(i)Manifesto ZosKia – parte 2

Danilo Nobrega*

Conforme exposto anteriormente, neste momento, o autor entende ZosKia como uma experiência magicka e filosófica que emerge da interpretação em prática dos textos de Austin Osman Spare e tem como método, fenômeno e objetivo a criação materializada na arte. É difícil resumir um algo que foi criado com o objetivo de ser não cartesiano, com um forte recorte da perspectiva e um tanto labiríntico, mas enxerga que o “estado de presença” é seu principal sintoma… é como empunhar uma espada samurai, você é a espada, então você é além da espada, você é o corte, o matador, o morto e os pássaros acima. Talvez o mais eficiente pode ser fazer uma provocação: CRIE! Vale ressaltar que esse modelo de trabalho vem sendo tratado contemporaneamente no recorte da “arte visionária”.

Afastamento e aproximações entre ZosKia e magia do caos

ZosKia e Magia do Caos são tão próximos que por vezes são tratados como família, o que eu acho muito divertido, não por uma pretensa árvore genealógica, mas sim por uma série de afastamentos e aproximações muito “familiares”. Destas acho que existem as que são de ordem temporal (das quais eu vou tratar) e as de ordem autoral (que vão ficar para depois). Bom, vamos a lista:

A crença: fundamental para ambas e igualmente dispare. Enquanto no caos a crença é uma ferramenta, um objeto a ser desmontado em partes até um mecanismo primeiro… em ZosKia ela é um tipo de intermédio entre o ser e o comportamento e portanto há uma procura de não se identificar com a mesma, para, com isso Ser em potência. 

Cosmologia: “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”. Mesma frase, contornos bem distantes. Enquanto no caos ela pautam tipo de relativismo e generalização estrutural, em ZosKia ela fala que “Estamos todos bêbados de sermos Deuses”, o ponto não é que tudo tem um mínimo divisor comum. É que tudo tem uma ligação macro, como um tipo de “biosfera de Ser em potência” ou um “holismo superlativo”. 

Fazer: O método do Caos é como um cartesianismo “Faça você mesmo” onde existem várias propostas de escadas e você pode formatar os degraus. ZosKia propõe um método sem edifícios. Existe um fluxo e o mergulhar, e nem é um mergulho que anseia a profundeza exclusiva. É um mergulhar onde você se desfaz, se perde.

Postura: O comportamento da magia do Caos é um tipo de contracultura que se agrega a outros objetos, como a magia cerimonial ou a cultura pop para assim se nutrir.

ZosKia se parece mais com um manifesto artístico, onde mediante termos, propostas, instrumentos, técnicas e apreciação…  Cada fazedor, espectador e objeto se expressa no mundo. Bom, depois de tudo isso, nos resta a aproximação. Para além de nomenclaturas, elementos e dadas as particularidades de cada um… a aproximação entre ambos os fazeres é a primazia do criar. CRIE

ZosKia é dificil? Sim e não

ZosKia tem fama de ser algo complicado, parte disso vem da escrita truncada do próprio Spare e parte vem de um fetichismo que acontece dentro da comunidade. Mas apesar desses pontos serem relevantes, eu ainda acho que todo esse estranhamento tem mais motivos. Eu vou listar alguns… Primeiro a incerteza, eu acho que é até uma posição política ter um tipo de fala que não dá a entender uma certeza e concretude absoluta do conhecimento, mas sim uma construção constante do mesmo. Mas isso é algo que também vem de uma proposta de ZosKia em torno de uma leitura que foge ao entendimento cartesiano em prol de uma percepção mais labiríntica, que valoriza a imersão, principalmente para se fazer em contínua formulação. Com isso existe uma preponderância da interpretação. O que me leva ao fato de que ZosKia Cultus é um termo criado pelo Kenneth Grant impactado pelo Spare e que este apenas o aceitou. Com isso e outros fatores, sou levado a pensar ZosKia como uma interpretação que emerge em fazer dado à contemplação da obra artística do Spare. O ponto central disso tudo é que ZosKia não se dá como um sistema, passo a passo ou um método típico das tradições ocultas europeias. ZosKia se aproxima mais da dinâmica das relações artísticas. Com criador, objeto e o espectador como autores de um significado, fazer ou impressão que fica no espaço entre. Nesse sentido, ZosKia é muito mais simples do que parece, ZosKia é sobre ser.

Servidores e Arte Abstrata… não é para tentar entender, mas quem consegue resistir?

Sigilos e servidores são duas faces de um mesmo fenômeno, atenção. Enquanto sigilos trabalham com esquecimento, servidores são fruto do foco, ou da obsessão. Aquilo que captura nossa atenção. Existe toda uma questão terapêutica e psiquica em torno disso, mas eu quero tratar da relação dos Servidores com suas representações. Acontecem uma série de discussões em torno do entendimento da arte, sobretudo a arte abstrata. Todavia em sua origem havia um objetivo de elogio ao não entendimento, a apreciação da forma pela forma, sem a formatação do Saber. Ainda assim existe todo um afã em torno dos significados das abstrações. Um dos motivos disso talvez seja a tendência do nosso olhar procurar formas e motivos que acalmem a nossa ansiedade pelo conhecido, familiar e seguro. É muito fácil ficar obcecado nas figuras incomuns e nos supostos segredos da arte abstrata. Com tudo isso no horizonte, eu me pergunto se, em detrimento da arte figurativa tão popular para servidores, não seria a abstração a forma mais alinhada à função do mecanismo dos mesmos.

Engula o Sigilo!

 ENGULA O SIGILO! Aqui eu pretendo propor uma forma um pouco distinta de operar simbolicamente o sigilo. Saindo das questões em torno da “energização/ carregamento”, afim de fazer um paralelo mais direto com corpo. Seria algo em torno de:

  Você sente fome (1), procura os ingredientes (2),  cozinha (3), come (4), faz a digestão (5) e… caga (6). 

 Para o sigilo, fica bem semelhante… você percebe a vontade (1), escolhe um método (2), “cozinha” (formula) o intento (3) e na hora de comer, mastigar e engolir você vai estar desfazendo o intento no sigilo, ou seja, sigilizando de forma propriamente dita (4) e consequente absorvendo, consumindo, engolindo. Tudo isso através de seu estado de presença. Até que sobre apenas o prazer da saciedade, a satisfação da certeza. Durante a digestão, você já não percebe o sigilo de forma direta (eis o famoso esquecimento) . O corpo está se nutrindo, se potencializando… o sigilo está em processo de manifestação (5). Você só vai “lembrar” do “almoço”, quando for a hora de por ele para fora ou… em outras palavras, no momento que a mudança proposta já foi alcançada. Quando aquele sigilo deixa de ser uma questão a ser tratada e já está manifesto (6).  

O sigilo não se manifesta no mundo, a Sigilização sim

Sigilização, eu trato sigilo como ação de desfazer um intento dentro de um processo artístico, a forma mais tradicional é um grafismo ininteligível, mas eu quero tratar da relação disso com a postura de “nem isso-nem aquilo” necessária para que o sigilo seja no mundo. Essa postura surge de um profundo estado de presença que segue uma impactante Catarse. Seria algo semelhante a uma tontura após rodar seguida de uma confortável sensação de apetite satisfeito. É um afeto no corpo que gera uma mudança de estar. Outro exemplo é o susto, porém o mais comum é o gozo, porém nesse recorte, eu ressalto não apenas ejaculação, mas toda permutação do ato sexual. A grande questão aqui é a alteração. Tendo isso em vista, a principal alteração que nos interessa é  a que se dá pelo é através do processo de criação… Portanto, não fragmentar a produção do sigilo do que chamam de “carregamento”, a meu ver, é a forma mais eficiente de manifestação.


Danilo Nobrega (1993) é artista visual carioca que vive desde a adolescência na cidade de Maricá. Sua arte teve semente nos desenhos de infância, mas foi na vida adulta (e no excesso dela) que se materializou, depois do contato com arte terapia em 2017. Desde então investiga um fazer que abraça uma linguagem mística ampla para tratar do Ser, Existir e Se Tornar no mundo enquanto um fenômeno artístico e para tudo que existe no mesmo. Unindo um abstrato filosófico com cotidiano social, sob esse argumento, possui forte influência de Deleuze. Mistura muitos fazeres, influências e técnicas, arte digital, ilustração, pintura, balonamento, sequencialidade, tabulação, colagem, fotografia, origami, caligrafia e uma série de outros elementos para compor seu trabalho. Tendo isso em vista tem uma dificuldade de se identificar com alguma escola ou semelhante. O mais próximo disso vem de sua referência mística, ZosKia Cultus. Para mais siga em: @danilonobrega23 no instagram, twitter e outros.

 

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-do-caos/imanifesto-zoskia-parte-2/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *