Exemplos de Contradições Bíblicas

Os estudiosos calcularam que a Bíblia contém mais de duas mil contradições explícitas ou implícitas. Esta lista é somente uma pequena seleção. Obs: As contradições serão mais bem entendidas se houver o devido acompanhamento das passagens bíblicas citadas.

Os Gigantes existiam antes da inundação (Gênesis 6:4).

Somente Noé, sua família, e os animais da Arca sobreviveram à inundação (Gênesis 7:23).

Mesmo depois da Inundação os gigantes continuaram existindo (Números 13:33).

Toda a terra tinha uma só língua e as mesmas palavras, até que Deus criou vários idiomas diferentes, fazendo com que ninguém entendesse um ao outro (Gênesis 11:1,6-9).

Anterior a isto, a Bíblia fala de diversas nações, cada um com sua própria língua (Gênesis 10:5).

Deus admitiu que Ele é a causa da surdez e da cegueira (Êxodo 4:11).

Contudo, Deus não aflige os homens por vontade própria (Lamentações 3:33).

Deus envia Moisés para o egito resgatar os filhos de Israel (Êxodo 3:10. 4:19-23).

No caminho, Deus ameaçou Moisés de morte. Não proveu de explicação (Êxodo 4:24-26).

Deus mata todos os animais dos egípcios com uma forte pestilência. Nenhum sobreviveu a pestilência (Êxodo 9:3-6).

Deus mata todos os animais dos egípcios com uma chuva de granizo (Mas eles já não haviam morrido com a pestilência?) (Êxodo 9:19-21,25).

Deus não foi conhecido por Abraão, Isaac e Jacó pelo nome de Javé (Êxodo 6:2-3).

O nome do Senhor já era conhecido (Gênesis 4:26).

Deus proibe que seja feito a escultura de qualquer ser (Êxodo 20:4).

Deus ordenou a fabricação de estátuas de ouro (Êxodo 25:18).

Proibição do assassinato (Êxodo 20:13).

Deus manda Moisés matar todos os homens de Madiã (Números 31:7).

Proibição do roubo (Êxodo 20:15).

Deus manda roubar os egípcios (Êxodo 3:21-22).

Proibição da mentira (Êxodo 20:16)

Deus permite a mentira (I Reis 22:22)

Deus não pode mentir (Números 23:19).

Deus deliberadamente enviou um “espírito” mentiroso (I Reis 22:20-30) (II Crônicas 18:19-22).

Deus faz pessoas acreditarem em mentiras (II Tessalonicenses 2:11-12).

O Senhor engana os profetas (Ezequiel 14:9).

Aarão morreu no monte Hor. Imediatamente depois disso, os israelitas foram para Salmona e Finon (Números 33:38).

Aarão morreu em Mosera. Depois disso, os isralelitas foram para Gadgad e Jetebata (Deuteronômio 10:6-7).

Deus diz a Moisés que Aarão morreu no monte Hor (Deuteronômio 32:50).

Nós temos que amar Deus (Deuteronômio 6:5) (Mateus 22:37).

Nós temos que temer Deus (Deuteronômio 6:13) (I Pedro 2:17).

Deus escreveu nas tábuas as dez palavras da aliança (Deuteronômio 10:1-2,4).

Deus ditou e Moisés escreveu (Êxodo 34:27-28).

Josué queimou a cidade de Hai e reduziu-a a um monte de ruínas para sempre (Josué 8:28).

Hai ainda existe como uma cidade (Neemias 7:32).

Josué destruiu totalmente os habitantes de Dabir (Josué 10:38-39).

Os habitantes de Dabir ainda existem (Josué 15:15).

Saul destruiu completamente os amalecitas (I Samuel 15:7-8,20).

David destruiu completamente os amalecitas (I Samuel 27:8-9).

Finalmente os amalecitas são mortos (I Crônicas 4:42-43).

Isaí teve sete filhos além de seu mais jovem, David (I Samuel 16:10.11).

David foi o sétimo filho (I Crônicas 2:15).

Saul tentou consultar o Senhor (I Samuel 28:6).

Saul nunca fez tal coisa (I Crônicas 10:13-14).

Saul cometeu suicídio (I Samuel 31:4-6) (I Crônicas 10:4-5).

Saul foi morto por um amalecita (II Samuel 1:8-10).

Saul foi morto pelos filisteus (II Samuel 21:12).

Davi tomou 1.700 cavaleiros de Adadezer (II Samuel 8:4).

Davi tomou 7.000 cavaleiros de Adadezer (I Crônicas 18:4).

Davi matou aos arameus 700 parelhas de cavalos e 40.000 cavaleiros (II Samuel 10:18).

Davi matou aos arameus 7.000 cavalos e 40.000 empregados (I Crônicas 19:18).

Israel dispõe de 800.000 homens aptos para manejar espadas, enquanto que Judá dispõe de 500.000 homens (II Samuel 24:9).

Israel dispõe de 1.100.000 homens aptos para manejar espadas, enquanto que Judá dispõe de 470.000 homens (I Crônicas 21:5).

Satã provocou Davi a fazer um censo de Israel (I Crônicas 21:1).

Deus sugeriu Davi a fazer um censo de Israel (II Samuel 24:1).

Davi pagou 50 siclos de prata por gados e pelo terreno (II Samuel 24:24).

Davi pagou 600 siclos de ouro pelo mesmo terreno (I Crônicas 21:25).

Rei Josias foi morto em Magedo. Seus servos o levam morto para Jerusalém (II Reis 23:29-30).

Rei Josias foi ferido em Magedo e pediu para seus servos o levarem para Jerusalém, onde veio a falecer (II Reis 23:29-30).

Foram levados 5 homens dentre os mais íntimos do rei (II Reis 25:19-20).

Foram levados 7 homens dentre os mais íntimos do rei (Jeremias 52:25-26).

São citados os nomes de 10 pessoas que vieram com Zorobabel (Esdras 2:2)

São citados os nomes de 11 pessoas que vieram com Zorobabel (Neemias 7:7)

(Esdras 2:3 & Neemias 7:8) Estas passagens pretendem mostrar a quantidade de pessoas que voltaram do cativeiro babilônico. Compare o número para cada família: 14 deles discordam.

Jesus foi filho de José, que o foi de Jacob (Mateus 1:16).

Jesus foi filho de José, que o foi de Heli (Lucas 3:23).

O pai de Salathiel foi Jeconias (Mateus 1:12).

O pai de Salathiel foi Neri (Lucas 3:27)

Abiud é filho de Zorobabel (Mateus 1:13).

Resa é filho de Zorobabel (Lucas 3:27).

São citados os nomes de todos os filhos de Zorobabel, mas nem Resa e nem Abiud estão entre eles (I Crônicas 3:19-20).

Jorão era o pai de Ozias que era o pai de Joathão (Mateus 1:8-9).

Jorão era o pai de Occozias, do qual nasceu Joás, que gerou Amazias, que foi pai de Azarias que, finalmente, gerou Joathão (I Crônicas 3:11-12).

Josias era o pai de Jeconias (Mateus 1:11).

Josias era o avô de Jeconias (I Crônicas 3:15-16).

Zorobabel era filho de Salathiel (Mateus 1:12) (Lucas 3:27).

Zorobabel era filho de Fadaia. Salathiel era tio dele (I Crônicas 3:17-19).

Jesus curou um leproso depois de visitar a casa de Pedro e Simão (Marcos 1:29,40-42).

Jesus curou o leproso antes de visitar a casa de Pedro e Simão (Mateus 8:2-3,14).

O Diabo levou Jesus primeiro ao topo do templo e depois para um lugar alto para ver todos os reinos do mundo (Mateus 4:5-8).

O Diabo levou Jesus primeiro para o lugar alto e depois para o topo do templo (Lucas 4:5-9).

O centurião se aproximou de Jesus e pediu ajuda para um criado doente (Mateus 8:5-7).

O centurião não se aproximou de Jesus. Ele enviou amigos e os anciões dos judeus (Lucas 7:2-3,6-7).

Jairo pediu a Jesus que ajudasse a sua filha, que estava morrendo (Lucas 8:41-42).

Ele pediu para que Jesus salvasse a filha dele que já havia morrido (Mateus 9:18).

Deus confiou o julgamento a Jesus (João 5:22) (João 5:27,30 8:26) (II Coríntios 5:10) (Atos 10:42).

Jesus, porém, disse que não julga ninguém (João 8:15,12:47).

Os santos hão de julgar o mundo (I Coríntios 6:2).

A transfiguração de Jesus ocorreu 6 dias após a sua profecia (Mateus 17:1-2).

A transfiguração ocorreu 8 dias após (Lucas 9:28-29).

A mãe de Tiago e João pediu a Jesus para que eles se assentassem ao seu lado no reino (Mateus 20:20-21).

Tiago e João fizeram o pedido, ao invés de sua mãe (Marcos 10:35-37).

Ao sair de Jericó, Jesus se encontrou com dois homens cegos (Mateus 20:29-30).

Ao sair de Jericó, Jesus se encontrou com somente um homem cego (Marcos 10:46-47).

Dois dos discípulos levaram uma jumenta e um jumentinho para Jesus da aldeia de Bethfagé (Mateus 21:2-7).

Eles levaram somente um jumentinho (Marcos 11:2-7).

Jesus amaldiçoou a árvore de figo depois de ter deixado o templo (Mateus 21:17-19).

Ele amaldiçoou a árvore antes de ter entrado no templo (Marcos 11:14-15,20)

Um dia após Jesus ter amaldiçoado a figueira, os discípulos notaram que ela havia secado (Marcos 11:14-15,20)

A figueira secou imediatamente após a maldição ser posta (Mateus 21:19).

Jesus disse que Zacarias era filho de Baraquias (Mateus 23:35).

Zacarias era filho de Joiada (II Crônicas 24:20-22).

#Bíblia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/exemplos-de-contradi%C3%A7%C3%B5es-b%C3%ADblicas

Os deuses esquecidos

Trechos do artigo original de Lupa Greenwolf (The Forgotten Gods of Nature) publicado em patheos.com. Tradução de Rafael Arrais.

Quando você pensa nos deuses da natureza, quem você imagina? Você imagina o Lorde Wicca ou a Dama (também amada por muitos pagãos não-wicanos), ela uma mulher de cabelos longos entrecruzados com videiras, frutas e grãos, ele um homem peludo e corpulento, acompanhado por grandes mamíferos selvagens? Você imagina Artémis ou Diana, caçadoras e donzelas e portadoras da lua? Ou talvez Gaia, grávida da própria Terra? Eu aposto que em nove de cada dez tentativas, a primeira divindade que pensou tomou uma forma humana, feminina ou masculina ou andrógina, mas quase certamente refletindo a sua própria imagem.

Mas eu quero lhe contar sobre os deuses esquecidos da natureza, aqueles cujas histórias nunca foram postas em papel porque os seus seguidores jamais escreveram sequer uma palavra ao longo da vida. Eu quero lhe contar sobre os deuses que se recusaram a abandonar suas formas naturais e juraram nunca se curvar ao macaco humano arrogante. Eu quero lhe contar sobre os deuses abaixo de seus pés, escondidos nas árvores, aninhados nas pedras dentre córregos ligeiros, assim como daqueles que cavalgam as brisas acima das nuvens e nunca se enraizaram na terra. Deixe-me lhe cantar algumas canções sobre divindades sem nome, todas apagadas pela ascensão das mulheres e dos homens e dos deuses humanos que eles nos trouxeram.

[…] Eu canto para você sobre o deus ventania da família do Pinheiro, cujas gerações dependem da sua brisa calma e agradável, mas que também podem ser arrancados do solo e tombados pela sua terrível tempestade. Eu canto para você sobre as orações sussurradas através das agulhas entrelaçadas e soltas em gentis redemoinhos de ar, clamando para que o deus dos ventos possa ser clemente nas tempestades primaveris e nas nevascas do inverno, nas noites frias do outono e nas chuvas repentinas do verão. Pois é ele o deus quem decide quais linhagens de árvores seguirão para o futuro, e é o seu vento caprichoso que transporta o pólen em segurança até a pinha – ou até o solo estéril, para que morra. E é também ele o deus quem carrega os troncos para longe em terrível cólera, deixando um de pé, e arrancando o seu companheiro de floresta num instante.

Eu canto para você sobre os panteões dos micetozoários e das amebas, estranhos e sem sexo, ao mesmo tempo mil vozes e somente um eco unificado. Eu canto para você sobre os tempos difíceis quando a madeira do mundo-tronco já apodreceu e o sol cozinha o solo, e enquanto morrem individualmente, conjuntamente perduram. As divindades requerem sacrifícios, as mil vozes em coro bradam por morte. Alguns morrem para dar luz aos demais, que fomentam a próxima geração para que possam se espalhar cada vez mais longe – estes se tornam uma parte de sua lista de santos, com vozes imortalizadas não em células, mas em espírito.
[…] Eu canto para você sobre o Criador dos peixes-palhaço, que pela manhã é um deus, e ao meio-dia brilha incandescente do mundo do alto, e que pela tardinha é uma deusa, que lança suas ovas ao aproximar da noite, e morre, apenas para renascer novamente como um deus na manhã vindoura. Eu canto para você sobre os seres submarinos que guardam vigília a cada noite, ansiosamente aguardando o retorno de seu Criador junto a luz, e acalmando os aflitos que se amontoam nas cavernas coraladas, em sua pouca fé.
[…] Eu canto para você sobre as incontáveis hostes divinas das formigas. Eu canto para você da grande deusa guerreira, e dos vigaristas que ambicionam tomar o seu poder. Todas as formigas conhecem a história da Grande Deusa Rainha, que arrancou as asas de seu rei quando ele ameaçou usurpar seu trono, e o arremessou a terra para morrer, para que ela pudesse reinar solitária em meio a sua hoste de devotos.

Eu canto para você sobre o Um e Muitos da família dos bambus, que é ao mesmo tempo todos os bambus e cada bambu. Eu canto para você sobre a dança do Um e Muitos, que cresce e cresce e cresce, e sempre se torna cada vez mais, e nunca se torna mais. Apenas uma vez a cada século, quando as estrelas se alinham nos lugares certos, é que o Um e Muitos se torna a Flor que Mata, e é dito que todos deverão morrer quando ela florescer, pois quem está vivo ainda hoje que se lembra disso de alguma outra forma? Mas dos restos mortais nos bambuzais, Um e Muitos crescerá novamente, e ressuscitará os mortos, que serão livres da memória de suas vidas passadas, para que possam crescer novos e sadios.
[…] Eu canto para você os cânticos de vitória dos deuses que reinam ainda hoje, os deuses dos lobos e dos cogumelos, dos carvalhos e das abelhas, e da corajosa e solitária deusa dos celacantos. Eu deixo para os que virão após mim a tarefa de cantar as canções dos deuses que ainda estão para nascer neste mundo – longo seja o seu reinado e o seu cuidado sobre o seu séquito.

Mas eu ainda canto para você sobre muitos outros deuses, deuses dos ventos e da água, deuses de cada mineral e dos eventos que os criaram. Eu canto para você sobre os deuses dos prótons, dos quarks, das forças atômicas que mantém os elétrons em suas órbitas. Eu canto para você sobre o deus da poeira cujas mensagens podem ser vistas nos cometas gelados a cruzar o espaço – e o próprio espaço é ainda um outro deus. Eu canto para você sobre o deus que serpenteia ao centro de cada sol, e que é visto novamente fundido em cada átomo. Eu canto para você acerca do vasto deus que coleciona asteroides para zombar dos sistemas solares de sua irmã mais velha, invejoso do seu poder. Eu canto para você de todos estes deuses, e de muitos, muitos mais…

São estes, portanto, os deuses sem nome, os deuses esquecidos, estes que se assentam na sombra dos panteões dos deuses humanos. Quando falar acerca dos deuses da natureza, não se esqueça deles. Quando falar acerca dos deuses da natureza, lembre-se de que a natureza não existe apenas em formas humanas – tampouco o Divino. Pois estes são deuses que residem muito além da imaginação daqueles que tingiram as paredes das cavernas ou escreveram em pergaminhos, deuses cujos nomes jamais foram pronunciados por vozes humanas, e cujas canções jamais alcançaram o ouvido de nenhuma mulher e de nenhum homem.

***

Crédito da foto: Tula Ben Ari

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). 

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#Espiritualidade #natureza #Paganismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/os-deuses-esquecidos

A roda dos deuses (parte 1)

Há uma lenda bastante difundida entre as religiões ocidentais que afirma, basicamente, que o monoteísmo, a “descoberta” do Deus Único, foi uma concepção originária do judaísmo. Segundo esta lenda, existem no mundo algumas poucas religiões monoteístas, derivadas da crença hebraica, e outras tantas que creem na existência de vários deuses de origem paralela – o chamado politeísmo.

A verdade, no entanto, pode ser mais profunda… Joseph Campbell foi um estudioso de mitos e religiões em todo o globo, e em O poder do mito ele deixa muito claro o que acredita ser a principal diferença entre as grandes religiões ocidentais, e as orientais: Enquanto a oeste do canal de Suez, a maioria das pessoas identifica Deus com a fonte da Alma do Mundo, a leste de Suez, a associação que se faz é a da divindade como o veículo desta energia transcendente.

Por isso as religiões ocidentais tendem a identificar a Deus como um Grande Senhor que, sabe-se lá de onde, mantém a fonte da vida em constante afluência, enquanto que as religiões orientais tendem a ver esta divindade por toda a volta – ela seria o próprio fluido em movimento, a habitar a essência de todos os seres e de todas as coisas.

O curioso é que ambas as visões são complementares, e parecem ser apenas formas diferentes de se observar este grande mistério: “porque existe algo, e não nada?” Para resolver tal questão ancestral, a mente humana tem se aventurado a observar os recônditos mais distantes do Cosmos, e a mergulhar cada vez mais profundamente dentro de si mesma… Este grande conjunto de dualidades, de opostos, emanados de uma única fonte, mas que preenchem a tudo o que há, é precisamente isto a roda dos deuses. Reflitamos:

O Uno

Conta-nos o estudioso de mitologia e religiões, Mircea Eliade [1], que os poetas criadores do Rig Veda hindu já se questionavam, provavelmente muito tempo antes dos hebreus, acerca do problema do ser, ou do incrível fato de, afinal, algo existir: “O Uno respirava por impulso próprio, sem que houvesse inspiração ou expiração (…) Afora isso, nada mais existia”. Depois, segundo eles, através de um ato de desejo e vontade, a “semente primeira” dividiu-se em “alto” e em “baixo”, num princípio masculino e noutro feminino, e depois irradiou ou emanou de si mesma, como um pensamento, tudo o que há.

Desta forma, os milhares de deuses hindus são, eles mesmos, uma “criação secundária”. Daí nasce o grande questionamento de um desses poetas hindus anônimos e ancestrais: “Será que aquele que zela por este (mundo) no lugar mais alto do firmamento é o único a saber (da origem da “criação secundária”) – ou nem mesmo ele sabe?”.

Se é verdade que nem todas as interpretações dos Vedas chegaram a tal profundidade, não é verdade que nenhum sábio hindu tenha chegado a conclusões muito próximas dos hebreus – tudo o que há haveria de ter sido criado ou irradiado de uma só fonte, de um só Deus. Dessa forma, a ideia básica do monoteísmo está longe de ser uma criação do judaísmo, ou pelo menos, apenas do judaísmo.

Esta mesma conclusão está presente no Antigo Egito (particularmente no hermetismo), na filosofia de Parmênides (e alguns filósofos pré-socráticos que não a desenvolveram com a mesma profundidade), no estoicismo, no pensamento de Plotino e, mais recentemente, na monumental obra de Espinosa, a Ética.

Mas, e seria este Uno um ser pessoal, ou alguma espécie de energia inefável, de força ou lei oculta da Natureza? Disto não podemos saber, apenas apostar… Mas, ainda que apostemos na hipótese da energia inefável, ainda aqui teremos sido precedidos por Lao Tsé em muitos séculos: “O Caminho é vazio e inesgotável, profundo como um abismo. Não sei de quem possa ser filho, pois parece ser anterior ao Soberano do Céu” (Tao Te Ching, verso 4).

A Deusa Mãe

A adoração do aspecto feminino, fértil e vivificador da divindade data da pré-história (o que pode ser comprovado pelas inúmeras estatuetas de uma “grande mãe” encontradas pelos arqueólogos em vários pontos do mundo).

Quase 3 mil anos antes de Cristo, na grandiosa cidade de Uruk, na Suméria, o templo de Ishtar dominava a civilização da primeira grande cidade. Ishtar, entretanto, era apenas mais um nome dado a Grande Deusa, que era adorada então por muitas outras culturas na Terra. Nada se comparava ao poder da mulher. Toda a vida provinha dela e sem seu alimento nenhuma vida sobreviveria. A Mãe era a vida. A Terra era a Mãe. Deus era Mulher. O matriarcado dominou grande parte do período em que se cultuou a Deusa Mãe.

Certamente o advento da agricultura contribuiu ainda mais para que o mistério do nascimento ocupasse um ponto central das religiões antigas. A Terra era associada ao ventre e, como os vegetais, os homens nasciam do solo, e voltavam ao solo durante a morte. Provavelmente tais mitos tenham sido a fonte primária dos mitos de criação do homem a partir do solo, presentes não somente na mitologia hebraica como em alguns mitos africanos bastante similares.

Mas com o tempo, e o advento das primeiras cidades (com estoques de grãos), dos saqueadores de cidades, e dos exércitos que guardavam as cidades dos saqueadores, o mundo tornou-se mais bruto e violento, e o matriarcado foi sendo suprimido pelo patriarcado. A Deusa Mãe saía de cena…

O “deus do pai”

Ainda nos conta Mircea Eliade que a religião dos patriarcas hebreus, já desde Abraão, era muito próxima ao culto dos antepassados, prática comum tanto do paganismo como de doutrinas orientais, como o budismo e o xintoísmo. O “deus do pai” é primitivamente o deus do antepassado imediato, que os filhos reconhecem. É um deus dos nômades e pastores, que não está ligado a santuários fixos, mas acompanha e protege um grupo de homens. Ele “se compromete diante de seus fiéis por meio de promessas” – o que fica muito claro nas barganhas relatadas no Antigo Testamento (“faça isto por mim, que farei isto por você”) [2].

Mas ao penetrarem em Canaã, os patriarcas são confrontados com o culto do deus El (o Deus Criador nas culturas suméria e babilônica), e o “deus do pai” acaba por lhe ser identificado [3]. Dessa forma, obtém a dimensão cósmica que não podia ter como uma divindade de famílias e clãs.

O “deus do pai”, o deus dos patriarcas hebreus, torna-se o Deus Criador e, dessa forma, é também associado ao Uno, ao “único Deus”. Mas isto não foi “a origem do monoteísmo”, como dizem as lendas, mas tão somente um dentre muitos sincretismos religiosos similares, que ocorreram não somente em Canaã, como em diversas outras partes do mundo…

» Em seguida, a roda continua a girar com as entidades divinas e os avatares…

***

[1] Alguns dos trechos de livros sagrados nesta série de artigos foram retirados de seu livro, História das crenças e das ideias religiosas, vol I (Zahar).

[2] As barganhas religiosas, onde “se cobra a Deus por sua parte do trato”, existem até os dias de hoje. É surpreendente que certas igrejas, que teoricamente são protestantes, ainda hoje colaborem para esta prática de uma espiritualidade tão superficial.

[3] É por isso que o Deus hebreu ora é chamado de Javé, ora de Elohim. Javé seria o “deus do pai”, e Elohim seria sua associação a El.

Crédito da foto: Frederic Soltan/Corbis (O Templo do Sol de Konark, Orissa/Índia)

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#Hinduismo #Religiões #Mitologia #Judaismo #MirceaEliade #Paganismo

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A roda dos deuses (parte final)

« continuando da parte 1

Nós vinhamos falando do Uno, da Deusa Mãe e do “deus do pai”, e agora prosseguimos nesta roda ancestral…

Entidades divinas

Schiller talvez tenha nos presenteado com a melhor síntese do que seriam, afinal, os deuses de outrora, citando a mitologia grega:

“Naqueles dias do belo acordar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor, domínios separados. […] Por mais alto que a razão subisse, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela mutilava. Embora decompusesse a natureza humana para projetá-la, aumentada em suas partes, no maravilhoso círculo dos deuses, não o fazia rasgando-a em pedaços, mas sim compondo-a de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão outra é a situação entre nós mais novos. […] Eternamente acorrentado a uma pequena partícula do todo, o homem só pode formar-se enquanto partícula.” [1]

Todas as entidades divinas, como os deuses gregos, são mitos associados a aspectos da Natureza; o que certamente incluí a nossa natureza – a natureza humana. É óbvio que não existe, na natureza terrestre pelo menos, um homem que mora acima das nuvens e de vez em quando desce a Grécia para seduzir e copular com belas mulheres desavisadas; mas, por outro lado, a iconografia de Zeus é toda ela um imenso conjunto de símbolos, símbolos estes que existem e sempre existirão, ao menos enquanto existirem mentes com vontade de pensar sobre eles.

Os símbolos nada mais são do que imensas quantidades de informação reduzidas a uma única imagem ou história fantástica ou ícone que funcionam como uma chave mental para o acesso dessas informações e sensações, desde que a pessoa saiba, em seu pensamento, como usar esta chave de uma forma consciente. Você pode perfeitamente substituir a imagem (o símbolo) de Zeus por uma série de palavras (formadas por conjuntos de símbolos – as letras do alfabeto) a formar uma extensa lista: nobreza, inteligência, sabedoria, espiritualidade, sedução, magia, fúria, excitação, ciúmes, vingança, etc. É claro que, dependendo da interpretação de cada pessoa, e de cada tradição folclórica, essa lista pode variar imensamente, mas não absolutamente. Zeus é um conjunto de símbolos, ele serve para que acessemos tais ideias em nosso pensamento, sentimento e intuição, de forma simplificada e cada vez mais potente (o hábito faz o monge).

O grande problema do “uso dos mitos” é quando os entendemos como seres literais (e não metáforas), dispostos a barganhar conosco em troca de “favores espirituais”, “boa sorte”, “boa saúde”, etc. Isso é um problema porque, exatamente, a grande vantagem dos mitos é poder ativar a nossa vontade para que nós mesmos busquemos tais objetivos, que nós mesmos nos tornemos heróis a vivenciar a grande aventura da vida, que nós mesmos nos tornemos, enfim, deuses (“sois deuses, farão tudo o que faço e ainda muito mais” – disse o grande rabi da Galileia [2]).

Ainda em O poder do mito, Joseph Campbell nos ajuda a entender melhor a questão: “Todos os símbolos da mitologia se referem a você. Você renasceu? Você morreu para a sua natureza animal e voltou à vida como uma encarnação humana? Na sua mais profunda identidade, você é Deus. Você é um com o ser transcendental”…

Dizem os Upanixades hindus que “aquele que sabe que também é parte de Deus se torna, em sua Criação, um criador”. É claro que ninguém imagina que possa criar outros universos por aí, apenas pensando sobre eles, nem muito menos que é onipotente neste universo (ou ao menos, ninguém que manteve certa sanidade em sua crença); por outro lado, todo aquele que reconhece a fagulha divina dentro de si, pode potencialmente, como Cristo, tornar-se “um com o Uno”. Neste sentido, todos os mitos, todos os deuses, são apenas “atalhos no caminho”, símbolos que podem nos auxiliar em nossa religação ao Uno.

Para finalizar o assunto, é sempre proveitoso consultarmos a sabedoria de Alan Moore: “Na Cabala há uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto. Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de ideias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, e que quem a emite nem sequer a entende.” [3]

Avatares e heróis

Um avatar (do sânscrito, aval) é “aquele que descende de Deus”. Ora, se formos considerar o que falamos até aqui, isto não será nenhuma novidade – todos nós descendemos de Deus, assim como todas as coisas descendem de Deus. Um avatar, entretanto, geralmente é também um ser mitológico, um herói ancestral dos antigos contos falados nas fogueiras das primeiras tribos, uma prática que se estendeu por todas as civilizações humanas.

Joseph Campbell também nos falou algo interessante sobre essas jornadas heroicas da mitologia antiga: “O reino de Deus está dentro de nós e, não obstante, também está fora de nós; Deus, todavia, não é senão um meio conveniente de despertar a bela adormecida, a alma. A vida é o seu sono; a morte, o despertar [4]. O herói, aquele que desperta a própria alma, não é mais do que o meio conveniente de sua própria dissolução. Deus, aquele que desperta a alma, é, nesse sentido, sua própria morte imediata.

Provavelmente o símbolo mais eloquente possível deste mistério seja o do deus crucificado, o deus oferecido “ele mesmo a si mesmo”. Entendido numa das direções, o sentido é a passagem do herói fenomênico para a supraconsciência: o corpo, com os cinco sentidos, fica pendendo da cruz do conhecimento da vida e da morte. […] Mas é igualmente verdadeiro que Deus desceu voluntariamente e colocou sobre si mesmo a carga de sua agonia fenomênica. Deus assume a vida do homem, que liberta o Deus que se acha em seu interior no ponto médio do cruzamento das hastes da mesma “coincidência de opostos”, a mesma porta do sol pela qual Deus desce e o homem sobe – Deus e o homem se alimentam mutuamente [5].”

Ora, se os xamãs da pré-história dedicaram-se com tanto sacrifício a realizar pinturas nas cavernas mais inacessíveis, eles de fato tinham uma boa razão: as experiências espirituais eram parte central de sua vida, de nossas primeiras tentativas de tatear a Natureza inefável. Seja caçando bisões ou imensos dragões, as jornadas dos heróis de outrora também diziam respeito a nossa própria jornada, a conquista de uma vontade devidamente conectada ao Cosmos, e não mais aos desejos desenfreados dos monstros subconscientes. Sim, pois aqui a mitologia e a psicologia se confundem, e fica muito claro, ao menos para quem tem olhos para ver, que a roda dos deuses tem girado, sobretudo, dentro da mente humana – esta grande desconhecida!

Conforme o Buda meditando ao lado de uma árvore, ou Jesus sendo tentado em pleno deserto, buscando despertar o Cristo que jazia em seu interior: todas essas histórias são símbolos transmitidos pelos sábios ancestrais, e ainda que não tenham transcorrido exatamente da forma como foram contadas, elas vem sendo incansavelmente reencenadas em seu palco mais primordial – a consciência humana. A questão, portanto, não é se os deuses e os avatares existem ou não, mas a experiência que provocam em nós. A experiência mística, religiosa, a reconexão ao sagrado, a vivência do amor: disto, todo verdadeiro religioso sempre teve convicção, e não precisou de experimentos comprovando aquilo tudo de que sabem lá dentro de suas almas.

O sagrado

Conforme o disco de Newton a girar, todos os pensamentos, mitos e histórias sagradas se revelam, em sua essência mais profunda, não como uma gama de deuses separados e rivais, mas como pontos de vista e reflexões de um só Deus, Uno.

Então chegamos ao primeiro paradoxo a ser reconciliado: o Uno não tem, nem nalgum dia teve, nem poderá um dia ter um oposto – pois o nada não existe. Da posse desta reconciliação, desta compreensão que em realidade não pode ser descrita por palavras ou linguagem, alcançaremos à experiência de reconhecer ao sagrado derramado sobre tudo o que há…

E poderemos, quem sabe, compreender que todos os outros opostos também vieram da mesma fonte, e todos os monstros e dragões em realidade nada mais eram do que atores deste teatro da alma. Uma vez compreendidos, reconciliados, também poderão ser nossos amigos – o lobo terá sido adestrado pelo amor.

Há essa ponte entre duas terras:
A terra onde tudo está separado em pequenas caixas, como segredos hermeticamente fechados;
E a terra onde tudo jaz junto, unido, conectado…

O amor é a ponte
O amor é uma fonte
Deus está a aguardar na outra margem
Deus não está a aguardar na outra margem
Deus é uma experiência

(Onde vivem os deuses, raph)

***

[1] Trecho de Cartas sobre a educação estética da humanidade (carta VI).

[2] João 10:34; João 14:12 (Novo Testamento). Compare-se com as frases gravadas nas pequenas tábuas de ouro utilizadas pelos antigos praticantes do orfismo: “Também eu sou da raça dos deuses”.

[3] Trecho de sua entrevista para o documentário The mindscape of Alan Moore.

[4] Este tipo de “morte espiritual” é antes um símbolo do renascimento, do despertar da alma, ainda nesta vida.

[5] Trecho de seu livro, O herói de mil faces.

Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (busto de Zeus); [ao longo] Agni Comics (quadrinhos com deuses do hinduísmo)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

Ad infinitum

Se gostam do que tenho escrito por aqui, considerem conhecer meu livro. Nele, chamo 4 personagens para um diálogo acerca do Tudo: uma filósofa, um agnóstico, um espiritualista e um cristão. Um hino a tolerância escrito sobre ombros de gigantes como Espinosa, Hermes, Sagan, Gibran, etc.

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A Primeira Geração de Deuses gregos

A Teogonia de Hesíodo, também conhecida por Genealogia dos Deuses, é um poema mitológico de Hesíodo (séc. 8 a.C.). Trata da gênese dos deuses, descreve a origem do mundo, os reinados de Urano, Cronos e Zeus, e a união dos mortais aos deuses, desta forma nascendo os heróis mitológicos. Os personagens representam aspectos básicos da natureza e do homem, expressando assim as idéias dos primeiros gregos sobre a constituição do universo. Segundo a Mitologia Grega, contada por Hesíodo:

CAOS

No princípio existia apenas o Caos, a primeira divindade a surgir no universo, um ser solitário, o mais velho dos deus. Caos gerou de forma assexuada os filhos

* Nix (noite) e

* Érebus (Escuridão).

Érebus desposou sua irmã Nix, e deles nasceram

* Éther (luz celestial) e

* Hemera (o dia).

TÁRTARO

Tártaro era outro ser divino primordial, que aprisionava os condenados no mundo subterrâneo.

GAIA, GÊ

Gaia, deusa da terra, era a segunda divindade, com a missão de povoar o Caos. Com sua potencialidade criadora, gerou Urano (o céu), Pontos (rios) e as montanhas. Na solidão fria do Caos, surgiu Eros – o amor e a partir dele, nada mais poderia procriar sozinho. Movida pelo impulso determinador de Eros, Gaia se uniu ao seu filho primôgenito Urano dando origem aos:

* Cíclopes, seres de um olho só, divindades dos relâmpagos, dos trovões e dos raios;

* Hecatônquiros, também chamados de Centimanos, gigantes violentos de cem braços e cinquenta cabeças, divindades dos terremotos; e

* Titãs Oceanus, Céos, Crio, Hipérion, Jápeto, Cronos e às Titânides Febe, Réia, Téia, Têmis, Mnemosine, Tétis, deuses primitivos que tinham a forma humana.

URANO

Urano tinha o dom da profecia e descobriu que seria destronado por um de seus filhos, e vendo a natureza violenta dos filhos, encerrou-os no Tártaro. Revoltada, Gaia pede aos filhos para ajudá-la mas somente seu filho Cronos aceita castrar Urano e assim libertar os seus irmãos Titãs, os Cíclopes e os Gigantes. Cronos castra seu pai e joga seus genitais no mar, de onde surge:

a deusa Afrodite

as Ninfas Melíades ou Melissas, divindades femininas da fertilidade, protetoras das árvores, benfeitoras dos homens e da natureza. Nunca envelheciam e tinham o dom de profetizar, curar e nutrir.

as Erínias, que surgem do esperma de Urano: Tisífone (castigo), Megera (Rancor) e Alecto (Interminável) que viviam no Tártaro torturando as almas pecadoras.

Sem a interferência do pai, Cronos torna-se o rei dos deuses.

TITÃS E TITÂNIDES

* O Titã Oceanus, deus dos mares, desposa sua irmã Tétis, gerando as Ninfas dos mares, as Nereidas e os Seres marinhos.

* O Titã Céos, deus da inteligência, desposa sua irmã, a Titânide Febe, deusa da lua, gerando Astéria, deusa estelar e Leto, deusa do anoitecer.

* O Titã Crio, desposa Euríbia gerando Palas, Astreu e Perses. Seu poder destrutivo envolvia as criaturas do mar Abissal.

* O Titã Hipérion, deus solar primitivo, desposa sua irmã, a Titânide Téia, gerando Selene (a lua), Hélios (o sol) e Eos (a aurora).

* O Titã Jápeto, deus do tempo da vida humana e da mortalidade, desposa sua sobrinha Climene gerando: Prometeu – o que pensa antes; Epimeteu – o que pensa depois; Atlas – o que suporta; Menecéio – o va nglorioso.

* A Titânide Têmis, deusa guardiã dos juramentos dos homens, da lei, deusa da justiça, se une a Zeus e tem três filhas: Eunômia – a disciplina; Diké – a justiça; Eiriné – a paz.

* A Titânide Mnemosine, deusa da memória, une-se a Zeus gerando nove filhas: Calíope (poesia épica) – Clio (História) -Érato (poesia romântica) – Euterpe (música) – Melpômene (tragédia) – Polúmia (hinos) -Tália (comédia) – Terpsícore (dança) -Urânia (Astronomia)

* O Titã Cronos desposa sua irmã Réia, gerando os filhos: Deméter, Héstia, Poseidon, Hades, Hera e Zeus. Mas Cronos se torna perverso, engolindo os filhos quando nascem, devido à profecia feita por seu pai: que um deles também o destronaria.

Por Lúcia de Belo Horizonte.

#Mitologia #MitologiaGrega

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Joseph Campbell é mito!

Em meu segundo vídeo na TV Aberta das Internetz, falo um pouco mais sobre as diversas formas de se conceber a Deus, tanto as ocidentais quanto as orientais. Também veremos como Joseph Campbell foi um sujeito fod@, e como os sábios hindus já debatiam assuntos divinos complexos desde pelo menos a época de Cristo:

Se gostaram, não esqueçam de curtir, compartilhar e se inscrever no canal!

#RafaelArrais #youtube #Deus #BhagavadGita #JosephCampbell

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Cursos Avançados – 72 Nomes de Deus e Goécia

Anjos-cabalisticos

Agora com os cursos básicos gravados em EAD, estou utilizando os poucos finais de semana disponíveis para ministrar os Cursos Intermediários e Avançados. Em Agosto, ministrarei dois cursos muito importantes para o estudioso de hermetismo: Shemhamphorash, os 72 Anjos Cabalísticos, e Goécia, os 72 Demônios Cabalísticos. Estes dois cursos complementares estudam as nuances e desdobramentos dos doze signos do Zodíaco dentro da Árvore da Vida, cujas Imagens Telesmáticas são utilizadas em diversos rituais de autoconhecimento. Os dois cursos possuem pré-requisitos de Kabbalah e Astrologia Hermética e pede-se para os alunos trazerem seus Mapas Natais para utilização durante o curso.

Dias 01 e 02 de Agosto, das 10h as 18h na Vila Mariana

informações: marcelo@daemon.com.br

Para quem está começando seus estudos agora, recomendo fazer os seguintes cursos, nesta ordem:

– Kabbalah Hermética

– Astrologia Hermética

– Tarot – Arcanos Maiores

– Geomancia

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O Evangelho do Agnóstico

» Parte final da série “Reflexões sobre a evangelização” ver parte 1 | ver parte 2

As bases filosóficas do agnosticismo foram assentadas no séc. XVIII por Kant e Hume. O termo, porém, foi cunhado pelo biólogo britânico Thomas Huxley em 1876 – ele definiu o agnóstico como aquele que acredita que a questão da existência de Deus não pode e talvez jamais possa ser resolvida.

“O Cosmos é tudo que existe, que existiu ou existirá” – Assim, com essa frase inesquecível, Carl Sagan inaugura o primeiro episódio da série de 13 documentários intitulada “Cosmos”, veiculados na TV americana em 1980, e depois no restante do mundo. Ao pretender explicar ciência e cosmologia para o público leigo, Sagan acabou criando um épico que abrange também muitas questões existenciais, história, mitologia, religião e espiritualidade em geral.

Em alguma costa rochosa, em alguma praia do globo, Sagan observa as ondas, os pássaros, o vento, e algum tempo depois nos traz outra pérola em sua narrativa: “Recentemente, aventuramo-nos um pouco pelo raso (do Cosmos), talvez com água a cobrir-nos o tornozelo, e essa água nos pareceu convidativa. Alguma parte de nosso ser nos diz que essa é a nossa origem. Desejamos muito retornar, e podemos fazê-lo, pois o Cosmos também está dentro de nós. Somos feitos de matéria estelar, somos uma forma do próprio Cosmos conhecer a si mesmo.”

Sagan era profundo conhecedor de religiões e mitologia, além de cientista e cético, mas não era nem ateu nem teísta ou deísta, era puramente agnóstico. Seu evangelho era constituído de uma obra de divulgação científica totalmente voltada para tal espanto, tal deslumbramento, tal amor pela natureza e todo o Cosmos a sua volta. Essa era a boa notícia de Carl…

Para muitos teístas, o fato de existirem pessoas que não creem em um Deus pessoal, ou que pelo menos não tem certeza de sua existência, parece causar um certo desconforto. Não é raro perceber, em qualquer pessoa ligada a doutrinas eclesiásticas, uma tendência a classificar ateus, agnósticos, céticos, e às vezes simplesmente todo e qualquer cientista, como “gente sem fé”, perdida, afastada de Deus, e até mesmo imoral.

Mas a verdade é que, a despeito do aparente consenso dos eclesiásticos, a moralidade, o amor, não são exclusividade daqueles que oram todos os dias a Deus, que frequentam missas, que consultam algum manual da Verdade Absoluta frequentemente. Para o religioso superficial, isto que digo não levanta muitas questões – “Ora, mas é exatamente assim: uns são bons, outros maus, crer em Deus não faz de ninguém um santo”. Sim, isso faz sentido, mas a questão é mais profunda…

Se Deus existe – e para teístas e deístas ele certamente existe –, porque ele “permite” que algumas de suas criaturas vivam sem sequer crer nele?

Em outro produto da obra de Sagan, o livro de ficção “Contato”, que também deu origem a um excelente filme homônimo, é descrito um contato com inteligências extra-terrestres de uma forma verossímel e científica. Existe também um conflito entre as crenças de cientistas e religiosos – em dado momento, a protagonista do primeiro contato (no livro são vários contatos ao longo das décadas, no filme há apenas um), uma cientista agnóstica, nos traz uma importante indagação:

“Se Deus quisesse nos mandar uma mensagem e escrituras antigas fossem a única forma que pudesse imaginar, ele poderia ter feito um trabalho melhor. E ele dificilmente teria que se confinar a escrituras. Por que não há um monstruoso crucifixo orbitando a Terra? Por que a superfície da Lua não é coberta com os Dez Mandamentos? Por que Deus deveria ser tão claro na Bíblia e tão obscuro no mundo?”

Ao contrário do que muitos eclesiásticos possam imaginar, esta mensagem não denota um pensamento que diminua de alguma forma a importância da Bíblia, mas antes um pensamento que aumenta enormemente a amplitude do que há de sagrado no mundo – o reino é todo o Cosmos. E não poderia ser de outra forma…

Podemos encontrar neste mundo ateus, agnósticos, teístas e deístas, sim isso tudo é verdade. Mas será muito difícil encontrar algum ser que negue a existência de um sistema que rege todo o universo. Seja a crença nas leis fundamentais da natureza, seja a crença nos desígnios divinos, seja um misto de ambos, todos creem em algum sistema, cuja função pode ainda ser um mistério – mas que há de ser buscado, há de ser resolvido passo a passo, por todos nós, juntos!

Sim, nós realmente somos a forma do Cosmos conhecer a si mesmo. E pouco importa, na prática, se tal Cosmos é um ser pessoal, uma força cósmica ou até mesmo um acaso miraculoso – pois no fim, conforme postularam Kant e Hume, não compreendemos ainda muito bem nenhum deles, não podemos ainda resolver tal questão. Será que poderemos um dia?

Para resolvê-la, talvez não bastem apenas orações e experiências místicas, apenas meditação e autoconhecimento, mas também o estudo meticuloso, prático, objetivo, material, profundamente mundano, da natureza a nossa volta. Há muitos gigantes da história da ciência que, buscando talvez um deus barbudo senhor dos exércitos, acabou esbarrando em verdades muito mais profundas. Talvez buscando um reino confinado a um pequeno pedaço de rocha na periferia da uma de bilhões de galáxias, acabou esbarrando no infinito.

E, se mesmo hoje existem seres que buscam aos mistérios de Deus sem sequer crer nele, que se aventuram pelas entranhas dos átomos e quarks, pelo reino bizarro da mecânica quântica, pelos códigos ocultos do DNA, pelos quasares e sóis distantes, pelas singularidades de seções inimagináveis do espaço-tempo, deixem que busquem, pois de uma coisa teremos sempre a certeza: é impossível estar “fora” de Deus.

Talvez o trabalho deles seja tão importante para o mundo quanto os mandamentos dos evangelhos. O importante é encarar as boas novas não como enigmas solucionados, mas como o início de um caminho, subjetivo e objetivo, interior e exterior, que preenche toda nossa existência.

Amai sim, o próximo, e toda a vida, como a ti mesmo. Mas amai a coletividade da vida, amai os átomos que nos conectam a tudo e a todos em uma teia sem fim, amai ao Cosmos acima de todas as coisas.

***

Crédito das imagens: Divulgação (Cosmos de Carl Sagan).

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Pequeno manual para a conversão do infiel

» Parte 2 da série “Reflexões sobre a evangelização” ver parte 1

Conversão religiosa é a adoção de uma nova identidade religiosa, ou uma mudança de uma identidade religiosa para outra. Isto envolve tipicamente o devotamento sincero a um novo sistema de crença, mas também pode ser concebido de outras maneiras, como a adoção em uma identidade de grupo ou linha espiritual.

Todos os sistemas de crença ou doutrina religiosa se baseiam em espécies de guias, manuais passo a passo para uma vida de religiosidade mais profunda e verdadeira, em suma, uma religação mais eficiente e efetiva. Porém, me parece que podemos dividi-los em dois grandes grupos: aqueles em que o campo de aprendizado se dá única e exclusivamente por vontade e esforço próprios de cada um, sem a possibilidade de atalhos ou barganhas; e aqueles em que existe uma possibilidade de se avançar por meio de bênçãos e milagres, por barganhas diretas com Deus, em troca deste ou daquele benefício divino – um arrebatamento ao Céu, algum milagre ou salvação de última hora, ou simplesmente uma iluminação espiritual.

No segundo grupo se encontram a maior parte das igrejas ou sistemas eclesiásticos. Também pode-se dizer que este tipo de religiosidade é muito mais comum no Ocidente do que no Oriente. Por exemplo, quando determinada doutrina afirma que “só seremos salvos se aceitarmos Nosso Senhor Jesus Cristo em nosso coração”, ela opera por forma de barganha: aparentemente, o único caminho será esse, e o mérito da salvação não será exclusivamente nosso, mas muito mais uma forma de “retribuição divina” por nossa fidelidade. Ainda assim, aceitar o Senhor ainda é algo que tem mais lógica do que simplesmente doar quantias enormes de dinheiro a alguma igreja em troca da benção direta desse mesmo Senhor. Afinal, o que diabos Deus fará com seu dinheiro? Afinal, porque somente este ou aquele eclesiástico é responsável pela contabilidade divina?

No primeiro grupo, se encontram a maior parte dos religiosos que não necessariamente tem igreja. Também pode-se dizer que este tipo de religiosidade é muito mais comum no Oriente. Tais fiéis são antes fiéis a Deus, e mesmo que tenham alguma igreja ou grupo de estudos, e um dia os venha a abandonar, não necessariamente abandonará a própria doutrina em si. Estes fazem de suas casas, seus corações, suas mentes, sua única e inabalável catedral – onde sempre poderão orar, onde confessam antes de tudo a si mesmos.

Por exemplo, os dois primeiros versos do Livro do Caminho Perfeito, a obra principal do taoismo, dizem que “o caminho que pode ser seguido não é o Caminho Perfeito”. Superficialmente isto é um tanto paradoxal, é como se fosse apresentado um manual passo a passo para algum Céu em que, logo de início, já fosse afirmado que este manual não poderia ser seguido… No entanto, o que Lao Tsé queria dizer é análogo ao que muitos grandes sábios sempre afirmaram: que o caminho espiritual é próprio de cada um. Ou seja, o discípulo jamais poderá seguir o mesmo caminho do mestre, ele poderá no máximo utilizar seu exemplo de vida como base para construir o seu próprio caminho. Pois assim como não existem seres idênticos na criação, da mesma forma não existem caminhos idênticos para a religação ao Cosmos.

A mim me parece que a abordagem do primeiro grupo tem muito a ensinar ao segundo. Em realidade, existe uma disparidade tão grande e evidente à nível de profundeza espiritual entre tais grupos, que há de se perguntar se o segundo não é, em sua maioria, um grande agrupamento de visões equivocadas da religião mais aprofundada, universal, cósmica…

Há muitas igrejas, por exemplo, que foram edificadas inteiramente sobre textos sagrados aos quais se atribuí uma espécie de “ditado” direto de Deus. Não são como o Livro do Caminho Perfeito, uma mera tentativa de um sábio aconselhar aos outros sobre sua própria experiência de tentar compreender a Deus, mas antes a própria palavra de Nosso Senhor, verdadeiros Guias da Verdade Absoluta [1].

Se é que tais textos sejam mesmo o que os eclesiásticos pretendem que sejam, se é que não tenham sido enormemente adulterados com o passar do tempo, a evolução das sociedades, ou simplesmente por inúmeras traduções e compilações, ainda assim há que se pensar: se temos um nossa frente a Verdade codificada em palavras, em símbolos de escrita, será que isso nos bastará? Será que teremos plenas condições de interpretar corretamente tal Verdade? Acredito que a história das guerras religiosas nos traga uma boa resposta a essas perguntas – afinal, nenhuma guerra, nenhuma matança poderia, jamais, ser santa!

Obviamente que mesmo no Ocidente, que mesmo em tais igrejas com seus Guias Infalíveis, encontram-se os moderados, os da “ala mística”, ou que compreendem a religião, o religare, de forma mais aprofundada. Tenho certeza que esses jamais ergueriam uma espada, obrigando algum pobre coitado a se “converter” a sua doutrina…

Pois como poderia alguém, nalgum dia insano, converter outro alguém ao seu próprio pensamento, a sua própria doutrina, pela força? Pela sedução das palavras? Pelo terror anunciado de um lago de enxofre eterno aguardando todos aqueles que não se salvarem, que não aceitarem Nosso Senhor?

Ora, perguntem aos índios da América, perguntem aos negros da África, se eles nalgum dia se converteram ao Deus desses homens que os trataram como mercadoria, como escravos, como selvagens “sem alma”, mas nunca como irmãos, como seres na mesma caminhada para o Cosmos de onde todos foram catapultados na imensidão infinita. Dizer, da boca para fora, “eu aceito Nosso Senhor”, não significa que tenham aceitado. A liberdade jaz na mente e, assim como o caminho espiritual, é exclusiva de cada um, graças a Deus.

William James, um dos fundadores da psicologia, em seu grandioso tratado “Variedades da experiência religiosa”, postula que a conversão religiosa verdadeira pode aparentemente ocorrer de uma hora para outra, do dia para noite, em algum insight momentâneo, mas que quase que certamente já vinha sendo edificada, lentamente, nos calabouços ocultos do inconsciente. Que nossa questão com Deus é universal, todos temos de seguir este caminho, ainda que alguns o sigam inconscientemente ou o chamem de estudo da natureza – o importante é que, a nossa maneira, estamos todos caminhando à frente, aprimorando nossas potencialidades.

Lao Tsé e outros sábios sempre souberam que jamais poderiam converter alguém – o máximo que poderiam fazer era dar o exemplo, falar sobre sua própria experiência espiritual, sobre os percalços e as consolações do caminho, e esperar pacientemente que cada um, por si só, a seu próprio momento, convertesse a si mesmo.

Que não existe manual para o caminho alheio, apenas para o nosso próprio. O único infiel que tem de ser convertido é aquele que se encontra em nossa própria alma. Somos o juiz e o escravo, o apóstolo e o seguidor, o mestre e o discípulo, de nossa própria causa. Temos de ser fiéis ao nosso próprio ser, ao nosso tanto de fagulha divina que, ainda assim, é e sempre foi a única maneira com que Deus falou conosco – como o vento que sempre nos envolveu, embora não saibamos ao certo por onde ele tem passado.

» A seguir, o evangelho do agnóstico…

***
[1] Muito embora, mesmo no taoismo existam lendas que colocam Lao Tsé como uma espécie de deus na Terra. Da mesma forma que existem religiosos superficiais no Ocidente, existem também no Oriente. Este texto não pretende ser, portanto, uma exaltação da religiosidade oriental como “superior”. Apenas procura atestar que a religiosidade pura, não eclesiástica, é muito mais comum na cultura oriental – independente de seus seguidores as terem compreendido ou não.

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Ventura

Para se ler com a imaginação…

Texto do poeta inglês John Galsworthy, nobel de literatura de 1932, traduzido do original (Felicity) por Rafael Arrais [1].

Quando Deus é tão bom para os campos, de que uso são as palavras – essas pobres cascas de sentimento! Não há como se pintar a Ventura nas asas! Nenhum meio de passar para a tela a glória etérea das coisas! Um único botão-de-ouro dos vinte milhões em um campo vale mais do que todos esses símbolos secos – que não poderão nunca expressar o espírito da neblina espumosa de Maio a se chocar com os arbustos, o coral dos pássaros e das abelhas, as anêmonas a se perder de vista, as andorinhas de pescoço branco em sua Odisséia.

Aqui apenas não existem cotovias, mas quanta alegria de sons e de folhas; de estradas a refletir o brilho das árvores, os poucos carvalhos ainda em dourado amarronzado, e a poeira ainda espiritual! Apenas os melros-pretos e os sabiás podem cantarolar este dia, e os cucos no topo da montanha. O ano fluiu tão rápido que as macieiras já deixaram cair quase todas as suas flores, e nos prados alongados, a grama verde já deixou crescer suas “adagas”, ao lado dos estreitos córregos ensolarados. Orfeu senta-se por lá em alguma pedra, quando ninguém passa por perto, e toca sua flauta para os pôneis; e Pan pode eventualmente ser visto dançando com suas ninfas nos bosques onde é sempre crepúsculo, se você se deita e permanece calmo o suficiente no barranco da outra margem.

Quem pode acreditar em envelhecer, enquanto estamos envoltos nesse manto de cores e asas e sons; enquanto esta visão inimaginável está aqui pronta para ser observada – os carneiros de face lisa ali ao lado, e os sacos de lã secando pendurados na cerca, e grandes números de patos ainda pequenos, tão confiantes que os corvos já pegaram vários.

Azul é a cor da juventude, e as flores azuis têm uma aparência enigmática. Tudo parece jovem, muito jovem para trabalhar. Existe apenas uma coisa ocupada, um passarinho, bicando larvas para sua pequena família, acima de minha cabeça – ele deve precisar fazer esse vôo umas duzentas vezes por dia. As crianças devem ser bem gordinhas.

Quando o céu é tão aventurado, e as flores tão luminosas, não parece ser possível que os anjos de luz deste dia possam passar à escuridão da noite; que lentamente essas asas devam se fechar, e o cuco se colocar para dormir. Insetos enlouquecidos dançam junto à tardinha, a grama se arrepia com o orvalho, o vento morre, e nenhum pássaro canta…

Ainda assim, acontece. O dia se foi – o som e o glamoroso farfalhar de asas. Lentamente, o milagre do dia passou. É noite. Mas a Ventura não se retirou; ela apenas trocou o seu manto pelo silêncio, o veludo, e a pérola da lua. Tudo está adormecido, exceto uma única estrela, e as violetas. Porque elas gostam mais da madrugada do que as outras flores, eu não faço idéia. A expressão em suas faces, quando uma se curva ao crepúsculo, é mais doce e astuciosa do que nunca. Elas partilham algum acordo secreto, sem dúvida.

Quantas vozes se renderam ao fantasma da noite e desistiram de cantar – restou apenas o murmúrio do córrego lá fora, na escuridão!

Com que religiosidade tudo isso tem sido feito! Nenhum botão-de-ouro aberto; as coníferas com as sombras derrubadas! Nenhuma traça apareceu ainda; está muito cedo no ano para os noitobós; e as corujas estão quietas. Mas quem poderia dizer que neste silêncio, nessa luz macilenta a pairar, nesse ar privado de asas, e de todos os odores exceto o frescor, existe menos do incomensurável, menos disto que as palavras são ignorantes em explicar?

É estranho como a tranqüilidade da noite, que parece tão derradeira, é habitada, se alguém permanece calmo o bastante para perceber. Um pequeno cordeiro está choramingando lá fora preso a sua amarra; um pássaro em algum lugar, dos pequenos, a cerca de trinta metros, assobia da maneira mais deliciosa. Existe um cheiro também, por debaixo do frescor doce das roseiras, eu acho, e das nossas madressilvas; nada mais poderia se espalhar de tal forma delicada pelo ar. E mesmo na escuridão as rosas têm cor, talvez mais belas do que nunca. Se as cores são, como dizem, apenas o efeito da luz em variadas ondas, alguém poderia pensar nelas como uma melodia, o som de agradecimento que cada forma entoa, para o sol e a lua, para as estrelas e o fogo. Essas rosas coloridas pela lua estão cantando um som bem silencioso. De repente eu percebo que existem muitas outras estrelas ao lado daquela ali, tão vermelha e observadora. O falcão passou por ali com seus sete amigos; ele se aventurou muito alto e profundamente na noite, na companhia de outros voando ainda mais distantes…

Essa serenidade da noite! O que poderia parecer menos provável de prosseguir, e se metamorfosear novamente no dia? Certamente agora o mundo encontrou o seu sono eterno; e o brilho de pérola da lua irá perdurar, e este precioso silêncio nunca mais irá renunciar ao seu reinado; a uva-flor deste mistério nunca mais irá brilhar novamente na luz dourada…

E ainda assim, não é o que ocorre. O milagre noturno se passou. É manhã. Uma luz pálida desponta no horizonte. Estou à espera do primeiro som. O céu ainda é nada mais do que papel acinzentado, com a sombra dos gansos selvagens a passar. As árvores não passam de fantasmas. E então começa – o primeiro canto de um passarinho, espantado em descobrir o dia! Apenas uma chamada – e agora, aqui, ali, em todas as árvores, repentinamente todas as respostas vêm em socorro, e o coral mais doce e despretencioso ecoa. Seria a irresponsabilidade alguma vez tão divina quanto isso, o piar dos pássaros? Então – açafrão no céu, e silêncio uma vez mais! O que será que os pássaros fazem após o primeiro Coral? Pensam em seus pecados e seus negócios? Ou apenas dormem um pouco mais? As árvores estão rapidamente soltando a imaginação, e os cucos começam a chamar. As cores estão queimando nas flores; o orvalho as saboreia.

O milagre acabou, pois a radiação iniciou seu trabalho; e o sol está desgastando essas asas negras e ocupadas com seu dourado. O dia chegou novamente. Mas sua face parece um pouco estranha, não mais como fora ontem. Estranho de se pensar, nenhum dia é como o dia que se foi e nenhuma noite como a noite que virá! Porque, então, temer a morte, que é noite e nada mais? Porque se preocupar, se o dia que virá trará uma nova face e um novo espírito? O sol iluminou o campo de botões-de-ouro agora, o vento acariciou os limoeiros. Alguma coisa me faz sombra, passando ali em cima.

É a Ventura em suas asas!

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Comentário

Até agora não havia publicado textos de outros autores aqui na minha coluna no Portal TdC, achei que esse seria ideal para inaugurar, primeiro pela qualidade literária, segundo pela mensagem (que desenvolvi no meu artigo Pequenas mortes), mas principalmente pelas sensações e imagens que Galsworthy é capaz de invocar com suas “cascas de sentimento” – particularmente nos que exercitam a imaginação.

[1] Admito que essa tradução estava bem além das minhas capacidades linguísticas, poéticas e zoológicas. Se você conhece inglês profundamente, recomendo ler o original – Felicity.

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Crédito da foto: Wikipedia (botões-de-ouro)

#Deus #Espiritualidade #morte #natureza

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/ventura-1