Afrodite e Anquises

Olá crianças,

Na Palestra sobre Deuses e a Kabbalah, eu mencionei a respeito das concepções divinas que sempre eram retratadas como um pai-deus e uma mãe-mortal, gerando um herói solar (Hércules, Hórus, Mithra, Perseus, Ulisses, Jesus, etc) e disse que não haviam heróis resultantes da união de um mortal com uma deusa… mas o leitor Carlos eduardo me lembrou de uma exceção: Anchises. De qualquer forma, é curioso notar que ele não é resultado de uma “conquista”, mas sim de um “castigo/humilhação” a que Zeus submete Afrodite: apaixonar-se por um mortal.

Como diz o texto a seguir, extraído da obra de Karl Kerényi “Os Deuses Gregos”, Cultrix, 2000:

As histórias sobre a grande deusa do amor que até agora tenho contado tinham o seu cenário no extremo sudeste do nosso mundo grego – em Chipre e na Síria. A cena da história seguinte é a região de Tróia, na Ásia Menor. Afrodite ali aparece acompanhada de animais selvagens: isso a liga à “Mãe dos Deuses”, concluindo assim minha narrativa a respeito das divindades pré-olimpianas ou, pelo menos, alheias ao 0limpo. A história nos foi contada num hino atribuído a Homero.

Havia três deusas sobre as quais Afrodite não tinha poder algum: Atena, Ártemis e Héstia. Todos os outros deuses e deusas cediam às suas injunções, e ela chegou a compelir o próprio Zeus a apaixonar-se por mulheres mortais e a descurar da sua irmã-esposa Hera, filha de Crono e Réia. Foi por isso que Zeus, por seu turno, compeliu Afrodite a apaixonar-se pelo pastor Anquises, que apascentava o gado nas alturas do monte Ida e era tão belo quanto os imortais. Afrodite avistou-o, e o amor senhoreou-se dela. Ela dirigiu-se à pressa a Chipre, ao seu templo em Pafo. Fechou as portas do templo atrás de si, as Graças banharam-na e ungiram a grande deusa com o óleo dos imortais, cuja fragrância adere aos deuses eternos. Envergando um belo vestido e adornada de ouro, ela voltou, célere, a Tróia, ao monte Ida, à mãe dos animais selvagens.

Afrodite caminhou através das montanhas, para os rebanhos de gado. Atrás dela, sacudindo a cauda, iam lobos cinzentos, leões de olhares ferozes, ursos e rápidos leopardos, insaciáveis em sua fome de gazelas. A deusa regozijou-se com a vista deles e encheu de amor o coração das feras, de modo que todas se deitaram, aos pares, à sombra das florestas. Afrodite entrou na tenda do pastor e encontrou Anquises a sós. Ele andava de um lado para outro tocando um alaúde. Afrodite postou-se diante dele na forma de uma bela e delicada donzela mortal. Anquises contemplou-a e maravilhou-se da sua beleza, da sua estatura e das suas roupas esplêndidas. Ela vestia uma túnica cuja vermelhidão ofuscava mais do que o fogo; brilhavam-lhe os seios maravilhosamente, como se fossem banhados de luar. O amor apoderou-se de Anquises, e ele dirigiu-se à deusa. Saudou-a como uma imortal, prometeu-lhe um altar e sacrifícios, e suplicou-lhe a bênção para ele e sua posteridade. Diante disso, a deusa mentiu-lhe, dizendo-se uma donzela mortal, uma princesa frígia que também sabia falar a língua dos troianos. Hermes a arrebatara, assim explicou ela, do coro de Ártemis, em que estivera dançando com suas companheiras de folguedos e com as ninfas, e a transportara para o monte Ida, através do ar, desde a Frígia. Pois ela fora convocada – assim falara o mensageiro divino – para tornar-se esposa de Anquises. Mas desejava que o pastor não a tocasse enquanto não a tivesse apresentado a seus pais e irmãos, cuja nora e cunhada viria a ser; e desejava também, antes de celebrar-se o casamento, mandar uma mensagem aos pais dela a respeito do dote. Essas palavras da deusa encheram Anquises de um amor ainda maior. “Se és donzela mortal, e estás destinada a ser minha esposa, nem deus nem homem poderá privar-me de ti. Ainda que Apolo deva matar-me depois, quero amar-te agora, imediatamente, e depois morrer!” Isso bradou o pastor, e segurou a mão de Afrodite. Ela o seguiu até a cama dele, virando-se repetidamente para trás, como se quisesse retroceder, e pousando no chão os lindos olhos. Sobre lençóis macios jaziam peles de ursos e leões, que o próprio Anquises matara. Ele retirou os adornos da noiva, afrouxou-lhe o cinto e descobriu-a. De acordo com a vontade dos deuses, o mortal deitou-se com a deusa imortal, sem saber o que estava fazendo. Somente à hora em que os outros pastores deviam voltar, Afrodite despertou o amante adormecido e mostrou-se a ele em sua verdadeira forma e beleza. Anquises ficou assustado quando lhe viu os lindos olhos. Virou-se para o outro lado, cobriu o rosto e implorou-lhe que o salvasse. Pois nenhum homem mortal continua gozando de boa saúde pelo resto da vida depois de haver dormido com uma deusa.

Conta-se ainda que Afrodite profetizou o máximo bem para o filho que concebeu de Anquises, e para seus descendentes. O filho era Enéias, que seria famoso mais tarde, entre os nossos vizinhos italianos, como fundador da nação latina. De sua parte, a deusa lamentou haver-se entregue a um mortal. Anquises não deveria revelar a ninguém que ela era mãe de seu filho; as ninfas lhe trariam, como se a criança pertencesse a uma delas. Se ele o fizesse, o raio de Zeus o atingiria. Afirma-se que Anquises, mais tarde, foi estropiado por um raio. Mas havia também a história de que ele foi punido com a cegueira por ter visto a deusa nua. Abelhas, com os ferrões, arrancaram-lhe os olhos.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/afrodite-e-anquises

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