O Relógio Sintetizador de Personalidade de LaVey

Anton Szandor LaVey

Excertos de “The Satanic Witch”

Para analisar ou avaliar adequadamente um indivíduo que você planeja enfeitiçar, é imprescindível que você entenda certas regras. Para fins de feitiçaria, deve-se entender que cada pessoa tem duas personalidades – aquela que mostra para todos e aquela que ele carrega dentro de si. Na verdade, essas duas personalidades podem ser divididas em três camadas – a camada externa é a “capa do livro” pela qual os outros costumam “contar a história” e a camada interna que no entanto, que é tristemente negligenciada – mas está sempre lá e sempre aparente. A razão pela qual não é prontamente notada é a mesma razão do porque ignoramos as árvores quando olhamos para a floresta. A terceira personalidade representa o núcleo interno, a “reversão ao tipo”, e é um reflexo direto da caracterização que é mostrada na superfície, ou primeira camada.

Vamos, portanto, considerar a primeira e a terceira camadas como iguais, com uma grande camada de preenchimento entre elas que compõe a segunda. Esta segunda camada é o “outro lado” de nossa natureza, a mulher dentro do homem, o alter-ego, a “sombra” de nossa natureza, etc. É também a parte da personalidade que você deve aprender a reconhecer em cada pessoa que você planeja enfeitiçar. A Figura 1 mostra o que pode ser comparado, por exemplo, em um homem baixo e gordo.

Como você pode ver no diagrama, a camada número dois assume a forma de uma mulher alta, esbelta e de quadris finos. Se nosso homem baixo e gordo tivesse um melhor amigo, seria outro homem alto e esbelto com uma personalidade totalmente diferente da sua. Coloque uma peruca e um vestido no amigo alto e magrelo e você terá uma boa dica de como será a esposa ou namorada do homem gordo.

Você já notou como o melhor amigo de um homem sempre será seu oposto na aparência? A mulher que você sempre teve como melhor amiga foi sempre oposta a sua própria aparência, não foi? Se você é extremamente bonita, seu melhor amiga sempre foi aquela que você se viu tentando convencer os outros a aceitarem como bonita, mesmo que eles não pudessem fazê-lo. Se você for um tipo ativo, atrairá pessoas quietas. Se você for quieta, gravitará em direção aos tipos energéticos. Em suma, a razão pela qual os opostos se atraem é porque precisamos desses opostos para nos tornarmos inteiros.

Por mais que precisemos desse oposto de nós mesmos, sempre haverá uma vitória sobre nossa camada interior 2 conta as camadas 1 e 3 de nossa personalidade.

Esse grande desequilíbrio, que chamarei de “Eu Majoritário”, é aquela personalidade que  sempre ocorrerá quando o jogo estiver valendo. É a “reversão ao tipo”, aparência, personalidade e impressão geral que apresentamos aos outros à primeira vista. Para resumir, AO TRATAR COM HOMENS E MULHERES COMO REGRA GERAL VOCÊ PODE JULGAR UM LIVRO PELA CAPA.

Na prática da feitiçaria e sedução, no entanto, você deve apelar para a necessidade do outro de expressar e exercitar a segunda camada de sua personalidade. Este é o lado de sua natureza que raramente é satisfeito e, portanto, sempre faminto. Uma velha frase, uma vez popular nos círculos do submundo é: “Trate uma vagabunda como uma dama, e uma dama como uma vagabunda”. Tudo isso é muito bom e pode ser considerado uma simplificação profunda do que venho dizendo, mas é só metade da fórmula, como descobriram muitos gigolôs indigentes e reformadores altruístas.

A razão pela qual esse vulgarismo é apenas uma meia verdade é porque, em última análise, no final a dama vai recuperar seu decoro e se tornar tolamente indignada, e a puta será descoberta em um dos quartos do andar de cima – com seu o vestido Dior levantado em seus quadris, um convidado em cima dela, e mais dois esperando do lado de fora da porta.

Uma variante completa do clichê anterior para as bruxas satânicas lembrarem é: “Trate um mendigo como um príncipe, e um príncipe como um mendigo – um garotinho como um grande homem, e um grande homem como um garotinho – um professor como um lutador de boxe, e um lutador de boxe como um professor; mas nunca deixe o vagabundo esquecer que ele é um vagabundo – o príncipe que é um príncipe – o garotinho, que é um garotinho, etc.

Quando iniciar um encantamento, sempre se aproxime de sua presa com seu eu demoníaco em mente. Isso significa que você pode tanto abordá-lo como um “estranho”, que o tratará da maneira que seu Eu Minoritário deseja, como também você pode ser este Eu Minoritário, em uma forma feminina!

Voltando à nossa fórmula anterior, em vez de tratar o vagabundo como um príncipe e se preocupar em manter seu ego no nível adequado para controle, deixe seu Eu Majoritário como está e você aparecerá como uma princesa. Se o seu alvo é um empreendedor de sucesso, um importante financista, ou um grande editor de jornal – você deve surgir como uma doméstica, uma balconista, uma dançarina. Se ele é um Casper Milquetoast (N.T Personagem de quadrinhos de fala mansa que sempre acaba apanhando) com um trabalho modesto, apareça como uma mulher de negócios eficiente e dê a impressão de que tudo gira em torno de você no escritório. Se o seu alvo é um acadêmico altamente intelectual, apresente-se como uma potranca bastante atrevida e chamativa com mais coração do que cérebro. Se ele for um verdadeiro playboy com terno italiano de seda e um livro de endereços gordo, surja como um bibliotecária de cidade pequena curiosa, mas ingênua. Pegou a ideia? Esse Eu Minoritário, que você deve representar, não se limita aos tipos de personalidade, mas é facilmente observável no próprio físico e nos movimentos de sua presa.

Para ser uma bruxa de sucesso, é preciso aprender a reconhecer essas coisas, mas primeiro você deve conhecer a si mesma.

Para que você possa conhecer a si mesma e aos outros, devemos estabelecer um guia. Eu criei um sistema de análise de caráter, utilizando as melhores ideias de muitas fontes. Pesquisadores como Sheldon e Kretschmer ajudaram muito por suas classificações de tipos de corpo e personalidade. Sheldon definiu o físico humano em três categorias básicas: Ectomorfo, ou magro, cerebral e reto para cima e para baixo; Mesomorfo, ou em forma de cunha, prático e de ombros largos; e Endomorfo, ou rechonchudo, social e de quadril largo. A partir dessas classificações básicas, Sheldon definiu literalmente centenas de subclassificações, todas variantes dos três tipos. Kretschmer usou a mesma tipagem fundamental, exceto que os chamou de “Leptosômico”, “Atlético” e “Picnico”.

O método que usei por conveniência ao longo deste livro (N.T The Satanic Witch) chamo de “Sintetizador de Personalidade LaVey”. Ao estudar as áreas quase ilimitadas do comportamento humano e das correspondências, cheguei a certas capsulizações da personalidade humana. Além dos pesquisadores mencionados anteriormente, observei a maioria dos meus “sujeitos de pesquisa” em seu habitat natural. Minhas coletas foram obtidas, não como psicólogo ou sociólogo credenciado, mas como advogado do diabo, que passou a maior parte de sua vida profissional em salas de concerto, bares, trabalho policial, carnavais, treinamento de animais selvagens, com fotografia, hipnose clínica , caça de fantasmas, shows burlescos, parques de diversões, estúdios de arte, reuniões de avivamento e avançando a causa do satanismo e simplesmente olhando!

Conduzi o que os sociólogos podem chamar de “projeto de pesquisa sem financiamento”. Muito do que sintetizei em minhas buscas às vezes excessivamente dispersas, para muitos leitores, parecerá totalmente louco, ridículo e ultrajante. Muito se baseia na avaliação científica de outros. Talvez ainda sejam condenados por não terem “nenhuma base científica conhecida ou credenciada”. Processe-me. Tudo o que sei é que funciona. E se funcionar, estou certo. Se algumas das  teorias “malucas” que você ler funcionarem para você, você está à frente do jogo. Eu as apresento apenas pelo que descobri que podem fazer quando aplicados.

O Sintetizador de Personalidade de LaVey

Cada tipo humano tem seus traços de personalidade correspondentes e, como você pode ver, ocupa uma posição no círculo que pode aproximar os números do relógio. Para simplificar as coisas, usaremos este sistema de numeração de relógio quando nos referirmos aos tipos que discutiremos ao longo deste livro. Portanto, se for feita menção a um “tipo duas horas”, você saberá que a pessoa está a meio caminho entre um tipo mesomorfo e um tipo ectomorfo. Não estou aderindo completamente ao sistema de tipagem de Kretschmer e Sheldon, porque isso eliminaria muitas das oportunidades de longo alcance para uma análise rápida e fácil que este método permitirá.

Antes de prosseguirmos, a regra mais importante no uso desse método de análise deve ser declarada: o elemento demoníaco de todas as pessoas se manifesta na escolha de um parceiro. DEPOIS DE ENCONTRAR A PESSOA QUE DESEJA ENFEITIÇAR NO RELÓGIO, VOCÊ DEVE FAZER O MÁXIMO PARA RETRATAR A PESSOA DIRETAMENTE OPOSTA AO SEU ALVO

Você pode testar a autenticidade do gráfico simplesmente observando a escolha de um parceiro das pessoas que conhece . Onde quer que as pessoas encontrem um relacionamento difícil entre duas pessoas – especialmente de sexos opostos – você notará que elas estão próximas demais ou na mesma posição no relógio, e não opostas. As classificações que podem ser definidas são limitadas apenas pela miopia da bruxa. Usando este sistema, pode-se dizer mais sobre uma determinada pessoa do que com qualquer outro método já inventado.

As doze horas representam a contraparte masculina pura das seis horas femininas. Visto que esses tipos podem ser comparados a Adão e Eva, o sátiro e a ninfa, etc., (N.T: Anima e Animus) muito poucos indivíduos se encontrarão exatamente nessas marcas. Como se verá, não julgaremos tanto por três classificações básicas, mas por aproximações aos quatro quartos do círculo: doze, três, seis e nove.
Ao empregar essa síntese, descobrir-se-á que quanto mais ela for usada, mais elementos estritamente relacionados da personalidade serão vistos correndo concomitantemente com cada tipo no relógio.

Esses quatro pontos têm afinidades de personalidade com os elementos fogo, água, ar e terra, e suas cores: vermelho, azul, verde e amarelo. A forma do relógio tem sido usada de forma eficaz em muitas áreas onde a gradação é exigida de natureza contínua. Como a roda de cores, que empregaremos em conjunto com ela, o relógio permite gradações sutis, mas facilmente reconhecíveis.

Tipos Masculinos e Femininos

Se você nasceu mulher e está no extremo superior do relógio, isso indica que você é dominante em sua natureza e seu “Núcleo” assume a forma de um homem em vez de uma pessoa feminina. Aqui é onde nos deparamos com um problema se permitirmos que ele exista. A mesma situação, ao contrário, ocorre em homens que caem na metade inferior extrema do relógio. Digamos que a metade superior representa o Core masculino “ideal”, enquanto a metade inferior representa o Core “ideal” em uma mulher. Assim, as três camadas de personalidade em uma mulher ao meio-dia se pareceriam com seguinte figura:

Para simplificar, podemos dizer que a mulher das doze horas procurará (ou melhor, será procurada por) um homem das seis, e invariavelmente acabará com um, quer ela o queira ou não. O fato de ela ainda estar carregando um corpo de mulher exige uma busca ainda maior por um homem que seja mais forte do que ela, para que ela possa realmente “sentir-se como uma mulher”. Naturalmente, este é um pedido muito grande a ser feito, pois ela já está ocupando uma posição de doze horas no relógio.

Se uma mulher do meio-dia, acostumada a homens passivos bajulando-a, escolhe um homem extremamente dominante – um que é ainda mais dominante do que ela -, ela não pode esperar que tal homem se apaixone por ela, apesar de sua necessidades temporais para tal homem, porque para que essa mesma passividade temporal fosse satisfeita, o homem dominante, por natureza, a rejeitaria! Então, a garota do meio-dia geme e lamenta que o homem mais dominante do que ela não está correspondendo ao seu amor furioso! Ela é muitas vezes estúpida demais para perceber que a própria rejeição dele indica seu domínio sobre ela, sem o qual, não poderia haver atração por ele em primeiro lugar. Assim, ela não seria mais dependente de seu homem mais forte, mas estaria no controle da situação – como é seu padrão habitual ao lidar com seus pretendentes ofegantes. Se, no entanto, ela puder se afastar temporariamente de seus desejos cegos e perceber que suas necessidades de “sofrer” correm concomitantemente com a rejeição que ela experimenta de seu objeto de amor “brutal” e “insensível” – então, e só então, ela se tornará auto-realizada.

O paralelo a esta situação é o homem das seis horas (figura acima), que secretamente deseja uma mulher em quem possa mandar. Quando ele finalmente encontra tal pet, ela é tão totalmente parecida com ele em personalidade e tipo físico que ele não consegue se entusiasmar com ela, mas continua ansiando pelo domínio sobre uma “garota dos seus sonhos”, que, como você pode suspeitar, é de um tipo totalmente despreparado para ver quaisquer qualidades dominantes em tal homem! Pelo contrário, sua “garota dos sonhos” sempre será a mulher mais dominante que o mantém escravizado – não um tipo idêntico a ele, mas ainda mais subserviente! Então ele se vê amarrado e escravizado, como sempre, pelo tipo de mulher que ele lamenta não poder mandar. Mal sabe esse homem ignorante que é seu próprio padrão deixar-se dominar por uma mulher, e quando essa mulher deixar de dominá-lo, ele automaticamente se desviará para uma nova amante do chicote que possa fazê-lo!

Aqui discutimos dois tipos de seres humanos, que, geralmente desconhecendo sua verdadeira natureza, passam a vida reclamando de seu amor não correspondido – invariavelmente para ninguém menos que indivíduos que se tornam os objetos às vezes desdenhosos de seus desejos. Infelizmente, se seus latidos forem longos e altos o suficiente, e seus objetos de amor são bons o suficiente, mesmo que dominantes por natureza, um fenômeno muito curioso se desenvolve. O objeto de amor dominante, ao tentar “manter a paz” e desviar de graves traumas por parte de seu pretendente, torna-se literalmente vampirizado pela pessoa “mais fraca”! Assim, torna-se uma situação em que o mestre se encontra rapidamente se tornando o escravo – mas sem os benefícios de tal arranjo, já que o “escravo” recém-desenvolvido não baseou sua escolha de um “mestre” em qualquer natureza sexual ou atrações psicológicas!

Temperamento

Voltando ao relógio do sintetizador quando começamos à uma hora, encontramos a pessoa que é dominante por natureza, didática e com uma mente inquiridora, tornando-se ainda mais mental à medida que as duas horas se aproximam. Com dois, no entanto, algumas das afabilidades sociais diminuem, e no momento em que três são alcançados, encontramos uma inclinação para a arrogância e o cinismo. Essas pessoas são as menos agradáveis ​​quando se trata de aceitar qualquer coisa pelo valor aparente e e raramente são “sociaveis”. Como são pensadores, e não praticantes, há poucos absolutos em suas vidas. Conseqüentemente, esses tipos de três e quatro horas são os mais místicos e abstratos em seus pensamentos. Se seu elemento demoníaco puder se expressar, no entanto, através de um veículo não humano, como poesia, música, arte – grandes obras podem ser realizadas com mais frequência do que qualquer outra, e o típico “cabeça de ovo” é um puro quatro o ‘ relógio.

Os tipos de cinco horas são menos abstratos e mais práticos e têm a qualidade de poder ficar com as coisas desde que as coisas não fiquem muito difíceis. Por esta razão, eles são admiravelmente adequados para funções de escritório e trabalho clerical. Firmes e confiáveis, eles têm a flexibilidade necessária para continuar dia após dia.

Ainda mais consistente é a pessoa das seis horas. Na verdade, ele é o mais consistente no relógio. A devoção à causa e ao dever é a marca registrada do tipo das seis horas, e ele se orgulha muito de sua prontidão. Esses são os homens que ficam tanto tempo no emprego que tudo na empresa depende de sua presença. Estas são as mulheres que ficam com maridos que outras mulheres no relógio descartariam. Se um homem das seis horas se afasta de sua esposa, você pode ter certeza de que a responsável é outra mulher – invariavelmente uma do topo do relógio.  As pessoas das sete horas retêm muito das qualidades das seis, mas com mais inclinação social, e quando chega às oito, a ênfase está no fazer em vez de pensar.

Os tipos das oito e nove horas têm pouca utilidade para debates minuciosos e provavelmente farão um comentário bem-humorado sempre que as coisas ficarem muito sérias. Os oitos e noves mais agradáveis ​​e socialmente simpáticos cedem algumas dessas qualidades ao tipo dez horas, mas ainda têm o monopólio. No momento em que é alcançado, o temperamento assertivo da metade superior do relógio é trazido à tona. A necessidade de dominar se apresenta, e a afabilidade é muitas vezes sacrificada. O tipo dez horas não entende os “cabeças de ovo”, mas ironicamente seu melhor amigo é provavelmente um quatro horas ligeiramente pálido, cuja introspecção é “esquecida” pelas dez horas. Da mesma forma, sua esposa é provavelmente uma garota de quatro horas esbelta não muito doméstica, que pensa por ele.

Onze horas são os “He-Men” estereotipados cujas naturezas autoritárias só são superadas pelas doze horas, que deve ser o chefe em tudo o que faz, constantemente ou pelo menos periodicamente. Assim, os cargos de autoridade são preenchidos por doze horas que, por necessidade de serem notados, são sempre os pioneiros em qualquer nova empreitada. O que quer que eles comecem, cabe aos bons homens das seis horas manter funcionando.

Tradução Morbitvs Vividvs

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/o-relogio-sintetizador-de-personalidade-de-lavey/

Imagens e Símbolos

Existe uma natural e lógica relação entre imagem e símbolo. Quando se tratam de símbolos cujo marco de expressão é o espaço, como por exemplo os geométricos, arquitetônicos e iconográficos, sua vinculação com a imagem é óbvia. E quando se desenvolvem no tempo, como a música ritual e sagrada, a poesia e os relatos orais dos mitos, estes geram, simultaneamente a sua audição, imagens e visões simbólicas. E isso é assim porque, como dizia já Aristóteles, o homem conhece por meio de imagens, ou seja que sua natureza anímica e intelectual está especialmente capacitada para compreender através das representações simbólicas. Desta forma a linguagem sintética e universal das imagens simbólicas libera a psique da dualidade de toda dialética existencial, onde o puramente mental e cerebral prima sobre a verdadeira intuição intelectual que reside no coração, o que equivale a uma purificação regeneradora, cujo fim é nos devolver a pureza mental e a inocência virginal das origens; uma transmutação da consciência tal que harmonize perfeitamente com o ser do mundo e das coisas.

O homem tradicional vê também no universo, e em tudo o que lhe rodeia, uma exteriorização de si mesmo, uma imagem do mundo que habita em seu interior. Isto se deve a que ambos, Cosmo e homem, estão feitos de igual substância vivificada pelo mesmo Espírito. Esta certeza conduz a uma identificação com as forças invisíveis e as energias numinosas que animam a matéria, à que imprimem uma forma ou estrutura inteligível, que devirá o símbolo ou o signo dessas potências criadoras. Eis o erro moderno de considerar o mundo como algo plano e homogêneo, quando na verdade encerra dentro de si uma variedade inesgotável de possibilidades de ser que constantemente manifestam a realidade dos atributos divinos. De maneira velada ou evidente, tudo conserva a impressão do sagrado, pois como diz o Zohar: “o mundo subsiste pelo mistério”.

#hermetismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/imagens-e-s%C3%ADmbolos

As Origens do Tarô

Tudo começou com o livro Tarô dos Boêmios (Paris, 1889) que seguramente é o primeiro na história do Tarot a abordar os arcanos, tanto sob a ótica da metafísica cabalística quanto dos jogos adivinhatórios numa única obra, pois os outros autores de sua época ou se reportavam a um ou a outro. O livro em questão foi escrito pelo médico espanhol, radicado na França, Gérard Anaclet Vincent Encausse (1865-1917), conhecido como Papus. Encontrei, com suas próprias palavras, toda sua vaidade e arrogância espiritual explicitada nas páginas 273/275 e depois no final da 309 da edição brasileira. Resumindo o conteúdo: Papus dizia que as mulheres eram todas burras o suficiente para não entenderem sua obra cheia de números, letras hebraicas e deduções abstratas, que pertencia aos homens da ciência, mas como era tradição delas jogarem cartas, ele escreveria algumas páginas para não se aborrecerem; esclarece às ignorantes leitoras que o homem tem a razão e a mulher a intuição. Pensei – Homens não jogavam cartas!? Por que ele exultou a cabala e desdenhou a cartomancia?

Tal fato foi uma luz no fim do túnel para começar o que desejava: entender um pouco do passado do Tarot. Como um detetive segui os passos de Papus para entender seu chovenismo; observei a bibliografia do Tarot dos Boêmios e percebi que de consistente e lógico sobre o estudo das cartas de Tarot, ele citava os autores de sua época até, no máximo, um século antes, precisamente, até 1775 sobre as idéias de Antoine Court de Gebelin. Comecei a ler algumas obras possíveis: Etteila (1787), Claude de Saint Martin (1790), Saint Yves d’Alveydre (1830), J.A.Vaillant (1850), Eliphas Lévi (1854), Estanislau Guaita (1886), Mac Gregor Mathers (1888), Piobb (1890), mas não cheguei a lugar nenhum porque observei que todos citavam uns aos outros e todos tinham como ponto de apoio Gebelin e Lévi. Até ai nenhuma novidade, pois todos os estudantes de Tarot já ouviram falar que eles escreveram uma vasta literatura sobre as origens do Tarot. Bem, então o melhor era começar pelo mais antigo.

Ao pesquisar Antoine Court de Gebelin (1725-1784) fiquei estarrecido com a descoberta que foi negligenciada, não sei se proposital, por ingenuidade ou falta de maiores informações dos ditos mestres ocultistas do século 19. Gebelin era filho do famoso pastor evangélico francês Antonie Court (1695-1760) que restaurou a Igreja reformada na França, fundou um importante seminário para a formação de pastores evangélicos, sendo um grande historiador de sua época. Gebelin seguiu os passos do pai, tornando-se um pastor e mais tarde, também influenciado pelo pai, interessou-se por mitologia, história e lingüística. Embora alguns livros o citem como ocultista, talvez, devido a sua obra sobre o Tarot, em sua biografia não encontrei qualquer referência a este respeito; em todo caso é mister esclarecer que ele não teve uma vida dedicada ao esoterismo. Tinha uma obsessão junto com o pai: descobrirem a língua primeva que dera origem a todas as outras e/ou explicaria as várias mitologias conhecidas; também acreditavam que esta língua seriam símbolos, talvez os hieróglifos egípcios.

Certo dia, como ele mesmo diz em sua obra (Le Mond Primitif…), inclusive citado no Tarot do Boêmios, página 231, foi convidado a conhecer um jogo de cartas que desconhecia e em menos de quinze minutos declarou ser um livro egípcio salvo das chamas, explicando, imediatamente, aos presentes, todas as alegorias das cartas. Escreveu, em sua obra, uma retórica do Tarot como sendo a chave dos símbolos da língua primeva e da mitologia; fez uma relação dos arcanos com as letras egípcias e hebraicas e, revelou que a tradução egípcia da palavra “tarot” é “tar” = caminho, estrada e “ot” = rei, real. Para tornar suas teorias pessoais mais contundentes, lançou mão de seu conhecimento em história, abordando a trajetória do Tarot (Tarot dos Boêmios, página 229 e 233), disse que ninguém antes dele desconfiou de sua ilustre origem porque as imagens eram muito comuns e por isso nenhum cientista dignou-se a estudá-las; também revelou que durante os primeiros séculos da Igreja os egípcios, que estavam muito próximos dos romanos (Era Copta, conversão absoluta do Egito ao Cristianismo – 313 a 631 d.C.), ensinaram-lhes o culto de Ísis e os jogos de cartas de seu cerimonial; assim, o jogo de Tarot ficou limitado à Itália e Alemanha (Santo Império Romano); posteriormente, chegou ao sul da França (Provença, Avignon, Marselha) e, ainda desconhecido, no norte (Paris, Lion).

A primeira vez que li sobre essa história, não atentei ao fato de que numa simples olhadela Gebelin descobre ser o Tarot um livro egípcio, que fora ensinado aos romanos pelos próprios egípcios e que ninguém antes dele sabia a respeito – se aceitarmos esta tese como verdadeira, como é possível os romanos (católicos) aprenderem uma devoção (culto de Ísis) considerada pagã aos moldes da época, passando de geração a geração durante mais de 1.500 anos (de 313 a 1775), incólume pela própria Santa Inquisição (1230/1834), sendo disseminada nas regiões que ele cita e absolutamente ninguém escreve ou fala nada a respeito de sua origem egípcia? Então, onde estaria a tradição egípcia do Tarot tão exultada pelos seus conterrâneos posteriores? No período por ele citado, a Itália teve renomados ocultistas, alquimistas, astrólogos, magistas, historiadores, filósofos, arqueólogos, enciclopedistas, todos formadores de opinião e de grande saber – o hermetismo, a gnose e a cabala eram amplamente disseminados -, e Gebelin chama-os de incapazes de observar o que ele, em sua enorme sapiência evangélica, descobriu literalmente em quinze minutos! Observe que Gebelin NÃO descobriu tal fato (a origem egípcia do Tarot) em algum livro perdido no tempo, em algum documento antigo, em alguma ordem esotérica ou revelado por alguma entidade espiritual! Então, tudo o que falamos a respeito da origem egípcia do Tarot surgiu numa simples visita a uma cartomante, numa tarde de sábado, que nem ela e nem a Europa sabiam nada a respeito? Eu me questionava.

Gebelin ficou rico e famoso com suas obras e, a partir de então, o Tarot se tornou uma febre parisiense, todos queriam aprender o jogo egípcio; as ciganas que eram considerados, na época, de origem egípcia, embarcaram na onda e começaram a ler cartas! Ele publicou um Tarot junto com sua obra, mas não se tem notícias de que tenha jogado ou ensinado, pois não se preocupou com jogos ou métodos em seu livro, somente com o Tarot enquanto revelação da escrita egípcia e com os símbolos das cartas como sendo a chave da mitologia. Bem, Gebelin sempre fora uma pessoa respeitada muito antes de falar sobre as origens do Tarot, era filho de um famoso pastor evangélico, historiador reconhecido e amigo pessoal de Benjamim Franklin (!). Com certeza merecia créditos; eu daria, se vivesse naquela época. Tenho que esclarecer mais um fato: Gebelin não escreveu Le Mond Primitif… para o ocultismo, foi em função de sua vaidade em buscar a mesma fama de seu pai que toda a sua obra é voltada em esclarecer a mitologia egípcia e romana e não propriamente o Tarot; embora os ocultistas o citem como tal depois de sua morte, ele era acima de tudo um evangélico! Suas obras e idéias percorreram o mundo da ciência, todos os arqueólogos queriam falar com ele, pois era uma febre francesa descobrir as chaves dos hieróglifos egípcios. Nenhum ocultista esteve com ele ou o citou em alguma obra até alguns anos após sua morte; somente uma pessoa que se tem notícia o procurou em vida para conversar sobre a origem egípcia e fins adivinhatórios: o francês Etteila, anagrama de seu verdadeiro nome Aliette.

Não encontrei muitas referências sobre a vida de Etteila, nome completo ou datas pessoais, além do que está exposto nas obras dos ocultistas do século 19; diziam que ele era um peruqueiro da corte francesa, professor de álgebra, amigo íntimo de Mlle Lenormand (famosa cartomante de Napoleão) e de Julia Orsini (outra famosa cartomante francesa) – não se tem notícias de que tivesse pertencido a alguma ordem ou fraternidade oculta; em todas as suas referências é tido como charlatão. Lévi e Papus revelam que ele se apropriou para benefício próprio das idéias da origem egípcia, da relação das letras hebraicas e egípcias feitas por Gebelin, criando seu próprio Tarot corrigido, compilando as obras de suas amigas, escrevendo onze livros. Instalou-se num dos mais luxuosos hotéis de Paris, Hotel de Crillon, e começou a atender e ensinar a nata parisiense! Voilá, cherry! Gebelin e Etteila devem ter falecido ricos e felizes; um sob a visão da fama científica e o outro do misticismo.

Vamos sair do contexto ocultista e voltar aos historiadores e arqueólogos que devem ter acreditado na figura respeitada, aos olhos parisienses, de Antoine Court de Gebelin, até que Jean-François Champollion (1790-1832) decifrasse os hieróglifos através da Pedra de Roseta. Champollion publicou em 1822 a relação legítima do alfabeto egípcio e seus fonemas; este trabalho lhe rendeu o disputado cargo de curador do departamento egípcio do Museu do Louvre, em Paris, em 1826. Após sua morte, foi publicado, em 1835, seu mais precioso trabalho onde revela toda a gramática e literatura egípcia jamais revelada em toda a história desde o seu desaparecimento na Era Copta. Descobre-se que tudo o que Gebelin escrevera a respeito do Tarot como língua primeva e codificação dos hieróglifos egípcios estava errado, em nada se sustentava perante as verdadeiras revelações da história do Egito – não existe a palavra tarot na língua egípcia (!), muito menos o que supostamente Gebelin disse ter traduzido (!); também, tudo o que ele decifrara de alguns hieróglifos estava absolutamente errado (!) – esta é a parte negligenciada pelos ocultistas, bem como a forma inconsistente da revelação de que precisou de quinze minutos para descobrir a própria origem das cartas de Tarot – Porque? Eu me perguntava frequentemente.

As respostas começaram a surgir quando reli as obras de Eliphas Lévi (1810-1875), pseudônimo de Alphonse Louis Constant, tido como padre por se instalar por algum tempo na ordem franciscana, em Paris, para ter acesso à vasta biblioteca sobre a cabala cristã, mas não era um padre oficializado na Igreja Católica Apostólica Romana, como se pressupõe – a roupa faz o monge, já diz o ditado popular. Um fato incontestável foi que Gebelin e Etteila mexeram com o imaginário popular e, consequentemente, dos esotéricos, pois fica muito claro nas obras de todos os ocultistas do final do século 18 e início do 19 que no âmbito tradicional do universo das ciências ocultas nunca se analisou ou questionou o Tarot – são palavras do próprio Gebelin e de todos posteriores a ele, sem exceção; este é sem dúvida um dos dados mais importantes a serem analisados no que tange à tão exultada expressão “tradição do Tarot”, pois tradição não é algo que se extingue e depois reparece.

Lévi, em seu primeiro livro (1854), Dogma e Ritual, páginas 405 a 421, e no segundo, História da Magia, páginas 76 e 242 a 252, execra as obras e a conduta de Etteila, contesta a origem egípcia de Gebelin e repudia a palavra tar=caminho e ot=real. Vai mais além, introduz o conceito de que Moisés escondeu nos símbolos do Tarot a verdadeira cabala e depois ensinou aos egípcios o jogo de carta; também, pela primeira vez, um ocultista, em toda a história da magia, faz uma acalentada tese de associações das letras hebraicas com os arcanos e diz que a palavra tarot é análoga a palavra sagrada IHVH ( h w h y ), sendo também uma variação das palavras Rota / Ot-tara / Hathor / Ator / Tora / Astaroth / Tika. Assim como no livro de Papus, numa segunda leitura, também encontrei críticas às mulheres na obra de Lévi, um pouco mais cruéis eu diria – desdenha Mlle Lenormand chamando-a de gorda, feia, ininteligível e louca, e duas outras cartomantes, Madame Bouche e Krudener, de prostitutas (coquetes ou Salomé à época) – História da Magia, paginas 346 e 347. Reparei que tanto Lévi quanto Papus condenavam as práticas femininas de cartomancia, achavam que elas usurpavam o poder do homem na ciência oculta… Indagava-me, por quê?

Bem, encontrei duas passagens em seu livro História da Magia, páginas 78 e 251, e uma no Dogma e Ritual, página 420, que me deixaram muito intrigado; pareceu-me que ele sabia da verdade sobre o passado do Tarot, mas não sei se foi por ingenuidade ou se proposital, preferiu não dar importância. Primeiro, ele diz que o Tarot mais antigo que se conhece é o Tarot de Gringonneur (1392) e que a Biblioteca Imperial tem uma vasta coleção de todas as épocas; segundo, ele contesta a origem dos ciganos revelada na obra de J.A.Vaillant – Les Rômes, historie vraie des vrais Bohémiens, 1853; a mesma obra que Papus faria sua apologia do Tarot mais tarde -; Vaillant diz que os ciganos eram egípcios e entraram na Europa no início do século 15, chegando à Paris em agosto de 1427; e Levi diz que ele estava errado pois os ciganos são originários da Índia, fato revelado historicamente à época. Temos três verdades absolutas: os ciganos são indianos, entraram no início do século 15, depois do surgimento do Tarot no fim do século 14. Surgem minhas questões: por que Lévi não questionou o porquê de tanto tempo sem que nenhum renomado ocultista falasse a respeito, visto que as cartas eram amplamente conhecidas? Por que Papus insistiu na idéia de que os ciganos eram egípcios, se já era de conhecimento publico sua origem indiana? Por que todos sustentaram a história egípcia de Gebelin, tanto na tradução da palavra Tarot quanto em sua origem, visto que, com a descoberta de Champollion, nada se descobriu em pergaminhos e papiros que as amparassem?

Antes de continuar é importante salientar que TODOS os conceitos que Lévi descreve sobre o Tarot NÃO são dele, pois Gebelin já havia feito a equiparação das letras hebraicas e o ocultista Claude de Saint Martin (1743-1803) publicou em 1792, na obra Table Natural du Rapports…, o restante que Lévi descreve para o Tarot; se você tiver paciência irá reparar em todos os escritos de Lévi que Saint Martin é constantemente citado. Outro dado impressionante, que também não havia percebido na primeira vez, é que absolutamente tudo o que Lévi e Papus escrevem sobre a cabala e os sistemas ritualísticos, podem ser encontrados nos seguintes livros da mesma época: Magus de Frances Barret (1801), A língua hebraica restituída de Fabre D`Olivet (1825) e A ciência cabalística de Lenan (1825). Vamos observar que da mesma forma que Gebelin, Lévi não se baseou em nenhum escrito antigo, lenda ou fraternidade oculta para estabelecer sua relação entre a cabala e o Tarot, foi a partir das idéias do próprio Gebelin e Saint Martin. Portanto, assim como Gebelin inventou a história egípcia, Lévi inventou a história hebraica, pois não há registros de nenhum ocultista – cabalista, magista, alquimista, gnóstico, hermetista – fraternidade ou ordem mística que tenha comentado, escrito ou usado o Tarot antes das obras deles. Para se entender o passado do Tarot ou o que escreveram sobre ele é mister observar os dados históricos; a crença e o misticismo pessoal, neste caso, somente levará à equívocos e discussões inúteis.

Contudo, verdade seja dita sobre as obras de Éliphas Lévi com relação aos textos de magia, cabala e filosofia: são perfeitos e maravilhosos; o que estou manifestando é a relação histórica do Tarot e a forma que entrou no ocultismo. A esta altura já tinha uma noção bem razoável que nem Gebelin e nem Lévi possuíam, ou seja, nada que sustentasse de forma verossímil o passado do Tarot como encontramos nas outras ciências: alquimia, hermetismo, astrologia, numerologia, i ching, magia, cabala. Está absolutamente claro o círculo vicioso de informações, um compilando do outro; talvez eles estivessem disputando quem seria o “pai da criança”. Mas tudo tem seu lado positivo, o interesse dos ocultistas pelo Tarot cresceu e, cada um ao seu modo contribuiu para a exploração inesgotável dos arcanos. Tudo é válido no âmbito de sua exploração simbólica, mas a consciência de seu surgimento é um passo importante para o seu futuro.

Eliphas Levi, por ter uma linguagem metafísica muito eloqüente e por sua dissertação dos conceitos cabalísticos em associação ao Tarot, chamou a atenção dos ocultistas ingleses, principalmente, Mac Gregor Mathers (1854-1918). Mac Gregor adota o sistema cabalístico de Lévi, mas faz correções segundo seu entendimento pessoal para aplicar, pela primeira vez na história da magia, o Tarot como forma de meditação e monografia para atingir os degraus de uma ordem esotérica: a Golden Dawn, 1888; esta fraternidade mudaria por completo a visão do Tarot no mundo (!) através de seus dissidentes no início do século 20 – Arthur Waite, Carl Zain, Israel Regardie, Aliester Crowley. No mesmo ano da fundação dessa ordem, ele lança um livro, The Tarot, its occult signification, com base no trabalho de Lévi, Guaita, Etteila, Gebelin, acrescentando correções que achou necessárias sobre a relação da cabala com o Tarot.

Voltemos a Papus – depois de estudar os autores citados até o momento, reli o Tarot dos Boêmios (já era a quinta vez!) e finalmente descobri que o livro é uma fonte arqueológica do Tarot! Tudo está absolutamente lá, só não vê quem não quer! Em cada título de seu livro há subtítulos se referindo a todos os demais. Dentre as obras de Tarot que ele possuía em sua biblioteca, Gebelin era o autor mais antigo e Mac Gregor o mais atual em sua época! Então, vamos observar a principal cadeia viciosa sobre as origens do Tarot: Gebelin (1775) – Etteila (1783) – Saint Martin (1792) – Vaillant (1853) – Lévi (1854) – Christian (1854) – d´Alveydre (1884) – Guaita (1886) – Mathers (1888) – Barlet (1889) – Papus (1889) e ponto final! Um se baseou no outro, cada qual colocou sua teoria, fez suas próprias correções e ninguém questionou nada – ingenuidade, manipulação, arrogância, vaidade, eloquência? Não saberia responder. A verdade dói, em mim também doeu. Eles tatearam no escuro para falarem sobre o Tarot; uma realidade bem cruel é que eles não sabiam absolutamente nada sobre o Tarot e suas origens, mas uma coisa eu achei interessante: por mais que fizessem a retórica cabalística e a verborréia para provar seus pontos de vistas, as explicações práticas sobre os jogos do Tarot terminavam nas cartilhas de Etteila e das cartomantes. Por que? Eu continuava a me indagar. Sinceramente, independente das falhas históricas grotescas que estou questionando em suas obras, eu os indicaria como os patronos do Tarot – Gebelin, Etteila, Lévi, Mac Gregor e Papus; foi graças a estes cinco personagens que o Tarot é o que é atualmente.

A esta altura, sentia-me como um órfão, abandonado de pai e mãe! Eu estava quase jogando para o alto minhas convicções de que o Tarot era sagrado, intocável pelo tempo, guardado a sete chaves por homens eruditos e que escondia toda ciência antiga; mas eu podia estar errado, eu queria acreditar em seu aspecto intocável pela profanidade! A forma como chegou a pseudo história egípcia, cigana ou hebraica do Tarot aos nossos ouvidos eu já havia descoberto: a idéia de Antonie Court de Gebelin foi ampliada por Etteila, Lévi e Mac Gregor; Papus fez uma amalgama de todos; chegou ao século 20 através das mãos dos dissidentes da Golden Dawn, que mantiveram as mesmas histórias, também acrescentando outras, todos corrigindo as imagens do Tarot, todos querendo os louros da vitória, e assim por diante… Mas e antes? Estaria, o Tarot, numa arca sagrada aos pés dos guardiões da verdade? Sendo escondido, noite após noite, do famigerado Santo Ofício?…

Durante anos bisbilhotei várias obras, referências históricas, museus, bibliotecas – tudo está detalhado em meu livro -, fiz uma mapa do tempo de tudo o que havia sobre o Tarot. Confesso que ri muito quando comecei a ver os verdadeiros fatos. É uma pena o século 19 ter sido desprovido do telefone, fax, computador, e-mail, internet, avião, pois não estaríamos dois séculos atrasados nos estudos do Tarot, inventando histórias e distorcendo a potencialidade do uso dos arcanos! Os dados históricos destronam qualquer idéia mais romântica a respeito do Tarot, mas em nada invalidam seu potencial; para continuar este manifesto do futuro do Tarot, vamos separar o que é o Tarot do que querem que o Tarot seja!

Minhas convicções sobre a “tradição” do Tarot começaram a ruir quando eu descobri que entre 1583 e 1811 na Espanha, e entre 1769 e 1832 em Portugal, houve estatais na produção de cartas de Tarot, produziam em média 250.000 pacotes por mês para consumo interno e envio para suas colônias ao redor do mundo! Para jogar adivinhação com o Tarot!? Não, para jogos lúdicos! Sim, o Tarot é usado até os dias atuais na Europa como uma jogatina, principalmente, na França, onde há campeonatos anuais; eu mesmo, já tive a oportunidade de observar um em 1998, em Avignon. O ofício de artesão de Tarot era uma profissão (!) em toda a Europa desde 1455 até o fim do século 19! As cartas pintadas à mão (valiosíssimas) constavam do espólio de famílias nobres, com clérigos! O Tarot teve altas tributações ficais em todos os países desde o século 16 até o início do século 20 – uma particularidade que achei fantástica (para acabar de vez com meu misticismo com o Tarot) foi que em 1751, o rei da França, Luiz XV, ordenou que todas as taxas provenientes do Tarot de todo território fosse para o fundo monetário da Academia Militar! E mais: os primeiros registros oficiais de cartomancia datam por volta de 1540 !!!!!

– Meu Deus!… Onde estava a Santa Inquisição que todos dizem ter persiguido o Tarot? Dormindo? O arcano 15, O Diabo, que possivelmente condenaria o Tarot aos olhos da Igreja, sempre esteve presente em todas as mesas da Europa, desde as primeiras cartas que se tem notícia no final do século 14 até os dias atuais! Como as cartomantes passaram incólumes pela fogueira? Por que Gebelin disse desconhecer as cartas de Tarot se havia alta produção de cartas em Paris e por toda Europa? Por que nenhum ocultista renomado da Europa anterior a Gebelin nunca prestou atenção na cartomancia ou nos símbolos das cartas? Por que??? Por que o Tarot não fazia parte do círculo ocultista?

Por fim soube que o Tarot não se chamava Tarot (!) e nem as cartas se chamavam de arcanos (!). – Onde está a tão exultada tradição milenar dita por Lévi e Papus sobre o nome “Tarot”? Foi a última coisa que me lembro perguntar sobre o passado do Tarot, antes de aterrissar meus pés no chão e ver que o Tarot ainda é um bebê se comparado à astrologia, numerologia, cabala, sem nenhum passado extraordinário… Os primeiros registros datam por volta de 1370/90, o que denominamos de Tarot era chamado de Ludus Cartarum (cartas lúdicas) ou Naibis; depois, por volta de 1440/1500, passou a se chamar Trunfos (mais usual à epoca), Tarocco ou Tarochino; por volta de 1550/1600 de Trunfos do Tarocco na Itália e Trunfos do Tarot na França, também outras variações chamadas de Minchiatte ou Florentino; somente por volta de 1850/1900 surge o termo Arcano do Tarot; e no século 20 cada país passa a nacionalizar a palavra: Tarocco (Itália); Taroc (países germânicos); Tarok (leste europeu); Tarot (língua portuguesa) e Tarot (na maioria dos países). Observe os espaços de datas, não são meses, são em média de um século. Imagine seu eu lhe dissesse que você iria casar daqui a cem anos? Sim, esse é o tempo de uma nominação para outra! Uma média de um século! Cadê a tradição? Onde está a base histórica de Gebelin e de todos os outros que o seguiram? A palavra “tarot” surge na França por volta de 1590/95 nos estatutos da Associação de Fabricantes de Cartas Parisienses!

As descobertas subsequentes não me aborreceram mais, muito pelo contrário: comecei a vibrar por ter certeza de que absolutamente ninguém sabe nada além do que está escrito (de certo ou errado) nos livros! Não tive nenhum trauma quando procurei referências dos grandes ocultistas renomados, formadores de opiniões, cátedras das ciências ocultas, e não encontrei nada que tivessem dito sobre o Tarot ou algo que se assemelhasse a ele. Para dizer a verdade, encontrei somente um único ocultista sem grande expressão que fez uma referência aos quatro elementos em relação ao Tarot – Guilleume de Postel (1510-1581) -, mas ninguém deu ouvidos a sua teoria até Lévi e Papus fazerem sua apologia do passado longínquo do Tarot e citá-lo como destaque. Em 400 anos de existência do Tarot, desde os primeiros registros oficiais até a história egípcia de Gebelin (~1370/~1770), somente uma única pessoa fez referências esotéricas!? Este fato corrobora ainda mais o desinteresse pela classe ocultista dos séculos 14 ao 18 pelo Tarot e sua cartomancia.

Porém, encontrei algo surpreendente fora dos círculos esotéricos sobre as cartas do Tarot: crônicas questionando o que seriam aquelas imagens enigmáticas, poesias líricas, óperas, romances, murais, quadros, uma vasta expressão artística a partir do século 15; assim, as cartas do Tarot estavam inseridas no contexto social, sendo conhecidas por todos! Repito: um fato muito curioso é que as cartilhas sobre a taromancia começaram a surgir por volta de 1530-50 e o Tarot começou a ser visto também como algo para predizer a sorte e o futuro. Por que nenhum renomado ocultista sequer comentou sobre isso – Basílio Valentin (1398-1450), Picco della Mirandola (1463-1494), Paracelso (1493-1541), Cornelius Agrippa (1486-1535), John Dee (1527-1608) -, principalmente, Robert Fludd (1574-1637) e Jacob Boehme (1575-1624) que resumiram todos os oráculos de sua época? Os aspectos de jogos lúdicos e adivinhatórios andaram lado a lado e, estes, paralelos com a astrologia, numerologia, cabala, mitologia, hermetismo, alquimia, magia até se juntarem nas obras de Gebelin, Levi. Mac Gregor e Papus. Outro dado curioso que percebi: somente mulheres jogavam o Tarot (ditas cartomantes)!… Comecei a pensar sobre a sociedade até o final do século 19 – era patriarcal e misógina! Será que houve uma descrença no sistema de cartas por causa do contexto feminino? Ou será que pelo fato do Tarot expressar símbolos comuns de sua época não teria nenhum valor ocultista? Neste caso, eu acredito que foram ambos os fatores!

Lembram como comecei minha pesquisa que durou dez anos (1987/97)? Sim, voltemos ao cavalo de Tróia: Gebelin, Lévi e Papus; eles me forneceram as peças de todo o quebra-cabeça. A partir da bizarra história egípcia sobre o Tarot criada por Gebelin, os ocultistas viram uma possibilidade de abarcarem as técnicas de cartomancia, sem caírem no ridículo de usarem “uma arte feminina nos vôos da imaginação”, como disse Papus, ou usaram a arte das “loucas e coquetes”, segundo Lévi. Como? Fizeram uma retórica metafísica impossível delas compreenderem – se reparar na história do ocultismo, da magia, da cabala e da alquimia observará que não há uma única mulher (eram todas consideradas bruxas, ignorantes e maldosas!) que anteceda a Helena Blavatsky (1831-1891)! Ela foi muito “macho” em peitar todos os ocultistas eruditos. Assim, não foi difícil começarem a estudar uma arte feminina, que estava ao lado de todos eles por tantos séculos, mas que nunca ousaram tocar por puro preconceito machista. Os homens (ocultistas eruditos ou não) sempre tiveram a mulher como burra e incapaz, um ser inferior; como eles iriam admitir que o poder feminino descobriria uma arte oracular que somente pertenciam às sábias mentes masculinas?

Afinal, nada melhor do que a imaginação e a intuição feminina para descobrir o significado simbólico das cartas ao invés da razão e da lógica dos eruditos que necessitavam de fórmulas complicadas para tudo. Para mim ficou muito claro o porquê da ausência do estudo do Tarot entre os renomados ocultistas até o século 18 e, principalmente, o porquê de tanto escárnio nas obras de Lévi e Papus sobre as cartomantes ou, no caso de Etteila, um homem que se atreveu a jogar cartas como elas, denegrindo a imagem do “macho esotérico que conjura demônios”… Coisas do século passado… Hoje, homens e mulheres jogam o Tarot; mas você deve ter percebido que ainda temos uma resistência em aceitar os jogos adivinhatórios e tentamos sempre lucubrá-lo com a mais alta metafísica – talvez seja o ranço herdado das obras de Levi, Papus, Mac Gregor e seus dissidentes.

Vamos falar a verdade? Não conheço um só estudante de Tarot, em qualquer lugar do mundo, que se diga “cabalista da tradição em busca do sagrado”, ou que diga “o Tarot é uma arte do autoconhecimento”, que não esteja diariamente se profanando, jogando o Tarot, querendo saber dos acontecimentos e das causas! Vamos ser honestos? No fundo todos querem aprender a abrir o Tarot como qualquer cartomante antiga! Pode falar que é orientação, autoconhecimento, espiritualidade, tradição, não importa, no fundo terminamos onde Etteila começou; aliás, aperfeiçoamos primorosamente as suas cartilhas e de todas as cartomantes! Assim como os ocultistas do século 19, também estamos nos escondendo atrás dos estudos da cabala, mitologia, astrologia, psicologia, para encontrarmos a dignidade e o direito de jogarmos cartas! Estaremos nos enganando, complicando uma arte que poderia ser simples?

Embora o Tarot fosse conhecido e utilizado há séculos na Itália, Alemanha, Suíça, Espanha e França, foi precisamente em Paris que ele criou sua própria luz espiritual, tanto no surgimento de seu nome (tarot), quanto em sua centrifugação com o ocultismo; observe que todos os autores que descrevemos são franceses e publicaram suas obras na Cidade Luz. Bem, no início do século 20, principalmente, depois da 1º Guerra Mundial, tudo mudou para a imagem feminina: elas conquistaram o direito de trabalhar, de votar, de viver sozinha, escolher sua família e, finalmente, começaram a desenhar o Tarot… ôps, esqueci de dizer, somente homens podiam ser artesãos de Tarot até o início do século 20. A primeira mulher a pintar um Tarot foi Pamela Smith que desenhou o Rider-Waite Tarot, publicado em 1910… Hoje elas tomam seu lugar glorioso no pódio das sibilas e pitonisas parisienses, italianas, americanas, espanholas, brasileiras… Avante mulheres tomem as rédeas do Tarot: ele pertence a vocês – agora posso usar a palavra – por tradição!

Quem sabe, talvez, se tivéssemos a humildade e a dignidade de admitir que o Tarot opera perfeitamente no mundo oracular e divino, mas não existe todo esse passado magnífico, mágico e tradicional que nos imputam ou em que queremos acreditar; ou ainda melhor, aceitar uma verdade tão clara e evidente: ele é um oráculo recente, jovem, aberto à exploração, ávido por uma estruturação, que nasceu há poucos séculos e depende de nós preservá-lo, estudá-lo, tomando o devido cuidado em não deformar seus símbolos por puro egocentrismo e perder essa arte maravilhosa, esse alfabeto mágico, que casualmente foi descoberto! Também por quem foi descoberto não saberemos, como não saberemos nada além do que existe de real e concreto a respeito dele; se os verdadeiros homens eruditos que se debruçavam na maravilhosa arte alquímica e hermética ou de toda espécie de filosofia oculta não sabiam, ou não procuraram saber e investigar as cartas do Tarot, nós que perdemos o elo simbólico e a visão filosófico-espiritual do mundo iremos descobrir? Nós que nos baseamos em todo o manancial de cultura simbólica desses eruditos medievais e renascentistas, que não revelaram nada, iremos desvendar? A resposta é um sonoro NÃO; o restante será apenas conjecturas insólitas e inverossímeis. O Tarot é como uma criança que precisa ser alimentada e educada, senão poderá se perder durante sua vida com tantos Tarots corrigidos que surgem e tantas informações desencontradas.

Em todo caso é compreensível o fato dos antigos ocultistas não aceitarem o Tarot no âmbito esotérico, não pelo seu aspecto de pertencer às mulheres, mas pela falta de conhecimento do conceito de “arquétipo” – padrão de comportamento que é intrínseco na vida humana, desenvolvido na metade do século 20! Hoje observamos o símbolo e não propriamente a imagem desenhada, tentamos nos transportar além de sua figura para atingir um sentido de significações. Assim, o Tarot se tornou um conjunto de modelo comportamental humano, adapta-se a qualquer sistema que se queira trabalhar ou estudar. Talvez algum iluminado, um sábio ocultista, realmente o tenha criado, pois sua estrutura não deixa dúvidas de que há elementos bem significativos de toda ciência oculta, porém acredito que não tenha sido inventado para a finalidade que utilizamos atualmente… Coisas do destino… Também observe que se aceitarmos a associação do Tarot-cabala que Levi desenvolveu, o sistema desenvolvido por Mac Gregor ou Waite estarão errados; se aceitarmos o sistema cabalístico de Crowley, o de Mac Gregor, Waite e Levi estarão errados; se aceitarmos o de Mac Gregor e Waite, o de Levi e Crowley, também, estarão errados – o mesmo ocorre com os trabalhos de Juliet S.Burk (mitologia grega), Clive Barret (mitologia nórdica), Falconnier (mitologia egípica), Anna Franklin (mitologia céltica), que se negam um ao outro em analogias! -. Quem está com a razão? Todos! Qualquer sistema se adapta ao Tarot porque ele é um conjunto arquetípico! Isto é que faz o Tarot tão rico em sua expressão e, talvez, confuso à primeira vista.

Tenho lutado para que todos desenvolvam uma elaboração estrutural do Tarot, sem ego pessoal ou assimilação de outras doutrinas, que escrevam ou conceituam mais do que apenas desenhar “seu próprio Tarot”, porque fica evidente sua deformação simbólica à medida que todos querem ter a “revelação mágica dos símbolos”; mas para tal, não podemos nos negar nada, nem que seja o absurdo de começarmos do nada, de inutilizarmos tudo, fazermos uma deliciosa fogueira exorcizando todo devaneio romântico do que foi aprendido sobre os arcanos e recomeçarmos fortes, verdadeiros, rumo a análises confiáveis e livres de dogmas pessoais. Se não partirmos da premissa básica que é o reconhecimento de seu verdadeiro passado, seja ele bom ou mau, mundano ou divino, falso ou real, lazer ou oracular, não será possível termos certeza do que temos nas mãos, nem a convicção do que poderemos fazer com o Tarot. Sei que formulei mais questionamentos, deixei muito mais perguntas do que evidenciei respostas. Também vamos ser práticos, as respostas do passado não existem, somente as do futuro: como vamos estruturar e conceituar definitivamente seus arcanos e, assim, garantir a continuidade do Tarot para futuras gerações?

Notas Importantes

1) Desenhe o Tarot que desejar, expresse sua criatividade, mas nunca deforme sua fonte original simbólica, nominativa, quantitativa e os atributos essenciais de cada carta;

2) Ao consultar tarot escreva e associe o Tarot com qualquer coisa em nosso universo, mas nunca se esqueça de que é do Tarot que está falando ou explicando – sempre deixe essa “outra associação” em segundo plano;

3) Tenha mais consciência do Tarot enquanto significado de seus arcanos e não do significado da cabala, astrologia, mitologia, numerologia, pois cada uma destas ciências tem sua própria história, estrutura e utilização; todas as associações feitas até hoje ainda são discutíveis;

4) Vamos descobrir novas estruturas, explicações e análises para o Tarot, de uma forma mais pura, mais direta, menos abstrata, como ocorre na astrologia ou numerologia: longe dos devaneios místicos;

5) Esqueça do passado tradicional do Tarot, ele não existe; pense em seu futuro!  O tarot on line e o tarot virtual são apenas um rascunho do que está por vir.

6) Diga não a tudo o que não comporte a significação dos 78 arcanos.

7) Tarot é Tarot.

Por Nei Naiff

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alta-magia/as-origens-do-taro/

As origens do culto de Cosme e Damião

Júlio Cesar Tavares Dias
juliocesartdias@hotmail.com

“Aqui queremos lembrar
Dois Dois a biografia
Pouco vamos encontrar
Porque pouco se escrevia
O que pude pesquisar
Só resolvi publicar
Porque muitos me pediam”
– Frei Urbano de Souza (1991, p. 7)

Nós compartilhamos o sentimento de Frei Urbano de Souza expresso nos seus versos de cordel que vêm à epígrafe deste artigo. No Brasil existe a prática de distribuir balas e doces como pagamento de promessas aos Santos Cosme e Damião, padroeiros das crianças. Em 2010, quando resolvemos escrever sobre este tema (Dias, 2010), frisávamos que o modo de distribuir o doce de Cosme e Damião vem sofrendo mudanças devido à recusa dos evangélicos em receber o doce. Mas, além do fato de que Cosme e Damião foram sincretizados no Brasil com os Ibeji e que os evangélicos rejeitavam o doce justamente por conta desse sincretismo, praticamente nada sabíamos sobre essa devoção e suas origens. Pesquisar as origens do culto desses santos é encarado por nós, então, como um desafio.

Celeno de Figueiredo (1953, p. 5), na introdução de sua obra, afirma que escrever sobre os santos gêmeos é um desejo da mocidade, não realizado há mais tempo, “em virtude da inegável escassez de literatura”. Acreditamos que, ainda hoje, embora passadas décadas desde o seu trabalho, há escassa biografia sobre esse tema em relação à força que essa devoção continua demonstrando no Brasil.

O culto aos santos

Como sabemos, nos inícios do cristianismo, o termo “santo” (que significa separado) era usado de forma geral para se referir aos cristãos. Para se verificar isso basta dar uma olhada rápida nas saudações das epístolas (BÍBLIA, 1993, 1 Coríntios 1: 2 e Efésios 1: 1, e. g.). Com o tempo, esse termo passou a designar as pessoas na comunidade cristã dignas de admiração por alguma virtude ou feito particular. O problema, como coloca Bárbara Lucas (1969, p. 417), ocorre porque “com o tempo, grande número de lendas […] começou a envolver alguns dos santos”, como resultado disso, “a Igreja decidiu que no futuro só se deveriam aceitar como santas as pessoas que fossem formalmente declaradas como tais pelo Papa. Dá-se a isso o nome de Canonização”. O processo visa constatar se o candidato possui uma “virtude verdadeiramente heroica” (Lucas, 1969, p. 418).

As honrarias católicas dos santos e o próprio processo de canonização, a nosso ver, devem-se muito a heroização que os romanos faziam de seus entes falecidos: “tais crenças eram largamente tributárias aos usos tradicionais por meio dos quais os pagãos honravam seus defuntos e especialmente aquêles que criam promovidos à heroização” (Danieloo; Marrou, 1966, p. 320, sic).

O culto dos mártires

Luiz Mott (1994, p. 4) propõe uma tipologia dos santos adorados no Brasil Colonial: “Mártires, Clérigos e Religiosos, Santas Mulheres, concluindo com uma relação dos que tiveram a má sorte de serem considerados Falsos Santos”. A devoção a Cosme e Damião se enquadra no culto aos mártires, pois “chama-se mártir quem derrama seu sangue pela causa de Cristo” (Martins, 1954, p. 5). Claro que não só no cristianismo existem mártires, o mártir cristão seria caracterizado por uma atitude especial ao enfrentar o martírio. Mondoni (2001, p. 56) procede à caracterização do mártir cristão:

[…] não procurava o perigo, mas quanto possível o evitava, […] enfrenta a morte não como cortejo triunfal, mas numa via solitária e em pleno abandono […]; sua fortaleza aparecia não do desejo do sofrimento, mas da serenidade com que ia ao encontro do fim inevitável.

Para o estudo da vida dos mártires, podemos contar com os seguintes documentos: Acta, Passio, Gesta (narrações posteriores às perseguições com justaposição de elementos históricos e lendários) (Mondoni, 2001, p. 56). São critérios para historicidade de um mártir: testemunho direto (Acta, Passio3), inscrição tumular com o qualificativo ‘mártir’, traços seguros de um antigo culto (basílica, cemiterial), menção nos antigos martirológios (Mondoni, 2001, p. 56-57).

Martirológio era, basicamente, “um fichário ou catálogo daqueles que com, com sangue, abonaram o testemunho de sua fé em Cristo. Os antigos martirológios constituíam uma espécie de calendário litúrgico” (Martins, 1954, p. 5). O Martirológio Romano consiste da junção dos vários martirológios regionais, sendo considerado definitivo o texto de Barônio, que depois foi muitas vezes revisto, corrigido e ampliado, tendo sido atualizado pela última vez em 1922, por ordem de Bento XV. Ele é um dos livros litúrgicos oficias da igreja, os quais são, a saber: Missal, Breviário, Ritual Pontifical, Cerimonial e Martirológio.

Claro que no Martirológio Romano “Alguns dados são passíveis de revisão histórica […]. A Santa Igreja desde muito procura escoimá-lo de erros e inexatidões históricas” (Martins, 1954, p. 6). Aliás, “A Igreja é a primeira a querer a verdade histórica. Mas convenhamos. Corrigir não é arrasar, sem mais nem menos, textos venerandos” (Martins, 1954, p. 7).

Foxe4 (2005, p. 13) lembra que ao fundar sua igreja Cristo deixou claro que haveria perseguição, mas que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Assim deve-se ler a história dos mártires como “proveito do leitor e da edificação da fé cristã” (Foxe, 2005, p. 14). Para esse autor:

As causas de tanta perseguição aos Cristãos por parte dos imperadores romanos foram principalmente estas: o medo e o ódio. Primeiro o medo, porque os imperadores e o senado, por ignorância cega, […] temiam e desconfiavam que ele (Cristo) pudesse subverter o seu império. Por isso buscaram todos os meios possíveis […] para extirpar totalmente o nome e a memória dos cristãos. Em segundo lugar, o ódio em parte porque este mundo […] sempre odiou e tratou com maldade o povo de Deus […] Em parte, porque os cristãos, tendo uma natureza e uma religião contrária às dos imperadores […] desprezavam os seus falsos deuses […] e muitas vezes detiveram o poder de Satanás que agia nos seus líderes […]. Por isso, Satanás […] instigou os príncipes romanos e os idólatras cegos a nutrir contra eles um ódio e despeito cada vez maiores (Foxe, 2005, p. 25)

O mais seguro documento acerca de um mártir são as atas: “Para nosso objeto é importante notar uma formalidade que não faltava em nenhum processo: as atas”5 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre). Convém-nos aqui esclarecer, portanto, de que se constitui esse documento:

“As atas dos mártires não são outra coisa que a transcrição exata, ou pouco menor, dos processos verbais redigidos pelos pagãos e conservados nos arquivos oficiais, transcrição que os cristãos recuperavam por diversos meios, por exemplo, a compra a os agentes do tribunal”6 (Bueno, 2003, p. 136, tradução livre).

Essas atas eram obtidas pelas comunidades cristãs através da compra. Mas uma ata, claro, como tudo que é valioso, “era objeto de engano e falsificação”7 (Bueno, 2003, p. 137, tradução livre).

Para Danieloo e Marrou (1966, p. 320), “não resta dúvida que já se conhecia [o culto aos mártires] […] desde o final do segundo século, e de alguma forma se oficializara na Igreja Cristã”, mas sublinham que no quarto século “O fato mais considerável é o desenvolvimento realmente exuberante do culto dos mártires”, desenvolvimento motivado pelo fim das grandes perseguições e pela paz constantiniana.

O arquétipo dos gêmeos

Divindades duplas, gêmeas ou não, aparecem na cultura e na literatura de muitos povos da Antiguidade: Castor e Polux entre os gregos, Osíris e Seth no Egito, Rômulo e Remo em Roma, Vishnu e Lakshmi, na Índia (cf. Araújo, 2010, p. 1); “estes seres costumam ser divindades benfeitoras” (Cirlot, 1984, p. 274). Aliás, “todos os heróis gêmeos da cultura indo-européia são benéficos” (Chevalier, 1997, p. 466). No Candomblé também existe o orixá Ibeji, “representado pelos gêmeos na África, sendo estes sagrados” (Cacciatore, 1988, p. 141), com quem Cosme e Damião foram sincretizados. Ibeji8 significa gêmeos, sendo o orixá Ibeji, o único permanentemente duplo.

Então, Cosme e Damião seriam mais uma manifestação do arquétipo dos gêmeos, presente “na maioria de tradições primitivas e de mitologias relativas às altas culturas” (Cirlot, 1984, p. 273), o que haveria permitido seu sincretismo com os Ibeji. Isso nos levaria a pensar o sincretismo, como fez Pedro Iwashita (1991), a partir de conceitos jungianos. Mais exatamente a partir da psicologia dos arquétipos. Isso significa que foi possível o sincretismo entre os santos e orixás, por serem equivalentes “para a experiência humana, no seu sentido profundo e existencial” (Iwashita, 1991, p. 247). Assim, perguntar pelas origens do culto de Cosme e Damião não significaria apenas estabelecer e fixar uma data, mas verificar a força desse arquétipo.

Para Cirlot (1984, p. 274), “O sentido simbólico mais geral dos gêmeos é que um significa a porção eterna do homem […], a alma; e o outro a porção mortal”. Isso faz muito sentido em relação a Cosme e Damião, pois se, como médicos, buscavam a cura do corpo, essas curas objetivavam a conversão, ou seja, a cura também da alma.

Essa recorrência da figura dos gêmeos em várias lendas e mitologias teria origem em personagens históricos que foram depois mitologizados? Acreditamos que possa ter tido origem em diversos personagens históricos em diversas culturas. Entendemos que a pergunta pela motivação dessa recorrência possa ser respondida não na perspectiva histórica, mas na esfera existencial. “Todas as culturas e mitologias testemunham um interesse particular pelo fenômeno dos gêmeos” (Chevalier, 1997, p. 465). O nascimento de gêmeos envolvia um mistério que causava espanto nos povos antigos.

A Vida de Cosme e Damião

Cosme e Damião são santos católicos que foram médicos9 e, por isso, são tidos como protetores das crianças. Eles teriam exercido a medicina sem nunca cobrar nada, por isso são chamados de “anargiros”, ou seja, que não são comprados por dinheiro. Conforme Figueiredo (1953, p. 7), teriam conhecido o cristianismo através de sua mãe Teódota, que os criou na fé cristã. Nos livros litúrgicos ocidentais10 sua festa foi fixada a 27 de setembro11. Uma reforma litúrgica no ano de 1969 moveu sua comemoração para o dia 26 de setembro, contudo o povo mantém a devoção no dia 27. O padre Michelino Roberto explica que “pelo calendário oficial da igreja, a festa é celebrada no dia 26. Mas o povo prefere 27, data da inauguração da basílica que o papa Félix IV mandou erguer para os dois em Roma, no ano 500” (Roberto, 2000). Na fala do padre Josevaldo, pároco da Igreja de Cosme e Damião na Liberdade, Salvador (BA), parece haver a necessidade de frisar a diferença das datas para combater o sincretismo com as religiões afro:

No candomblé, explica o padre, o dia de homenagear as crianças ou seja a falange de Ibejí é dia 27, enquanto que na igreja católica o dia de Cosme e Damião é 26. Mas, no imaginário popular ficou marcado mesmo o dia 27, explicou o padre. (Sodré, 2012).

São santos do século III cuja data de nascimento é incerta, como, aliás, vários outros aspectos de suas vidas. “Devemos, pois, contentar-nos com as poucas noticias que a seu respeito se extrahiram de varios autores de reconhecida probidade”, como lemos na obra Vidas de S. Cosme e Damião e S. Cesário, Médicos da Federação das Congregações Marianas de São Paulo (1935, p. 3, sic), na qual temos essa descrição de como eles procediam para ocorrer a cura: “começavam por fervorosa oração. Informando-se da natureza do mal, faziam sobre o enfermo o signal da cruz, e com isto, em geral, sem necessidade de remédios, […] o paciente via-se restituído a saúde” (Federação de…, 1935, p. 4, sic) . Essa obra, de cunho devocional, tem, na verdade, por pressuposto, que “As enfermidades do corpo vêm por castigo das desordens da alma”, assim, “Aplaque-se a ira de um Deus ofendido e recobrará saúde o enfermo” (Federação…, 1935, p. 6), e, assim, seu intento é o incentivo à prática da confissão.

Seus atos caridosos que eram motivo de conversões ao cristianismo “não passaram despercebidos aos inimigos da fé cristã” (Basacchi, 2003, p. 7). Denunciados pelo procônsul Lísias, acusados de serem “inimigos dos deuses”, foram mortos por ordem do imperador Diocleciano por não se curvarem diante dos deuses pagãos. Uma tradição diz que foram alvejados por dardos, mas miraculosamente os dardos se desviaram deles, por isso depois foram decapitados12. “O Passio descreve-os como sendo queimados, apedrejados, serrados, e finalmente decapitados13, mas isto é pura lenda14” (Cosmas…, 1967, p. 361, tradução livre). Outra tradição conta que eles foram atirados de sobre um despenhadeiro. “Seus restos mortais, segundo consta, encontram- se em Ciro na Síria, repousando numa basílica a eles consagrada. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente” (Cosme…, 2013, s/p). Depois, no século VI, uma parte das Relíquias foi levada a Roma e está na igreja que adotou seus nomes. “Outra parte foi guardada no altar-mor da igreja de São Miguel, em Munique, na Baviera” (Encyclopedia…, 1997, p. 449).

Embora muitas lendas tenham sido agregadas a história de seu martírio, podemos acreditar que tenham realmente sofrido muitas torturas15, conforme afirma Foxe (2005, p. 26):

Os tiranos […] não se contentavam apenas com a morte […]. Tudo o que a crueldade da invenção do homem pudesse conceber para castigar o corpo humano era posto em prática contra os cristãos […] os seus corpos eram amontoados e junto a eles deixavam cães para guardá-los a fim de que ninguém pudesse vir dar-lhes sepultura.

Mas a ênfase dada nos relatos da igreja sobre a intensidade do sofrimento por que eles passaram mostra a clara intenção de impressionar os fiéis. No Martirológio Romano (Vaticano, 1954, p. 222), sobre o dia 27 de setembro, lê-se sobre eles:

Em Egéia, o natalício dos santos irmãos mártires Cosme e Damião, que, com o auxílio de Deus, aturaram muitos tormentos, grilhões, cárceres, águas, fogueiras, cruzes, pedras, e flechas, antes de serem degolados na perseguição de Diocleciano. Conta-se que, com eles, padeceram três irmãos seus: Ântimo, Leôncio e Euprébio.

Conforme Danieloo e Marrou (1966, p. 400, 401), “Nos anos que seguem ao Concílio de Éfeso16, desenvolve-se o culto, até então estritamente local dos Santos Cosme e Damião”. Assim, o desenvolvimento dessa devoção segue o grande crescimento do culto aos mártires, ocorrido com o fim das grandes perseguições.

Conforme a historiadora Ignez Aquiar o culto aos irmãos foi introduzido no catolicismo pelo papa São Félix que mandou trazer os corpos dos santos para Roma, colocando-os no cemitério da igreja de Santa Cecília, dando início à veneração dos santos na Itália e por toda a Europa. A fé dos devotos nos santos gêmeos era tanta, que apareceu uma relíquia curadora – o óleo de São Cosme e Damião, cuja distribuição nas igrejas católicas predominou até 1780. Como ritual para curar-se, […] o doente ia à igreja, expunha a parte afetada diante da imagem junto ao altar dos santos, uma rezadeira esfregava o óleo no local doente, rezando: Per intencessionem beati Cosmi, liberetabomni malo. Amém, destaca a pesquisadora. (Aquiar apud Pernambuco…, 2011, s/p).

O óleo também serviria para dar filhos a mulheres estéreis (Basacchi, 2003, p.8

O culto na Europa e a Basílica de Cosme e Damião em Roma

Ainda que seja difícil precisar uma data de início do culto, “Sabemos que o culto aos dois irmãos é muito antigo, pois no século V já existiam escritos sobre eles” (Basacchi, 2003, p. 8). Conforme o Dicionário Patrístico (Di Berardino, 2002, p. 347), “Teodoreto de Ciro (458 d. C.) é o primeiro a falar do culto dos santos ‘anárgiros’, culto prestado na cidade sede de seu episcopado”, conforme ele menciona em uma carta, havia, em 434, um local dedicado aos santos em Ciro, no norte da Síria (Harrold, 2007, 28). Harrold (2007, p. 26, tradução livre) considera que:

Sem nenhuma prova histórica dos verdadeiros santos denominados Cosme e Damião, as origens do culto são impossíveis de identificar com absoluta certeza, mas um quadro pode ser construído da evidência proveniente pelas notações litúrgicas, documentos históricos e os primeiros lugares de adoração e as coleções associadas de milagres. Além disso, o rápido alastramento do culto popular obscureceu suas origens17.

A primeira data disponível aos hagiógrafos é, portanto, uma omissão (Harrold, 2007, p. 27). Mas sabe-se que “os santos doutores eram certamente conhecidos bem o bastante no início do século quinto para um santuário ter sido construído em honra deles18” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre). A autora segue citando várias construções feitas aos gêmeos e, então, levanta uma hipótese:

[…] dentre estas primeiras dedicações é possível levantar a hipótese de um ponto geográfico inicial para o culto […] há alguma evidência apoiando a crença na existência da tumba dos dois na região de Ciro, no norte da Síria de uma data antiga”19 (Harrold, 2007, p. 30, tradução livre).

Daí, a “adoção dos santos em muitos lugares seguiu rapidamente. Por exemplo, por meados do século V, ao mínimo duas igrejas dedicadas aos SS. Cosme e Damião tinham sido erguidas em Constantinopla20” (Harrold, 2007, p. 28, tradução livre).

Porém, como se sabe, há uma basílica que o “papa Félix IV mandou construir em honra deles no Foro Romano […]. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente”, sendo que com a “meta mais de turistas que de devotos, pelo esplêndido mosaico que lhe decora a abside” (Cosme…, 2013, s/p). Assim, a Basílica de SS. Cosme e Damião em Roma21 é importante para o estudo do desenvolvimento e expansão da devoção. Teodorico, o Grande, rei dos Ostrogodos e a sua filha Amalasunta, doou ao papa Félix IV, em 527 d. C., a biblioteca do Templo da Paz (Bibliotheca Pacis) e também uma parte do Templo de Rómulo. Félix IV uniu os dois edifícios e criou a basílica dedicada aos dois santos gregos Cosme e Damião, um contraste ao culto pagão a Castor e Pólux, outrora adorados num templo situado no Fórum Romano (Basilica…, s/d)22. A fundação da igreja está descrita no LiberPontificalis:

“Aqui ele erigiu a basílica dos Santos Cosme e Damião no lugar chamado Via Sacra, perto do templo da cidade de Roma”(apud Harrold, 2007, 34, tradução livre)23.

Como coloca Harrold (2007, p. 34, 35), não se sabe as razões exatas porque essa igreja foi construída nessa área, mas podem-se levantar algumas especulações. Aliás, a área em que foi construída a Basílica não era populosa. No começo do quinto século mostrava-se interesse pelos santos orientais (uma igreja à Santa Anastácia é dedicada também nessa época). Acreditamos que é bom o argumento de que a igreja intencionava competir e combater cultos pagãos de cura que ocorriam na mesma área. “A locação da igreja, no lado oposto do fórum para os centros devocionais dedicados a Dioscuri e Asclépio, pode ter intentado providenciar uma alternativa cristã a  estes lugares” 24 (Harrold, 2007, p. 35, tradução livre).

O culto de Cosme e Damião em Portugal

Augusto da Silva Carvalho, em 1928, escreveu O Culto de Cosme e Damião em Portugal e no Brasil – História das Sociedades Médicas Portuguesas. Segundo ele, a devoção a esses santos em Portugal está muito  ligada ao  fato das confrarias se constituírem naquele país principalmente reunindo pessoas de uma mesma profissão em volta de um santo protetor. A escolha pelos médicos dos santos Cosme e Damião como patronos entre tantos outros santos médicos (Carvalho faz uma longa lista) deve-se ao fato de que eles, além de terem sido médicos, foram santos. Por isso, para Carvalho, acompanhar essa devoção em Portugal termina por desembocar em falar da história das sociedades médicas.

Conforme Carvalho (1928, p. 3), “Nos séc. XII e XIII o culto dos dois santos espalhou-se pela Europa Central e Ocidental”. Como padroeiros dos médicos, nota-se que o prestígio da medicina e dos santos estão relacionados. Carvalho (1928, p. 7) nota que “Na Itália o culto dos dois irmãos foi muito extenso”, extensão relacionada “a alta consideração que na Itália tinham pelos médicos”. Assim, a manutenção do culto dos santos e crescimento por obra de confrarias não é algo peculiar ao país lusitano.

Por serem padroeiros dos médicos, um dos materiais para pesquisa dessa devoção em Portugal é um tanto inusitado: os livros de medicina. “Nos livros de medicina publicados em Portugal encontram-se muitas referências aos patronos dos médicos e algumas vezes até esses livros lhes foram dedicados” (Carvalho, 1928, p. 17). Contudo, estudar em Portugal esse culto a partir da devoção às relíquias não é tão promissor porque Portugal é “muito pobre em relíquias dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 15).

Conforme Carvalho (1928, p. 9), “Em Portugal o culto dos dois santos data dos primeiros tempos da monarquia, ou melhor, começou antes da constituição do nosso reino”. Vestígios disso são quadros, monumentos e documentos, incluindo testamentos onde o falecido deixava alguma imagem de santos para um herdeiro. Devoção realmente muito antiga, já em 568, numa freguesia de Azar ou Azere, “no actual concelho dos Arcos de Val houve um mosteiro de frades bentos dedicado a Cosme e Damião” (Carvalho, 1928, p. 21, sic). Em Portugal também “Foi uso em tempos dar a gémeos os nomes dos dois santos” (Carvalho, 1928, p. 17), uso que continua no Brasil. Parece mesmo que os pais portugueses destinavam os filhos à medicina desde o berço dando-lhes o nome desses santos, e “Algumas vezes os médicos e cirurgiões escolhiam para seus filhos os mesmos nomes” (Carvalho, 1928, p. 18), demonstrando não só sua devoção aos santos, mas o desejo de que os filhos seguissem na mesma devoção. Assim, uma família de médicos seria também uma família de devotos.

No entanto, a veneração dos patronos dos médicos não é encontrada somente nos grandes centros, onde haveria concentração tanto de médicos como dos cursos de medicina, mas também “nas mais humildes aldeias, em tôscas e pobres capelas, onde os oragos são representados por ingénuas imagens, em que os sapateiros de província consubstanciaram as lendas e tradições do povo humilde daqueles lugarejos” (Carvalho, 1928, p. 20, sic). Assim, outros profissionais responsáveis pela popularidade dos santos são os sapateiros, que se não têm o mesmo prestígio que os médicos estão mais próximos do povo das aldeias do que aqueles.

Carvalho segue em seu livro listando várias localidades, pequenas aldeias, com nomes dos gêmeos ou nomes derivados dos deles (Cosmode, por exemplo), assim, ele nos mostra que a toponomia e a antroponomia são estudos importantes para acompanhar a expansão da devoção, o que serve certamente também para o caso brasileiro. Aliás, “No Brasil ha várias localidades com o nome dos dois mártires” e “Nos nomes de homens tambêm se encontra vestígio do culto dos mesmos santos” (Carvalho, 1928, p. 54, sic).

A origem do culto de Cosme e Damião em Igarassu e no Brasil

Como sabemos o catolicismo brasileiro é santorial, a ponto de que em “certas casas mais devotas, podemos encontrar folhetos de cordel, quadros ou até imagens reproduzindo a figura de alguns destes santos mais populares” (Mott 1994, p. 3). E catolicismo santeiro brasileiro tem suas origens na religiosidade ibérica, pois “Portugal e Espanha costumavam disputar entre si para saber qual dos reinos ostentava o maior número de santos e beatos reconhecidos” (Mott, 1994, p. 4). Assim, é um tanto natural que a devoção aos santos gêmeos, trazida pelos portugueses, tenha se fixado e se expandido em solo brasileiro.

A Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu25, Pernambuco, de 1535, “considerada uma das principais relíquias da arte colonial brasileira” (Basacchi, 2003, p. 9), é a igreja mais antiga26 do Brasil ainda em atividade.

No dia 27 de setembro de 1530, dia dos Santos Cosme e Damião, com a expulsão dos índios, pelos portugueses, das terras margeantes ao Rio Igarassu, inicia-se o processo de ocupação de Pernambuco. A Construção da Vila de Igarassu é, assim, a marca original da cultura portuguesa nesta região do país. (Programa…, 1979, p. 15).

As despesas para sua edificação correram por conta do Capitão Afonso Gonçalves, que, em carta ao rei de Portugal, datada de 10 de maio de 1548, diz textualmente: “Senhor eu quisera os dízimos desta igreja para os gastar nela e em coisas necessárias para o culto divino e ornamentos, pois sou fundador dela e a fiz à minha custa própria” (Pereira da Costa, 1983, p. 248, 249).

A capela primitiva, provavelmente em taipa, ruiu por volta de 1590/94, segundo informação contida no livro “Primeira Visitação do Santo Ofício: Denunciações e Confissões de Pernambuco”. No mesmo sítio e obedecendo a um alvará real datado de 11 de novembro de 1595, foi construída entre 1595/97, uma nova capela, desta vez de pedra e cal. Hoje, após processo de restauração iniciado em 1958, a igreja recuperou suas características primitivas (Prefeitura de Igarassu, 2010, p. 9).

O professor C. Smith, titular da Cadeira de História da Arte na Universidade da Pensilvânia, nos informa: “A igreja paroquial dos Santos Cosme e Damião, fundada em 1535, foi ampliada no século XVIII por ter sido considerada como a mais antiga do Brasil e o dinheiro usado proveio dos cofres reais” (Biblioteca…, 2011, p. 14). Nos Anais Pernambucanos lemos acerca da conquista dessa terra e acerca dessa igreja:

Dêste porto dos marcos, escreve Jaboatão, saiu Duarte Coelho, e deixando esse braço do rio que cerca a ilha de Itamaracá pelo poente e buscando outra vez o mesmo rio para o sul pouco mais de uma légua, navegando por êle acima duas ao mesmo poente ou meio dia, deram fundo e saltaram em terra, não sem grande oposição do gentio, que no alto, à margem daquele porto tinha uma mui forte e abastada aldeia, que depois de larga resistência, combates e pelejas, foram vencidos e afugentados os seus habitadores. Foi a última vitória a vinte e sete de setembro, dia dos gloriosos mártires Santos Cosme e Damião, e a sua memória consagraram logo aquêle lugar, levantando nêle igreja sua e dando princípio a uma povoação, que depois passou a vila com os nomes dos santos mártires, e foi a primeira da capitania de Pernambuco. […] Aquela igreja, com a invocação dos referidos santos, já estava construída em 1548, como se vê de uma carta de Afonso Sanches, seu fundador, dirigida ao rei a 10 de maio daquele ano, e teve depois a categoria de matriz com a criação da paróquia de Igarassu, em época porém desconhecida; mas como se vê da Informação da Província do Brasil, do Padre José de Anchieta, escrita em 1585, já então estava ereta e canônicamente provida […].(Pereira da Costa, 1983, p. 170-176, sic).

Num dos painéis27 da igreja28 retratando a vitória sobre os índios caetés lê-se:

Vencidos os índios pelos Portuguezes em o dia dos Santos Cosme e Damião, em reconhecimento de tão grande benefício, no mesmo lugar da vitória, que he este de Iguaraçú, fundarão logo este templo, o primeiro que houve em Pernambuco, e o consagrarão aos gloriosos Santos, d’onde forão sempre continuas suas victorias e maravilhas, e debaixo da proteção dos mesmos Santos fundarão esta villa, que também foi a primeira que houve (Igreja…, 1729, s/p, sic).

Augusto da Silva Carvalho (1928), porém, no seu O Culto de S. Cosme e S. Damião em Portugal e no Brasil, não faz nenhuma referência a essa igreja, o que é uma grande falha em sua pesquisa, que a respeito do culto desses santos em Portugal é tão rica de detalhes. Uma das riquezas da obra de Carvalho, no entanto, sobre essa devoção no Brasil, é recuperar a memória da existência de confrarias dedicadas aos gêmeos. Conforme ele, as confrarias “constituíram-se e mantiveram-se durante muito tempo com a designação do santo patrono de cada profissão” (Carvalho, 1928, p. 1).

A escolha dos santos gêmeos para serem os patronos dos médicos no meio de tantos santos que também se dedicaram a medicina (entre os quais S. Lucas, evangelista) explica- se por serem eles mártires. Por extensão, se tornaram santos de todos profissionais da área da saúde. Interessante terem sido tomados também como padroeiros dos sapateiros. Jaime Sodré, em vídeo a TVE Bahia, explica que isso se deve a eles, como médicos, terem feito botas de funções ortopédicas (na azulejaria portuguesa do interior da capela do Convento de Santo Antônio em Igarassu, há a figura deles cuidando da perna de um homem usando desse artifício). Acreditamos que também se deva a associação feita entre Cosme e Damião e Crispim e Crispiniano29, mártires também do século III, patronos dos sapateiros devido a um trocadilho feito entre seus nomes e a palavra grega para sapatos (Di Berardino, 2002, p. 358).

Diferente de Portugal, no Brasil não perecia ter havido confrarias dedicadas a Cosme e Damião, já que o autor não encontrara memória30 delas na população que investigara; “no entanto existem documentos que provam sua existência” (Carvalho, 1928, p. 56). Trata-se dos documentos do Santo Ofício referentes a Manuel Mendes Morforte e Francisco de Siqueira Machado. O primeiro veio à baía em 1698, e lá se tornou irmão da Confraria de S. Cosme e S. Damião e mandou dourar o retábulo da capela desses santos. O segundo, cristão novo, natural do Rio de Janeiro, para provar sua crença na religião católica, lembra, durante o interrogatório, que quando no Rio de Janeiro estava quase extinta a irmandade dos gêmeos, ele que se esforçou para que ela se restabelecesse (Carvalho, 1928, p. 56,57). Em entrevista, o professor Jorge Barreto, diretor do Museu Histórico de Igarassu, afirmou-nos haver nas dependências do Museu, onde funciona o Departamento de Pesquisa Histórica, uma prestação de contas, datada de 1854, da Irmandade de São Cosme e Damião, já dando sinais de falência. Segundo ele, a Irmandade não alcançou a República31.

No Rio de Janeiro32 pareceria “haver uma devoção por estes santos na Igreja de Gonçalo Garcia e S. Jorge, sita na Praça da República. Mas noutros estados a devoção é mais viva e sobretudo na população portuguesa é conservada como grande amor” (Carvalho, 1928, p. 57). É na Bahia, contudo, onde a devoção é mais intensa, onde “não ha casa de gente do povo que não tenha as imagens dos santos, muito tóscas e ingénuas” (Carvalho, 1928, p. 58, sic). Em Salvador, a devoção aparece ligada ao candomblé, onde se distribui o caruru, iguaria feita de quiabo e camarão. Como explica o professor Jaime Sodré (apud Caruru…, 2012), por serem vistos como meninos nas religiões afro, Cosme e Damião têm uma ligação muito especial com os orixás, pois “não tem orixá que não vá ouvir o canto de um menino”. Na zona rural da Bahia, como mostra o documentário Bahia Singular e Plural (Cosme…, 2012), é comum a prática do “Lindro Amor”, quando homens e mulheres saem33 de casa em casa cantando, usando chapéus enfeitados com folhas de seda, e duas crianças à frente levando uma caixa enfeitada contendo a imagem dos santos e flores, para arrecadar donativos (dinheiro, mantimentos, velas…) para fazer a festa.

Como frisamos, a devoção foi trazida ao Brasil de Portugal, onde em muitas de suas localidades “os santos eram invocados para proteger os que faziam longas viagens”, como a devoção aqui chegou “pelos que os tinham como patronos dos navegantes […] o seu culto se radicou sobretudo na beira-mar” (Carvalho, 1928, p. 58). Devoção trazida pelos portugueses e que se espalhou pelo litoral, depois se interiorizou com o garimpo. Os negros eram a grande “máquina” produtiva do garimpo, e, reduzidos a “coisa”, tinham que – como forma de resistência cultural – “sincretizar seus orixás com os santos católicos que lhe foram impostos” (Araújo, 2010, p. 2). Sincretismo esse que perdurou até os dias de hoje, fazendo parte da religiosidade popular do povo brasileiro.

Conclusão

Como no início deste texto, gostaríamos de novamente lembrar a literatura de cordel do Frei Urbano de Souza (1991, p. 23):

É religiosidade
De roupagem popular
Espiritualidade
Com certeza aí está
Toda a criatividade
De nossa modernidade
Muito tem a escutar

O que achamos importante destacar, ao chegar agora ao final desse texto, é que a devoção a Cosme e Damião, tão antiga, como mostramos, no Brasil ainda permanece viva, principalmente na religiosidade popular.

Notas:

Notas:

1 Texto referente a uma comunicação apresentada na 2ª Semana de Ciência da Religião da UFJF realizada entre os dias 16 e 19 de setembro de 2013.

2 Doutorando em Ciência da Religião pela UFJF. Bolsista CNPq

3 Interessante que Acta e Passio sejam atribuídos como os “verdadeiros” nomes de Cosme e Damião.

4 Foxe escreve de dentro do seio protestante, assim, é claro que ele assume o pensamento de o protestantismo é o verdadeiro herdeiro da fé dos mártires, por isso, ele inclui no seu “livro dos mártires” nomes como os de William Tyndale, John Wyclif e John Huss.

5“Para nuestro objeto es importante notar uma formalidade que no faltaba em ningún processo: las actas”.

6 “Las actas de los mártires no son otra cosa que la transcripcion exacta, o poco menor, de los procesos verbales redactados por los paganos y conservados em los archivos oficiales, transcripción que los cristianos reprocuraban por diversos médios, por ejemplo, la compra a los agentes del tribunal”

7“era objeto de trampa e falsificación”

8 Conforme Cacciatore (1988, p. 141) o termo advém do iorubá: “ìbi” – parto; “èji” – dois. A Enciclopédia Barsa (Encyclopedia…, 1997, p. 449) informa que “No Rio Grande do Sul, os Ibejis são denominados Beifes”.

9 Conforme Figueiredo (1953, p. 8), eles se dedicaram a curar não apenas os homens, mas também os animais.

10 Estes são “O Liberorationum visigodo, dos inícios do séc. VIII, o sacramentário Leonino, o Gregoriano de Pádua, o Calendário de Nápoles” (Di Berardino, 2002, p. 347).

11 Já “O sinaxário de Constantinopla contém a 1º de julho três pares de santos homônimos”, ao passo que numa paixão grega sua data aparece como 25 de novembro (Di Berardino, 2002, p. 347).

12 Na imaginação do poeta Frei Urbano de Souza (1991, p. 18), eles morreram abraçados: “Eles então se abraçam/ No auge da santidade/ A Deus do céu adoraram/ Em espírito e em verdade”. Lembrando a clássica distinção aristotélica entre poesia e história, como poeta, ele tem o direito de cantar o que poderia ter sido, diferente do historiador, que tem o dever de contar o que foi.

13 Um dos milagres dos santos doutores teria sido que após serem decapitados, a cabeça deles voltou a se encaixar sobre o pescoço. Esse milagre seria para gente “não perder a cabeça”, ou seja, não perder o juízo.

14 “The Passio describes them as being burnt, stoned, sawed, and finally decapitated, but it is pure legend”

15 Harrold (2007, p. 26) propõe dividir o estudo sobre esses santos entre a tradição latina e bizantina, conforme Harrold (2007, p. 28), no Ocidente desenvolveram-se menos lendas do que na tradição do Oriente.

16 O Primeiro Concílio de Éfeso foi realizado em 431 na Igreja de Maria em Éfeso, na Ásia Menor. Foi convocado pelo imperador Teodósio II e debateu sobre os ensinamentos cristológicos e mariológicos.

17“With no historical proof of actual saints named Cosmas and Damian, the beginnings of the cult are impossible to identify with absolute certainty, but a picture can be built up from the evidence provided by liturgical notices, historical documents and the earliest locations of worship and associated collections of miracles. The rapid spread of the popular cult further obscured its origins”.

18 “doctor saints were certainly known well enough by the early fifth century for a sanctuary to have been built in their honour”

19 “From amongst these early dedications it is possible to hypothesize a geographic starting point for the cult (…) there is quite a bit of evidence supporting the belief in the existence of the tomb of the saints in the region of Cyrrhus in northern Syria from an early date”.

20“The adoption of the saints in many places quickly followed. For example by the mid fifth century at least two churches dedicated to SS. CosmasandDamianhadbeenbuilt in Constantinople.”

21                       Há                       várias                       imagens                          disponíveis         em:

<http://www.franciscanfriarstor.com/archive/theorder/Basilica/index.htm>. Acesso em 21 nov. 2014.

22 As pinturas e o texto desta página da internet são a reprodução permitida do livro The Basilica of Santi Cosma e Damiano e é propriedade da FranciscanFriars.

23″Hic fecit basilicam sanctorum Cosmae et Damiani in urbe Roma, in loco qui appellatur II Via Sacra, iuxta templum urbis Romae.”

24“The location of the church, on the opposite side of the forum to devotional centres dedicated to the Dioscuri and Asklepios, could have been intended to provide a Christian alternative to these places”

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

25 “A localidade que recebeu o nome de Igarassu, corruptela de Ygara-açu, barco grande, navio, canoa grande, originário dos índios, vem do fato, como escreve Teodoro Sampaio, de ser o porto, desde os primeiros anos da colônia, visitado por barcos que o atingiam com o percurso da maré” (Silva; Alheiros, 1986, p. 10).

26 Silva (2011) haverá de negar essa afirmação advogando em favor da Igreja de Nossa Senhora do Monte em Olinda.

27 São quatro painéis, todos de 1729: o primeiro retrata vitória sobre os índios caetés, marco da fundação da cidade; o segundo, a construção da Igreja; o terceiro, a invasão e saque de Igarassu pelos holandeses, (ocorrida em 1632, os holandeses ao terem tentado saquear as telhas do telhado da Igreja de Cosme e Damião, teriam sido surpreendidos pela aparição dos santos numa nuvem e, pelo esplendor dos santos, caíram cegos); o quarto painel retrata a peste de febre amarela de 1685 (Igarassu, diferente das cidades suas vizinhas, esteve ilesa a esta peste, o painel retrata várias cidades sendo invadidas pela morte – retratada como tradicionalmente com um esqueleto com uma foice, enquanto em Igarassu os santos, postos nas fronteiras, barram a entrada da morte na cidade. Esses painéis foram transferidos para o Museu Pinacoteca de Igarassu, que funciona no Convento de Santo Antônio, em 1969, para fins de melhor preservação.

28 Não é acessível a todos viajar para Igarassu para conhecer essa igreja, mas é possível “visitar” seu interior         virtualmente   através    de              um                        vídeo                       disponível       em:

<http://www.youtube.com/watch?v=8szLsX1HV2M>. Acesso em 21 nov. 2014.

29 Na Bahia, Crispim e Crispiniano também foram sincretizados com os Ibêjis, por isso, no dia 25 de outubro, dia desses santos, ocorre comemorações como as feitas a Cosme e Damião, porém, com menor intensidade.

30 Seria o caso de perguntarmos quais forças operaram ou contribuíram para que operasse esse esquecimento. Quais razões e circunstâncias motivaram o apagamento das reminiscências?

31 Não pude ter acesso a esse documento porque quando estive em Igarassu (19/09/2013 – 28/09/2013) para minha pesquisa de campo, o acesso ao Departamento de Pesquisa Histórica estava suspenso devido às festividades dos santos. As visitas ao museu aumentam nessa época.

32 No Rio de Janeiro, como o policiamento é feito por duplas de soldados, essas duplas ganharam do povo a alcunha de “Cosme e Damião”, gesto que foi recebido com simpatia pelos policiais, assim “os santos gêmeos tornaram-se também patronos da Polícia Civil da Guanabara” (Basacchi, 2003, p. 9).

33 Já que São Cosme e Damião são vistos como crianças, é natural que eles gostem de passear. Uma das músicas de tradição do “Lindro Amor” chama a dona da casa: “Ô minha senhora/ abra essa porta/ porque São Cosme é tradição/ é coisa nossa”. Como a caixa é levada ao interior da residência ninguém fica sabendo o valor exato que a pessoa depositou, o que evita constrangimento.

Referências

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Disponível                                                                                                         em:

<http://www.frb.br/ciente/2006_2/psi/psi.araujo.f1 rev._vanessa_12.12.06_.pdf>. Acesso em 30 jul. 2010.

BASACCHI, Mario. São Cosme e São Damião: biografia e novena. São Paulo: Paulinas, 2003.

BASILICA    of   Saints   Cosmas    &   Damian.   The                      Franciscans.               Disponível      em:

<http://www.franciscanfriarstor.com/archive/theorder/Basilica/index.htm>. Acesso em: 21 nov. 2014.

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CARVALHO, Augusto da Silva. O culto de S. Cosme e S. Damião – em Portugal e no Brasil: história das sociedades médicas portuguesas. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928.

CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos. Trad. Rubens Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Editora Moraes, 1984.

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COSME e Damião: Bahia singular e plural. Direção: Josias Pires. Bahia: TVE Bahia.

YouTube,                 19                 out.                 2012.                                Disponível   em:

<http://www.youtube.com/watch?v=5eTxdavADnE>. Acesso em: 10 ago. 2013.

COSME e S. Damião, médicos, mártires, +303, S. Amor mariano, 26 set. 2013. Disponível em: <http://www.amormariano.com.br/igreja/liturgia-diaria-26092013-s- cosme-e-s-damiao/>. Acesso em: 21 nov. 2014.

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VATICANO. Martirológio Romano. 3. ed. vaticana. Trad. Frei Leopoldo Pires Martins. Petrópolis, RJ: Vozes, 1954.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/as-origens-do-culto-de-cosme-e-damiao/

Kotodama – (言霊) : a crença no poder mágico das palavras

Por George Lloyd

Kotodama (言霊) refere-se à crença de que as palavras têm poderes místicos. Ele combina a palavra para “fala” (言 koto) e a palavra para “alma” (霊 tama).

Kotodama pressupõe que os sons podem afetar objetos magicamente e que o canto ritualístico das palavras pode afetar tanto o indivíduo quanto seu ambiente. Por exemplo, se você chamar o nome de alguém, o som terá um impacto sobre eles, quer eles possam ouvi-lo ou não.

Kotodama tem suas raízes no xintoísmo, a religião animista do Japão. Nos tempos antigos, feitiços e encantamentos para os deuses xintoístas eram vistos como tendo poder divino. Os xintoístas acreditam que não apenas as pessoas, mas também os animais e os objetos têm alma, por isso não é de surpreender que eles acreditem que as palavras também tenham alma.

Kotodama não é um conceito tão estranho como pode parecer à primeira vista. Embora fora de moda, a crença em palavras mágicas, como hocus pocus, abracadabra ou abra-te sezamo, já foi difundida. No hinduísmo, acredita-se que palavras diferentes produzem vibrações diferentes e que cantá-las como mantras criará efeitos diferentes, seja paz interior, cura de ferimentos ou proteção contra a má sorte. Os mantras hindus geralmente começam com a palavra “Om”, que se acredita ser o som do universo.

No Japão, a crença no kotodama é tão antiga quanto a palavra escrita. No Man’yoshu, a mais antiga coleção sobrevivente de poesia waka japonesa, que foi compilada algumas vezes após 759 d.C. é referido como kotodama no sakiwau kuni (言霊の幸わう国), ou “a terra onde os misteriosos trabalhos de linguagem traz felicidade.”

Originalmente, apenas feitiços e encantamentos xintoístas eram vistos como tendo poder divino, mas com o tempo, outras palavras também passaram a ser consideradas divinas. Um exemplo que sobreviveu até os dias atuais é o grito curto proferido ao fazer um movimento de ataque no karatê ou no aikido. É chamado de kiai (気合) e deve concentrar a determinação do atacante.

Você também pode ver kotodama trabalhando na tradicional cerimônia de casamento japonesa. Os convidados devem evitar usar as palavras “cortar”, “quebrar”, “dividir”, “voltar”, “terminar” ou quaisquer palavras que sugiram separação na cerimônia. Tal é o poder de uma palavra mal escolhida, o fim do casamento é até referido como a “abertura”.

O medo de certas palavras, geralmente porque soam como algo considerado azar, é intrínseco ao kotodama. Por exemplo, a palavra shisan pode se referir ao número 43, mas também pode significar “natimorto”, e isso torna 43 um número de azar.

Da mesma forma, o número 17 é dito como junana, que também significa “grande riqueza” e isso o torna um número da sorte. Em japonês, esse tipo de coincidência cósmica é chamado doonigigo (同音異議語) ou “palavras que soam iguais, mas têm significados diferentes”.

Como todas as religiões, o xintoísmo às vezes foi interpretado em termos políticos. Na verdade, é particularmente suscetível a ser manipulado por políticos porque coloca muita ênfase em conceitos politicamente carregados como “pureza” e “limpeza”. Quando se trata de kotodama, isso implica a crença de que a própria língua japonesa tem poder divino e que deve sua força à sua ‘pureza’.

No passado, essa suspeita de influência estrangeira levou muitos xintoístas a evitar o uso de palavras originárias da China e, em vez disso, usar apenas yamatokotoba (大和言葉、vocabulário nativo japonês) em seus rituais. Esta não foi uma tarefa fácil, uma vez que as palavras emprestadas sino-japonesas estão em uso há mais de 1.500 anos e tiveram um impacto formativo na língua japonesa. Também é irônico, porque a crença em kotodama é ainda mais forte na China do que no Japão.

A suspeita de empréstimos sino-japoneses diminuiu durante o período do governo militar no Japão (1932-1945), mesmo porque agora havia um novo bicho-papão para exorcizar da língua japonesa: as novas palavras inglesas.

Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, os nacionalistas fizeram o possível para purgar sua língua do que chamavam de tekiseigo (a língua do inimigo) e substituir as palavras ofensivas por palavras sino-japonesas. Por exemplo, a palavra ragubî, (ラグビー), uma palavra emprestada do rugby inglês, tornou-se tokyu (闘球), uma palavra sino-japonesa que significa “bola de luta”.

Hoje em dia, a luta para purificar a língua japonesa é apenas uma memória, mas você ainda ouve a palavra kotodama sendo usada hoje. A banda japonesa de pop-rock Southern All Stars teve um grande sucesso em 1996 com “Ai no Kotodama (“As palavras mágicas do amor” podem ser uma boa tradução).

Até mesmo a comunidade científica é tentada pelo apelo do kotodama de tempos em tempos. Em 2004, o empresário e autor japonês Masaru Emoto afirmou que a consciência humana poderia afetar a estrutura molecular da água.

Ele conduziu um experimento no qual pronunciou palavras positivas para uma tigela de água, o que fez com que a água produzisse belos padrões de cristal quando congelada. Quando ele dizia coisas ruins para a água, ela formava padrões de cristal feios quando congelada.

Masaru Emoto estava convencido de que a água poluída poderia ser limpa pelo poder da oração (se lavar a roupa fosse tão fácil!)

Claro, é fácil rir da religião quando ela se disfarça de ciência, mas não devemos ser muito desdenhosos. A tradução em inglês do livro de Emoto, “The Hidden Messages in Water”, tornou-se um best-seller do New York Times.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/kotodama-%e8%a8%80%e9%9c%8a-a-crenca-no-poder-magico-das-palavras/

O Entendimento dos Símbolos

Por Fernando Pessoa

“O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.

A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.

A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.

A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.

A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.

A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.”

#Arte #Simbolismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-entendimento-dos-s%C3%ADmbolos

Stairway to Heaven

There’s a Lady who’s sure,

All that glitters is gold,

And she’s buying a Stairway to Heaven.

Há uma senhora que está certa

De que tudo o que brilha é ouro

E ela está comprando uma escadaria para o Paraíso

Esta “Lady”, ao contrário do que as pessoas imaginam, não é a Shirley Bassed (essa idéia apareceu em uma referência de Leonard tale no CD Australiano). A “Lady” que Robert Plant fala é Yesod, a Qualidade Universal do Espírito, a Princesa aprisionada dos contos de fada, a vontade primordial que nos leva á meditação, ao auto-conhecimento e ao início da Escada de Jacob, que é a Starway to Heaven, (Caminho das estrelas), trocadilho com o nome da música e que também foi utilizado em outros contextos para expressar as mesmas idéias, como por exemplo, no nome “Luke Skywalker” na Saga do Star Wars. Um dia falo mais sobre isso…

Na Mitologia Nórdica, a Lady é Frigga, também conhecida como Ísis, Maria, A Mãe, Iemanjá, Diana, Afrodite, etc… um aspecto de toda a criação e presente em cada um de nós.

Robert plant fará novas referências a esta “Lady Who´s sure” em outras músicas (Liar´s Dance, por exemplo, que trata do “Book of Lies” do Aleister Crowley).

Ao contrário do senso comum, que diz que “Nem tudo que reluz é ouro”, esta Lady possui dentro de si a esperança e o otimismo para enxergar o bem em todas as coisas; ver que tudo possui brilho e que mesmo a menor centelha de luz divina dentro de cada um possui potencial de crescimento.

E dentro deste entendimento, ela vai galgando os degraus desta escada para os céus. Na Kabbalah, os 4 Mundos formam o que no ocultismo chamamos de “Escada de Jacob”, descrita até mesmo em passagens da Bíblia. Esta “escada” simbólica traz um mapa da consciência do ser humano, do mais profano ao mais divino, que deve ser trabalhada dentro de cada um de nós até chegar à realização espiritual.

Aqui que os crentes e ateus escorregam. Eles acham que deuses são reais no sentido de “existirem no mundo físico” e ficam brigando sobre veracidade de imagens que apenas representam idéias para um aprimoramento interior.
When she gets there she knows,

If the stores are all closed,

With a word she can get what she came for.

E quando chega lá ela sabe,

Se as lojas estão fechadas,

Com uma palavra ela consegue o que veio buscar

Aqui é mencionado o “verbo”, ou a “palavra perdida” capaz de dar criação a qualquer coisa que o magista desejar. A Vontade (Thelema) do espírito do Iniciado é tão forte que “quando ela chegar lá ela sabe que se todas as possibilidades estiverem fechadas, ela poderá usar a palavra para criar o que precisar”. Este primeiro verso coloca que a dama está trilhando o caminho até a Iluminação e tem certeza daquilo que deseja, ou seja, conhece sua Verdadeira Vontade..
There’s a sign on the wall,

But she wants to be sure,

’cause you know sometimes words have two meanings.

Há um sinal na parede,

Mas ela quer ter certeza,

Pois você sabe, às vezes as palavras têm duplo sentido

Ainda trilhando este caminho, a dama precisa ser cautelosa. Porque todo símbolo possui vários significados. Todas as Ordens Iniciáticas trabalham e sempre trabalharam com símbolos: deuses, signos, alegorias e parábolas. Os Indianos chamam estes caminhos falsos de Maya (a Ilusão) e em todos os caminhos espirituais os iniciados são avisados sobre os desvios que podem levá-los para fora deste caminho (ou o “diabo” na Mitologia Cristã).
In a tree by the brook

There’s a song bird who sings,

Sometimes all of our thoughts are misgiven.

Em uma árvore à beira do riacho

Há uma ave que canta

Às vezes todos os nossos pensamentos são inquietantes

A Árvore a qual ele se refere é, obviamente, a Árvore da Vida da Kabbalah, ou Yggdrasil, na Mitologia Nórdica, a conexão entre todas as raízes do Inferno (Qliphoth) e as folhas nos galhos mais altos (Runas). Brook (Riacho) também é um termo usado no Tarot para designar o fluxo das Cartas em uma tirada, e o pássaro representa BA, ou a alma em passagem, considerada também o símbolo de Toth (que, por sua vez, é o lendário criador do Tarot, ou “Livro de Toth”, segundo Aleister Crowley) então a frase fica com dois sentidos: literal, que é uma árvore ao lado de um rio onde há um pássaro; e esotérico, que trata de Toth, deus dos ensinamentos (Hermes, Mercúrio, Exú, Loki…) aconselhando o iniciado enquanto ele trilha a subida simbólica pela Árvore da Vida.
There’s a feeling I get when I look to the west,

And my spirit is crying for leaving.

Há algo que sinto quando olho para o oeste

E o meu espírito clama para partir

O “Oeste” na Rosacruz, na Maçonaria e em várias outras Ordens Iniciáticas, representa a porta do Templo, os profanos ou a parte de Malkuth, o mundo material (enquanto o Oriente representa a luz, o nascer do sol). Ela não gosta do que vê e seu espírito quer trilhar um caminho diferente.
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees

And the voices of those who stand looking.

Em meus pensamentos tenho visto anéis de fumaça através das árvores

E as vozes daqueles que estão de pé nos observando

Os anéis de fumaça são o símbolo usado para representar os espíritos antigos, os ancestrais dentro do Shamanismo. Os grandes professores e os Mestres Invisíveis que auxiliam aqueles que estejam dentro das ordens iniciáticas
And it’s whispered that soon if we all call the tune

Then the piper will lead us to reason.

And a new day will dawn for those who stand long,

And the forests will echo with laughter.

E um sussurro nos avisa que cedo, se todos entoarmos a canção,

Então o flautista nos conduzirá à razão

E um novo dia irá nascer para aqueles que suportarem

E a floresta irá ecoar com gargalhadas

O “piper” é uma alusão ao flautista, ou Pan. O “Hino a Pã” é uma poesia de 1929 composta por Crowley (e traduzida para o português pelo magista Fernando Pessoa) que trata do Caminho de Ayin dentro da Árvore, que leva da Razão à Iluminação e é representada justamente pelo Arcano do Diabo no Tarot e pelo signo de Capricórnio, o simbólico Deus Chifrudo das florestas. As “florestas ecoando com gargalhadas” sugere que aqueles que estão observando (os Mestres Iniciados) estarão satisfeitos quando os estudantes e todo o resto do Planeta chegarem ao mesmo ponto onde eles estão e se juntarem a eles.
If there’s a bustle in your hedgerow,

Don’t be alarmed now,

It’s just a spring clean for the May Queen.

Se há um alvoroço em sua horta

Não fique assustada

É apenas a purificação da primavera para a Rainha de Maio

Esta parte não tem nada a ver com garotas chegando à puberdade. As mudanças referem-se à morte do Inverno e chegada da Primavera, que representa a superação das Ordálias e caminhada em direção à Verdadeira Vontade.
Yes there are two paths you can go by,

But in the long run

There’s still time to change the road you’re on.

Sim, há dois caminhos que você pode seguir

Mas na longa jornada

Há sempre tempo para se mudar de estrada

A lembrança de que sempre existem dois caminhos, e também uma referência ao Caminho de Zain (Espada, que conecta o Iniciado em Tiferet à Grande Mãe Binah, representada pelo Arcano dos Enamorados no Tarot). Separa a parte dos prazeres terrenos (chamados de “pecados” na cristandade ou de “Defeitos Capitais” na Alquimia) e o caminho da iluminação espiritual. A escolha é nossa e é feita a cada momento de nossa vida em tudo o que fazemos, e qualquer pessoa, a qualquer momento pode mudar de caminho (espero que do mais baixo para o mais elevado…)
And it makes me wonder.

Oh, e isso me faz pensar e me deixa maravilhado (uso duplo de “wonder”)

Robert Plant coloca várias vezes esta frase na música, em uma referência ao Arcano do louco (e o Caminho do Aleph na Kabbalah), como o sentimento de uma criança que se maravilha com tudo no mundo pela primeira vez (no catolicismo “Vinde a mim as criancinhas”, Mateus 18:1-6 sem trocadilho desta vez). Este é a sensação que um ocultista tem a cada descoberta de uma nova galáxia ou maravilha do universo, ou novas invenções da ciência e a descoberta de novos horizontes. No hinduísmo, esta sensação tem o nome de Sattva (em oposição a Rajas/atividade ou Tamas/ignorância).
Your head is humming and it won’t go,

In case you don’t know,

The Piper’s calling you to join him.

Sua cabeça lateja e isto não vai parar,

Caso você não saiba

O flautista lhe chama para que se junte a ele

Nesta altura da música, já fica claro que quem a escuta está sendo guiado pela Lady através da Árvore da Vida em direção à Iluminação. O aspirante a Iniciado está sendo conduzido pelo caminho pelo soar da música. Ou, em um caso mais concreto, o mesmo tipo de música que o Blog do Teoria da Conspiração toca para vocês…
Dear Lady can you hear the wind blow, and did you know,

Your stairway lies on the whispering wind.

Querida senhora, não pode ouvir o vento soprar? Você sabia

Que a sua escadaria repousa no vento sussurrante?

Esta frase tem duas analogias com símbolos muito parecidos, de duas culturas. O primeiro é a própria Yggdrasil, em cujas raízes fica um dragão (a Kundalini) e em cujo topo fica uma águia que bate suas asas resultando em uma suave brisa. A Águia representa o espírito iluminado (daí dela ser o símbolo escolhido pelos maçons americanos como símbolo dos EUA) e o vento é o elemento AR (Razão). Na Kabbalah, em um significado mais profundo, tanto os caminhos de Aleph (Louco/Ar) quanto de Beth (Mago/Mercúrio) que conduzem a Kether (Deus) são representados pelo elemento AR – O Led Zeppelin fala sobre águias em outras canções, igualmente cheias de simbolismo… algum dia eu falo sobre elas.
And as we wind on down the road,

Our shadows taller than our soul,

E enquanto seguimos soltos pela estrada

Nossas sombras se elevam mais alto que nossas almas

As Sombras, no ocultismo e especialmente nos textos do Crowley, são os defeitos ou aspectos negativos de nossa personalidade que mancham a pureza de nossa alma.
There walks a lady we all know,

Who shines white light and wants to show

How everything still turns to gold,

Lá caminha uma senhora que todos nós conhecemos

Que irradia uma luz branca, e quer nos mostrar

Como tudo ainda vira ouro

O terceiro Caminho até Kether é Gimmel, a sacerdotisa, o caminho iniciado em Yesod (Lua) que passa novamente pelos Grandes Mistérios. A analogia com o Ouro é óbvia. O processo alquímico na qual transformamos simbolicamente o chumbo do nosso ego no ouro da essência.
When all are one and one is all,

Unity.

To be a rock and not to roll.

Quando todos são um e um é todos,

Unidade

Ser como uma rocha e não rolar

Quando finalmente ultrapassamos o Abismo, chegamos a Binah, que representa a Ordem (“rock” em oposição ao Caos, que é o “roll”, em um genial jogo de palavras). Na Umbanda, o orixá representado ali é Xangô, senhor das “pedreiras” e da certeza das leis imutáveis do Universo. Representa a mente focada no caminho, sem deixar-se levar por qualquer evento ou adversidade.
And she’s buying a Stairway to Heaven.

E ela está comprando uma escadaria para o Paraíso

Novamente, a mensagem de esperança… a Dama do Lago está sempre ali, criando oportunidades para todos os buscadores no Caminho da Libertação.

***

análise e comentários por Marcelo Del Debbio

tradução dos versos em inglês por Rafael Arrais

#Arte #Música

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/stairway-to-heaven

Reflexão

I.

Por muito tempo busquei o amor

Por muito tempo dele procurei

Nos recândidos do mundo

Perguntando a mim mesmo

De algo que jamais saberei

Agora, em silêncio profundo

Basta-me saber da lei:

Quero é ser o amor

Como a abelha é parte da colméia

Quero é viver o amor

Como só tu o soube

Ò rabi da Galileia

II.

Eis me aqui neste templo mental

Cercado de anjos e velhos pretos

Dançando ao toque

Do tambor ancestral…

Agora, em silêncio profundo

Basta-me imaginar ao sol

A iluminar divina cachoeira

– Um longo rio a desaguar

No mais belo jardim

Quem lá esteve, sabe que é assim:

O Éden não foi, nem será…

Em nossa volta

Na mente plena de paz

Tudo apenas é

III.

Por muito tempo busquei a luz

E, partindo de mim

Tal qual raio, a projetar

Até que um ser alado

Das falanges de muitas eras atrás

Ensinou-me a evocar

A pirâmide branca

De cume dourado…

Como o ótico de Haia

Vi a luz em reflexão

Dos confins do Cosmos

Até este nosso mundo

– Charco de solidão

IV.

Eis me aqui envolto em rede

De luz eterna

Tecida entre dois planos

Tão próximos

Tão distantes…

Eis o que sei por ora:

O amor está dentro

O amor é um fio

Mas a luz vem de fora

Agora, em silêncio profundo

A cangoma ainda toca…

Da outra ponta do mundo

Um fio é puxado

E todos os anjos

E pretos velhos

E todos os rabis

E neófitos

E todos os pensamentos em reflexão

Pendem

Na sua direção

– Quer compreendam

Quer não…

raph’12’A.’.A.’.

#Espiritualidade #poesia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/reflex%C3%A3o

A Origem das Sefirot

 Um artigo de Spartakus FreeMann sobre a origem das Sefirot.
Para Melmothia.

Uma discussão com Melmothia me desafiou sobre a origem das Sefirot. No início, a resposta a esta pergunta parecia tão óbvia que respondi com um truque cabalístico: “ó minha boa dama, as dez Sefirot, bem, são o Sefer Yetzirah“. Ao refletir melhor, este curto-circuito me desagradou, e percebi que nunca havia tentado dar nem mesmo uma breve história da doutrina das Emanações. Espero que este lapso seja retificado neste artigo.

Um dos conceitos mais importantes na Cabala é sem dúvida o das Emanações ou Sefirot (singular: sefira) através das quais Deus se revela. Estas Emanações são atributos ou caracteres arquetípicos que a literatura cabalística frequentemente descreve como “esferas”, “regiões” ou “vasos” contendo a energia que emana de Deus, o infinito e ilimitado En-Sof, incognoscível por natureza. É somente através destas Emanações que se pode ganhar conhecimento (parcial) de Deus e de Sua criação.

As 10 Sefirot são segundo a representação tradicional da Árvore da Vida:

  1. Kether ou Kether Elyon, a Coroa Suprema
  1. Hokhmah, Sabedoria
  1. Binah, Inteligência
  1. Gedullah ou Hesed, Grandeza ou Amor
  1. Gedulah ou Din, Poder ou Julgamento
  1. Rahamim ou Tifereth, Compaixão ou Beleza
  1. Netzach, Vitória
  1. Hod, Majestade
  1. Tzaddik ou Yesod Olam ou Yesod, os Justos, a Fundação do Mundo ou a Fundação
  1. Malkhuth, o Reino.
Árvore da Vida do Pardes Rimmonim de Moisés Cordovero (século XVI).

Origem das Sefirot

Os nomes das dez Sefirot parecem ter sua fonte em I Crônicas 29:11:

“Tua é, Senhor, a grandeza, e a força, e a glória e o esplendor, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos.”

Estes são os 7 atributos associados com as 7 Sefirot inferiores. No século XIII, Isaac, o Cego de Narbonne, que alguns acreditam ser o pai da Cabala, fez a conexão com esta passagem da Escritura em seu Comentário sobre o Sefer Yetzirah, a fim de falar da doutrina das Sefirot.

O Sefer Yetzirah (ou Livro de Formação) é outra fonte da doutrina das Emanações. De fato, este pequeno tratado cabalístico nos fala dos “32 Caminhos da Sabedoria” pelos quais Deus criou o mundo. Estes Caminhos compreendem as 22 letras do alfabeto hebraico e 10 numerações, ou Sefirot, um termo derivado, segundo G. Scholem, do “sapar” hebraico, para a palavra “contar”.

Mais tarde, encontramos o Sefer ha-Bahir, um tratado no qual os Sefirot não são mais percebidos como números, mas como éons, logos ou atributos (middoth em hebraico) que servem como instrumentos de criação. O Bahir identifica estes atributos com as 10 ma’amoroth ou 10 Palavras pelas quais o mundo foi criado (ver Pirke Avoth 5:1. Tratado Avoth).

Esta visão ecoa o Talmude onde lemos: “Por dez coisas o mundo foi criado, pela sabedoria e compreensão, e pela razão e força, pelo rigor e poder, pela justiça e julgamento, pelo amor e compaixão” (Talmude: Tratado Haguiga, 12a).

A Árvore da Vida de Kircher. Origem das Sefirot.

Com Azriel de Girona (século XIII), obtemos um desenvolvimento filosófico do sistema das Emanações que pode ser resumido em três características fundamentais:

  1. As Sefirot são manifestações finitas de En-Sof ;
  1. En-Sof é Infinito, Perfeito, Incognoscível;
  1. As Sefirot e En-Sof são um só.

Além disso, as Emanações são dez em número porque são limitadas pelas expressões da existência do mundo “físico” da criação do qual participam: substância, comprimento, altura, profundidade, tempo, lugar, etc.

Esta última ideia é muito próxima da teoria aristotélica das categorias do ser. Se Deus é incognoscível, o mundo foi criado pelas Dez Palavras e de acordo com Luzzatto:

“En-Sof é a Vontade como Ele poderia ter querido, aquele que não tem termo ou medida ou fim; os Sefirot são o que Ele quis com limite e que constituem os atributos particulares que Ele quis”.

O Zohar, esse tratado volumoso e críptico da Cabala, não fala explicitamente das Sefirot, mas usa uma série de termos diferentes que podem ser relacionados às qualidades das Sefirot (no fólio 176b eles são mencionados por suas iniciais, no entanto, isto parece ser uma adição tardia – do século 16 – à versão do Codex de Mantoue). Entretanto, o Zohar oferece uma explicação da estrutura da Árvore da Vida: as Sefirot estão dispostas dentro dela na forma de um Mishkal, ou Equilíbrio, com suas duas panelas (as duas colunas à esquerda e à direita) e seu centro. Assim, cada Sefirah é um equilíbrio entre a força e a energia dos dois Sefirot anteriores.

A fonte mais clara parece ser a Patah Eliyahu – uma oração recitada em certas liturgias judaicas – encontrada no Tikkunei Zohar (fólio 19a), uma obra mais tardia que o próprio Zohar. As referências às Sefirot muitas vezes aparecem apenas em adições (tosafot) ou em comentários (como na tradução de Baal haSulam, por exemplo). Daniel Matt, autor de uma tradução contemporânea do Zohar em inglês, escreve:

“os comentadores gostam de encontrar referências às Sefirot que os ba’alei ha-Zohar (os autores do Zohar) nem sempre pretendiam. Mas os brilhos são ingênuos não acrescentando as Sefirot, mas reduzindo a poesia do Zohar ao persistir em nomear as diferentes Sefirot onde o texto original apenas alude a eles sutilmente”. Além disso, os estudiosos são quase unânimes em dizer que o Zohar “raramente usa o termo Sefirah ou o próprio nome das Sefirot” (Sperling e Simon, tradução de 1931, 384).

A doutrina das Sefirot será desenvolvida por Isaac Luria. Está além do escopo deste artigo para descrevê-la mais detalhadamente e remetemos o leitor ao nosso trabalho sobre a Cabala Luriânica. Basta dizer aqui que, segundo Luria, a criação de um mundo de natureza finita é uma indicação da autolimitação de Deus por meio de Tzimtzum, ou retração, contração. Por este ato, Deus preserva um espaço livre para Sua criação, que então se desdobra através do derramamento de Sua luz através dos “vasos” (Sefirot).

Este processo não ocorreu corretamente, levando à “quebra dos vasos” e à queda na materialidade, mas esta imperfeição deveria, segundo Luria, ser concluída em um tikkun, uma reparação que apareceria então como a realização de uma parousia de Deus dentro da criação restaurada a sua perfeição original.

Isaac Luria dá outra classificação das Sefirot, omitindo Kether e acrescentando Da’ath (Etz Chaim 23:5,8), como segue (Etz Chaim 23:1,2,5,8; 25:6; 42:1):

  1. Hokhmah ;
  1. Binah ;
  1. Da’ath ;
  1. Hesed ;
  1. Goborah ;
  1. Tifereth ;
  1. Netzach ;
  1. Hod;
  1. Yesod;

Moisés Cordovero, por outro lado, enfatiza uma estrutura baseada nos Quatro Mundos (Pardes Rimonim 3:1 e Or Ne’erav 6:1) e organiza as Sefirot na seguinte ordem:

  • Atziluth (Emanação) que inclui Kether e Hokhmah;
  • Briah (Criação) que inclui Binah;
  • Yetzirah (Formação) que inclui Tifereth, Hesed, Goborah, Netzach, Hod e Yesod (que são as 6 direções do mundo);
  • e finalmente Assiah (Ação) que inclui Malkhuth.

A cada um destes quatro níveis, modelados nos quatro mundos, é atribuída uma das letras do divino Tetragrammaton YHVH.

“As três primeiras Sefirot devem ser consideradas como uma e a mesma coisa”. A primeira representa “Conhecimento”, a segunda “Conhecedor” e a terceira “o que é conhecido”. O Criador é o próprio conhecimento, conhecedor e conhecido… Assim, todas as coisas no universo têm sua forma dentro das Sefirot e as Sefirot tem sua fonte no que emana deles” (Cordovero, Pardes Rimonim).

O diagrama abaixo representa a ordem das Sefirot de acordo com Cordovero. Cada Sefira é representado pela inicial de seu nome:

Moses Cordovero, Pardes Rimmonim, 1592. Origem das Sefirot.

Deve-se notar que as várias representações das Sefirot em forma de árvore, embora favorecidas pela tradição, não são as únicas. Além de Cordovero, há também uma representação chamada “Coração de Deus” onde Tifereth está no centro de uma roda composta de outras Sefirot, sem mencionar a Menorah ou o castiçal de sete ramos (veja abaixo). Em qualquer caso, a árvore continua sendo o diagrama mais revelador, quanto mais não seja por causa de seu simbolismo na Cabala e no Judaísmo.

En-Sof e as 10 Sefirot.
Representação retirada de um manuscrito anônimo.

Ao longo dos séculos, da Cabala Cristã de Reuchlin à angustiante e redutora Nova Era contemporânea, passando pelo ocultismo sincrético de Crowley, a doutrina das Sefirot foi enxaguada, traída, pervertida, embelezada, complexificada e distorcida. Cada um puxando o “manto” para si mesmo, acrescentando aqui e ali atributos angélicos ou mesmo demoníacos; discutindo as virtudes mágicas desta Sefira ou daquela; escrevendo páginas abstrusas sobre as interações mais ou menos difusas da energia (como se a Árvore da Vida fosse um quadro elétrico);, etc.. Em suma, de uma teoria límpida, de uma safira, se pudermos usar este trocadilho, uma torre trêmula foi construída para nós que ninguém hoje pode entender totalmente. O nevoeiro é tão espesso hoje que algumas pessoas limitam tudo que sabem sobre as Sefirot aos jogos de RPG.

Para concluir, convidamos o leitor a voltar à fonte, a mergulhar na simplicidade de um sistema que postula em seu coração que o mundo foi criado por 10 “numerações”, nem mais nem menos.

As Dez Sefirot na Menorah de Kether (1) a Malkhuth (10).

Para ir mais longe na origem das Sefirot e da Cabala, leia nosso livro Initiation to the Way of the Cabalah (Iniciação ao Caminho da Cabala).

The Origin of the Sefirot, Spartakus FreeMann, dezembro de 2008 e.v.

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Fonte: L’origine des Sephiroth, Spartakus FreeMann, décembre 2008 e.v.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cabala/a-origem-das-sefirot/