Almas Vintage

Shirlei Massapust

Em mandarim yāo (妖) significa um monstro, geralmente de origem exógena, com corpo formado de ectoplasma modelável, como o ātman (आत्म) do hinduísmo. Este termo passou para o nihongo como prefixo de palavras tais como yōkai (妖怪) ou monstro misterioso, yōma (妖魔) ou monstro mágico, yōtō (妖刀) ou kataná monstruosa, etc. Menos frequentemente yāo pode designar um humano que se tornou feiticeiro ou até um fantasma. Geralmente os imaginamos com má aparência, embora a partícula ocorra também em termos venturosos como yōen (妖艶), que designa uma personagem encantadora, sensual. A palavra utilizada para traduzir o inglês faery (fada) é geralmente yāojing (妖精), em mandarim, yojeong (요정) em hangul e yōsei (妖精) em nihongo.

Um ponto leva a outro. Pelas sílabas de yōkai (妖怪) obtemos os sinônimos yōbutsu (妖物) e kaibutsu (怪物), designando poder de mutação; algo que nos leva em trilha semântica ao bakemono (化け物), um ser com poder de metamorfose, apto a assumir ao menos duas formas distintas. Outras combinações do superlativo honorífico o (お) com bake (化け, mudando, corrompendo)[1] e o substantivo mono (物, objeto) dão-nos as variantes sinônimas obake (お化け) e obakemono (お化け物).[2]

No Japão uma casa mal assombrada é uma bakemono-yashiki (化物屋敷). No folclore oriental o ser humano tem ki (氣), uma força vital que nos sustenta e se espalha pelo meio-ambiente do mesmo modo que deixamos fios de cabelo, células mortas, fragmentos de unhas, suor, etc., para traz. Enquanto nossos restos matérias atraem ácaros que produzem fezes, nossos restos de carga atraem yōkai que, por sua vez, recarregam o ambiente com rastros de sua potência mutagênica e vivificante.

Casas repletas de mobília antiga e objetos que nunca são renovados acumulam carga até as coisas entrarem num estado de existência animista[3] indicativo da corrupção ou mudança, chamado de tamashī (魂), reikon (靈魂), konpaku (魂魄) e hakurei (魄霊)[4] em diferentes épocas. Isto que hoje conhecemos por bakemono é um corpo material (objeto, animal ou pessoa) que prodigiosamente muda daquilo que era antes para algo que vem a ser. Um exemplo: No templo budista Mannenji, localizado em Iwamizawa, Hokkaido, existe uma boneca chamada Okiku (お菊人形), antiga e já bastante erodida.

A tradição oral revela que este item foi comprado por Eikichi Suzuki, um rapaz de dezessete anos, no ano 1918, em Tanuki-Koji, na ilha Sapporo. Eikichi Suzuki deu Okiku à sua irmã de três anos, chamada Kikuko ou Kiyoko. A menina amou o presente e não se separou da boneca até morrer de virose no ano seguinte. Após a cremação do corpo da menina, Okiku foi posta no oratório da família bem ao lado da urna funerária. Com o passar do tempo o corte de cabelo em estilo okappa, antes nos ombros, alongou visivelmente. A família interpretou a mudança como sinal de que a sombra da morta penetrou naquele objeto por osmose, vivificando-o.

Em 1938 a família Suzuki se mudou para Sakhalin e doou Okiku ao templo, onde permanece exposta até hoje, junto à urna contendo as cinzas da falecida. Todos os anos romeiros participam duma cerimônia em memória de Okiku. Dizem que os olhos da boneca causam sensação de vigilância real. Dizem que sua boca abriu e que cabelos continuam a crescer. Graças à boneca, este templo acabou virando atração turística.[5]

É triste quando o bonequeiro, ningyōshi (kanji 人形師, kana にんぎょうし), fabrica o boneco, ningyō (kanji 人形, kanaにんぎょう), com propósitos artísticos e o item acaba na fogueira porque alguém julgou aquele objeto como algo capaz de absorver a moléstia e curar uma criança adoentada quando posto no leito onde ela dorme.

No Japão as bonecas não são apenas brinquedos infantis e muitas vezes representam símbolo da história dos costumes do país. Elas são chamadas de ningyō e ao longo de toda a história do Japão foram sofrendo pequenas modificações. As primeiras referências de bonecos são os haniwa, estatuetas de barro encontradas em tumbas pré-históricas, onde o que menos contava era o apelo decorativo. No período Heian (794-1185) eram usados para afastar demônios.

Inicialmente as bonecas eram muito simples, moldadas em palha ou papel sendo que as primeiras serviam para afastar epidemias e eram colocadas nas fronteiras das antigas aldeias. E para purificar corpo e alma, se usavam bonecas feitas de papel que depois eram jogadas no rio para levar embora os maus fluídos. (…) Durante o fechamento do país para o mundo, no período Edo (1603-1868), o país desenvolveu uma cultura própria. Neste período as bonecas ainda carregavam uma forte superstição pois muitas pessoas as tinham como amuleto para afastar pragas de plantações ou para garantir um bom parto. Mas foi em meio a esta mentalidade que surgiram as karakuri, bonecas que tocavam instrumentos e dançavam através de um sistema simples de cordas retorcidas, roldanas e fios.[6]

Noutro artigo já mencionamos a lenda da yōtō (妖刀), espada de uso bélico que se apega à sua função social, tem sede de sangue e induz qualquer usuário a continuar matando mesmo em tempos de paz. Outros artefatos de uso militar também podem ganhar vida, conforme narrativas folclóricas e artísticas. O abumi-guchi (鐙口) é o estribo de hipismo, utilizado por um comandante militar, que com o tempo se transforma numa criatura peluda.[7] Certa vez Ozamu Tezuka preencheu uma página do gibi Dororo (どろろ) com um único quadro onde equinos sem cabeça, de pescoços flamejantes, galopam assustando o protagonista. Parecem com a mula-sem-cabeça do folclore brasileiro.

Não é normal num gibi que o desenhista gaste uma página inteira com apenas um quadro, especialmente contendo uma cena desprovida de pertinência temática com o roteiro. Na página seguinte o menino sonha com o passado, lembrando de como ele se tornou um órfão predestinado à vida de ladrão.[8] Seriam aqueles cavalos de guerra decapitados anunciadores de pesadelos?[9] Na esperança de obter mais informações procurei pela primeira versão animada de Dororo (どろろ; 1969) cuja música da abertura e encerramento é pausada pela recitação de poemas por uma voz feminina. Na primeira interrupção ela fala sobre as posses do samurai moeru yoroini (燃えるよろいに) ou “armadura flamejante” e moeru uma (燃える馬) ou “cavalo flamejante”:

赤い夕日に照り映えて

燃えるよろいに燃える馬

天下めざしてつきすすむ

 

No crepúsculo vermelho

Armadura em chamas, cavalo em chamas

Correndo veloz, galopando pelo mundo[10]

Na abertura do remake de Dororo (どろろ; 2019) vemos a cena do quadrinho onde vários cavalos sem cabeça galopam numa fração de segundo e não tornam a aparecer no seriado em si, assim como nunca vemos a cena da putrefação do cadáver do protagonista igualmente presente naquela amostragem.

Nossa energia impregna num animal doméstico mimado em excesso do mesmo modo que entra em objetos estimados. Por isso a forma primária dum bakemono pode ser um ser vivo, como o bakeneko (化け猫, gato metamorfo). Um animal selvagem que atinge idade avançada para muito além do normal também se transforma, como o bake-danuki (化け狸, tanuki metamorfo). Isso é o contrário das lendas ocidentais de homens que viram animais (lobisomem, capelobo, etc.) pois no caso nipônico é o gato, o tanuki, a raposa, etc., que vira gente temporariamente ou reencarna como gente.

Quando itens domésticos ganham vida e senciência eles ainda estão apegados aos velhos usos e atuam de modo obsessivo compulsivo. Sendo assim, na China uma zhǒu shén (箒 神), chamada no Japão de wawakigami (ははきがみ), é uma vassoura que, descontroladamente, varre sozinha as folhas que caem em dias de vento frio.[11]

Objetos domésticos de uso regular só se tornam agressivos quando passionais, podendo buscar vingança contra pessoas que os inutilizaram ou os jogaram no lixo. Por conta disso, alguns santuários oferecem o serviço de “consolar” objetos quebrados ou que não são mais usados.[12] Muitos países como a Tailândia, por exemplo, constroem templos para alguns objetos com fama ou origem sobrenatural.[13] No Japão cerimônias de consolação são realizadas em templos budistas e xintoístas. Por exemplo, existe o festival hari kuyō (針供養), celebrado em 8 de fevereiro na região de Kanto, mas em 8 de dezembro nas regiões de Kyoto e Kansai, onde as costureiras levam suas agulhas quebradas para agradecer os préstimos antes do descarte.[14] Assim elas não as furam.

Ningyō kuyō (人形供養) é um serviço de memorial para bonecas antigas, com presença de gueixas e monges, onde as famílias agradecem os préstimos dos objetos que cumpriram sua função social fazendo companhia e protegendo suas crianças, mas que perderam a utilidade e foram entregues à cremação. Isto ocorre desde sempre no templo zen-budista Hōkyō-ji (宝慶寺), em Kyoto, conhecido como Templo dos Bonecos devido ao seu acervo de peças imperiais coletadas e acumuladas durante séculos.[15] Posteriormente o mesmo costume foi introduzido no templo Kiyomizu Kannon-dō (清水観音堂), em Tokyo, e virou matéria da revista Superinteressante (agosto de 1992).

No Japão, até hoje as duas definições (boneca e ídolo) se misturam tanto quanto se misturavam entre romanos e gregos. Há pelo menos 900 anos, todo dia 3 de março, as meninas reverenciam a casa imperial reunindo suas bonecas prediletas numa grande festa. Uma a uma, todas as bonequinhas são visitadas, apresentadas às amigas e, durante o chá, têm o privilégio de serem servidas em primeiro lugar. (…) Para os japoneses, bonecas têm espírito. (…) Ainda hoje, muitos japoneses acreditam que, colocada no leito de uma criança doente, a boneca pode levar a moléstia embora. Se presenteadas no dia do casamento, são consideradas símbolo de prosperidade e felicidade conjugal para o jovem casal. Há pouco mais de vinte anos, o sindicato dos fabricantes e comerciantes de Tóquio aproveitou a deixa dessa crença para promover um grande lance comercial chamado ningyō kuyō. Tradução: “consolo da alma das bonecas”, ritual de cremação que se tornou tradicional na capital japonesa. Todo dia 25 de setembro, as mulheres estéreis que obtiveram a graça de ter um filho levam uma boneca para ser cremada no templo Kiyomizu-Kannon-dō. A ideia é que, queimando a boneca, seu espírito carregado do desejo de maternidade vai embora com a fumaça e a criança pode crescer em paz. Vai-se o espírito infantil, fica o comercial.[16]

Na antologia de poemas Ise monogatari (伊勢物語), seção 63, datada do século IX, lemos a palavra tsukumogami (つくも髪) referente aos cabelos brancos, kami (髪), duma idosa. Setecentos anos depois o autor-ilustrador do pergaminho Tsukumogami emaki (付喪神絵巻) explicou que o intraduzível prefixo tsukumo na palavra tsukumogami (desta vez 付喪神) também poderia ser escrito com o kanji 九十九, que significa um período de noventa e nove anos. Sendo assim uma ferramenta ou utensílio doméstico desenvolveria um espírito evoluído após a passagem de noventa e nove anos. Mas há um problema: A truncagem de kami (髪, cabelo) por kami (神, divindade) sugere que ele não entendia o sentido original de tsukumogami ou formulou um homônimo homófono.            Segundo o pergaminho do século XVI, à época as pessoas descartavam objetos antes de completarem o período chamado de susu-harai (煤払い). Conforme exposto, se demorassem mais a ferramenta “mudaria e adquiriria um espírito, e enganaria o coração das pessoas”. Tal ensinamento constaria no livro Onmyō Zakki (陰陽雑記), livro que também informaria sobre a coisa vivificada que assume aparência humana, tanto masculina quanto feminina, tanto idosa quanto jovem; bem como “a semelhança de chimi akki” (aparência de oni) e “a forma de korō yakan” (forma de animais), entre outras. Seu aspecto após a mutação é referido com palavras como youbutsu (妖物).[17]

Há dúvidas sobre se o susu-harai é, de fato, um período de exatos noventa e nove anos porque tsukumo (九十九) pode se referir literalmente a um número ou, menos precisamente, a uma hipérbole no sentido de muito tempo. A boneca Okiku só precisou de um ano para adquirir uma natureza espiritual pois isso representou um terço da vida de sua dona, que a amou com intensidade, agonizou e morreu com ela. No primeiro volume do romance gráfico Tokyo Babylon (東京BABYLON), do grupo CLAMP, editado pela Shinshokan, em 1990, uma personagem adoece e apresenta comportamentos estranhos após comprar uma jaqueta numa liquidação de roupas. Subaru descobre que a jaqueta ficou carregada de energia negativa por conta da competição da clientela por aquele objeto, ao ponto de aquilo necessitar de exorcismo.[18]

Papéis encantados

No Japão, em templos da religião xintó, são vendidos ofuda (御札), que são amuletos de papel produzidos por monges para atrair o amor, a saúde, a prosperidade financeira e até proteger contra mal olhado e fantasmagorias. Do mesmo modo, no taoísmo e noutras religiões chinesas, existe o jufu (呪符) ou gofu (護符), amuleto de papel ou madeira produzido para finalidades que mudam conforma a inscrição.

Os ofuda tem efeito imediato porque o monge xintó é competente para canalizar a energia dos kami (神) aos quais ele presta culto. Porém existem métodos para o leigo carregar papel com os eflúvios energéticos de origem humana, de modo voluntário ou involuntário. Hoje há todo um ritual construído em torno da tradição de confeccionar, expor e descartar o washi ningyō (和紙人形); um ningyō (人形) ou boneco feito de washi (和紙), tipo de papel artesanal feito a partir das cascas das árvores das amoreiras.

Livro de arte com fotografias de washi ningyō produzidos pela artesã japonesa Eika Ito.[19]

Dizem que o washi ningyō teria o poder de remover a dor quando posto no leito dum enfermo que dorme. Logo depois, o boneco descartável carregado pela energia da enfermidade deve ser cremado ou levado para longe e dissolvido em água.

Fotos: 1) washi ningyō produzidos pela fábrica Kyugetsu representando Shinzo Abe, o Primeiro Ministro do Japão, e Caroline Kennedy, Embaixatriz dos Estados Unidos no Japão. (Foto © 2014, The Japan Times). 2) Monges levando um barco cheio de bonecos para o rio.

Com o passar dos séculos este rito individual originou uma festa coletiva. Hina-ningyō (雛人形) é um washi ningyō introduzido no festival Hinamatsuri (雛祭り), o “Dia das Meninas”, realizado anualmente por japoneses e italianos descendentes de japoneses. Neste festival inúmeros bonecos são expostos sobre carpete vermelho.

Bonecos de papel ou palha representando a corte imperial, com roupinhas em estilo antigo, são levados para templos onde ficam expostos ao público desde meados de fevereiro até o dia três de março. Depois o excesso é cremado pelos monges. Contudo, muitos ainda chegam ao fim do procedimento onde as pequenas figuras humanas são postas para navegar à deriva em barquinhos de madeira, empurrados pela correnteza dos rios ou pelo movimento das ondas.  Estes se tornam hina-nagashi (雛流し), bonecos flutuantes, que levam as doenças e problemas com eles para longe.

No Brasil existe um costume parecido onde, no dia do Réveillon, os umbandistas pulam sete ondas na Praia de Copacabana e enviam oferendas para Iemanjá dentro de réplicas de barcos em miniatura que podem ou não conter uma imagem da santa.

No Japão até um maço de papel pode ser imbuído de poder mágico. Kyōrinrin ( 経凛々) é um bakemono resultado da transmutação de pergaminhos, livros, etc., que foram negligenciados e deixados sem leitura[20] por bastante tempo. Antigamente o papel branco era produzido com fibras da planta chamada asa (麻) ou o (苧), conhecida em botânica como Cannabis sativa. Havia grandes campos de plantações destinadas a este fim. Na ausência de nanquim a tinta era obtida de materiais biológicos, como gema de ovo e sangue animal. Segundo Aline Ribeiro, durante o shogunato de Tokugawa (1853-1867) os samurais eram submetidos a um rito de passagem:

A lealdade tinha certos rituais muito profundos, como um “contrato” firmado entre o guerreiro e seu daimyō. O documento era escrito com o sangue do próprio samurai, assinado e, logo em seguida, queimado. As cinzas eram dissolvidas em água e bebidas, fazendo com que se criasse um laço eterno entre a linhagem do samurai e a do senhor.[21]

Coisas estranhas acontecem quando um papel impregnado de energia aleatória não é cremado nem exposto aos elementos. Muitos acreditam que o shōji – tipo de porta deslizante feita de papel de arroz, – assim como as fechaduras e outras benfeitorias necessárias do lar, se transmutam em mokumokuren (目目連) e tendem a criar muitos olhos quando deteriorados e esburacados pelo tempo ou pela má conservação.[22]

A lanterna chōchin (提灯お), feita de bambu ou papel de seda, é um objeto de grande beleza, onipresente na decoração nipônica. O yóuzhǐ sǎn (油纸伞), um guarda chuva de papel em estilo chinês, é estruturalmente semelhante ao kasa (傘), o guarda-chuva comum, porém se trata dum item decorativo que os noivos carregam na cerimônia de casamento. Se alguém decidir guardar estes apetrechos perecíveis e descartáveis, em algumas décadas eles se tornarão os monstros folclóricos chōchin-obake (提灯お化け) e kasa-obake (傘おばけ)[23]. Assim como um gato doméstico muito mimado pode se tornar um bakeneko (化け猫), um tanuki eventualmente evolui para bake-danuki (化け狸) e outros animais da fauna local se convertem nas mais variadas fantasmagorias.

Um kasa-obake não precisa necessariamente evoluir de um yóuzhǐ sǎn, mas suponhamos que assim seja. Como todo bakemono ele é um objeto imbuído da força vital projetada por alguém que congelou sentimentos experimentados à época de sua posse. Quem não deseja mudar de atitude ou de opinião faria bem em ter um bakemono amigo. As emoções impregnadas na memorabilia nupcial carregariam e vivificariam o objeto de estimação que transmuta a haste de sua alma artificial num corpo sutil e abre as asas na forma do animal que lhe é mais semelhante: Um elegante morcego.

Este quiróptero etéreo promoveria a união do casal evocando a lembrança daqueles momentos felizes. Enquanto o objeto existisse, ele faria tudo para não deixar seus proprietários se separarem, brigarem ou pararem de desejar um ao outro. Contudo, se fosse jogado fora ou acabasse nas mãos de outrem, por herança ou mero acaso, tumultuaria a vida alheia tentando controlar sua vontade para realizar sua função social. Enfim, o novo dono viraria um mulherengo, um libertino, ou se apressaria a casar.

Ilustração de Hokusai representando um chōchin-obake (1826/1837) e detalhe de uma ilustração de Yoshitoshi (1839-1892) figurando um provável kasa-obake ou morcego associado ao guarda-chuva. Ele pode ser a alma do objeto porque, em nihongo, uma das palavras sinônimas tanto de quirópteros quanto de guarda-chuvas é kōmori (コウモリ ou こうもり), por causa dos dedos e estruturas que suportam tecidos esticados. Cesar Gordon observou que em mebêngôkre, o idioma dos indígenas Kayapó, os guarda-chuvas também são chamados de morcegos (njêp).[24]

No início não havia nenhuma padronização da aparência de objetos mutantes na arte nipônica. E nem seria lógico se houvesse; afinal, eles têm poder de mutação. Hoje, contudo, a variação na aparência depende do tipo de item que os originou, assim como as condições de como o objeto estava. [25] Imagens da lanterna chōchin-obake (提灯お化け), do guarda-chuva kasa-obake (傘おばけ), do chinelo de palha bakezōri (化け草履) e doutros objetos que viram obake muitas vezes os mostram fazendo careta, com língua de fora, certamente por influência do padrão iconográfico estabelecido na era Kanei (1848-1853) pelo bonequeiro Hikoshichi Nishijinya (西陣屋彦七), natural da cidade Kumamoto, criador do boneco mecânico obake no Kinta (おばけの金太).

Arte em de papel machê: 1) Cabeças vermelhas e outros brinquedos obake no Kinta que exibem as línguas na Loja de Bonecos Atsuga (厚賀人形店), em Kumamoto, Japão.[26] 2) Máscara “O Linguarudo” representando o diabo, produzia por Dionísio (1909-2007), em Niterói, RJ, Brasil.

Este brinquedo folclórico tem aspecto duma cabeça humana ou animal de papel machê, fixada sobre haste de bambu, com engrenagens internas que permitem mover os globos oculares, abrir a boca e mostrar a língua quando puxamos uma corda.[27] Os descendentes de Hikoshichi Nishijinya ainda fabricam o brinquedo e explicam que seu nome era Kinta, porém alguém se assustou com o movimento e supôs ser um obake.

Oposição entre valores morais e pecuniários

Uma antiga lenda diz que Bodhidharma () atingiu o nirvana meditando durante nove anos numa caverna. Durante esse exercício meditativo ele permanecia imóvel, observando fixamente o vazio numa posição chamada bìguān (壁觀) ou “olhar perene” até suas pupilas ficarem reduzidas ao tamanho mínimo. Depois que o fundador do zen-budismo na China se mumificou em vida, os chineses começaram a esculpir santos e brinquedos verdadeiros sem pupilas em sua homenagem, transmitindo a tradição aos japoneses que hoje fabricam o boneco-amuleto Darumá (だるま).

Diz a lenda que Bodhidharma meditou em uma caverna por 9 anos sem nem ao menos piscar. Sua persistência foi tão forte, que ele continuou sem parar mesmo depois de seus braços, pernas e pálpebras caírem. Essa lenda (…) é a origem do formato redondo do Darumá. Os Darumás possuem mais peso na parte inferior para que fiquem de pé, não importa quantas vezes sejam derrubados.[28]

Na tradição zen-budista japonesa o devoto compra o Darumá cego, pinta uma pupila no olho esquerdo e faz um desejo. Quando o Bodhidharma atende este desejo o devoto retribui concedendo a visão do olho direito, desenhando a pupila que falta. Esses são bonecos inarticulados, humildes, feitos de materiais baratos, geralmente vendidos em feiras e festivais religiosos, mas também em lojas de souvenir. Ao fim de um ano é preciso devolver o Darumá para qualquer templo, onde ele será queimado num ritual, liberando o seu espírito. Esse ritual pode ser individual ou coletivo. Em razão da enorme demanda, desde 1954 o templo budista Nishiarai Daishi (西新井大師) promove o festival Darumá kuyō (だるま供養) onde milhares de exemplares são queimados juntos.

No Japão, China e Coréia do Sul é comum encontrar bonequeiros e vidraceiros produtores de olhos para bonecos de Resina PU com opções de íris monocromática, sem pupilas, disponíveis inclusive em cores fantasia como salmão e vermelho vivo. A artesã chinesa Heise Jin Yao (黑色禁药) é uma entre os muitos comerciantes de olhos para BJD que parodiam a iconografia do Darumá. Porém seus bonecos não são santos conservadores e ninguém os queimaria em sã consciência, pois hoje cada um chega a valer mil dólares americanos. Eles são personagens fantásticos de novelas de temática BDSM. Um deles, Huika (毁卡), teve o nome inspirado por Huìkě (慧可), discípulo de Bodhidharma, segundo patriarca da escola de zen-budismo na China, historicamente conhecido por haver sido um nobre de pouca virtude, pouca sabedoria, coração raso e mente arrogante, descendente direto de Sidarta Gautama.

O filme de horror coreano The Doll Master (인형사; 2004), dirigido por Yong-ki Jeong, foi patrocinado pela Ai Dolls, atual Custom House. Imagine como seria se a indústria estadunidense Mattel, produtora da boneca Barbie, patrocinasse um filme protagonizado por uma Bárbie assassina. Foi exatamente isto que a Custom House fez com seus preciosos produtos! Estariam decretando a obsolescência e recomendando aos proprietários que cremem todos os modelos antigos, a serem substituídos pela nova coleção? No Brasil juristas formulariam hipóteses de crime contra a economia popular; pois, se não destruir, papões com mãos geladas puxarão seus pés para baixo da cama!

Verificamos que o filme The Doll Master retrata fielmente a antiquíssima crença oriental de que certos objetos inanimados podem prejudicar seus donos quando tratados de modo irregular. Ou seja, que “se você se apegar a um objeto e andar sempre com ele a coisa pode formar uma alma”, e que objetos inanimados “como uma rocha, uma boneca ou uma casa” pela qual alguém se apega desmesuradamente, obsessivamente, acabam carregados de sentimentos deletérios que eles reproduzem e irradiam.

Esta obra de ficção apresenta vários resultados para o que acontece quando objetos feitos de Resina PU desenvolvem alma por culpa de seus donos: Damian, um boneco articulado por elásticos internos (BJD), foi adotado e transportado pela mesma pessoa durante dezenove anos, sete meses e vinte e oito dias. Esta mulher tímida se tornou ouvidora de vozes e dialogava com a coisa. Virou uma excluída social. No mesmo filme uma designer de bonecos encontrou um manequim sentado sobre um túmulo. O espírito vingativo do manequim passou para o corpo da mulher e começou a perseguir todos os descendentes do assassino do seu criador. A artesã possessa disse:

Eu acredito que meu trabalho da vida aos objetos inanimados. (…) Você nunca possuiu coisas às quais era apegado? Você já ficou triste após perder aquelas coisas? Eu penso que quando os objetos perdem seus donos, eles ficam tristes também. Você sabia que quando algo está perdido, há algumas ocasiões em que parece que ele nunca desapareceu do seu local de origem? Eles retornam para os seus antigos donos.

Mina, outra BJD, ganhou alma quando sua dona sofreu um acidente. Com o tempo a menina enjoou da boneca e jogou fora, mas a boneca não enjoou da menina. Mina passou a perseguir sua dona, inconformada com o descarte e esquecimento. A boneca era capaz de projetar seu espírito em forma humana diante da antiga proprietária, fazendo-a acreditar que dialogava com uma menina de verdade enquanto os outros a viam falar sozinha. Por isso aquela mulher deixou de ser uma modelo desinibida e bem sucedida. Ela acabou igualmente rotulada como louca.

O exemplo da BJD Mina, de The Doll Master, é idêntico ao da pequena boneca de porcelana Mary, que aparece no episódio 11 do anime Histórias de Fantasmas (学校の怪談; Japão, 2000), Mary reencontrou o caminho de casa e voltou, querendo brincar, mas só achou a filha órfã da sua falecida dona, que era bastante madura e não gostava de bonecas. O brinquedo problemático assombrou a adolescente até ser entregue a um templo budista onde um monge explicou que o certo teria sido cremar os pertences da falecida junto ao corpo na data do óbito. Enfim, nestas obras de ficção as almas dos brinquedos amados sempre requerem mais amor e as dos brinquedos maltratados devolvem a violência às pessoas. Assim todos continuam absorvendo energia alheia.

Propaganda da microempresa sul-coreana HyperManiac, onde são comercializados personagens da designer de bonecos Ka-Hyun.

No sexto episódio da série Witch Hunter Robin (2002), criada por Sunrise e pelo diretor de animação Shūkō Murase, uma jovem bruxa diagnosticada com transtorno de personalidade múltipla transfere suas personalidades para várias bonecas até restar só uma delas em sua mente.  No seriado Another (アナザー; 2012) a filha duma bonequeira extrai um olho tomado pelo câncer e equipa um olho de vidro, um olho de boneca, que transmuta e lhe dá capacidade de ver o mundo sob a perspectiva de um bakemono.

No segundo episódio da primeira versão do seriado Vampire Princess Miyu (吸血姫美夕; 1988), de Narumi Kakinouchi e Toshiki Hirano, algumas pessoas foram transformadas em bonecos articulados por uma criatura de mesma espécie que lhes prometeu beleza eterna. A energia emitida pelos embonecados sustentava o bakemono, porém a Princesa Miyu nada obteve ao mordiscar um aparentemente saboroso menino de plástico. No meio de tudo um personagem coadjuvante se recusou a comprar um brinquedo para sua filha: “Você não acha que as bonecas japonesas são assombradas? O folclore diz que o cabelo das bonecas cresce, e outras coisas deste tipo”.

No desenho animado Dantalian no Shoka (ダンタリアンの書架), sexto capítulo Funsho kan (焚書官), que foi ao ar no Japão pelo canal TV Tokyo, em 19/08/2011, os personagens protagonistas descobrem que todos os coadjuvantes moradores duma cidade misteriosa são bonecos articulados transformados por meios mágicos em shikigami (式神) para servirem de receptáculo das almas dos mortos.[29]

Isto parece uma versão em roteiro de horror da história real da aldeia Nagoro, situada na ilha de Shikoku, Japão, onde a artesã Tsukimi Ayano (月見綾乃) enfeitou áreas públicas e prédios vazios com centenas de bonecos de pano forrados com palha, jornal, etc., para combater a solidão, de modo que sua arte ocupa hoje os lugares dos mortos e dos moradores abduzidos pelo êxodo rural. Esses bonecos são mantidos limpos e substituídos quando se deterioram. Quando a quantidade de falsas pessoas superou a população humana na proporção de dez para um, agências de turismo passaram a chamar Nagoro de Kakashi No Sato (かかしの里), a Vila dos Espantalhos.[30]

Bonecos para um vampiro

Na primeira vez em que assisti ao filme Higanjima (彼岸島; Japão, 2010) pensei que Miyabi (雅) fosse um baquemono tsukumogami pois este personagem, interpretado pelo ator e modelo fashion Louis Kurihara (栗原 類), têm uma presença estética bastante diferenciada da dos demais vampiros. O seu nome significa elegância, refinamento ou cortesania, podendo designar um metrossexual, um destruidor de corações. Enfim, ele parece um boneco e foi achado num templo repleto de bonecos. Além do mais, o jogo Ragnarök Online apresenta uma versão da futa-kuchi-onna (二口女) chamada Miyabi Ningyō (雅人形) vivendo num mapa que obviamente inspirou a criação do labirinto que aparece no capítulo 295 do primeiro romance gráfico da outra franquia.

Miyabi (Louis Kurihara) em Higanjima (彼岸島; Japão, 2010).

Porém tudo se explica no capítulo 39 do romance gráfico, com roteiro e desenho de Kōji Matsumoto (松本 光司).[31] Uma mutação genética ocorrida numa família nobre criou os vampiros. Miyabi foi aprisionado num frigorífico. Durante os cinquenta e sete anos em que esteve preso os ilhéus oraram e construíram ao seu redor. Fizeram um altar para oferendas de alimentos e prosseguiram com as benfeitorias até o local virar um templo ornamentado com estantes de bonecos representando vampiros. No exterior erigiram um torii[32], uma escadaria e tudo que um templo tem direito. Enfim, tentou-se de tudo para apaziguar o vampiro exceto deixa-lo escapar do confinamento.  Foi assim até que um turista desinformado e curioso cometeu o erro de abrir a prisão.

Às vezes os seres humanos imaginam que deuses abstratos precisam de olhos e corpos para representação. O mesmo acontece com fantasmas. Em Chihuahua, México, uma loja de roupas chamada La Popular se transformou em atração turística por ostentar a mesma manequim na vitrine desde 25 de março de 1930. Esta manequim com olhos de vidro está sempre vestida de noiva e foi chamada de Pascualita por parecer com Pascuala Esparza, filha da primeira proprietária da loja, que morreu envenenada pela picada duma aranha viúva negra bem no dia do seu casamento.

Desde o início as pessoas espalharam a lenda urbana de que Pascualita observa os clientes da loja e muda de posição à noite. No Japão, a desenhista Naoko Takeucki parodiou uma lenda urbana semelhante: Até 1992 existia uma loja de vestidos de noiva num shopping de Minami Aoyama, que, para chamar atenção, posava uma manequim prestes a pular da janela do terceiro andar. Muitos transeuntes se assustaram pensando ser uma suicida e contaram estórias. Na versão fictícia do quinto ato do romance gráfico Sailor Moon esta noiva manequim[33] foi animada pela yōma (妖魔) do corpo redivivo do avatar dum shitenōu (四天王) controlado por poderes das trevas e pulava da sacada à noite procurando noivos para extrair energia (精力) e, com isso, nutrir o Dark Kingdom[34].

O sepultamento da cultura

Na vida real enquanto milhares de pessoas comparecem ao Darumá kuyō, dispondo peças para consolação e cremação, e bastante gente leva washi ningyō ao festival Hinamatsuri, como deve ser, somente poucas dezenas participam do ningyō kuyō. E mesmo assim a maioria leva washi ningyō, evitando o desapego de bens duráveis e dispendiosos que são o verdadeiro foco desta bonita cerimônia religiosa.

Fica óbvio que japoneses têm dó de entregar qualquer item superior a bichos de pelúcia. Coisas boas são revendidas, pois a maioria entende que o ideal é cremar no templo aquilo que se faz pelo templo e para o templo. Ou então os próprios monges preservam brinquedos seletos para a não-cremação conforme critérios misteriosos.

Se o problema ainda não ficou claro observem o polêmico artesão chinês Ryo Yoshida (吉田 凌) cremando duas bonecas de terracota que ele mesmo esculpiu, numa ilustração da monografia Articulated Doll, Anatomy of the Ball-Jointed Maiden (2007). Tenha em mente que seis bonecas articuladas, em tamanho humano, esculpidas por Ryo Yoshida entre os anos 1986 e 1999 constam na exposição permanente 球体関節人形展・Dolls of Innocence, do Museu Nacional do Japão.[35] Estando o artista vivo e atuante, o valor mínimo para essa categoria de arte gira em torno do equivalente a quatro mil dólares americanos. Então são pelo menos oito mil dólares em obras de arte com qualidade de museu crepitando no fogo. (Pense no Coringa queimando dinheiro).

O que acontece quando monges pedem para cremar uma categoria de bonecos que custa vários salários mínimos? O homem médio obedece ou questiona? Um artista consagrado como Ryo Yoshida pode se dar ao luxo de capitalizar a religião vendendo livro e postais com foto do rito secular, porém os colecionadores guardam itens valiosos mesmo que sejam objetos agourentos. Geralmente, quando solicitado, o colecionador leva qualquer treco dizendo “este é meu boneco”, os monges educadamente fingem que foram enganados e os bonequeiros se divertem desconstruindo o dogma.

A ideia duma dimensão espiritual intrinsecamente relacionada à produção de bonecos aparece ludicamente sugerida nos nomes-fantasia de microempresas sul-coreanas e chinesas, surgidas no século XXI, fabricantes de peças em Resina PU, a exemplo da Loong Soul (龙魂人形社; alma de dragão), Immortality of Soul (imortalidade da alma), Resin Soul (alma de resina), Souldoll (boneca com alma), Angel Studio (fábrica de anjos), Illusion Spirit (espírito ilusório), etc. No catálogo da Souldoll o nome do modelo Kagel vem de kage (影, sombra) e ele existe nas versões humano e vampiro.

O ateliê chinês ★ANother Secret★ produz cabeças para montagem de bonecos e possui uma coleção chamada Hyakki Yakō (百鬼夜行) que leva o nome duma folclórica parada onde uma centena de yōkai percorre as ruas à noite, aterrorizando os humanos.

Esses bonecos orientais de Resina PU destinados ao nicho do hobby específico já não são tão enormes e dispendiosos quanto as peças de terracota e porcelana fria em escala 1/1, mas ainda são maiores que a escala 1/6 adotada perlo padrão ocidental, custando em média de trezentos a setecentos dólares, salvo casos excepcionais.

Por que os bonequeiros do século XXI descontroem e subvertem a religiosidade popular? Quem fabrica peças para consumo em território nacional e internacional são predominantemente mulheres vivendo em países onde a lei e os costumes estabelecem salário diferenciado para o sexo masculino, a fim de assegurar a posição hierárquica do homem como arrimo de família. A existência de artistas de sexo feminino ganhando mais do que o homem médio nas indústrias de publicação de mangás shoujo e josei, nas fábricas de bonecos, etc., quebra todos os tabus. Elas chefiam os seus negócios.

A classe conservadora se mostra hostil às mulheres trabalhadoras e seus iguais, que retribuem com deboche e – no caso das bonequeiras – chegam a utilizar o ônus do folclore como propaganda indireta ao promover produções de horror, como The Doll Master (2004) e Rozen Maiden – Träumend (2005). Afinal, já dizia o velho bordão: “falem mal, mas falem de mim”. Entretanto, não podemos descartar a possibilidade de às vezes estarmos importando objetos feitos por algumas pessoas que sinceramente acreditam na tradição local e tiveram a intenção de nos vender seus receptáculos de programação energética sujeitos ao ganho de vida artificial.

Resumo geral: fluxo e refluxo energético

A queima de artefatos não é uma realidade apagada no ocidente. No Brasil, nos Estados Unidos e noutros lugares onde organizações religiosas cristãs possuem grande influência no ambiente cultural, existe uma ostensiva propaganda de “batalha espiritual” ordenando o exorcismo de pessoas e a queima de determinados objetos passíveis de canalizar a possessão demoníaca (normalmente brinquedos, revistas em quadrinhos, filmes, discos de vinil, camisetas com estampa de banda musical, livros de biologia lecionando sobre os princípios da seleção natural e da ancestralidade comum, etc.).

Isso é diferente do que acontece no oriente porque o cristão queima os objetos proscritos com desdém, em nome Jesus, lutando contra o Diabo, enquanto o zen-budista crema com respeito. O bakemono do folclore nipônico não é um objeto possuído por anjo rebelde. Ele ficou impregnado de energia desprendida por um ou mais humanos e fixou-a como uma espécie de programação, passando então a reproduzi-la e irradiá-la. Ou seja, qualquer objeto pode adquirir o poder de congelar sentimentos havidos à época de seu uso. Por isso quando qualquer coisa absorve um malefício o prejuízo se torna parte da coisa e ela precisa ser destruída, mesmo que seja uma estátua de santo.

A sabedoria oriental aconselha a consolar e cremar, como se morto fosse, quase tudo que vira bakemono porque não é possível transformar tantas coisas em artigos de devoção. Se uma coisa dessas for doada para caridade ou jogada no lixo ela continuará amando e sofrendo, ficará ressentida e retornará ao usuário, podendo expressar desejo de vingança. Depois, em caso de morte do usuário, a herança buscará os herdeiros.

O ser humano exala grandes quantidades de energia durante momentos de angústia, stress, paixão, etc. A energia exalada por um estressado, por exemplo, ficaria impregnada na casa como a poeira que se acumula atrás dos móveis. Isso faria com que os objetos inanimados se transformassem em verdadeiros depósitos de stress. Visitas que sentassem num sofá estressado perderiam a alegria e ficariam estressadas em decorrência da contaminação. Nem o proprietário da coisa conseguiria melhorar e mudar de humor, pois ele continuaria a absorver e exalar o seu próprio baixo astral.

Todos nós conhecemos contos folclóricos sobre imóveis que influenciam novos habitantes porque, no passado, houve ali algum crime violento ou alguém morreu de doença grave, em intensa agonia. Antigos hospícios enlouquecem visitantes. Antigas prisões e cemitérios geralmente são mal assombrados. Museus também. Todavia nem todos as coisas são tão grandes ou carregam experiências tão intensas. A diferença entre uma boneca carregada, uma memorabilia nupcial e uma espada de guerra é que a boneca quer brincar, a memorabilia quer presenciar o amor e a espada quer matar.

Várias narrativas descrevem coisas dotadas de pouca inteligência, emotividade excessiva e inclinação ao cometimento de crimes passionais. Quem descarta algo que foi um dia muito amado deixa a coisa saudosa, indignada, ciumenta e enraivecida.  Um bakemono criado a partir dum objeto superestimado será intensamente passional. Quando um homem vive intensamente a paixão por uma companheira ele está feliz, mas quando o sentimento acaba e a mulher rejeitada demonstra um ciúme doentio, ela o persegue e o faz infeliz. Com bakemono é a mesma situação.

Um objeto dotado de espírito precisa ser consolado em sinal de agradecimento e, depois, diluído em água corrente ou cremado para que descanse em paz após a prestação de serviços. Depois que um item não descartável promove uma cura absorvendo um malefício por osmose, a energia negativa absorvida se torna parte da coisa e o objeto precisa receber limpeza espiritual para não causar um refluxo, um efeito reverso, contaminando o ambiente.

Quem não deseja mudar de atitude ou opinião não precisa cremar o bakemono. Ele é literalmente sua alma gêmea (a menos que esteja possuído por um yōkai). Tem gente que programa cristais para catalisar a energia canalizada pelo Eu superior na intenção de auxiliar a si mesmo a manter o foco no serviço ou num objetivo a ser alcançado. Tudo bem se você se apaixonar por um brinquedo, permanecer com ele durante setenta anos e alguém depositar isto no seu túmulo. Provavelmente vocês serão felizes para sempre. O problema não existirá até que você deixe de ter prazer na interação com algo que passou a lhe causar vergonha e incômodo, que te deixa infeliz e escraviza como um vício. Desse jeito este velho amigo pode paralisar a vida do dono.

Não importa se o folclore alerta sobre a possibilidade de o espírito do vampiro de brinquedo sair do baú à noite para penetrar nos seus sonhos e mordiscar seu pescoço. As vezes a carga mitológica só agrega valor ao item de estimação, assim como histórias de fantasmas incitam a curiosidade sobre prédios históricos. Certa vez, no programa Trato Feito, o proprietário duma estátua de cavalo forjada no velho oeste estadunidense ficou feliz por encontrar nela um furo porque no que diz respeito às antiguidades do velho oeste “buracos de bala sempre deixam a coisa interessante”.

Bibliografia recomendada:

AMBROSIUS, Mario. 球体関節人形展・Dolls of Innocence. Tokyo, Nippon Television Network Corporation, 2004. 152p.

ITO, Eika (伊藤 叡香). Washi ningyō o tsukuru和紙人形を創る」. Japão, MPC (エムピーシー), 01/06/2002. 140p

YOSHIDA, Ryo. Articulated Doll, Anatomy of the Ball-Jointed Maiden.解体人形 吉田良人形作品集」. Japão, Editions Treville, 2007. 152p.

Notas:

[1] O termo bake (化け), “transformando”, é a forma ren’yōkei (連用形), correspondente ao nosso gerúndio, do verbo bakeru (化ける), “transformar” ou “mudar”.

[2] Todos os catálogos virtuais de folclore escritos em idiomas ocidentais classificam o bakemono dentro da categoria ontológica yōkai (妖怪). Porém na série Natsume Yūjinchō (夏目友人) o protagonista explica que existem diferenças entre bakemono e yōkai. “Se você conseguir beber sem se embebedar, você deve ser um bakemono…”.

[3] O animismo é a cosmovisão em que entidades não humanas possuem uma essência espiritual.

[4] WIKTIONARY, verbete 「霊魂」. URL: <https://en.wiktionary.org/wiki/%E9%9C%8A%E9%AD%82>. Acessado em 19/04/2022 14h16.

[5] TRAVI, Mauricio. A misteriosa lenda da boneca japonesa Okiku. Em: DANJOU, publicado em 08/06/2018. URL: <https://www.danjou.com.br/post/2018/06/08/a-misteriosa-lenda-da-boneca-japonesa-okiku>.

[6] NINGYOO – BONECAS. © 2003 Aliança Cultural Brasil Japão de Joinville. Texto salvo do Geocities em outubro de 2009. Acessado em 28/04/2022 às 19h. <URL: http://www.oocities.org/br/japaojoinville/ningyoo.htm>.

[7] ABUMI-GUCHI. Em: Yōkai Wiki. Acessado em 14/05/2022. URL: <https://yokai.fandom.com/wiki/Abumi-Guchi>.

[8] TEZUKA, Osamu. 無残帖Cruel. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. São Paulo, New Pop, 2011, p 07.

[9] Talvez não seja inútil mencionar o MMORPG coreano Ragnarök Online onde os avatares do jogador combatem cavalos pegando fogo chamados “pesadelos sombrios”.

[10] DORORO WIKI, verbete Dororo no Uta. URL: <https://dororo.fandom.com/wiki/Dororo_no_Uta#English>. Acessado em 18/04/2022 16h02.

[11] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado na Radio Hero em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[12] PAN. O que são os Tsukumogami: Os Objetos Possuídos. Publicado no blog Suco de Manga em 31/10/2021. URL: <https://sucodemanga.com.br/saiba-o-que-sao-os-tsukumogami-os-objetos-possuidos/>.

[13] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado na Radio Hero em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[14] TSUKUMO-GAMI: OS ESPÍRITOS ZOMBETEIROS DE ANTIGOS ARTEFATOS JAPONESES. Publicado em Caçadores De Lendas, 06/2013. URL: <https://cacadoresdelendas.com.br/japao/tsukumo-gami-espirito-de-artefato/>.

[15] DAVE, Ronin. Japanese Doll Memorial with Geisha in Kyoto – Ningyo Kuyo 人形供養. Publicado no canal do autor no Youtube em 16/10/2015. URL: <https://www.youtube.com/watch?v=JwiDg7mMU5Q>.

[16] A MAGIA DAS BONECAS. Em: Super Interessante. Publicado em 31/07/1992, 22h00. Atualizado em 31/10/2016. URL: <Leia mais em: https://super.abril.com.br/historia/a-magia-das-bonecas/>.

[17] WIKIPEDIA, verbete Tsukumogami. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Tsukumogami>. Acessado em 27/04/2022 17h06.

[18] PAN. O que são os Tsukumogami: Os Objetos Possuídos. Publicado no blog Suco de Manga em 31/10/2021. URL: <https://sucodemanga.com.br/saiba-o-que-sao-os-tsukumogami-os-objetos-possuidos/>.

[19] ITO, Eika (伊藤 叡香). Washi ningyō o tsukuru和紙人形を創る」. Japão, MPC (エムピーシー), 01/06/2002, p 30-31.

[20] Tsundoku (積ん読) é o hábito de comprar livros e deixá-los de lado sem ler.

[21] RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015, p 31.

[22] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado em Rádio Hero, em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[23] Um Kasa Obake (傘お化け) é também chamado Karakasa Obake (唐傘お化け) ou Karakasa Kozo (唐傘小僧).

[24] GORDON, Cesar. Economia selvagem: Ritual e mercadoria entre os índios Xikrin – Mebêngôkre. São Paulo SciELO – Editora UNESP, 2006, p 356-357.

[25] TSUKUMO-GAMI: OS ESPÍRITOS ZOMBETEIROS DE ANTIGOS ARTEFATOS JAPONESES. Publicado em Caçadores De Lendas, 06/2013. URL: <https://cacadoresdelendas.com.br/japao/tsukumo-gami-espirito-de-artefato/>.

[26] SHIRAISHI, Yuta (白石雄太). Kumamoto no kyōdo omocha “obakenokinta” (熊本の郷土玩具「おばけの金太」). Publicado em Story Nakagawa, 27/08/2019. URL: <https://story.nakagawa-masashichi.jp/104515>.

[27] OBAKE NO KINTA お化けの金太 KINTA THE GHOST. Publicado na Daruma Pedia, em 26/05/2015. URL: <https://darumapedianews.blogspot.com/2015/05/mingei-kyushu-obake-no-kinta.html>.

[28] NISISHIMA, Leandro. A surpreendente história do boneco Daruma. Em: GO! GO! NIHON, 12/01/2022. URL: <https://gogonihon.com/pt/blog/boneco-daruma/>

[29] ANIME REVIEW: DANTALIAN NO SHOKA – 6. Publicado no blog Population GO, no Tumblr, em 24/08/2011. URL: <https://populationgo.tumblr.com/post/9338032459/anime-review-dantalian-no-shoka-6>.

[30] CONHEÇA NAGORO, A VILA JAPONESA ONDE BONECOS SUBSTITUEM OS MORTOS. Publicado no portal de notícias Mega Curioso. Acessado em 18/05/2022. URL: <https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/114824-conheca-nagoro-a-vila-japonesa-onde-bonecos-substituem-os-mortos.htm>.

[31] Higanjima (彼岸島) foi originalmente publicada na antologia de quadrinhos Shukkan Young Magazine (週刊ヤングマガジン), pela editora Kōdansha (講談社), desde 04/04/2003 até 06/12/2010.

[32] Um torii (鳥居) é um portão tradicional japonês encontrado na entrada ou dentro de um santuário xintoísta, onde simbolicamente marca a transição do mundano para o sagrado.

[33] NAVOK, Jay e RUDRANATH, Sushil K. Warriors of Legend: Reflections of Japan in Sailor Moon. South Carolina, BookSurge, 2006, p 51

[34] TAKEUCHI, Naoko. コードネームはセーラーV— 1. Japão, Kodansha Comics, 1993, ato 5, p 172-173.

[35] AMBROSIUS, Mario. 球体関節人形展・Dolls of Innocence. Tokyo, Nippon Television Network Corporation, 2004, p 66-71.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/almas-vintage/

O que é ser Evangélico?

O evangélico é, ou deveria ser, conforme dizem os dicionários: “aquele que carrega o evangelho, a boa-nova, a mensagem de Cristo dentro de si”. Deveria entender que a “Boa-Nova” é a vida verdadeira, e a vida eterna, não é prometida, está aqui, está em nós, enquanto vivermos nossa vida na “ética do amor”, tal como ensinou o Mestre.

Consequentemente, o verdadeiro cristão, é também um evangélico. Desnecessário dizer que é impossível ser um autêntico evangélico, sem ser um autêntico cristão. Pois somente com a prática da vida “cristã” é que alguém pode se sentir “bem-aventurado”, “evangélico”, “filho de Deus”. O evangélico, deveria lutar, dia a dia, para viver sua vida conforme Cristo vivia, pois Cristo não “morreu” para salvar os homens, mas para demonstrar como se deve viver.

“O que legou à humanidade foi a prática: a sua atitude perante os juízes, perante as autoridades, perante os seus acusadores e perante toda a espécie de calúnias e de ultrajes – a sua atitude na cruz. Não resiste, não defende o seu direito, não dá nem um passo para afastar de si o fim, mas, pelo contrário, provoca-o. Suplica, sofre e ama com aqueles, por aqueles que o maltrataram”. (Nietzsche)

Portanto, o autêntico evangélico, não oferece resistência àquele que se mostra contrário a ele, nem por palavras, nem no seu coração. Não faz diferença entre estrangeiros e compatriotas, entre judeus e não judeus. Não se aborrece com ninguém, nem despreza ninguém. Porque ele sabe que Deus está em toda parte, transcendente a todas as coisas e imanente em todas elas, compreende que não existe no Universo um único indivíduo, separado do grande Todo, e embora cada indivíduo possua suas diferenças, essencialmente, cada um é igual a todos.

E por reconhecer que todos são filhos de um Pai único, não vê diferenças entre seus irmãos hinduístas, budistas, muçulmanos, umbandistas, taoístas, xintoístas, pois humildemente reconhece que esses e tantos outros, alguns já bem antes de Cristo vir a terra, participam de uma mesma busca: religar-se com o Divino, trazer para si o espírito Crístico.

Dessa forma, ele nunca fala mal dos seus irmãos, porque leva bem a sério aquela passagem que diz: “Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, já não és observador da lei, mas juiz. (Tiago 4:11) E entende que essa Lei, é a ordem eterna inerente à própria natureza do universo, tomando em sua totalidade como causa e efeito. Essa Lei Universal, também pode ser chamada Deus, ou Divindade.

Um verdadeiro evangélico é sereno, paciente, não grita nem se desespera. Pensa com clareza, fala com inteligência, vive com simplicidade. Possui sempre mais do que julga merecer. O que ele possui – dinheiro ou posição social – nada significa para ele. Só lhe importa o que ele é. Porque busca “primeiro o reino de Deus, e a sua justiça” sabendo que todas as outras coisas que porventura precisar, lhe “serão acrescentadas”. (Mateus 6:33)

Tem mente de adulto e coração de criança, porque disse o mestre: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. (Mateus 19:14)

Quem carrega o evangelho dentro de si, entende que o “reino de Deus” não é algo que se espere, não vem dentro de “mil anos” – é uma experiência do coração, está em toda a parte e não está em parte alguma. Sabe também que a felicidade eterna não está prometida, nem ligada a condições, ela deve ser a única realidade!

Porque certa vez, sendo Jesus interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, ele respondeu: “O reino de Deus não vem com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! pois o reino de Deus está dentro de vós”. (Lucas 17:20-21)

Portanto, sabe o evangélico que o “Céu” é mais que um lugar, é um estado de perfeita harmonia do homem com a Lei Universal, é a consciência de Deus. E assim ele luta constantemente para trazer o “Reino de Deus” para o seu mundo e para o seu coração, porque todos os dias, no silêncio da sua alma, ele ora pedindo: “Venha a nós o teu Reino” (Mateus 6:9-13)

O evangélico é todo homem que tem a experiência mística “Eu e o Pai somos um”, e por isso ama a Deus “com toda a alma, com todo o coração, com toda a mente e com todas as forças” e com o transbordamento dessa experiência individual, pratica a ética do segundo mandamento, “amando seu semelhante como a si mesmo”.

Assim, por carregar o evangelho dentro de si, não se preocupa com templos e instituições cristãs, porque “o Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens” (Atos 17:24)  ele mesmo é o “templo de Deus” e sabe que o “Espírito de Deus” habita nele (I Coríntios 3:16). “É um tesouro oculto, que se deve transformar num tesouro manifesto.

O evangélico autêntico sabe que a volta de Cristo sobre nuvens de glória, será quando ele definitivamente religar-se com o seu “Eu Divino” e permitir a volta de Cristo dentro do seu coração. Por isso, está sempre disposto a aprender, mesmo com as crianças ou com os tolos. Abdicando sua opinião quando verifica seu erro, pois é um eterno buscador da verdade, e sabe que a mesma, está sempre em processo de confirmação.

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32)

Por isso, apesar de ser um profundo admirador de Cristo, jamais me considerei cristão ou evangélico, é muita responsabilidade assumir tais títulos.

Fiquem em Paz.

#Cristianismo #Universalismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-que-%C3%A9-ser-evang%C3%A9lico

Reflexões místicas com Joseph Campbell (parte 2)

Arte de Android Jones

Uma entrevista com Joseph Campbell, por Tom Collins
Originalmente publicada na revista The New Story (1985)

Tradução de Gabriel Fernandes Bonfim; Revisão de Rafael Arrais

« continuando da parte 1

2. O mito como a dinâmica da vida

[Tom] Para citar suas próprias palavras novamente, “Um mito é a dinâmica da vida. Você pode ou não conhecê-lo, e o mito que você pode estar respeitosamente adorando no domingo pode não ser aquele que realmente está trabalhando em seu coração, e nem aquele que está lá fora, de acordo com a visão dos eclesiásticos.”

[Joseph] Sim. Eu diria que é uma afirmação correta, então eu ainda diria isso hoje.

[Tom] Como você une essas duas dinâmicas?

[Joseph] Colocando a ênfase em sua própria dinâmica interna, e em seguida, filtrando e extraindo da sua herança de tradições aqueles aspectos que lhe dão suporte em sua própria vida interior. Isto significa não estar preso a esta, aquela, ou a qualquer outra tradição, mas estar aberto a uma comparação geral entre todas elas… Veja, eu me dedico bastante a estudos comparativos de mitologia. Eu acho que um dos problemas de hoje é que a sociedade se encaminhou para um relacionamento multicultural, que torna arcaico esses sistemas mitológicos presos a cultura – como a cristã, a judaica e a hinduísta.

Ou seja, ao conhecer o seu próprio sistema, que lhe impulsiona por dentro em suas vivências espirituais, e reconhecer estas imagens simbólicas que realmente lhe tocam a alma, você pode buscar ajuda para – poderíamos dizer – universalizar e solidificar esta mitologia pessoal em si mesmo; e então, você passa a estar apto a buscar mais ajuda nas outras mitologias da cultura humana.

Nota do revisor: este trecho é particularmente complexo, mas passa a ser mais compreensível ao estudarmos a teoria do Monomito de Campbell, segundo a qual todos os mitos da cultura humana são, em sua essência mais íntima, parte de uma mesma mitologia. Por isso ele crê que, não importa qual o sistema simbólico ou mitologia pessoal que adotemos, ele deve funcionar se for capaz de lhe tocar a alma – e, da mesma forma, se não lhe tocar a alma, provavelmente a sua vivência espiritual será comprometida. Por “buscar ajuda”, penso que ele queira se referir a algo como “buscar o aconselhamento dos que já estão mais avançados no caminho” (alguns chamam a estes de “mestres” ou “gurus espirituais”); mas também pode estar se referindo, simplesmente, ao estudo (intelectual) dos mitos.

[Tom] Quais são os propósitos do mito?

[Joseph] Há quatro deles. Um místico. Um cosmológico: o universo inteiro como agora o entendemos se torna, como era no início da criação, uma revelação da dimensão do mistério. O terceiro é sociológico: tomar conta da sociedade que nos cerca. Mas nós não sabemos o que esta sociedade é, ela mudou tão rapidamente. Meu Deus! Nos últimos 40 anos tem havido tal transformação nos costumes, que é impossível falar sobre eles. Finalmente, há o pedagógico, que é orientar um indivíduo através das inevitabilidades de uma vida. Mas, mesmo isto se tornou impossível, porque não sabemos mais o que é inevitável no decorrer de uma vida. Estas coisas estão mudando a todo momento.

Antigamente, havia apenas um número limitado de carreiras disponíveis para o homem. E para a mulher, o normal era ser uma dona de casa ou uma freira ou algo parecido. Agora, o panorama de possibilidades e possíveis vidas e como elas mudam de década para década tornou-se impossível de mitificar. O indivíduo segue sua vida sem preparação alguma. É como correr com a bola numa brecha aberta num campo de futebol americano – não há regras, e muitos podem vir lhe derrubar. Você precisa estar muito atento a sua volta até o final da corrida. Tudo o que você pode aprender é o que a sua essência íntima é, e tentar permanecer fiel a ela.

[Tom] Como você aprendeu isso?

[Joseph] Eu não sei. Algumas pessoas aprendem cedo; alguns nunca aprendem.

[Tom] Que tipo de mitologia nós temos hoje? Que tipo deveríamos ter?

[Joseph] Eu não vou dizer que tipo de mitologia nós temos, porque eu não acho que tenhamos uma mitologia funcionando de forma geral. Eu diria que nos termos dos aspectos sociológicos da mitologia (e talvez isto esteja além de nossa capacidade sentimental) deveríamos ver o todo – a sociedade global como a comunidade a ser estudada.

[Tom] Eu pensei que os mitos sempre fossem vinculados a um grupo ou lugar específico.

[Joseph] Isso mesmo. Mas quando você pode voar de Nova York a Tóquio em um dia, você não pode mais ficar limitado a um pequeno grupo de pessoas e se referir a elas como uma unidade, pois hoje os pensamentos e crenças também viajam rapidamente através do globo. O planeta é a sociedade. E, de fato, economicamente já funcionamos assim.

[Tom] Eu acho interessante que algumas pessoas começaram a combinar a sabedoria antiga com ideias modernas – pessoas como Jean Houston, Michael Harner, Joan Halifax e Elizabeth Cogburn.

[Joseph] Se faz sentido, o que isto me parece sugerir é que necessitamos harmonizar nossas vidas com a ordem da natureza.

[Tom] Muitas dessas pessoas também estão interessadas ​​na criação de rituais. Qual é o papel que os rituais desempenham na mitologia?

[Joseph] Um ritual é a encenação de um mito. E através dessa encenação o ritual traz à mente as implicações do ato da vida que você atualmente vivencia. Agora, as pessoas me perguntam, quais rituais nós temos atualmente? A minha resposta é: o que você tem feito? O que é importante em sua vida? O que é importante, eles dizem, é ter um jantar com seus amigos. Isto é um ritual.

Este é o sentido da peça A festa dos coquetéis de Thomas Stearns Eliot. A festa é um ritual. Dessa forma, tem uma função religiosa, e aquelas pessoas estão engajadas em um relacionamento humano. Essa é a ideia chinesa, a ideia de Confúcio, de que as relações humanas são a maneira de você experienciar o Tao. Perceba o que você está fazendo quando está dando uma festa. Você está realizando um ritual social. Você o está conduzindo quando se senta para comer uma refeição, você está consumando um ato da vida.

Quando você está comendo alguma coisa, isto é algo muito especial de se fazer. E você deveria ter esse pensamento tanto ao comer uma cenoura, como ao comer um animal, assim eu penso. Mas você não sabe o que está fazendo, a menos que você pense sobre isso. Isso é o que um ritual faz. Ele lhe dá uma oportunidade de perceber o que você está fazendo, para que possa compreender a sua relação com essa inevitável energia da vida em seus momentos de interação. Para isso que os rituais servem; você faz as coisas com intenção, e não apenas de maneira animalesca, vorazmente, sem ter consciência alguma do que está realizando.

Isso também é verdade para o sexo. As pessoas que apenas praticam sexo como um jogo divertido, ou algo emocionante como isto, não entendem o que estão fazendo. Então você não tem a sacramentalização. E a grande razão de o casamento ser sagrado, é que ele permite que você saiba o que diabos é correto e o que não é, e o que está acontecendo ali. Um macho e uma fêmea que se juntam, com a possibilidade de que uma outra vida surja desta interação – este é um grande ato.

» Na próxima parte da entrevista, a transcendência dos mitos…

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Crédito da imagem: Android Jones

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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#Mitologia

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O sincretismo japonês

Aisatsu! Recebi a pergunta abaixo por e-mail, e achei interessante compartilhar a resposta com os demais. Como o objetivo é abordar o ponto sobre o sincretismo japonês, outros trechos da pergunta original foram omitidos, bem como da resposta enviada.

P.: Me interesso muito pela mitologia oriental (China/Japão), porém nunca achei uma fonte esclarecedora que explicasse realmente como é a religião deles.
Algumas perguntas que ficam sem resposta para mim, por exemplo:
Toda essa mitologia japonesa, essa que aparece em animes, mangás, festivais temáticos, faz parte de alguma religião? Já ouvi falar que é do Xintoísmo, mas então todos lá são xintoístas? Ou são apenas elementos culturais, não ligados à religião?
A mesma coisa com a mitologia chinesa, faz parte de alguma religião? Ou são apenas elementos culturais?

 R.: Bem, vou começar respondendo a tua pergunta com um pouco de história: o Japão é um país formado por uma grande mistura étnica. O povo predominante que deu origem à formação do Japão tal qual o conhecemos hoje foi o Yamato, mas os japoneses também possuem heranças de grupos étnicos minoritários, como os coreanos, chineses, e o povo Ainu, dentre outros. Todos estes povos tinham as suas práticas xamânicas e religiosas, sua linguagem e seus mitos e seu folclore.

Especificamente no que se refere aos Ainu, eles eram um povo localizado nas ilhas ao norte do Japão, especialmente na ilha de Hokkaido. As práticas xamânicas do povo Ainu hoje são conhecidas através do ofício das Itako, como são chamadas certas médiuns japoneses. Havia também o culto às montanhas e aos antepassados, comum à grande maioria desses povos, e uma vasta variedade de lendas e de histórias folclóricas na região.

Com a configuração do povo japonês, surgiu o xintoísmo, baseado em todas essas práticas xamânicas, animistas e pré-religiosas. O xintoísmo é uma “religião” eminentemente japonesa, surgida com a formação do seu povo. Os mitos do xintoísmo, por sinal, retratam bem essa questão.

 No entanto, por causa dessa grande diversidade étnica, foram sendo introduzidas no Japão outras seitas e religiões do continente. Com o ingresso do budismo, o culto às montanhas deu origem ao Shugendou, uma seita que mistura elementos budistas, xamânicos e xintoístas. Foram fundadas escolas budistas japonesas, como a escola Shingon, a Tendai, a Nichiren e a Zen. O monge Kukai, o fundador do budismo Shingon, foi estudar na China antes de retornar ao Japão e lá fundar a sua escola, trazendo de lá vários elementos incorporados ao Shingon. O taoísmo chinês deu origem ao onmyoudou japonês, no qual se encontra também elementos semelhantes do xintoísmo, do budismo Shingon e do Shugendou.

Todas as seitas, escolas e práticas magístico-religiosas passaram a co-existir harmonicamente, e, assim como toda instituição, elas evoluíram, se desenvolveram e se adaptaram. À medida que o tempo passava, algumas foram utilizando, inclusive, elementos umas das outras. Cada uma apresenta características que lhe são peculiares, entretanto, por terem bebido das mesmas fontes, é possível observar muitos pontos em comum entre elas.

Assim, respondendo à tua pergunta, toda essa mitologia japonesa que aparece em animes, mangás, festivais, fazem sim parte de várias tradições, não apenas religiosas, e não apenas do xintoísmo, mas também culturais do povo japonês.

E não, nem todos os japoneses são xintoístas. Historicamente falando, em uma certa época, apenas os nobres japoneses podiam ser xintoístas. Atualmente, há xintoístas, budistas, cristãos, e membros de várias outras religiões por lá. Até mesmo por causa desse sincretismo histórico e cultural, o Japão é um dos países que mais reúne religiões “neo-cristãs”, ou seja, religiões e seitas que procuram conciliar princípios cristãos com princípios tradicionais do budismo e do xintoísmo, como, por exemplo, a Seicho-no-ie e a Oomoto.

Na China, a mesma coisa acontece. Seus mitos fazem parte do taoísmo, do budismo, das escolas de ciências tradicionais, e das diversas práticas xamânicas de seu território, que também foram inseridas e perpetuadas na cultura do povo chinês.

#MagiaOriental

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-sincretismo-japon%C3%AAs

A Cura Sexual Através da Magia Sexual

Por Christopher Penczak

Sexo. É um dos mistérios espirituais. Não se pode realmente explicá-lo. Você tem que vivenciá-lo diretamente, como todos os mistérios de expansão de consciência das tradições orientais e ocidentais. Tantas histórias de criação têm o universo nascendo através do amor do casal divino. Mas ao contrário dos estados profundos da meditação iogue e dos rituais cabalísticos em línguas secretas, a maioria das pessoas comuns têm a chance de explorar os mistérios do sexo, e encontrar seu poder curativo e transformador. Todos nós o buscamos. Embora seja um impulso primordial, em um nível superior, também buscamos experiências sexuais para explorar os mistérios da divindade.

Através da atividade sexual, estimulamos os centros de energia do corpo e podemos experimentar uma profunda sensação de consciência alterada. Você encontra a sexualidade na yoga tântrica oriental e nas práticas taoístas, na magia cerimonial ocidental e no Grande Rito Wiccano. Você vê dicas de uma tradição de magia sexual nos mistérios de Ísis e Osíris, o Canto de Salomão, e, alguns especulariam, os mistérios gnósticos de Cristo e Maria Madalena. A ideia de união e cura através da sexualidade é universal.

Mesmo que não saibamos nada sobre energia, meditação, ou ritual, ativamos a corrente sexual e experimentamos estes estados de ser. O sexo é muito poderoso e por causa disso, muitas emoções, sentimentos e expectativas se envolvem em nossa sexualidade, tornando-a uma de nossas maiores forças e alegrias, mas também criando alguns de nossos maiores problemas. Ter uma compreensão dos componentes esotéricos da sexualidade pode influenciar profundamente nosso desenvolvimento espiritual, cura e atitudes em relação à sexualidade, transformando-nos.

De todas as tradições da sexualidade sagrada, a palavra mais fortemente ligada à prática é tantra. O tantra é um sistema esotérico oriental, enraizado nas religiões da Índia, e inclui uma variedade de práticas, incluindo aquelas associadas à sexualidade sagrada, mas seria negligente pensar que o tantra é apenas sobre sexualidade. Alguns traduzem a palavra tantra para significar ou “tear” ou “texto”, referindo-se a uma tradição maior. Embora grande parte desta tradição tenha tradicionalmente permanecido escondida de olhos abertos, ela felizmente veio à tona e foi disponibilizada ao público. Qualquer pessoa que deseje encontrar mais informações sobre a sexualidade espiritual pode fazê-lo com bastante facilidade.

O mais famoso destes manuais sexuais é o amplamente conhecido Kama Sutra. Um texto da Índia, a mais famosa tradução de Sir Richard Francis Burton apareceu em 1883. O Kama Sutra causou muita agitação por causa de seus diagramas que detalham várias posições sexuais, mas em geral, a maioria do livro não é sobre sexo, mas cobre tópicos de relacionamentos, casamento e como ser um bom cidadão, no contexto da cultura indiana na época em que foi escrito.

Os místicos modernos levaram seus próprios empreendimentos para a sexualidade sagrada e escreveram sobre suas experiências e ensinamentos. Eles estão se baseando em fontes tântricas tradicionais, assim como as da alquimia taoísta quando se aproximam dela a partir de uma visão oriental. As tradições mágicas ocidentais analisam o papel da alquimia ocidental, e a imagem do casamento divino, em suas práticas rituais. Elas se expandiram sobre as explorações do moderno renascimento ocultista que combinou teorias e ensinamentos tanto do Oriente como do Ocidente.

Um dos clássicos modernos a partir do qual se pode olhar a magia sexual de uma perspectiva ocidental é a Magia Sexual Moderna de Donald Michael Kraig. Como seu predecessor, Modern Magick, este texto fornece um manual minucioso e detalhado nas artes da magia sexual ocidental. Kraig traça a história a partir de uma variedade de tradições e inovadores, e cobre a prática real da magia sexual usando terminologia e um estilo que são fáceis de entender. Kraig tem uma extensa preparação para quem procura explorar a magia sexual. Uma de suas sugestões envolve o uso do Exercício de Kegel:

Este exercício, cujo nome vem de seu inventor, tonifica os músculos usados durante o ato sexual. Uma maneira fácil de aprender este exercício é parar o fluxo quando você urina. Permitir que o fluxo seja retomado e interrompido novamente. É esta contração e relaxamento que compreende o exercício. Certifique-se de que você não está apenas contraindo o esfíncter anal. Repita o exercício várias vezes. Você pode praticar este exercício em quase qualquer momento e em qualquer lugar. Trabalhe até fazer isso pelo menos cem vezes por dia.

– Modern Sex Magick, p. 72.

Os exercícios de Kegel podem ajudar uma mulher a ser orgástica, e também ajudar com alguns problemas em torno do fluxo urinário e incontinência. A construção deste músculo ajuda a preparar um para os rituais de magia sexual.

O contato sexual com entidades espirituais nos coloca em contato com a divindade aparentemente intangível, mas descobrimos através da sexualidade que a divindade também está dentro dela. Através de experiências sexuais individuais, duplas ou grupais, encontramos o divino dentro dos participantes, vendo os deuses dentro da humanidade, e encontramos nossa própria centelha divina interior. Ao encontrar esta centelha, temos epifanias e revelações espirituais que transformam nossas vidas.

Para uma visão mais ortodoxa sobre o assunto a partir de uma perspectiva taoísta oriental, temos a Yoga Taoísta & Energia Sexual de Eric Steven Yudelove. Este é um curso de 14 semanas apresentado pelo autor para incorporar a yoga taoísta, Chi Kung, alquimia taoísta e kung fu sexual em um sistema transformacional. Os iniciantes e os experientes nestas artes serão beneficiados com o livro.

O primeiro exercício na Semana Um do curso é chamado de Respiração Capilar. Envolve a retirada de energia excedente para dentro do corpo. O cabelo é um depósito de energia excedente.

Isto pode não parecer um exercício sexual, mas muitos dos exercícios preliminares de uma tradição devem ser dominados para se passar para as práticas mais exóticas. As tradições orientais estão focalizadas nos centros energéticos e refinando a energia que passa por esses centros, na vida diária e durante a interação sexual. O poder da energia sexual que passa por esses caminhos nos cura em vários níveis, aumentando nossa vitalidade, ajudando o sistema imunológico, curando doenças e, finalmente, expandindo a consciência.

Aqueles que procuram instruções mais diretas nas tradições tântricas podem se beneficiar do CD Yoga Nidra: Meditação Tântrica e Visualização pelo Dr. John Mumford e Jasmine Riddle. O Dr. Mumford é um renomado especialista em artes orientais e instrutor experiente em seus mistérios. Yoga Nidra é uma técnica de desenvolvimento que lhe permite progredir para um estado refinado de sono psíquico. Os elementos gêmeos que a yoga tântrica utiliza são a sensação e a visualização do corpo. Dr. Mumford e Jasmine Riddle guiam você através de estágios de desenvolvimento, movendo sua consciência através de diferentes partes de seu corpo. O componente de visualização permite que você entre em contato com seus centros psíquicos, ou chakras. Como exemplo, o Enigma nos guia através da sintonia sensacional em cada mão, concentrando-se individualmente em cada dedo. Nós nos movemos pela ponta, o prego, a primeira articulação seguida do nó, a segunda articulação seguida do nó, a terceira articulação seguida do nó, e terminamos com a almofada na palma de sua mão.

Depois de guiá-lo pelos centros de consciência de seu corpo com consciência sensacional, as visualizações avançam em direção aos diferentes sentidos. Luz, calor, frio e alegria são sentidos, seguidos por exercícios de chakra que se movem da base para a coroa e para trás novamente. Acompanhada de música meditativa, a voz suave de Jasmine Riddle dá uma sensação relaxante que o acompanhará ao longo de sua viagem. Em última análise, você pode alcançar um estado de movimento consciente através das sensações corporais usando exercícios de visualização que culminam em uma perspectiva iluminada.

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Fonte: https://www.llewellyn.com/journal/article/1037

COPYRIGHT (2006) Llewellyn Worldwide, Ltd. All rights reserved.

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/a-cura-sexual-atraves-da-magia-sexual/

A Caixa de Cthulhu

Ao explorar as entidades potentissimas que mantiveram contacto com H. Lovecraft, através de um sonho subsequente á Invocação do Grande Cthulhu, que obtive as intruções para a confecção da “Caixa de Cthulhu“. Um artefacto similar em efeitos ao que se conhece por Caixa de Pandora. Foi testada, os resultados da sua aplicação são inaceitáveis para o ser humano comum.

De posse de seis espelhos na medida 13 x 13 cms, largura e altura e tendo o Necronomicon como referêncoa inscrever em cada um dos espelhos interiores os sigilo conforme segue-se:

Sigilo de Cthulhu

Recitar a invocação á Cthulhu:

“Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu aguarda a dormir, até que novamente se erga e o seu reino cubra a Terra!”

Sigilo de Shub-Niggurath

 

Recitar a invocação á Shub-Niggurath:

“Iah Shub-Niggurath! Vem adiante Grande Cabra Negra dos Bosques! Responde ao chamado deste teu Servo que conhece as palavras de Poder! Levanta-te e vem adiante com os teus mil! Venha a mim, que faço os sinais, a mim que recito as palavras que abrem as portas! Vem adiante! A mim que rodo a chave! E agora, caminha sobre a Terra uma vez mais!”

Sigilo de Nyarlathotep

Recitar a invocação á Nyarlathotep:

Abyssus-D’AcoNrsus, ZEXOWE-AZATHOTH! NRRGO, IAA! NYAR-LATHOTEP!”

Sigilo de Yog-Sothoth

Recitar a invocação á Yog-Sothoth:

ZENOXESE, PIOTH, OXAS ZAEGOS, MAVOC NIGORSUS, BAYAR! HEECHO! YOG-SOTHOTH! YOG-SOTHOTH! YOG-SOTHOTH!”

 

Sigilo dos Antigos

(no espelho que forma o topo da caixa)

E inserir o sigilo da Transformação no espelho que forma a base da caixa:

A seguir, colar os espelhos de forma a ficarem com a forma de uma caixa quadrada, tendo-se em atenção que deve ter uma entrada, abertura, a qual será imperativamente o espelho que contem o sigilo dos Antigos.

Forrar o exterior com veludo verde

De preferência, desenhar os sigilos com tinta verde, ou na falta desta, em tinta preta, que representa o vácuo do abismo.

 

Eis a caixa completa e aberta:

Como activar os poderes da caixa:

Uma vez pronta, a caixa servirá para cumprir os desejos do operador, tanto para ajuda quanto para destruição. A caixa tem por objectivo envolver o desejo do operador em todos os aspectos dos Antigos, bem como em seu poder na totalidade, amplificando o desejo do operador através dos poderes arcanos. Esta caixa tem como função principal um portal de abertura entre a nossa dimensão e a dimensão paralela dos Antigos, e mesmo outras, e também é um envoltório de poder puro e simples, servindo como amplificador através do poder dos Deuses.

Os simbolos e sigilos que estao gravados no exterior da Caixa, servem para impedir que algo venha a sair de la. E ja agora, uma imagem colocada no interior da caixa irá reflectir-se infinitas vezes, atingindo com isto uma miriade de dimensoes e mundos paralelos ao nosso ou mesmo os mais distantes. Com certeza atinge as esferas de Cthulhu, bem como pode atingir o coração do Inferno, levando a nossa mensagem até Eles.

Caixa de Cthulhu para Realizações

Imaginemos que o operador deseja a consolidação de um desejo vital para si próprio: Ao operador basta acender uma vela negra com o desejo nela inscrito, imaginemos que seja sucesso na vida profissional: O operador devera escrever na vela DO PAVIO PARA A BASE as palavras SUCESSO PROFISSIONAL, PROMOÇÃO NA CARREIRA, AUMENTO DE SALARIO, etc. ad infinitum! Deverá também meditar sobre a condição que deseja alcançar, visualizando-a como JÁ TENDO SIDO ATINGIDA e transcrevendo-a para papel pergaminho virgem e colocando a seguir este pedido no interior da caixa, não importando se este encontra-se dobrado, bastando apenas a colocação deste no interior da caixa e deixando-o permanecer no interior desta ate a vela ter ardido completamente. A seguir retira-se o pedido, antes da vela ter se derretido e queima-se o pedido na chama da vela, deixando arder o pedido por completo ate tornar-se em cinzas. A seguir, atirar as cinzas para o ar e dizer: SALVÉ HASTUR!

Caixa de Cthulhu para Maldições

Imaginemos agora que o operador deseja destruir um adversário: Devera escrever na vela negra DA BASE PARA O PAVIO o nome do adversário, estando assim este nome de cabeça para baixo. Escrever um pedido da forma descrita acima com a subsequente visualização do adversário destruído da forma mais vívida possível colocando a seguir o pedido no interior da caixa de igual modo. Deixar a vela arder e antes de estar consumida, o pedido deverá ser queimado. As cinzas deverão ser guardadas, bem como os remanescentes da vela, e inseridas numa casca de ovo, sem clara nem gema e apenas a casca, e este conjunto deverá ser atirado de preferência contra a casa do adversário ou por um de seus locais de passagem. A destruição deste oponente se consumará brevemente.

Para maior reforço da destruição de alguém indesejado e de modo a aumentar exponencialmente a sua devastação psicológica, uma fotografia ou um item pertencente á vitima deve ser adicionado á caixa e lá deixado para que permaneça pelo tempo que se julgar necessário. Isto fará com que o medo seja aumentado intensamente na vitima, medo este que será alimento para as irmãs Terror e Desespero, abrindo assim caminho para que o tipo de demónio que se alimenta do medo se manifeste, levando assim a vitima á morte pelo suicídio ou, na melhor das hipóteses, á mais insana loucura, mediante a manifestação que este tipo de demónio usará para atingir os seus objectivos a cada vez que muda de máscara para seus intentos, de modo a descortinar algo que seja horrível para a vitima suportar, provocando assim a insanidade.

Caixa de Cthulhu para Luxúria

Tambem se pode utilizar os poderes da caixa dos Antigos para atingir o sucesso junto do sexo oposto. Para tal basta inscrever na vela negra o nome do(a) desejado(a) do PAVIO PARA A BASE, escrevendo por cima deste, de igual modo, o nome do operador, bastando acender a vela e deixando-a arder. Como ritual para estimular o desejo sexual do(a) visado(a), pode de igual modo o operador acrescentar outro ritual á este descrito bastando para isto o acto masturbatório sem atingir-se o clímax, restringindo-o, e oferecendo-o ás potencias da noite e do vácuo, como forma de gerar no(a) desejado(a) um sentimento de insatisfação quando não se encontrar na presença física do operador, sentimento este que so estará satisfeito na plenitude aquando na companhia deste.

Para melhor resultado, acresentar-se uma fotografia do(a) desejado(a) na caixa, bastando para tal esta foto ter nela traçado a forma de um coração e este deve ser atravessado por um alfinete que o vare de um lado a outro e assim deve ser deixado no interior da caixa pelo tempo que se desejar até que se consumem os desejos do operador. Caso este deseje avançar na “relação” com a parte visada, deverá, após o acto sexual cujas intenções não devem jamais ser reveladas á parte visada, o operador deverá limpar a si mesmo e ao desejado com um pano branco retendo assim os fluidos corporais no tecido. A seguir, devera o operador enterrar este pedaço de pano num vaso com terra junto á raiz de uma planta que cresça de modo rápido e cuja raiz perdure, bastando para tal riscar junto ao caule ou raiz o sigilo de Cthulhu e dizendo: “Fulano(a), assim como cresce esta planta, cresce o teu amor por mim!”, regando-se a planta a seguir e cuidando para que esta viva tomando-se para tal as providencias necessárias para que mais ninguém alem do operador venha jamais a saber o que foi realizado, mantendo-se segredo absoluto acerca deste tipo de operações magicas e explicitamente coercivas.”

Por: Khaleb

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/a-caixa-de-cthulhu/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/a-caixa-de-cthulhu/

‘Chamando os Filhos do Sol

DA PARTE DA ORDEM RUBI E OURO – M. RIO DE JANEIRO, ABRIL DE 1962, A.·.A.·.

Publicação em Classe b – Imprimatur: N. Fra. A. · . A. · .
O. M. 7 º = 4 º R.R. et A.C. – F. 6 º = 5 º Imperator

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

1 – O toque da trombeta

Este livro é da natureza de um arauto. É um chamado às armas. Bastante tempo dormistes, ó guerreiros do Rubi e Ouro! Levantai-vos. Deixai-me explicar a natureza da trombeta que vos chama. O ser humano, quando nasce, esquece as suas vidas anteriores e sua existência nos mundos celestes que acaba de deixar. Porém, tal esquecimento não é completo. Nas regiões subterrâneas da mente, no inconsciente da alma, uma lembrança fica. E é assim que alguns tem uma certeza intuitiva da existência de Deus e do além, é assim que outros sentem despertar neles simpatias ou antipatias inexplicáveis para com outros seres humanos que encontram em sua rota. É ainda assim que alguns – e entre estes se contam freqüentemente almas muito evoluídas – sentem, através de sua vida terrena inteira, uma saudade, uma solidão, um anseio indefinido, e sentem-se como viajantes, longe, muito longe, de algum fantástico, maravilhoso, imaginário lar.

Existem raças espirituais como existem raças físicas. Existem nações no mundo invisível como existem nações no mundo visível. Cada uma de tais raças e nações é simbolizada por um sinal, um símbolo, e as vezes, por vários símbolos. Tais símbolos são, por assim dizer, côtas de armas do astral. Os antigos heraldos eram videntes que examinavam nos planos internos os símbolos correspondentes a natureza anímica de certos indivíduos e desenhavam uma côta de armas que simbolizasse as qualidades de seu dono. O brasão era transmitido de pai a filho porque era reconhecido que a semente espiritual do pai se transmitia magicamente de geração a geração, contanto que influências externas não se manifestassem. Às vezes era necessário incluir alguma influência nova, combinar duas côtas, se por casamento, adoção ou outros meios, a natureza anímica de uma família nobre mudava. Esta ciência heráltica clarividente está hoje quase que completamente perdida.

É por causa dessa simbologia astral que, muita vez, certos símbolos são apresentados à consciência de um indivíduo que nunca teve contato com o que é chamado “ocultismo” ou “espiritualismo”, e no entanto o indivíduo reconhece os símbolos, sente um despertar de atividade em sua consciência, e percebe intuitivamente que ele pertence aos símbolos ou os símbolos pertencem a ele. Os símbolos, tanto em desenhos quanto em imagens escritas, e as chaves apresentadas neste livro, representam outras tantas côtas de armas e pertencem a legião dos Filhos do Sol.

2 – A Nova Era

Já vos falaram muito da Nova Era, de Aquário-Leo. Ela começou em abril de 1904, quando a terra foi ocultamente, regenerada pelo fogo. Todas as crianças nascidas após esta data trazem no inconsciente o selo das energias e tendências espirituais da Nova Era. Chamamos o grupo dos Filhos do Sol encarnados no Brasil à execução de suas vontades. Chamamo-los à consciência do fito da encarnação. Chamamo-los à realização da Grande Obra. Faze o que tu queres há de ser tudo da lei.

3 – O Fim das dores

Muito vos tem sido dito a respeito das razões para a encarnação do mundo. Muito vos tem falado da “divina redenção da Dor”. Tem-vos sido dito que este mundo é um vale de lágrimas, um antro de demônios que se encarnam para expiar os seus pecados. Somente o sofrimento, dizem-vos, traz a luz e a libertação. Eu vos digo que tudo isso está acabado.

Faze o que tu queres há de ser tudo da lei.

4 – A Alegria do mundo

Não procures luz nas Igrejas e nos Templos; a Luz está em Ti. O sofrimento, é o fruto da ignorância, e sua presença é sintoma de erro, e não sinal de espiritualização. Todo ser humano que sofre, sofre por sua própria culpa, e no momento em que sofre. Os vossos erros passados determinam as vossas condições de manifestação; mas a essências do vosso íntimo, o fogo interno que queima no coração da estrela caída, está sempre presente em vós; está sempre presente em vós a possibilidade da Pedra Filosofal, que transmuta o pesado, penoso chumbo de Saturno no belo, luminoso Rubi e Ouro do Sol. Todo homem e toda mulher é uma estrela.

5 – Estrelas no mundo

A encarnação é uma batismo, uma queda, a finalidade da qual só é revelada nos transes da mais alta iniciação; mas pode ser-vos dito desde já que a finalidade da Encarnação não é a expiação de “culpas” da alma. Todas as culpas e todas as virtudes da alma são igualmente ilusões de Maya; e o Fogo Interno que queima no coração da Estrela Humana consome totalmente a teia ilusória do Karma desde o momento em que desperta para a consciência da sua verdadeira identidade. É este fogo interno que era simbolizado entre os Egípcios pela Cobra Capêlo levantada sobre a fronte de Faraó, o Sacerdote – Rei. É este fogo interno a mais alta manifestação daquilo que é, em parte, chamado Kundalini nos Tantras, e cuidadosamente cultivados pelos Agni-Yogis. A marca deste Fogo Interno está na testa do Buddha e de todas divindades Brahmânicas e Tibetanas. É uma das possíveis marcas da Bêsta, o Leão Solar. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. No folclore tradicional europeu, os filhos das fadas e as crianças protegidas ou vítimas de encantamentos traziam a marca de uma estrela na testa. Quando vítimas, elas estavam sempre sendo provadas.

6 – Quebra das correntes

Somente aquela influência que se torna mais poderoso sobre o teu destino realmente expressa o Teu Destino, ó Estrela Caída! Foge portanto daqueles que querem “salvar” por procuração. Não adores a Deus, pois quando o fazes, tentas obrigar a Deus que adore a si próprio em ti, e isso é masturbação. Adora antes o teu próximo, ou aquela pedra, ou o astro mais longínquo; “Pois Eu estou dividida por amor ao amor, pela chance de união”. Que ouça aquele que tem ouvidos de ouvir. Todo profeta, todo livro, todo deus que quer despertar em ti uma tendência a dobrar o joelho a alguma coisa ou sêr com exclusão do resto, é um profeta falso, é um livro tolo, é um deus negro.

Todo homem e toda mulher é uma estrela. Todo número é infinito; não há diferença.

Foge portanto daqueles que te querem convencer que o sofrimento voluntário, cego ou passivo, que a subjugação da liberdade da tua consciência a outra, que a negativização da tua aura, é O Caminho.

Tu és o Teu Próprio Caminho.

Por isto está escrito: Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos fará livres. Este mundo não é um antro de demônios expiando seus pecados; este mundo é um dossel de Deuses que dormem, e dormindo, sonham.

7 – A ressureição dos mortos

Tem-vos sido dito: Tende piedade dos pobres, dos humildes e dos fracos. Mas eu vos digo, que direito tendes de sentir piedade dos mortos, vós que estais mortos? Pois se estivésseis vivos, saberíeis que o espírito é eterno, indestrutível e divino; que a terra não pode enterrá-lo; que a água não pode afogá-lo; que o ar não pode soprá-lo; que o fogo não pode queimá-lo; que o éter mesmo, e os outros Dois, não são mais que envolturas tomada pela eterna chama quando repousa e sonha no regaço da Natureza. Portanto os Mestres são sem piedade e egoístas; calcam aos pés os que caem e pensam somente em Si Próprios; portanto está escrito que para fazer ouro é preciso ter ouro para começar; portanto está escrito que àquele que tem, mais lhe será acrescentado, mas aquele que não tem, até o que tem lhe será tirado; e portanto, também está escrito, na palavra de algum santo rabino da velha Judéia: Deixa que os mortos enterrem seus mortos.

8 – Lei da Liberdade

Aqueles que tem em mente a Libertação do Homem não podem aceitar se não a atividade individual e espontânea dos outros. Portanto, os Mestres limitam-se a apontar todos os detalhes úteis de uma situação, para fazê-la clara ao julgamento, e nunca salvam os homens de seus erros nem manifestam piedade pelos que caem. A compaixão é um sentimento ilusório e ofensivo à natureza real do homem. Acaso tendes piedade de Deus? A verdadeira caridade consiste em um transe espiritual pelo qual o discípulo chega à consciência da divindade contida em tudo que existe. Aos olhos de um vidente, a alma de um tal homem desabrocha como um Sol. Desse momento em diante, uma nova luz ilumina o mundo, um novo farol aponta o Caminho, a Ressurreição e a Vida. Tais são os Pelicanos, tais são os verdadeiros Sacrifícios (isto é, aquilo que é feito sagrado), tais são os Filhos da Luz, e é esta Luz que é a verdadeira caridade. Não dês esmolas aos mendigos; anula a mendicância no teu íntimo, e dá Vida, Amor, Liberdade e Luz à humanidade em peso. Que ouça aquele que tem ouvido de ouvir. Por isto a verdadeira fraternidade apresenta sempre os verdadeiros símbolos, mas sem explicá-los; a intuição das coisas divinas desperta certa atividade nos corações; movido por uma força dentro de si mesmo, o indivíduo une-se à corrente que harmoniza com sua capacidade de vibração. A verdadeira fraternidade não prega nem insiste. Limita-se a expor os fatos e deixa que cada qual os verifique por si mesmo e tire as suas próprias conclusões.

Não há nenhuma lei além de faze o que tu queres.

9 – A Verdadeira Vontade

Quereis fazer bem ao vosso próximo? Aumentai então a vossa sabedoria, a vossa saúde, a vossa riqueza; despertai a vossa atividade espiritual, e deixai que vosso próximo faça o mesmo quando quiser. Ficai certos que quanto mais felizes, saudáveis e ricos fordes, mais aumentareis a possibilidade da felicidade, saúde e riqueza alheias; pois aquele que se liberta da carga alivia a tarefa dos que ainda estão ligados a ela. Esta é a única maneira de aliviar eficazmente o Karma da Humanidade. Vedes em volta vossa miséria, sofrimento, paixões indisciplinadas e desejos artificiais e doentios. Quereis aliviar estas condições? Disciplinai o vosso íntimo, submetei a vossa entidade humana à Real Vontade de vossa essência divina; e quando o fizerdes, a vossa passagem na terra será um sopro de ar fresco através de um quarto fechado há muitos séculos. Por isto está escrito: Se queres tirar o arqueiro do olho de teu irmão, tira antes a trave que tens no teu.

Tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade. Faze isto, e nenhum outro dirá não.

10 – Deus Encarnado

Dizem-vos que Deus veio ao mundo, foi crucificado pelos nossos pecados, ressuscitou e subiu aos céus, mas por divina caridade morre novamente e se ergue novamente todo dia na cerimônia da missa. Ouvis isto, e dobrais o joelho? Cegos, não compreendeis que vós sois Aquele crucificado sobre a cruz da carne, e que a Crucifixão Vossa é o Batismo da Encarnação? Vós sois o Caminho, a Verdade e a Vida! Erguei-vos, como Ele se ergue diariamente, no Batismo da Ressurreição!

ROSA-CRUZ. Aumgn!

11 – Deus Falcão

Dizem-vos que o Sol Espiritual mergulhou sob a terra, e fazeis penitência e orais pela vossa salvação, tanto quanto o povo gemeu nas cerimônias da Morte de Asar-Osiris, lamentou-se durante a noite, e soltou gritos de alegria à ressurreição da manhã. Cegos, pois não vos ensinam já a todos nas escolas que o Sol não se põe nem se levanta, mas que em torno dele a Terra dança a dança das estações? Por isto havia no Egito um Deus misterioso que só adoravam aqueles que na cripta haviam tido murmurada ao seu ouvido a terrível revelação de que Osiris é um deus negro. Esse Deus era chamado Ha-Hoor-Khuit, o que significa Sol dos Dois Horizontes. Isto demonstra que os Iniciados Egípcios sabiam que a Terra gira em torno do Sol, coisa que a Igreja Cristã sempre negou e, em seu tempo, mandou iniciados à fogueira por querer revelá-lo ao mundo. E no entanto, Eppur si muove! (Ela assim se move)

Sê conosco, Deus-Falcão!

12 – A Política do Êxtase

Tem-vos sido dito: reprimi o vosso sexo! É a voz da Bêsta em vós. Mas eu vos digo: Sede tanto mais abençoados quanto mais fordes potentes, quanto mais ansiardes pela beleza e refrigério da Mulher! Porque, é verdade, a voz do sexo é a voz da Besta em vós; é a voz do Cordeiro de Deus e a voz do Leão Solar!

666. Aumgn!

13 – Abertura da porta do Templo

As macerações e o masoquismo psico-fisiológico são o defeito necessário de todos os sistemas religiosos desenvolvidos durante a Era de Virgo-Pisces. Por isto tem-vos sido dito que ir à igreja aos domingos, ou à sessão espírita uma vez por semana, ou ao candomblé na Sexta-feira ou Sábado, e abandonar-vos a uma receptividade passiva de diversas influências que são derramadas sobre vós, é adorar o verdadeiro Deus. Dizem-vos que a espiritualidade consiste em dobrar o joelho humildemente e confessar-se indigno e pecador, e oferecer meigamente o pescoço à espada temível do Juiz Supremo. Eu vos digo que tudo isso está acabado. Eu vos digo que só é verdadeiro o culto e só é santo o sacerdote cuja atividade desperta em vós a consciência, mesmo se temporária, da divindade de vós mesmos. Eu vos digo que na idade de Aquário-Léo, os homens devem orar pelos seus atos. Eu vos digo que os homens não mais se conhecerão pelas intenções, pelos pensamentos, ou mesmo pelas palavras; digo-vos que não há graça espiritual que vos salve da conseqüência de vossos atos, nem Juiz Espiritual que vos condene; digo-vos que a Lei do karma é a Lei de Causa e Efeito da Ciência; digo-vos que o Deus que recompensa ao que dobra o joelho e se confessa cheio de faltas e pede perdão é um vampiro, é um deus falso, é um deus negro; digo-vos que o Verdadeiro Deus está dentro de vós; digo-vos que nenhum dos vossos atos vos condena a não ser na medida que vos vela da consciência do Olho que se abre sobre vós; digo-vos que sois chamados à Grande Obra, e não a esperar que Algum ou Algo vos auxilie ou vos conduza; e digo-vos, enfim, que o maior crime que podeis cometer contra a Chama que queima em vosso coração é dobrar o joelho diante de qualquer relicário que não seja esse relicário interno.

Não sabeis que sois o Templo de Deus Vivo?

Eu sou só: não há nenhum Deus onde Eu Sou.

14 – Abundância de frutos

Não vos masturbeis psiquicamente em momentos de inspiração provocada por circunstâncias exteriores à vossa vontade, pensando que estais adorando a Deus quando apenas vos estais abandonando à expansão de um turbilhão astral. Se quereis orar ao Verdadeiro Deus, trabalhai; não importa em que, mas trabalheis com capricho, com devoção, fazendo do vosso trabalho vosso culto; pois quando trabalhais ativamente e com concentração, fazeis germinar as sementes de individualidade e iniciativa que existem latentes dentro de vós. Por isso está escrito: O que quer que tua mão faça, faze-o com todo o teu poder. E por isto, também, está escrito: Conhecê-los-eis pelos seus frutos.

15 – O lado escuro da lua

Há entre vós muitos que vos professais seguidores de Jesus, e que no entanto pretendeis como vosso Chefe Espiritual o Príncipe Conde St. Germain. Sabei então o que esse Mestre disse certa vez a um assustado discípulo: “Sim, meu amigo, Jesus não é nada: mas afligir-vos é sempre alguma coisa, e portanto, não mais falarei”. Osiris é um deus negro. Apo pantos kakodaimonos!

16 – A criança celeste

Somente a Criança Divina é o Deus de Luz para os próximos dois mil anos. Por isso está escrito que ninguém que não se torne como uma criancinha entrará no reino dos céus; e por isto está também escrito que o Leão e o Cordeiro se deitarão lado a lado, e uma criancinha os conduzirá.

Sê conosco, Deus Menino! Sê conosco, Deus Falcão!

17 – A Lei Única

Tem-vos sido dito: A lei natural é uma, a Lei Divina é outra. Mas eu vos digo que as leis naturais são as únicas leis divinas. Por isto o verdadeiro cientista, e principalmente o astrônomo, é o mais profundo sacerdote de Deus. A natureza é o corpo de Deus. Glória a Nossa Senhora das Estrelas, ó homens! Isis-Urânia, Mãe de Nós Todos, Aum!

18 – O elogio da lagarta

Escreveu um Grande Iniciado: “O fito daquele que queria ser Mestre é único; os homens chamam-no de Ambição Pessoal. Isto é, ele quer que seu Universo seja tão vasto, e seu controle de seu Universo tão perfeito, quanto for possível”. Leu um verme em forma humana estas palavras, e gritou: “Esse homem é egoísta e maligno! Ele quer dominar-me!” Leu um Aspirante estas palavras, e pensou alegremente: “Eis o meu fito”.

Os escravos servirão. Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir.

19 – Sobre Caridade

Vede em torno vosso muitos indivíduos que se professam verdadeiros seguidores do verdadeiro Deus, porque praticam a caridade, isto é, dão esmolas aos mendigos, socorrem os famintos, montam orfanatos e promovem auxílio aos desempregados. Em verdade vos digo que esses são cegos conduzindo os cegos; tanto os que conduzem como os que são conduzidos reagiram sempre ao círculo vicioso do Karma instintivo do homem lunar. Pois aquele que dá esmolas aos mendigos incita seu próximo à mendicância; aquele que socorre os famintos afasta muita vez o aguilhão que desperta uma consciência animal à atividade humana; aquele que monta orfanatos deveria antes ensinar aos ignorantes a controlar os seus instintos; e aquele que oferece emprego indiscriminadamente a um desempregado o mais das vezes interrompe uma fase de deslocamento que leva um homem a descobrir sua verdadeira vocação e vontade. Pôr isto os Mestres não auxiliam os homens, mas fazem com que eles aprendam a se auxiliarem a si próprios.

20 – Sobre Espiritismo

Uma palavra a dizer-vos sobre o espiritismo. Quer sejam os seus chefes espíritos descarnados, quer sejam cascarões astrais em processo de decomposição, quer sejam egrégoras de correntes das mentes instintivas associadas, existe em sua prática um defeito técnico e um defeito espiritual, a saber, que os médiuns desenvolvem a tendência a Ob no abandonamento passivo aos turbilhões astrais, o que é contrário aos deveres da evolução humana; e o inspirador espiritual dessas cohortes e desse movimento é dito ser “Jesus”, isto é, uma entidade que jamais existiu como tal, e que não foi mais que a máscara com que Osiris foi oferecido aos gregos e romanos. No passado, tudo isto seria talvez de pouca importância; mas lembrai-vos que a espiral tem dado mais uma volta, e que Osiris é um deus negro. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

21 – Sobre os cultos Afros

Uma palavra a dizer-vos sobre a macumba. Quer sejam os seus chefes espíritos africanos desencarnados, quer sejam demônios do baixo astral em disfarce, existe nas práticas deste movimento o mesmo defeito técnico que existe no espiritismo, isto é, o uso da força de Ob. Mas existe também uma diferença fundamental, que a macumba adora, sob diversos nomes os mesmos deuses do Pantheon greco-romano, os quais eram também adorados sob outros nomes por toda a Antigüidade, e que são personificações de grandes Forças através de cuja existência nos mundo sutis certas correntes espirituais são formadas para inspirar a vida dos homens. Por tanto a macumba é mesmos prejudicial à individualidade interna que o espiritismo, por isto que não ofende os fatos da Natureza: No passado tudo isto teria pouca importância; mas lembrai-vos que a espiral tem dado mais uma volta, e que despertou de seu sono de dois mil anos o mais misterioso Deus dos pagãos, o grande Deus Pan. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

22 – Sobre o comunismo

Uma palavra a dizer-vos sobre o comunismo. Quer se disfarce como primitivo cristianismo, quer se chame a si próprio materialismo científico, não é nem uma coisa nem outra, pois os primitivos cristãos adoravam a Deus n’Eles mesmos; refiro-me aos Gnósticos, que a Igreja Católica ferozmente perseguiu e dizimou, porque os sabia conhecedores da natureza da grande feitiçaria. Quanto a materialismo científico, isto é coisa que o comunismo nunca foi, sendo baseado num certo número de axiomas romanescos e idealísticos que nada tem a ver com os fatos da ciência; como, por exemplo, que os homens são todos iguais, quando a evidência é farta de que a lei natural a este respeito é variação da norma; e como, por exemplo, que possessões pessoais ofendem a comunidade humana, o que é fundamentalmente falso e até tolo, pois se a propriedade pessoal fosse o roubo, como querem os socialistas, os homens teríamos todos um só corpo, um só cérebro, uma só língua, um só pênis e um só anus. Ainda mais, a organização social pregada por este “materialismo científico” está em fragrante contraste com a lei natural de evolução por mutação e seleção das espécies; pois a genética nos ensina, e a observação da conduta das espécies o demonstra, que variações da norma produzem evoluções, e que a sobrevivência sempre tem que ser dos mais aptos. Toda sociedade humana, portanto, que não permite o máximo de liberdade para cada indivíduo de desenvolver livremente e por escolha própria as suas tendências naturais, e de competir livremente e igualmente com outros sobre o campo de batalha da vida, é uma sociedade idealística, que nada tem a ver com materialismo ou com a ciência. Portanto, o comunismo, como qualquer outra tendência à uniformidade e sujeição do indivíduo aos interesses de um rabanho ou de uma entidade fictícia (o “Estado”), é uma tendência malsã, idealística e viciosa; combatei-o com todas as forças de vossa individualidade, vós que sois verdadeiros homens!

Tu não tens o direito a não ser fazer tua vontade. Faze aquilo e nenhum outro dirá não.

Ouça aquele que tem ouvidos para ouvir.

23 – Sobre a Igreja Romana

Uma palavra a dizer-vos sobre a Igreja Católica. Está morta, como todos os que lhe pertencem, e sua aparente grande atividade presente não é mais que a turbulência inconsciente de decomposição de um cadáver gigantesco. Os cristãos aos Leões! Que ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

24 – Sobre a Maçonaria

Uma palavra a dizer-vos sobre a Maçonaria. Aquela que foi baseada na lenda de Hiram, lenda que, qual a de Jesus, não é mais que uma versão dramática adaptada à mentalidade ocidental do Ritual do Deus Sacrificado, isto é, Osiris, está tão morta quanto a Igreja Católica. Há porém esta diferença fundamental: que a Maçonaria tendo sido iniciada por Adeptos da Fraternidade da Luz para combater a grande feitiçaria da Loja Negra, neste momento mesmo novos brotos maçônicos estão sendo cuidadosamente regados pelos mestres encarregados da disseminação da Boa Nova, isto é, dos princípios sociais e espirituais da Nova Era; e esses mestres são, como disse uma inspirada das Lojas do Tibet, “um dos mestres ingleses e o Conde de Saint Germain”. O nome do Mestre inglês pode agora ser revelado: Ele era Sir Aleister Crowley, M. 33º e Rei da Ordem do Templo para a Inglaterra; e papel mais importante ainda ele desempenhou como encarnação da Besta 666. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. Quanto ao Conde de St. Germain, também chamado por alguns de Mestre Racoczy (e que sorri dessas tolices), ele segue os passos do Mestre Inglês com o mesmo assombro e admiração com que no passado seguiu os passos do Conde de Cagliostro. Que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. A Maçonaria está morta, ela vive. O Rei está morto, viva o Rei!

25 – Sobre a Educação

Uma palavra a dizer-vos sobre a educação das crianças. Vossos filhos não vos pertencem, e pais que não dão aos seus rebentos o nome deles próprios, seguindo de Filho, estão satisfazendo uma triste vaidade. Se vos conhecêsseis tal quais sois, e se realmente amasseis os vossos filhos, a última coisa que quereríeis no mundo é que eles se parecessem convosco. Na Nova Era, mais e mais crianças nascerão em cada família que não pertencem à gama vibratória dos pais. Isto é porque, de acordo com as predições de todos os videntes dos últimos duzentos anos, a família já não é mais a unidade do organismo social. Gamas vibratórias que se conservam coesas durante séculos, membros da mesma estirpe reincarnando-se constantemente na mesma corrente genética, estão para sempre partidas. O indivíduo, homem ou mulher, é a unidade do organismo social. A família agora não é mais que o primeiro conjunto de indivíduos a cuja presença a alma nova é submetida. Portanto, ó pais, se quereis o respeito de vossos filhos, não o exijais como um direito; provai pelo exemplo dos vossos atos que o mereceis, e vossos filhos galardoar-vos-ão o respeito com um prêmio que haveis conquistado. É esta sempre a Lei: desperta a virtude no teu íntimo, e verás com surpresa como a virtude se acende no coração dos outros. Ida está a idéia de laços familiares. Custa a morrer por causa da inércia do pensamento humano, imantado pelos hábitos de quatro mil anos (pois a família já estava formada no Aeon de Isis, que precedeu o de Osiris; somente, então era a mãe o chefe da família). Mas as suas convulsões, tal qual as da Igreja Católica e, de um modo geral, do Cristianismo, são as convulsões de um moribundo. Quanto mais os pais reforçam sua autoridade, mais os filhos se rebelam, e fazem bem. A pátria do homem é o mundo, o seu mundo é o universo, e a sua família é a humanidade inteira. Há um Deus de viver em um cão? Não! E se por acaso um Deus nasce no seio de uma alcatéia, e pedem-lhe que roa ossos como o resto, que esperais, senão que o Deus ultrajado se retire para o meio de seus semelhantes ou, num acesso de cólera, dizime os cães insolentes até que, assustados, param de importuná-lo e começam a obedecê-lo como é próprio? Os escravos servirão. Quereis educar bem os vossos filhos? Tratai-os como frescas incarnações da divindade, deuses recém-descidos ao mundo, verdes mensageiros das alturas, emissários do mundo misterioso do além-túmulo a que ireis dar um dia. Proporcionai-lhes todas as oportunidades de adquirir conhecimento e experiência, e deixai que eles escolham livremente entre todas as oportunidades que lhes proporcionais. Não os limiteis nunca a não ser nas coisas que o bom senso manda, isto é, na conservação da saúde e na disciplina da inteligência. Está bem comandar a uma criança que não ponha a mão no fogo, mas é melhor ainda explicar-lhe que o fogo queima os descuidados, e dar-lhe uma demonstração. Quando vosso filho ou vossa filha atinge a idade de responsabilidade, isto é, a puberdade, momento em que o Fogo se manifesta pela primeira vez através da inteira carne, ou a Água jorra pelos portais da vida com sua doçura e alegria, não tenteis apagar o fogo, nem tenteis represar a água. Ensinai antes ao menino e à menina tudo que sabeis a respeito da reprodução dos sexos, o que não é muito; ensinai-lhes como evitar a concepção involuntária, tendência natural do ser instintivo; ensinai-lhes as regras de higiene que conservam o aparelho criador livre das chamadas doenças venéreas: e assim, cumprido o vosso dever, deixai que corram os vossos filhos livremente o largo mundo. Se tivestes o cuidado de respeitar o julgamento de vossos filhos desde o berço, se cultivastes com desvelo a vossa essência interna, ressoando assim na virtude interna de vossos filhos, se, enfim, habituaste os vossos filhos ao destemor e à liberdade, eles amarão sem prejudicar e sem serem prejudicados, e voarão mais alto e mais longe do que jamais alcançastes. Que maior fonte de orgulho podem Ter os pais, que ver como os seus filhos os surpassam em tudo? E há nisto simples e saudável egoísmo, que se fazeis de vossos filhos homens e mulheres mais livres e mais fortes do que sois, eles, por sua vez, farão de vós homens e mulheres mais livres e mais fortes ainda, quando reincarnardes no meio deles. Cada criança que nasce e cresce saudável e livre é a esperança da humanidade. Regai portanto as flores, ó homens, se quereis um dia colher os frutos! Isto regenerará o mundo, o mundozinho minha irmã, meu coração & minha língua, a quem eu mando este beijo.

26 – Sobre a Sociedade

Existem analogias entre a sociedade humana e o corpo vivo que fareis bem em observar e imitar. Pois no corpo existem estruturas que mudam lentamente, que se desgastam e se renovam relativamente tão devagar que quase se poderia dizer que são imóveis. E no entanto estas estruturas são a base sobre a qual são construídas as estruturas mais fluidas. No corpo humano estas estruturas são os ossos, e na sociedade são as leis que regem o metabolismo das células chamadas homens. Pensai por um momento quão terrível seria se o esqueleto humano, ao invés de ser parcialmente flexível, e constituído de modo a permitir aos órgãos que se suportem uns aos outros suportando-se nele, fosse rígido e separasse os órgãos uns dos outros, ou os comprimisse de maneira a impedir a sua livre função! Tal se dá em casos kármicos de má conformação óssea, e muita vez observais e rides do resultado, em vez de vos lembrardes que o mesmo vos pode Ter acontecido em outra vida, ou pode acontecer-vos no futuro. E no entanto, rindo como rides dos corcundas e capengas, viveis vós mesmos numa sociedade horrenda pelas suas leis e seus hábitos, e nada fazeis para modificar sua pesada e antinatural constituição. Sabei portanto que as leis, tal como os ossos, devem ser organizadas para a máxima flexibilidade combinada com o máximo de força e permanência, e devem, pela sua estrutura mesma, permitir o máximo de iniciativa aos indivíduos e de intercâmbio às instituições. No aparente e imortal paradoxo do Conde de Fênix: A autoridade absoluta do Estado deve ser a função da liberdade absoluta de cada vontade individual.

TU NÃO TENS DIREITO A NÃO SER FAZER A TUA VONTADE. FAZE AQUILO, E NENHUM OUTRO DIRÁ NÃO. POIS VONTADE PURA, DESEMBARAÇADA DE PROPÓSITO, LIVRE DA ÂNSIA DE RESULTADO, É TODA VIA PERFEITA.

Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

27 – Sobre a morte

Eu me assombro cada dia em meio vosso, de ver como pagais serviço com vossos lábios a certas crenças, mas sempre desmentis vossas palavras com vossos atos. Dizeis acreditar em outra vida para a alma, onde ela será mais feliz do que foi aqui na terra, e chorais desabaladamente quando os vossos entes queridos (e até os vossos entes não-queridos) morrem. Dizeis acreditar que aquilo que Deus ligou o homem não pode desligar, e as vossas igrejas hediondas conspiram para que todas as leis sociais impeçam o mais possível aos homens que tentem desligar os laços matrimoniais.

Dizeis acreditar que a alma é salva pelo batismo na infância, e no entanto vossas igrejas e sacerdotes vis passam a vida inteira do batizado a espreitar, boquejar, e freqüentemente a condenar. Ó geração covarde e hipócrita! Dai um festim quando alguém morre, daí o cadáver de comer às bestas (ou ofertai-o ao hospital mais próximo), e confiai a alma às mãos de sacerdotes iniciados para que a acompanhem e aconselhem na viagem às plagas divinas, tal qual fazem ainda os simples povos do Tibet! Ó degenerados, ó devassos, ó impotentes! Não vos intrometais com as leis do Amor, que é o instrumento e modo de operação da vontade espiritual dos homens! Ó fariseus imundos, descrentes e malfazejos! Não compreendes que o Primeiro Batismo é a passagem através das Portas, que a água batismal é o fluido âmnico, e que no Aeon de Hórus o batismo sacerdotal há que ser de fogo, o fogo do Espírito Santo, tomado na Missa de Confirmação! Por isto está escrito: Eu vos batizo com água; mas Um virá após mim, maior que eu e ele vos batizará com Fogo.

Ra-Hoor-Khuit! Hoor-Paar-Kraat! HERU-RA-HÁ!

Sê conosco, Deus Menino! Sê conosco, Deus Falcão! Kyrie, Christe! IAO SABAO! AGIOS, AGIOS, AGIOS, IO PAN!

28 – Sobre falsas ordens

Muito pouco é conhecido da Rosa-Cruz, e no entanto pululam em vosso meio “ordens” e “fraternidades” fazendo uso desse NOME. Transcrevo aqui, para vossa edificação, as palavras simples de um homem que tinha algum conhecimento do que estava falando: (1) “É curioso mas é assim: para poder falar da mais elevada das entidades iniciáticas conhecidas no Ocidente devo usar tal nome sem antepor os termos: ‘Ordem,’ ‘Fraternidade,’ ou algo semelhante, para que o leitor ou o Discípulo não confundam com algumas das inumeráveis sociedades que, qual cogumelos surgiram com nomes imitativos da : “ROSA-CRUZ”. “É também necessário declarar aqui, algo que o não foi bastante claramente pelos que me precederam, que a ROSA-CRUZ, isto é, a misteriosa Fraternidade suprema, que atua com tal nome há uns três séculos somente no Ocidente, sempre existiu sob outras denominações. “Não tem sede que alguém possa situar em nenhuma cidade, nem seus Membros se declaram como tais. Isto é tudo que se pode dizer do ponto de vista da sua organização. Ao que se refere à sua atuação, parece muito simples explicá-la: cada vez que um ambiente determinado: sociedade, centro iniciático ou o que seja, NECESSITA E MERECE a atenção da ROSA-CRUZ, se envia algum Missionário relacionado pelo menos com os Círculos Externos d’Ela: ou, em outros casos, algum dos membros de dita sociedade ou fraternidade é inspirado, sendo também possível que ele mesmo não se dê conta cabal por muito tempo às vezes de como está sendo “inspirado, dirigido…e observado.” Quando finalmente se dá conta, é porque já está ‘MADURO’ em seriedade. Discrição, dedicação e capacidade. Isto é, pelo menos, o que sei de fonte que, como se diz em linguagem diplomática, ‘deve ser considerada como habitualmente bem informada…’ “

Mais tarde ainda, esse escritor acrescenta: TODA SOCIEDADE QUE SE DIGA OU SE TENHA PELA AUTÊNTICA E ÚNICA ROSA-CRUZ, OU BEM ESTÁ ENGANADA, OU ESTÁ ENGANANDO.

Ao bom entendedor, meia palavra basta.

29 – Sobre a Rosa e a Cruz

Do pouco que é conhecido da verdadeira ROSA-CRUZ, podemos concluir o seguinte: Primeiro, os ROSA-CRUZ adotam as vestimentas da época e país em que viajam ou atuam. Segundo, eles se conhecem imediatamente entre si por certas características que passam desapercebidas dos profanos. Terceiro, a influência ROSA-CRUZ está tão mais longe de organizações “rosacrucianas” quanto mais estas protestarem que está perto. Quarto, os ROSA-CRUZ adoram periodicamente em um Templo do Espírito Santo, onde aprendem a curar os doentes, transmutar os metais e onde comungam uns com os outros. Esse Templo está ao mesmo tempo em toda parte e em parte alguma; é a coisa mais fácil de achar pelo iniciado e a coisa jamais sonhada pelo profano. Quinto, a característica fundamental dos ROSA-CRUZ é que eles possuem o Elixir da Vida, a Pedra Filosofal, o Summum Bonum e a Felicidade Perfeita. Sexto, não se segue, de que os ROSA-CRUZ se dedicam a curar os doentes, que eles sejam médicos por profissão; nem se segue, de que eles possuem o Elixir da Vida, que eles prolonguem sua existência terrena. Aquele que escreve estas palavras não é Rosa-Cruz.

30 – Sobre a organização o Brasil

Para instrução e aviso dos Filhos do Sol: Três “fraternidades” principais se manifestam neste país, chamando-se a si mesmas rosacruz. A Ancient and Mystical Order Rosae Crucis (AMORC) foi fundada para um H. Spencer Lewis, iniciado nos círculos esternos da Ordem do Templo do Oriente (O.T.O.).

Desobedeceu ele as ordens dos seus superiores, dando a sua organização o Nome que absolutamente não merecia; traiu ele o seu mestre, ao qual, rico como se tornara pelas suas intrujices, deixou praticamente morrer de fome (pois assim era a Sua vontade); e foi por sua vez traído pelos seus comparsas em profanação. Esta “ordem” desobedece ao mais sério preceito de toda Ordem Iniciática real, em que recebe dinheiro para conferir iniciações. The Rosicrucian Fraternity in América, inicialmente de origem maçônica superior, degenerou progressivamente e, sob a gestão de R. Swimburne Clymer, traidor e infame membro da Loja Negra, foi corrompida pelos mesmos métodos da grande feitiçaria. É agora, com justiça, desprezada e encarnecida pelas Ordens que tentou usurpar.

A Fraternitas Rosicruciana Antiqua foi iniciada por um membro de alto grau da O.T.O., com permissão de seus superiores; mas a resolução do fundador (Dr. Arnold Krumm-Heller, “Huiracocha”) de usar o nome ROSA-CRUZ foi deplorada por todos os Irmãos, os quais por conseqüência se afastaram do fundador e da Ordem. Ela está agora em vias ou de dissolução ou de transmutação; que a responsabilidade de uma ou da outra recaia sobre seus dirigentes, como já recaiu sobre o seu fundador!

31 Sobre a Grande Fraternidade dos Irmãos da Luz

A Grande Fraternidade dos Irmãos da Luz tem várias subdivisões, das quais as principais para este planeta são a Fraternidade Negra (que não deve ser confundida com a Loja Negra), a Fraternidade Amarela e a Fraternidade Branca. Elas são simbolizadas na Cabala pelos três filhos de Noé.

A Fraternidade Negra mantém que toda manifestação tem forçosamente que ser da natureza de sofrimento; que o fito do homem deve portanto ser esgotamento do Karma pessoal e absorção no Nirvana. Nessa Fraternidade foi o Buddha Sidharte Galtama o maior expoente; seu livro canônico foi o Dhammapada.

A Fraternidade Amarela mantém que toda manifestação, sendo forçosamente resolvida de cima, deve Ter razão de ser; e que portanto o fito do homem deve ser adaptar-se plasticamente às condições de manifestação, eliminando fricção, e jamais presumindo de modificar, de uma maneira ou de outra, os processos da Natureza. O maior expoente dessa Fraternidade foi Lao-Tse, e seu livro canônico o Livro do Tao.

A Fraternidade Branca mantém que o fito do homem é tornar-se aquilo que Madame Blavatsky chamava um Nirmanakaya; que a Grande Obra é a transmutação progressiva, primeiro dos metais pessoais em ouro, depois dos metais planetários em ouro, e finalmente dos metais universais em ouro; e que o propósito e divertimento do adepto deve ser fazer com que o deserto floresça de beleza e perfume. O maior expoente dessa fraternidade foi e é a Grande Besta do Apocalipse e seu livro Canônico, que não é seu, mas pertence a Nossa Senhora das Estrelas, ao Fogo Divino e à Criança Solar, é o Livro da Lei.

E porque tu não possuis Sabedoria, não saberás se essas três Fraternidades, que sempre se antagonizam e completam umas as outras, fazem uma ou fazem três. Ouça aquele que tem ouvidos de ouvir.

32 – Sobre os sábios do Oriente

Lao-Tse veio ao mundo e disse, entre outras coisas, que o Tao que pode ser concedido não é o verdadeiro Tao. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Lao-Tse; e hoje seu livro é um joguete dos tolos e pedantes. Thoth (mas realmente Tahuti) veio ao mundo e disse, entre outras coisas, que a sabedoria consiste em estruturalizar a mente de uma forma tão orgânica, tão flexível e tão fluída, que a mente se torna um veículo adequado para o Verbo Criador. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Thoth; e hoje Seu Livro é em parte usado como base de jogos de salão.

Buddha veio ao mundo e disse que não havia nem salvador nem salvação, que dores e macerações não conduzem o homem à paz divina; que toda manifestação era necessariamente da natureza de um sofrimento, e que a essência da sabedoria consiste na extinção. Portanto os homens se reuniram e, depois de sua morte, fizeram um Salvador de Buddha, rezaram penitência em seu nome, e imploraram a ele que os conduzisse à libertação.

Dionísio veio ao mundo, ele, Osiris Ressurrecto, e ensinou aos homens que no processo de geração, com sua morte e ressurreição, está contido o supremo mistério da construção do templo do Espírito Santo, do Verbo manifestado em carne, do Reino na Terra. E portanto os homens adoram-NO sob muitos nomes, inclusive o de Jesus, e rogam-lhe que os conduza à salvação. E no entanto, Ajuda-te, que Deus te ajudará, diz a sabedoria do povo. Mohammed veio ao mundo e destruiu parcialmente a grande feitiçaria da Loja Negra, engendrada após a extinção metódica da Igreja Gnóstica Exotérica, e perseguição que durou vinte séculos da Igreja Gnóstica Esotérica. Glória a Mohammed, Espada de Deus! Profeta parcial, mas profeta contudo, da Unidade de Deus e da Virilidade do homem! E agora, vos é dito: Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir a Voz da Besta 666.

33 – Chamando os Filhos do Sol

A nossa Fraternidade é a Fraternidade dos Filhos da Luz. A nossa Habitação é o Lago de Fogo Eterno, o Sol. O nosso Pai é Satã, o Senhor do Fogo Eterno, o Senhor do Sol, o Logos Solar. Os nossos chefes são a Besta 666, o Leão Solar, e a sua Concubina BABALON. Quando encarnados sobre a Terra eles são sempre um homem e uma mulher, cuja atividade superior desperta o fogo estelar no coração dos homens.

Acima de nosso Pai Satã, que também foi através dos tempos chamado Abrasax, Mitras, Ra, Bal, Al, Allah, Cristo e incontáveis nomes, há Nossa Senhora das Estrelas, em cujo seio nosso Pai repousa, e Hadit Seu Esposo, dos quais nada é permitido revelar, e dos quais nosso Pai é um dos filhos, cujo corpo é a Estrela Sol.

Os homens sempre tem adorado o Sol Espiritual, do qual somos chispas cristalizadas sobre a Terra, e nossos sonhos e anseios divinos são memórias de nossa Casa, o Imenso Lago de Luz. Falamos aqui dos Filhos do Sol, pois há outros encarnados sobre a Terra que são filhos de outras estrelas; pois, como está escrito, a casa de meu Pai tem muitas moradas. Mas estas coisas são de interesse apenas para os mais altos iniciados, porque só eles podem realmente compreende-las e utilizá-las.

Na era de Aquário-Léo, o mundo já foi regenerado pelo Fogo; a Estrela caiu sobre a Terra, e a escuridão do mundo já se enverdece e galardoa de Aurora. Hoje Ele não é nosso Pai, apenas; é nosso Mestre e nosso Esposo; é Nós Mesmos, a Criança Coroada e Conquistadora, Horus, o Filho de Isis e Osiris, em seu nome Heru-Ra-Há; o Deus Menino, o Verbo feito Carne em cada um de nós!

Tu que és eu mesmo, além de tudo meu;

Sem natureza, inominado, ateu;

Que quando o mais se esfuma, ficas no crisol;

Tu que és o segredo e o coração do Sol;

Tu que és a escondida fonte do universo;

Tu solitário, real fogo no bastão imerso;

Sempre abrasando; tu que és a só semente

De liberdade, vida, amor e luz eternamente;

Tu, além da visão e da palavra;

Tu eu invoco; e assim meu fogo lavra!

Tu eu invoco, minha vida, meu farol,

Tu que és o segredo e o coração do Sol

E aquele arcano dos arcanos santo

Do qual eu sou veículo e sou manto

Demonstra teu terrível, doce brilho:

Aparece, como é lei, neste teu filho!

Amor é a lei, amor sob vontade

Esta foi a primeira publicação thelêmica no Brasil, resultado de uma ordália passada por Frater Saturnus à Frater Aleph. Pouco depois de lança-lo, Marcelo Motta o recolhe logo em seguida por discordar de algumas conclusões a que chegou na obra. Poucos compraram na época, sendo um deles Frater Thor.

Marcelo Motta

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/chamando-os-filhos-do-sol/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/chamando-os-filhos-do-sol/

Quando Israel era menino, parte 1

Texto de Mircea Eliade em “História das crenças e das ideias religiosas, vol. I” (Ed. Zahar) – trechos das pgs. 162 a 165. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Algumas das notas ao final são minhas.

A religião de Israel é acima de tudo a religião do Livro. Esse corpo de escrituras é constituído de textos de idade e orientação diversas, que representam, por certo, tradições orais bastante antigas, mas reinterpretadas, corrigidas, redigidas durante vários séculos e em diferentes meios [1]. Os autores modernos começam a história da religião de Israel por Abraão. Na verdade, segundo a tradição, ele é o escolhido de Deus para se tornar o ancestral do povo de Israel e tomar posse de Canaã. Mas os 11 primeiros capítulos do Gênese relatam os acontecimentos fabulosos que precederam a eleição de Abraão, desde a Criação até o dilúvio e a Torre de Babel. A redação desses capítulos é, como se sabe, mais recente que muitos outros textos do Pentateuco. Por outro lado, alguns autores – e dos mais notáveis – afirmaram que a cosmogonia e os mitos de origem (Criação do homem, origem da morte, etc.) desempenharam papel secundário na consciência religiosa de Israel. Em suma, os hebreus interessavam-se mais pela “história santa”, isto é, pelas suas relações com Deus, que pela história das origens.

[…] Isso pode ser verdadeiro a partir de determinada época e, sobretudo, para certa elite religiosa [2]. Mas não há razão para concluir que os antepassados dos israelitas fossem indiferentes às questões que apaixonavam todas as sociedades arcaicas. […] Ainda em nossos dias, depois de 2.500 anos de “reformas”, os acontecimentos referidos nos primeiros capítulos do Gênese continuam a alimentar a imaginação e o pensamento religioso dos herdeiros de Abraão.

Na abertura do Gênese, temos este passo célebre: “No princípio, Deus (Elohim) criou o Céu e a Terra. Ora, a Terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas” (I:1-2) [3]. A imagem do oceano primordial sobre o qual paira um deus criador é muito arcaica [4]. Entretanto, o tema do deus sobrevoando o abismo aquático não é atestado na cosmogonia mesopotâmica, ainda que o mito relatado no Enuma elish fosse provavelmente familiar ao autor do texto bíblico. (De fato, o oceano primordial é designado, em hebraico, tehôm, termo etimologicamente solidário do babilônico tiamat [5]). A Criação propriamente dita, ou seja, a organização do “caos”, é efetuada pelo poder da palavra de Deus. Ele diz: “Haja luz”, e houve luz (I:3). E as etapas sucessivas da Criação são sempre realizadas pela palavra divina. O “caos” aquático não é personificado (cf. tiamat) e, por conseguinte, não é “vencido” num combate cosmogônico.

[…] O mundo é “bom” e o homem é uma imago dei; ele habita, tal como seu Criador e modelo, o paraíso. Entretanto, como o Gênese não tarda a salientar, a vida é penosa, apesar de ter sido abençoada por Deus, e os homens já não habitam o paraíso. Mas tudo isso é o resultado de uma série de erros e pecados dos antepassados. Foram eles que modificaram a condição humana. Deus não tem responsabilidade alguma nessa deterioração de sua obra-prima. Assim como para o pensamento indiano pós-upanixádico, o homem, mas exatamente a espécie humana, é o resultado de seus próprios atos [6].

O outro relato, javista [ver nota 1], é mais antigo e difere claramente do texto sacerdotal que acabamos de resumir. Já não se trata da Criação do Céu e da Terra, mas de um deserto que Deus (Javé) tornou fértil por meio de uma onda que subia do solo. Javé modelou o homem (âdâm) com a argila do solo e animou-o insuflando “em suas narinas um hálito de vida”. Pois Javé “plantou um jardim em Éden”, fez brotar todas as espécies de “árvores boas” e instalou o homem no jardim “para o cultivar e o guardar” [7]. Em seguida, Javé deu forma aos animais e às aves, levou-os a Adão e este lhes deu nomes. Finalmente, depois de tê-lo adormecido, Javé tirou uma de suas costelas e formou uma mulher, que recebeu o nome de Eva (em hebraico hawwâh, vocabulário etimologicamente solidário do termo que significa “vida”).

Os exegetas observaram que o relato javista, mais simples, não opõe o “caos” aquático ao mundo das “formas”, mas deserto e seca a vida e vegetação. Parece plausível que esse mito de origem tenha nascido numa zona desértica. Quanto à formação do primeiro homem com argila, o tema era conhecido na Suméria. Mitos análogos são atestados quase no mundo inteiro, desde o antigo Egito até as populações “primitivas”. A ideia básica parece a mesma: o homem formou-se de uma matéria-prima (terra, madeira, osso) e foi animado pelo hálito do Criador. Em muitos casos, tem a forma de seu autor. Em outras palavras, mediante sua “forma” e sua “vida”, o homem comparte, de algum modo, a condição do Criador. Só o seu corpo é que pertence à “matéria” [8].

A formação da mulher a partir de uma costela retirada de Adão pode ser interpretada como indicadora da androginia do homem primordial. Concepções similares são atestadas em outras tradições. […] O mito do andrógino ilustra uma crença bastante difundida: a perfeição humana, identificada no antepassado mítico, encerra uma unidade que é simultaneamente uma totalidade. […] É de salientar que a androginia humana tem por modelo a bissexualidade divina, concepção compartilhada por muitas culturas [9].

» Em seguida encerraremos com Caim, Abel, cultivadores e pastores…

***

[1] Nota do autor: […] As fontes dos cinco primeiros livros da tôrâh (Pentateuco) foram designadas pelos termos: javista, porque essa fonte, a mais antiga (séc. X ou IX a.C.), chama a Deus por Javé; eloísta (ligeiramente mais recente: utiliza o nome Elohim); e deuteronômica (quase que exclusiva do Deuteronômio).

[2] Não foi à toa, penso eu, que os primeiros livros da tôrâh eram conhecidos como “os livros da lei”. Eis o que nos diz Alan Dershowitz, professor de direito de Harvard, sobre o Gênese: “É sobre o mundo antes de haver lei. É sobre um Deus em aprendizagem, lutando para ser justo, sem regras (antecedentes). Deus não teve problemas em criar um universo físico, só precisou de seis dias. Ele teve mais dificuldade quando chegou à parte da justiça… O Gênese é sobre isso, sobre tentar fazer as coisas direito, com justiça”. Ou seja: a preocupação de uma suposta elite religiosa com a história somente a partir de Abraão, em detrimento dos mitos de criação, talvez se explique pelo fato de ser exatamente esta elite de legisladores quem debatia e elaborava as leis hebraicas.

[3] Somente este trecho traz inúmeros questionamentos. Por exemplo, o “vento de Deus” poderia ser traduzido (como normalmente o é, nas traduções modernas) como “espírito de Deus”. Ocorre que a palavra que se refere a “Deus” é usada duas vezes: Elohim seria tanto “Deus” quanto o “espírito de Deus”. No entanto, a palavra Elohim pode ser vista tanto no singular quanto no plural, quando normalmente se refere a “deuses” (por exemplo, em XXXV:2). Dessa forma, nada nos impediria de considerar uma tradução como: “No princípio, Deus criou o Céu e a Terra (…) as trevas cobriam o abismo, e os deuses pairavam sobre as águas”. Este tipo de interpretação indica que Deus já havia “tido filhos”, ou irradiado “outras criaturas” de si mesmo, ainda no princípio.

Mesmo aqui, ainda podemos alinhar a possível origem etimológica de “Elohim” ao deus “El”, o “pai dos deuses” das religiões e mitologia dos primeiros semitas a se estabelecerem em Canaã, pouco antes de 3 mil a.C. Até 1929, as informações sobre tais mitos eram fornecidas pelo Antigo Testamento e alguns escritores gregos. Ocorre que o AT trabalha exatamente para a “demonização” dos deuses pagãos, e deve ser visto com certa desconfiança neste contexto.

Mas felizmente, em 1929, uma grande quantidade de textos mitológicos foi descoberta em escavações em Ras Shamra, a antiga Ugarit, cidade portuária da costa Síria, que pode ter sido fundada ainda em 6 mil a.C. Embora a religião de Ugarit nunca tenha sido a religião de toda Canaã, é lá que se ouve falar, pela primeira vez, de El, o “pai dos deuses”, e de Baal, “o Senhor da Terra, que castra o pai e toma seu lugar como administrador do mundo”. Em XXXIII:20 ficamos sabendo que um dos nomes de Deus é exatamente “El”.

[4] Nota do autor: Em numerosas tradições, o Criador é imaginado sob a forma de um pássaro. Mas trata-se de um “endurecimento” do símbolo original: o espírito divino transcende a massa aquática, é livre para mover-se; portanto, “voa” como um pássaro.

[5] Ou seja, tanto o oceano primordial quanto a “serpente-dragão” (tiamat) representariam o caos. Coube a um “herói” mitológico, ou ao próprio Deus, “matar a serpente e a separar em dois”, ou separar os Céus da Terra, e criar todas as coisas a partir de um oceano disforme, um “caos primordial”.

Para outros temas “serpentuosos”, recomento lerem o artigo Serpentes.

[6] Segundo os upanixades, entretanto, a “culpa” não recai sobre o “pecado original” de um antepassado, mas é fruto dos erros dos próprios homens, quando em vidas passadas.

[7] O mito javista é ainda mais próximo do mito de criação do povo Bassari, da África Ocidental: “Unumbotte (Deus) fez um ser humano e seu nome era Homem, e depois fez muitos outros seres (Mulher, Serpente, Antílope, etc.). Então, deu-lhes sementes de todos os tipos e lhes disse: ‘Plantem todas essas sementes’…” – E nele também há o “fruto proibido” que, uma vez comido, faz com que Homem e Mulher sejam “expulsos do jardim”. Aqui também encontrarão maiores detalhes no artigo Serpentes.

[8] Dessa forma, as concepções de vida após a morte através da ressurreição de um “corpo incorruptível” não são somente uma abominação (ao menos em relação à quase totalidade da mitologia antiga), como um “ponto de vista” extremamente materialista em relação à espiritualidade em geral.

[9] Nota do autor: A bissexualidade divina é uma das múltiplas fórmulas da “unidade/totalidade” representada pela união dos pares de opostos: feminino/masculino, visível/invisível, Céu/Terra, luz/escuridão, mas também bondade/maldade, criação/destruição, etc. A meditação sobre esses pares de opostos levou, em diversas religiões, a conclusões audaciosas referentes tanto a condição paradoxal da divindade quanto à revalorização da condição humana.
Meu complemento: Isto tudo tem muito a ver com hermetismo, Parmênides, estoicismo, Plotino e Espinosa. Mas, saindo do conceito de “Uno” e focando apenas nas “dualidades” (particularmente: essência/forma, permanência/impermanência, eternidade/tempo, etc.), chegaremos nas grandes religiões orientais – taoismo, budismo, e algumas interpretações do hinduísmo.

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Crédito da foto: Damon Lynch

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#história #MirceaEliade #Mitologia #Religião

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/quando-israel-era-menino-parte-1

A Espiritualidade Queer nas Comunidades Mágicas Modernas do Leste Asiático

O TAO DO ENTENDIMENTO OPOSTO:

Para uma abordagem mais prática do pensamento taoísta, serei seu convidado especial. Se você leu outros livros meus, pode se surpreender ao me ver como o representante do taoísmo, já que minha abordagem do espiritual é mais eclética e uma colcha de retalhos do que há de melhor. Mas cá entre nós, já que passamos tanto tempo juntos nessa jornada global, vou contar um pequeno segredo: no nível central da minha espiritualidade, sou mais taoísta do que qualquer outra coisa. Sim, sigo a filosofia hermética, tenho devoção à Santa Muerte e participo de práticas ecléticas de várias tradições, mas o taoísmo é o que me mantém fundamentado e atua como minha perspectiva básica a partir da qual vejo tudo isso e o mundo ao meu redor. Então, aqui estão algumas filosofias LGBT+ taoístas que eu usei e espero que você experimente pelo menos uma vez.

Como o Tao, tanto o gênero quanto a identidade são fluidos e impermanentes. Você pode se considerar masculino, mas isso é relativo, pois algumas pessoas podem ser consideradas mais masculinas ou menos masculinas do que você. Então, se a masculinidade não é sequer capaz de ser definitivamente identificada, a busca da masculinidade é, por sua própria natureza, uma tarefa absurda e impossível. O mesmo vale para a feminilidade. Como alguém pode realmente se chamar de masculino ou feminino quando esses ideais existem apenas em comparação com seus opostos, que, por sua vez, só existem em comparação com esses ideais iniciais?

Ainda assim, vivemos em um mundo onde os rótulos são uma necessidade. A vida é muito mais fácil quando podemos apontar para algo e saber imediatamente o que é e o que não é. Ao comparar o que não é, entendemos o que é. A masculinidade é assim porque não é feminina, e a feminilidade é assim porque não é masculina. Mas e tudo no meio? E o que é masculinidade/feminilidade afinal? Bem, o taoísmo tem uma abordagem única para entender os extremos e os espaços entre eles.

O capítulo 36 do Tao Te Ching expõe essa ideia de realização por meio de ações aparentemente opostas:

Se alguém deseja reduzi-lo
Deve-se primeiro expandi-lo
Se alguém deseja enfraquecê-lo
É preciso primeiro fortalecê-lo
Se alguém quiser descartá-lo
Deve-se primeiro promovê-lo
Se alguém quiser agarrá-lo
Deve-se primeiro dar-lhe
Isso é chamado de clareza sutil
O mole e o fraco superam o duro e o forte. 199

Aplicando esta lição na prática, a melhor maneira de entender nossa própria identidade de gênero é primeiro entender o oposto. Então, para se tornar mais masculino, primeiro você precisa se tornar mais feminino e vice-versa. Eu sei que parece ridículo no começo, mas se você pensar sobre isso, é verdade. Pense no homem ideal, um homem que sabe tratar bem uma mulher em todos os níveis: emocional, social, sexual. Ele só pode ser esse homem ideal porque entende os desejos e necessidades de uma mulher. Ser a mulher ideal é a mesma coisa; ela entende os desejos e necessidades de um homem. Quando você entende verdadeiramente a psique do sexo oposto, sabe como abordá-los e, assim, ser o ideal de um verdadeiro homem ou mulher aos seus olhos.

A maioria das pessoas não entende o sexo oposto porque não tem tempo para pensar fora da caixa de sua própria identidade de gênero. Então, o exercício taoísta para você é passar o tempo sendo o sexo oposto. Em um dia de folga do trabalho, viva um dia na vida. Se você se considera masculino, levante-se mais cedo para pentear seu cabelo de uma maneira especial, aplique maquiagem, use roupas femininas se tiver acesso a elas, assista a um “chick flick (gíria inglesa para filmes destinados geralmente destinados à audiência feminina, como Cinquenta Tons de Cinza, Crepúsculo, Aquamarine, Legalmente Loira, O Diabo Veste Prada, Titanic, Ghost, Ritmo Quente, O Guarda-Costas, para citar os mais conhecidos)” e saia e visite lojas e locais estereotipados como femininos (dentro/fora do drag, dependendo do seu nível de conforto e segurança).

Se você se considera feminina, passe o dia fazendo coisas estereotipicamente masculinas: sente-se com as pernas abertas e os cabelos compridos escondidos sob um chapéu, assista a um filme de ação brega, vá para uma quadra de basquete ou gaiola de rebatidas para praticar algum esporte, etc. Sim, estes são todos estereótipos, mas esse é o ponto. Ao viver os extremos ridículos do outro gênero, todas as outras diferenças começam a parecer menos ridículas em comparação.

E se sua reação imediata for “eu não vou fazer isso”, então eu te pergunto: por que não? Há algo de errado em ser feminino ou masculino? O que exatamente você tem que é tão contra essa atividade? Se você se considera de mente aberta, então este é o momento de falar.

Afinal, o importante a lembrar é que isso é mais do que fazer drag e fingir. Para ver como a outra metade vive, tente realmente incorporar o sexo oposto na mente e no espírito, não de maneira zombeteira, mas de uma maneira profundamente psicanalítica que promova a compreensão. Uma vez que você realmente experimente a feminilidade, você entenderá a masculinidade, e uma vez que você realmente experimente a masculinidade, você entenderá a feminilidade. Até então, você está realmente apenas adivinhando.
—Tomás Prower.

O CANTO DO MANTRA BUDISTA NICHIREN:

Voltar para dar outro exemplo é Nikko, nosso residente budista queer. Você já sabe como o budismo foi uma força transformadora para melhor em sua vida como homem gay. Aqui ele vai compartilhar um canto de mantra budista japonês para nós praticarmos por conta própria, o que pode nos levar a uma maior iluminação.

O mantra do Budismo Nichiren é “Nam-myohorenge-kyo,” também conhecido como daimoku. Cantar o daimoku é a principal prática de milhões de budistas Nitiren em todo o mundo. Esta prática, juntamente com o estudo dos escritos da tradição, é dita para ajudar os praticantes em sua busca para transformar suas vidas e atingir a iluminação.

Esta forma de budismo foi iniciada por um sacerdote japonês do século XIII chamado Nichiren. A busca de Nichiren era estabelecer uma prática que fosse facilmente acessível para todas as pessoas, independentemente de classe, ocupação, nível de educação ou sexo. Nichiren baseou seus ensinamentos no Sutra de Lótus, uma antiga escritura budista.

Cantar daimoku é como um treino espiritual para explorar a natureza de Buda. Nossa natureza de Buda pode ser vista como nosso potencial inerente caracterizado por uma condição de vida energizada com maior coragem, compaixão e sabedoria.

Há muitas camadas de significado para a frase “Nam-myoho-rengue-kyo”. Por uma questão de brevidade, pode ser traduzido como “Eu dedico minha vida à maravilhosa lei de causa e efeito” – que leva ao estado de Buda – ou “Eu me dedico ao ensinamento do Sutra de Lótus” – que é que todos nós tem a natureza de Buda.

Os curiosos interessados em testar a prática podem seguir os passos listados abaixo:

1. Faça uma lista de metas que deseja realizar. (O Budismo de Nichiren Daishonin leva em conta a realidade em que os leigos se encontram. Os desejos não são vistos como algo a ser eliminado, mas sim enfrentado e transformado.)

2. Escolha um lugar onde você possa relaxar e cantar confortavelmente em voz alta. Você pode estar sentado em uma cadeira, ajoelhado ou sentado com as pernas cruzadas. É com você. Basta estar confortável.

3. Escolha um ponto de foco em uma parede em branco ligeiramente acima do nível dos olhos. Mantenha os olhos abertos e concentre-se no ponto selecionado.

4. Segure as mãos com as palmas voltadas para dentro e se tocando (uma posição de oração frequentemente vista) na frente do peito.

5. Mantenha as costas o mais retas possível, mantendo-se confortável.

6. Não há necessidade de esvaziar a mente ou visualizar nada em particular. Seja você mesmo e concentre-se em suas esperanças e orações.

7. Comece a cantar “Nam-myoho-rengue-kyo”. As palavras são pronunciadas da seguinte forma:

• Nam (Nahm, Namu) = Nahm-moo (Nárm-mú)

• Myoho = Mee-yoh-hoh (Mí-io-rrô)

• Renge = Rain-gay (Reín-guêi)

• Kyo = Kee-oh (Kí-ô)

8. O ritmo recomendado de recitação é vigoroso e rápido.

Comprometa-se a cantar por 5 a 10 minutos duas vezes ao dia todos os dias por algumas semanas. As sessões de canto devem ser feitas pela manhã e à noite.

Estabelecer um ritmo duas vezes ao dia é importante. Yon também pode fazer cânticos extras sempre que tiver tempo livre ou estiver enfrentando um problema.

Deixe as palavras e suas vibrações penetrarem profundamente em sua vida. Permita que eles tragam sua sabedoria e reenergize você com a força para não ser derrotado e superar seus problemas e aflições. Depois de alguns dias ou semanas, observe como o canto o ajudou a alcançar seus objetivos ou os transformou em uma realidade mais construtiva.

Para realmente aproveitar ao máximo a prática, você deve ler, estudar e aplicar os escritos de Nichiren e o Sutra de Lótus. Estes podem ser encontrados online através de várias organizações budistas Nichiren.
—Nikko.

Bibliografia:

199. Lin, Tao Te Ching.

Fonte: Queer Magic, por Tomás Prower.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/a-espiritualidade-queer-chinesa/

A roda dos deuses (parte 1)

Há uma lenda bastante difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo.

A verdade, no entanto, pode ser mais profunda… Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em todo o globo, e em O poder do mito ele deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes religiões ocidentais, e as orientais: Enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria das pessoas identifica Deus com a fonte da Alma do Mundo, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o veículo desta energia transcendente.

Por isso as religiões ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões orientais tendem a ver esta divindade por toda a volta – ela seria o próprio fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as coisas.

O curioso é que ambas as visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se observar este grande mistério: “porque existe algo, e não nada?” Para resolver tal questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente dentro de si mesma… Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única fonte, mas que preenchem a tudo o que há, é precisamente isto a roda dos deuses. Reflitamos:

O Uno

Conta-nos o estudioso de mitologia e religiões, Mircea Eliade [1], que os poetas criadores do Rig Veda hindu já se questionavam, provavelmente muito tempo antes dos hebreus, acerca do problema do ser, ou do incrível fato de, afinal, algo existir: “O Uno respirava por impulso próprio, sem que houvesse inspiração ou expiração (…) Afora isso, nada mais existia”. Depois, segundo eles, através de um ato de desejo e vontade, a “semente primeira” dividiu-se em “alto” e em “baixo”, num princípio masculino e noutro feminino, e depois irradiou ou emanou de si mesma, como um pensamento, tudo o que há.

Desta forma, os milhares de deuses hindus são, eles mesmos, uma “criação secundária”. Daí nasce o grande questionamento de um desses poetas hindus anônimos e ancestrais: “Será que aquele que zela por este (mundo) no lugar mais alto do firmamento é o único a saber (da origem da “criação secundária”) – ou nem mesmo ele sabe?”.

Se é verdade que nem todas as interpretações dos Vedas chegaram a tal profundidade, não é verdade que nenhum sábio hindu tenha chegado a conclusões muito próximas dos hebreus – tudo o que há haveria de ter sido criado ou irradiado de uma só fonte, de um só Deus. Dessa forma, a ideia básica do monoteísmo está longe de ser uma criação do judaísmo, ou pelo menos, apenas do judaísmo.

Esta mesma conclusão está presente no Antigo Egito (particularmente no hermetismo), na filosofia de Parmênides (e alguns filósofos pré-socráticos que não a desenvolveram com a mesma profundidade), no estoicismo, no pensamento de Plotino e, mais recentemente, na monumental obra de Espinosa, a Ética.

Mas, e seria este Uno um ser pessoal, ou alguma espécie de energia inefável, de força ou lei oculta da Natureza? Disto não podemos saber, apenas apostar… Mas, ainda que apostemos na hipótese da energia inefável, ainda aqui teremos sido precedidos por Lao Tsé em muitos séculos: “O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo. Não sei de quem possa ser filho, pois parece ser anterior ao Soberano do Céu” (Tao Te Ching, verso 4).

A Deusa Mãe

A adoração do aspecto feminino, fértil e vivificador da divindade data da pré-história (o que pode ser comprovado pelas inúmeras estatuetas de uma “grande mãe” encontradas pelos arqueólogos em vários pontos do mundo).

Quase 3 mil anos antes de Cristo, na grandiosa cidade de Uruk, na Suméria, o templo de Ishtar dominava a civilização da primeira grande cidade. Ishtar, entretanto, era apenas mais um nome dado a Grande Deusa, que era adorada então por muitas outras culturas na Terra. Nada se comparava ao poder da mulher. Toda a vida provinha dela e sem seu alimento nenhuma vida sobreviveria. A Mãe era a vida. A Terra era a Mãe. Deus era Mulher. O matriarcado dominou grande parte do período em que se cultuou a Deusa Mãe.

Certamente o advento da agricultura contribuiu ainda mais para que o mistério do nascimento ocupasse um ponto central das religiões antigas. A Terra era associada ao ventre e, como os vegetais, os homens nasciam do solo, e voltavam ao solo durante a morte. Provavelmente tais mitos tenham sido a fonte primária dos mitos de criação do homem a partir do solo, presentes não somente na mitologia hebraica como em alguns mitos africanos bastante similares.

Mas com o tempo, e o advento das primeiras cidades (com estoques de grãos), dos saqueadores de cidades, e dos exércitos que guardavam as cidades dos saqueadores, o mundo tornou-se mais bruto e violento, e o matriarcado foi sendo suprimido pelo patriarcado. A Deusa Mãe saía de cena…

O “deus do pai”

Ainda nos conta Mircea Eliade que a religião dos patriarcas hebreus, já desde Abraão, era muito próxima ao culto dos antepassados, prática comum tanto do paganismo como de doutrinas orientais, como o budismo e o xintoísmo. O “deus do pai” é primitivamente o deus do antepassado imediato, que os filhos reconhecem. É um deus dos nômades e pastores, que não está ligado a santuários fixos, mas acompanha e protege um grupo de homens. Ele “se compromete diante de seus fiéis por meio de promessas” – o que fica muito claro nas barganhas relatadas no Antigo Testamento (“faça isto por mim, que farei isto por você”) [2].

Mas ao penetrarem em Canaã, os patriarcas são confrontados com o culto do deus El (o Deus Criador nas culturas suméria e babilônica), e o “deus do pai” acaba por lhe ser identificado [3]. Dessa forma, obtém a dimensão cósmica que não podia ter como uma divindade de famílias e clãs.

O “deus do pai”, o deus dos patriarcas hebreus, torna-se o Deus Criador e, dessa forma, é também associado ao Uno, ao “único Deus”. Mas isto não foi “a origem do monoteísmo”, como dizem as lendas, mas tão somente um dentre muitos sincretismos religiosos similares, que ocorreram não somente em Canaã, como em diversas outras partes do mundo…

» Em seguida, a roda continua a girar com as entidades divinas e os avatares…

***

[1] Alguns dos trechos de livros sagrados nesta série de artigos foram retirados de seu livro, História das crenças e das ideias religiosas, vol I (Zahar).

[2] As barganhas religiosas, onde “se cobra a Deus por sua parte do trato”, existem até os dias de hoje. É surpreendente que certas igrejas, que teoricamente são protestantes, ainda hoje colaborem para esta prática de uma espiritualidade tão superficial.

[3] É por isso que o Deus hebreu ora é chamado de Javé, ora de Elohim. Javé seria o “deus do pai”, e Elohim seria sua associação a El.

Crédito da foto: Frederic Soltan/Corbis (O Templo do Sol de Konark, Orissa/Índia)

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