Grandes Iniciados – Alan Moore

Confira abaixo um resumo dos principais fatos na vida e bibliografia do escritor e mago inglês Alan Moore. Trata-se de excertos do livro Alan Moore: Portrait of an Extraordinary Gentleman, um livro-tributo dedicado aos 50 anos do artista. São páginas recheadas de ensaios, ilustrações, artigos, fotografias, entrevistas, e opiniões sobre o mago-escritor de Northampton. Escritores, desenhistas e pessoas relacionadas aos quadrinhos comentam sua relação com Moore.

Alguns nomes presentes no livro: Michael Moorcock, Ian Sinclair, Darren Shan, Brad Meltzer, John Coulthart, Neil Gaiman, Dave Gibbons, Bryan Talbot, David Lloyd, J. H. Williams III, Kevin O’Neill, Will Eisner, Howard Cruse, James Kochalka, Adam Hughes, Peter Kuper, Jose Villarubia, Jimmy Palmiotti, Rick Veitch, Michael T. Gilbert, Steve Parkhouse, Nabiel Kanan, Bill Koeb, Rich Koslowski, Trina Robbins, Michael Avon Oeming, Sean Phillips, Jeff Smith, Sergio Toppi, Giorgio Cavazzano, Claudio Villa, Daniel Acuna, Willy Linthout, Jean-Marc Lofficier, Eduardo Risso, Dave Sim, Ben Templesmith e outros tantos.

O lançamento da editora Abiogenesis Press, do artista britanico Gary Spencer Millidge, tem caráter beneficente. Toda sua renda está destinada para o Fundos de Combate ao Mal de Alzheimer. Para mais informações, acesse www.millidge.com

Linha da Vida de Alan Moore

– Alan nasceu com pouca visão na vista esquerda e surdo do ouvido direito. Mesmo assim, ele evitou usar óculos até quinze anos. Já adulto, abandonou os óculos chegando a cogitar a possibilidade de usar um monóculo, acabando por achar essa alternativa muito kistch.

– A primeira casa do jovem escritor não tinha banheiro nem gás em sua rua.

– Em 1961, aos 7 anos, Moore descobriu os quadrinhos americanos da DC Comics.

– Moore atribui sua formação moral graças as histórias do Super-Homem.

– Padecendo de uma gripe comum, o jovem Alan Moore pediu para a mãe lhe comprar uma BlackHawk. Ao invés de trazer a HQ pedida, sua mãe o presenteou com a edição número 3 de Fantastic Four (Quarteto Fantástico). Essa revista foi o primeiro contato do escritor com os trabalhos de Jack Kirby, de quem se tornou fã imediato.

– Moore matava aulas no colegial para andar de motocicleta no pátio de um hospital para doentes mentais.

– Em 1968, Moore se tornou fã dos personagens da Charlton Comics, que mais tarde seriam os arquétipos dos personagens da maxi-saga Watchmen.

– Em 1969, ele começou a colaborar com vários fanzines, sempre como desenhista

– Aos 17, em 1970, Moore foi expulso da escola por uso de LSD. O diretor escreveu uma carta para todas as outras escolas e universidades da região, para que ele jamais fosse aceito em outro estabelecimento de ensino.

– Sem poder estudar, Alan trabalhou em um matadouro e limpou latrinas em um hotel de Northampton.

– Nessa época, ele deixou o cabelo crescer, ajudou a publicar o fanzine Embryo e conquistou sua futura esposa Phyllis lendo poesias em um cemitério. Em 1974, aos vinte anos, Moore e Phyllis se casaram.

– Em 1977, nasceu Leah, a primeira filha de Moore. Nessa época, Moore percebeu que tinha que fazer alguma coisa que gostasse logo ou então passaria a vida frustrado. O escritor começou a colaborar com jornais e revistas locais, escrevendo e desenhando tiras de humor. A mais conhecida delas foi Maxwell, the Magic Cat, uma espécie de Garfield inglês. Anos depois, Moore declarou que odiava escrever as historias de Maxwell e que se sentia envergonhado de receber dinheiro por elas. Mesmo assim, ele passou 7 anos escrevendo estas tiras. Detalhe: Moore assinava as tiras com o pseudônimo de Jill de Ray (uma alusão ao francês acusado de ter assassinado dezenas de crianças).

– A experiência com Maxwell mostrou que ele não servia como desenhista. Moore passou a dedicar “apenas” a escrever.

– Moore comecou a trabalhar com a Marvel UK (divisão anglo-saxônica da Casa das Idéias) em 1981. Aos 27 anos, Moore escrevia pequenas tramas nas revistas Star Wars e Dr. Who. Na mesma época, ele fez alguns trabalhos para a 2000AD e teve sua segunda filha: Amber.

– Em 1982, Alan recebeu sua primeira grande chance ao escrever para a recém-criada revista Warrior. Para quem não sabe, a Warrior publicava 4 a 6 histórias por edição, cada história com 6 a 8 páginas. Moore escreveu 3 sagas para a Warrior simultaneamente: The Bojeffrie’s Saga (uma família de monstros muito engraçada), Marvelman (Miracleman) e V de Vingança.

– Naquele mesmo ano, Moore começou a escrever as histórias do Capitão Bretanha. Já no primeiro capítulo, ele se livrou dos conceitos criados pelo escritor anterior e no capitulo seguinte matou o próprio protagonista da série, recriando-o totalmente reformulado na edição de número 3.

– Enquanto a fama de Moore crescia nos quadrinhos, ele encontrava tempo para se envolver em outros projetos. Ele formou uma banda chamada The Sinister Ducks, gravando um single em 1983.

– Na 2000 AD, Moore escreveu D.R. & Quinch, uma hilária saga de dois alienígenas delinqüentes. E ainda escreveu A Balada de Halo Jones e Skizz.

– Todos esses trabalhos renderam a Moore o prêmio Eagle Award de melhor escritor de 1982 e 1983. Foi quando os Estados Unidos começou a se interessar pelos trabalhos do autor.

– Em novembro de 1983, Lein Wein, criador do Monstro do Pântano, ligou para a casa de Alan perguntando se ele queria trabalhar para a DC e escrever as historias do monstro. Alan achou que era um trote e desligou na cara do escritor. É claro que depois ele viu que não era mentira e aceitou trabalhar com o personagem.

– Sob ao comando de Alan Moore, Swamp Thing passou das 17.000 cópias/mês para mais de 100.000 cópias!!!

– No período em que escreveu o Monstro do Pântano, Moore fez outros trabalhos pouco divulgados na DC, como “Tales of the Green Lantern Corps”, “Vigilante”(uma historia sobre abuso sexual de crianças) e uma historia do Batman onde ele enfrenta o Cara de Barro (publicada no Brasil na extinta SuperAmigos). Moore ainda escreveu 2 histórias memoráveis com o Homem de Aço (ambas relançadas no Brasil pela Opera Graphica). Uma delas, “For the Man who has Everything” é possivelmente uma das melhores histórias do Super-Homem.

– O próximo trabalho de Moore seria A Piada Mortal. A história foi escrita em 1985, mas devido a atrasos do desenhista Brian Bolland, a revista só foi terminada e publicada em 1988.

WATCHMEN

Ainda em 1986, a DC concordou em deixa-lo produzir sua própria série. Com o artista britânico Dave Gibbons, Moore sugeriu o projeto de uma série chamada WATCHMEN. A história, como Weaveworld de Clive Barker, é uma epopéia sobre um mundo fictício – embora o mundo que Moore inventou seja de várias maneiras igual ao mundo real de hoje.

Começando em uma Nova Iorque durante os anos 80, Watchmen descreve uma América como poderia ter sido se realmente tivesse testemunhado o surgimento de fato dos “super-heróis” – isto é, seres que possuem habilidades super-normais ou que se apresentam como vigilantes idealistas. Assim como a América nunca teria sofrido uma divergencia política progressiva dos Anos sessenta, imagina Moore, também nunca teria perdido a Guerra de Vietnã, e teria achado um modo para manter Richard Nixon como Presidente. Já no início de Watchmen, dificilmente as coisas são sublimes: alguém decidiu eliminar ou desacreditar os poucos super-heróis remanescentes enquanto que, em uma série de eventos aparentemente não relacionados, os Estados Unidos e a União soviética desenham um crescente conflito nuclear por causa de uma disputa na Ásia.

No centro da consciência desta história, de olho na (e tentando desafiar a) maneira de como o mundo está desmoronando, está um incomum herói criado por Moore: um mascarado, horrendo e transtornado vigilante direitista conhecido como Rorschach. Rorschach fala para o psiquiatra sobre a noite em que ele cruzou a linha da brutalidade:

“Me senti limpo. Senti o sombrio planeta girando sob os meus pés e descobri o que faz os gatos gritarem como bebês durante a noite. Olhado para o céu através da espessa fumaça de gordura humana, e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante, continua para sempre, e nós estamos sós. Vamos viver nossas vidas na falta de qualquer coisa melhor para fazer. Deixemos a razão para depois.

Nascemos para o esquecimento; agüentando crianças destinadas para o inferno, nós mesmos; caminhando para o esquecimento. Não há nada mais. A existência é fortuita. Nenhum padrão seguro imaginado por nós depois de encarar isto por muito mais tempo. Nenhum significado seguro além do que nós escolhemos impor. Este mundo sem direção não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus que mata as crianças. Não é o destino que as abate ou que as dá de alimento para os cachorros. Somos nós. Somente nós… Estava renascido então, livre para rabiscar meu próprio desígnio neste mundo moralmente vazio..”

O assustador Rorschach

“Aquela foi uma história terrivelmente depressiva para se escrever,” disse Moore, “em parte porque Rorschach em nada se parece comigo: Eu não compartilho a sua política, e nem compartilho a sua filosofia. Ele é um homem aterrorizado e, em minha visão, ele acaba se rendendo ao horror do mundo.

Mas eu penso que o fundo do poço dos medos e ansiedades de muitas pessoas pode ser igual ao do Rorschach. As coisas que uma vez usamos para nos abrigarmos da escuridão – como Deus, a rainha, o país, e a família – foram se distanciando de nós. Em muitos casos, temos esmagados a nós mesmos, e agora nos deixamos tremendo na chuva, olhando para o mundo e vendo um obstáculo preto que não tem nenhum significado moral, afinal”.

Até que alcance seu devastador mas reafirmado fim, é evidente que, acima de tudo o mais, Watchmen é uma história de como as pessoas encaram a perplexidade do mundo de hoje: como alguns se movem furiosamente e de maneira fatal contra ele e de como outros, heroicamente, reúnem forças até mesmo em face ao Armageddon.

“Enquanto estava trabalhando em Watchmen,” conta Moore, “eu tive que me perguntar, O que é que mais me assusta? E percebi que a verdade é que quando o mundo acabar, não haverá nenhum aviso de quatro minutos, não haverá nenhum conflito nuclear de baixa escala. A verdade é que os mísseis poderiam estar no ar em cinco minutos. E se houver um Armageddon nuclear, não iremos retirar o pó de nós mesmos e nem reinventar os valores humanos. Não poderia haver nenhum valor humano após uma guerra nuclear porque não haveria nenhum humano.

Nosso passado seria erradicado. Nosso futuro seria erradicado. Nosso presente seria erradicado. E eu me achei pensando, Quando as crianças foram para escola esta manhã, eu gritei com elas ou lhes falei que eu as amo?”.

Os roteiros de Moore para essa saga viraram uma lenda pela riqueza de detalhes. O primeiro capítulo, por exemplo, tinha mais de 100 páginas e foi entregue ao desenhista Dave Gibbons sem parágrafos.

Com Watchmen, Moore virou uma celebridade do mundo dos quadrinhos, mas não estava feliz com isso. Certo dia, em uma convenção sobre HQ´s em San Diego, ele foi cercado por dezenas de fãs que o imprensaram contra uma escadaria na tentativa de agarrá-lo e conseguir um autógrafo. Moore decidiu que jamais participaria de convenções novamente.

A Casa do Trovão, em Twilight of the Superheroes

O próximo projeto de Moore na DC seria Twilight of the Superheroes, mas por razões desconhecidas, esse projeto não foi adiante. Anos depois, muitas das idéias de Moore para essa série seriam reaproveitadas na aclamada saga “Kingdon Come”(Reino do Amanhã) de Mark Waid e Alex Ross. A dupla nega qualquer reciclagem dos conceitos de Twilight.

Moore, que já não trabalhava para a Marvel desde a época de Capitão Bretanha, tambem passou a não trabalhar mais para a DC, pois discordava sobre os royalties de Watchmen e principalmente com o fato da DC adotar o código “for mature readers” (própria para leitores maduros/adultos) nas suas revistas.

A última colaboração de Moore para a DC foi o final de V de Vingança, que havia ficado incompleta apos a falência da Warrior. A série foi reeditada nos EUA e se tornou outro best-seller.

Miracleman

Na mesma época, ele voltou a escrever Miracleman (agora para a editora Eclipse). Além de tudo o que já havia sido escrito para a Warrior, Moore criou novas historias, entre elas a maravilhosa saga Olympus. Depois disso, ele passou os direitos autorais do personagem para Neil Gaiman (que mais tarde resultou naquele pega ´pra capar entre Gaiman e a cria do inferno, Todd McFarlane. O embate jurídico dura até os dias de hoje).

Moore recusou varios trabalhos nessa época, inclusive o roteiro de Robocop 2 (que assumiu a criança foi Frank DKR Miller). Seus próximos trabalhos foram o livro “Brought to Light”, com ilustrações de Bill Sienkieckz e a graphic novel “A Small Killing”.

Em 1989, Moore decidiu colaborar com a recém-criada revista “Taboo” de Stephen Bissete (parceiro de Moore em Swamp Thing). Para a Taboo, ele escreveu a espetacular “From Hell” – fruto de mais de 8 anos de pesquisa, e “Lost Girls”.

Ainda naquele ano, Moore passou a viver um triângulo amoroso com sua esposa e sua namorada Deborah Delano. Irritado com a intolerância do governo de Margareth Tatcher com os homosexuais, Moore colaborou com entidades GLS, publicando a história “Mirror of Love”, pela editora Mad Love, propriedade do próprio autor e de sua esposa.

Big Numbers

O próximo projeto era a serie Big Numbers, projetada para 12 capítulos e mais de 500 páginas. Somente 3 edições foram lançadas, 2 com desenhos de Sienckwiecz e uma com os traços de Al Columbia. Ninguém sabe ao certo porque o projeto nao foi adiante, mas especula-se que a complexidade do texto de Moore foi demais para os desenhistas que nao conseguiram dar conta do recado.

Nessa época teve início o inferno astral de Alan Moore: a Mad Love faliu e seu casamento terminou. A Taboo também chegou ao fim, deixando sagas como From Hell para serem completadas anos depois.

Em 1993, Moore tomou uma decisão que desapontou muitos de seus fãs. Aceitou trabalhar para a Image Comics escrevendo títulos como Spawn, Supreme, Glory, Youngblood, Wild C.a.t.s. Moore desabafou que aquilo não era um retrocesso ou que ele estava vendendo sua alma para os demônios Rob Liefeld e Jim Lee, e sim um desejo de escrever histórias mais simples, para garotos de 14 anos e não para adultos de 30. Ainda pela Image, ele participou do projeto 1963. Este ultimo projeto acabou gerando uma briga entre ele e Stephen Bissette. Até hoje eles não se falam.

Moore passou a morar com uma nova companheira: Melinda Gebbie. No dia em que completou 40 anos, Moore decidiu se tornar um mago. Ainda em 1993, ele praticou performances teatrais como “Snakes and Ladders” e “BirthCaul”. Mais tarde essas performances foram adaptadas para HQ´s por Eddie Campbell, seu companheiro de trabalho em From Hell.

Algumas conclusões de Moore em relação à magia foram adaptadas para histórias como Supreme, Glory e mais tarde Promethea. Em Supreme, Moore explorou o conceito do IDEASPACE, um mundo de arquétipos, semelhante ao Mundo das Idéias de Platão. Supreme vai investigar uma estranha cidade no alto do Tibet, encontrando uma paisagem desnorteante, formada por um grande número de paisagens diferentes fundidas numa só. Há partes dela que parecem como um bairro decadente durante a Depressão de 1930, onde ele conhece uma gangue de crianças e um herói fantasiado.

O Grande Criador

Supreme continua a vagar pela estranha paisagem até encontrar uma trincheira de um campo de batalha, onde há uma infinidade de soldados de várias etnias: Um irlandês, um judeu, um negro, tudo muito parecido com o Sgt. Fury e toda uma enorme linha de heróis patrióticos.

Isto continua até Supreme conhecer o criador supremo deste mundo, que se mostra ser Jack Kirby. Isto é muito difícil de explicar porque leva uma história inteira para ser contada, mas é basicamente uma gigantesca cabeça flutuante, que se altera sob uma fotomontagem da cabeça de Kirby em transmutação; ela sempre é apresentada no estilo dos desenhos de Jack Kirby. Esta entidade gigantesca explica a Supreme que ele foi um artista de carne e osso e sangue, mas agora ele está completamente no reino das idéias, que é muito melhor porque a carne e os ossos e o sangue tem suas limitações, já que ele podia fazer somente quatro ou cinco páginas em um dia de trabalho; mas agora ele existe puramente no mundo das idéias. As idéias só podem fluir sem interrupções. Ele fala sobre todo um conceito de um espaço onde idéias são reais, que é o tipo de lugar onde, de algum modo, todos os criadores de quadrinhos trabalham durante toda a sua vida, talvez Jack Kirby mais do que a maioria. É como se uma idéia se tornasse livre do corpo físico, e este artista pode então explorar os mundos infinitos da imaginação e das idéias.

Em 1996, Moore escreveu seu primeiro romance, intitulado A Voz do Fogo. Foram 5 anos para escrever este livro, um tratado de 5 mil anos da sua cidade natal, Northampton. O primeiro capítulo é narrado em primeira pessoa (de forma muito singular) por um personagem que vive numa Northampton paleolítica, quando a cidade tinha duas a três cabanas de barro e uma ponte. O segundo é narrado em primeira pessoa por um personagem totalmente desligado do primeiro que vive em Northampton durante a Idade de Bronze, em uma comunidade que começou a crescer, se desenvolvendo através das eras. Lentamente, nós movemos através dos séculos, até o décimo primeiro capítulo, que é narrado pelo próprio autor na Northampton do presente.

Trabalhando para a editora Wildstorm (que acabou sendo posteriormente vendida para a DC) Moore criou uma nova linha de HQ´s, a America’s Best Coomics (ou ABC), onde surgiram as aclamadas séries: Top Ten, Tom Strong, League of Extraordinary Gentlemen, Promethea e Tomorrow Stories.

Aos 50 anos, Moore anunciou que pretende se aposentar dos quadrinhos. Será?

Liga dos Cavalheiros Extraordinários

Se você assistiu LXG, a dica de leitura é um antídoto para a pataquada que você viu na telona. Leia a edição especial A Liga Extraordinária da Devir. Apesar do preço salgado (R$ 45,00), você pode encontrar esse lançamento na FNAC por R$ 36,00. Preço justificado pela luxuosa edição de 192 páginas repleta de material inédito, incluindo o tão aguardado conto “Allan e o Véu Rasgado”, no melhor estilo das obras de H.P. Lovecraft.A Liga de Moore não tem nada a ver com aquela versão X-Men Vitorianos. As Aventuras da Liga dos Cavalheiros Extraordinários é o fanfict definitivo: Imagine uma força-tarefa formada por personagens da literatura inglesa, mas com uma pitadinha do tempero de Alan Moore: Então o Capitão Nemo é uma figura intrigante, um fanático cheio de equipamentos misteriosos. Hyde é de uma complexidade assustadora. Mina Murray não é uma vampira anabolizada e o decadente Alan Quatermain passa longe da interpretação impecável de Sir Connery. Só para você ter uma idéia, o Quatermain da HQ é viciado em ópio! Leia o mais rápido possível e fique aguardando ansiosamente o volume dois, ainda “inédito” aqui no Brasil.

Entrevista com Alan Moore

Apresento-vos uma entrevista com o escriba, realizada por Alan David Doane. A tradução é de David Soares (Portugal)

Eu soube que este “Quiz de 5 perguntas” seria um esforço maior que os anteriores, excedendo certamente esse número de questões, quando o homem que eu considero ser o melhor escritor de banda desenhada de sempre deteu-se, pensativamente, durante oito minutos para responder à minha primeira interrogação (envisionando e esclarecendo, em conjunto, as seguintes). Olhando a isso, abandonei a fórmula inicial; que outra escolha tinha? Durante a década de 80, Alan Moore recriou a banda desenhada por imprevisto, como irão ler adiante, e, desde a sua estréia, uma engenhosidade e paixão superlativas constantes são as características reconhecidas no seu trabalho. Conversar com Alan Moore, mais que uma honra, foi uma aventura e é meu dever agradecer ao autor a sua disponibilidade, mas, também, a Chris Staros, da Top Shelf Productions, por apadrinhar este encontro. Esta editora publica muitos dos melhores trabalhos de Moore, como o seu romance “Voice of the Fire”.

Alan David Doane – O que te inspirou a escrever um romance com a profundeza de “Voice of the Fire”?

Alan Moore – Sempre vivi em Northampton, como os meus pais, talvez tenha sido isso. Somos todos descendentes uns dos outros nesta única grande família que são os seus cidadãos. “Nascidos de fresco com sangue em segunda-mão”, como gostamos de dizer por cá. Esta cidade fascina-me e saber que a sua história, tão singularmente rica, é completamente ignorada sempre se me apresentou contra-sensual. A maioria dos ingleses é capaz de identificar Northampton apenas como uma mancha indistinta a meio da M-1, entre Birmingham e Londres, mas quando comecei a investigar as suas origens na altura em que me lembrei de escrever este livro encontrei matéria convincente o bastante para concluir que Northampton é, mesmo, o centro do universo. No mínimo, eu fiquei convencido.

Penso que a sua é uma história esplêndida que remonta desde a Idade da Pedra quando caçadores de mamutes, e os próprios mamutes obviamente, ainda caminhavam sobre estas ruas, atravessando a Idade do Bronze e as migrações dos povos Celtas, prosseguindo pela Idade do Ferro e as invasões romanas e, ainda, parece-me ser uma cidade que assumiu sempre uma importãncia central, de um modo mais complexo que a sua simples localização geográfica. Lembro-me, se me encontro sem erro, que os avós de George Washington, e de Benjamin Franklin, habitavam duas pequenas aldeotas vizinhas durante os anos da Guerra Civil Inglesa. Os pais de Washington moravam aqui, os pais de Franklin moravam em Ekton e ambos os casais abandonaram Northampton após a guerra civil que terminou nesta cidade (provavelmente, o local mais desconfortável para comprar uma casa durante o séc. XVII) e emigraram para a América. De acordo com aquilo que sei, a própria bandeira norte-americana é baseada no seu, agora esquecido, brasão de família, tradicional de Northampton.

O tipo que descobriu o ADN, Francis Crick, viveu aqui e foi aluno na mesma escola que eu frequentei com apenas algumas décadas de intervalo entre os seus anos lectivos e os meus e ia semanalmente à catequese na igreja que ainda se encontra no fim da minha rua. Muitos episódios da história inglesa também circulam Northampton, como a Guerra das Rosas que também conheceu o seu fim neste lugar, simetricamente à nossa Guerra Civil, como já te contei, e a Conspiração da Pólvora que foi urdida nesta cidade e pretendia rebentar a sede do parlamento, em Londres, em 1605. Pensamos, inclusive, que o empreendimento foi um fracasso e é por essa razão que o tornámos numa festa anual, mas os conspiradores não se saíram, realmente, mal.

Também foi nesta cidade que a rainha Mary, da Escócia, foi decapitada e é avaliando esse conjunto de acontecimentos que te digo que existe muita história aqui, nem sempre agradável, admito, mas está presente uma força nuclear para a vida humana e que influenciou de certeza a evolução do modo de vida inglês, e, em última análise, possivelmente outros modos de vida em outros lugares.

A génese do livro nasceu dessa fé que me diz que, sim, Northampton é, na verdade, o centro do universo. Acredito nisso, assim como acredito que é esta é uma cidade despida de características especiais. Posso dizer-te que qualquer pessoa, habitante de qualquer lugar sobre o globo, pode desenterrar uma mão-cheia de maravilhas da terra do seu próprio quintal, se tiver feito uma pesquisa paciente sobre esse local e se for engenhosa o bastante para as encontrar. Demasiadas vezes caminhamos pelas nossas ruas, a pé ou de automóvel, e não compreendemos que sob as fachadas descaracterizadas se pode esconder o antigo cárcere de algum poeta ou um sítio reservado ao homicídio, o sepulcro oculto de alguma rainha lendária e é o somatório destas pequenas histórias que enriquecem um lugar: de repente, não te encontras simplesmente a passear numa cidade comum, aborrecida e homogénea, mas numa aventura em avenidas prodigiosas recheadas de histórias fantásticas. Na minha opinião, viver é uma experiência muito mais recompensadora se conhecermos intimamente a parte do mundo que nos foi destinada como casa e esta é a melhor resposta que te posso dar sobre a tua pergunta.

ADD – Bom, na verdade já respondeste às primeiras quatro perguntas.

AM – A sério? (Risos) Estou em forma.

ADD – (Risos) Sendo assim, vamos à última. Imagino que durante a criação das histórias deste livro, à medida que ias desenvolvendo a tua pesquisa e estruturando a narrativa, foste apanhado de surpresa por algumas coisas acidentais que não estavam previstas quando iniciaste o empreendimento.

AM – Fui surpreendido por uma grande quantidade de coisas. Repara que uma das minhas premissas iniciais era a de não querer escrever um trabalho histórico, por que não queria abdicar da liberdade que um trabalho de ficção me oferece, como, por exemplo, entrar na personalidade das pessoas sobre quem eu pretendo escrever e o sentido dessas vidas, pois acredito que dessa forma o resultado final é mais verdadeiro, mais humano. Contudo, mesmo conjurando todas estas vozes fictícias do passado queria que o seu discurso se baseasse em fatos reais e circunstâncias possíveis e comecei com esse objetivo em mente para, em seguida, compreender que determinados temas, determinadas imagens, estavam a emergir da minha narrativa.

Aparentemente, a maioria dos episódios ocorrem em Novembro, no dia do meu aniversário,e, paralelamente a isso, outros elementos estavam a manifestar-se repetidamente em diferentes histórias e indicavam-me uma espécie de padrão: pessoas com membros amputados; matilhas de cães pretos espectrais; cabeças decepadas e outros ícones de natureza igualmente inquietante.

O desafio de “Voice of the Fire”, se eu queria realizar esse livro de acordo com a minha ideia original, era ter um narrador diferente para cada uma das doze histórias, alguém que pertencesse a esse espaço-tempo e que relatasse na primeira pessoa. Para o último capítulo, que tem lugar nos dias de hoje, o único narrador possível só poderia ser mesmo eu próprio. Contar essa história com a minha voz, debruçando-me sobre os meus assuntos particulares sem inventar pormenores sobre o que estaria a acontecer durante essa altura e, coincidentemente, quando finalmente comecei a fazê-lo, descobri que já me encontrava em Novembro, mais uma vez… Iniciei a escrita desse capítulo com a esperança que a própria cidade me sugerisse um final que amarrasse todas as pontas e todas as hipóteses que fui deixando por rematar ao longo dos capítulos anteriores sem saber se isso iria acontecer ou se, pelo contrário, os últimos cinco anos da minha vida tinham sido um logro e que não deveria ter começado o livro, em primeiro lugar.

Sempre acreditei que existem momentos na vida de um escritor em que ele, ou ela, é confrontado com a noção de que as fronteiras entre a ficção e a vida real são, muitas vezes, inexistentes e isso é frequente em trabalhos nos quais optamos por um registro auto-referencial. Esses dois universos inclinam-se para um maior cruzamento à medida que te aproximas de casa o que pode ser desconfortável, no mínimo. Por isso não foi surpreendente, mas ainda assim bizarro, quando sucessivas ocorrências se conjugaram para satisfazer as necessidades do meu texto. Coisas sobre e com cabeças cortadas e enormes cães pretos que me mostraram que enquanto ações mirabolantes têm lugar na ficção, outros movimentos igualmente mirabolantes, e perigosos, acontecem na vida real; experiências que são simétricas. Por mais que as esperes, são sempre perturbantes.

ADD – Esse capítulo final, acredita, foi uma das coisas mais perturbantes que já li.

AM – Pois. Obrigado.

ADD – Existe uma frase nesse capítulo… Tu sabes qual: “O Homem escreve.”, “O Homem escreve.”…

AM – Sim

.

ADD – Essa tua frase que aparece repetidas vezes e que parece tão absurda consegue reunir toda a informação do livro e fazer sentido no final, quando todas as centenas de páginas e todas as centenas de anos que assimilaste acabam por nos conduzir à tua casa, ao teu quarto, não é verdade?

AM – É quase isso. Não és conduzido ao meu quarto, felizmente para ti, mas à minha mente. Até esse ponto exato, ainda poderias pensar que “Voice of the Fire” é composto por uma série arbitrária de histórias suavemente associadas em órbita da minha cidade e nesse capítulo quis fundir tudo isso: as histórias, a minha vida, a minha mente e as vidas e as mentes dos leitores. Aparentemente, para surpresa de todos, o livro acaba mesmo por ser sobre mim. Pode ser sobre mim, sentado a escrever o próprio livro. Ou ser sobre o processo criativo de se escrever outro livro. Ou sobre outro assunto qualquer. É isso. E fico contente que tenhas reagido bem à frasezinha, por que ela arrepiou-me um bocadinho quando a escrevi. Lembro-me que pensei: “-Isto está a ficar sinistro, por isso devo estar a criar algo interessante”.

ADD – A frase não é sinistra, em si, mas consegue impressionar-te dessa forma.

AM – Obrigado.

ADD – É perturbante, como já te disse. Aliás, já li o teu “From Hell” e senti em algumas passagens dessa história que ultrapassaste a barreira entre autor e leitor. Uma barreira que não tinha sido ultrapassada em nada que já tivesse lido.

AM – Isso é maravilhoso…

ADD – Não tenho a certeza de qual dos livros foi editado em primeiro lugar, mas o efeito que “Voice of the Fire” me provocou pareceu-me uma ampliação do que senti em segmentos de “From Hell”, naqueles momentos em que tu, como acabaste de explicar, penetras, e nós contigo, na mente da personagem, que neste caso és tu. Não tinha pensado nisso, mas o leitor acaba por se transformar em Alan Moore.

AM – Pois… é possível. Penso, inclusive, que um ingrediente que pode ajudar a cozinhar esse efeito é o facto de que no último capítulo de “Voice of the Fire” não possuo um conhecimento “in loco” do meu consciente não-autónomo, ou seja: o meu “eu” pensante. Falando nisso, nunca utilizo a palavra “eu”, entendes? Acaba por funcionar como uma narração na primeira pessoa do singular, mas sem uma pessoa. Não sei se era a isto que fazias referência, mas eu também não compreendo muito bem o que me leva a escolher uma determinada forma de fazer as coisas. Na altura, pareceu-me que funcionava.

Pareceu-me que deixava o leitor respirar, sem estar constantemente a ser confrontado com a noção de que é um… deixa-me pensar… um ego de outra ordem que fala com ele. Fico satisfeito pela tua reacção a esta experiência.”Voice of the Fire” e “From Hell” nasceram mais ou menos na mesma altura, talvez com um ano de diferença, e isso acaba por estabelecer uma comunicação entre os dois, por que têm algumas afinidades, como, por exemplo, o facto de partilharem um momento da minha vida em que decidi tornar-me um ocultista e estudar a fundo matérias que estão imersas num mundo à parte às quais, vulgarmente, chamamos magia. No “From Hell” isso está explícito nos diálogos de William Gull quando ele nos descreve as suas crenças e que os deuses existem realmente, em majestade e monstruosidade, na nossa mente. Escrevi isso quase por acidente e compreendi depois que tinha escrito algo mais profundo, algo significante que, eventualmente, acabou por introduzir o meu interesse pela magia.

Certamente, esta inclinação coloriu com outros tons o final de “From Hell”, e a conclusão de “Voice of the Fire”. Este título reservou-me outra surpresa: comecei o livro contando a história de um xamã que procura um código de palavras, uma ladainha, um conjunto mnemónico para aglutinar o seu povo e na última história, eu sou esse xamã, inconscientemente, milénios depois, realizando a mesma rotina. Não a mesma, claro, pois os meus métodos não envolveram nenhum sacrifício humano. Podes dormir sossegado.

ADD – A mensagem de “From Hell, bom, pelo menos a que eu retirei da minha leitura e que, infelizmente, não é expressa pela sua adaptação cinematográfica…

AM – Tens de compreender que estás em vantagem sobre mim nesse tópico, por que não vi o filme.

ADD – Tudo bem. Penso que na melhor das hipóteses representar todas as preocupações do teu trabalho, já por si bastante extenso, num filme de duas horas é uma tarefa impossível de concretizar. Mas falava-te do que retirei do livro, a tal mensagem que é a de que a arte tem o poder de transformar o artista, até divinizá-lo, e no decurso da minha leitura percebi que ambos os livros, “From Hell” e “Voice of the Fire”, partilham essa preocupação. Não sei se foi intencional, mas a verdade é que quando se chega ao fim desses livros essa mensagem é, de facto, sugerida.

AM – A magia tem o poder de mudar a relação que tens com o mundo que te rodeia e isso aconteceu comigo. Comecei a olhar as coisas de outra forma, com um sentido, felizmente, mais útil, até, e considerando tudo isso, o que dizes sobre os dois livros pode ser verdade. Através deles, apresento uma visão alternativa da nossa história e das nossas experiências, mesmo que em “From Hell” a minha intenção principal fosse contar uma história sobre um crime, um homicídio. Nessa altura, nem pensei nos crimes de Jack, o estripador. Era, apenas, o uso de um crime como uma experiência avassaladora que me norteava. Felizmente, um homicídio, no contexto de uma vida, é uma experiência bastante improvável. Repara que o número de pessoas que acabam por morrer dessa forma é, ainda assim, muito reduzido.

Essa raridade sugeriu-me a idéia de falar sobre o homicídio de uma forma particular. Porquê abordar apenas a identidade do autor, que parece ser o motor constante de tantos romances policiais? Essa é uma alusão quase tão redutora como um vulgar jogo de salão. Como o CLUEDO, por exemplo, onde só precisas de descobrir quem foi o assassino, a arma que usou e em que local a vítima foi abatida. Com “From Hell” quis esclarecer, também, as variáveis sociais e culturais que permitiram a práctica desse crime, muito mais que, somente, especular sobre a identidade do homicida. Queria ver como um crime poderia agir sobre a sociedade e estudar todas as hipóteses de desenvolvimento que poderiam florescer posteriores a essa ação.

Prosseguindo nessa óptica, se estás a falar sobre um crime, essa experiência avassaladora que pode acontecer na nossa vida, tomas consciência que és capaz, inclusive, de ir mais longe e ter alguma coisa a dizer sobre a grandiosidade da própria condição humana. Podes dirigir este ponto de vista para “Voice of the Fire”, claro, mas desviado suavemente, já que a intenção desse livro não é provar-te que Northampton é o núcleo do universo, mesmo tendo fé absoluta na verdade dessa afirmação, como já te disse, mas mostrar-te que qualquer local, onde quer que te encontres, é muito mais rico, muito mais exótico e prodigioso do que parece à primeira olhadela, entendes? No primeiro livro, procurei mostrar um ponto de vista crítico sobre a condição humana e a cultura, neste caso a cultura e a sociedade inglesas, usando um crime como casa de partida, mas com “Voice of the Fire”, as minhas ambições estavam à solta, a pensar em outras paisagens e para onde a nossa evolução nos conduz. Penso que o que estabelece a comunicação entre os dois livros é mesmo o meu interesse pela magia, que influencia o meu modo de olhar as coisas e de as contar.

ADD – Gostaria que falasses do modo como vê a tua carreira na banda desenhada e a forma como as obras que tu escreveste, como “From Hell”, mas também “Watchmen” e “The League of Extraordinary Gentlemen”, mudaram o comportamento da indústria da publicação de comics.

AM – Posso dizer-te que a minha ambição foi sempre ganhar a vida como cartunista e nem pretendia ser famoso. O problema foi quando descobri que nunca seria um artista bom e rápido o suficiente para aguentar uma carreira nessa atividade.

Lembrei-me, então, da hipótese de me concentrar na escrita, por que senti que poderia fazer um trabalho melhor como escritor e que desenhando os storyboards para as histórias a minha ligação com o desenho continuaria. Investi com essas premissas e compreendi logo no início que seria incapaz de escrever uma história de encomenda. Se uma idéia sugerida não fosse aquilo que eu tinha em mente, invertia-a para a transformar em algo que me desse prazer escrever ou que fosse, no mínimo, um desafio. Penso que o método que desenvolvi me salvou de muitos compromissos e sempre me providenciou com a motivação necessária para realizar um bom trabalho.

Comecei a ser requisitado aos poucos, para ali e para acolá, em resultado dele e apliquei-o, concisamente, quando a DC me engajou para escrever o “Swamp Thing”. Na minha lógica, o leitor nunca se irá interessar em ler uma história escrita por mim, se eu próprio não estiver interessado em escrevê-la. Isso pressente-se, não te parece? Penso que os leitores são muito bons em descobrir se o autor gostou realmente de fazer o seu trabalho.

Tive de tornar o material mais arrojado, mais destemido, para o forçar a ser interessante. Pensei que fosse arranjar uma porção de problemas por causa disso, mas não. Os leitores compreenderam as minhas escolhas e eu, encorajado por eles, inovei mais ainda, sempre com o apoio da Karen Berger, claro, a minha editora da DC na altura, e, também, por outras pessoas que apreciaram muito a subida das vendas do título, sempre maiores a cada mês. Todo esse conjunto de situações fez nascer uma relação de confiança mútua na qual os editores perceberam que se eu tivesse controlo sobre as minhas decisões criativas nunca lhes iria apresentar um trabalho inteiramente despropositado e foi essa credibilidade que me permitiu ir sempre mais longe, por vezes a locais perturbadores ou tétricos, mas sempre interessantes. De que forma é que isso influenciou a indústria? Não te posso oferecer uma explicação clara. Depende da minha disposição, se queres mesmo saber. Se eu me sentir deprimido penso que a minha influência foi terrível e que os autores que cresceram a ler o “Swamp Thing” ou “Watchmen” só foram capazes de imitar a violência desses trabalhos, e a sua pose intelectualista, sem a suportarem com a ingenuidade e a aventura que também lá se encontram. Sinto que ignoraram completamente a minha vontade de romper os limites da própria fórmula de contar histórias em BD e contentaram-se em produzir uma série de livros tristes e penosos. Como te disse, esta visão desconsolada da realidade depende muito da minha má-disposição e hoje tiveste azar.

A sério que gostava mesmo de acreditar que, em vez de tudo isto que contei, consegui realmente mostrar com o meu trabalho que a banda desenhada permite inúmeras possibilidades aos seus autores e que estão para nascer livros fabulosos com contornos que somos incapazes de imaginar neste momento. Que podes fazer tudo com algo tão simples como palavras e imagens se as abordares sensivelmente e se fores inteligente, diligente e virtuoso no teu esforço. Talvez esteja a ser brusco, lamento, mas queres afirmar que existe uma influência minha na indústria? Então, por favor, coloca-a aqui em vez de encorajares a minha percepção de que a minha herança será invariavelmente composta por psicopatia e sarcasmo.

ADD – Sou capaz de regressar mais longe que os anos oitenta, quando o teu “Watchmen” e o “The Dark Knight Returns”, do Frank Miller, foram publicados. Na minha opinião, o que poderá ter iniciado a redefinição das personagens, dos super-heróis, poderá muito bem ter sido aquela história que escreveste no “Swamp Thing” na qual representaste os membros da Liga da Justiça, o Batman, o Super-Homem e os outros, como se fossem novos deuses, curiosos em relação à humanidade. É um segmento de quantas páginas? Duas? Contudo, penso que a mudança começou nesse momento.

AM – Quem sabe se a razão está do teu lado… Lembro-me que foi a primeira vez que escrevi sobre super-heróis, no mínimo, os americanos. O Swamp Thing não conta, por que, na altura, era refugo. Para mim, escrever essa história foi voltar a divertir-me com os brinquedos da minha infância, o Flash, o Super-Homem e sentá-los todos no seu grande gabinete cósmico e devolver-lhes o carisma que eles costumavam ter para mim e que, infelizmente, se tinha transformado num sentimento mais próximo de casa. Fi-lo usando pequenos ardis, como nunca os chamar pelo nome verdadeiro e ocultá-los na penumbra. Podes ver uma insígnia pelo canto do olho ou uma silhueta, mas isso é tudo. Sobretudo, quis fazer poesia com estas personagens.

Dizer que uma personagem consegue ver o que acontece no outro lado do globo ou que é capaz de aquecer a antracite o suficiente para a transformar em diamante, como fiz para o Super-Homem, ou que se move a uma velocidade tão intensa que a sua vida se assemelha a uma visita numa galeria de estátuas, como escrevi para o Flash. Falei em poesia e isto, de fato, não é um exemplo de boa poesia, mas constitui um novo olhar sobre estas personagens que temos inclinação a desdenhar, ou a esquecer, por que se tornaram, com o passar dos anos, demasiado familiares e a aproximação que nos liga às coisas e aos assuntos tende, por vezes, a criar essa desilusão. Só pintei uma maquilagem nova sobre o encanto que já existia. O Frank Miller fez a mesma coisa nas páginas do “Daredevil”, não? Quando introduziu outras personagens da Marvel nessa cronologia.

ADD – Tens razão, mas repara que ele não se desviou dos padrões instituídos e nunca nos fez olhar uma personagem conhecida de um modo singular. A mesma acusação é válida para a maioria dos criadores posteriores. É mesmo como dizes: se tivessem considerado a face mais experimental dos vossos trabalhos em vez de se concentrarem no sensacionalismo as coisas poderiam, certamente, ter conhecido outra evolução.

AM – Não duvides e essa face mais arriscada é o que existe de atraente no trabalho do Frank, essa sua mestria narrativa e a inovação constante que ele introduziu no género através das histórias do Demolidor e do Batman, muito mais que o desalento e a testosterona. Seria tão bom se a sua influência penetrasse mais fundo que a camada superficial feita de sexo e violência.

Não vamos dizer, todavia, que tudo o que apareceu depois de “Watchmen” e “The Dark Knight Returns” se encaixa nessa pobre categoria e posso dizer-te que na periferia do mainstream encontras grandes trabalhos que não são clones de nenhum destes títulos, mas ainda assim penso que a nossa herança é maldita e uma péssima desculpa para oportunidades perdidas, o que não desvirtua a qualidade do trabalho do Frank e do meu, obviamente.

ADD – Esta conversa sobre herança vem mesmo a propósito. O teu amigo Neil Gaiman já tornou público o que ele diz ser “a conclusão, ou o fim eminente, de um episódio interminável com um editor desonesto, desleal até ao limite do imaginável”, aludindo ao desfecho do processo que levantou contra Todd McFarlane pela posse dos direitos que envolvem parte do franchise do personagem Miracleman, que tu próprio resgataste e ressuscitaste nos anos oitenta. Passados todos estes anos, o que é que tu gostaria de ver feito com essas histórias que escreveste e qual é a tua opinião sobre o processo-crime?

AM – Estou muito contente pelo Neil, como podes imaginar. Ainda bem que acabou, por que deve ter sido um pesadelo moroso. É sempre ridículo que alguém que não seja o criador venha exigir direitos sobre um trabalho e custa-me a entender essa falta de ética, ou melhor, compreendo-a, mas não posso pronunciar-me sobre ela sem dizer um ou dois palavrões. É algo embaraçoso, seboso até, que acaba por nos sujar a todos e que não oferece uma boa imagem da indústria da banda desenhada, por culpa dela própria, também, já que, infelizmente, casos semelhantes a este são frequentes. Penso que o Neil, chegando impoluto à outra margem desse lodaçal para onde irrefletidamente o quiseram arrastar, comportou-se como um verdadeiro super-herói.

Seria divertido ver reimpressões do Miracleman, para que os leitores não estivessem a pagar preços proibitivos por edições raras guardadas religiosamente desde a sua publicação original. Algum do material apresentado nessas histórias era realmente fantástico, como o escrito pelo Neil, por exemplo, e era bom que ele, em algum momento, tivesse oportunidade para lhe dar continuidade. Ele já me propôs há uns tempos uma parceria com vista à realização de uma conta em que todos os royalties derivados das vendas das reimpressões fossem guardados para serem distribuídos com justiça aos autores que trabalharam na série, como nós ou como o Mark Buckingham.

Parte desse dinheiro podia ir, também, para o Comic Book Legal Defense Fund e se houvesse a infelicidade de um ou outro filme aparecer o dinheiro, os meus royalties pelo menos, poderiam ir diretamente para esse fundo ou ficar no estúdio para serem partilhados pelos criadores envolvidos no projeto, por que eu não quero receber um único centavo de mais um filme adaptado de um dos meus livros, nem desejo ver o meu nome associado a um empreendimento desse género. O ideal era que não se fizessem mais filmes inspirados em livros do Alan Moore. Em vez disso, era mais agradável ver bons trabalhos serem reimpressos por um bom editor, sob uma boa política editorial.

Isso seria uma excelente premissa para o futuro e não digo isto motivado pela ganância de ganhar mais uns tostões com o meu material antigo, mas com a intenção de garantir que criadores como eu e como o Neil não tenham de atravessar campos minados no percurso das suas carreiras, por que, na verdade, temos assuntos muito mais importantes com que nos preocupar.

de http://www.mortesubita.org/

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/grandes-iniciados-alan-moore

RPGQuest – Diário de Produção – 01

mapa-rpgquest

Muita gente tem pedido para acompanhar o dia-a-dia da criação e desenvolvimento do Boardgame RPGQuest. A proposta é colocar nesta sessão as decisões que tomamos ao longo do processo, para que vocês possam entender melhor o complicado processo de transformar uma idéia em algo real.

A primeira dica que eu posso dar a alguém que queira publicar um Boardgame é “Escreva sobre o que você conhece”. Não adianta querer criar um RPG ou jogo de tabuleiro sobre algum tema porque é modinha ou porque você acha que vai dar dinheiro ou porque todo mundo está falando sobre um assunto X. Um boardgame bem sucedido nasce no coração do designer, antes de passar pelo cérebro e pelas matemática das regras até se materializar. Quem já acompanha meus textos sabe o quanto sou apaixonado por alquimia, hermetismo e RPG. Um Boardgame meu teria, obviamente, de envolver estes assuntos!

Desde 2006 tínhamos a idéia de lançar um jogo de tabuleiro. Quando o Hero Quest deixou de ser fabricado, o mercado de tabuleiros ficou sem uma excelente porta de entrada para os RPGs. Na época, eu e meu sócio, Norson Botrel, pensamos em um jogo que fosse um RPG simplificado, fácil e gostoso de ser jogado, sem muitas regras e preocupações, de modo que pudesse ser utilizado como módulo básico para iniciantes, barato e acessível. Nos juntamos ao Ronaldo barata e bolamos a essência do RPGQuest. Um Dungeon-Crawler (tipo de jogo no qual os jogadores controlam heróis que se aventuram por masmorras e labirintos, matando monstros e recolhendo tesouros) que tivesse características de um RPG simples.

Lançado na Bienal do Livro de 2006, o jogo vendeu mais de 20 mil cópias e teve 5 volumes publicados (Masmorras, Mitologia Grega, Templários, Oriental China e Oriental Reinos de Jade), um Módulo Básico e um Livro de Monstros. O jogo acabou se tornando um sucesso também entre os professores que acompanhavam as hordas de alunos do primeiro grau no evento. Uma aventura que poderia ser usada para praticar matemática, redação e desafios lógicos enquanto as crianças se divertiam.

RPGQuest vendeu até 2010, quando as regras de distribuição em bancas de jornal foram radicalmente afetadas e muitas editoras fecharam as portas, levando inclusive ao fim da Dragão Brasil. o RPG de Mesa nunca mais foi o mesmo e as crianças debandaram para os videogames e jogos eletrônicos. Os jogadores de RPG de antigamente cresceram, se formaram, arrumaram emprego, família e a imensa maioria nunca mais conseguiu jogar uma Campanha de Fantasia Medieval. Mas a chama da Aventura em nossos corações nunca se apagou…

Por volta de 2013, tivemos um boom no mercado de Boardgames. Jogos de tabuleiro melhores e mais inteligentes do que WAR ou Banco imobiliário começaram a ser vendidos dentro do Mercado Nerd. Muita gente que jogava RPG quando criança/adolescente viu nos Boardgames uma chance de retornar ao lúdico e ao prazer de rolar os dados mais uma vez. No final de 2014, as pessoas começaram a pedir a volta do RPGQuest, desta vez como Boardgame.

Pois bem. Já tinhamos o conjunto de regras montado e testado exaustivamente durante mais de 4 anos, o que nos ajudaria bastante, pois um dos tópicos mais delicados em game-design é justamente o balanceamento das regras e estratégias de jogo. Poderíamos nos focar no design do jogo em si. Como converter um livro de recortar em um tabuleiro com peças?

O Tabuleiro

Uma das coisas que eu tinha decidido logo no começo é que o Boardgame teria uma relação direta com o Hermetismo. Em 2014 eu estava no final de um trabalho de quase 6 anos sobre Kabbalah Hermética e sabia que era perfeitamente possível adaptar o contexto da Árvore da Vida para cenários (Alan Moore fez isso em sua HQ Promethea) e adaptar as Esferas da Árvore da Vida para o tabuleiro seria obrigatório.

Desta maneira, pensamos originalmente em 11 Reinos, representando cada um uma Esfera da Árvore da Vida. Kether estaria representado por seus Jardins magníficos, Hochma pelo vulcão, Binah pelas Montanhas, Chesed pelas florestas, Geburah pelo deserto e assim por diante. Cada Reino refletindo os aspectos de cada Esfera que representasse.

Um charme a mais que nenhum outro jogo de tabuleiro teria. Para quem não conhece Hermetismo, seriam apenas Reinos com características próprias, mas para quem já está familiarizado com os termos, seria algo sensacional!

Outra coisa que pensei foi no tabuleiro. Um Mapa estilizado transformando a Árvore da Vida em um Mapa de um Continente seria bacana, mas achei que seria mais interessante fazer um mapa que pudesse ser SEMPRE DIFERENTE a cada partida, para que cada Campanha fosse sempre algo inédito e apresentasse novos desafios a cada Aventura.

Procuramos por Mapas que se encaixassem entre jogos que já existiam e chegamos a algumas possibilidades interessantes. Catan possuía hexas individuais, Mage Knight possui conjuntos de 7 hexas unidos; Mighty Empires trazia conjuntos de hexas representando mapas maiores e finalmente Magic Realms trazia hexas únicos representando partes próximas de um reino.

Acabei optando por uma solução diferente e original. Tiles formados por 19 Hexas (o formato de um tabuleiro completo de Catan) mas menores e encaixados de maneira a formar Regiões maiores (Kether, Hochma, Binah…), como as dos Mapas de RPG que estávamos acostumados na infância. Assim, na escala que eu queria, um hexa poderia representar algumas horas de viagem a cavalo (cada 5-6 Hexas representando um dia de viagem dos Heróis, o que representaria aprox. 10km por hexa). Chegamos assim a um modelo que seria grande, mas não tão grande; o suficiente para representar uma região do tamanho da Europa, por exemplo…

A vantagem principal é que a combinação de cada conjunto de Reinos seria praticamente infinita, pois cada Reino pode ser encaixado de 6 maneiras diferentes (girando o tile). Tendo como base 11 Reinos, chegamos ao número insano de 14 quatrilhões de combinações de mapas diferentes!

Isso garante que praticamente cada partida de RPGQuest será única.

Sobre esta geografia, colocaremos Castelos, Vilas, Mercados, Guildas, Torres de Magos, Templos, Cemitérios, Árvore Élfica, Acampamento dos Orcs e outros locais de interesse, que descreverei melhor em textos futuros. Para que realmente cada partida tenha um sabor único, faremos com que estas localidades especiais sejam sorteadas no mapa a cada partida!

Já temos o Mapa onde as Aventuras acontecerão. No próximo capítulo, falaremos mais sobre os Heróis e sobre as Regras.

#boardgames #Kabbalah #RPG

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/rpgquest-di%C3%A1rio-de-produ%C3%A7%C3%A3o-01

As HQs como parte da Humanidade

Por Vagner Abreu

Desde o inicio dos tempos o homem com o poder da imaginação, vem desenvolvendo, em sua própria Mente, Histórias sobre Heróis capazes de feitos que beiram o inacreditável. Heróis capazes de proezas épicas que incluem: matar monstros de sete cabeças, caçar muitos animais para alimentar uma tribo inteira, desafiar os mortos em busca de um ente querido.

Esse mesmo homem também criou um meio de passar para os demais de sua espécie a originalidade de sua história. Com o advento da Linguagem, o homem agora poderia contar a seus irmãos como se desenvolve a saga de seu próprio herói.

Ao se acender uma fogueira, tinha-se ali o riscar de fósforo para a aventura começar. O humano primitivo agora conta, em meio às labaredas, uma jornada que transcende da sua mente para a Imaginação de seus ouvintes. Usando a Linguagem e a, embora precária, Narrativa, ele criava imagens mentais de fatos de um mesmo personagem que o tornaria cada vez mais ligado com a realidade.

A aceitação do público fez com que, cada vez mais, o homem contasse a mesma história ouvida na última fogueira. De pessoa a pessoa, de uma família a família, de uma tribo a tribo. Era dada cada vez mais importância aos acontecimentos de uma determinada história, levando o nosso contador a passar para a próxima geração quais eram os tais feitos de seu herói de fogueira. Deste modo nasceu a escrita em cavernas.

Através de desenhos de parede, os narradores, agora contavam seus mitos que seriam reinterpretados por seus demais – em sua comunidade ou em milhares de anos no futuro. Essa, talvez fosse, a primeira vez que fora usado o desenho para se criar uma história. Mas, um mero rabisco rupestre não diria muita coisa a alguém, a menos que se inclua narração e palavras em cada imagem. Nascia, assim, o desenho que ilustrava uma narrativa.

Esse modo de contar histórias tornou-se um sucesso. Qualquer espectador agora tinha uma imagem um pouco mais palpável do épico narrado. De uma caverna a outra, de uma região a outra, o desenho narrativo transcendia qualquer reino, qualquer tempo, criando estilo que levaram o homem a criar seus próprios meios de desenhar, narrar e interpretar suas Aventuras.

Dizem ter começado pelos antigos babilônicos, onde os muros de da cidade de Ur traziam jornadas inteiras de Reis Heróis capazes de terem o amor de deuses ou enfrentarem o próprio dilúvio. A famosa epopéia de Gilgamesh – o talvez primeiro Herói mitológico – está totalmente gravada “cuneiformemente“ nestas paredes. As paredes da Babilônia deram origem a Arte Sequencial.

Da Babilônia para as margens do Nilo, onde os desenhos narravam os mitos dos próprios deuses. Toda a classe nobre e sacerdotal do Egito usava os Hieróglifos (imagens no papel ou papiro) para obter e passar informações sobre ritos religiosos, modos de comportamento do faraó, fatos históricos.

O desenho não só contava histórias, como também ditava a cultura de uma das mais prósperas civilizações do mundo antigo. Ele fazia parte do cotidiano de todos.

Tão poderosa é a história narrada com desenhos que tal costume chegara até os dias modernos, nossos próprios mitos de nossos próprios tempos são narrados usando textos e imagens, deuses dão lugar para Homens com super força, Homens destemidos como Odisseu passam a ser vigilantes com trajes de morcego, deusas do mundo antigo recebem vestes modernas.

Claro, amigo leitor que você já deve ter “sacado” que é de Histórias em Quadrinhos de que iremos falar neste artigo.

Tão poderosa é essa forma de narração que, desde a década de 80, sabe-se através de estudos do Pentágono que a narrativa em quadrinhos é a melhor maneira para se compreender e reter informações. Palavras trabalhando com o lado esquerdo de nosso cérebro e a arte seqüencial interagindo com o lado direito, que é pouco racional, sendo pré-verbal. Ou seja, durante uma leitura de quadrinhos estamos colocando os dois lados do cérebro para trabalhar.

Com capacidade Dualcore de processamento acredita-se que o leitor freqüente possa ser capaz de ativar entre 20 e 30 porcento da capacidade cerebral. Essa teoria não é um fato concreto, de modo que é apenas uma especulação de uma entidade governamental de um país que “não dá muita importância” ao assunto. Não é mesmo?

Com base de todas estas informações, chego ao ponto de que o quadrinho não apenas é uma das melhores maneiras de se contar uma história (tanto que influencia até mesmo a grande mídia de massa, com filmes campeões de bilheteria) como também um hábito comum a humanidade. De tal forma que cada país tem seus próprios meios de trabalhar desenhos e narrações. Isso sem contar que em cada período de nossa história como seres deste planeta tivemos formas diferentes de ilustrar nossa mitologia. O que os Gregos faziam em vasos ou os egípcios em papiro, nós fazemos hoje dentro de quadrados com balões (sejam eles impressos ou digitais).

Sabem quem mais utiliza o método palavras e imagens para difundir informação? A mídia impressa; jornais e revistas todos se apropriando de métodos que o homo sapiens já conhecia a muito tempo.

Assim, o gibi, tal como a narrativa em desenhos do passado, trás temas que envolvem públicos específicos. Temos histórias destinadas a pessoas bem instruídas, histórias que fisgam adolescentes, história para o público infantil; a arte seqüencial é uma Linguagem Universal não tendo idade para se perder o interesse por sua apreciação e merecendo muito mais respeito do que ele realmente tem hoje em dia. Ora, se os povos antigos (e até mesmo homens das cavernas) valorizavam desenhos com narração, o que dizer de nós Homens Modernos.

Ref. Bibliográfica

As Obras que me inspiram a escrever esse post foram:

MOORE, Alan – Promethea

CAMPBELL, Joseph – O Herói de Mil Faces

#AlanMoore #Ocultismo #Quadrinhos

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/as-hqs-como-parte-da-humanidade

Referencias Herméticas em Promethea – Parte 2

Por Octávio Aragão

Leia primeiro Referencias Hermeticas em Promethea – Parte 1

As raízes e as ramificações de todos os mundos possíveis
O conceito da “árvore da vida” que serve como esteio do mundo é uma constante em várias mitologias e, além disso, um dos conceitos básicos da cabala. Yggdrasil, a árvore nórdica cuja seiva alimenta os deuses e que sustenta Asgard sobre seus ramos [9], é o conceito sobre o qual Alan Moore estruturou a série Glory, originalmente desenvolvida para a Awesome em 1997, mas apenas publicada em 2001, pela Avatar Press.

A princesa Glorianna, filha da deusa grega Deméter, nada mais era que um clone indisfarçado da Mulher Maravilha, da DC Comics, com sua ilha povoada apenas por mulheres e poderes muito semelhantes à personagem original. Moore repetiu a fórmula bem sucedida com Supreme, assumindo a semelhança entre as duas, mas transcendendo a mera cópia ao acrescentar elementos mitológicos, mais ou menos como Stan Lee e Jack Kirby fizeram em Thor, durante a década de 60. Glory passou a ter uma vida dupla: de dia garçonete de beira de estrada; à noite, princesa guerreira trajando uma escandalosa roupa-armadura colante. Mas a obviedade termina por aí, já que Gloria West, a garçonete, acredita que “sonha” ser Glory, a deusa.

Nada de identidades secretas ou cabines telefônicas para essa heroína, mas a constante dúvida a respeito da própria sanidade. Glory surge quando necessitada e trata Gloria como uma casca, um disfarce útil para seus momentos na Terra, quando não está no reino de sua mãe Deméter ou visitando o pai, o demônio Silverfall.

Moore estabelece Ultima Thule, o reino de Deméter, Ceres, Geb e outras divindades ligadas ao elemento terra, no patamar inferior da árvore da vida, como se Yggdrasil fosse um edifício onde cada andar abrigasse uma esfera de influência elemental relativa aos vários níveis de percepção da realidade. Imediatamente acima de Ultima Thule, está a Esfera Lunar, relativa à inconsciência, aos sonhos, à fantasia, governada por Selene, Diana, Ártemis e outras deusas ligadas à Lua, e logo seguida pela Terra da Magia, da linguagem, da ciência, da comunicação, sob a batuta, mais uma vez, de Hermes, Thot e Odin. Na seqüência, vem o Reino do Amor e das Emoções, território de Vênus, Afrodite, Nike e todas as divindades oriundas da paixão dos sentidos; sucedido pelo lar de Apolo, Horus, Baldur, Osiris e Jesus, as divindades solares. Trata-se do Reino do Espírito, da Unidade, sobreposto pela morada de Marte, Ares e Tyr, os deuses da guerra e do conflito, e pelas terras gerenciadas Júpiter, Thor, Indra e Jove, o território das figuras paternas, do casamento bem-sucedido entre matéria e espírito.

Sobre todos esses feudos espirituais vem o Abismo, e após, as últimas três esferas, sendo que a mais alta de todas é a morada de Yaveh, do Allah islâmico, de todas as divindades supremas, os Deuses Vivos das religiões monoteístas. A árvore da vida ainda abrigaria sobre suas raízes, as terras das sombras, os Hades/Infernos/Submundos, de onde veio o pai de Glory, Silverfall. O governo deste mundo que não é necessariamente ‘mau’, ficaria sob o encargo de Plutão, Hades e outras divindades sombrias, e margeando tudo ainda haveria lugar para um imenso corpo de água, “Chromoceano’, rio de luz presente em várias culturas.

Esse cenário amplo e detalhado serviria como manancial quase inesgotável para várias histórias de Glory, mas, infelizmente, a série foi interrompida no número três, sem previsão de continuidade por causa das baixas vendas. Moore, porém, não abandonaria um trabalho tão complexo que, obviamente, exigiu muita pesquisa e concentração, guardando-o para o futuro. Esse futuro chegou em 1999, encarnado em Promethea.

A outra volta do caduceu
Com a falência definitiva de Liefeld e da Awesome em 1998, Alan Moore descobriu-se cheio de novos conceitos, projetos inéditos e cercado por jovens ilustradores ansiosos para trabalhar em parceria, mas sem um meio para desagüar tantas idéias represadas. Entra em cena Jim Lee, artista contemporâneo de Rob Liefeld na Image Comics, com outra proposta faustiana: Moore teria carta branca para criar os títulos que quisesse, para que fossem englobados num selo próprio, o America’s Best Comics, e publicados pela WildStorm, de Lee, na época ainda sócio da Image. Moore aceitou e começou a trabalhar imediatamente, mas logo o projeto pareceu ameaçado com a venda da WildStorm para a DC Comics, para quem Moore havia jurado nunca trabalhar outra vez.

Desta vez, as condições de trabalho oferecidas a Moore pela DC eram extremamente positivas, mantendo o escritor como detentor dos direitos de todos os personagens concebidos e com uma boa percentagem de retorno advindo de qualquer projeto derivado das séries, tais como produções cinematográficas ou linhas de brinquedos. Era uma proposta irrecusável e o roteirista lançou cinco títulos em 1999: The League of Extraordinary Gentlemen, uma brincadeira steampunk [10] sobre os personagens da literatura vitoriana; Tom Strong, que reaproveitava vários conceitos originalmente pensados para Supreme; Top Ten, uma série policial misto de Hill Street Blues com super-heróis; Tomorrow Stories, uma antologia de várias HQs de estilos diferentes e independentes entre si sob o mesmo título, e Promethea; o título mais ambicioso dos cinco, que Moore utilizaria como palco para uma aula de esoterismo, usando a cabala como vertente principal.

Alexandria, 411 A. D. Uma menina foge de padres fanáticos que acabaram de chacinar seu pai, acusando-o de feitiçaria. Ele, para surpresa de seus algozes, morre feliz, agarrado a seu bordão em forma de caduceu[11].

Nova York, 1999 (não exatamente a Nova York de nossa realidade, mas um lugar onde discos voadores são um meio de transporte trivial, juntamente com táxis munidos de dispositivos antigravitacionais e outros aparelhos nada comuns aos habitantes de qualquer megalópole). Sophie Bangs, jovem estudante, prepara uma pesquisa sobre uma figura folclórica chamada Promethea. Sophie descobriu que o mesmo personagem, em várias épocas diversas que abrangem um período entre 1780 e 1999, foi tema de obras diferentes, em diversas mídias tais como poemas, romances, pulp fiction e até fotonovelas, por autores que nunca se conheceram e agora conseguiu marcar uma entrevista com a viúva do último artista a trabalhar no conceito. A reunião, porém, termina precocemente com um aviso da mulher:

“Listen, kid, you take my advice. You don’t wanna go looking for folklore. And especially don’t want folklore to come looking for you.” [12]

Mas certas palavras já foram ditas, certos nomes pronunciados. O mal está feito e a roda do universo gira em velocidade tal que logo Sophie Bangs é apresentada pessoalmente ao objeto de sua pesquisa: uma mulher obesa e decadente, porém poderosa, que a salva do ataque de um Smee, entidade fantasmagórica e letal enviada para evitar que a pesquisadora vá mais fundo em seu trabalho.

A narrativa dá um salto de volta a Alexandria, em 411 A.D. Vemos a criança fugitiva do início da história, perdida no deserto, confrontando as figuras colossais de Thot, deus egípcio da comunicação, cuja cabeça tem a forma de um pássaro, o íbis, e Hermes, que porta um imenso caduceu ornado por serpentes vivas. Thot, por sua vez, traz na mão um Ankh, símbolo egípcio do deus único Aton. Eles são a encarnação de uma divindade dupla, Thot-Hermes, e oferecem abrigo e segurança à menina, contanto que ela atravesse com eles o véu que separa o mundo físico de seu reino, um lugar chamado Immateria, onde “ela viverá eternamente, como as histórias”.

Immateria, segundo as entidades, não é muito longe, mas está sempre “onde você se encontra” e, uma vez lá, a criança deixará de ser um ser humano e passará a ser uma “história” eterna e que, possivelmente, dentro de determinadas condições, poderá transpor o portal para o mundo físico, pois, afinal, “algumas vezs, se uma história é muito especial, ela pode arrebatar as pessoas”. Só então as divindades gêmeas se lembram de perguntar o nome da criança. “Promethea”, ela responde, antes de desaparecer no ar[13].

Se ela não existisse, teríamos de inventá-la
Podemos ver claramente a conexão entre Glory e Promethea. Immateria nada mais é que a Terra da Magia descrita anteriormente, reino da linguagem, da ciência, da comunicação, governado por Thot-Hermes. A partir daqui, Moore irá aprimorar os conceitos cabalísticos apresentados anteriormente, adaptando-os à genealogia de Promethea numa evolução do que concebeu para Glory, sem medo de utilizar uma linguagem menos acessível ao grande público e distanciando-se cada vez mais da iconografia super-heroística. Assim como o caduceu que herdou de Thot-Hermes, Promethea é uma personagem transcendente e, em conseqüência, rebela-se contra gêneros e catalogações.

O primeiro arco de histórias da série, que vai do número 1 ao 6, além de apresentar Sophie Bangs e o elenco de coadjuvantes, inicia, a partir do terceiro fascículo, a viagem de auto-conhecimento de Promethea, explorando o reino de Immateria. No arco seguinte, as várias esferas já apresentadas na sinopse de Glory serão visitadas. A peregrinação durará até o final do terceiro arco, no episódio 23, mas os primeiros seis números estarão focados nos diversos aspectos da entidade. O primeiro termina explicitando que Sophie é a nova encarnação de Promethea, em substituição à personagem obesa que confronta o Smee. Essa mulher, Barbara Shelley, explica à estudante quem realmente foi a Promethea original, a filha de um acadêmico hermético egípcio – ou melhor, um sacerdote de Hermes – que viveu no século V, e dá os nomes de cinco artistas que serviram como veículo para a conjuração da divindade.

Esses criadores, um poeta, uma cartunista, uma ilustradora, um quadrinista e um romancista, foram o canal por meio da qual a entidade atravessava até o mundo físico, mas o “combustível” que a alimenta é o amor. “Qualquer um com imaginação e entusiasmo suficiente pela personagem pode trazê-la de Immateria, apenas pensando em si próprio ou em outra pessoa encarnando o papel”[14], diz Barbara, viúva do último artista a conjurar Promethea, deixando claro que a mistura de imaginação, talento artístico e amor é o gatilho capaz de materializar um sonho.

Avatares desbocados
Maurice Merleau-Ponty afirma que, diferente da crença geral, a linguagem vira as costas à significação, não se preocupa com ela. Ou seja, há uma independência subjacente à comunicação, cuja característica principal é uma diferenciação e sistematização de signos, seja nos fonemas, nas palavras ou em toda uma estrutura linguística. Uma coisa até pode levar à outra, mas isso não quer dizer que a função primordial dos signos seja estar à disposição dos significados. Os signos, ao que parece, têm uma agenda própria.

“Num certo sentido, a linguagem jamais se ocupa senão de si mesma. Tanto no monólogo interior como no diálogo não há ‘pensamentos’: trata-se de palavras suscitadas por palavras, e, na medida mesmo em que ‘pensamos’ mais plenamente, as palavras preenchem tão exatamente nosso espírito que nele não deixam um canto vazio para pensamentos puros e significações que não sejam de linguagem”[15]

Essa independência entre signo e significado parece ser a mola motriz da série como um todo e aparece muito claramente quando, no terceiro número da série, no capítulo intitulado Misty Magic Land, ao visitar pela primeira vez o reino de Immateria, Promethea encontra uma encarnação física de Chapeuzinho Vermelho, que, apesar de aparecer como uma doce e angelical menina loura de dez anos de idade, fuma muito e fala palavrões como uma prostituta de beira do cais.

Moore parece fascinado por essa contradição já que esta é apenas a primeira de uma série de guias que Promethea irá encontrar em suas diferentes jornadas pelos planos cabalísticos. Esses avatares desbocados serão, em diferentes momentos, velhos feiticeiros garanhões, anjos em forma feminina e roupas masculinas, doces travestis transsexuais e até as duas serpentes do caduceu trocam gracinhas pouco condizentes com sua condição de entidades cósmicas. No capítulo seguinte, A Faerie Romance, somos apresentados às quatro últimas versões de Promethea, todas vivendo em Immateria e cada uma representando uma característica da personagem: musa, guerreira, amante e professora, todas passando a Sophie uma diferente significação para o uso do “verbo” como instrumento transformador. Se brandidas como lâmina, palavras cortam, separam os corpos dos homens de suas cabeças; por outro lado, durante as guerras, palavras podem ser a última inspiração, uma taça de esperança. Mas palavras também pertencem ao mundo material, são moedas para troca, compra, liberação de prazer físico e, finalmente, palavras podem ser um bastão, símbolo fálico masculino, varinha mágica, poder. Lâminas, taças, moedas e varas. Espadas, copas, ouros e paus. As cartas estão na mesa e, a partir do episódio 12, o jogo cósmico começa.

Anagramas arcanos
Depois de dois números, respectivamente 8 e 9, onde combate as forças combinadas do inferno num clima ‘super-heroístico’ – quase como um lembrete aos leitores de que, no fundo, a revista faz parte dessa tradição – , Promethea dá uma guinada sem precedentes nos quadrinhos comerciais publicados nos Estados Unidos. Moore dedica uma revista inteira a uma cena de sexo tântrico entre a heroína e o vilão Jack Faustus na história entitulada Sex, Stars and Serpents. Não que isso fosse alguma novidade para o autor: quem lembra de sua fase áurea em Swamp Thing, da DC, nos anos 80, sabe que ele já havia abordado o tema ‘sexo entre diferentes’ de forma bastante ousada para a conservadora mídia estadunidense, com sucesso. Mas dessa vez Moore, com o auxílio do ilustrador J. H. Williams III, foi bem mais longe, com cenas explícitas de cunilíngüus, variações de posições e orgasmo, sem, contudo, escorregar no mau gosto pornográfico. Essa edição, que narra passo-a-passo um intercurso sexual pautado sobre citações mais ou menos óbvias tais como a serpente kundalini, o poder simbólico de camas e cavernas e como a humanidade pode comungar através do ato, foi indicada ao Eisner 2001 como melhor história individual.

Após a pausa para descanso, temos mais uma aventura do tipo “heroína-derrota-o-vilão-do-mês”, no número 11, que serve de preparação para a grande jornada que virá a seguir, com Promethea percorrendo todos os 12 reinos que congeminam as casas do zodíaco e os arcanos maiores do tarô, um por mês, durante um ano.

Logo no primeiro número da saga, Moore utiliza um artifício para relacionar a personagem a cada carta do tarô, produzindo anagramas com a palavra Promethea relacionados às 21 imagens ou aos conceitos inerentes durante as 24 páginas da edição.Assim, Metaphore é o termo representativo do Louco; Pa Theorem remete ao Mago; Mater Hope é a Sacerdotisa; A Pert Home casa com a Imperatriz e Rope Thema é o Imperador; Ape Mother é o Hierofante; Me Atop Her é a carta dos Amantes; O Mere Path, o Carro; A Pro Theme vem com a Temperança; Here Tempo, o Eremita; Eh, Tempora é a Roda da Fortuna; A carta Força corresponde a O Harem Pet; Hm Operate é oEnforcado, enquanto a Morte é O Reap Them; A Arte é Emote Harp, o Diabo é The Mop Era, a Casa de Deus é Metro Heap; A Estrela é Map O Ether, a Lua, Earth Mope, e o Sol é Meth Opera; O Julgamento é Meet Harpo, e, finalmente, o Mundo é Heart Poem.

Cada uma dessas reescrituras do nome “Promethea” descortina um dos sentidos dos arcanos e ajuda a traçar um resumo da história da humanidade desde seus primórdios até o fim inadiável – que, segundo as serpentes do caduceu, ocorrerá no ano 2017 – até o recomeço, quando o a carta do Louco mais uma vez for descartada do baralho. Sophie, assim como o leitor, tem agora um panorama, um mapa do futuro. Basta decidir que caminho seguir.

Notas
9. “Supunha-se que todo o universo era sustentado pelo gigantesco freixo Yggdrasil, que nascera do corpo de Ymir – o gigante do gelo -e tinha raízes imensas, uma das quais penetrava em Asgard, outra no Jotunheim (morada dos gigantes) e a terceira no Niffleheim (regiões das trevas e do frio). Ao lado de cada raiz havia uma fonte que a regava. A raiz que penetrava em Asgard era cuidadosamente tratada por três Norns, deusas consideradas como donas do destino. Eram Urdur (o passado), Verdande (o presente) e Skuld (o futuro). A fonte ao ldao de Jotunheim era o poço de Ymir, no qual se escondiam a sabedoria e inteligência, mas a do lado de Niffleheim alimentava Nidhogge (escuridão), que corroía a raiz perpetuamente. Quatro veados corriam sobre os ramos da árvore e mordiam os brotos; representavam os quatro ventos. Sob a árvore, ficava estendido o Ymir e, quando ele tentava livrar-se de seu peso, a terra tremia.” BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia, Histórias de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2000 – 9ª edição, p.
381/382

10. Steampunk é um derivado da ficção científica literária, geralmente ligado ao subgênero da história alternativa, que tem como características os cenários vitorianos e as tecnologias de caráter retrô, tais como locomotivas e dirigíveis, geralmente ligadas ao uso do vapor e da eletricidade como fonte de energia. Tem como alguns expoentes literários os autores Tim Powers (The Anubis Gates), Kim Newman (Anno Dracula) e a dupla William Gibson e Bruce Sterling (The Difference Engine), que foram considerados os inventores do Cyberpunk. Já nos quadrinhos, além de Moore, temos Joe Kelly e Chris Bachallo (Steampunk), Boaz e Erez Yakin (The Remarcable Works of Professor Phineas B. Fuddle), Randy e Jean-Mark Lofficier (Robur) entre muitos outros.

11. O caduceu, varinha portada por Hermes em torno da qual duas serpentes aparecem enroladas, é um símbolo de transcendência e terapêutica, tanto que até hoje é considerado um representativo da classe médica, já que Asclépius, filho de Apolo e deus da medicina, também a utilizava como instrumento de cura. O caduceu, ou herma, também é considerado como um símbolo de fertilidade, sendo constantemente associado a falos eretos, mas também à fertilidade do espírito, da transcendência. A mescla da serpente, animal rasteiro, com o capacete e as sandálias aladas ajudam a compreender o caráter composto da divindade Hermes, que faz a comunicação das coisas terrenas com a esfera superior.

12. “Olha, garota, siga o meu conselho. Você não quer ir atrás de folclore. E de preferência não queira que o folclore venha procurar por você.” In: MOORE, Alan. Promethea #1: The Radiant Heavenly City. USA: America’s Best Comics, 1999 – 1ª edição, p. 9.

13. O cerne da lenda de Prometeu, o titã que ousou roubar o fogo celeste e terminou acorrentado e com o fígado picado por uma éguia eternamente, manteve inalterado durante séculos, mas certas evoluções concernentes à personalidade do mito foram notadas a partir do Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, escrito entre 467 e 459 A. C. O dramaturgo helênico foi o primeiro a emprestar ao titã transgressor uma característica civilizatória: ele haveria roubado o fogo de Zeus para cedê-los aos homens, para dar-lhes oportunidade de evolução. Parece-nos que foi esse o viés escolhido por Alan Moore ao construir sua Promethea, que também é portadora de um caduceu, cujas serpentes vivam e convolutas resplandecem com brilho interior. Uma entidade que, apesar de fisicamente superior ao homem comum, se manifesta por meio do princípio criador da humanidade, a chama artística, e se levanta contra o obscurantismo, as forças do caos desordenado, caixa de Pandora representada por vários personagens vilanescos, principalmente o enlouquecido ‘omnipata’ andrógino Painted Doll e o prefeito da cidade, Sonny Baskerville, cuja mente é lar de toda uma comunidade infernal. Ao combater essas forças, a Promethea de Moore não apenas aproxima os céus do homem, mas funciona como termômetro para o caminho contrário, evidenciando a evolução constante da humanidade em direção ao divino.

14. MOORE, Alan. Promethea #1: The Radiant Heavenly City. USA: America’s Best Comics, 1999 – 1ª edição, p. 24

15. MERLEAU-PONTY, Maurice. O Algoritmo e o Mistério da Linguagem, in A Prosa do Mundo. São Paulo, SP: Cosac & Naify Edições, 2002 – 1ª edição, p. 147

#HQ #Kabbalah

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/referencias-herm%C3%A9ticas-em-promethea-parte-2

Fossil Angels, por Alan Moore

Introdução

A lenda dos quadrinhos, Alan Moore, é o autor de diversos títulos memoráveis, tais quais Watchmen, A Liga Extraordinária, V de Vingança e Do Inferno. Desde o seu aniversário de 40 anos, Moore se autoproclamou um mago. Mas é preciso cuidado para compreender a sua visão da magia, que ele uma vez definiu como “uma ciência da linguagem, do uso de símbolos para induzir alterações na consciência”. Alan vê uma conexão íntima entre a magia e a criatividade artística, o que foi explorado de forma magistral na sua série Promethea.

Recentemente publicamos no meu blog (Textos para Reflexão) uma tradução da sua entrevista, A arte da magia, concedida a revista britânica Pagan Dawn. Conforme se tratou da série de posts com mais visualizações nos últimos tempos, resolvemos traduzir também o seu monumental Fossil Angels [Anjos Fósseis].

Fossil Angels é uma espécie de “ensaio-manifesto” que trata basicamente do estado da magia e espiritualidade no mundo atual, onde Alan traz críticas ácidas e contundentes a todos os demais magos e místicos, juntamente com conselhos preciosos e um otimismo implícito em relação a um possível futuro mais pleno de espiritualidade, tudo permeado com a mais fina ironia, numa linguagem por vezes rude e brutal, por vezes impregnada do bom humor britânico.

O ensaio foi escrito em 2002 para a edição #15 da revista KAOS, que de fato jamais chegou a ser lançada. Após quase uma década, foi finalmente divulgado online em 2010, por admiradores de Moore (claro, com o seu devido consentimento).

Trata-se de um ensaio longo, que foi publicado no blog em diversas partes. Daniel Lopes cuidou da maior parte da tradução, Rafael Arrais cuidou da revisão e de parte da tradução, juntamente com Luciano Prado.

E agora, com vocês, Mr. Alan Moore, o Grande Mago:

» Parte 1

» Parte 2

» Parte 3

» Parte 4

» Parte 5

» Parte final

(os links acima abrem novas janelas no blog Textos para Reflexão)

#AlanMoore #Arte #Magia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/fossil-angels-por-alan-moore

Mapa Astral de Alan Moore

Alan Moore é um Mago inglês mais conhecido pelo seu trabalho como roteirista de quadrinhos, ganhador de mais prêmios que você pode imaginar e considerado o maior escritor de HQs da história, com obras primas como Watchmen, V, From Hell e Promethea (minha favorita) no currículo.

Fizemos um Post especial contando algumas curiosidades da Biografia de Alan Moore.

Sua infância e adolescência foram conturbadas, devido à influência da pobreza do seu meio social e da família. Quando jovem, foi expulso de uma escola conservadora e tal motivo fazia com que outras escolas que Moore quisesse estudar não o aceitassem. Com 18 anos, estava desempregado e sem nenhuma formação profissional.

Começou, porém, a trabalhar na revista Embryo, um projeto elaborado junto com amigos. O seu convívio na área fez com que se envolvesse com o Laboratório de Artes de Northampton. Lá, conheceu Phyllis, com quem se casaria em 1974. Teve duas filhas com ela: Leah e Amber.

Alan trabalhou para revista britânica Warrior. Nela começou a escrever duas importantes séries em quadrinhos. V de Vingança, um conto sobre a luta pela dignidade e liberdade numa Inglaterra dominada pelo fascismo, e Marvelman, conhecido nos Estados Unidos como Miracleman. Ambas as séries conferiram a Moore o título de melhor escritor de quadrinhos em 1982 e 1983 pela British Eagle Awards.

Para a DC Comics escreveu as histórias de conteúdo ecológico do Monstro do Pântano, ficando conhecido no mercado americano. Nessa sequência de histórias introduziu o personagem John Constantine, que posteriormente teria sua própria revista, Hellblazer.

Mapa Astral

O Mapa de Moore possui Sol, Mercúrio, Vênus e Saturno em Escorpião; Ascendente, Marte e Netuno em Libra; Lua em Áries; Júpiter em Gêmeos e Caput Draconis em Capricórnio-Aquário (Cavaleiro de Espadas). Seu planeta mais forte é o Sol, com nada menos que 8 Aspectações. Isso significa que praticamente todos os planetas do Mapa de Moore estão conectados de alguma maneira com esta energia escorpiana, que faz com que ele se aprofunde em praticamente qualquer coisa que fizer (vide as pesquisas feitas em Hqs como From Hell, Top Ten, Voz do Fogo ou Promethea). Moore não se contenta em escrever sobre alguma coisa, ele precisa investigá-la até o último limite do conhecimento possível. Um cético no verdadeiro significado desta palavra.

O Mapa indica uma pessoa capaz de não apenas entender as pessoas ao seu redor, mas que possui uma capacidade enorme de se aprofundar em qualquer tema que pesquisar. Graças aos deuses que ele foi expulso da escola e decidiu se dedicar a histórias em quadrinhos!

Júpiter em Gêmeos denota uma enorme facilidade com códigos, símbolos e imagens, trabalhadas em conjunto com Mercúrio em Escorpião (uma mente racional, cética e profunda) e Marte em Libra (talento para observar todos os lados de um problema antes de agir), canalizando uma combinação sensacional para escritores ou pesquisadores, embora também pudesse ser um excelente psiquiatra se esta tivesse sido a sua Verdadeira Vontade.

Como ocultista, podemos concordar que Moore está plenamente realizando sua Grande Obra, o que no Mapa está indicado pelo Caput Draconis em Capricórnio-Aquário (Cavaleiro de Espadas, aquele que conhece todas as regras e é capaz de quebrá-las; um hacker da realidade).

#Astrologia #Biografias

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/mapa-astral-de-alan-moore

Referências Ocultistas em Promethea

O Alan Moore é um gênio. E Promethea é uma de suas obras primas, com referências muito mais complexas do que Watchmen ou mesmo a Liga Extraordinária.

Recentemente, comentei sobre uma sequencia de páginas de Promethea referentes a Daath e o pessoal me pediu para escrever sobre toda a série. Nesta série de posts, que começará no Sedentário e continuará no Teoria da Conspiração, tentarei comentar sobre as referências ocultistas que ele utilizou enquanto escrevia Promethea.

Não será um trabalho simples. Ao longo de 32 edições (que por si só já foi uma escolha pensada, visto que a Árvore da Vida possui 32 Paths (entre 10 Esferas e 22 Caminhos) que relacionam praticamente todos os Sistemas magísticos e filosóficos que existem.
A primeira HQ, “The Radiant Heavenly City”, traz na capa Promethea desenhada por ninguém menos do que Alex Ross, em um estilo egipcio, mas a própria capa já traz dentro de si algumas surpresas e referências:

O Nome “The Radiant Heavenly City” é uma referência bíblica; Apocalipse 22,14 “Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na Cidade Celestial pelas portas.”. A Cidade Celestial mencionada é o Paraíso que os crentes pensam que é de verdade e os ateus pensam que é de mentira mas, na realidade, é apenas simbólica para representar Kether, o Universo e a origem de todas as idéias. A Árvore da Vida é uma estrutura simbólica que representa todos os níveis de consciência humanos, de Malkuth (a pedra bruta) a Kether (o todo).

“Se Ela não existisse, nós teríamos de inventá-la” é uma referência ao maçon Voltaire, que disse “Se deus não existisse, nós teríamos de inventá-lo“.

E finalmente, o conjunto de imagens à direita de Promethea não são apenas desenhos aleatórios: são hieróglifos egipcios e símbolos esotéricos que contam uma história: O Sol (que acompanha Promethea durante sua jornada – o iniciado, iluminado); Ibis (que representa o Pai); O Por do Sol (que representa o fim de um período ou era); o Labirinto (que representa a jornada); O capacete (representando as muralhas de tróia, o conflito e a guerra); As águas e o olho (o despertar da consciência e a pesquisa – a protagonista entra na Jornada do Herói fazendo uma pesquisa a respeito de Promethea); os dois ankhs (herança – promethea é filha do sábio que morre no início da HQ), o escaravelho (renascimento de Promethea) e o Alef (o Começo)… em resumo para quem não leu: Alan Moore conta a história da primeira HQ em hieroglifos!

No Lado esquerdo, os hieroglifos representam as águas (consciência, emoções), a serpente e os dois lados da árvore da Vida (A via úmida e a via Seca dos alquimistas), a pena de Maat queimada (a incompletude), o abismo (a separação entre o reino material e o das idéias) a Lira e louros (representando a poesia e poetas), o Ankh (o domínio da árvore, a própria Promethea) e finalmente Hórus, filho do Sol. Novamente, para quem não leu, spoilers: Alan Moore explica que a idéia de Promethea e a escalada até a iluminação não pode ser destruída, permanecendo dormente até cruzar novamente o abismo através da poesia (ou textos).

O caduceu e as duas vias de subida na Árvore da Vida são representadas no bastão que Promethea segura. A palavra “Promethea” vem de Prometeus, o titã que roubou o fogo dos deuses para trazer aos mortais e, por causa, disso foi punido e condenado a permanecer acorrentado a uma rocha pela eternidade, com uma águia comendo seu fígado, que renascia a cada novo dia. Tal qual os símbolos, cujos significados atravessam o tempo e as culturas.

e acabamos a CAPA… faltam 32 paginas. Agora vocês têm uma idéia do porquê o Alan Moore é foda!

Alexandria 411 DC – Ano em que Santo Agostinho faz o discurso sobre “A imutabilidade de Deus é percebida através da mutabilidade de suas criações”. O mesmo tema de Promethea, já que estamos falando de idéias e formas mutáveis. Voce pode conferir este discurso no site do Vaticano. Obviamente a escolha da data não é uma coincidência.

O pai de Promethea está terminando traduções do egipcio para o grego (note as estátuas de Hermes e Toth sobre a mesa, representando o mesmo deus na cultura grega e egípcia) quando é abordado pelos fanáticos cristãos malucos. Ele possui o dom da profecia, não apenas avisando Promethea sobre seu reencontro (que só vai acontecer lá pela edição 19) mas também falando as frases dos cristãos antes deles próprios, demonstrando que já sabia seu destino e o aceitava (se ele previa o futuro, poderia ter fugido, mas não o fez, e estava sorrindo quando o mataram). Note as imagens do Sol nos cantos dos quadrinhos, desenhados como se estivesse pondo. A partir do começo da história, o Sol é retratado de uma forma moderna, mas DE OLHOS FECHADOS no presente, até o final do capítulo, quando o sol moderno abre os olhos ao renascimento de Promethea.

Na página 20-21, Promethea conversa pela primeira vez com Toth-Hermes. Ambos conversam com ela como se fossem uma única pessoa e explicam o que Moore chamou de Immateria, ou o que os cabalistas conhecem como Ruach, o Mundo das Idéias e Emoções. Ali, todas as histórias possuem vida e podem acessar nosso mundo de tempos em tempos. Carl Jung chamou este estado de consciência de Inconsciente Coletivo e Richard Dawkins chamou estas “idéias vivas” de Memeplexes.

Na página 22 é mostrado um Centauro como sendo o tutor de Promethea. Centauros são construções imagéticas que representam o signo de Sagitário. Sagitário, ou Fogo Mutável, é a essência espiritual/filosófica manifestada no estado mental; é o processo de síntese: de reunir várias teorias e configurá-las em uma tese, como uma espiral.
No arquétipo grego, este período de tempo no qual estas energias estavam mais manifestas coincidia com a fase próxima ao inverno, quando eram valorizados os caçadores e os cavalos (a caça era necessária para obter carne e peles para o inverno e o cavalo para percorrer estas distâncias), daí a fusão de cavalo + cavaleiro em uma única figura, que absorvia o arquétipo de acadêmico e se tornava Quíron, o professor de Herakles (o Sol, filho de Deus com uma humana, Jesus, o Iniciado).

Na última página, uma referência o Arcano do Mundo, do tarot. Moore coloca como símbolos dos quatro elementos o Escaravelho (Terra), os Louros (Fogo), o pássaro/Toth (Água) e o Homem/Hermes (Ar).
Esta representação iconográfica acaba confundindo um pouco os iniciantes, porque aparentemente o pássaro deveria representar o Ar, mas a razão para isso é astronômica. Quando os primeiros zodíacos foram criados na Babilônia, o posicionamento das constelações no céu era diferente do que está ai hoje e a que ocupava o correspondente às emoções era a Constelação de Aquila (daí a imagem da Águia Dourada estar associada à Coragem) e o Ar é a constelação de Aquadeiro (era representado por um homem carregando uma jarra de água, o que causa confusão nos esquisotéricos com o nome Aquário e a correlação com o elemento AR). Constelações e os Signos nunca tiveram nada a ver um com o outro, ao contrário do que a Veja e os leigos astrônomos afirmaram recentemente.

#AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/refer%C3%AAncias-ocultistas-em-promethea

Alan Moore, Promethea e Daath

Saiu recentemente em sites de HQ este comentário feito pelo desenhista JH Williams III quando trabalhava num arco de Promethea, de Alan Moore, quando este recebeu uma estranha ligação do barbudo… Vejam o que o cara falou sobre isso:

Eu estava desenhando uma viagem pela Árvore da Vida da Cabala, e estava me aproximando do clímax da história, quando os personagens tinham que atravessar os limites da escuridão, pra chegar em lugares de formas mais elevadas da realidade, passando por uma dimensão destruída no caminho…

Alan me ligou, dizendo que eu poderia ter alguns problemas físicos ao desenhar essa parte da HQ, pois ele mesmo se sentiu muito mal ao escrever o roteiro e só melhorou depois que terminou seu trabalho e parou de mexer na história.

Alan acreditava que os pensamentos sobre essa dimensão negativa e maligna se manifestou fisicamente, e ele acabou experimentando todas as sensações ruins que os personagens da HQ deveriam ter passado devido a sua viagem pela Cabala… E achou por bem me avisar sobre isso.

Quando comecei a desenhar a passagem, quanto mais eu me aproximava do momento em que mostrava o buraco negro e a passagem negativa da vida que levava até a Árvore, sentia dores no peito.

E quanto mais eu desenhava o buraco negro, piores as dores ficavam, acabei indo ao hospital pra fazer um exame, e os médicos disseram que eu tivera um pequeno ataque cardíaco, mas que não detectaram nada que pudesse ser a causa dele.

A medida que fui terminando e me afastando das páginas que mostravam o buraco negro as dores foram passando até sumirem por completo…

Depois de alguns dias conversei com Mick Gray sobre isso, e ele me disse que enquanto fazia a arte final dessa parte, todos na sua casa ficaram muito mal, com um surto de gripe.

Daath é a Esfera que está entre Kether e Tiferet; a citação feita ao “Caminho 13”, ou Gimmel (letra hebraica que significa “Camelo”, e tem sua representação no Arcano da Sacerdotisa, no Tarot, daí Promethea e sua companheira encontrarem Aleister Crowley montado em um Camelo mais para a frente nesta parte da história) faz a conexão entre o Iniciado e Deus, ou a comunicação simbólica entre Jesus e seu pai quando ele estava na Cruz.

Daath representa o conhecimento, mas também é um portal para as partes mais sombrias e interiores do Ser humano, o Caminho de conexão entre a Árvore da Vida e a Árvore da Morte (os Túneis de Set, em contraposição aos Caminhos de Toth) que o Iniciado precisa derrotar completamente (abandonar o Ego e compreender totalmente a Sombra que habita dentro de todas as pessoas).

Daath representava o planeta que um dia ficou entre Marte e Júpiter e que hoje é conhecido como Cinturão de Asteróides e algumas mitologias chamam de Ymir ou Tiamat. Quando o Planeta foi destruído, esta esfera deixou de existir também para os Cabalistas (na verdade, para os anjos que assim passaram este conhecimento, já que, quando os cabalistas chegaram, o planeta já tinha sido destruído há milhões de anos).

Daath está localizado entre Binah e Chesed, o que daria a ele um valor intermediário. Muitos cabalistas colocam este valor como sendo PI (3,141592…) porque é um número infinito com uma relação intrínseca com o Abismo… recomendo que assistam ao filme de mesmo nome (PI) para entender melhor esta relação.

Meditar nesta esfera traz para a consciência todos os demônios internos da pessoa, o que pode causar os problemas que mr. moore alertou aos desenhistas. Uma vez que, tanto Moore escrevendo quanto os artistas desenhando estavam em contato mental com esta esfera, eles puxaram para si esta energia e, como o contato foi muito efêmero, tiveram manifestados alguns efeitos físicos.

Como experiência pessoal, quando estudava Qlipoth e os Túneis de Set, em 2006, uma parte do teto do meu escritório quebrou durante uma tempestade, que aconteceu na noite seguinte, e a mesa ficou encharcada, destruindo completamente meu caderno de anotações e os livros do Karlsson (os livros de teurgia ficaram intocados).

Quando ministro o curso de Qlipoth (que é apenas para alunos mais avançados na magia), sempre preciso da permissão e autorização dos meus exús para isso; fazemos uma firmeza de proteção e há todo um preparatório para o estudo de NOX; no último curso, tivemos relatos de alunos que eram médiuns a respeito de sombras e seres astrais grotescos (semelhantes aos desenhados na HQ) que ficavam ao redor do prédio, tentando entrar, quando falávamos os nomes deles em aula.

São energias muito poderosas e extremamente agressivas.

Bem… Agora vocês sabem porque todo satanista de orkut que diz que faz e acontece com as qlipoth é sempre um fodido na vida.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/alan-moore-promethea-e-daath

Mapa Astral do Alan Moore

Sua infância e adolescência foram conturbadas, devido à influência da pobreza do seu meio social e da família. Quando jovem, foi expulso de uma escola conservadora e tal motivo fazia com que outras escolas que Moore quisesse estudar não o aceitassem. Com 18 anos, estava desempregado e sem nenhuma formação profissional.

Começou, porém, a trabalhar na revista Embryo, um projeto elaborado junto com amigos. O seu convívio na área fez com que se envolvesse com o Laboratório de Artes de Northampton. Lá, conheceu Phyllis, com quem se casaria em 1974. Teve duas filhas com ela: Leah e Amber.

Alan trabalhou para revista britânica Warrior. Nela começou a escrever duas importantes séries em quadrinhos. V de Vingança, um conto sobre a luta pela dignidade e liberdade numa Inglaterra dominada pelo fascismo, e Marvelman, conhecido nos Estados Unidos como Miracleman. Ambas as séries conferiram a Moore o título de melhor escritor de quadrinhos em 1982 e 1983 pela British Eagle Awards.

Para a DC Comics escreveu as histórias de conteúdo ecológico do Monstro do Pântano, ficando conhecido no mercado americano. Nessa sequência de histórias introduziu o personagem John Constantine, que posteriormente teria sua própria revista, Hellblazer.

Mapa Astral
O Mapa de Moore possui Sol, Mercúrio, Vênus e Saturno em Escorpião; Ascendente, Marte e Netuno em Libra; Lua em Áries; Júpiter em Gêmeos e Caput Draconis em Capricórnio-Aquário (Cavaleiro de Espadas). Seu planeta mais forte é o Sol, com nada menos que 8 Aspectações. Isso significa que praticamente todos os planetas do Mapa de Moore estão conectados de alguma maneira com esta energia escorpiana, que faz com que ele se aprofunde em praticamente qualquer coisa que fizer (vide as pesquisas feitas em Hqs como From Hell, Top Ten, Voz do Fogo ou Promethea). Moore não se contenta em escrever sobre alguma coisa, ele precisa investigá-la até o último limite do conhecimento possível. Um cético no verdadeiro significado desta palavra.

O Mapa indica uma pessoa capaz de não apenas entender as pessoas ao seu redor, mas que possui uma capacidade enorme de se aprofundar em qualquer tema que pesquisar. Graças aos deuses que ele foi expulso da escola e decidiu se dedicar a histórias em quadrinhos!

Júpiter em Gêmeos denota uma enorme facilidade com códigos, símbolos e imagens, trabalhadas em conjunto com Mercúrio em Escorpião (uma mente racional, cética e profunda) e Marte em Libra (talento para observar todos os lados de um problema antes de agir), canalizando uma combinação sensacional para escritores ou pesquisadores, embora também pudesse ser um excelente psiquiatra se esta tivesse sido a sua Verdadeira Vontade.

Como ocultista, podemos concordar que Moore está plenamente realizando sua Grande Obra, o que no Mapa está indicado pelo Caput Draconis em Capricórnio-Aquário (Cavaleiro de Espadas, aquele que conhece todas as regras e é capaz de quebrá-las; um hacker da realidade).

#Astrologia #Biografias

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/mapa-astral-do-alan-moore

Alan Moore

Pesquisa de Jose Carlos Neves

Confira abaixo um resumo dos principais fatos na vida e bibliografia do escritor e mago inglês Alan Moore. Trata-se de excertos do livro Alan Moore: Portrait of an Extraordinary Gentleman, um livro-tributo dedicado aos 50 anos do artista. São páginas recheadas de ensaios, ilustrações, artigos, fotografias, entrevistas, e opiniões sobre o mago-escritor de Northampton. Escritores, desenhistas e pessoas relacionadas aos quadrinhos comentam sua relação com Moore.

Alguns nomes presentes no livro: Michael Moorcock, Ian Sinclair, Darren Shan, Brad Meltzer, John Coulthart, Neil Gaiman, Dave Gibbons, Bryan Talbot, David Lloyd, J. H. Williams III, Kevin O’Neill, Will Eisner, Howard Cruse, James Kochalka, Adam Hughes, Peter Kuper, Jose Villarubia, Jimmy Palmiotti, Rick Veitch, Michael T. Gilbert, Steve Parkhouse, Nabiel Kanan, Bill Koeb, Rich Koslowski, Trina Robbins, Michael Avon Oeming, Sean Phillips, Jeff Smith, Sergio Toppi, Giorgio Cavazzano, Claudio Villa, Daniel Acuna, Willy Linthout, Jean-Marc Lofficier, Eduardo Risso, Dave Sim, Ben Templesmith e outros tantos.

O lançamento da editora Abiogenesis Press, do artista britanico Gary Spencer Millidge, tem caráter beneficente. Toda sua renda está destinada para o Fundos de Combate ao Mal de Alzheimer. Para mais informações, acesse www.millidge.com

Linha da Vida de Alan Moore

– Alan nasceu com pouca visão na vista esquerda e surdo do ouvido direito. Mesmo assim, ele evitou usar óculos até quinze anos. Já adulto, abandonou os óculos chegando a cogitar a possibilidade de usar um monóculo, acabando por achar essa alternativa muito kistch.

– A primeira casa do jovem escritor não tinha banheiro nem gás em sua rua.

– Em 1961, aos 7 anos, Moore descobriu os quadrinhos americanos da DC Comics.

– Moore atribui sua formação moral graças as histórias do Super-Homem.

– Padecendo de uma gripe comum, o jovem Alan Moore pediu para a mãe lhe comprar uma BlackHawk. Ao invés de trazer a HQ pedida, sua mãe o presenteou com a edição número 3 de Fantastic Four (Quarteto Fantástico). Essa revista foi o primeiro contato do escritor com os trabalhos de Jack Kirby, de quem se tornou fã imediato.

– Moore matava aulas no colegial para andar de motocicleta no pátio de um hospital para doentes mentais.

– Em 1968, Moore se tornou fã dos personagens da Charlton Comics, que mais tarde seriam os arquétipos dos personagens da maxi-saga Watchmen.

– Em 1969, ele começou a colaborar com vários fanzines, sempre como desenhista

– Aos 17, em 1970, Moore foi expulso da escola por uso de LSD. O diretor escreveu uma carta para todas as outras escolas e universidades da região, para que ele jamais fosse aceito em outro estabelecimento de ensino.

– Sem poder estudar, Alan trabalhou em um matadouro e limpou latrinas em um hotel de Northampton.

– Nessa época, ele deixou o cabelo crescer, ajudou a publicar o fanzine Embryo e conquistou sua futura esposa Phyllis lendo poesias em um cemitério. Em 1974, aos vinte anos, Moore e Phyllis se casaram.

– Em 1977, nasceu Leah, a primeira filha de Moore. Nessa época, Moore percebeu que tinha que fazer alguma coisa que gostasse logo ou então passaria a vida frustrado. O escritor começou a colaborar com jornais e revistas locais, escrevendo e desenhando tiras de humor. A mais conhecida delas foi Maxwell, the Magic Cat, uma espécie de Garfield inglês. Anos depois, Moore declarou que odiava escrever as historias de Maxwell e que se sentia envergonhado de receber dinheiro por elas. Mesmo assim, ele passou 7 anos escrevendo estas tiras. Detalhe: Moore assinava as tiras com o pseudônimo de Jill de Ray (uma alusão ao francês acusado de ter assassinado dezenas de crianças).

– A experiência com Maxwell mostrou que ele não servia como desenhista. Moore passou a dedicar “apenas” a escrever.

– Moore comecou a trabalhar com a Marvel UK (divisão anglo-saxônica da Casa das Idéias) em 1981. Aos 27 anos, Moore escrevia pequenas tramas nas revistas Star Wars e Dr. Who. Na mesma época, ele fez alguns trabalhos para a 2000AD e teve sua segunda filha: Amber.

– Em 1982, Alan recebeu sua primeira grande chance ao escrever para a recém-criada revista Warrior. Para quem não sabe, a Warrior publicava 4 a 6 histórias por edição, cada história com 6 a 8 páginas. Moore escreveu 3 sagas para a Warrior simultaneamente: The Bojeffrie’s Saga (uma família de monstros muito engraçada), Marvelman (Miracleman) e V de Vingança.

– Naquele mesmo ano, Moore começou a escrever as histórias do Capitão Bretanha. Já no primeiro capítulo, ele se livrou dos conceitos criados pelo escritor anterior e no capitulo seguinte matou o próprio protagonista da série, recriando-o totalmente reformulado na edição de número 3.

– Enquanto a fama de Moore crescia nos quadrinhos, ele encontrava tempo para se envolver em outros projetos. Ele formou uma banda chamada The Sinister Ducks, gravando um single em 1983.

– Na 2000 AD, Moore escreveu D.R. & Quinch, uma hilária saga de dois alienígenas delinqüentes. E ainda escreveu A Balada de Halo Jones e Skizz.

– Todos esses trabalhos renderam a Moore o prêmio Eagle Award de melhor escritor de 1982 e 1983. Foi quando os Estados Unidos começou a se interessar pelos trabalhos do autor.

– Em novembro de 1983, Lein Wein, criador do Monstro do Pântano, ligou para a casa de Alan perguntando se ele queria trabalhar para a DC e escrever as historias do monstro. Alan achou que era um trote e desligou na cara do escritor. É claro que depois ele viu que não era mentira e aceitou trabalhar com o personagem.

– Sob ao comando de Alan Moore, Swamp Thing passou das 17.000 cópias/mês para mais de 100.000 cópias!!!

– No período em que escreveu o Monstro do Pântano, Moore fez outros trabalhos pouco divulgados na DC, como “Tales of the Green Lantern Corps”, “Vigilante”(uma historia sobre abuso sexual de crianças) e uma historia do Batman onde ele enfrenta o Cara de Barro (publicada no Brasil na extinta SuperAmigos). Moore ainda escreveu 2 histórias memoráveis com o Homem de Aço (ambas relançadas no Brasil pela Opera Graphica). Uma delas, “For the Man who has Everything” é possivelmente uma das melhores histórias do Super-Homem.

– O próximo trabalho de Moore seria A Piada Mortal. A história foi escrita em 1985, mas devido a atrasos do desenhista Brian Bolland, a revista só foi terminada e publicada em 1988.

WATCHMEN

Ainda em 1986, a DC concordou em deixa-lo produzir sua própria série. Com o artista britânico Dave Gibbons, Moore sugeriu o projeto de uma série chamada WATCHMEN. A história, como Weaveworld de Clive Barker, é uma epopéia sobre um mundo fictício – embora o mundo que Moore inventou seja de várias maneiras igual ao mundo real de hoje.

Começando em uma Nova Iorque durante os anos 80, Watchmen descreve uma América como poderia ter sido se realmente tivesse testemunhado o surgimento de fato dos “super-heróis” – isto é, seres que possuem habilidades super-normais ou que se apresentam como vigilantes idealistas. Assim como a América nunca teria sofrido uma divergencia política progressiva dos Anos sessenta, imagina Moore, também nunca teria perdido a Guerra de Vietnã, e teria achado um modo para manter Richard Nixon como Presidente. Já no início de Watchmen, dificilmente as coisas são sublimes: alguém decidiu eliminar ou desacreditar os poucos super-heróis remanescentes enquanto que, em uma série de eventos aparentemente não relacionados, os Estados Unidos e a União soviética desenham um crescente conflito nuclear por causa de uma disputa na Ásia.

No centro da consciência desta história, de olho na (e tentando desafiar a) maneira de como o mundo está desmoronando, está um incomum herói criado por Moore: um mascarado, horrendo e transtornado vigilante direitista conhecido como Rorschach. Rorschach fala para o psiquiatra sobre a noite em que ele cruzou a linha da brutalidade:

“Me senti limpo. Senti o sombrio planeta girando sob os meus pés e descobri o que faz os gatos gritarem como bebês durante a noite. Olhado para o céu através da espessa fumaça de gordura humana, e Deus não estava lá. A escuridão fria e sufocante, continua para sempre, e nós estamos sós. Vamos viver nossas vidas na falta de qualquer coisa melhor para fazer. Deixemos a razão para depois.

Nascemos para o esquecimento; agüentando crianças destinadas para o inferno, nós mesmos; caminhando para o esquecimento. Não há nada mais. A existência é fortuita. Nenhum padrão seguro imaginado por nós depois de encarar isto por muito mais tempo. Nenhum significado seguro além do que nós escolhemos impor. Este mundo sem direção não é moldado por vagas forças metafísicas. Não é Deus que mata as crianças. Não é o destino que as abate ou que as dá de alimento para os cachorros. Somos nós. Somente nós… Estava renascido então, livre para rabiscar meu próprio desígnio neste mundo moralmente vazio..”

O assustador Rorschach

“Aquela foi uma história terrivelmente depressiva para se escrever,” disse Moore, “em parte porque Rorschach em nada se parece comigo: Eu não compartilho a sua política, e nem compartilho a sua filosofia. Ele é um homem aterrorizado e, em minha visão, ele acaba se rendendo ao horror do mundo.

Mas eu penso que o fundo do poço dos medos e ansiedades de muitas pessoas pode ser igual ao do Rorschach. As coisas que uma vez usamos para nos abrigarmos da escuridão – como Deus, a rainha, o país, e a família – foram se distanciando de nós. Em muitos casos, temos esmagados a nós mesmos, e agora nos deixamos tremendo na chuva, olhando para o mundo e vendo um obstáculo preto que não tem nenhum significado moral, afinal”.

Até que alcance seu devastador mas reafirmado fim, é evidente que, acima de tudo o mais, Watchmen é uma história de como as pessoas encaram a perplexidade do mundo de hoje: como alguns se movem furiosamente e de maneira fatal contra ele e de como outros, heroicamente, reúnem forças até mesmo em face ao Armageddon.

“Enquanto estava trabalhando em Watchmen,” conta Moore, “eu tive que me perguntar, O que é que mais me assusta? E percebi que a verdade é que quando o mundo acabar, não haverá nenhum aviso de quatro minutos, não haverá nenhum conflito nuclear de baixa escala. A verdade é que os mísseis poderiam estar no ar em cinco minutos. E se houver um Armageddon nuclear, não iremos retirar o pó de nós mesmos e nem reinventar os valores humanos. Não poderia haver nenhum valor humano após uma guerra nuclear porque não haveria nenhum humano.

Nosso passado seria erradicado. Nosso futuro seria erradicado. Nosso presente seria erradicado. E eu me achei pensando, Quando as crianças foram para escola esta manhã, eu gritei com elas ou lhes falei que eu as amo?”.

Os roteiros de Moore para essa saga viraram uma lenda pela riqueza de detalhes. O primeiro capítulo, por exemplo, tinha mais de 100 páginas e foi entregue ao desenhista Dave Gibbons sem parágrafos.

Com Watchmen, Moore virou uma celebridade do mundo dos quadrinhos, mas não estava feliz com isso. Certo dia, em uma convenção sobre HQ´s em San Diego, ele foi cercado por dezenas de fãs que o imprensaram contra uma escadaria na tentativa de agarrá-lo e conseguir um autógrafo. Moore decidiu que jamais participaria de convenções novamente.

A Casa do Trovão, em Twilight of the Superheroes

O próximo projeto de Moore na DC seria Twilight of the Superheroes, mas por razões desconhecidas, esse projeto não foi adiante. Anos depois, muitas das idéias de Moore para essa série seriam reaproveitadas na aclamada saga “Kingdon Come”(Reino do Amanhã) de Mark Waid e Alex Ross. A dupla nega qualquer reciclagem dos conceitos de Twilight.

Moore, que já não trabalhava para a Marvel desde a época de Capitão Bretanha, tambem passou a não trabalhar mais para a DC, pois discordava sobre os royalties de Watchmen e principalmente com o fato da DC adotar o código “for mature readers” (própria para leitores maduros/adultos) nas suas revistas.

A última colaboração de Moore para a DC foi o final de V de Vingança, que havia ficado incompleta apos a falência da Warrior. A série foi reeditada nos EUA e se tornou outro best-seller.

 

Miracleman

Na mesma época, ele voltou a escrever Miracleman (agora para a editora Eclipse). Além de tudo o que já havia sido escrito para a Warrior, Moore criou novas historias, entre elas a maravilhosa saga Olympus. Depois disso, ele passou os direitos autorais do personagem para Neil Gaiman (que mais tarde resultou naquele pega ´pra capar entre Gaiman e a cria do inferno, Todd McFarlane. O embate jurídico dura até os dias de hoje).

Moore recusou varios trabalhos nessa época, inclusive o roteiro de Robocop 2 (que assumiu a criança foi Frank DKR Miller). Seus próximos trabalhos foram o livro “Brought to Light”, com ilustrações de Bill Sienkieckz e a graphic novel “A Small Killing”.

Em 1989, Moore decidiu colaborar com a recém-criada revista “Taboo” de Stephen Bissete (parceiro de Moore em Swamp Thing). Para a Taboo, ele escreveu a espetacular “From Hell” – fruto de mais de 8 anos de pesquisa, e “Lost Girls”.

Ainda naquele ano, Moore passou a viver um triângulo amoroso com sua esposa e sua namorada Deborah Delano. Irritado com a intolerância do governo de Margareth Tatcher com os homosexuais, Moore colaborou com entidades GLS, publicando a história “Mirror of Love”, pela editora Mad Love, propriedade do próprio autor e de sua esposa.

Big Numbers

O próximo projeto era a serie Big Numbers, projetada para 12 capítulos e mais de 500 páginas. Somente 3 edições foram lançadas, 2 com desenhos de Sienckwiecz e uma com os traços de Al Columbia. Ninguém sabe ao certo porque o projeto nao foi adiante, mas especula-se que a complexidade do texto de Moore foi demais para os desenhistas que nao conseguiram dar conta do recado.

Nessa época teve início o inferno astral de Alan Moore: a Mad Love faliu e seu casamento terminou. A Taboo também chegou ao fim, deixando sagas como From Hell para serem completadas anos depois.

Em 1993, Moore tomou uma decisão que desapontou muitos de seus fãs. Aceitou trabalhar para a Image Comics escrevendo títulos como Spawn, Supreme, Glory, Youngblood, Wild C.a.t.s. Moore desabafou que aquilo não era um retrocesso ou que ele estava vendendo sua alma para os demônios Rob Liefeld e Jim Lee, e sim um desejo de escrever histórias mais simples, para garotos de 14 anos e não para adultos de 30. Ainda pela Image, ele participou do projeto 1963. Este ultimo projeto acabou gerando uma briga entre ele e Stephen Bissette. Até hoje eles não se falam.

Moore passou a morar com uma nova companheira: Melinda Gebbie. No dia em que completou 40 anos, Moore decidiu se tornar um mago. Ainda em 1993, ele praticou performances teatrais como “Snakes and Ladders” e “BirthCaul”. Mais tarde essas performances foram adaptadas para HQ´s por Eddie Campbell, seu companheiro de trabalho em From Hell.

Algumas conclusões de Moore em relação à magia foram adaptadas para histórias como Supreme, Glory e mais tarde Promethea. Em Supreme, Moore explorou o conceito do IDEASPACE, um mundo de arquétipos, semelhante ao Mundo das Idéias de Platão. Supreme vai investigar uma estranha cidade no alto do Tibet, encontrando uma paisagem desnorteante, formada por um grande número de paisagens diferentes fundidas numa só. Há partes dela que parecem como um bairro decadente durante a Depressão de 1930, onde ele conhece uma gangue de crianças e um herói fantasiado.

O Grande Criador

Supreme continua a vagar pela estranha paisagem até encontrar uma trincheira de um campo de batalha, onde há uma infinidade de soldados de várias etnias: Um irlandês, um judeu, um negro, tudo muito parecido com o Sgt. Fury e toda uma enorme linha de heróis patrióticos.

Isto continua até Supreme conhecer o criador supremo deste mundo, que se mostra ser Jack Kirby. Isto é muito difícil de explicar porque leva uma história inteira para ser contada, mas é basicamente uma gigantesca cabeça flutuante, que se altera sob uma fotomontagem da cabeça de Kirby em transmutação; ela sempre é apresentada no estilo dos desenhos de Jack Kirby. Esta entidade gigantesca explica a Supreme que ele foi um artista de carne e osso e sangue, mas agora ele está completamente no reino das idéias, que é muito melhor porque a carne e os ossos e o sangue tem suas limitações, já que ele podia fazer somente quatro ou cinco páginas em um dia de trabalho; mas agora ele existe puramente no mundo das idéias. As idéias só podem fluir sem interrupções. Ele fala sobre todo um conceito de um espaço onde idéias são reais, que é o tipo de lugar onde, de algum modo, todos os criadores de quadrinhos trabalham durante toda a sua vida, talvez Jack Kirby mais do que a maioria. É como se uma idéia se tornasse livre do corpo físico, e este artista pode então explorar os mundos infinitos da imaginação e das idéias.

Em 1996, Moore escreveu seu primeiro romance, intitulado A Voz do Fogo. Foram 5 anos para escrever este livro, um tratado de 5 mil anos da sua cidade natal, Northampton. O primeiro capítulo é narrado em primeira pessoa (de forma muito singular) por um personagem que vive numa Northampton paleolítica, quando a cidade tinha duas a três cabanas de barro e uma ponte. O segundo é narrado em primeira pessoa por um personagem totalmente desligado do primeiro que vive em Northampton durante a Idade de Bronze, em uma comunidade que começou a crescer, se desenvolvendo através das eras. Lentamente, nós movemos através dos séculos, até o décimo primeiro capítulo, que é narrado pelo próprio autor na Northampton do presente.

Trabalhando para a editora Wildstorm (que acabou sendo posteriormente vendida para a DC) Moore criou uma nova linha de HQ´s, a America’s Best Coomics (ou ABC), onde surgiram as aclamadas séries: Top Ten, Tom Strong, League of Extraordinary Gentlemen, Promethea e Tomorrow Stories.

Aos 50 anos, Moore anunciou que pretende se aposentar dos quadrinhos. Será?

Liga dos Cavalheiros Extraordinários

Se você assistiu LXG, a dica de leitura é um antídoto para a pataquada que você viu na telona. Leia a edição especial A Liga Extraordinária da Devir. Apesar do preço salgado (R$ 45,00), você pode encontrar esse lançamento na FNAC por R$ 36,00. Preço justificado pela luxuosa edição de 192 páginas repleta de material inédito, incluindo o tão aguardado conto “Allan e o Véu Rasgado”, no melhor estilo das obras de H.P. Lovecraft.A Liga de Moore não tem nada a ver com aquela versão X-Men Vitorianos. As Aventuras da Liga dos Cavalheiros Extraordinários é o fanfict definitivo: Imagine uma força-tarefa formada por personagens da literatura inglesa, mas com uma pitadinha do tempero de Alan Moore: Então o Capitão Nemo é uma figura intrigante, um fanático cheio de equipamentos misteriosos. Hyde é de uma complexidade assustadora. Mina Murray não é uma vampira anabolizada e o decadente Alan Quatermain passa longe da interpretação impecável de Sir Connery. Só para você ter uma idéia, o Quatermain da HQ é viciado em ópio! Leia o mais rápido possível e fique aguardando ansiosamente o volume dois, ainda “inédito” aqui no Brasil.

Entrevista com Alan Moore

Apresento-vos uma entrevista com o escriba, realizada por Alan David Doane. A tradução é de David Soares (Portugal)

Eu soube que este “Quiz de 5 perguntas” seria um esforço maior que os anteriores, excedendo certamente esse número de questões, quando o homem que eu considero ser o melhor escritor de banda desenhada de sempre deteu-se, pensativamente, durante oito minutos para responder à minha primeira interrogação (envisionando e esclarecendo, em conjunto, as seguintes). Olhando a isso, abandonei a fórmula inicial; que outra escolha tinha? Durante a década de 80, Alan Moore recriou a banda desenhada por imprevisto, como irão ler adiante, e, desde a sua estréia, uma engenhosidade e paixão superlativas constantes são as características reconhecidas no seu trabalho. Conversar com Alan Moore, mais que uma honra, foi uma aventura e é meu dever agradecer ao autor a sua disponibilidade, mas, também, a Chris Staros, da Top Shelf Productions, por apadrinhar este encontro. Esta editora publica muitos dos melhores trabalhos de Moore, como o seu romance “Voice of the Fire”.

Alan David Doane – O que te inspirou a escrever um romance com a profundeza de “Voice of the Fire”?

Alan Moore – Sempre vivi em Northampton, como os meus pais, talvez tenha sido isso. Somos todos descendentes uns dos outros nesta única grande família que são os seus cidadãos. “Nascidos de fresco com sangue em segunda-mão”, como gostamos de dizer por cá. Esta cidade fascina-me e saber que a sua história, tão singularmente rica, é completamente ignorada sempre se me apresentou contra-sensual. A maioria dos ingleses é capaz de identificar Northampton apenas como uma mancha indistinta a meio da M-1, entre Birmingham e Londres, mas quando comecei a investigar as suas origens na altura em que me lembrei de escrever este livro encontrei matéria convincente o bastante para concluir que Northampton é, mesmo, o centro do universo. No mínimo, eu fiquei convencido.

Penso que a sua é uma história esplêndida que remonta desde a Idade da Pedra quando caçadores de mamutes, e os próprios mamutes obviamente, ainda caminhavam sobre estas ruas, atravessando a Idade do Bronze e as migrações dos povos Celtas, prosseguindo pela Idade do Ferro e as invasões romanas e, ainda, parece-me ser uma cidade que assumiu sempre uma importãncia central, de um modo mais complexo que a sua simples localização geográfica. Lembro-me, se me encontro sem erro, que os avós de George Washington, e de Benjamin Franklin, habitavam duas pequenas aldeotas vizinhas durante os anos da Guerra Civil Inglesa. Os pais de Washington moravam aqui, os pais de Franklin moravam em Ekton e ambos os casais abandonaram Northampton após a guerra civil que terminou nesta cidade (provavelmente, o local mais desconfortável para comprar uma casa durante o séc. XVII) e emigraram para a América. De acordo com aquilo que sei, a própria bandeira norte-americana é baseada no seu, agora esquecido, brasão de família, tradicional de Northampton.

O tipo que descobriu o ADN, Francis Crick, viveu aqui e foi aluno na mesma escola que eu frequentei com apenas algumas décadas de intervalo entre os seus anos lectivos e os meus e ia semanalmente à catequese na igreja que ainda se encontra no fim da minha rua. Muitos episódios da história inglesa também circulam Northampton, como a Guerra das Rosas que também conheceu o seu fim neste lugar, simetricamente à nossa Guerra Civil, como já te contei, e a Conspiração da Pólvora que foi urdida nesta cidade e pretendia rebentar a sede do parlamento, em Londres, em 1605. Pensamos, inclusive, que o empreendimento foi um fracasso e é por essa razão que o tornámos numa festa anual, mas os conspiradores não se saíram, realmente, mal.

Também foi nesta cidade que a rainha Mary, da Escócia, foi decapitada e é avaliando esse conjunto de acontecimentos que te digo que existe muita história aqui, nem sempre agradável, admito, mas está presente uma força nuclear para a vida humana e que influenciou de certeza a evolução do modo de vida inglês, e, em última análise, possivelmente outros modos de vida em outros lugares.

A génese do livro nasceu dessa fé que me diz que, sim, Northampton é, na verdade, o centro do universo. Acredito nisso, assim como acredito que é esta é uma cidade despida de características especiais. Posso dizer-te que qualquer pessoa, habitante de qualquer lugar sobre o globo, pode desenterrar uma mão-cheia de maravilhas da terra do seu próprio quintal, se tiver feito uma pesquisa paciente sobre esse local e se for engenhosa o bastante para as encontrar. Demasiadas vezes caminhamos pelas nossas ruas, a pé ou de automóvel, e não compreendemos que sob as fachadas descaracterizadas se pode esconder o antigo cárcere de algum poeta ou um sítio reservado ao homicídio, o sepulcro oculto de alguma rainha lendária e é o somatório destas pequenas histórias que enriquecem um lugar: de repente, não te encontras simplesmente a passear numa cidade comum, aborrecida e homogénea, mas numa aventura em avenidas prodigiosas recheadas de histórias fantásticas. Na minha opinião, viver é uma experiência muito mais recompensadora se conhecermos intimamente a parte do mundo que nos foi destinada como casa e esta é a melhor resposta que te posso dar sobre a tua pergunta.

ADD – Bom, na verdade já respondeste às primeiras quatro perguntas.

AM – A sério? (Risos) Estou em forma.

ADD – (Risos) Sendo assim, vamos à última. Imagino que durante a criação das histórias deste livro, à medida que ias desenvolvendo a tua pesquisa e estruturando a narrativa, foste apanhado de surpresa por algumas coisas acidentais que não estavam previstas quando iniciaste o empreendimento.

AM – Fui surpreendido por uma grande quantidade de coisas. Repara que uma das minhas premissas iniciais era a de não querer escrever um trabalho histórico, por que não queria abdicar da liberdade que um trabalho de ficção me oferece, como, por exemplo, entrar na personalidade das pessoas sobre quem eu pretendo escrever e o sentido dessas vidas, pois acredito que dessa forma o resultado final é mais verdadeiro, mais humano. Contudo, mesmo conjurando todas estas vozes fictícias do passado queria que o seu discurso se baseasse em fatos reais e circunstâncias possíveis e comecei com esse objetivo em mente para, em seguida, compreender que determinados temas, determinadas imagens, estavam a emergir da minha narrativa.

Aparentemente, a maioria dos episódios ocorrem em Novembro, no dia do meu aniversário,e, paralelamente a isso, outros elementos estavam a manifestar-se repetidamente em diferentes histórias e indicavam-me uma espécie de padrão: pessoas com membros amputados; matilhas de cães pretos espectrais; cabeças decepadas e outros ícones de natureza igualmente inquietante.

O desafio de “Voice of the Fire”, se eu queria realizar esse livro de acordo com a minha ideia original, era ter um narrador diferente para cada uma das doze histórias, alguém que pertencesse a esse espaço-tempo e que relatasse na primeira pessoa. Para o último capítulo, que tem lugar nos dias de hoje, o único narrador possível só poderia ser mesmo eu próprio. Contar essa história com a minha voz, debruçando-me sobre os meus assuntos particulares sem inventar pormenores sobre o que estaria a acontecer durante essa altura e, coincidentemente, quando finalmente comecei a fazê-lo, descobri que já me encontrava em Novembro, mais uma vez… Iniciei a escrita desse capítulo com a esperança que a própria cidade me sugerisse um final que amarrasse todas as pontas e todas as hipóteses que fui deixando por rematar ao longo dos capítulos anteriores sem saber se isso iria acontecer ou se, pelo contrário, os últimos cinco anos da minha vida tinham sido um logro e que não deveria ter começado o livro, em primeiro lugar.

Sempre acreditei que existem momentos na vida de um escritor em que ele, ou ela, é confrontado com a noção de que as fronteiras entre a ficção e a vida real são, muitas vezes, inexistentes e isso é frequente em trabalhos nos quais optamos por um registro auto-referencial. Esses dois universos inclinam-se para um maior cruzamento à medida que te aproximas de casa o que pode ser desconfortável, no mínimo. Por isso não foi surpreendente, mas ainda assim bizarro, quando sucessivas ocorrências se conjugaram para satisfazer as necessidades do meu texto. Coisas sobre e com cabeças cortadas e enormes cães pretos que me mostraram que enquanto ações mirabolantes têm lugar na ficção, outros movimentos igualmente mirabolantes, e perigosos, acontecem na vida real; experiências que são simétricas. Por mais que as esperes, são sempre perturbantes.

ADD – Esse capítulo final, acredita, foi uma das coisas mais perturbantes que já li.

AM – Pois. Obrigado.

ADD – Existe uma frase nesse capítulo… Tu sabes qual: “O Homem escreve.”, “O Homem escreve.”…

AM – Sim.

ADD – Essa tua frase que aparece repetidas vezes e que parece tão absurda consegue reunir toda a informação do livro e fazer sentido no final, quando todas as centenas de páginas e todas as centenas de anos que assimilaste acabam por nos conduzir à tua casa, ao teu quarto, não é verdade?

AM – É quase isso. Não és conduzido ao meu quarto, felizmente para ti, mas à minha mente. Até esse ponto exato, ainda poderias pensar que “Voice of the Fire” é composto por uma série arbitrária de histórias suavemente associadas em órbita da minha cidade e nesse capítulo quis fundir tudo isso: as histórias, a minha vida, a minha mente e as vidas e as mentes dos leitores. Aparentemente, para surpresa de todos, o livro acaba mesmo por ser sobre mim. Pode ser sobre mim, sentado a escrever o próprio livro. Ou ser sobre o processo criativo de se escrever outro livro. Ou sobre outro assunto qualquer. É isso. E fico contente que tenhas reagido bem à frasezinha, por que ela arrepiou-me um bocadinho quando a escrevi. Lembro-me que pensei: “-Isto está a ficar sinistro, por isso devo estar a criar algo interessante”.

ADD – A frase não é sinistra, em si, mas consegue impressionar-te dessa forma.

AM – Obrigado.

ADD – É perturbante, como já te disse. Aliás, já li o teu “From Hell” e senti em algumas passagens dessa história que ultrapassaste a barreira entre autor e leitor. Uma barreira que não tinha sido ultrapassada em nada que já tivesse lido.

AM – Isso é maravilhoso…

ADD – Não tenho a certeza de qual dos livros foi editado em primeiro lugar, mas o efeito que “Voice of the Fire” me provocou pareceu-me uma ampliação do que senti em segmentos de “From Hell”, naqueles momentos em que tu, como acabaste de explicar, penetras, e nós contigo, na mente da personagem, que neste caso és tu. Não tinha pensado nisso, mas o leitor acaba por se transformar em Alan Moore.

AM – Pois… é possível. Penso, inclusive, que um ingrediente que pode ajudar a cozinhar esse efeito é o facto de que no último capítulo de “Voice of the Fire” não possuo um conhecimento “in loco” do meu consciente não-autónomo, ou seja: o meu “eu” pensante. Falando nisso, nunca utilizo a palavra “eu”, entendes? Acaba por funcionar como uma narração na primeira pessoa do singular, mas sem uma pessoa. Não sei se era a isto que fazias referência, mas eu também não compreendo muito bem o que me leva a escolher uma determinada forma de fazer as coisas. Na altura, pareceu-me que funcionava.

Pareceu-me que deixava o leitor respirar, sem estar constantemente a ser confrontado com a noção de que é um… deixa-me pensar… um ego de outra ordem que fala com ele. Fico satisfeito pela tua reacção a esta experiência.”Voice of the Fire” e “From Hell” nasceram mais ou menos na mesma altura, talvez com um ano de diferença, e isso acaba por estabelecer uma comunicação entre os dois, por que têm algumas afinidades, como, por exemplo, o facto de partilharem um momento da minha vida em que decidi tornar-me um ocultista e estudar a fundo matérias que estão imersas num mundo à parte às quais, vulgarmente, chamamos magia. No “From Hell” isso está explícito nos diálogos de William Gull quando ele nos descreve as suas crenças e que os deuses existem realmente, em majestade e monstruosidade, na nossa mente. Escrevi isso quase por acidente e compreendi depois que tinha escrito algo mais profundo, algo significante que, eventualmente, acabou por introduzir o meu interesse pela magia.

Certamente, esta inclinação coloriu com outros tons o final de “From Hell”, e a conclusão de “Voice of the Fire”. Este título reservou-me outra surpresa: comecei o livro contando a história de um xamã que procura um código de palavras, uma ladainha, um conjunto mnemónico para aglutinar o seu povo e na última história, eu sou esse xamã, inconscientemente, milénios depois, realizando a mesma rotina. Não a mesma, claro, pois os meus métodos não envolveram nenhum sacrifício humano. Podes dormir sossegado.

ADD – A mensagem de “From Hell, bom, pelo menos a que eu retirei da minha leitura e que, infelizmente, não é expressa pela sua adaptação cinematográfica…

AM – Tens de compreender que estás em vantagem sobre mim nesse tópico, por que não vi o filme.

ADD – Tudo bem. Penso que na melhor das hipóteses representar todas as preocupações do teu trabalho, já por si bastante extenso, num filme de duas horas é uma tarefa impossível de concretizar. Mas falava-te do que retirei do livro, a tal mensagem que é a de que a arte tem o poder de transformar o artista, até divinizá-lo, e no decurso da minha leitura percebi que ambos os livros, “From Hell” e “Voice of the Fire”, partilham essa preocupação. Não sei se foi intencional, mas a verdade é que quando se chega ao fim desses livros essa mensagem é, de facto, sugerida.

AM – A magia tem o poder de mudar a relação que tens com o mundo que te rodeia e isso aconteceu comigo. Comecei a olhar as coisas de outra forma, com um sentido, felizmente, mais útil, até, e considerando tudo isso, o que dizes sobre os dois livros pode ser verdade. Através deles, apresento uma visão alternativa da nossa história e das nossas experiências, mesmo que em “From Hell” a minha intenção principal fosse contar uma história sobre um crime, um homicídio. Nessa altura, nem pensei nos crimes de Jack, o estripador. Era, apenas, o uso de um crime como uma experiência avassaladora que me norteava. Felizmente, um homicídio, no contexto de uma vida, é uma experiência bastante improvável. Repara que o número de pessoas que acabam por morrer dessa forma é, ainda assim, muito reduzido.

Essa raridade sugeriu-me a idéia de falar sobre o homicídio de uma forma particular. Porquê abordar apenas a identidade do autor, que parece ser o motor constante de tantos romances policiais? Essa é uma alusão quase tão redutora como um vulgar jogo de salão. Como o CLUEDO, por exemplo, onde só precisas de descobrir quem foi o assassino, a arma que usou e em que local a vítima foi abatida. Com “From Hell” quis esclarecer, também, as variáveis sociais e culturais que permitiram a práctica desse crime, muito mais que, somente, especular sobre a identidade do homicida. Queria ver como um crime poderia agir sobre a sociedade e estudar todas as hipóteses de desenvolvimento que poderiam florescer posteriores a essa ação.

Prosseguindo nessa óptica, se estás a falar sobre um crime, essa experiência avassaladora que pode acontecer na nossa vida, tomas consciência que és capaz, inclusive, de ir mais longe e ter alguma coisa a dizer sobre a grandiosidade da própria condição humana. Podes dirigir este ponto de vista para “Voice of the Fire”, claro, mas desviado suavemente, já que a intenção desse livro não é provar-te que Northampton é o núcleo do universo, mesmo tendo fé absoluta na verdade dessa afirmação, como já te disse, mas mostrar-te que qualquer local, onde quer que te encontres, é muito mais rico, muito mais exótico e prodigioso do que parece à primeira olhadela, entendes? No primeiro livro, procurei mostrar um ponto de vista crítico sobre a condição humana e a cultura, neste caso a cultura e a sociedade inglesas, usando um crime como casa de partida, mas com “Voice of the Fire”, as minhas ambições estavam à solta, a pensar em outras paisagens e para onde a nossa evolução nos conduz. Penso que o que estabelece a comunicação entre os dois livros é mesmo o meu interesse pela magia, que influencia o meu modo de olhar as coisas e de as contar.

ADD – Gostaria  que falasses do modo como vê a tua carreira na banda desenhada e a forma como as obras que tu escreveste, como “From Hell”, mas também “Watchmen” e “The League of Extraordinary Gentlemen”, mudaram o comportamento da indústria da publicação de comics.

AM – Posso dizer-te que a minha ambição foi sempre ganhar a vida como cartunista e nem pretendia ser famoso. O problema foi quando descobri que nunca seria um artista bom e rápido o suficiente para aguentar uma carreira nessa atividade.

Lembrei-me, então, da hipótese de me concentrar na escrita, por que senti que poderia fazer um trabalho melhor como escritor e que desenhando os storyboards para as histórias a minha ligação com o desenho continuaria. Investi com essas premissas e compreendi logo no início que seria incapaz de escrever uma história de encomenda. Se uma idéia sugerida não fosse aquilo que eu tinha em mente, invertia-a para a transformar em algo que me desse prazer escrever ou que fosse, no mínimo, um desafio. Penso que o método que desenvolvi me salvou de muitos compromissos e sempre me providenciou com a motivação necessária para realizar um bom trabalho.

Comecei a ser requisitado aos poucos, para ali e para acolá, em resultado dele e apliquei-o, concisamente, quando a DC me engajou para escrever o “Swamp Thing”. Na minha lógica, o leitor nunca se irá interessar em ler uma história escrita por mim, se eu próprio não estiver interessado em escrevê-la. Isso pressente-se, não te parece? Penso que os leitores são muito bons em descobrir se o autor gostou realmente de fazer o seu trabalho.

Tive de tornar o material mais arrojado, mais destemido, para o forçar a ser interessante. Pensei que fosse arranjar uma porção de problemas por causa disso, mas não. Os leitores compreenderam as minhas escolhas e eu, encorajado por eles, inovei mais ainda, sempre com o apoio da Karen Berger, claro, a minha editora da DC na altura, e, também, por outras pessoas que apreciaram muito a subida das vendas do título, sempre maiores a cada mês. Todo esse conjunto de situações fez nascer uma relação de confiança mútua na qual os editores perceberam que se eu tivesse controlo sobre as minhas decisões criativas nunca lhes iria apresentar um trabalho inteiramente despropositado e foi essa credibilidade que me permitiu ir sempre mais longe, por vezes a locais perturbadores ou tétricos, mas sempre interessantes. De que forma é que isso influenciou a indústria? Não te posso oferecer uma explicação clara. Depende da minha disposição, se queres
mesmo saber. Se eu me sentir deprimido penso que a minha influência foi terrível e que os autores que cresceram a ler o “Swamp Thing” ou “Watchmen” só foram capazes de imitar a violência desses trabalhos, e a sua pose intelectualista, sem a suportarem com a ingenuidade e a aventura que também lá se encontram. Sinto que ignoraram completamente a minha vontade de romper os limites da própria fórmula de contar histórias em BD e contentaram-se em produzir uma série de livros tristes e penosos. Como te disse, esta visão desconsolada da realidade depende muito da minha má-disposição e hoje tiveste azar.

A sério que gostava mesmo de acreditar que, em vez de tudo isto que contei, consegui realmente mostrar com o meu trabalho que a banda desenhada permite inúmeras possibilidades aos seus autores e que estão para nascer livros fabulosos com contornos que somos incapazes de imaginar neste momento. Que podes fazer tudo com algo tão simples como palavras e imagens se as abordares sensivelmente e se fores inteligente, diligente e virtuoso no teu esforço. Talvez esteja a ser brusco, lamento, mas queres afirmar que existe uma influência minha na indústria? Então, por favor, coloca-a aqui em vez de encorajares a minha percepção de que a minha herança será invariavelmente composta por psicopatia e sarcasmo.

ADD – Sou capaz de regressar mais longe que os anos oitenta, quando o teu “Watchmen” e o “The Dark Knight Returns”, do Frank Miller, foram publicados. Na minha opinião, o que poderá ter iniciado a redefinição das personagens, dos super-heróis, poderá muito bem ter sido aquela história que escreveste no “Swamp Thing” na qual representaste os membros da Liga da Justiça, o Batman, o Super-Homem e os outros, como se fossem novos deuses, curiosos em relação à humanidade. É um segmento de quantas páginas? Duas? Contudo, penso que a mudança começou nesse momento.

AM – Quem sabe se a razão está do teu lado… Lembro-me que foi a primeira vez que escrevi sobre super-heróis, no mínimo, os americanos. O Swamp Thing não conta, por que, na altura, era refugo. Para mim, escrever essa história foi voltar a divertir-me com os brinquedos da minha infância, o Flash, o Super-Homem e sentá-los todos no seu grande gabinete cósmico e devolver-lhes o carisma que eles costumavam ter para mim e que, infelizmente, se tinha transformado num sentimento mais próximo de casa. Fi-lo usando pequenos ardis, como nunca os chamar pelo nome verdadeiro e ocultá-los na penumbra. Podes ver uma insígnia pelo canto do olho ou uma silhueta, mas isso é tudo. Sobretudo, quis fazer poesia com estas personagens.

Dizer que uma personagem consegue ver o que acontece no outro lado do globo ou que é capaz de aquecer a antracite o suficiente para a transformar em diamante, como fiz para o Super-Homem, ou que se move a uma velocidade tão intensa que a sua vida se assemelha a uma visita numa galeria de estátuas, como escrevi para o Flash. Falei em poesia e isto, de fato, não é um exemplo de boa poesia, mas constitui um novo olhar sobre estas personagens que temos inclinação a desdenhar, ou a esquecer, por que se tornaram, com o passar dos anos, demasiado familiares e a aproximação que nos liga às coisas e aos assuntos tende, por vezes, a criar essa desilusão. Só pintei uma maquilagem nova sobre o encanto que já existia. O Frank Miller fez a mesma coisa nas páginas do “Daredevil”, não? Quando introduziu outras personagens da Marvel nessa cronologia.

ADD – Tens razão, mas repara que ele não se desviou dos padrões instituídos e nunca nos fez olhar uma personagem conhecida de um modo singular. A mesma acusação é válida para a maioria dos criadores posteriores. É mesmo como dizes: se tivessem considerado a face mais experimental dos vossos trabalhos em vez de se concentrarem no sensacionalismo as coisas poderiam, certamente, ter conhecido outra evolução.

AM – Não duvides e essa face mais arriscada é o que existe de atraente no trabalho do Frank, essa sua mestria narrativa e a inovação constante que ele introduziu no género através das histórias do Demolidor e do Batman, muito mais que o desalento e a testosterona. Seria tão bom se a sua influência penetrasse mais fundo que a camada superficial feita de sexo e violência.

Não vamos dizer, todavia, que tudo o que apareceu depois de “Watchmen” e “The Dark Knight Returns” se encaixa nessa pobre categoria e posso dizer-te que na periferia do mainstream encontras grandes trabalhos que não são clones de nenhum destes títulos, mas ainda assim penso que a nossa herança é maldita e uma péssima desculpa para oportunidades perdidas, o que não desvirtua a qualidade do trabalho do Frank e do meu, obviamente.

ADD – Esta conversa sobre herança vem mesmo a propósito. O teu amigo Neil Gaiman já tornou público o que ele diz ser “a conclusão, ou o fim eminente, de um episódio interminável com um editor desonesto, desleal até ao limite do imaginável”, aludindo ao desfecho do processo que levantou contra Todd McFarlane pela posse dos direitos que envolvem parte do franchise do personagem Miracleman, que tu próprio resgataste e ressuscitaste nos anos oitenta. Passados todos estes anos, o que é que tu gostaria de ver feito com essas histórias que escreveste e qual é a tua opinião sobre o processo-crime?

AM – Estou muito contente pelo Neil, como podes imaginar. Ainda bem que acabou, por que deve ter sido um pesadelo moroso. É sempre ridículo que alguém que não seja o criador venha exigir direitos sobre um trabalho e custa-me a entender essa falta de ética, ou melhor, compreendo-a, mas não posso pronunciar-me sobre ela sem dizer um ou dois palavrões. É algo embaraçoso, seboso até, que acaba por nos sujar a todos e que não oferece uma boa imagem da indústria da banda desenhada, por culpa dela própria, também, já que, infelizmente, casos semelhantes a este são frequentes. Penso que o Neil, chegando impoluto à outra margem desse lodaçal para onde irrefletidamente o quiseram arrastar, comportou-se como um verdadeiro super-herói.

Seria divertido ver reimpressões do Miracleman, para que os leitores não estivessem a pagar preços proibitivos por edições raras guardadas religiosamente desde a sua publicação original. Algum do material apresentado nessas histórias era realmente fantástico, como o escrito pelo Neil, por exemplo, e era bom que ele, em algum momento, tivesse oportunidade para lhe dar continuidade. Ele já me propôs há uns tempos uma parceria com vista à realização de uma conta em que todos os royalties derivados das vendas das reimpressões fossem guardados para serem distribuídos com justiça aos autores que trabalharam na série, como nós ou como o Mark Buckingham.

Parte desse dinheiro podia ir, também, para o Comic Book Legal Defense Fund e se houvesse a infelicidade de um ou outro filme aparecer o dinheiro, os meus royalties pelo menos, poderiam ir diretamente para esse fundo ou ficar no estúdio para serem partilhados pelos criadores envolvidos no projeto, por que eu não quero receber um único centavo de mais um filme adaptado de um dos meus livros, nem desejo ver o meu nome associado a um empreendimento desse género. O ideal era que não se fizessem mais filmes inspirados em livros do Alan Moore. Em vez disso, era mais agradável ver bons trabalhos serem reimpressos por um bom editor, sob uma boa política editorial.
Isso seria uma excelente premissa para o futuro e não digo isto motivado pela ganância de ganhar mais uns tostões com o meu material antigo, mas com a intenção de garantir que criadores como eu e como o Neil não tenham de atravessar campos minados no percurso das suas carreiras, por que, na verdade, temos assuntos muito mais importantes com que nos preocupar.

1953 –

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/alan-moore/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/biografias/alan-moore/