspectos do mundo em que vive, a população acaba tendo uma visão deformada da realidade, que a conduz a se comportar dentro dos estritos limites traçados a partir dos interesses da classe dominante.

O controle ideológico se exerce, também, diretamente sobre as pessoas, seja reprimindo ou corrompendo líderes para que desistam ou sejam impedidos da tentativa de conscientizar seus liderados, seja exercendo pressões constantes par que os receptores não tenham condições psicológicas de julgar, analisar e avaliar as idéias que recebem.

Geralmente surgem, no seio das classes dominadas, alguns indivíduos que, apesar de toda a censura e manipulação dos meios de comunicação, conseguem perceber melhor certos aspectos da realidade e procuram transmitir sua compreensão aos demais, conscientizando-os. É o caso dos líderes operários, estudantes, religiosos e intelectuais. Nesses casos, a classe dominante, diretamente ou através dos órgãos do governo, procura neutralizar esses líderes através de ameaças, prisões, torturas ou exílio. Outras vezes, a neutralização se faz de forma não tão violenta através da cooptação. Cooptação é o processo pelo qual um indivíduo ou pequeno grupo recebe concessões e privilégios, em troca dos quais deva deixar de defender os interesses da classe social à qual pertence, para defender aquele que lhe fez as concessões. É o caso de trabalhadores e intelectuais que são contratados para exercer certos cargos privilegiados no governo ou em empresas privadas.

A pressão sobre as pessoas pode, também, concretizar-se através de perseguições, denúncias e acusações insistentes contra aqueles que não seguem determinada orientação. É o caso das “patrulhas ideológicas”, expressão muito empregada no Brasil, a partir de 1978, para qualificar os grupos que criticam repetidamente alguns artistas, intelectuais e pessoas muito populares que não aderem às idéias defendidas por aqueles grupos. O cineasta Carlos Diegues e o cantor Caetano Veloso já se queixaram por serem exageradamente criticados ao não assumirem as posturas exigidas por militantes esquerdistas. Pelé afirmou ser perseguido e criticado por grupos que não admitiam sua recusa em assumir a liderança na luta contra o racismo. A mesma forma de pressão tem sido feita, desde os começos do século, sobre aqueles que defendem a necessidade de se dar maior atenção aos problemas sociais como o analfabetismo, a miséria, o alto índice de enfermidades etc. Inúmeros são os que estão prontos a acusá-los de anarquistas, comunistas, agentes russos ou cubanos, antipatriotas. Trata-se de uma forma de perseguição que visa, senão obter a adesão do pressionado, ao menos conseguir seu silêncio para que não expresse idéias julgadas inconvenientes.

A pressão psicológica é uma das formas mais interessantes de controle. Atua diretamente sobre os receptores, afetando sua capacidade de análise, para que recebam as mensagens da propaganda dentro de uma postura passiva e submissa.

As pessoas, em condições normais, ao receberem uma informação ou assistirem a um fato, procuram compreender a situação, analisar os prós e contras, verificar se se trata de algo que lhes diga respeito diretamente assim por diante. É o que se chama senso crítico. Todavia, em determinadas situações de envolvimento emocional, tensão nervosa, temor, cansaço físico e mental, os indivíduos tendem a ter o seu senso crítico diminuído. Nesses momentos, ouvem as afirmações ou assistem aos fatos sem avaliá-los, aceitando passivamente o que lhes apresenta. A propaganda utiliza inúmeras formas de pressão para neutralizar o senso crítico dos receptores e lograr convencê-los. O recurso mais empregado é a organização de grandes concentrações de massas. Nessas ocasiões, as marchas, as músicas e cânticos ampliados por alto-falantes, as luzes, o lançamento de folhetos e papéis, o ritmo dos tambores, as bandeiras, estandartes, os discursos inflamados, tudo reflete sobre os presentes. Envolvem as pessoas com tal intensidade que, quase hipnotizadas, tornam-se mais sugestionáveis às mensagens que recebem. Foi com o emprego constante desses recursos que Adolf Hitler conseguia manter as multidões em contínuo estado de exaltação e conduzi-las ao delírio.

Algumas práticas religiosas também são empregadas como instrumentos de pressão psicológica para obter a adesão fanática dos receptores. Produzem esgotamento físico, fazendo as pessoas ficarem muito tempo em pé, ajoelhadas ou participando de longas e cansativas danças. Geram ansiedade através da espera do sacerdote que se atrasa, da escuridão ou luz muito intensa, palmas, músicas e cantos ritmados, da repetição dos sons de tambores. Embriagam com incenso, álcool, fumo e drogas inebriantes. Despertam temor com ameaças de infernos, monstros e demônios. Em meio a tudo isso fazem-se as pregações, conseguindo não só convencer os receptores. como levá-los a verdadeiros estados de possessão e transe. São os recursos adotados por diversos cultos místicos praticados no Brasil e na África e, embora de forma menos profunda e pouco intensa, por quase todas as seitas religiosas existentes na face da terra.

Dentre as formas de pressão psicológica conhecidas, a mais intensa e, talvez, a mais eficaz é a denominada “lavagem cerebral”. É realizada com indivíduos ou grupos que são conduzidos a locais afastados, de onde não podem sair durante algumas semanas ou meses, ocasião em que são freqüentemente bombardeados com novas idéias. Baseia-se essa técnica no fato de que os conhecimentos, idéias e reflexos dos indivíduos servem para que possam adaptar-se e manter-se em equilíbrio como o seu meio. Conseqüentemente, ao se criar um novo ambiente onde os hábitos e reações costumeiras são insuficientes para obtenção do equilíbrio, torna-se mais fácil incutir novas orientações. Se, além disso, forem feitas pressões que diminuem o senso crítico, a possibilidade de persuasão é ainda maior.

Há ainda, uma técnica de controle ideológico que procura impedir que as pessoas adquiram consciência de suas condições de vida, distraindo sua atenção. Através dos meios de comunicação, bombardeia-se a sociedade com notícias sobre fatos suficientemente atrativos para que os indivíduos tenham sua atenção desviada dos problemas econômicos e sociais. Baseia-se no fato de que as pessoas têm um limite de percepção e atenção e que, saturadas por um certo número de informações que apelam para as emoções e sentimentos, não lhes sobra espaço nem tempo para receber outras idéias. Grandes torneios desportivos, crimes cometidos com crueldade, têm sido constantemente alardeados para envolver os receptores em sua discussão e distraí-los das questões mais graves.

Contrapropaganda

Quando não conseguem obter o monopólio das informações através do controle ideológico, os grupos procuram neutralizar as idéias contrárias através da contrapropaganda.

Ela se caracteriza pelo emprego de algumas técnicas que visam amenizar o impacto das mensagens opostas, anulando seu efeito persuasivo. Procura colocar as idéias dos adversários em contradição com a realidade dos fatos, com outra idéias defendidas por eles próprios ou em desacordo com certos princípios e valores aceitos e arraigados entre os receptores. Outra vezes, atua de forma indireta, tentando desmoralizar as idéias, não pela crítica à personalidade ou ao comportamento daqueles que as sustentam. Critica-se o sacerdote para desmerecer o conteúdo de suas pregações, ataca-se alguns dirigentes políticos para combater a filosofia adotada pelo governo e assim por diante.

A contrapropaganda, na prática, se concretiza através da emissão de mensagens que, associadas aos argumentos ou à personalidades dos adversários, despertam reações negativas.

A apresentação de fatos que estejam em contradição com as mensagens adversárias, sugerindo sua falsidade, irrealidade ou absurdo, é realizada com o intuito de despertar dúvida em relação a elas. A contrapropaganda dos defensores do sistema capitalista procura neutralizar as idéias socialistas difundindo, dramaticamente e com estardalhaço, notícias sobre fugas de pessoas que viviam em países comunistas. O objetivo desse procedimento é o de sugerir que não deve ser bom aquele regime, se a pessoas que nele vivem querem fugir de lá.

Os fatos que se contrapõem às idéias da propaganda adversária costumam ser totalmente forjados. Não tendo condições de verificar, através de fonte segura, a veracidade ou não das informações, os receptores tendem a aceitá-las ou, ao menos, permanecem indecisos. Durante a Segunda Guerra Mundial os aliados criaram uma estação de rádio que se fazia passar por alemã e irradiava notícias para a Alemanha. Um dos informes, apresentado como comunicado oficial do governo nazista e transmitido quando Hitler insistia em que estava vencendo a guerra, gerava certa perplexidade. A notícia dizia que alguns soldados alemães estavam desertando do front e deveriam ser denunciados por qualquer pessoa que conhecesse seu paradeiro. Suscitava-se, assim, dúvidas em relação à vitória de um exército cujos soldados estavam fugindo.
A contrapropaganda também atua sobre o temor, mostrando que as idéias adversárias, se concretizadas, podem causar graves prejuízos e malefícios às pessoas. As campanhas anticomunistas constituem os exemplos mais significativos.

Nos países do “bloco ocidental”, inclusive o Brasil, ainda se repete a técnicas que vem sendo posta em prática há anos de divulgar notícias de atrocidades cometidas na União Soviética, China, Cuba, Nicarágua, e países africanos. Fala-se em crianças e mulheres fuziladas, homens cruelmente torturados, degolados e queimados. Ao mesmo tempo insiste-se que tais fato serão sempre inevitáveis para qualquer país que opte pelo sistema socialista. Com isso, conseguem incutir um tal medo na população que as convencem a apoiar o governo em sua ação repressiva contra os adeptos de idéias igualitárias, sejam socialistas ou apenas superficialmente semelhantes.

A contrapropaganda também é realizada no sentido de despertar desprezo pelos adversários e suas idéias, associando-os a situações contrárias aos princípios e valores respeitados pelos receptores. Os comentários que se fazem a respeito de alguns dirigentes governamentais, acusando-os de desonestos, corruptos, homossexuais e, até mesmo, de traídos pelas esposas, visam desmoralizá-los e gerar desprezo pelas propostas e idéias que defendem.

Com o objetivo de desmoralizar as manifestações estudantis, afirmou-se que se tratava de “filhinhos de papai”que, ao invés de estudar e cumprir suas obrigações, permaneciam fazendo “badernas” e “arruaças”, prejudicando o trânsito, gerando insegurança para o povo e criando dificuldades para todos. Conseguiam, dessa forma, despertar a hostilidade e desprezo de grande parte da população contra os movimentos e, assim, abafar a questão dos problemas sociais que estavam sendo levantados pelos universitários.

As questões de natureza econômica ou política são extremamente significativas para maioria das pessoas, já que se relacionam intimamente com suas condições de vida. Por essa razão, a propaganda procura apresentar as idéias dentro de um clima de grande seriedade, às vezes até solene, que torne possível despertar a atenção para a importância dos assuntos abordados. Daí grande parte da contrapropaganda atuar através do humor, da sátira ou da piada, ridicularizando as idéias e pessoas que as defendem. Procuram, assim, gerar desinteresse pelo conteúdo das mensagens e desvalorizar sua importância.

Os veículos de comunicação, constantemente, difundem charges, apelidos e sátiras que desmoralizam e desfiguram dirigentes e líderes políticos, tornando-os engraçados ou mesmo ridículos. Quebram, assim, a imagem de respeito que estes pretendam impor e afetam o conteúdo de suas afirmações.

Os slogans também são ridicularizados, para perder seu efeito persuasivo e de impacto. No Brasil, os temas das campanhas governamentais têm sido automaticamente ironizados com sugestiva criatividade. Para a frase “Brasil, ame-o ou deixe-o” criou-se a resposta “O último, apague a luz do aeroporto”. Quando se disse “O Brasil deu um passo à frente”, contestou-se rapidamente “E estava à beira do abismo”. Contra o tema “O Brasil é feito por nós” respondia-se “O difícil é desatá-los”.

A contrapropaganda, portanto, é o instrumento utilizado por um grupo através das formas e recursos mencionados, visando neutraliza a força das teses e argumentos da propaganda adversária. Dessa forma, amenizando o efeito persuasivo das idéias contrárias às suas, o grupo pode desenvolver sua própria campanha de propaganda, sem a necessidade de recorrer a outros artifícios e precauções que esclareçam a razão das diferenças entre suas propostas e as alheias.

Difusão

Elaborada a ideologia, realizada sua codificação e estruturado o sistema de controle ideológico, procede-se à difusão sistemática das mensagens.

Dentre as formas de difusão utilizadas pela propaganda ideológica, a oral, através da palavra falada, ainda é das mais importantes. Empregada desde a antiguidade, foi a forma preferida por inúmeros líderes. Hitler considerava que todos os acontecimentos importantes e todas as revoluções foram produzidas pela palavra falada. Lenin dizia que o agitador, antes de mais nada, deveria agir de viva voz. Os discursos políticos, pregações religiosas, declarações de líderes e homens de governo têm sido, em grande parte, os maiores responsáveis pela propagação das ideologias em todos os recantos do mundo. Uma de suas grandes vantagens é permitir ao orador observar diretamente a reação dos seus ouvintes e, a partir dela, reforçar certos argumentos, insistir em determinados aspectos, dar maior ou menor ênfase às palavras, repetir afirmações, aumentar ou diminuir pausas, sublinhar as idéias com gestos e expressões fisionômicas. Além disso, o discurso e a pregação constituem as únicas formas que permitem reunir um grande número de pessoas, até mesmo em grande praças públicas, de tal forma que cada indivíduo sinta sua personalidade diluir-se na multidão, percebendo-se como parte de um todo e tendendo a acompanhar as manifestações da maioria. Tem-se aí a possibilidade de produzir uma impressão de unanimidade tão persuasiva quanto os argumentos do orador. Esse clima pode ainda ser reforçado pela preparação das claques, grupos de pessoas previamente encarregadas de aplaudir e ovacionar o orador. Outra vantagem da palavra falada, quando proferida diretamente pelos líderes, é a sua maior credibilidade. O orador pode impor uma imagem de sinceridade, impossível de ser transmitida por outro meio; suas afirmações têm mais calor e se tornam mais humanas.

Se a expressão oral encontrava limites restritos de tempo e espaço no passado, hoje, com a evolução tecnológica dos meio de comunicação de massa, adquiriu uma amplitude quase infinita. Os satélites têm possibilitado que muitas declarações do papa ou do presidente dos EUA, dentre outros, sejam divulgadas imediatamente à maioria dos países do globo terrestre.

A imprensa, o mais antigo dos meios materiais de comunicação, exerce um papel importante em propaganda. Jornais e revistas, por informarem constantemente sobre os fatos regionais e internacionais, contribuem em alto grau para fornecer aos leitores uma determinada visão da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem os elementos fundamentais para a formação de um conceito da sociedade e do papel que cada um deve exercer nela. Por trabalhar com fenômenos apresentados de maneira aparentemente objetiva, como se fosse a mera e simples apresentação dos fatos puros, tais como realmente ocorreram, adquire uma aparência de neutralidade que assegura a confiança da maioria dos leitores. Mas essa neutralidade não é real. As notícias internacionais são distribuídas por agências especializadas, principalmente as norte-americanas Associated Press e United Press International, onde se selecionam as informações segundo os critérios estabelecidos pelos interesses econômicos e políticos dos grupos que as controlam. Essas informações são enviadas às redações, onde, juntamente com as notícias locais, são novamente selecionadas, agora com observância de outros critérios, determinados pelo interesse dos proprietários dos jornais ou dos que neles anunciam. Dessa forma, a imprensa acaba por constituir um elemento de manipulação de grupos internacionais e nacionais que só permitem a transmissão daquelas mensagens que possam reforçar sua ideologia.

Além da seleção de informações, há outros meios de manipulação dos fatos. Um deles é a fragmentação da realidade, implícita na própria forma como são apresentadas as notícias. Para se adquirir consciência da realidade social, é necessário que se percebam as relações entre os diversos fenômenos, obtendo-se a visão de conjunto necessária para ver a sociedade como um todo integrado, em que os fatos econômicos, políticos e culturais sejam vistos tal como se determinam reciprocamente. A grande imprensa, ao contrário, aponta os fatos isolados uns dos outros, mantendo ocultas aquelas relações. O leitor, em relativamente pouco tempo, acaba lendo notícias as mais variadas sobre esportes, crimes, cotações de bolsa, inflação, desastres, guerras externas, declarações de brasileiros e estrangeiros. Recebe uma visão caótica da realidade, sem perceber os efeitos que os fatos têm uns sobre os outros.

Outra forma de manipulação é realizada pelo maior ou menor destaque que se dá à notícia. A página em que é colocada, a dimensão do texto, o título, o maior ou menor número de pormenores contidos na descrição permitem dar aos fatos um outro significado. As greves organizadas pelos sindicatos operários, por exemplo, que têm uma enorme repercussão econômica e política, geralmente são tratadas pela grande imprensa como um simples fato acidental sem maior significação. O Estado de S. Paulo, por exemplo, menciona-as em pequenos espaços nas páginas de economia, ao lado de outras informações, como posição de preços no mercado, cotações de bolsa, dando a impressão de um simples fenômeno corriqueiro sem maiores conseqüências.

Há também a interpretação das informações, geralmente realizada dentro de uma linha preestabelecida pela direção do jornal, que é determinada pelos interesses ali defendidos. As notícias a respeito dos países socialistas são selecionadas a interpretadas de forma altamente negativa. Pouco se mencionam as providências bem-sucedidas, tomadas na China e em Cuba, para melhoria dos níveis de educação e saúde. Mas um grande destaque é dado às prisões políticas e torturas, mostrando-se apenas o lado negativo daqueles sistemas. Já em relação aos Estados Unidos, insiste-se no desenvolvimento econômico, na “perfeição” do sistema “democrático”. Mas pouco se menciona a exploração dos povos subdesenvolvidos por aquele país, ou a intervenção norte-americana em países onde se fazem revoluções e se depõem homens de governo que não aceitam certas imposições. Silencia-se sobre a corrupção política existente. Pouco se fala sobre a vida cada vez mais angustiada da juventude americana, que vai buscar nas drogas o único consolo para suas crises existenciais.

Além dos aspectos mencionados, que fazem parte da rotina dos periódicos, estes também são empregados para difundir a declaração dos homens públicos. O próprio governo usa espaço dos jornais para relacionar suas realizações. Grupos particulares também aproveitam a imprensa, pagando o espaço, para apresentar suas idéias.

Até agora falamos da imprensa vinculada aos interesses dos grupos econômicos mais fortes. Mas ela também é adotada, algumas vezes, por grupos minoritários não ligados aos detentores do poder. A História do Brasil registra o aparecimento de inúmeros jornais e pequenas revistas da imprensa operária e estudantil que procuram evidenciar as contradições do sistema vigente e transmitir propostas alternativas. Geralmente são periódicos de vida curta, logo obrigados a fechar em virtude de dificuldades financeiras resultantes de pressões dos grupos econômicos mais fortes ou mesmo por imposição policial, que não permite que se excedam limites preestabelecidos por setores da classe dominante.

A propaganda emprega ainda o cinema, tanto com filmes documentários quanto de ficção. Os documentários têm a grande vantagem, para os que o utilizam, de que é montado com imagens verdadeiras, extraídas diretamente da realidade, fato que lhes dá extrema credibilidade. Todavia, a possibilidade de selecionar, dentre as imagens possíveis, aquelas que confirmem e reforcem uma determinada idéia, permite uma grande oportunidade de manipulação. No Brasil, os documentários cinematográficos são obrigatoriamente exibidos nas telas dos cinemas por imposição legal. São sistematicamente utilizados para engrandecer o regime político vigente e enaltecer a capacidade dos dirigentes e empresários. O conteúdo mais constante desses filmes documentários é a apresentação de grandes realizações governamentais ou de setores privados da agricultura, indústria e comércio.

Quase sempre trazem cenas que sugerem apoio e unanimidade pela presença sorridente e confiante das autoridades civis, militares e eclesiásticas ou de multidões populares que aplaudem. Os documentários podem ser falsificados, montados com sons e cenas verdadeiros, mas sem nenhuma relação uns com os outros, fato que raramente é perceptível para a maioria dos espectadores. Pode-se acrescentar sons de gritos, tiros, aplausos a cenas eu que na verdade não ocorreram. Multidões podem ser associadas a reuniões onde não há mais de uma dezena de pessoas. Essa possibilidade de associar e fundir trechos diversos de filmes e sons permite ao produtor transmitir a idéia que lhe aprouver.

Os filmes de ficção, sendo produzidos não com cenas reais e objetivas, mas interpretadas e montadas, não têm o mesmo ar de autenticidade e o poder persuasivo dos documentários. Mas, através da trama de situações que se pode criar, da variedade imensa de ritmo de som e imagens possíveis de se obter, permitem criar um clima de envolvimento emocional que facilita a inculcação de idéias e valores. Além disso, projetados em salas escuras, podem contar com maior receptividade, já que não existem outros fatos que possam distrair a audiência.

O roteiro padrão dos filmes de aventura americanos permite avaliar bem seu valor como instrumento de transmissão de idéias. Geralmente são compostos de três idéias essenciais. Uma primeira mostra uma situação de paz e harmonia. Em seguida há o aparecimento de uma ameaça para, finalmente, se sucederem as tentativas de defesa que culminam com um final heróico. O espectador, envolvido pelo clima harmonioso inicial, é levado a indignar-se contra o sujeito da ameaça, que pode ser um indígena, um criminoso ou um espião russo. Afinal, acaba identificando-se com o herói ou heróis que vêm proporcionar a solução feliz. Todo filme acaba reduzido a uma proposta maniqueísta em que se apresentam apenas duas alternativas: a certa ou a errada, a boa ou a má. Todo esse contexto é permeado de cenas de amor e ódio, atos de maldade ou bondade, violência e carinho intensos, alguns toques eróticos. O ritmo das cenas se alterna da lentidão à rapidez extrema, as músicas acompanham o crescendo e variam da doce suavidade de um coro celestial à veemência das marchas de guerra, tudo para conduzir o receptor a um clímax.

Foi através desses recursos que o cinema norte-americano conseguiu impor ao mundo ocidental certas imagens estereotipadas como a do indígena selvagem e assassino, dos alemães e japoneses frios e calculistas da Segunda Guerra Mundial, ou do agente russo desumano, traiçoeiro e criminoso. E tudo isso em contraste com a figura do norte-americano bom, leal, corajoso e honesto.

O cinema também pode ser utilizado para conscientizar o espectador acerca das contradições sociais, embora nem sempre esses filmes consigam vencer os obstáculos da censura e das pressões econômicas. No Brasil, tivemos o período do chamado “Cinema Novo”, entre o final dos anos 50 e começo dos 60, onde se produziram alguns filmes que mostravam a miséria dos sertões e o drama das favelas brasileiras. Mais recentemente, fizeram-se alguns filmes sobre a corrupção policial e a violência urbana.

O rádio também é um instrumento da propaganda, com a grande vantagem de poder transmitir as mensagens com rapidez e amplitude, permitindo mesmo que certos fatos sejam divulgados imediatamente após ocorrerem.

Permite dirigir-se às camadas mais humildes da população, inclusive analfabetos, que muitas vezes não têm acesso a outros meios de informação. Permite também o estabelecimento de um clima de intimidade, onde o locutor sussurra opiniões para o ouvinte, criando uma situação de amizade e de descontração informal bastante sugestiva. Por ser tratar de concessão governamental que pode ser cassada a qualquer momento, induz seus proprietários e funcionários a evitar a difusão de mensagens em desacordo com a ideologia proclamada oficialmente. Além disso, pelo fato de, como a imprensa, depender de anúncios comerciais para se manter, o rádio se torna um instrumento passível de ser controlado pelos interesses das classes dominantes que pagam esses anúncios. É largamente empregado para a divulgação dos discursos, declarações e mensagens dos dirigentes e órgãos governamentais. A irradiação oficial chamada “Hora do Brasil” foi criada por Getúlio Vargas com esse objetivo e, embora reformulada, permanece até hoje com o nome de “A voz do Brasil”.

A televisão serve antes de mais nada para e difusão de notícias, o telejornalismo. Como a imprensa escrita, passa por processos de seleção e interpretação, depende de anúncios pagos e de concessão governamental, o que a transforma em instrumento de difusão das ideologias dos grupos econômicos ou do governo. A forma como são produzidos os programas deu à televisão o caráter de instrumento para tornar a população mais passiva. Novelas, programas de auditório, shows de variedades, apresentação de cantores, jogos, disputas, esportes e sorteios absorvem grande parte da capacidade crítica do espectador, conduzindo-o a uma espécie de fuga da realidade. Desviando sua atenção das questões sociais, induz à alienação. Tome-se o exemplo do programa Sílvio Santos, há anos sendo veiculado aos domingos, desde a manhã até a noite. Toda a produção é caracterizada por um clima constante de suspense e de agitação crescentes, com enorme variedade de apresentações. Os sorteios, anunciados desde o início do programa, são realizados ao final quando, em alguns segundos, alguém pode tornar-se um milionário. Envolve-se a audiência de tal forma e com tal ritmo que lhe é impossível raciocinar sobre o que vê e ouve. E não faltam os elogios e enaltecimentos a políticos e governantes.

O teatro teve papel importante na divulgação dos ideais da Revolução Francesa e na preparação da Revolução Russa. Os revolucionários bolchevistas, por exemplo, o empregavam para a apresentação de peças rápidas onde se criticavam a nobreza, a decadência do capitalismo e se enalteciam os operários, camponeses e o regime socialista. No Brasil o teatro tem-se desenvolvido bastante e é muito empregado como instrumento de crítica e contestação dos valores e costumes vigentes. Contudo, devido ao alto preço dos ingressos, a maioria das peças atinge apenas a uma pequena elite econômica e cultural. Dessa forma, pelo pequeno público a quem se dirige, perde grande parte do seu valor como meio de transmissão de idéias e de conscientização.
Os cartazes, ilustrados ou não, em cores ou em branco e preto, são bastante utilizados para afixação em muros e paredes visando transmitir algumas idéias fundamentais através de um impacto rápido. Além deles, inúmeros outros impressos se prestam a auxiliar na difusão de mensagens. Os “manifestos” explicam e defendem uma determinada posição perante certos fatos econômicos e políticos. Os “panfletos” divulgam fatos, notícias ou críticas a determinadas idéias e propostas. Os “volantes” servem para difundir nomes, frases, slogans, palavras de ordem e símbolos ou para anunciar e convocar reuniões e movimentos.

Distribuídos diretamente para os receptores ou lançados do alto de edifícios ou de aviões, são mais freqüentemente adotados por aqueles que, por se oporem aos detentores do poder e contestarem a ideologia dominante, não conseguem ter acesso à imprensa, rádio ou televisão. O livro, por suas próprias características, se destina a levar idéias apenas a um pequeno número de pessoas: aquelas que têm grau de instrução mais elevado.

As idéias nazistas na Alemanha tiveram no livro “Minha Luta”, de Adolf Hitler, um dos seus mais importantes instrumentos de divulgação. No Brasil, foi durante a ditadura de Getúlio Vargas que mais se produziram livros com o objetivo específico de apoiar a propaganda. Centenas de obras elogiosas ao regime e enaltecedoras da personalidade de Vargas foram escritas, em linguagem simples a acessível, para que fossem lidas pelo maior número possível de pessoas.

Além dos meios de comunicação propriamente ditos, a propaganda também se apóia em inúmeros outros suportes. Qualquer objeto ou espaço que possa ser visto por um razoável número de pessoas é aproveitado. As paredes são pichadas com frases, slogans e símbolos. As placas de inauguração e sinalização difundem realizações, prestigiam líderes políticos e homens públicos. As cédulas e moedas, os selos postais, contêm mensagens e efígies de homens públicos. Faixas e estandartes ostentam mensagens e símbolos. Estátuas e bustos concretizam o prestígio daqueles que devem ser considerados heróis. Alto-falantes auxiliam a ampliar o alcance dos discursos e declarações. Aviões escrevem mensagens de fumaça nos céus.

Há, ainda, uma outra forma de difusão de idéias que se caracteriza pelo anonimato: o rumor. A informação, geralmente falsa, circula de pessoa, podendo atingir grande parte de uma população. Como é muito difícil descobrir a fonte inicial da informação, o rumor constitui um instrumento muito útil para aqueles que, por qualquer razão, pretendem transmiti-la sem serem identificados.

Efeitos da Propaganda Ideológica

A propaganda ideológica permite disseminar, de forma persuasiva, para toda a sociedade, as idéias de determinado grupo. Depois de emitida através dos diversos meios e suportes de comunicação, elas passam a ser retransmitidas, direta ou indiretamente, no seio das diversas instituições sociais, ampliando e reforçando o processo de difusão. A ideologia, dessa forma, se espalha e impregna todas as camadas da sociedade. Na família, na escola ou no trabalho, em todas as partes e por todos os meios, todos passam a ser orientados para os mesmos fins e enquadrados dentro dos mesmos princípios.

Nas famílias, os pais, que sofrem o efeito persuasivo da propaganda, acabam transferindo para seus filhos as concepções e normas de conduta que lhes foram inculcadas. Acreditam, na maioria das vezes, que a experiência adquirida lhes dá condições de orientar seus filhos, de forma neutra e objetiva, para que julgam ser o “melhor caminho”. Impõem regras de respeito e obediência, indicam os cursos que devem realizar e as profissões que podem exercer. Dessa maneira, moldam seus filhos para que ingressem no contexto social da forma mais adequada à realização dos interesses da classe ideologicamente dominante. Em cada classe social as famílias produzem os novos membros que deverão entrar, disciplinadamente, no sistema econômico, político e cultural, reproduzindo o papel de seus antecessores. Criam os operários esforçados e submissos, os gerentes hábeis e obedientes, e, até mesmo, os novos privilegiados que deverão saber como manter e reforçar o poder e a dominação adquiridos por herança.

A escola, em princípio, tem o objetivo de orientar o desenvolvimento dos alunos, ao mesmo tempo que fornece as informações e fórmulas práticas que lhes permitirão integrar-se ao meio. Nesse processo, acabam por receber o conteúdo da ideologia aceita por seus professores ou imposta pelos administradores escolares. Aprendem as normas de disciplina que devem cumprir e os conhecimentos que os levarão a integrar-se na sociedade, observando os estritos limites definidos pela ideologia dominante. São condicionados a respeitar hierarquias e obedecer os superiores, aprendem qual é “o seu lugar” e o papel que devem exercer. Há, inclusive, as matérias e disciplinas criadas e programadas com o fito exclusivo de transmitir determinadas ideologias de forma direta. É o caso de cursos como os de “Educação Moral e Cívica” etc.

Nas igrejas e templos, também, os sacerdotes e pastores, além do seu escopo confessado, que é o de transmitir paz e conforto espiritual, ultrapassam os limites das idéias próprias à religião que professam. Defendendo os interesses e valores ideológicos vigentes na sociedade em que atuam, transformam-se em instrumento de sua divulgação. Durante séculos, a Igreja procurou induzir seus fiéis a permanecerem passivos perante os abusos e arbitrariedades em troca da felicidade a ser obtida no “reino dos céus”. Algumas vezes, inclusive, esse papel é previamente orientado pela pressão dos detentores do poder. Merecem ser lembrados os exemplos de Napoleão Bonaparte e Getúlio Vargas que, embora em épocas e países diferentes, utilizaram a mesma tática de impor aos sacerdotes a obrigação de, em suas pregações, afirmar que o “bom cristão” deveria observar as leis e obedecer às ordens e decisões do governo.

Esse processo de retransmissão da ideologia, difundida inicialmente pela propaganda, ocorre, da mesma forma, em todos os tipos de instituições, sejam elas religiosas, políticas ou mesmo culturais e recreativas. Nos partidos, sindicatos, empresas, clubes e associações, a todo momento se está defendendo e disseminando as idéias incutidas pela propaganda.

As conseqüências da difusão de uma ideologia e seu esforço em nível institucional são diversos em função da direção e do plano em que se realiza. Em primeiro lugar, há aquela realizada entre indivíduos e grupos de uma mesma classe social, onde emissores e receptores ocupam uma mesma posição no conjunto das relações econômicas. Nesse caso, as idéias de uns, refletindo suas condições, refletem, ao mesmo tempo, a realidade dos demais. A difusão dessas idéias permitirá que um maior número adquira consciência do espaço que ocupa na sociedade e das possibilidades de ampliação de seus limites. A propaganda adquire aí um papel de instrumento de conscientização, permitindo a cada um dos envolvidos compreender melhor o contexto que o cerce e orientar sua ação em sentido adequado ao sue próprio desenvolvimento. Além disso, a propaganda se transforma em instrumento de união da classe social em torno de metas comuns, permitindo que ela se torne mais organizada e que sua ações sejam mais coerentes. Impede-se que os indivíduos e grupos caminhem em sentido diversos, o que acabaria por obrigá-los a retornar ao ponto de partida e recomeçar o trabalho.

Assegurando, dessa maneira, a atuação coesa numa mesma direção, a propaganda propicia o fortalecimento da classe em questão, que passa a ter maiores possibilidades de se defender de eventuais ameaças e mesmo de ampliar os limites que restringem sua atuação. É através da propaganda, por exemplo, que os empresários conseguem difundir, entre si, uma mesma concepção da realidade econômica em que vivem, através da qual orientam sua ações e integram seis esforços para assegurar a realização dos interesses comuns. Entre operários, somente quando alguns deles conseguem compreender o sistema em que estão inseridos e propagam essa percepção aos demais é que surge maior união. Conscientes do fato de que ocupam posição idêntica no contexto social é que podem organizar-se e mobilizar-se na luta pela melhoria de sua situação. Só com essa consciência e organização é que adquirem força e condições para avançar e progredir econômica, política e culturalmente.

A situação assume outras características quando a propaganda se faz de uma classe social para outra. Pode ocorrer que o emissor apresente suas idéias sem pressão ou imposição. Simplesmente expõe suas convicções e argumentos a té mesmo confessa que se referem a seus próprios interesses, deixando aos demais a liberdade de aderir ou não. Estes, analisando as propostas, têm condições de avaliar até que ponto partilham os mesmos interesses, podendo apoiar ou sugerir outras alternativas. Essa seria a forma normal de transmissão de ideologias dentro de uma sociedade ideal, pluralista e democrática. Todavia, à medida que um dos lados tem possibilidade de exercer o controle absoluto das vias de acesso à realidade, acaba por impor seus objetivos aos demais. As pessoas, a maior parte delas, passam a viver, como sua, uma realidade que lhes é estranha e a lutar pela realização de interesses que se opões aos seus. Inconscientemente, trabalham e se esforçam em benefício de um capital que as explora e propiciam um desenvolvimento que se realiza às expensas de sua miséria. Convencidos de assumir uma personalidade que lhes é imposta e acreditando que essa é a maneira de participar e desenvolver-se, sofrem e se frustam quando não obtêm qualquer recompensa que tenha alguma significação. São membros das classes médias, envolvidos pela ânsia de possuir e consumir bens que não lhes dão a satisfação e bem-estar prometidos. Estudantes, que após anos de esforço, quando logram obter uma colocação, utilizam seus conhecimentos e habilidades na realização dos objetivos de uma minoria que nem sempre conseguem identificar. Agricultores e colonos que ajudam a produzir milhares de toneladas de alimentos, mas não conseguem escapar da ignorância e da miséria. Operários que jamais conseguem adquirir um único, dentre os milhares de objetos que produzem diariamente. Envolvidos, assim, em um modo de vida vazio de sentido, procuram refugir-se em distrações momentâneas e fugazes que conduzem a uma alienação ainda maior. E a propaganda impinge futebol e carnavais que passam a ser algumas das poucas compensações para um longo e estafante período de trabalho.

O controle ideológico, estabelecendo os limites do que pode ou não ser divulgado e reprimindo toda manifestação contrária aos valores vigentes, acaba por gerar um conservantismo obscurantista que atinge a sociedade em todos os seus aspectos. Todos passam a viver em função de um mesmo conjunto de idéias que ficam congeladas e emperram o progresso cultural. Impede-se a evolução da ciência, o desenvolvimento de novas técnicas e o aprimoramento das formas de expressão artística. Intelectuais e artistas são reprimidos e amordaçados. E essas é uma das principais razões pelas quais, em diversas áreas do conhecimento, nós nos encontramos com anos de atraso em relação a outras culturas.

Mas essa situação, se pode ser mantida e reproduzida por longo tempo, não é eterna. No afã de aumentar sua riqueza e acumular mais capital, a classe economicamente dominante precisa ampliar e desenvolver seus negócios. Para tanto, depende de mais apoio e colaboração das subalternas. Em troca, se vê obrigada a ceder e fazer concessões. Os setores dominados, pela própria exigência do desenvolvimento econômico e político, também se desenvolvem e se tornam menos sugestionáveis e vacinados contra certas formas de mistificação. Gradativamente, a manipulação ideológica precisa sofisticar-se, sob pena de perder a eficácia. Cada vez se acredita menos em propostas triunfalistas e promessas demogógicas. Começa-se a exigir maior participação real e efetiva. Embora com um ou outro retrocesso, os esquemas de controle e persuasão vêm perdendo sua força e eficiência e tendem a desmoronar mais cedo ou mais tarde. O futuro deverá trazer formas mais democráticas na transmissão das ideologias.

Por Nélson Jahr Garcia

Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/propaganda-ideologia-e-manipulacao/

Draconian Times, Paradise Lost

Batizada em homenagem ao poema de John Milton, a banda liderada por Nick Holmes fez deste disco um dos mais importantes manifestos satanista dos anos 90. Sem ter um mínimo de espaço na grande mídia, se comparado ao de pop-satanistas como Marilyn Manson e outros de menor envergadura, a poesia do Paradise Lost é de uma sabedoria obscura inegável e de uma sonoridade capaz de despertar qualquer pessoa com a mínima inclinação sinistra.

Tempos draconianos são verdadeiramente os tempos em que vivemos. A temática dos álbuns sempre esteve ligada ao urro do dragão sobre as negações de uma religiosidade forçada e hipócrita que por séculos e séculos vem nos sendo enfiada goela abaixo desde o berço. Ainda que esse disco não tenha mais de uma década a música do Paradise Lost já é usada durante as cerimônias de algumas capelas satânicas e deveria ser usada como sermão de igrejas para o avanço da Era Satânica e alegria de toda a nação satanista.

Shades Of God, Paradise Lost

 

The fire is gone,
A time to search and then replace
I’ll never know
Just how the blind can lead the way

They search for faith,
It shows the way…it leads the way
The distant smile, banished denial,
No more denial

Are you the one
Who tries to send me to the grave
I cannot know
Who deals resent who deals the pain

Weak search for faith
A path to take, you tread in vain

Tradução de Shades of God
(Sombras de Deus)

O fogo se apagou
Um momento para procurar e substituir
Eu jamais saberei
De que forma um cego pode guiar o caminho

Eles procuram fé
Ela mostra o caminho, ela guia o caminho
O sorriso distante, negação banida
Chega de negação

Você é aquele
Que tenta me mandar à sepultura?
Eu não consigo descobrir
Quem distribui ressentimento, quem distribui a dor?

Uma fraca busca pela fé
Um rumo a tomar, você caminha em vão

Nº 61 – Os 100 álbuns satânicos mais importantes da história

Postagem original feita no https://mortesubita.net/musica-e-ocultismo/draconian-times-paradise-lost/

A História e as Polêmicas da Ordem dos Nove Ângulos

A Ordem dos Nove Ângulos (Order of Nine Angles, ONA ou O9A) é um grupo ocultista satânico e do Caminho da Mão Esquerda sediado no Reino Unido, mas com grupos associados em outras partes do mundo. Afirmando ter sido estabelecida na década de 1960, ganhou reconhecimento público no início de 1980, atraindo a atenção por suas ideologias neonazistas e ativismo. Descrevendo sua abordagem como “Satanismo Tradicional”, também foi identificada como exibindo elementos pagãos herméticos e modernos em suas crenças por pesquisadores acadêmicos.

De acordo com as próprias reivindicações da Ordem, ela foi estabelecida nas Marchas Galesas da Inglaterra Ocidental durante o final da década de 1960 por uma mulher que já havia se envolvido em uma seita pré-cristã secreta que sobreviveu na região. Esse relato também afirma que em 1973 um homem chamado “Anton Long” foi iniciado no grupo, tornando-se posteriormente seu grão-mestre. Vários comentaristas acadêmicos que estudaram a ONA expressam a opinião de que o nome “Anton Long” é provavelmente o pseudônimo do ativista neonazista britânico David Myatt, embora Myatt tenha negado que esse seja o caso. A partir do final da década de 1970, Long escreveu livros e artigos que propagavam as ideias da Ordem e, em 1988, começou a publicar seu próprio jornal, Fenrir. Por meio desses empreendimentos, estabeleceu vínculos com outros grupos satanistas neonazistas em todo o mundo, promovendo sua causa ao abraçar a Internet nos anos 2000.

A ONA promove a ideia de que a história humana pode ser dividida em uma série de eras, cada uma contendo uma civilização humana correspondente. Expressa a visão de que a atual civilização aeônica é a do mundo ocidental, mas afirma que a evolução desta sociedade está ameaçada pela influência “mago/nazareno” da religião judaico-cristã, que a Ordem procura combater para estabelecer uma nova ordem social militarista, que chama de “Imperium”. De acordo com os ensinamentos da Ordem, isso é necessário para que uma civilização galáctica se forme, na qual a sociedade “ariana” colonizará a Via Láctea. Ele defende um caminho espiritual em que os praticantes são obrigados a quebrar tabus sociais, isolando-se da sociedade, cometendo crimes, abraçando o extremismo político e a violência e realizando atos de sacrifício humano. Os membros da ONA praticam magia, acreditando que são capazes de fazê-lo canalizando energias para seu próprio reino “causal” de um reino “acausal” onde as leis da física não se aplicam, e essas ações mágicas são projetadas para ajudá-los a alcançar seu objetivo final. objetivo de estabelecer o imperium.

A ONA evita qualquer autoridade ou estrutura central; em vez disso, opera como uma ampla rede de associados – denominados “kollective” – ​​que são inspirados nos textos originalmente de autoria de Long e outros membros da “ONA interna”. O grupo é composto em grande parte por células clandestinas, que são chamadas de “nexions”. Algumas estimativas acadêmicas sugerem que o número de indivíduos amplamente associados à Ordem cai na casa dos milhares. Vários estupros, assassinatos e atos de terrorismo foram perpetrados por indivíduos de extrema direita influenciados pela ONA, com vários políticos e ativistas britânicos pedindo que a ONA fosse proscrita como um grupo terrorista.

A HISTÓRIA DA ORDEM DOS NOVE ÂNGULOS:

Origens:

A primeira célula da ONA, “Nexion Zero”, foi estabelecida em Shropshire, Reino Unido (foto).

Acadêmicos têm encontrado dificuldades para apurar “informações exatas e verificáveis” sobre as origens da ONA, dado o alto nível de sigilo em que ela se envolve, a fim de se proteger. Tal como acontece com muitas outras organizações ocultas, a Ordem envolve sua história em “mistério e lenda”, criando uma “narrativa mítica” para suas origens e desenvolvimento. A ONA afirma ser descendente de tradições pagãs pré-cristãs que sobreviveram à cristianização da Grã-Bretanha e que foram transmitidas a partir da Idade Média em pequenos grupos ou “templos” baseados nas Marchas de Gales – uma área de fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales – que eram cada um liderado por um grão-mestre ou grande mestra. De acordo com a Ordem, no final da década de 1960, uma grande mestra de um desses grupos uniu três desses templos – Camlad, o Temple of Sun e os Noctulians – para formar a ONA, antes de receber forasteiros na tradição.

De acordo com o relato da Ordem, um daqueles que a grande mestra iniciou no grupo foi “Anton Long”, um indivíduo que se descreveu como um cidadão britânico que passou grande parte de sua juventude visitando a África, Ásia e Oriente Médio. Long afirmou que, antes de seu envolvimento na ONA, ele se interessou por ocultismo por vários anos, tendo contatado um coven baseado em Fenland em 1968, antes de se mudar para Londres e ingressar em grupos que praticavam magia cerimonial no estilo da Ordem Hermética da Golden Dawn e Aleister Crowley. Ele também reivindicou um breve envolvimento em um grupo satânico baseado em Manchester, o Templo Ortodoxo do Príncipe dirigido por Ray Bogart, durante o qual ele encontrou a Grande Mestra da ONA. Segundo o relato da Ordem, Long ingressou na ONA em 1973 – o primeiro a fazê-lo em cinco anos – e tornou-se herdeiro da grande mestra. Mais tarde, ele lembrou que naquela época o grupo realizava rituais em henges e círculos de pedra ao redor dos solstícios e equinócios.

Este relato afirma ainda que quando a Grande Mestra da Ordem migrou para a Austrália, Long assumiu como o novo grão-mestre do grupo. O grupo afirmou que Long “implementou a próxima etapa da Estratégia Sinistra – para tornar os ensinamentos conhecidos em larga escala”. A partir do final da década de 1970, Long incentivou o estabelecimento de novos grupos ONA, que eram conhecidos como “templos”, e a partir de 1976 ele escreveu uma série de textos para a tradição, codificando e estendendo seus ensinamentos, mitos e estrutura. Esses textos são tipicamente escritos em inglês, embora incluam passagens do grego clássico, bem como termos do sânscrito e do árabe, refletindo a fluência de Long em tais idiomas. Depois de examinar esses textos, o historiador Nicholas Goodrick-Clarke afirmou que neles, Long “evoca um mundo de bruxas, feiticeiros camponeses fora da lei, orgias e sacrifícios de sangue em cabanas solitárias nas florestas e vales desta área, Shropshire e Herefordshire, onde ele viveu desde o início dos anos 1980”.

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David Myatt (foto de 1998) é frequentemente citado como o ideólogo central da ONA.

A verdadeira identidade de “Anton Long” permanece desconhecida tanto para os membros da Ordem quanto para os acadêmicos que a estudaram. No entanto, em uma edição de 1998 da revista antifascista Searchlight, afirmou-se que “Anton Long” era um pseudônimo de David Myatt, uma figura proeminente do movimento neonazista britânico. Nascido no início dos anos 1950, Myatt esteve envolvido em vários grupos neonazistas, inicialmente servindo como guarda-costas de Colin Jordan do Movimento Britânico antes de ingressar na milícia Combat 18 e se tornar membro fundador e líder do Movimento Nacional Socialista. Seu texto sobre A Practical Guide to Aryan Revolution (Um Guia Prático da Revolução Ariana), no qual defendia a militância violenta em prol da causa neonazista, foi citado como uma influência sobre o bombardeiro de pregos David Copeland. Em 1998, Myatt se converteu ao Islã e permaneceu muçulmano praticante por oito anos, período em que encorajou a jihad violenta contra o sionismo e os aliados ocidentais de Israel. Em 2010, ele anunciou que havia renunciado ao Islã e estava praticando uma tradição esotérica que denominou “Caminho Numinoso”.

Goodrick-Clarke apoiou a ideia de que Myatt era Long, com o estudioso de estudos religiosos Jacob C. Senholt acrescentando que “o papel de David Myatt é primordial para toda a criação e existência da ONA”. Senholt apresentou evidências adicionais que ele acreditava confirmaram a identidade de Myatt como Long, escrevendo que o abraço de Myatt ao neonazismo e ao islamismo radical representava “papéis de percepção” que Myatt havia adotado como parte da “estratégia sinistra” da ONA para minar a sociedade ocidental, uma visão endossada pelo estudioso do satanismo Per Faxneld. Em 2015, um membro da ONA conhecido como R. Parker argumentou a favor da ideia de que Myatt era Long. Como resultado da publicação de Page, o sociólogo da religião Massimo Introvigne afirmou que a ONA “mais ou menos reconheceu” que Myatt e Long são a mesma pessoa, o que a alegação sobre Myatt a ONA contestou.

O próprio Myatt negou repetidamente as alegações de que ele tem qualquer envolvimento com a ONA, e que ele usou o pseudônimo “Anton Long”, além de contestar os argumentos usados ​​para conectá-lo a Long, alegando que eles são baseados em evidências insuficientes. O estudioso de estudos religiosos George Sieg expressou preocupação com essa associação, afirmando que a considerava “imlausível e insustentável com base na extensão da variação no estilo de escrita, personalidade e tom” entre Myatt e Long. Jeffrey Kaplan, um especialista acadêmico da extrema direita, também sugeriu que Myatt e Long são pessoas separadas, enquanto o estudioso de estudos religiosos Connell R. Monette postulou a possibilidade de que “Anton Long” não fosse um indivíduo singular, mas sim um pseudônimo usado por várias pessoas diferentes.

Aparecimento ao Público:

A ONA surgiu à atenção do público no início de 1980. Durante as décadas de 1980 e 1990, espalhou sua mensagem por meio de artigos em revistas, como Nox, de Stephen Sennitt, bem como pela publicação de volumes como The Black Book of Satan (O Livro Negro de Satã) e Naos. Em 1988, iniciou a publicação de seu próprio jornal interno, intitulado Fenrir. Entre o material que publicou para consumo público estão folhetos filosóficos, instruções rituais, cartas, poesia e ficção gótica. Seu texto ritual central é intitulado The Black Book of Satan (O Livro Negro de Satã). Também lançou sua própria música, um conjunto de tarô pintado conhecido como Sinister Tarot (O Tarô Sinistro) e um jogo de tabuleiro tridimensional conhecido como Star Game (O Jogo da Estrela). A ONA estabeleceu ligações com outros grupos satanistas neonazistas: seu distribuidor internacional foi o neozelandês Kerry Bolton, o fundador da Black Order, que é descrito como um adepto da ONA na correspondência publicada do grupo, e tem acesso a um biblioteca de material oculto e de extrema direita de propriedade da Order of the Jarls de Bælder. Segundo Monette, o grupo agora tem associados e grupos nos Estados Unidos, Europa, Brasil, Egito, Austrália e Rússia. Um desses grupos associados é o Tempel ov Blood, com sede nos EUA, que publicou vários textos através da Ixaxaar Press, enquanto outro é o White Star Acception, com sede na Califórnia, que foi designado como “Flagship Nexion” da ONA nos Estados Unidos apesar de se desviarem dos ensinamentos tradicionais da ONA sobre uma série de questões.

Durante o início da década de 1990, a Ordem declarou que estava entrando no segundo estágio de seu desenvolvimento, no qual deixaria para trás seu foco anterior no recrutamento e divulgação pública dentro da comunidade oculta e que, em vez disso, se concentraria em refinar seus ensinamentos; sua quietude resultante levou alguns ocultistas a especular erroneamente que a ONA havia se extinguido. Em 2000, a ONA estabeleceu uma presença na Internet, utilizando-a como meio de comunicação com os outros e de distribuição dos seus escritos. Em 2008, a ONA anunciou que estava entrando na terceira fase de sua história, na qual voltaria a focar fortemente na promoção, utilizando mídias sociais como blogs online, fóruns, Facebook e YouTube para divulgar sua mensagem. Em 2011, a “Old Guard”, um grupo de membros de longa data da Ordem, afirmou que se retiraria do trabalho público ativo com o grupo. Em março de 2012, Long anunciou que se retiraria da atividade pública, embora pareça ter permanecido ativo na Ordem.

AS CRENÇAS E A ESTRUTURA DA ONA:

A ONA descreve suas crenças como pertencentes a “uma tradição mística sinistramente numinosa”, acrescentando que “não é agora e nunca foi estritamente satanista ou estritamente Caminho da Mão Esquerda, mas usa “satanismo” e o LHP como “formas causais”; isto é, como técnicas/experiências/provas/desafios” para auxiliar o avanço espiritual do praticante. Monette descreveu a ONA como “uma fascinante mistura de Hermetismo e Satanismo Tradicional, com alguns elementos pagãos”. Faxneld descreveu a ONA como “uma forma perigosa e extrema de satanismo” e como “um dos grupos satanistas mais extremos do mundo”. Jeffrey Kaplan e Leonard Weinberg o caracterizaram como um “grupo satanista de orientação nacional-socialista”, enquanto Nicholas Goodrick-Clarke também o considerou um “culto nazista satânico” que “combina o paganismo com o louvor a Hitler”. Ele acrescentou que a ONA “celebrou o lado escuro e destrutivo da vida através de doutrinas anti-cristãs, elitistas e darwinistas sociais”. Considerando a maneira pela qual a ONA sincretizou tanto o satanismo quanto o paganismo, o historiador da religião Mattias Gardell descreveu sua perspectiva espiritual como “um caminho satânico pagão”. O estudioso George Sieg, no entanto, argumentou que a ONA deveria ser categorizada como “pós-satânica” porque “ultrapassou (sem abandonar totalmente) a identificação com seu paradigma satânico original”.

Satanismo Tradicional e Paganismo:

“[Long] rejeita a organização quase religiosa e as palhaçadas cerimoniais da Igreja de Satã, o Templo de Set e outros grupos satânicos. Ele acredita que o satanismo tradicional vai muito além da gratificação do princípio do prazer e envolve a árdua conquista do eu – maestria, auto-superação em um sentido nietzschiano e, finalmente, sabedoria cósmica. Sua concepção de satanismo é prática, com ênfase no crescimento individual em reinos de escuridão e perigo por meio de atos práticos de coragem, resistência e risco de vida.”

— Estudioso do esoterismo Nicholas Goodrick-Clarke.

A ONA descreve seu ocultismo como “Satanismo Tradicional” e como uma “tradição mística sinistra-numinosa”. De acordo com Jesper Aagaard Petersen, um acadêmico especialista em satanismo, a Ordem apresenta “uma nova interpretação reconhecível do satanismo e do Caminho da Mão Esquerda”, e para os envolvidos no grupo, o satanismo não é simplesmente uma religião, mas um modo de vida. A Ordem postula o satanismo como uma árdua conquista individual de autodomínio e autossuperação nietzschiana, com ênfase no crescimento individual através de atos práticos de risco, bravura e resistência. Portanto, “o objetivo do satanismo da ONA é criar um novo indivíduo através da experiência direta, prática e autodesenvolvimento com os graus do sistema ONA sendo altamente individuais, com base nos próprios atos práticos e da vida real dos iniciados, em vez de meramente realizar certos rituais cerimoniais”. Assim, o satanismo, afirma a ONA, exige aventurar-se no reino do proibido e do ilegal para libertar o praticante do condicionamento cultural e político. Intencionalmente transgressora, a Ordem tem se caracterizado por proporcionar “uma espiritualidade agressiva e elitista”. O estudioso de estudos religiosos Graham Harvey escreveu que a ONA se encaixava no estereótipo do satanista “melhor do que outros grupos”, algo que ele achava que foi deliberadamente alcançado ao abraçar atos “profundamente chocantes” e ilegais.

A ONA critica fortemente grupos satânicos maiores como a Igreja de Satã e o Templo de Set, que eles consideram “satânicos falsos” porque abraçam o “glamour associado ao satanismo”, mas têm “medo de experimentar sua realidade dentro e externo a eles”. Por sua vez, a Igreja de Satã criticou o que eles alegaram ser a “insistência paranoica da Ordem de que eles são os únicos defensores da tradição satânica”, com Kaplan afirmando que esses comentários refletem “as tensões internas” que são comuns dentro “do mundo do satanismo “, e sobre qual crítica Anton Long escreveu que a ONA não “afirma ser uma organização de pares com a reivindicação de algum tipo de autoridade … Quando no passado nós e outros como nós dissemos coisas que outros interpretam como sendo contra o Templo de Set ou LaVey, estávamos simplesmente assumindo o papel de Adversário – desafiando o que parecia estar se tornando um dogma aceito.”

Embora se conceba como tendo origens pré-cristãs e descreva o satanismo como “paganismo militante”, a ONA não defende o restabelecimento de sistemas de crenças pré-cristãs, com um tratado da ONA afirmando que “todos os deuses do passado das várias tradições ocidentais são tornados obsoletos pelas forças que o satanismo sozinho está desencadeando”. No entanto, Goodrick-Clarke observou que as “ideias e rituais” do grupo se baseiam em “uma tradição nativa”, com referências ao conceito anglo-saxão pré-cristão de wyrd, uma ênfase em cerimônias realizadas em equinócios e a construção de incenso usando árvores indígenas, sugerindo assim a ideia de “enraizamento na natureza inglesa”. Os praticantes passam por “peregrinações negras” a locais cerimoniais pré-históricos na área ao redor de Shropshire e Herefordshire nas Midlands inglesas. Além disso, Monette escreve que “um exame crítico dos textos-chave da ONA sugere que as conotações satânicas podem ser cosméticas e que seus mitos e cosmologia centrais são genuinamente herméticos, com influências pagãs”.

Cosmologia Aeônica e o Nazismo:

 

“Adolf Hitler foi enviado por nossos deuses

Para nos guiar à grandeza

Acreditamos na desigualdade de raças

E no direito do ariano de viver

De acordo com as leis do povo.

Reconhecemos que a história do “holocausto” judaico

É uma mentira para manter nossa raça acorrentada

E expressar nosso desejo de ver a verdade revelada.

Acreditamos na justiça para nossos companheiros oprimidos

E buscar um fim em todo o mundo da

Perseguição dos Nacional-Socialistas.”

 

— A “Missa da Heresia” da ONA.

A ONA afirma que a evolução cósmica é guiada por uma “dialética sinistra” de energias Aeônicas alternadas. Ele divide a história humana em uma série de Aeons, acreditando que cada Aeon foi dominado por uma civilização humana que surgiu, evoluiu e depois morreu. Ele afirma que cada Aeon dura aproximadamente 2.000 anos, com sua respectiva civilização humana dominante se desenvolvendo nos últimos 1.500 anos desse período. Sustenta que após 800 anos de crescimento, cada civilização enfrenta problemas, resultando em um “Tempo de Problemas” que dura entre 398 e 400 anos. No estágio final de cada civilização há um período que dura aproximadamente 390 anos, no qual ela é controlada por um forte regime militar e imperial, após o qual a civilização cai. A ONA afirma que a humanidade viveu cinco desses Aeons, cada um com uma civilização associada: a Primal, a Hiperbórea, a Suméria, a Helênica e a Ocidental. Tanto Goodrick-Clarke quanto Senholt afirmaram que este sistema de Aeons é inspirado nas obras de Arnold J. Toynbee, com Senholt sugerindo que também pode ter sido influenciado pelas ideias de Crowley sobre Thelêmicos Aeons. No entanto, a ONA afirmou que seu conceito “não tem nada a ver com Crowley”, mas é baseado no trabalho de Toynbee e Spengler.

A ONA afirma que a atual civilização ocidental tem um ethos faustiano e passou recentemente por seu Tempo de Perturbações, com seu estágio final, um “Imperium” de governança militarista, que deve começar em algum momento de 1990-2011 e durar até 2390. será seguido por um período de caos a partir do qual será estabelecido um sexto Aeon, o Aeon do Fogo, que será representado pela civilização galáctica na qual uma sociedade ariana colonizará a galáxia Via Láctea. No entanto, a Ordem sustenta que, ao contrário das civilizações Aeônicas anteriores, a civilização ocidental foi infectada com a distorção “Magia / Nazareno”, que eles associam à religião judaico-cristã. Os escritos do grupo afirmam que enquanto a civilização ocidental já foi “uma entidade pioneira, imbuída de valores elitistas e exaltando o caminho do guerreiro”, sob o impacto do ethos mago/nazareno tornou-se “essencialmente neurótica, introspectiva e obcecada “, abraçando o humanismo, o capitalismo, o comunismo, bem como “a farsa da democracia” e “o dogma da igualdade racial”. Eles acreditam que essas forças magos/nazarenos representam uma tendência contra-evolucionária que ameaça impedir o surgimento do Império Ocidental e, portanto, a evolução da humanidade, opinando que esse inimigo cósmico deve ser superado pela força da vontade. Tanto Goodrick-Clarke quanto Sieg observam que essas ideias sobre a “alma mágica” e a “distorção cultural” trazida pelos judeus foram derivadas das obras de Oswald Spengler e Francis Parker Yockey.

A ONA elogia a Alemanha nazista como “uma expressão prática do espírito satânico… uma explosão de luz luciferiana – de entusiasmo e poder – em um mundo nazareno, pacificado e chato”. Abraçando a negação do Holocausto, afirma que o Holocausto foi um mito que foi construído pelo estabelecimento mago/nazareno para denegrir a administração nazista após a Segunda Guerra Mundial e apagar suas conquistas da “psique do Ocidente”. O grupo acredita que uma revolução neonazista é necessária para derrubar o domínio mago-nazareno da sociedade ocidental e estabelecer o Império, permitindo que a humanidade entre na civilização galáctica do futuro. Assim, referências positivas ao nazismo e neonazismo podem ser encontradas no material escrito do grupo, e evoca o líder nazista Adolf Hitler como uma força positiva em seu texto para a realização de uma Missa Negra, também conhecida como A Missa da Heresia. No entanto, alguns textos da ONA enfatizam que os membros devem abraçar o neonazismo e o racismo não por uma crença genuína na ideologia nazista, mas como parte de uma “estratégia sinistra” para avançar a evolução Aeônica. Uma versão da Missa Negra produzida por um grupo australiano da ONA, The Temple of THEM, substitui elogios a Hitler por elogios ao militante islâmico Osama bin Laden, enquanto os escritos de Chloe Ortega e Kayla DiGiovanni, principais publicitários do White Star Acception, expressam o que Sieg denominou uma plataforma “anarquista de esquerda” que carecia da condenação do sionismo e do endosso do racismo ariano que é encontrado nos escritos de Long. A Ordem é, portanto, muito mais abertamente politicamente extrema em seus objetivos do que outras organizações satânicas e do Caminho da Mão Esquerda, buscando se infiltrar e desestabilizar a sociedade moderna através de meios mágicos e práticos.

Iniciação e o Caminho Sétuplo:

A ONA encoraja seus membros a adotar “papéis de insight” em grupos anarquistas, neonazistas e islâmicos para perturbar a sociedade ocidental moderna.

O sistema central da ONA é conhecido como o “O Caminho Sétuplo” ou a “Hebdomadria”, e é descrito em um dos textos principais da Ordem, Naos. O sistema sétuplo é refletido na cosmologia simbólica do grupo, a “Árvore de Wyrd”, na qual sete corpos celestes – a Lua, Vênus, Mercúrio, Sol, Marte, Júpiter e Saturno – estão localizados. O termo wyrd foi adotado do inglês antigo, onde se referia ao destino ou destino. Monette identificou isso como um “sistema hermético”, destacando que o uso de sete corpos planetários havia sido influenciado pelos textos árabes medievais Ghāyat al-Ḥakīm (conhecido também como o grimório Picatrix) e o Shams I-Maarif. O Caminho Sétuplo também se reflete no sistema iniciático do grupo, que possui sete graus pelos quais o membro pode progredir gradualmente. São eles: (1) Neófito, (2) Iniciado, (3) Adepto Externo, (4) Adepto Interno, (5) Mestre/Mestra, (6) Grão-Mestre/Mousa e (7) Imortal. O grupo revelou que muito poucos de seus membros ascendem ao quinto e sexto graus, e em um artigo de 1989 a ONA afirmou que naquele momento havia apenas quatro indivíduos que haviam alcançado o estágio de Mestre.

A ONA não inicia membros no grupo em si, mas espera que um indivíduo inicie a si mesmo. Exige que os iniciados estejam em boas condições físicas e recomenda um regime de treinamento para os futuros membros seguirem. Espera-se que os recém-chegados assumam um parceiro mágico do sexo oposto, ou do mesmo sexo, se forem lésbicas ou gays. A partir daí, o praticante deve enfrentar desafios pessoais e cada vez mais difíceis para transitar pelos diferentes graus. A maioria das provações que permitem ao iniciado avançar para a próxima etapa são reveladas publicamente pela Ordem em seu material introdutório, pois acredita-se que o verdadeiro elemento iniciático está na própria experiência e só pode ser alcançada através da sua realização. Por exemplo, parte do ritual para se tornar um Adepto Externo envolve uma provação na qual o membro em potencial deve encontrar um lugar solitário e ficar ali, quieto, por uma noite inteira sem se mexer ou dormir. O processo iniciático para o papel de Adepto Interno implica que o praticante se retire da sociedade humana por três meses, de um equinócio a um solstício, ou (mais geralmente) por seis meses, período durante o qual deve viver em estado selvagem sem conveniências modernas ou contato. com a civilização. A próxima etapa – o Ritual do Abismo – envolve o candidato vivendo sozinho em uma caverna escura e isolada por um mês lunar. De acordo com Jeffrey Kaplan, um especialista acadêmico da extrema direita, essas tarefas iniciáticas física e mentalmente desafiadoras refletem “a concepção da ONA de si mesma como uma organização de vanguarda composta por um pequeno círculo de elites nietzschianas”.

Dentro do sistema iniciático da ONA, há uma ênfase na adoção de “papéis de discernimento” pelos praticantes em que trabalham disfarçados em um grupo politicamente extremista por um período de seis a dezoito meses, ganhando experiência em algo diferente de sua vida normal. Entre as tendências ideológicas que a ONA sugere que seus membros adotem “papéis de insight” estão o anarquismo, o neonazismo e o islamismo, afirmando que, além dos benefícios pessoais de tal envolvimento, a participação nesses grupos tem o benefício de minar o poder mágico. sistema sócio-político nazareno do Ocidente e, assim, ajudando a trazer a instabilidade da qual uma nova ordem, o Imperium, pode emergir. No entanto, Monette observou uma mudança potencial nas funções de insight recomendadas pelo grupo ao longo das décadas; ele destacou que, enquanto a ONA recomendava atividades criminosas ou militares durante os anos 1980 e início dos anos 1990, no final dos anos 1990 e 2000 eles estavam recomendando o monaquismo budista como um papel de insight para os praticantes adotarem. Através da prática de “papéis de insight”, a ordem defende a transgressão contínua de normas, papéis e zonas de conforto estabelecidos no desenvolvimento do iniciado … , Essa aplicação extrema de ideias amplifica ainda mais a ambiguidade das práticas satânicas e do Caminho da Mão Esquerda de antinomianismo, tornando quase impossível penetrar nas camadas de subversão, jogo e contra-dicotomia inerentes à dialética sinistra.” Senholt sugeriu que o envolvimento de Myatt com o neonazismo e o islamismo representam esses “papéis de insight” em sua própria vida.

O Reino Acausal, a Mágicka e os Deuses das Trevas:

A ONA acredita que os humanos vivem dentro do reino causal, que obedece às leis de causa e efeito. No entanto, eles também acreditam em um reino acausal, no qual as leis da física não se aplicam, promovendo ainda mais a ideia de que energias numinosas do reino acausal podem ser atraídas para o causal, permitindo o desempenho da magia. Acreditando na existência de magia – que o grupo soletra “mágicka” seguindo o exemplo da obra de Elias Ashmole de 1652, o Theatrum Chemicum Britannicum – a ONA distingue entre mágicka externa, interna e aeônica. A magia externa em si é dividida em duas categorias: mágicka cerimonial, que é realizada por mais de duas pessoas para atingir um objetivo específico, e mágicka hermética, que é realizada solitária ou em casal e que geralmente é de natureza sexual. A mágicka interna é projetada para produzir um estado alterado de consciência no participante, a fim de resultar em um processo de “individuação” que confere um bem-estar. A forma mais avançada de mágicka no sistema ONA é a mágicka aeônica, cuja prática é restrita àqueles que já são percebidos como tendo dominado a mágicka externa e interna e alcançado o grau de mestre. O propósito da mágicka aeônica é influenciar um grande número de pessoas por um longo período de tempo, afetando assim o desenvolvimento de eras futuras. Em particular, é empregado com a intenção de perturbar o atual sistema sociopolítico do mundo ocidental, que a ONA acredita ter sido corrompido pela religião judaico-cristã.

A ONA utiliza dois métodos em seu desempenho de mágicka aeônica. A primeira envolve ritos e cânticos com a intenção de abrir um portal – conhecido como “nexion” – para o “reino acausal” a fim de manifestar energias no “reino causal” que influenciarão o aeon existente na direção desejada pelo praticante. O segundo método envolve jogar uma forma avançada de um jogo de tabuleiro conhecido como Star Game; o jogo foi idealizado pelo grupo, com as peças do jogo representando diferentes eras. O grupo acredita que quando um iniciado joga o jogo, ele pode se tornar um “nexion vivo” e, portanto, um canal para que as energias acausais entrem no reino causal e efetuem a mudança aeônica. Uma forma avançada do jogo é usada como parte do treinamento para o grau de Adepto Interno. De acordo com Myatt, ele inventou o jogo em 1975.

A Ordem promove a ideia de que “Deuses das Trevas” existem dentro do reino acausal, embora seja aceito que alguns membros os interpretem não como entidades reais, mas como facetas do subconsciente humano. Essas entidades são percebidas como perigosas, com a ONA aconselhando cautela ao interagir com elas. Entre os Deuses das Trevas cujas identidades foram discutidas no material publicamente disponível da Ordem estão uma deusa chamada Baphomet que é retratada como uma mulher madura carregando uma cabeça decepada, com a ONA afirmando que o nome é de origem grega antiga. Além disso, existem entidades cujos nomes, segundo Monette, são emprestados ou influenciados por figuras de fontes clássicas e astronômicas, como Kthunae, Nemicu e Atazoth.

Outra dessas figuras acausais é denominada Vindex, após a palavra latina para “vingador”. A ONA acredita que Vindex acabará encarnando como um humano – embora o gênero e a etnia desse indivíduo sejam desconhecidos – através da “presença” bem-sucedida de energias acausais dentro do reino causal, e que eles atuarão como uma figura messiânica ao derrubar o Mago forças e levando a ONA à proeminência no estabelecimento de uma nova sociedade. Sieg fez comparações entre essa crença em Vindex e as ideias de Savitri Devi, o proeminente hitlerista esotérico, sobre a chegada de Kalki, um avatar do deus hindu Vishnu, à Terra. A ONA também propaga a ideia de que é possível ao praticante garantir uma vida após a morte no reino acausal através de suas atividades espirituais. É por esta razão que o estágio final do Caminho Sétuplo é conhecido como o “Imortal”, constituindo aqueles iniciados que conseguiram avançar para o estágio de habitação no reino acausal.

Sacrifício Humano:

Os escritos da ONA toleram e encorajam o sacrifício humano, referindo-se às suas vítimas como opfers. A ONA descreve suas diretrizes para o sacrifício humano em vários documentos: “A Gift for the Prince – A Guide to Human Sacrifice”, “Culling – A Guide to Sacrifice II”, “Victims – A Sinister Exposé” e ” Guidelines for the Testing of Opfers”. De acordo com as crenças da ONA, o assassino deve permitir que sua vítima se “auto-selecione”; isso é conseguido testando a vítima para ver se ela expõe falhas de caráter percebidas. Se este for o caso, acredita-se que a vítima tenha demonstrado que é digna de morte, e o sacrifício pode começar. Aqueles considerados ideais para o sacrifício pelo grupo incluem indivíduos percebidos como sendo de baixo caráter, membros do que eles consideram “grupos falso-satânicos” como a Igreja de Satã e o Templo de Set, bem como “nazarenos zelosos e interferentes” e jornalistas , empresários e ativistas políticos que atrapalham as operações do grupo. A ONA explica que, devido à necessidade dessa “autoseleção”, as crianças nunca devem ser vítimas de sacrifícios. Da mesma forma, a ONA “despreza o sacrifício de animais, sustentando que é muito melhor sacrificar mundanos adequados, dada a abundância de escórias humanas”.

O sacrifício é então realizado através de meios físicos ou mágicos, quando acredita-se que o assassino absorva o poder do corpo e do espírito da vítima, entrando assim em um novo nível de consciência “sinistra”. Além de fortalecer o caráter do assassino ao aumentar sua conexão com as forças acausais de morte e destruição, tais sacrifícios também são vistos como de maior benefício pela ONA, pois retiram da sociedade indivíduos que o grupo considera seres humanos inúteis. Monette observou que nenhuma célula nexion da ONA admitiu publicamente realizar um sacrifício de maneira ritual, mas que os membros se juntaram à polícia e aos grupos militares para se envolver em violência legal e assassinato.

A ONA acredita que existem precedentes históricos para sua prática de sacrifício humano, expressando a crença em uma tradição pré-histórica na qual os seres humanos foram sacrificados a uma deusa chamada Baphomet no equinócio da primavera e à estrela Arcturus no outono. No entanto, a defesa do sacrifício humano pela ONA atraiu fortes críticas de outros grupos satanistas como o Templo de Set, que o consideram prejudicial às suas próprias tentativas de tornar o satanismo mais socialmente aceitável dentro das nações ocidentais.

O Termo “Nove Ângulos”:

Embora os estudiosos ocultistas atribuam o conceito de Nove Ângulos à Igreja de Satã, em seus ensaios e outros escritos a ONA oferece explicações diferentes quanto ao significado do termo “Nove Ângulos”. Uma explicação é que se trata dos sete planetas da cosmologia do grupo (os sete ângulos), somados ao sistema como um todo (o oitavo ângulo), e os próprios místicos (o nono ângulo). Uma segunda explicação é que se refere a sete estágios alquímicos “normais”, com dois processos adicionais. Uma terceira é que se refere às nove emanações do divino, um conceito originalmente encontrado em textos medievais produzidos dentro da tradição mística islâmica do sufismo. Monette sugeriu ainda que era uma referência a uma tradição indiana clássica que dividia o sistema solar em nove planetas.

De acordo com o O9A, eles usam o termo “nove ângulos” em referência não apenas às nove emanações e transformações das três substâncias alquímicas básicas (mercúrio, enxofre, sal), como ocorre em seu uso oculto do Jogo Estelar, mas também em referência à sua jornada hermética com suas sete esferas e seus dois aspectos acausais.

A ORGANIZAÇÃO DA ONA:

A ONA é um coletivo diversificado e mundial de diversos grupos, tribos e indivíduos, que compartilham e buscam interesses, objetivos e estilos de vida sinistros, subversivos semelhantes, e que cooperam quando necessário para seu benefício mútuo. e na busca de seus propósitos e objetivos comuns… O critério para pertencer à ONA é essa busca de interesses, objetivos e estilos de vida semelhantes sinistros, subversivos, juntamente com o desejo de cooperar quando for benéfico para eles e a prossecução dos nossos objectivos comuns. Não há, portanto, nenhum membro formal da ONA, e nenhum Antigo-Aeon, mundano, hierarquia ou mesmo quaisquer regras.

— The ONA, 2010.

A ONA é uma organização secreta. Falta qualquer administração central, operando como uma rede de praticantes satânicos aliados, que chama de “coletivo”. Assim, Monette afirmou que a Ordem “não é uma loja ou templo estruturado, mas sim um movimento, uma subcultura ou talvez uma metacultura que seus adeptos escolhem incorporar ou se identificar”. Monette também sugeriu que essa ausência de uma estrutura centralizada ajudaria a sobrevivência da Ordem, porque seu destino não seria investido apenas em um líder em particular. A ONA não gosta do termo “membro”, preferindo a palavra “associado”. Em 2012, Long afirmou que os afiliados à Ordem se enquadravam em seis categorias diferentes: associados de nexions tradicionais, Niners, Balobians, membros de gangues e tribos, seguidores da tradição Rounwytha e aqueles envolvidos com grupos inspirados na ONA.

O grupo consiste em grande parte de células autônomas conhecidas como “nexions”. A célula original, baseada em Shropshire, é conhecida como “Nexion Zero”, com a maioria dos grupos subsequentes estabelecidos na Grã-Bretanha, Irlanda e Alemanha, no entanto, nexions e outros grupos associados também foram estabelecidos nos Estados Unidos, Austrália, Brasil, Egito, Itália, Espanha, Portugal, Polônia, Sérvia, Rússia e África do Sul. A ala grega da ONA atende pelo nome de Mirós tou Zeús. Alguns desses grupos, como o Tempel ov Blood, com sede nos EUA, descrevem-se como distintos da ONA, embora ambos tenham sido muito influenciados por ela e tenham conexões com ela.

Na terminologia da ONA, os termos Drecc e Niner referem-se à cultura popular ou baseada em gangues ou indivíduos que apoiam os objetivos da Ordem por meios práticos (incluindo criminosos) em vez de esotéricos. Um desses grupos é o White Star Acceptation, que afirma ter perpetrado estupros, agressões e roubos para aumentar o poder do grupo; Sieg observou que a realidade dessas ações não foi verificada. Um balobiano é um artista ou músico que contribui para o grupo através de sua produção de belas artes. A Rounwytha é uma tradição de místicos populares ou folclóricos considerados como exibindo poderes psíquicos talentosos refletindo sua encarnação do “arquétipo feminino sinistro”. Embora uma minoria seja de homens, a maioria das Rounwytha é do sexo feminino, e muitas vezes vivem reclusas como parte de grupos pequenos e muitas vezes lésbicos.

Representante Externo:

Vários comentaristas acadêmicos destacaram a existência de uma posição dentro da ONA chamada de “Representante Externo”, que atua como porta-voz oficial do grupo para o mundo exterior. O primeiro a afirmar publicamente ser o “Representante Externo” do grupo foi Richard Moult, um artista e compositor de Shropshire que usou o pseudônimo de “Christos Beest”. Moult foi seguido como “Representante Externo” por “Vilnius Thornian”, que ocupou o cargo de 1996 a 2002, e que foi identificado por membros da ONA como o ideólogo do Caminho da Mão Esquerda Michael Ford. Posteriormente, no blog do White Star Acception, foi feita a alegação de que o membro do grupo Chloe Ortega era o representante externo da ONA, também este blog mais tarde foi extinto em 2013. Em 2013, uma americana Rounwytha usando o nome de “Jall” apareceu alegando ser o “Representante Externo” da Ordem.

No entanto, de acordo com Long, o “representante externo” era “um exemplo interessante e instrutivo do Labyrinthos Mythologicus da O9A, … um estratagema”, e que foi projetado para “intrigar, selecionar, testar, confundir, irritar, enganar”. Long escreveu que “o estratagema era para um candidato ou um iniciado divulgar abertamente o material da ONA, e possivelmente dar entrevistas sobre a O9A para a mídia, sob o pretexto de ter recebido algum tipo de ‘autoridade’ para fazê-lo, embora tal autoridade – e a hierarquia necessária para dotá-la – era de fato uma contradição de nossa razão de ser; um fato que naturalmente esperávamos que aqueles incipientes de nossa espécie soubessem ou sentissem”. De acordo com Senholt, a ONA “não concede títulos”, com Monette escrevendo que “não há autoridade central dentro da ONA”.

Dentro da ONA havia um grupo de iniciados de longa data conhecidos como a “Velha Guarda” ou “Inner ONA”, cuja experiência com a tradição os levou a se tornarem influentes sobre os membros mais novos que frequentemente procuravam seus conselhos. Os membros desta Velha Guarda incluíam Christos Beest, Sinister Moon, Dark Logos e Pointy Hat, embora em 2011 tenham declarado que se retirariam da esfera pública.

Filiação:

Uma edição da revista Fenrir original da ONA.

Embora a ONA tenha declarado que não é uma organização oculta no sentido convencional, mas uma filosofia esotérica, vários acadêmicos escreveram sobre a associação à ONA. Em uma visão geral de 1995 dos grupos satanistas britânicos, Harvey sugeriu que a ONA consistia em menos de dez membros, “e talvez menos de cinco”. Em 1998, Jeffrey Kaplan e Leonard Weinberg afirmaram que os membros da ONA eram “infinitamente pequenos”, com o grupo atuando principalmente como um “ministério de correspondência”. Quanto à questão da adesão, Anton Long, em carta a Aquino datada de outubro de 1990, escreveu que “uma vez que as técnicas e a essência da ONA estão mais amplamente disponíveis, a adesão como tal é irrelevante, pois tudo está disponível e acessível … com o indivíduo assumindo a responsabilidade por seu próprio desenvolvimento, suas próprias experiências”.

Em 2013, Senholt observou que, como o grupo não possui membros oficiais, é “difícil, se não impossível, estimar o número de membros da ONA”. Senholt sugeriu que uma “estimativa aproximada” do “número total” de indivíduos envolvidos com a ONA em alguma capacidade de 1980 a 2009 era de “alguns milhares”; ele havia chegado a essa conclusão a partir de um exame do número de revistas e periódicos sobre o assunto que circulavam e do número de membros de grupos de discussão on-line dedicados à ONA. Ao mesmo tempo, ele achava que o número de “adeptos de longa data é muito menor”. Também em 2013, Monette estimou que havia mais de dois mil associados da ONA, amplamente definidos. Ele acreditava que o equilíbrio de gênero era aproximadamente igual, embora com variação regional e diferenças entre os nexos particulares. Introvigne observou que se a estimativa de Monette estivesse correta, isso significaria que a ONA é “facilmente… a maior organização satanista do mundo”.

De acordo com uma pesquisa em 2015, a ONA tem mais apoiadores do sexo feminino do que a Igreja de Satã ou o Templo de Set; mais mulheres com filhos; mais torcedores mais velhos; mais adeptos mais bem estabelecidos em termos socioeconômicos; e mais que politicamente estão mais à direita.

TERRORISMO E CRIMES ATRIBUÍDOS À ONA:

De acordo com um relatório do grupo de direitos civis Southern Poverty Law Center, a ONA “detém uma posição importante no nicho, nexo internacional de grupos neonazistas ocultos, esotéricos e/ou satânicos”. Vários jornais relataram que a O9A está ligada a uma série de figuras de alto perfil da extrema direita e que o grupo é afiliado e compartilha membros com grupos terroristas neonazistas, como a Divisão Atomwaffen e a proscrita Ação Nacional, Divisão Sonnenkrieg e Resistência Nórdica. Movimento.

Em 23 de setembro de 2019, o especialista Jarrett William Smith, 24, de Fort Riley, Kansas, foi acusado de distribuir informações relacionadas a explosivos e armas de destruição em massa. O procurador-adjunto dos EUA, Anthony Mattivi, alegou no tribunal federal que Smith distribuiu informações sobre explosivos e estava planejando assassinar agentes federais com três outras pessoas “para a glória de sua religião satanista”. Em 10 de fevereiro de 2020, Smith se declarou culpado de duas acusações de distribuição de informações relacionadas a explosivos, dispositivos destrutivos e armas de destruição em massa e foi condenado a 30 meses de prisão federal.

Um paraquedista norte-americano chamado Ethan Melzer dos Sky Soldiers da 173ª Brigada Aerotransportada, que foi designado para o 1º Batalhão, 503º Regimento de Infantaria, em Vicenza, Itália, em 2019 até 2020, planejou uma emboscada em sua unidade, “para resultar na morte de tantos de seus companheiros de serviço quanto possível.” Ele foi acusado em junho de 2020 de conspirar e tentar assassinar membros do serviço militar e fornecer e tentar fornecer apoio material a terroristas. O paraquedista foi acusado de vazar informações classificadas (incluindo a localização da unidade) para seus co-conspiradores no nexion RapeWaffen e na Ordem dos Nove Ângulos (O9A). Ele enfrenta uma sentença máxima de prisão perpétua.

Depois que Melzer foi exposto, vários outros membros ativos das forças armadas dos EUA também foram descobertos como membros da O9A. Corwyn Storm Carver foi encontrado para ser outro membro em comunicação com o grupo e na posse de parafernália e literatura O9A enquanto estacionado no Kuwait. Shandon Simpson, membro da Guarda Nacional do Exército de Ohio enviado para reprimir os distúrbios de George Floyd em Washington, D.C. defendeu abertamente as opiniões neonazistas e também foi encontrado no Rapewaffen. Simpson disse que planejava atirar nos manifestantes como parte da “guerra santa racial” e foi interceptado pelo FBI, mas só depois de já ter sido destacado.

Em janeiro de 2020, o seguidor da O9A, Luke Austin Lane e dois cúmplices foram presos por supostamente estocar armas e conspirar para matar um casal antifascista e seus filhos pequenos. Em preparação, Lane, juntamente com dezenas de outras pessoas, se envolveu em treinamento paramilitar e sacrificou um carneiro, bebeu seu sangue e consumiu drogas psicodélicas em um ritual oculto em sua propriedade.

O grupo britânico de defesa política Hope not Hate informou em março de 2020 que havia seis casos de neonazistas ligados à O9A sendo processados ​​por crimes terroristas apenas durante o ano. Um artigo de 2019 no jornal The Times afirmou que “um repórter do Times se disfarçou na plataforma de jogos Discord para se infiltrar em um grupo neonazista satanista chamado The Order of Nine Angles (O9A). O grupo encorajou abertamente atos de terrorismo e celebrou o que foi descrito como hitlerismo esotérico.” Em março de 2020, Hope not Hate iniciou uma campanha para banir a Ordem dos Nove, proscrever, como grupo terrorista, uma campanha apoiada por vários membros do Parlamento britânico, incluindo Yvette Cooper, do Partido Trabalhista, presidente do Comitê Seleto de Assuntos Internos.

Em 18 de setembro de 2020, a polícia de Toronto prendeu Guilherme “William” Von Neutegem, de 34 anos, e o acusou do assassinato de Mohamed-Aslim Zafis. Zafis era o zelador de uma mesquita local que foi encontrado morto com a garganta cortada. O Serviço de Polícia de Toronto disse que o assassinato está possivelmente ligado ao assassinato a facadas de Rampreet Singh alguns dias antes, a uma curta distância do local onde ocorreu o assassinato de Zafis. Von Neutegem é membro da O9A e contas de mídia social estabelecidas como pertencentes a ele promovem o grupo e incluíam gravações de Von Neutegem realizando cânticos satânicos. Em sua casa havia também um altar com o símbolo da O9A adornando um monólito. De acordo com Evan Balgord, da Canadian Anti-Hate Network, eles estão cientes de mais membros da O9A no Canadá e de sua organização afiliada Northern Order. A CAHN relatou anteriormente sobre a Ordem do Norte quando um membro das Forças Armadas Canadenses foi pego vendendo armas de fogo e explosivos para outros neonazistas.

Em 11 de dezembro de 2020, a BitChute, com sede no Reino Unido, removeu todo o material da O9A por violar a política antiterror do site, citando as “conexões próximas da O9A com outras organizações proscritas”. No mesmo mês, o Yahoo News adquiriu um relatório do Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA, o FBI e o Departamento de Segurança Interna circulou para as agências de inteligência dos EUA, avaliando que o O9A representa uma ameaça violenta e que desempenha um papel influente entre os grupos terroristas de direita. . O relatório, no entanto, acrescentou que a O9A foi rejeitada por certos grupos por incitar seus membros a cometer estupro e pedofilia. Em janeiro de 2021, após a tomada do Capitólio dos Estados Unidos em 2021, a discussão sobre a proibição de grupos de extrema direita foi renovada pelo ministro da Segurança Pública Bill Blair, e a O9A foi apontada por especialistas como um dos grupos mais perigosos do Canadá, cuja proibição é uma prioridade. Em abril de 2021, a deputada democrata Elissa Slotkin pressionou o governo de Joe Biden a designar a O9A como uma Organização Terrorista Estrangeira (FTO) em uma carta ao secretário de Estado Antony Blinken. A Divisão Sonnenkrieg foi oficialmente proscrita na Austrália em 22 de março de 2021, com sua adesão à “violenta ideologia supremacista branca inspirada no Partido Nazista e no movimento satânico ‘Ordem dos Nove Ângulos’” citado como o motivo.

As Forças Armadas do Canadá lançaram uma investigação interna em outubro de 2020, depois que um soldado das forças especiais do CJIRU foi identificado como membro da Ordem do Norte e da Ordem dos Nove Ângulos. De acordo com o SPLC, o homem está entre “algumas pessoas bem conhecidas e de alto nível nessas organizações” e um conhecido de James Mason e do ex-mestre cabo Patrik Mathews, que foi exposto anteriormente como recrutador da Ordem e Base do Norte. no Canadá. Em 1º de fevereiro de 2021, um homem da Cornualha disse ter sido o líder da filial britânica da Divisão Feuerkrieg se declarou culpado de 12 crimes de terrorismo. A polícia já havia invadido sua casa em 2019 por armas de fogo e encontrou instruções de construção de bombas e O9A literatura.

Danyal Hussein, que matou duas irmãs, Bibaa Henry e Nicole Smallman, em um parque de Wembley, em Londres, estava “intimamente associado” à Ordem dos Nove Ângulos e participou do fórum da Internet O9A. Ele matou as duas mulheres para cumprir um “pacto demoníaco”. Em resposta, a deputada Stephanie Peacock pediu ao Ministro do Interior que proíba a O9A. Na Rússia, quatro membros da Ordem dos Nove Ângulos foram presos depois que dois confessaram assassinatos rituais envolvendo canibalismo na Carélia e em São Petersburgo. Dois deles também são acusados ​​de tráfico de drogas em larga escala, pois uma grande quantidade de entorpecentes foi encontrada em sua casa.

Em 12 de agosto de 2021, Ben John foi condenado por crimes terroristas após uma investigação de 11 meses pelo Comando Antiterrorista. A declaração da polícia de Lincolnshire afirmou que “John tinha uma riqueza de material supremacista branco e anti-semita, bem como material relacionado à organização satanista chamada Ordem dos Nove Ângulos (ONA), que está cada vez mais sob o foco da aplicação da lei. ” Em outubro de 2021, o Facebook e o Instagram baniram o membro da O9A, E.A Koetting, cuja página tinha 128.000 assinantes por incitar assassinato. O Serviço de Inteligência de Segurança finlandês também destacou a O9A como fonte de radicalização e preocupação no país.

Abuso Sexual:

Alegações foram feitas por organizações antifascistas, vários políticos britânicos e a mídia de que o O9A tolera e incentiva o abuso sexual, e isso foi dado como uma das razões pelas quais o O9A deveria ser proscrito pelo governo britânico. Muitos membros da O9A veem abertamente o estupro como uma forma eficaz de minar a sociedade ao transgredir suas normas. A White Star Acception comete estupros por sua própria admissão e textos da O9A como “The Drectian Way”, “Iron Gates”, “Bluebird” e “The Rape Anthology” recomendam e elogiam o estupro e a pedofilia, até sugerindo que o estupro é necessário para “ascensão do Ubermensch”. Segundo a BBC News, “as autoridades estão preocupadas com o número de pedófilos associados à ONA”. Crianças de pelo menos 13 anos foram preparadas pelo grupo.

Ryan Fleming, da O9A nexion Drakon Covenant, com sede em Yorkshire, está atualmente na prisão pelo estupro de uma menina de 14 anos, depois de já ter sido condenado por agressão sexual e tortura de um menor. O membro da O9A, Andrew Dymock, que foi condenado por 15 crimes terroristas, também foi interrogado pela polícia sobre a agressão sexual de uma adolescente que tinha símbolos nazistas e ocultistas esculpidos em seu corpo. Em julho de 2020, outro membro da O9A, Jacek Tchorzewski, foi condenado pelo Harrow Crown Court por crimes de terrorismo e por possuir mais de 500 fotos e vídeos que retratavam crianças de seis anos sendo estupradas e necrofilia. Tchorzewski também possuía nazi e “literatura satanista retratando estupro e pedofilia”. O co-réu de Tchorzewski, Michal Szewczuk, “administrou um blog que incentivava o estupro e a tortura de oponentes, incluindo crianças pequenas” e também foi condenado a quatro anos de prisão por crimes terroristas. Ethan Melzer também pertencia a uma sala de bate-papo criptografada da O9A, onde os membros encorajavam uns aos outros a cometer violência sexual e compartilhavam vídeos desses estupros. Em novembro de 2019, um adolescente de Durham que, de acordo com a BBC News, adere ao “nazismo oculto” e “influenciado pela ONA, procurou se alterar de acordo com sua literatura” foi considerado culpado de preparar um ataque terrorista. Além dos crimes terroristas, ele é acusado de agredir sexualmente uma menina de 12 anos. Ele acabou sendo condenado por cinco agressões sexuais, além dos crimes de terrorismo.

Em março de 2020, um proeminente membro da O9A e ex-líder da Divisão Atomwaffen John Cameron Denton foi acusado pelos promotores de possuir e compartilhar pornografia infantil de abuso sexual de uma jovem menor de idade por seu grupo, além de fazer 134 ameaças de morte e bomba contra repórteres. e comunidades minoritárias. Em 2 de setembro de 2020, outro membro Harry Vaughan se declarou culpado de 14 crimes de terrorismo e posse de pornografia infantil. Uma busca policial em sua casa descobriu vídeos de estupros brutais de crianças, documentos mostrando como construir bombas, detonadores, armas de fogo e livros “satânicos, neonazistas” da ONA aconselhando estupro e assassinato. Além disso, ele foi descrito no Old Bailey como um entusiasta de armas de fogo e vivendo com suas duas irmãs no momento da prisão. Cinco finlandeses também foram presos por abusar sexualmente de várias crianças, segundo a polícia as atividades envolviam “nazismo e satanismo” e consumo de metanfetamina.

Em Montenegro:

O Astral Bone Gnawers Lodge (comumente conhecido como ABG Lodge) é uma afiliada da ONA (“nexion”) que opera nos Balcãs. Na comunidade virtual da ONA o ABG Lodge tem status de nexion de destaque, conhecido por seu projeto musical Dark Imperivm, bem como por seus ensaios polêmicos. Eles são um dos poucos nexions que fizeram e publicaram gravações de vários Cantos Sinistros da ONA.

A ABG Lodge está estruturada como uma sociedade secreta tradicional, liderada por uma matriarca conhecida como ‘Blood Mistress’. ABG Lodge relata que sua fundadora é ‘Zorya Aeterna’, que também é a atual força motriz por trás da organização. Os membros da Loja ABG afirmam que a loja também se baseia nas tradições herméticas e iniciaram sua própria igreja chamada Igreja Gnóstica de Cristo-Lúcifer.

A Ramificação The Legion Ave Satan:

Os Serviços de Segurança Federal da Rússia prenderam um grupo de satanistas em abril de 2020 em Krasnodar suspeitos de “chamadas públicas para realizar atividades extremistas”, incitação ao assassinato devido ao ódio religioso e racial e atividades criminosas contra mulheres. A polícia também apreendeu “material extremista” oculto durante as batidas. Eles pertenciam a um grupo chamado Legion Ave Satan, um capítulo da O9A, usando o Reichsadler nazista segurando um pentagrama e uma espada como seu símbolo. Em sua página VKontakte agora banida, eles reivindicaram nexions em todos os países da CEI, promoveram a O9A e se identificaram como seguidores do “satanismo tradicional” e da “fé pré-cristã”. Eles apareceram pela primeira vez na mídia russa em 2018, quando um adolescente incendiou uma igreja na República da Carélia. O adolescente expressou seu apoio à Legion Ave Satan no VKontakte e postou fotos usando uma máscara de caveira associada à Atomwaffen e à O9A. Ele foi enviado para tratamento psiquiátrico involuntário. O nexion local usava uma antiga granja de aves em Kondopoga para reuniões, e o grupo atraiu crianças para a prostituição de acordo com Moskovskij Komsomolets. Como é o caso em outros lugares, o grupo está conectado ao capítulo local da Atomwaffen. Quatro membros russos da Ordem dos Nove Ângulos foram presos por assassinatos rituais na Carélia e em São Petersburgo.

O LEGADO E A INFLUÊNCIA DA ONA:

A principal influência da ONA não está no grupo em si, mas no lançamento prolífico de material escrito. De acordo com Senholt, “a ONA produziu mais material sobre os aspectos práticos e teóricos da magia, bem como mais textos ideológicos sobre o satanismo e o Caminho da Mão Esquerda em geral, do que grupos maiores como a Igreja de Satã e o Templo of Set produziu em conjunto o que torna a ONA um importante ator na discussão teórica do que é e deve ser o Caminho da Mão Esquerda e o Satanismo de acordo com os praticantes”.

Esses escritos foram inicialmente distribuídos para outros grupos satanistas e neonazistas, embora com o desenvolvimento da Internet isso também tenha sido usado como meio para propagar seus escritos, com Monette afirmando que eles alcançaram “uma presença considerável no ciberespaço oculto”, e tornando-se assim “um dos grupos mais proeminentes do Caminho da Mão Esquerda em virtude de sua presença pública”. Muitos desses escritos foram então reproduzidos por outros grupos. Kaplan considerou a ONA como “uma importante fonte de ideologia/teologia satânica” para “a margem ocultista do nacional-socialismo”, ou seja, grupos neonazistas como a Ordem Negra. O grupo ganhou maior atenção após o crescimento do interesse público no impacto de Myatt em grupos terroristas durante a Guerra ao Terror nos anos 2000. O historiador do esoterismo Dave Evans afirmou que a ONA era “digna de uma tese de doutorado inteira”, enquanto Senholt afirmou que seria “potencialmente perigoso ignorar esses fanáticos, por mais limitados que sejam seus números”.

Na Música e na Literatura:

A influência da ONA estende-se a algumas bandas de black metal como Hvile I Kaos, que segundo uma reportagem da secção de música do LA Weekly, “atribuem o seu propósito e temas às filosofias da Ordem dos Nove Ângulos”, embora a partir de dezembro de 2018 o a banda não está mais envolvida com a ONA. A banda francesa Aosoth tem o nome de uma divindade O9A e tem influência lírica direta do O9A. O álbum Intra NAOS da banda italiana Altar of Perversion tem o nome do ensaio O9A NAOS: A Practical Guide to Modern Magick e mostra o próprio caminho dos membros da banda através do Numminous Way. Algumas músicas associadas ao O9A também foram controversas; The Quietus publicou uma série de artigos durante 2018 explorando as conexões entre a política de extrema direita, a música e a ONA. Filósofo inglês, contista de terror e “pai do aceleracionismo” Nick Land também promoveu o grupo em seus escritos.

Na série de romances de Jack Nightingale de Stephen Leather, uma satânica “Ordem dos Nove Ângulos” são os principais antagonistas. Da mesma forma, um grupo satânico fictício chamado “Ordem dos Nove Anjos” aparece no romance de 2013 de Conrad Jones, Child for the Devil. Em outro de seus romances, Black Angel, Jones incluiu uma página intitulada “Informações Adicionais” dando um aviso sobre a Ordem dos Nove Ângulos.

No primeiro episódio da história em quadrinhos Zenith a antagonista Greta Haas, uma ocultista nazista, realiza um ato demoníaco chamado “O Ritual dos Nove Ângulos”.

Nota:

A ONA usou o termo Satanismo Tradicional em seu Black Book of Satan (Livro Negro de Satã), publicado em 1984. Desde o estabelecimento da ONA, o termo “Satanismo Tradicional” também foi adotado por grupos satanistas teístas como a Brotherhood of Satan (Irmandade de Satã). Faxneld sugeriu que a adoção da palavra “tradicional” pela Ordem possivelmente refletiu uma “estratégia consciente para construir legitimidade”, remetendo à “sabedoria antiga arcana” de uma maneira deliberadamente distinta da maneira pela qual Anton LaVey procurou ganhar legitimidade para sua Igreja de Satã  apelando para a racionalidade, ciência e seu próprio carisma pessoal. Em outro lugar, Faxneld sugeriu que o uso do “satanismo tradicional” pela ONA para se diferenciar das formas dominantes de satanismo tinha comparações com a forma como aqueles que se descrevem como praticantes de “feitiçaria tradicional” o fazem para distinguir suas práticas mágico-religiosas da forma dominante de bruxaria moderna, Wicca. Segundo Anton Long, escrevendo no texto Selling Water By The River “O Satanismo Tradicional é um termo usado para descrever o caminho sinistro que durante séculos foi ensinado individualmente… A este caminho pertence o Sistema Setenário, o Canto Esotérico e o treinamento abrangente de noviços (incluindo o desenvolvimento do lado físico) e, mais importante, o sistema interno de magia (os Rituais de Grau etc.).”

Dados da ONA:

A ONA foi fundada em Shropshire, no Reino Unido. Ela tem estado em atividade dos anos 1960 até os dias de hoje. Ela possui grupos na Europa, Rússia, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Seus quartéis-generais estão localizados em: Shropshire (Reino Unido), Carolina do Sul (EUA), Carélia (Rússia), Colúmbia Britânica (Canadá) e Tampere (Finlândia).

À ONA são atribuídas as seguintes atividades criminais: Terrorismo de supremacia branca, abusos sexuais, abuso sexual infantil e prostituição infantil.

Os supostos aliados da ONA são: Atomwaffen Division, Black Order, Combat 18, National Action e Nordic Resistance Movement. A ONA tem como rivais a Igreja de Satã e o Templo de Set.

Os membros mais notáveis da ONA são: Jarrett Smith, Garron Helm, Jacek Tchorzewski, Andrew Dymock, Ethan Melzer, Nikola Poleksić e Mirna Nikčević.

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Order of Nine Angles blog

Fenrir. Journal of Satanism and the Sinister

O9A Archive. An Archive of the Order of Nine Angles

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/a-historia-e-as-polemicas-da-ordem-dos-nove-angulos/

O Menino Jesus

Toda poesia de Alberto Caeiro

Num meio-dia de fim de Primavera

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da Trindade.

No céu era tudo falso, tudo em desacordo

Com flores e árvores e pedras.

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma coroa toda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até com um trapo à roda da cintura

Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe

Como as outras crianças.

O seu pai era duas pessoas —

Um velho chamado José, que era carpinteiro,

E que não era pai dele;

E o outro pai era uma pomba estúpida,

A única pomba feia do mundo

Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala

Em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que ele, que só nascera da mãe,

E nunca tivera pai para amar com respeito,

Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.

Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu

E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o Sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

Atira pedras aos burros,

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

E, porque sabe que elas não gostam

E que toda a gente acha graça,

Corre atrás das raparigas

Que vão em ranchos pelas estradas

Com as bilhas às cabeças

E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as coisas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando a gente as tem na mão

E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente,

Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.

A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.

E o Espírito Santo coça-se com o bico

E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada

Das coisas que criou —

“Se é que ele as criou, do que duvido.” —

“Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,

Mas os seres não cantam nada.

Se cantassem seriam cantores.

Os seres existem e mais nada,

E por isso se chamam seres.”

E depois, cansado de dizer mal de Deus,

O Menino Jesus adormece nos meus braços

E eu levo-o ao colo para casa.

……

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Ele é o humano que é natural,

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza

Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina

É esta minha quotidiana vida de poeta,

E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.

E que o meu mínimo olhar

Me enche de sensação,

E o mais pequeno som, seja do que for,

Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segredo comum

Que é o de saber por toda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.

A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.

O meu ouvido atento alegremente a todos os sons

São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro

Na companhia de tudo

Que nunca pensamos um no outro,

Mas vivemos juntos e dois

Com um acordo íntimo

Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas

No degrau da porta de casa,

Graves como convém a um deus e a um poeta,

E como se cada pedra

Fosse todo um universo

E fosse por isso um grande perigo para ela

Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens

E ele sorri, porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos mares.

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer

E que anda com a luz do Sol

A variar os montes e os vales

E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.

Levo-o ao colo para dentro de casa

E deito-o, despindo-o lentamente

E como seguindo um ritual muito limpo

E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma

E às vezes acorda de noite

E brinca com os meus sonhos.

Vira uns de pernas para o ar,

Põe uns em cima dos outros

E bate as palmas sozinho

Sorrindo para o meu sono.

……

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa.

Despe o meu ser cansado e humano

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.

……

Esta é a história do meu Menino Jesus.

Por que razão que se perceba

Não há-de ser ela mais verdadeira

Que tudo quanto os filósofos pensam

E tudo quanto as religiões ensinam?

s.d.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). – 32.

“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Presença, nº 30. Coimbra: Jan.-Fev. 1931.

As Edições Textos para Reflexão voltam a publicar Fernando Pessoa, ou melhor, Mestre Caeiro. Em Toda poesia de Alberto Caeiro temos ao todo 3 livros – O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos –, além de diversos textos adicionais.

» Um livro digital já disponível para o Amazon Kindle e o Kobo

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#FernandoPessoa #Kindle #poesia #Jesus #Paganismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-menino-jesus

Referências Ocultistas em Promethea

O Alan Moore é um gênio. E Promethea é uma de suas obras primas, com referências muito mais complexas do que Watchmen ou mesmo a Liga Extraordinária.

Recentemente, comentei sobre uma sequencia de páginas de Promethea referentes a Daath e o pessoal me pediu para escrever sobre toda a série. Nesta série de posts, que começará no Sedentário e continuará no Teoria da Conspiração, tentarei comentar sobre as referências ocultistas que ele utilizou enquanto escrevia Promethea.

Não será um trabalho simples. Ao longo de 32 edições (que por si só já foi uma escolha pensada, visto que a Árvore da Vida possui 32 Paths (entre 10 Esferas e 22 Caminhos) que relacionam praticamente todos os Sistemas magísticos e filosóficos que existem.
A primeira HQ, “The Radiant Heavenly City”, traz na capa Promethea desenhada por ninguém menos do que Alex Ross, em um estilo egipcio, mas a própria capa já traz dentro de si algumas surpresas e referências:

O Nome “The Radiant Heavenly City” é uma referência bíblica; Apocalipse 22,14 “Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na Cidade Celestial pelas portas.”. A Cidade Celestial mencionada é o Paraíso que os crentes pensam que é de verdade e os ateus pensam que é de mentira mas, na realidade, é apenas simbólica para representar Kether, o Universo e a origem de todas as idéias. A Árvore da Vida é uma estrutura simbólica que representa todos os níveis de consciência humanos, de Malkuth (a pedra bruta) a Kether (o todo).

“Se Ela não existisse, nós teríamos de inventá-la” é uma referência ao maçon Voltaire, que disse “Se deus não existisse, nós teríamos de inventá-lo“.

E finalmente, o conjunto de imagens à direita de Promethea não são apenas desenhos aleatórios: são hieróglifos egipcios e símbolos esotéricos que contam uma história: O Sol (que acompanha Promethea durante sua jornada – o iniciado, iluminado); Ibis (que representa o Pai); O Por do Sol (que representa o fim de um período ou era); o Labirinto (que representa a jornada); O capacete (representando as muralhas de tróia, o conflito e a guerra); As águas e o olho (o despertar da consciência e a pesquisa – a protagonista entra na Jornada do Herói fazendo uma pesquisa a respeito de Promethea); os dois ankhs (herança – promethea é filha do sábio que morre no início da HQ), o escaravelho (renascimento de Promethea) e o Alef (o Começo)… em resumo para quem não leu: Alan Moore conta a história da primeira HQ em hieroglifos!

No Lado esquerdo, os hieroglifos representam as águas (consciência, emoções), a serpente e os dois lados da árvore da Vida (A via úmida e a via Seca dos alquimistas), a pena de Maat queimada (a incompletude), o abismo (a separação entre o reino material e o das idéias) a Lira e louros (representando a poesia e poetas), o Ankh (o domínio da árvore, a própria Promethea) e finalmente Hórus, filho do Sol. Novamente, para quem não leu, spoilers: Alan Moore explica que a idéia de Promethea e a escalada até a iluminação não pode ser destruída, permanecendo dormente até cruzar novamente o abismo através da poesia (ou textos).

O caduceu e as duas vias de subida na Árvore da Vida são representadas no bastão que Promethea segura. A palavra “Promethea” vem de Prometeus, o titã que roubou o fogo dos deuses para trazer aos mortais e, por causa, disso foi punido e condenado a permanecer acorrentado a uma rocha pela eternidade, com uma águia comendo seu fígado, que renascia a cada novo dia. Tal qual os símbolos, cujos significados atravessam o tempo e as culturas.

e acabamos a CAPA… faltam 32 paginas. Agora vocês têm uma idéia do porquê o Alan Moore é foda!

Alexandria 411 DC – Ano em que Santo Agostinho faz o discurso sobre “A imutabilidade de Deus é percebida através da mutabilidade de suas criações”. O mesmo tema de Promethea, já que estamos falando de idéias e formas mutáveis. Voce pode conferir este discurso no site do Vaticano. Obviamente a escolha da data não é uma coincidência.

O pai de Promethea está terminando traduções do egipcio para o grego (note as estátuas de Hermes e Toth sobre a mesa, representando o mesmo deus na cultura grega e egípcia) quando é abordado pelos fanáticos cristãos malucos. Ele possui o dom da profecia, não apenas avisando Promethea sobre seu reencontro (que só vai acontecer lá pela edição 19) mas também falando as frases dos cristãos antes deles próprios, demonstrando que já sabia seu destino e o aceitava (se ele previa o futuro, poderia ter fugido, mas não o fez, e estava sorrindo quando o mataram). Note as imagens do Sol nos cantos dos quadrinhos, desenhados como se estivesse pondo. A partir do começo da história, o Sol é retratado de uma forma moderna, mas DE OLHOS FECHADOS no presente, até o final do capítulo, quando o sol moderno abre os olhos ao renascimento de Promethea.

Na página 20-21, Promethea conversa pela primeira vez com Toth-Hermes. Ambos conversam com ela como se fossem uma única pessoa e explicam o que Moore chamou de Immateria, ou o que os cabalistas conhecem como Ruach, o Mundo das Idéias e Emoções. Ali, todas as histórias possuem vida e podem acessar nosso mundo de tempos em tempos. Carl Jung chamou este estado de consciência de Inconsciente Coletivo e Richard Dawkins chamou estas “idéias vivas” de Memeplexes.

Na página 22 é mostrado um Centauro como sendo o tutor de Promethea. Centauros são construções imagéticas que representam o signo de Sagitário. Sagitário, ou Fogo Mutável, é a essência espiritual/filosófica manifestada no estado mental; é o processo de síntese: de reunir várias teorias e configurá-las em uma tese, como uma espiral.
No arquétipo grego, este período de tempo no qual estas energias estavam mais manifestas coincidia com a fase próxima ao inverno, quando eram valorizados os caçadores e os cavalos (a caça era necessária para obter carne e peles para o inverno e o cavalo para percorrer estas distâncias), daí a fusão de cavalo + cavaleiro em uma única figura, que absorvia o arquétipo de acadêmico e se tornava Quíron, o professor de Herakles (o Sol, filho de Deus com uma humana, Jesus, o Iniciado).

Na última página, uma referência o Arcano do Mundo, do tarot. Moore coloca como símbolos dos quatro elementos o Escaravelho (Terra), os Louros (Fogo), o pássaro/Toth (Água) e o Homem/Hermes (Ar).
Esta representação iconográfica acaba confundindo um pouco os iniciantes, porque aparentemente o pássaro deveria representar o Ar, mas a razão para isso é astronômica. Quando os primeiros zodíacos foram criados na Babilônia, o posicionamento das constelações no céu era diferente do que está ai hoje e a que ocupava o correspondente às emoções era a Constelação de Aquila (daí a imagem da Águia Dourada estar associada à Coragem) e o Ar é a constelação de Aquadeiro (era representado por um homem carregando uma jarra de água, o que causa confusão nos esquisotéricos com o nome Aquário e a correlação com o elemento AR). Constelações e os Signos nunca tiveram nada a ver um com o outro, ao contrário do que a Veja e os leigos astrônomos afirmaram recentemente.

#AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/refer%C3%AAncias-ocultistas-em-promethea

As Musas

Para todo povo há entidades intermediárias, às vezes são os próprios deuses, outras semideuses. As Musas, habitantes do Olimpo, são deusas.

Filhas de Zeus e Mnemósine, sua quinta esposa, com a qual se uniu sob a aparência de um pastor, foram engendradas em nove noites distintas, longe dos demais imortais, com o objeto de que tivesse quem celebrasse a vitória dos Olímpicos sobre os Titãs.

Deusas da Memória (do céu) e da inspiração poética, atribui-se-lhes o poder de dar os nomes convenientes a todos os seres. Guardiãs do oráculo de Delfos , dizem “o que é, o que será e o que foi”.

Ainda que tenham nascido no morro Pierio, e ainda que visitem o Olimpo, onde alegram as festas dos imortais com seus cantos com que fazem resplandescer o palácio de seu pai, gostam de se reunir no cume do monte Helicão, de onde se aproximam na noite até a morada dos homens, que podem ouvir assim, na quietude, a melodia de suas vozes. Elas comunicam também aos olímpicos os males e sofrimentos destes, o canto de cuja criação é uma alegria para Zeus.

Estas entidades femininas, capazes de tomar indefinidas formas, e de não as tomar, e de revelar aos homens –se assim elas o desejarem–, seja através da harmonia daquelas, ou mediante o ritmo e o número, ou diretamente de sua própria voz, os mistérios da geração dos deuses, da ordem da Cosmogonia, das façanhas dos heróis em procura do céu e da cosmificação da terra, têm o poder de transformar a realidade, pois a audição de seus cantos faz do sensível símbolo da harmonia da Alma do mundo, manifestação e imagem do deus polar, Apolo.

Elas unem o homem com o sagrado porque estão diretamente vinculadas com o segredo e a harmonia da Criação (Cosmogonia) que revelam na alma humana, onde a reproduzem (poiésis = criação), e que conduzem assim ao pé do eixo que une os mundos, simbolizado na fonte, na pedra, na azinheira1, que aparecem no começo do canto de Hesíodo, a Teogonia. Como no Museu, onde se acham os produtos daquela audição e, portanto, da Memória, ao abrir um livro inspirado se abre também seu templo, ou mansão.

Ainda que apareçam como virgens, algumas tiveram filhos com deuses e homens; no entanto os destinos desta descendência assinala como o verdadeiro fim a geração espiritual, supracósmica, às vezes de forma trágica, como é o caso de Lino, filho de Urânia e de um mortal, ou, segundo alguns, de Apolo e Calíope –ou Terpsícore–, a quem este matou ao ser desafiado no canto; outras, como exclusiva geração do amor, como o de Himeneo, nascido da união de Apolo e Calíope.

Sendo ao começo três, quando nos tempos arcaicos, seu número ficou fixado em nove segundo a Teogonia de Hesíodo, a quem elas mesmas a revelaram, e seus próprios nomes estão unidos a sua função:

Clío: que preside a História, e que canta a “glória” dos homens e a “celebração” dos deuses, sendo seus atributos a trombeta heróica e a clepsidra.

Eutherpe: “a que sabe agradar”, e que preside a música de flauta e outros instrumentos de sopro.

Thalía: a comédia, “a que traz flores”, ou “a que floresce”, nome também de uma das três Graças, representada com a máscara da comédia e o bastão de pastor.

Melpómene: a tragédia, a que canta “o que merece ser cantado”, representada com a máscara trágica e a clava de Hércules.

Terpsícore: a música em geral e a dança, a que “ama a dança”, cujo atributo é a cítara.

Erato: a poesia lírica e os cantos sagrados, acompanhada pela lira e o arco, cujo nome procede de Eros, o primeiro deus que apareceu após Gea, nascida de Caos e geradora dos demais deuses.

Polimnia: a arte mímica, a que inspira a união dos “múltiplos hinos”, e se vinculam a ela a retórica, a eloqüência, a persuasão, representando-a com um dedo nos lábios.

Urânia: a “celeste”, a astronomia, a contemplação da harmonia do céu, representada com um trípode junto a ela.

Calíope: a poesia épica, a de voz “mais bela” ou “verdadeira”, a que reproduz a imagem do som primordial que se ouve no centro de todo ser, e que só depois de determinado estádio do ciclo se acha na cúspide da Montanha (Helicão), que deve ascender aquele que realiza o caminho de retorno, haja vista que o Olimpo é o lugar dos deuses imortais (os estados supra-individuais do ser), montanha celeste à qual elas mesmas se dirigem desde a anterior, após ter presenteado os homens, enquanto deixam ouvir depois de si um “encantador som que surge de seus passos”.

1 N.T. – Azinheira = Quercus ilex – Árvore de até 27 metros, de copa ovóide ou arredondada. Ritidoma não suberoso e escamoso-gretado. Ramos principais eretos. Raminhos estreitos e tomentosos. Folhas persistentes, orbiculares. As juvenis são serradas, as adultas são inteiras. Bolotas de maturação anual, aquénios e cúpula, com escamas imbricadas mais ou menos aplicadas e tomentosas.

#hermetismo

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Aleister Crowley: a genial biografia da Besta

Tamosauskas

Imagine ser um cristão e não saber como Cristo morreu, um muçulmano que não conhece a vida de Maomé ou um judeu que nunca ouviu falar da infância de Moisés. Parece um absurdo, mas imagine então ser um ocultista no século XXI que não sabe nada sobre a vida de Aleister Crowley. Assim como os personagens citados antes, ele foi o profeta e comentador de uma revelação religiosa, teve uma passagem pela Terra igualmente interessante e transformou para sempre o cenário magístico do planeta, seja você thelemita ou não. Esta é a importância do livro “Aleister Crowley: a biografia de um mago” de Johann Heyss, o primeiro tomo da trilogia thelema da editora Presságio. Sem Crowley não haveria wicca, magia de maat, satanismo moderno, luciferianismo,  magia do caos ou igreja elétrica. E estes são apenas alguns dos nomes dos seus muitos filhos.

Johann é por si só figurinha carimbada no meio thelemita. O autor já escreveu outros dois livros sobre o Tarô de Thoth, vários sobre numerologia além de diversas obras de ficção e poesia. Mais recentemente encabeçou a tradução do Livro da Lei comentado por Aleister Crowley também pela Presságio Editora. Além de escritor e tradutor é ainda é músico, carreira na qual igualmente deixa transparecer suas influências ocultistas.

Nesta biografia, que é única escrita originalmente em português, Johann conta toda a trajetória  do mago inglês, desde seus primeiros anos como o pequeno Edward Alexander Crowley, filho de um casal evangélico até seu leito de morte como A Grande Besta regado de trovões e ventania. O livro passa ainda por sua movimentada vida como bissexual, inseparável de sua vasta obra mágika e literária e diversos rumores de zoofilia, sadomasoquismo, diabolismo, canibalismo, coprofagia, de ser espião de guerra e pai de Barbara Bush, futura primeira dama dos Estados Unidos. Algumas dessas lendas -e várias outras – são reais, mais você terá que ler o livro para saber. O livro conta ainda com apêndices contendo citações importantes sobre Crowley, seu mapa astral e uma lista com toda a sua bibliografia produzida.

Entre o não tão inocente Alexander e o nada inocente To Mega Therion, uma vida de descoberta, aceitação (não sem certa hesitação) e desenvolvimento da Thelema, uma nova religião trazendo uma nova lei para a humanidade baseada nos preceitos de “Faze o que tu queres  de ser tudo da Lei” e “Todo homem e toda mulher é uma estrela”. Esta nova religião talvez nunca chegue a ser uma religião das massas, mas sem dúvida nenhuma as massas já são influenciadas por ela.”Que meus servidores sejam poucos & secretos: eles deverão reger os muitos & os conhecidos. ” No meio ocultista sei impacto é crescente e na literatura inspirou nomes como Fernando Pessoa,  Jorge Luis Borges e Alan Moore. Na música nomes que vão de Beatles a Jay-Z (passando por Ozzy, David Bowie, Raul Seixas e Klaxons), levaram seus preceitos para as multidões.

O livro de Johann conta com detalhes toda a história e contexto no qual o Livro da Lei foi escrito e todo o esforço que Crowley fez para levar esta mensagem ao mundo, mas conta também todo desenvolvimento biográfico anterior e posterior a este ponto culminante.  A obra é dividida em cinco partes. Na primeira vemos sua infância infernal e sua a rápida rejeição a religiosidade da época vitoriana até o inicio de seu interesse pelo esoterismo.  Na segunda parte testemunhamos sua conturbada passagem pela Golden Dawn. Na terceira está descrito o início do Novo Éon com o recebimento do Livro da Lei e demais livros sagrados de Thelema e sua ascenção ao status de celebridade magicka.

Mas nem tudo são flores para a Besta. Como se  “o pior homem do mundo” demonstrasse na própria carne o que afirmou a dizer que “Os ‘senhores da terra’ são aqueles que estão realizando sua vontade. Não quer dizer necessariamente que sejam indivíduos com diademas e automóveis: muitos deles são os mais pesarosos escravos do mundo.” Assim no quarto e quinto capítulo sentimos o cheiro de pólvora e o coice da arma que disparou o éon de hórus passar por dificuldades financeiras, judiciais, de relacionamento, depressão e problemas com vício em heroína. Contudo nesses mesmos capítulos temos o desenvolvimento de alguns de seus principais livros, seu aprimoramento na magia sexual, sua entrada e reformulação da Ordo Templi Orientis, seu encontro com Leah Hirsig, “a mulher escarlate definitiva”, fundação da  Abadia de Thelema – primeira das Sociedades Alternativas – e a criação de seu famoso tarô com Frieda Harris. Prenúncios de que a nova era não seria fácil, mas seria muito criativa.

Aleister Crowley: a biografia de um mago” nem por um segundo tenta esconder os defeitos de Frater Perdurabo. Pelo contrário, demonstra que ele tinha defeitos comuns aos homens de seu tempo e também defeitos muito particulares. O autor faz uma leitura crítica de sua vida e convida o leitor a fazer o mesmo sem com isso desmerecer o impacto de sua mensagem para o mundo. Citando Johann Heyss: “Aleister Crowley é como um cartão em branco, no qual você ode escrever sua própria definição, a qual será, ao menos em parte, verdadeira. Partindo da perspectiva do processo iniciático, é possível perceber o fio de coerência que permeia os disparates deste personagem hoje lendário, à parte qualquer aprovação ou desaprovação.”

Durante sua vida Crowley foi descrito como a Grande Besta do Apocalipse, “o escolhido sacerdote  & apóstolo do espaço infinito” cuja revelação rasgou os véus do templo vitoriano, mas também como um belo filho da puta ou ainda como um ser humano capaz de errar e de sofrer. Alguém em busca do império da verdadeira Vontade, mas também levado pela vida a pagar contas e chorar a morte dos filhos. Em muitos sentidos uma pessoa além do seu tempo e em muito outros um homem de sua época. A biografia feita por Johann Heyss é sem dúvida a mais completa que temos.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/aleister-crowley-biografia/

H.P. Lovecraft e suas Tendências Xamanistas

Os sonhos de Lovecraft desempenharam um papel importante em sua ficção. HPL transformou vários de seus sonhos em histórias. Por exemplo,  “O Depoimento de Randolph Carter”  recontou um dos sonhos de HPL. Nesse sonho, ele fez o papel de Randolph Carter, enquanto seu amigo, Samuel Loveman, fez o papel de Harley Warren.

 Após a morte de Lovecraft, o grito de Lovecraft para a ficção foi tão grande que Bernard Austin Dwyer, um discípulo de HPL, publicou um dos relatos dos sonhos do autor como  “O Clerigo Maligno”.

Além das histórias que eram supostamente seus sonhos, os sonhos também tinham lugar proeminente como dispositivos de enredo nas narrativas de HPL.

Às vezes, Howard colocava seu sonho dentro de uma história. Em outros casos, o sonho contado era uma releitura do esboço de um sonho real em um conto. Por exemplo, em  “O chamado de Cthulhu” , o sonho de Henry Anthony Wilcox com um monólito feito em barro fresco, esculpido em baixo-relevo, é levado para um professor da Universidade para sua interpretação, representando em substância, senão em detalhes, uma parte de um sonho de Lovecraft.

No entanto, não se deve saltar para a conclusão de que todos os contos da ficção de Lovecraft vieram de seus sonhos. Em Lovecraft, o autor WH Pugmire observou:

Lovecraft produziu um mundo que fundiu prontamente com os muitos mundos de seus sonhos e fantasias, mas seus sonhos não eram, ao contrário de uma crença que se espalhou entre seus leitores, completamente traduzidos na ficção”.

Não importa o quão as imagens de seus sonhos eram fantásticas, eles eram difíceis de serem encaixados em um enredo coerente com um clímax.

Neste artigo, vamos explorar três questões que cercam os sonhos de Lovecraft:

1) Será que os sonhos fantásticos de Lovecraft provam, já que alguns ocultistas afirmam, que ele era um ocultista no armário? 

2) Quais os fatores que permitiram HPL acessar as fabulosas ilhas do sonhos (“dreamscapes”, referidos em seus contos), e que não estão disponível para dormentes comuns?

3) O que Timothy Leary, os nativos americanos, a Medicina Popular e os sonhos de Lovecraft têm em comum?

  • O fantástico mundo dos sonhos e as reivindicações do Ocultismo de Lovecraft.

Com base na fabulosa vida dos sonhos de Lovecraft e sua utilização do lendário  Necronomicon , alguns entusiastas ocultistas pintam Lovecraft como um ocultista de armário ou um feiticeiro secreto.

No entanto, ao longo da vida, Howard argumentou contra a aceitação da magia e do sobrenatural.O Ateísmo e materialismo de HP Lovecraft foram exaustivamente documentados. Por exemplo, Lovecraft proclamou:

“Tudo o que eu digo é que eu acho estupidamente improvável que qualquer coisa como uma “vontade fundamental cósmica”, um mundo espiritual, ou uma sobrevivência eterna da personalidade, possam existir. Essas suposições são as mais absurdas e injustificadas de todas as suposições que podem ser feitas sobre o universo, e eu não posso fingir que eu não considero-nas como insignificantes. Em teoria, eu sou agnóstico, mas enquanto aguardo o surgimento de evidências radicais que devem ser classificadas, de forma prática e provisoriamente, eu me mantenho como um ateu “. [H.P. Lovecraft’s Letter to Robert E. Howard, August 16, 1932]

Apesar do ateísmo declarado de Lovecraft, alguns ocultistas ainda implicam que Howard viveu uma vida dupla – e seu lado oculto é o de um praticante da alta magia.

Com certeza, algumas das opiniões de Lovecraft evoluíram ao longo do tempo. Por exemplo, as relações de HPL com os judeus – Seu casamento com Sonia Greene (uma mulher judia) e sua amizade ao longo da vida com Samuel Loveman – desafiou elementos de seu viés racial. Esse amolecimento pode ser refletido na maneira diferente que ele via estrangeiros como em sua descrição empática dos Antigos  em  “Nas Montanhas da Loucura”  (1931):

“Não tinham sido sequer selvagens… pois, na verdade, o que tinham feito? Aquele horrível despertar no frio de uma época desconhecida… talvez um ataque dos quadrúpedes peludos, que latiam com frenesi, e uma defesa atônita contra eles e contra os igualmente frenéticos símios brancos com estranhos envoltórios e equipamentos… Pobre Lake, pobre Gedney…. e pobres Antigos! Cientistas até o fim… o que haviam feito que não faríamos em seu lugar? Deus, que inteligência, que persistência! Com que denodo haviam enfrentado o inacreditável, da mesma forma como aquelesparentes e ancestrais esculpidos haviam enfrentado coisas só um pouco menos inacreditáveis! Radiados, vegetais, monstruosidades, progênie das estrelas… não importa o que tivessem sido, eram homens!”.

Surge a pergunta: “Ao longo dos anos, teria o severo ateísmo de Lovecraft se atenuado da mesma forma?”

  • Será que o uso de Lovecraft do Necronomicon provaria seu Ocultismo?

Uma lenda urbana sugere que a iniciação esotérica de Lovecraft veio através de sua esposa, Sonia Greene.

Sra. Greene supostamente teve um caso antes com um assistente notório, Aleister Crowley:

“Em 1918, Crowley estava em Nova York. Como sempre, ele estava tentando estabelecer sua reputação literária, e estava contribuindo para a Feira Internacional da Vaidade. Sonia Greene era uma emigrante judia enérgica e ambiciosa, com ambições literárias, e ela se juntou a um jantar e palestra em um clube chamado ‘Walker’s Sunrise Club’; foi lá que ela encontrou pela primeira vez Crowley, que havia sido convidado para dar uma palestra sobre poesia moderna … Crowley não perdeu tempo na medida em que se preocupava com mulheres; eles se encontraram de forma irregular por alguns meses “. [The Necronomicon Anti-FAQ, “Why did the novelist H.P. Lovecraft claim to have invented the Necronomicon?” by Colin Low, 1995].

Fora a suposta conexão entre Greene-Crowley, Lovecraft adquiriu conhecimento do temido livro. Alguns ocultistas cibernautas que acreditam que “se está na internet, deve ser verdade”, acabam espalhando esta idéia.

Mais tarde, a fonte da lenda “Crowley-Greene-Lovecraft-Necronomicon” desmentiu a história:

“Apesar de muitas tentativas de mostrar que o  Necronomicon é nada mais do que invenção literária de Lovecraft, um grupo de autores proeminentes e ocultistas alegou fornecer a confirmação da parte da reivindicação de Lovecraft … essa explicação [onde Lovecraft adquiriu o  Necronomicon ] (promovido pela autor em um momento prolongado de maldade), que a mulher de Lovecraft Sonia Greene associada com o ocultista famoso e poeta Aleister Crowley durante sua residência em Nova York, em 1918, é completamente plausível e coerente com ambos os personagens, mas inteiramente falsa “.

Ainda assim, os teóricos do Necronomicon inventam outros meios para provar a existência do Grimório da temida fábula. Para ser justo, Lovecraftianos gostam de especular se o  Necronomicon  teve sua base na realidade.

Um escritor comparou o Necronomicon de Lovecraft com a sacada de mestre de Orsons Wells:

“O Necronomicon de Lovecraft  é equivalente a transmissão de rádio Orson Wells de “Guerra dos Mundos” em 1938, onde todos acreditaram ser uma invasão alienígena real. Como o próprio Lovecraft escreveu: “Nenhuma história estranha pode realmente produzir terror se não for planejada com todo o cuidado e verisimilitude de uma farsa real ‘”[Dr. John Dee, the Necronomicon & the Cleansing of the World – A Gnostic Trail”, by Colin Low, 2000].

Assim, a existência muito debatida do ficcional Necronomicon fornece nenhuma evidência da noção igualmente fictícia que Lovecraft se envolveu com o ocultismo.

  • Ainda assim, o Ateísmo impede a crença no sobrenatural?

Algumas pessoas, no mesmo passo que são ateus estridentes em relação aos deuses tradicionais, começam a crer em uma infinidade de crenças New Age.

O Sistema New Age muitas vezes favorece o subjetivo sobre o objetivo. A experiência supera evidências. Se algo parece verdadeiro, é, mesmo que você não possa descobrir isso. A intuição substitui intelecto. O que se sente verdadeiro torna-se um fato funcional.

A velha declaração de Arquivo X que a “Verdade está lá fora”, em vez de estar entre suas orelhas, simboliza essa ética.

Em contraste com o dualismo metafísico, Lovecraft manteve-se intratável sobre o tema do paranormal ao longo de sua vida. Quando ele veio para o sobrenatural com o uso de ocultismo em suas histórias, HPL declarou:

“Não. Eu nunca li ou usei o jargão de” ocultismo ” na escrita formal … O “estranho” é mais eficaz, pois ele evita as superstições vulgares e fórmulas populares de culto. Eu sou … um materialista absoluto … não ponho um pingo de credibilidade em qualquer forma de sobrenaturalismo, espiritualismo, transcendentalismo, psicose, ou imortalidade. Pode ser, porém, que eu pudesse obter os germes de algumas boas idéias do tamborilar atual da orla lunática psíquica; E eu tenho frequentemente pensado de obter alguma idéia do lixo vendido em uma loja ocultista de livros na 46th St. O problema é que isso custa muito no meu estado atual. Quanto custou o folheto que você acabou de ler? Se qualquer um desses cultos de “crack cerebral” tem livretos gratuitos e “literatura” com uma matéria descritiva sugestiva, eu não me importaria de ter o meu nome em suas listas de ‘otário’. A idéia de que a magia negra existe em segredo hoje, ou que os ritos antigos infernais ainda sobrevivem na obscuridade, é a que eu tenho trabalhado… “[H.P. Lovecraft’s Letter to Clark Ashton Smith, October 9, 1925].

No máximo, Howard usou referências a livros como o  Necronomicon e seu panteão de Antigos como adereços para suspender a descrença a quem lesse sua ficção.

É preciso ter cuidado em tirar conclusões precipitadas. Por exemplo, só porque alguém conhece o  Necronomicon não faz dessa pessoa um ocultista.

  • O Xamanismo “acidental”:

Em seguida, eu gostaria de explorar as facetas do estilo de vida de Lovecraft que espelham as práticas ascéticas de um xamã. Como HPL seguiu disciplinas de um xamã, ele inconscientemente despertou os motivos inconscientes para que visões xamânicas tradicionais surgissem.

A palavra “acidental” é de primordial importância em nossa discussão. Como já observamos, Lovecraft não tinha mais espaço para o xamanismo do que para qualquer prática espiritual em sua sã consciência em vigília. E eu sinto que qualquer artigo sobre Lovecraft deva respeitar suas crenças declaradas.

No entanto, algumas excentricidades do estilo de vida de HPL fornecem terreno fértil para os seus sonhos xamânicos. Essas tendências são:

1) A privação do sono. 

2) Jejum. 

3) O celibato. 

4) Isolamento.

  • 1#Tendência Xamânica: A privação do sono.

Primeiro, Lovecraft era um insone completo.

Em tenra idade, HPL experimentou os terrores noturnos, uma série de pesadelos vívidos especialmente quando uma pessoa acorda rapidamente do sono profundo em um estado apavorado. O jovem Howard teria sido perseguido por aquilo que ele chamou de “Night Gaunts” – criaturas enormes aladas como morcegos sem rosto – que agarravam-lhe pelo estômago, levantando-o a alturas vertiginosas, em seguida, soltando-o sobre a terra abaixo. HPL tomou medidas para evitar o sono, desde que o sono representou a porta de entrada para as bestas escuras de seu inconsciente.

Na idade adulta, Lovecraft era conhecido por ficar sem dormir em muitas de suas viagens para se encontrar com seus correspondentes. Às vezes HPL passou três dias sem dormir. Para ser justo com Lovecraft, ele passou longo tempo sem noites de sono para maximizar o tempo e tirar o máximo proveito de suas viagens. Suas excursões para descobrir a arquitetura de antiquário foram uma das paixões de HPL. Os passeios pela arquitetura em êxtase muitas vezes deixava-o com os pés doloridos.

Um biógrafo observou: “Embora todas as suas queixas sobre a falta de energia, Lovecraft, quando passeava, ultrapassava a resistencia de seus companheiros” [Lovecraft: A Biography, by L. Sprague de Camp, 1976, p. 385.]

Hart Crane, um conhecido de Lovecraft, escreveu sobre a capacidade de HPL em ficar sem dormir, em uma carta para sua mãe no dia 14 de setembro de 1924:

“… Howard Lovecraft, (o homem que visitou Sam em Cleveland num verão quando Galpin também estava lá) manteve Sam perambulando ao redor das favelas e ruas do cais até as quatro da manhã à procura de exemplares da arquitetura colonial, até que Sam me disse que ele gemeu com fadiga e implorou para que fossem para o metrô! [Ibid., p. 237].

Edgar Hoffman Price também lembrou que um dos passeios sem dormir de Lovecraft:

No ano seguinte, [1933], HPL e eu nos encontramos em Providence, em 66 College Street. Sra. Gamwell, foi, então, no hospital, de modo que não havia ninguém para nos convencer a manter-lo em sãs horas. Minha lembrança é que desta vez, estávamos em viagem por 34 horas … “[ Ibid., p. 403].

Lovecraft reforçou a sua capacidade de ficar sem dormir com café. Ele bebeu grandes quantidades de Java – café cujos grãos são produzidos na ilha de Java na Indonésia – atado com grandes quantidades de açúcar – até quatro colheres por xícara.

Um detalhe auxiliar a práticas de sono de Lovecraft era que ele dormia durante o dia e ficou acordado até tarde da noite.

Os ritmos circadianos em humanos regulam a temperatura do núcleo do corpo, a atividade das ondas cerebrais, a produção de hormônios, a regeneração celular, secreções endócrinas e outras atividades biológicas. Um dos ritmos circadianos é modulado em ciclos de 24 horas de luz solar e trevas.

O rompimento de padrões de sono leva à interrupção do sono REM – o período do sono em que ocorrem os sonhos. Quando os sonhos são negados em uma tomada inconsciente, eles buscam expressões conscientes. Assim, as alucinações podem ocorrer.

Que efeito teve um curto-circuito dos ritmos circadianos sobre Lovecraft? Talvez a pergunta deva ser: “Onde termina o sonho do sono, e o sonhar acordado começa?”

  • #2 Tendência Xamânica: O jejum.

Em segundo lugar, Lovecraft praticou uma severa medida de jejum.

HPL foi, em grande parte, indiferente aos alimentos em geral. Ele não era tentado pelos gourmets, e se gabava de quão pouco custava-lhe comer.

Exceto para os dois anos em que ele viveu com Sonia Green, onde o peso de Lovecraft inchou de seu ideal aristocrático, HPL mal comia o suficiente para se manter vivo.

A idiossincrasia de alimentos não promovia sua saúde. A desnutrição causada pela dieta espartana de Howard, levou a um colapso em seu sistema imunológico que promoveu o câncer oportunista que depois o matou.

Mas Howard acreditava que seu cérebro funcionava melhor quando era um pouco desnutrido. Ele experimentou sua dieta frugal para aumentar a freqüência e a intensidade de seus sonhos misteriosos.

  • #3 Tendência Xamânica: O celibato .

Em terceiro lugar, Lovecraft praticou o celibato sexual. Os benefícios ascéticos de celibato em tradições esotéricas e religiosas são discutíveis. Além do casamento de Howard com Sonia Greene, a partir de minha leitura de vários biógrafos, Lovecraft viveu os costumes sexualmente repressivos engendrados por uma forte ética vitoriana.

Mais que o reconhecimento, a sexualidade de Lovecraft parece ser como a mancha de tinta de Rorschach – o que cada pessoa vê depende da orientação que pretende encontrar.

Em um nível prático, como muitos intelectuais: “Lovecraft focou suas atenções e esforços em atividades mentais, em vez de físicos, e, simplesmente, não tinha fortes interesses sexuais em tudo” [“H.P. Lovecraft Misconceptions”, by Donovan K. Loucks,http://www.hplovecraft.com/, May 14,  2011].

Da mesma forma, a abstinência de Lovecraft de beber e fumar também permitiu-lhe uma perseguição indivisada ou não diluída de seus interesses acadêmicos.

  • #4 Tendência Xamânica: Isolamento.

Em quarto lugar, Lovecraft ironicamente às vezes se comparou a um asceta ou eremita. Mais uma vez, HPL não viu seu ascetismo surgir a partir de uma noção religiosa ou espiritual.

No entanto, períodos de isolamento físicos e psicológicos foram marcantes na vida de Lovecraft.

Em algum nível, Lovecraft sentiu como se estivesse fora de passo com a vida. Ele sentiu-se um estranho em seu próprio mundo. Às vezes, HPL vivia como um eremita. Entre 1908-1914, Howard se retirou da vida social, devido a um colapso nervoso relatado. Em casos contrários, apesar do estereótipo, Howard envolvia-se socialmente, através de seu grande círculo de amigos literáriose e suas freqüentes viagens para visitá-los.

Apesar de seu compromisso com a vida, Lovecraft muitas vezes sentiu-se estranho, devido às suas limitações financeiras, a incapacidade de mudar as circunstâncias, a sua predisposição para a depressão, entre outros fatores. HPL falou de seus sentimentos na terceira pessoa, que muitas vezes é um sinal de sentimento distanciado da vida:

No entanto, posso garantir-vos que este ponto de vista é associado a uma das mais simples  e, mais discretamente, antiquada personalidade a se aposentar um dia: a do velho eremita e asceta que ainda não conhece o tempo contemporâneo que lhe cerca com festas e atividades joviais, e que durante o próximo inverno, provavelmente, não irá resistir as suas sentenças consecutivas: salvo por duas tias idosas!” [H.P. Lovecraft’s Letter to August Derleth: November 21, 1930].

  • O Efeito Sinérgico do Ascetismo acidental de Lovecraft

Quais são os efeitos que as práticas xamânicas acidentais de Lovecraft induzem?

Um dos resultados da privação de sono prolongada inclui vários tipos de psicoses. Lovecraft ficou muitas vezes em dias sem dormir. Um estudo relata que um total de 80% das pessoas, que passaram longas crises de insônia, também sofrem alucinações visuais [Can Sleep Deprivation Cause Hallucinations? Seeing Things May Occur with Extreme Sleep Loss” By Brandon Peters, M.D., About.com, September 01, 2011.]

O comportamento alcança seu limite quando uma pessoa experimenta um estado de sonho ou alucinação que parece tão real quanto se o evento realmente ocorresse.

Lovecraft afirmou que seus sonhos eram tão genuínos que ao acordar, a impressão de sua “verdade” o atormentava:

Eu tenho relacionado isso em detalhes, porque me impressionou muito vividamente. Isto não é um romance sobre reencarnação de Co [abreviação para Ira A. Cole] , você vai ver que esse sonho não tem clímax ou ponto, mas era muito real … Neste ponto você me perguntará de onde vêm estas histórias! Eu respondo de acordo com o seu pragmatismo que o sonho era tão real quanto a minha presença nesta mesa, com a caneta na mão! Se a verdade ou a falsidade de nossas crenças e impressões são imateriais, então eu sou, ou era, na verdade, e, indiscutivelmente, um espírito sem carroçaria pairando sobre uma cidade muito singular, muito silenciosa, e muito antiga em algum lugar entre cinzentas colinas mortas. Eu pensei que estava na hora, então o que mais importa? Você acha que eu era tão verdadeiro em espírito como estou agora como HP Lovecraft? Eu não “[H.P. Lovecraft’s Letter to Maurice W. Moe, May 15, 1918].

Para recapitular, os elementos do estilo de vida de Lovecraft incluíram:

1) Perturbação Ritmo circadiano porque HPL dormia de dia e percorriam as ruas de noite. 

2) Uma auto-imposta privação de sono que durou três dias, muitas vezes ao mesmo tempo. 

3) Jejum que lhe abstia de clareza mental e valorizava seu sonho. 

4) A abnegação em áreas – sexo, fumo e bebida forte – que se concentravam suas energias na criatividade.

5) Os períodos de isolamento físico e emocional que fomentaram o sentimento de separatividade.

Como Lovecraft viveu esses fatores, o lado esquerdo do cérebro intelectual agitou acidentalmente os motivos inconscientes para as visões xamânicas tradicionais surgirem.

HPL descreveu a escala de suas visões imaginativas:

“… Como meros fios, essas fantasias misturadas não valem a pena; mas sendo sonhos de boa-fé, eles são bastante pitorescos. Dá uma sensação de experiência estranha, fantástica, sobrenaturalde ter visto estas coisas estranhas, aparentemente, com o olho visual. Eu sonhei assim desde que eu era velho o suficiente para lembrar dos sonhos, e provavelmente serei até eu descer ao Averno … Na verdade, eu viajei para lugares estranhos que não estão sobre a terra ou em qualquer planeta conhecido. Tenho sido um piloto de cometas, e um irmão para as nebulosas … “[H.P. Lovecraft’s Letter to Rheinhart Kleiner, May 21, 1920]

  • Sonhos Caleidoscópicos e Visões Psicodélicas:

O que os xamãs modernos, como Timothy Leary e xamãs mais velhos, como os nativos americanos, têm em comum?

Ambos usaram drogas para lançar chaves químicas em seus cérebros que levaram-lhes em suas viagens vibrantes e visões. Dr. Leary usou LSD, enquanto algumas pessoas costumavam se dirgir até a Medicina mescalina. Quando numa dessas viagens psicodélicas foi utilizado o elemento químico certo, LSD, o que se procede é algo assim:

“… Altera profundamente e expande a consciência, soltando ou apagando completamente os filtros normais e telas entre sua mente consciente e o mundo exterior. Com estes filtros para baixo, mais informações correm para dentro. Você sente mais, pensa mais. Você se torna consciente das coisas normalmente filtradas por sua mente – visuais, auditivas, sensoriais e emocionais. Os intrincados detalhes em superfícies, a riqueza de som, o brilho das cores, e a complexidade de seus próprios processos mentais são todos trazidos para o primeiro plano de sua consciência. Em doses mais elevadas, a pressa de informação torna-se uma inundação e os seus sentidos, na verdade, começam a se fundir e se sobrepõem … até que você pode ver sons ou cheirar cores “. [LSD Effects”, The GoodDrugsGuide.Com]

LSD também altera o sentido do tempo e da percepção visual:

Efeitos primários do LSD são visuais. As cores parecem mais fortes e as luzes parecem mais brilhantes. Os objetos que são estáveis podem parecer se mover ou ter um halo de luz em torno deles. Às vezes, os objetos têm trilhas de luz provenientes deles ou parecem menores ou maiores do que realmente são. Usuários de LSD muitas vezes veem padrões, formas, cores e texturas. Às vezes parece que o tempo está correndo para trás, ou se movendo muito rapidamente ou lentamente. Em ocasiões muito raras … tropeços podem causar sinestesia – uma confusão de sensações entre diferentes tipos de estímulos. Algumas pessoas descreveram isso como ver cores quando ouvem sons específicos “[How LSD Works”, by Shanna Freeman,]

Eu nunca usei uma droga psicodélica, então eu não posso descrever um LSD ou mescalina a partir da experiência pessoal. É por isso que eu incluí descrições de como um agente alucinógeno afeta a percepção e as sensações de uma pessoa.

O que eu proponho é o seguinte: Como Lovecraft praticou os estilos de vida com traços de xamanismo acidental, ele tropeçou nas mesmas chaves químicas do cérebro que outros precisariam usar alucinógenos para ativar.

O resultado foi que os sonhos e a imaginação de Lovecraft expressavam a mesma experiência de outro mundo de alguém que usou drogas psicodélicas. Tristan Eldritch primeiro comparou os escritos de Lovecraft para experiências psicodélicas. No entanto, a pesquisa não explorou o estilo de vida ascético de Lovecraft como contribuindo para a psicodélica magnitude de sonhos e prosa de HPL.

Além da semelhança em experiências fantasmagóricas, gostaria de salientar a percepção de distorção de tempo que Lovecraft procurou esteticamente e a perturbação de tempo em uma viagem alucinógena.

Lovecraft procurou êxtases estéticos:

“… Que … invariavelmente implica uma derrota total das leis de tempo, espaço, matéria e energia, ou melhor, uma independência individual dessas leis da minha parte, em que eu possa navegar através dos universos variados de espaço-tempo como um invisível vapor que possa perturbar … nenhum deles, no entanto, é superior aos seus limites e formas locais de organização material “[H.P. Lovecraft’s Letter to August Derleth, December 25, 1930]

Observe que Lovecraft buscava um estado de ser, que incluiu um senso de independência das leis da época. A descrição de HPL corresponde à distorção de tempo que faz parte de uma experiência psicodélica:

… Às vezes parece que o tempo está correndo para trás, ou se movendo muito rápido ou devagar …”[ “How LSD Works,” by Shanna Freeman]

  • Houve uma predisposição genética para as “Dreamscapes” de Lovecraft?

Antes de prosseguir, gostaria de afirmar que Lovecraft também poderia ter sido geneticamente predisposto ao mundo fantástico dos sonhos.

Existem semelhanças entre as alucinações visuais e sensoriais de esquizofrenia e paisagens oníricas vívidas de Lovecraft.

Eu acredito que a ligação genética poderia ter sido materna. Embora o pai de Lovecraft morreu em uma instituição mental, sua loucura foi, provavelmente, devido a complicações de uma doença – sífilis. Por outro lado, Susie Lovecraft, em seus últimos anos, experimentou alucinações visuais envolvendo figuras sombrias. As alucinações pareciam ser de natureza orgânica.

Lovecraft experimentou surtos de doença mental, embora ele pensasse ser em grande parte depressão bipolar. No entanto, o racismo irracional do HPL, apesar de sua racionalidade, ocorreu de forma delirante e orgânica.

Da mesma forma, quando as telas genéticas habituais – aquelas que diminuem os estímulos conscientes recebidos para uma realidade gerenciável – são defeituosas, experiências sensoriais de uma pessoa assumem o caráter de viagens psicodélicas.

Telas de Howard, por falta de uma melhor metáfora, podem ter sido poucas e com defeitos. Isso não significa que as faculdades do HPL eram deficientes cada momento de cada dia. Mas elas eram suficientemente menores, e ainda mais enfraquecidas por suas tendências ascéticas, por transformar seus sonhos em titânicas visões ciclópicas de outros mundos e outras épocas.

Essa facilidade imperfeitamente semelhante permitiu Vincent Van Gogh ver cores brilhantes em torno de cenas naturais prosaicas que os outros não vêem, e despejou-as em suas telas assombrando os admiradores. Talvez Lovecraft viu coisas em seus sonhos e nas vigílias de suas crises de imaginação, devido a uma disfunção similar de algumas de suas acuidades mentais.

  • Para queimar a mente do leitor com uma grandeza cósmica

Eu acredito que existia uma constelação de fatores – tanto comportamentais e orgânicos – predispostos em Lovecraft para acessar mundos de sombras imaginativas. Lovecraft, assim como outros grandes artistas, era um indivíduo único na história. De nenhuma maneira podemos traçar todos os fatores ilusórios que vieram a ser concretizadas nos momentos criativos quando HPL escreveu grandes nomes como “Nas Montanhas da Loucura”.

Espero que tenhamos sugerido algumas razões para Lovecraft ter produzido os contos impressionistas que queimavam a mente do leitor com sua grandeza cósmica.

 

 

Por: John de laughter em LovecraftZine. Tradução: Nathalia Claro

Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/h-p-lovecraft-e-suas-tendencias-xamanistas/

Carl Gustav Jung

1875 – 1961

Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião. Seu pai e vários outros parentes eram pastores luteranos, o que explica, em parte, desde a mais tenra idade, o interesse do jovem Carl por filosofia e questões espirituais e o pelo papel da religião no processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações. Criança bastante sensível e introspectiva, desde cedo o futuro colega de Freud demonstrou uma inteligência e uma sagacidade intelectuais notáves, o que, mesmo assim, não lhe poupou alguns dissabores, como um lar algumas vezes um pouco desestruturado e a inveja dos colegas e a solidão.

Ao entrar para a universidade, Jung havia decidido estudar Medicina, na tentativa de manter um compromisso entre seus interesses por ciências naturais e humanas. Ele queria, de alguma forma, vivenciar na prática os ideais que adotava usando os meios dados pela ciência. Por essa época, também, passou a se interessar mais intensamente pelos fenômenos psíquicos e investigou várias mensagens hipoteticamente recebidas por uma médium local (na verdade, uma prima sua), o que acabou sendo o material de sua tese de graduação, “Psicologia e Patologia dos Assim Chamados Fênomenos Psíquicos”.

Em 1900, Jung tornou-se interno na Clínica Psiquiátrica Bugholzli, em Zurique, onde estudou com Pierre Janet, em 1902, e onde, em 1904, montou um laboratório experimental em que criou seu célebre teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Neste, uma pessoa é convidada a responder a uma lista padronizada de palavras-estímulo; qualquer demora irregular no tempo médio de resposta ou excitação entre o estímulo e a resposta é muito provavelmente um indicador de tensão emocional relacionada, de alguma forma, com o sentido da palavra-estímulo. Mas tarde este teste foi aperfeiçoado e adaptado por inúmeros psiquiatras e psicólogos, para envolver, além de palavras, imagens, sons, objetos e desenhos. É este o princípio básico usado no detector de mentiras, utilizado pela polícia científica. Estes estudos lhe granjearam alguma reputação, o que o levou, em 1905, aos trinta anos, a assumir a cátedra de professor de psiquiatria na Universidade de Zurique. Neste ínterim, Jung entra em contato com as obras de Sigmund Freud (1856-1939), e, mesmo conhecendo as fortes críticas que a então incipiente Psicanálise sofria por parte dos meio médicos e acadêmicos na ocasião, ele fez questão de defender as descobertas do mestre vienense, convencido que estava da importância e do avanço dos trabalhos de Freud. Estava tão enstusiasmado com as novas perspectivas abertas pela psicanálise, que decidiu conhecer Freud pessoalmente. O primeiro encontro entre eles transformou-se numa conversa que durou treze horas ininterruptas. A comunhão de idéias e objetivos era tamanha, que eles passaram a se corresponder semanalmente, e Freud chegou a declarar Jung seu mais próximo colaborador e herdeiro lógico, e isso é algo que tem de ser bem frisado, a mútua admiração entre estes dois homens, frequentemente esquecida tanto por freudianos como por junguianos. Porém, tamanha identidade de pensamentos e amizade não conseguia esconder algumas diferenças fundamentais, e nem os confrontos entre os fortes gênios de um e de outro. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi inevitável, ainda que Jung o tenha, de certa forma, precipitado. Ele iria acontecer mais cedo ou mais tarde. O rompimento foi doloroso para ambos. O rompimento turbulento do trabalho mútuo e da amizade acabou por abrir uma profunda mágoa mútua, nunca inteiramente assimilada pelos dois principais gênios da Psicologia do século XX e que ainda, infelizmente, divide partidários de ambos os teóricos.

Aterior mesmo ao período em que estavam juntos, Jung começou a desenvolver uma sistema teórico que chamou, originalmente, de “Psicologia dos Complexos”, mais tarde chamando-a de “Psicologia Analítica”, como resultado direto de seu contato prático com seus pacientes. O conceito de inconsciente já está bem sedimentado na sólida base psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal com Freud, mas foi com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos, que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos. O contato entre os dois homens foi extremamente rico para ambos, durante o período de parceria entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção básica de “complexo”, que foi adotado por Freud. Por complexo, Jung entendia os vários “grupos de conteúdos psíquicos que, desvinculando-se da consciência, passam para o inconsciente, onde continuam, numa existência relativamente autônoma, a influir osbre a conduta” (G. Zunini). E, embora possa ser frequentemente negativa, essa influência também pode assumir caracterísiticas positivas, quando se torna o estímulo para novas possibilidades criativas.

Jung já havia usado a noção de complexo desde 1904, na diagnose das associações de palavras. A variância no tempo de reação entre palavras demonstrou que as atitudes do sujeito diante de certas palavras-estímulo, quer respondendo de forma exitante, quer de forma apressada, era diferente do tempo de reação de outras palvras que pareciam ter estimulação neutra. As reações não convencionais poderiam indicar (e indicavam de fato) a presença de complexos, dos quais o sujeito não tinha consciência.

Utilizando-se desta técnica e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o inconsciente. Os sonhos pessoais de seus pacientes o intrigavam na medida em que os temas de certos sonhos individuais eram muito semelhantes aos grandes temas culturais ou mitológicos universais, ainda mais quando o sujeito nada conhecia de mitos ou mitologias. O mesmo ocorria no caso dos desenhos que seus pacientes faziam, geralmente muito parecidos com os símbolos adotados por várias culturas e tradições religiosas do mundo inteiro. Estas similaridades levaram Jung à sua mais importante descoberta: o “inconsciente coletivo”. Assim, Jung descobrira que além do consciente e inconsciente pessoais, já estudados por Freud, exitiria uma zona ou faixa psíquica onde estariam as figuras, símbolos e conteúdos arquetípicos de caráter universal, frequentemente expressos em temas mitológicos. Por exemplo, o mito bíbilico de Adão e Eva comendo do fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e, por isso, sendo expulosos do Paraíso, e o mito grego de Prometeu roubando o fogo do conhecimento dos deuses e dando-o aos homens, pagando com a vida pelo sua presunção são bem parecidos com o moderno mito de Frankenstein, elaborado pela escritora Mary Schelley após um pesadelo, e que toca fundo na mente e nas emoções das pessoas de forma quase “instintiva”, como se uma parte de nossas mentes “entendesse” o real significado da história: o homem sempre paga um alto preço pela ousadia de querer ser Deus.

Enquanto o inconsciente pessoal consiste fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com certas imagens, ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal, os arquétipos: da mesma forma que animais e homens parecem possuir atitudes inatas, chamadas de instintos, também é provável que em nosso psiquismo exista um material psíquico com alguma analogia com os instintos. Talvez, as imagens arquetípicas sejam algo como que figurações dos próprios insitintos, num nível mais sofisticado, psíquico. Assim, não é mais arriscado admitir a hipótese do inconsciente coletivo, comum a toda a humanidade, do que admitir a existência instintos comuns a todos os seres vivos.

Assim, em resumo, o inconsciente coletivo é uma faixa intrapsíquica e interpsíquica, repleto de material representativo de motivos de forte carga afetiva comum a toda a humanidade, como, por exemplo, a associação do femino com características maternas e, ao mesmo tempo, em seu lado escuro, crueis, ou a forte sensação intuitiva universal da existência de uma transcendência metaforicamente denominada Deus. A mãe boa, por exemplo, é um aspecto do arquétipo do feminino na psique, que pode ter a figura de uma deusa ou de uma fada, da mãe má, ou que pode possuir os traços de uma bruxa; a figura masculina poderá ter uma representação num sábio, que geralmente é representado por um ermitão, etc. As figuras em si, mais ou menos semelhantes em várias culturas, são os arquétipos, que nada mais são que “corpos” que dão forma aos conteúdos que representam: o arquétipo da mãe boa, ou da boa fada, representam a mesma coisa: o lado feminino positivo da natureza humana, acolhedor e carinhoso.

Este mundo inconsciente, onde imperam os arquétipos, que nada mais são que recepientes de conteúdos ainda mais profundos e universais, é pleno de esquemas de reações psíquicas quase “instinitvas”, de reações psíquicas comuns a toda a humanidade, como, por exemplo, num sonho de perseguição: todas as pessoas que sonham ou já sonharam sendo perseguidas geralmente descrevem cenas e ações muito semelhanes entre si, senão na forma, ao menos no conteúdo. A angústia de quem é perseguido é sentida concomitantemente ao prazer que sabemos ter o perseguidor no enredo onírico, ou a sua raiva, ou o seu desejo. Estes esquemas de reações “instintivas” (uso esta palavra por analogia, não por equivalência) também se encontram nos mitos de todos os povos e nas tradições religiosas. Por exemplo, no mito de Osires, na história de Krishna e na vida de Buda encontramos similiradades fascinates. Sabemos que mitos encobrem frequentemente a vida de grandes homens, como se pudessem nos dizer algo mais sobre a mensagem que eles nos trouxeram, e quanto mais carismáticos são esses homens, mais a imaginação do povo os encobrem em mitos, e mais esses mitos têm em comum. Estes padrões arquetípicos expressos quer a nível pessoal que a nível mitológico relacionam-se com caracterísiticas e profundos anseios da natureza humana, como o nascimento, a morte, as imagens parterna e materna, e a relação entre os dois sexos.

Outra temática famosa com respeito a Jung é a sua teoria dos “tipos psicológicos”. Foi com base na análise da controvérsia entre as personalidades de Freud e um outro seu discípulo famoso, e também dissidente, Alfred Adler, que Jung consegue delinear a tipologia do “introvertido” e do “extrovertido”. Freud seria o “extrovertido”, Adler, o “introvertido”. Para o extrovertido, os acontecimentos externos são da máxima importância, ao nível consciente; em compesação, ao nível insconsciente, a atividade psíquica do extrovertido concentra-se no seu próprio eu. De modo inverso, para o introvertido o que conta é a resposta subjetiva aos acontecimentos externos, ao passo que, a nível insconsciente, o introvertido é compelido para o mundo externo.

Embora não exista um tipo puro, Jung reconhece a extrema utilidade descritiva da distinção entre “introvertido” e “extrovertido”. Aliás, ele reconhecia que todos temos ambas as características, e somente a predominância relativa de um deles é que determina o tipo na pessoa. Seu mais famoso livro, Tipos Psicológicos é de 1921. Já nesse período, Jung dedica maior atenção ao estudo da magia, da alquimia,das diversas religiões e das culturas ocidentais pré-cristãs e orientais (Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, 1940; Psicologia e Alquimia, 1944; O eu e o inconsciente, 1945).

Analisando o seu trabalho, Jung disse: “Não sou levado por excessivo otimismo nem sou tão amante dos ideais elevados, mas me interesso simplesmente pelo destino do ser humano como indivíduo – aquela unidade infinitesimal da qual depende o mundo e na qual, se estamos lendo corretamente o signficado da mensagem cristã, também Deus busca seu fim”. Ficou célebre a controvertida resposta que Jung deu, em 1959, a um entrevistador da BBC que lhe perguntou: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Não tenho necessidade de crer em Deus. Eu o conheço”.

Eis o que Freud afirmou do sistema de Jung: “Aquilo de que os suíços tinham tanto orgulho nada mais era do que uma modificação da teoria psicanalítica, obtida rejeitando o fator da sexualidade. Confesso que, desde o início, entendi esse ‘progresso’ como adequação excessiva às exigências da atualidade”. Ou seja, para Freud, a teoria de Jung é uma corruptela de sua própria teoria, simplificada diante das exigências moralistas da época. Não há nada mais falso. Sabemos que foi Freud quem, algumas vezes, utilizou-se de alguns conceitos de Jung, embora de forma mascarada, como podemos ver em sua interpretação do caso do “Homem dos Lobos”, notadamente no conceito de atavismo na lembrança do coito. Já por seu turno, Jung nunca quis negar a importância da sexualidade na vida psíquica, “embora Freud sustente obstinadamente que eu a negue”. Ele apenas “procurava estabelecer limites para a desenfreada terminologia sobre o sexo, que vicia todas as discussões sobre o psiquismo humano, e situar então a sexualidade em seu lugar mais adequado. O senso comum voltará sempre ao fato de que a sexualidade humana é apenas uma pulsão ligada aos instintos biofisiológicos e é apenas uma das funções psicofisiológicas, embora, sem dúvida, muitíssimo importante e de grande alcance”.

Carl Gustav Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, à beira do lago de Zurique,em Küsnacht após uma longa vida produtiva, que marcou – e tudo leva a crer que ainda marcará mais – a antropologia, a sociologia e a psicologia.

Freud e Jung: Estudos Críticos

A fecunda e tumultuada amizade entre Freud e Jung, nas palavras de Paul Roazen, é um dos marcos da história do pensamento e da cultura ocidental.

O rompimento dessa amizade entre os dois maiores cientistas e sábios do século impediu a continuação de  uma parceria que poderia ter contribuído para um desenvolvimento ainda maior da ciência da psique e para o alargamento dos horizontes de conhecimento da interioridade do homem.

Muito já se disse e se escreveu sobre o assunto. Mas não há conclusão que se imponha de modo a silenciar a polêmica que se arrasta e prossegue entre os discípulos menos avisados de cada um dos mestres.

Relacionamos a seguir textos que iluminam a questão, embora alguns dos seus aspectos permaneçam obscuros e possivelmente nunca venham a ser completamente elucidados. Talvez porque sejam manifestações cujas origens estão fincadas nas mais abissais regiões do inconsciente dos protagonistas.

De qualquer sorte, talvez seja necessário àqueles que se propõem seguir as orientações teóricas de Freud ou de Jung ou, ainda, de Freud e Jung – mergulhar na história dessa turbulenta amizade e extrair as suas próprias conclusões. É possível que esse mergulho termine por ser um encontro pessoal de cada um com a sua própria verdade. Um confronto rico e saudável com o seu inconsciente. Então, quem sabe, talvez tenhamos aprendido a lição maior desses mestres segundo a qual pessoa alguma pode acompanhar ou orientar uma jornada que ela mesmo não a tenha feito.

O confrontar-se com o inconsciente e o defrontar-se com a própria sombra parece ser o exemplo maior de coragem pessoal e honestidade intelectual que Freud e Jung legaram às gerações de estudiosos da alma humana que os sucederam.

Esse entendimento poderá ser útil à compreensão aprofundada das teorias do Dr. Sigmund Freud e do Dr.Carl Gustav Jung.

E, parafraseando o bardo inglês, o resto é silêncio!

  • AMIGOS ÍNTIMOS, RIVAIS PERIGOSOS – A turbulenta convivência de Freud e Jung
    Duane Schultz
    Rio de Janeiro: Rocco, 1991 – 274 p.
    O autor, psicólogo e pesquisador da história da psicologia e da psicanálise, apresenta um relato claro e objetivo da turbulenta convivência entre Freud e Jung.

  • CORRESPONDÊNCIA COMPLETA DE SIGMUND FREUD E CARL G. JUNG
    William McGuire (org.)
    Rio de Janeiro: Imago, 1993 – 651 p.
    Contém a correspondência de Freud e de Jung no período de 1906 a 1914.

  • FREUD E JUNG – Anos de amizade, anos de perda
    Linda Donn
    Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991 – 358 p.
    Percorrendo a trajetória da amizade de Freud e Jung, desde o início até o tempestuoso conflito que levou ao seu rompimento, a autora mostra o trabalho que os dois cientistas realizaram para dar forma e substância à psicanálise e, por fim, focaliza o lastimável conflito que impediu a continuação da amizade e da colaboração científica entre os dois maiores estudiosos da mente humana de todos os tempos.

  • FREUD E A PSICANÁLISE
    Carl Gustav Jung
    Petrópolis: Vozes – Volume IV das Obras Completas
    Reúne os principais escritos de Jung sobre Freud e sobre a psicanálise, destacando principalmente as mudanças do seu ponto de vista sobre a ciência freudiana. Contém uma análise detalhada sobre as suas idéias fundamentais e as suas diferenças em relação a Freud.

  • FREUD E SEUS DISCÍPULOS – Capítulo VI – p. 259-335
    Paul Roazen
    São Paulo: Cultrix, 1978 – 669 p.
    Completo estudo de Freud, contemplando suas idéias, personalidade e as relações com os seus discípulos. No captítulo VI, o autor trata da relação Freud-Jung e da sua importância para psicanálise.

  • FREUD – Uma vida para o nosso tempo – Capítulo 5 – p. 191-231
    Peter Gay
    São Paulo: Companhia das Letras,1989 – 719 p.
    Considerada uma das mais bem documentadas biografias de Freud, Peter Gay dedica praticamente todo o
    seu capítulo 5, que trata da Política Psicanalítica, à análise da amizade Freud e Jung. No começo, Jung
    era o “Principe Herdeiro” , depois transformado no “Inimigo”.

  • UM MÉTODO MUITO PERIGOSO – Freud, Jung e Sabina Spielrein – A história ignorada dos primeiros anos da psicanálise
    John Kerr
    Rio de Janeiro: Imago, 1997 – 643 p.
    Nesse livro, John Kerr apresenta um estudo dos primórdios da história da psicanálise, principalmente sobre o papel que Jung desempenhou nessa etapa do surgimento da ciência freudiana. O autor reexamina a polêmica relação Freud-Jung-Sabina Spielrein e seu impacto na estruturação das idéias de Jung e a importância desse tríplice relacionamento para o movimento psicanalítico.

  • VIDA E OBRA DE SIGMUND FREUD – 3 VOLUMES
    Ernest Jones
    Rio de Janeiro: Imago, 1989
    Tradicional biografia de Freud, escrita por um dos seus contemporâneos e discípulo. No segundo volume da trilogia, Capítulo 5, Ernest Jones trata das dissenções sofridas pelo movimento psicanalítico, dentre as quais inclui o rompimento com Jung ( p. 146-160).

    • VIENA DE FREUD E OUTROS ENSAIOS
      Bruno Bettelheim
      Rio de Janeiro: Campus, 1991 – 273 p.
      Ensaios sobre Freud e a psicanálise. Na primeira parte, no ensaio Uma assimetria secreta, o autor comenta o Diário de uma secreta simetria, que apresenta a correspondência entre Sabina Spielrein, Freud e Jung organizada pelo psicólogo junguiano Aldo Carotenuto.

 

Volume .. Título
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I ESTUDOS PSIQUIÁTRICOS Esse volume reúne os primeiros escritos psiquiátricos de Jung sobre os chamados fenômenos ocultos:
-SOBRE A PSICOLOGIA E PATOLOGIA DOS FENÔMENOS CHAMADOS OCULTOS – (1902)
-ERROS HISTÉRICOS DA LEITURA-(1904)
-CRIPTOMNÉSIA – (1905)
-DISTIMIA MANÍACA-(1903)

Outros trabalho incluídos:
-UM CASO DE ESTUPOR HISTÉRICO EM PESSOA CONDENADA À PRISÃO – (1902)
-SOBRE A SIMULAÇÃO DE DISTÚRBIO MENTAL – (1903)
-PARECER MÉDICO SOBRE UM CASO DE SIMULAÇÃO DE INSANIDADE MENTAL – (1904)
-UM TERCEIRO PARECER CONCLUSIVO SOBRE DOIS PARECERES PSIQUIÁTRICOS CONTRADITÓRIOS (1906)
-SOBRE O DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO DE FATOS

Os estudos que se contém nesse volume expressam a polêmica de Jung com o modelo psiquiátrico vigente e a tendência de seus estudos e pesquisas.

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II ESTUDOS EXPERIMENTAIS Contém as contribuições de Jung aos “Estudos diagnósticos de associações”, cujas principais experiências foram realizadas, sob a sua direção, na clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique, a partir de 1902 e publicados entre 1904 e 1910. Outros estudos incluídos referem-se aos trabalhos de “Pesquisas Psicofísicas” (1907-1908).
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III PSICOGÊNESE DAS DOENÇAS MENTAIS Os artigos integrantes desse volume pertencem à fase das primeiras publicações de Jung e, na sua maioria, abordam temas psiquiátricos, de modo particular a esquizofrenia.
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IV FREUD E A PSICANÁLISE Reúne os principais escritos de Jung sobre Freud e sobre a psicanálise, destacando as mudanças do seu ponto de vista sobre a ciência freudiana. Contém uma análise detalhada sobre as idéias fundamentais de Jung e as suas diferenças em relação às de Freud.
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V SÍMBOLOS DA TRANSFORMAÇÃ0-Análise dos primórdios de uma esquizofreniaVersão completa e definitiva de uma das mais importantes e avançadas obras de Jung, publicada em 1952. O texto original, denominado, Símbolos e transformações da libido data de 1911-12. A elaboração da versão definitiva se estendeu por quase 40 anos. Esse escrito, em que Jung abandona a terminologia da psicanálise e da psiquiatria da época, assinala o ponto de sua ruptura com Freud.
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VI TIPOS PSICOLÓGICOS Publicado em 1921, contém a teoria junguiana sobre as diferenças entre as pessoas e suas relações com o mundo. Nele, o autor faz incursões pelo campo da arte, da filosofia, da mitologia, da religião e do simbolismo para fundamentar as suas idéias. É um dos textos mais conhecidos e divulgados de Jung. A sua elaboração, nas palavras do autor, demorou quase vinte anos para ser concluída.
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VII ESTUDOS SOBRE PSICOLOGIA ANALÍTICA Reúne dois estudos publicados independemente:

– Psicologia do Inconsciente – Vol VII/1

Nesse tomo, Jung discute as concepções de Freud e de Adler sobre o inconsciente, ao mesmo tempo em que apresenta uma introdução à psicologia do inconsciente, fundamentada nos arquétipos do sonho. O texto, publicado inicialmente em 1912, foi modificado ampla e sucessivamente ao longo dos anos, inclusive quanto ao título.

– Eu e o Inconsciente – Vol VII/2

Publicado em 1928, resulta de uma conferência proferida em 1916, subordinada ao tema “A Estrutura do inconsciente”. O trabalho original está incluído no apêndice desse tomo. O texto é uma introdução aos conceitos fundamentais da Psicologia Analítica.

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VIII A DINÂMICA DO INCONSCIENTE Os textos desse volume expõem os conhecimentos fundamentais e as hipóteses de trabalho de Jung, o que permite conhecer a sua posição epistemológica. Destacam-se os seguintes trabalhos: a energia psíquica; a função transcendente;,a teoria dos complexos; o significado da constituição e da herança para a psicologia; determinantes psicológicas do comportamento humano; instinto e inconsciente; a natureza do psíquico; psicologia do sonho; os fundamentos psicológicos da crença nos espíritos; o real e o supra-real; as etapas da vida humana; a alma e a morte; sincronicidade.
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IX – 1 OS ARQUÉTIPOS E O INCONSCIENTE COLETIVO Encontra-se em fase de tradução para o português.
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IX – 2 AION – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmoO segundo tomo do volume IX das obras completas de C.G.Jung contém uma extensa monografia sobre o arquétipo do Si-mesmo.
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X PSICOLOGIA EM TRANSIÇÃO Reúne estudos sobre a relação do indivíduo com a sociedade, tendo como ponto de partida o escrito Sobre o Inconsciente(1918), em que Jung expõe a teoria de que o conflito na Europa, naquela época, tinha a sua origem no inconsciente coletivo, influenciando grupos e nações. A partir desse trabalho, o autor escreveu ensaios que retomam e aprofundam os temas abordados. O volume inclui, ainda, o texto Um mito moderno: Sobre coisas vistas no céu(1958). Nesse trabalho, Jung considera o mito como uma compensação pela unilateralidade de nossa era tecnológica, cuja tendência preponderante é cientificista.
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XI PSICOLOGIA DA RELIGIÃO OCIDENTAL E ORIENTAL Contém os principais estudos de Jung sobre o fenômeno religioso e a sua importância para o desenvolvimento psicológico do homem. Os ensaios contidos neste volume abordam a religiosidade oriental e ocidental, por meio dos quais o autor mostra que subjacentes a todas as religiões estão conteúdos arquetípicos, representações primordiais da alma humana.
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XII PSICOLOGIA E ALQUIMIA Reúne os principais estudos de Jung sobre a alquimia, em que faz relação entre os processos alquímicos e o desenvolvimento da personalidade.
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XIII ESTUDOS ALQUÍMICOS Encontra-se em fase de tradução para o português.
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XIV MYSTERIUM CONIUNCTIONIS Publicada em dois volumes (XIV/1 e XIV/2), essa obra contempla os estudos avançados de Jung no campo da alquimia, em que ele mostra que a alquimia antecipa parte da problemática do homem moderno. O subtítulo do volume “Pesquisas sobre a separação e a composição dos opostos psíquicos na Alquimia” indica a idéia central do trabalho: a unificação ou superação dos opostos.
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XV O ESPÍRITO NA ARTE E NA CIÊNCIA Nesse volume estão publicados os ensaios de Jung sobre:
-Paracelso (1929)
-Sigmund Freud, um fenômeno histórico-cultural (1932)
-Sigmund Freud (1939)
-Richard Wilhelm (1930)
-Relação da psicologia analítica com a obra de arte poética (1922)
-Psicologia e poesia (1930)
-Ulisses, um monólogo ( 1932) – Refere-se à obra de James Joyce.
-Picasso (1932)
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XVI A PRÁTICA DA PSICOTERAPIA Contém trabalhos sobre questões relativas à prática da psicoterapia. Na primeira parte trata, o autor trata dos problemas gerais:princípios básicos da prática da psicoterapia; o que é psicoterapia; alguns aspectos da psicoterapia moderna; os objetivos da psicoterapia; os problemas da psicoterapia moderna; psicoterapia e visão do mundo; medicina e psicoterapia; psicoterapia e atualidade; questões básicas da psicoterapia. E na segunda, aborda os temas específicos:o valor terapêutico da ab-reação; aplicação prática da análise dos sonhos; a psicologia da transferência.
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XVII O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE Esse volume reúne os trabalhos de Jung sobre psicologia infantil, cuja parte mais importante é constituída por três preleções sobre “Psicologia Analítica e Educação” Foram incluídos também os ensaios “O casamento como relacionamento psíquico” texto que tem sido amplamente estudado e debatido nas questões de terapia de casais. Outro estudo incluído:”Sobre a Formação da Personalidade”.
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XVIII ESCRITOS DIVERSOS XVII/1 -Fundamentos de Psicologia Analítica

Reúne as cinco conferências proferidas por Jung, na Clínica Tavistock, em Londres. em 1935. Nessas textos, Jung faz um introdução ampla aos princípios fundamentais de sua psicologia. Dentre os ouvintes dessas conferências encontravam-se médicos, psiquiatras, psicanalistas freudianos, etc. É interesssante registrar que o psicanalista Wilfred R.Bion esteve presente, pelo menos, às duas primeiras exposições.No texto estão registradas as intervenções que fez.  Os demais textos que compõem este volume estão em fase de tradução para o português.

OUTRAS OBRAS DE C.G.JUNG PUBLICADAS EM PORTUGUÊS

  • HOMEM E SEUS SÍMBOLOS (O)
    Editor:Carl G.Jung e, após a sua morte, Marie-Louise von Franz
    Edição especial brasileira
    Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 317 p.
    Nesse livro, Jung acentua que o homem só se realiza através do conhecimento e da aceitação do inconsciente – conhecimento que ele adquire por intermédio dos sonhos e seus símbolos. Trata-se do único trabalho de Jung destinado a explicar ao público leigo a sua maior contribuição ao conhecimento da mente humana: a sua teoria a respeito da importância do simbolismo. Particularmente, o simbolismo dos sonhos.
  • HOMEM À DESCOBERTA DA SUA ALMA (O)
    Porto: Livraria Tavares Martins, 1975.
    Livro publicado originariamente em francês-“L’HOMME À LA DÉCOUVERTE DE SON ÂME”. No prefácio que escreveu, em setembro de 1943, Roland Cohen declara que a obra destinava-se a apresentar ao público francês o essencial da psicologia de Carl Gustav Jung, reunindo os trabalhos que expunham as bases de sua obra:
  • LIVRO I – EXPOSIÇÃO

I – O problema fundamental da psicologia contemporânea
II- A psicologia e os tempos presentes

  • LIVRO II – OS COMPLEXOS

III-Introdução à psicologia analítica – Primeira parte: Psicologia geral
IV-Introdução à psicologia analítica – Segunda parte: Os complexos
V- Considerações gerais sobre a teoria dos complexos

 

  • LIVRO III – OS SONHOS

VI-A psicologia do sonho
VII-A utilização prática dos sonhos
VIII-Introdução à psicologia analítica – Terceita parte: Os sonhos

  • MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES
    Compilação e prefácio de Aniela Jaffé
    Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989. 361 p.
    Testemunho que Jung dá de si mesmo. No prólogo ele afirma “A minha vida é a história de um inconsciente que se realizou”. A leitura desse livro é imprescindível para uma compreensão adequada da personalidade do criador da psicologia analítica.

 

 

Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/carl-gustav-jung/