Referencias Hermeticas em Promethea – Parte 1

por Octavio Aragão

“Nomeio a palavra ‘memória’ e reconheço o que nomeio. Onde o reconheço senão na própria memória? Mas então está ela presente a si mesma, pela sua imagem, e não por si própria?“
Santo Agostinho, Confissões

Um golem para Mr. Moore
Há um bom motivo para que os cânticos religiosos e as rezas sejam entoadas em voz alta. Segundo a cabala [1], energias cósmicas entrariam em movimento assim que certos sons fossem proferidos por voz humana, transformando a realidade em massa moldável e nossa vontade em espátula capaz de formatar o continuum.

Alan Moore tomou uma decisão radical no momento em que completou 40 anos: optou por estudar esoterismo, mais especificamente a magia das palavras, em lugar de sofrer uma crise de meia-idade.Para quem acompanha o trabalho do roteirista de Northampton, tais influências ficam claras em algumas das HQs produzidas nos últimos 10 anos para o mercado norte-americano, mais especificamente a mini Judgement Day, de 1997, para a Awesome Entertainment, Glory, lançada incompleta pela Avatar Press em 2001, e Promethea, publicada pelo selo America’s Best Comics, da DC, onde o escritor aproveita o imaginário dos super-heróis para fundamentar uma série de conceitos que mergulham fundo em referências místicas, cruzando técnica narrativa e um certo didatismo cabalístico numa mistura nem sempre agradável ao grande público, acostumado ao imediatismo maniqueísta dos vilões monomaníacos e dos protagonistas bidimensionais.

Apesar de nutrir alguma simpatia sociológica pelos colantes coloridos e de já ter feito um bom dinheiro graças a eles, Moore mantém um saudável pé atrás quando se vê obrigado a atuar no mercado estadunidense. Não é de se estranhar, já que, aparentemente, o autor havia dado sua última palavra ao gênero com a muito falada série Watchmen, sem contar com as anteriores Miracleman, V For Vendetta e Captain Britain, mas pode-se dizer que Moore recebeu uma proposta faustiana, ao ser convidado pelo polêmico Rob Liefeld, – ilustrador americano de qualidades dúbias em termos de desenho e narrativa mas dono de disposição empreendedora digna de nota – para construir do zero todo um universo ficcional para o selo Extreme, da editora Image Comics.

A Extreme era um golem de papel [2] e a proposta, no mínimo, constrangedora. Apenas alguém sem auto-crítica poderia convidar um dos maiores roteiristas dos quadrinhos do mundo para assumir uma editora cheia de personagens derivativos como Supreme, claramente uma cópia do Superman, da DC Comics, e Badrock, um homem de pedra baseado no Coisa, da Marvel, onde Liefeld trabalhou durante muito tempo e tornou-se um jovem astro. Moore, porém, gosta de golens, principalmente quando permitem que ele escreva a palavra Emeth [3] na testa do monstro e sopre vida em suas narinas.

O deus da mentira e o livro de todas as histórias
Moore assumiu Supreme a partir do número 41 e transformou a série num sucesso de crítica, com indicações ao prêmio Eisner e comentários elogiosos de seus pares, como Neil Gaiman, se referindo às hqs de super-heróis:

“(…) existem as narrativas mais ou menos pulp que são feitas a toque de caixa por profissionais que estão dando o melhor de si, ou não. (…) Mas há preciosas exceções – Supreme, de Alan Moore, um exercício de reescritura dos 50 anos do Superman visando torná-lo em algo que valha a pena.”[4]

Com tanta repercussão positiva, Rob Liefeld ignorou as baixas vendas da série e oficializou o convite a Moore para que esse assumisse todos os títulos da editora, rebatizada como Awesome Entertainment, com uma minissérie de abertura. A idéia do desenhista era uma mega saga que reunisse todos os personagens da antiga Extreme, coalhada de mortes e cenas de impacto, sob o nome de Judgement Day. É sempre bom lembrar que na época a dupla formada por Mark Waid, texto, e Alex Ross, arte, havia acabado de anunciar outra série mais ou menos no mesmo formato para a DC batizada de Kingdom Come. Não é difícil imaginar de onde Liefeld tirou a idéia para seu gotterdamerung[5] particular… Moore, como era de se esperar, odiou e acrescentou que, se fosse obrigado a escrever uma cópia de Crise nas Infinitas Terras, romperia o contrato com a Awesome. Porém, se tivesse liberdade para desenvolver o conceito embutido no título Judgement Day, poderia pensar em alguma coisa. Liefeld, num rasgo de bom-senso, deu carta branca ao escritor e este desenvolveu um script retratando uma espécie de julgamento de O. J. Simpson versão super-herói.

O plot era o seguinte: no início dos tempos, o deus Hermes[6] concebeu um tomo que tornaria real tudo aquilo que se escrevesse em suas páginas. O livro indestrutível passou de mãos em mãos através dos séculos, sendo sempre manipulado por seus portadores- vilões ou heróis – que visavam lucro pessoal. Uma das características interessantes do volume era que a realidade poderia ser alterada retroativamente caso se arrancasse páginas ou se apagasse escritos anteriores e, usando esse truque como recurso narrativo, Moore emprestou uma profundidade insuspeita aos personagens bidimensionais de Liefeld, tornando-os maquiavélicos, conspiradores, egoistas e icônicos, sendo capazes de assassinar uns aos outros para deter a posse do livro. Além disso, criou toda uma mitologia para formatar o universo, povoando-o com bárbaros celtas, cavaleiros andantes, caubóis renegados, selvagens a la Tarzan e soldados da Segunda Guerra Mundial.

Mas o tempero principal de Judgement Day era a utilização de preceitos de Cabala inseridos na história. Ao apresentar Hermes, deus grego da comunicação, do verbo e, não coincidentemente, dos ladrões e das mentiras, como o principal narrador da saga, Moore abriu a caixa de Trismegisto[7] aos fãs de quadrinhos, fazendo uma ponte insuspeita entre magia e técnica literária. Hermes serve como contraponto e encarnação da própria história, a Cabala personificada, verbo feito personagem, com carne de papel e pele de nankim. É sempre bom lembrar que, em grego, hermes significa “intérprete” e daí deriva a ciência da hermenêutica, além da denominação do hermetismo, raiz de todo ocultismo.

O Hermes de Moore é sedutor, melífluo, enganador. Uma entidade feita de ouro e para quem as leis da física se dobram, podendo estar representado em movimentos variados dentro de um mesmo requadro. O deus se expressa em estrofes e, num tom apocalítico, dissemina os preceitos cabalísticos enquanto introduz a mini-série:

“Frantic we Thumb our Memories, Stage by Stage,
For some Clue Overlooked Upon the Way
Yet Read on, Line by Line, Page after Page,
To our Denouement; to our Judgement Day.

Spellbound, Forget Amidst the Laughs and Thrills
That Words may Change a World…

…and Language Kills.” [8]

Essa, porém, não será a última vez que Alan Moore utilizará Hermes como seu porta-voz. Ainda há muitas histórias a contar.

continua…

Notas
1. Cabala ou Qabalah é a tradição mística do Judaísmo emersa por volta do anoem Provence, França, que busca ordenar o universo por meio de múltiplas combinações de números e letras, como uma “receita” para a Criação. Graças ao Sepher Yetsirah, Livro da Criação, séculos II e IV, alcançou grande prestígio entre os estudiosos, postulando o princípio que a letra, emanação do poder divino, é também a assinatura das coisas e as combinações entre várias letras remeteriam à estrutura do cosmo.

2. “A palavra golem figura pela primeira vez no Livro dos Salmos, Salmo 139, versículo 16. Interpreta-se em geral esse salmo como sendo as palavras do homem que agradece a Deus por havê-lo criado e que rememora para si as diferentes fases de sua criação : ‘Meu golem, Teus olhos o viam’. O termo golem toma aqui simplesmente o significado de ’embrião’, que é o significado que tem em hebraico. Mas pode-se também conceber que é Adão quem fala(o que não tardou em ser feito pelos exegetas) e que ele revive os episódios correspondentes do Gênesis. Nesse caso, o golem recebe uma carga de determinações suplementares. Ele é uma massa de terra inerte do corpo de Adão antes de lhe ser insuflado o pneuma divino, a terra ainda não habitada pelo espírito e que aguarda ser vivificada pelo soprovital.” MATIERE, Catherine. Golem, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 – 2ª edição, p. 407/408

3. “Jeremias e seu filho Ben Sira, com a ajuda do Livro da Criação, puseram no mundo um Golem e sobre sua fronte estava escrito: emeth, “verdade”, como o nome que Deus pronunciou diante da criatura para mostrar que sua criação estava consumada. Mas o Golem apagou a primeira letra (aleph), para mostrar que somente Deus é verdade, e morreu.”
——-op. cit., p. 408

4. GAIMAN, Neil. Introduction, in Kurt Busiek’s Astro City: Confession. USA: Image Comics, 1907. 1ª edição, p. 10/11.

5. Gotterdamerung, o Crepúsculo dos Deuses, é, entre outras coisas, a última parte da tetralogia wagneriana O Anel dos Nibelungos, e conta como os deuses nórdicos – Wotan, Freya, Brunhilde, Sigfried, Logé – encontram seu trágico fim, enredados numa trama de mentiras e traições.

6. “(…) não há necessidade de resumir aqui as histórias de que o Hermes grego, o Mercúrio latino, é o protagonista, o herói ou o figurante. Basta lembrarmos algumas passagens que põem em destaque certos traços constantes (…). Dois dentre eles ressaltam de um fato conjunto: por um lado, sua função de guia, ligada à sua mobilidade; por outro, seu domínio do discurso e da interpretação, garantia de um certo tipo de saber”.
FAIVRE, Antoine. Hermes, in Dicionário de Mitos Literários; BRUNEL, Pierre (org). Rio de Janeiro, RJ: Livraria José Olympio Editora S.A., 1998 – 2ª edição, p. 452

7. Hermes Trismegisto, que significa “três vezes grande”, teria sido o nome de um mortal, filho de Agatodêmon, descendente de Thot, a divindade egípcia do conhecimento. Veremos mais tarde que ambas divindades podem ser percebidas como duas vertentes do mesmo mito, mas outras genealogias são consideráveis. Santo Agostinho, por exemplo, afirma ser o Trismegisto o tataraneto de um contemporâneo de Moisés em A Cidade de Deus, e Brunetto Latini coloca-o lado a lado com Moisés, Sólon, Licurgo, Numa Pompílio e o rei grego Foromeu como um dos principais legisladores da antiguidade.

8. MOORE, Alan. Judgement Day Sourcebook. USA: Awesome Entertainment, 1997 – 1ª edição, p. 8

#HQ #Kabbalah

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/referencias-hermeticas-em-promethea-parte-1

BIG NUMBERS: Uma conversa com Alan Moore e Bill Sienkiewicz

Há um ano atrás eu conversei com Bill Sienkiewicz sobre o  que, então, era entitulado de The Mandelbrot Set. Era no que ele estava envolvido, em mais uma parceria com Alan Moore, e tratava de Matemática Fractal e a Teoria do Caos. Desde então, o trabalho teve seu título alterado para Big Numbers, levemente mais acessível que o primeiro, evitando perguntas como “mandelbrot o quê ? ”

Bem, mas que diabos é Matemática Fractal? Não é uma pergunta de resposta fácil, não é um assunto de fácil explanação. Basicamente trata-se de uma nova ciência que transcende limitações filosóficas, científicas, religiosas, econômicas…tudo. E que quer nos prover de uma nova forma de enxergar o mundo a nossa volta. Soa claro? Não? Então deixemos o próprio Bill tentar nos explicar:

“Fractais é um jeito de compreendermos que existe um ritmo e uma fórmula para o Caos; que há uma ordem nele. Se voce tem um padrão de onda cerebral que é rítmica e outra desconexa, qual voce prefereria?  Presumo que a primeira, à primeira vista. Mas se pensármos direito, a outra, a caótica, seria a correta. Porque a mente e a memória são fractais por excelência, elas não seguem uma linha reta, uma aparente ordem, uma sequência… Por exemplo, quando voce pensa na primeira vez que teve um cigarro aceso em seus dedos, que foi num jogo de futebol que assistiu, aí voce se lembra de um dia chuvoso, depois num acidente que voce presenciou quando tinha 13 anos…e por aí vai, de associação em associacão, de forma lógica ou ao acaso. A coisa não funciona digamos, sob controle, cronlogicamente, ordenadamente. É aos saltos e, para isto, para a nossa mente trabalhar assim, é preciso que exista o Caos e , simultaneamente, alguma espécie de ordem. O coração e os pulmões são rítmicos mas a mente é caótica. E quando voce toma alguma coisa, como cocaína, ela faz a mente ficar ritmica e o cárdio-respiratório virar um caos…Tudo se espalha em volta. E é disto que estamos tentando tratar em Big Numbers.”

“É baseado num narrativa dentro da história, que mostra que,por mais que as coisas se modifiquem, elas permanecem as mesmas. Temos 45 personagens, cada um com sua história pessoal e quero que as pessoas realmente se importe com elas, mas que, ao mesmo tempo, a estória seja o foco maior de suas atenções. Depois de ter feito minha própria graphic-novel Stray Toasters, agora eu quero que os leitores abracem a vida como algo afirmativo e não como uma coisa que está se esgarçando irremediavelmente. Que se inteirem que tudo é uma questão de conexão, de ligação entre todos nós…Eu realmente amo as pessoas. ”

Mas e sobre trabalhar com Alan Moore, quando todos sabemos que ele é minucioso e até mesmo ditador ao extremo com seus roteiros – embora também saibamos que voces juntos já nos brindaram maravilhosamente com o docudrama Brought To Light?
“Bem, minha definição de Alan é que ele é um autor altamente controlador. Mas não é uma coisa negativa e o que percebo é que os artistas que trabalham com ele, confiam no seu taco e o seguem fielmente. É mais como se eles estivessem trabalhando para ele e não com ele. Já de minha parte, é um pouco diferente. Gosto de jogar coisas novas para ele, coisas que ele não tinha lidado antes. Sou um artista mais abstrato, até no campo das idéias, enquanto que ele é mais concreto, se podemos descrever assim.  Deste modo eu tento soltá-lo mais…E também  não posso negar que, com ele, também aprendi a me controlar um pouco. Ou seja, ele também se dobrou um pouco a mim e aí temos uma simbiose profíqua, quando os opostos se complementam.”

Recentemente eu tive a chance de conhecer ainda mais desta intrigante e instigante obra, ao conseguir contatar o próprio Alan Moore que deixou claro pretender causar um impacto profundo nos leitores de Quadrinhos ao ponto de extrapolar ao gênero, muito mais do que alcançou antes, com Watchmen.

Seu entusiasmo era visível e ele está convencido que será o melhor trabalho que já fez. Entende os fractais como uma chave para se lidar com o estado em que o mundo se encontra.

Mas , primeiro, a mudança de nome. Porque isto ocorreu?

“Depois que decidimos chamar a obra de The Mandelbrot Set, lembramo-nos que deveríamos, até por respeito, informar ao Dr. Mandelbrot – o autor francês da Teoria – sobre nosso propósito. Assim, escrevemos a ele e recebemos uma resposta muito amável. Basicamente ele nos informava que desejava muito ver a Matemática Fractal ser divulgada maciçamente, tanto pelo seu valor educacional quanto de entretenimento. Mas que, naquele momento, devido ao idiossincrático e críptico conservadorismo reinante no meio  matemático – que chegou a lhe considerar um egomaníaco e auto-promotor e atacaram  veementemente os Fractais – ele preferia não ter o seu nome envolvido. Infelizmente, para toda comunidade científica, a popularização da ciência é confundida com banalização, com o decréscimo de sua importância.”
De todo modo, Big Numbers soa melhor e é mais abrangente.”

Quando consideramos o que Alan pretende, ou seja, tornar acessível uma nova teoria científica, mostrar que todos podem aplicá-la para entender melhor o mundo em que vive e mais, apresentando-a num veículo ainda muito discriminado – como infelizmente ainda são as HQs – um título mais fácil faz grande diferença.

Mas vamos às próprias explicações de Alan Moore sobre os Fractais, bem mais complexas e profundas que as de Bill. Está sentado confortavelmente?   É melhor que esteja.

“A melhor maneira de descreve-los é através de exemplos palpáveis. Se voce tem uma folha de papel e risca uma linha nela, em termos matemáticos esta linha tem só uma dimensão, é unidimensional. Ignora-se a sua largura e consideramos somente seu comprimento. Agora, se voce começa a ziguezaguear esta linha pela folha de papel, voce cobrirá mais superfície do papel, podendo chegar até mesmo a cobri-la inteiramente. Chegaremos então ao ponto em que a linha continua unidimensional, mas não totalmente. E se ao mesmo tempo não é bidimensional, ou seja, continua não tendo uma  largura, podemos dizer que ela é de uma dimensão-e- meia. O mesmo se aplica a uma folha de papel, esta sim, bidimensional – tem largura e comprimento . Se a embolamos na mão até formar uma bola – e bolas são sólidos tridimensionais, com largura, comprimento –  teremos na verdade um objeto de duas dimensões que foi forçado a quase ser tridimensional. Portanto podemos
dizer que aquela bola de papel é de duas-dimensões-e-meia.  Assim que voce consegue entender este conceito de meias dimensões, de frações de dimensões, isto nos abre toda uma nova área de Geometria possível. As pessoas que começaram a explora-la, estão concluindo que as equações que abordam essas dimensões fracionadas, geram estas novas formas peculiares chamadas Fractais. E daí a perceberem que muitas das formas encontradas na natureza, ao acaso, são  perfeitamente idênticas àquelas geradas em seus computadores, foi um pulo. E tudo isto nos indicando que aquilo que considerávamos até então casual, caótico e turbulento, é de fato expressão perfeita de uma forma mais elevada de Geometria que não tínhamos condição de perceber antes.’

“Veja as nuvens, por exemplo. Suas formas parecem ser completamente caóticas, imprevisíveis, mas quando observadas sob a ótica da Matemática Fractal, o Caos assume um diferente significado, mostrando que há diferentes caminhos para se observar matéria e acontecimentos. E isto está contribuindo até mesmo para reverter a nefasta tendência contemporânea à especialização màxima. Cada vez mais e mais gente sabe mais e mais sobre menos e menos. Até que todos saberão tudo sobre nada…”
“Com os Fractais todos percebem que tudo está conectado, Meteorologia, Economia, Biologia…tudo tem muito  em comum. Cessa o desejo da especialização. O melhor a fazer é estudar quanto mais campos for possível.”
“Foi o que o próprio Maldelbrot fez. E é  o que pretendemos fazer com Big Numbers, mostrar um novo jeito de perdceber o nosso derredor”.
Alan Moore acredita que fomos apanhados num estágio tal de caos e trubulência que não acontecia desde que a Era Industrial suplantou à Agricultural. E afirma que Big Numbers não é uma obra nihilista mas sim até mesmo otimista, “pois ela tornará claro que é possível lidar com tudo isto se temos os métodos corretos”.

E continua: “A sociedade se encontra meio aflita porque as coisas estão acontecendo cada vez mais rápido, levando o Caos aos nossos sistemas políticos, econômicos, vidas emocionais e nas nossas relações interpessoais. Estamos agora no olho  do turbilhão entre a Era Industrial e o “Por Vir”. Na Matemática fractal é um conceito bem aplicável aí, o chamado Período de  Fase de Transição. Por exemplo: se voce fosse um alienígena, olhando para um lago,  nunca conseguiria prever as propriedades do vapor. Isto se dá porque o que acontece entre a água e o vapor é um ponto de Fase de Transição.Um ponto de intensa e incrível turbulência, quando uma coisa deixa de ser ela própria mas ainda não é a outra. Com a água obviamente isto acontece quando ela começa a ferver. Com Big Numbers o que pretendo é captar uma fração de todo este vapor, calor e água em ebulição, uma fração da sociedade quando ela atinge este ponto de fervura,  e
tentar fazer um juizo disto”.

O ROTEIRO DE BIG NUMBERS

Como sempre faz em seus minuciosos roteiros, para Big Numbers Alan Moore criou uma espécie de mapa de cada personagem, uma grande folha de papel dividida em 40 linhas e 12 colunas, totalizando 480 células na qual está destrinchada a vida de cada uma delas no decorrer do 12 números que comporão a série. E tome rabiscos de letra miúda quase imperceptível, garatujas incompreensíveis, quase criptografia,  até mesmo pequenos desenhos, numa espécie de story-board, formando o que o próprio Alan apelidou de Tapeçaria, retratos de cada personagem.
Uma é um professor de História, para termos o ponto de vista histórico; outra, um cara que acha que veio de Netuno, nos oferecendo o angulo social; emfim, está tudo alí , e tudo é revelante.

Alan se concentrou em segmentos sociais que raramente são representados – a terceira idade e a infância quase sempre são relegados em pró dos “mais jovens”, seja na TV, cinema ou mesmo em livros. Big Numbers, no entanto, é sobre gente real.

“Eu estou bem confortável com o fato de não ser uma obra centrada em homens jovens e lindas garotas fazendo e acontecendo “, revela Moore. “Não me pauto pela tendência de juventude exclusiva. Isto é um conceito inventado pela mídia publicitária desde os anos 50. Há um monte de gente de meia-idade, crianças e idosos nesta série, pois eles formam o espectro da nossa sociedade que raramente é representado, servindo até mesmo de motivo de piada. É legal escrever sobre garotas sensuais em roupas sumárias, e até chamar isto de feminista. Mas e as pessoas comuns não particularmente atraentes, indo para o trabalho, cuidando das crianças, cozinhando para os maridos? Elas não têm valor?”

Big Numbers não tem uma estória usual, não é um “suspense”, mas sim uma colcha de retalhos das estórias de cada personagem, de uma comunidade tipicamente interiorana da Inglaterra (sob a ditadura da dama-de-ferro, Margareth Tatcher) afetada em seu dia a dia pela construção de um leviatanesco Shopping , ícone maior do capitalismo turbinado, justo em seu cerne. Se isto não é acessibilidade, me diga entáo o que é.

E Alan continua: “O Shopping nos permite tratar de uma comunidade em crise. Nada impactante e dramático somente pelo dramático, mas paulatino e sutil. Se voce ver uma comunidade sendo erodida, isto te conscientiza de como ela está mudando e nós precisamos de um agente de mudança na história. E com a atual predominância da chamada “geração-Shopping”, acho que fizemos uma boa escolha. Tanto que, naquela enigmática forma com que a vida imita a arte, justamente a área de Northampton que escolhemos como cenário para a nossa estória, já está toda tomada por cadeias de lojas a la Toys R Us.

“O Shopping é o verdadeiro emblema do pico da era industrial. É a representação do que uma sociedade comercial soi poderia terminar:  um bando de zumbis andando para lá e para cá, hipnotizados pelos anúncios luminosos, visual clean de inox-polido- neon-e-vidro, consumindo compulsivamente.”

“”Mas não penso que este será o fim da Civilização. Certas correntes,  seja na Tecnologia, Ciência, Arte,  e mesmo na vida, corações e mentes das pessoas, reverterão esta tendência. Como eu disse antes, o mundo está mudando de forma incrivelmente acelerada e ninguém é capaz de prever ao certo no que isto irá dar. Mas em Big Numbers eu tento ao menos mostrar esta fase de transição, o momento da fervura”.
E eu acredito piamente que Alan conseguirá o seu intento, ainda mais com a parceria de Bill Sienkiewicz  que, segundo Alan, está na sua melhor fase como artista, voltando a uma arte mais naturalista, mais próxima, numa simbiose que tornará Big Numbers tão leível quanto assistir a vida de nossa vizinhança. Por isto, a obra também é permeada de humor…

“É muito engraçada, rizível até”- enfatiza Moore – ” uma verdadeira comédia, que não deixa de ser trágica em certos pontos, como a vida. A nossa inspiração provem de autores como Alan Bleasdale e Alan Bennett, que podem dizer coisas de partir o coração de um forma realmente açambarcadora e engraçada. Eles conseguem expor inconmensuráveis e pungentes dramas humanos de forma simples e direta. E é neste território que eu pretendo que Big Numbers se desenvolva, no qual voce tem simultaneamente toda a riqueza da comédia e da tragédia da nossa mundana existência”.

“Por uma certa ótica também, Big Numbers tentará fazer com que os leitores de Quadrinhos se conscientizem de que não é preciso ser mordido por uma aranha radiativa ou nascer com um gene mutante, para ser interessante. De que cada pessoa a sua volta é tão ou muito mais instigante do que qualquer super-humano de collant. Super Heróis são personagens planos, unidimensionais, tigres de papel. Vigilantes psicóticos demandam quase nenhuma motivação, não têm a riqueza e a complexidade de uma pessoa que voce encontra num ponto de ônibus.”

“Mesmo a idéia de escapismo per si  – motivação maior dos Quadrinhos, Cinema, etç – eu já abominava quando escrevia O Monstro do Pântano. E agora, mais do que nunca, é tempo de ser perguntar: Por que Super  Heróis em primeiro plano? Por que não ir direto ao ponto? Estou completamente fora dos gêneros Fantasia & Ficção Científica, pois atingi aquele estágio no qual o Mundo real parece ser tão fabuloso, fascinante, intrincado e maravilhoso que é até um insulto à realidade tentármos inventar qualquer coisa…”
Esse cara realmente escreveu Watchmen???

(Obs; tradução livre da excelente cobertura de Big Numbers escrita por Liz Evans para a já extinta revista DEADLINE, em seu nº 17, de abril de 1990/ This is a free translation of the excellent article by Liz Evans from the magazine Deadline # 17 – april/1990).

Trad. José Carlos Neves

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/big-numbers-uma-conversa-com-alan-moore-e-bill-sienkiewicz/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/big-numbers-uma-conversa-com-alan-moore-e-bill-sienkiewicz/

O Verdadeiro Eu, por Alan Moore

Se no budismo não existe um “Eu”, ainda assim é importante desenvolver sua pessoa (seu aglomerado que se identifica com um “Eu”) para transcender os limites impostos pela ilusão. No ocidente, onde acreditamos numa alma imortal, enfrentamos um desafio semelhante; No caso, o corpo e as formas materiais nos embotam a consciência (bloqueando as “portas da percepção”) e nos “afastam” do contato com nosso verdadeiro “Eu”, a alma. Mas engana-se se pensam que a alma é sempre um gasparzinho com sua imagem e semelhança, dentro de seu corpo de carne. Por isso vamos dar a palavra ao Alan Moore, no documentário The Mindscape of Alan Moore:

“Quando cumprimos a vontade de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a vontade do universo. Na magia ambas as coisas são indistinguíveis. Cada alma humana não é, de fato, UMA alma humana: é a alma do universo inteiro. E, enquanto você cumprir a vontade do universo, é impossível fazer qualquer coisa errada.

Muitos dos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com “E” maiúsculo. Esse conhecimento vem da Grande Obra, do ouro que os alquimistas buscavam, a busca da Vontade, da Alma, a coisa que temos dentro que está por trás do intelecto, do corpo e dos sonhos. Nosso dínamo interior, se preferir assim. Agora, esta é particularmente a coisa mais importante que podemos obter: o conhecimento do verdadeiro Eu.

Assim, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm urgência por ignorar seu Eu, mas que também parecem ter a urgência por obliterarem-se a si próprias. Isto é horrível, mas ao menos vocês podem entender o desejo de simplesmente desaparecer, com essa consciência, porque é muita responsabilidade realmente possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. O que acontece se a quebra? O que acontece se a perde? Não seria melhor anestesiá-la, acalmá-la, destruí-la, para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura. Creio que é por isso que as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer dos vícios que a cultura nos faz engolir, e pode ser vista como uma tentativa deliberada de destruir qualquer conexão entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir um Eu superior, e então ter que mantê-lo.

Tenho estudado a escola da história do pensamento mágico e o ponto em que começou a dar errado. No meu entender, o ponto em que começa a dar errado é com o monoteísmo. Quero dizer, se olhar a história da magia, verá suas origens nas cavernas, verá suas origens no xamanismo, no animismo, na crença de que tudo o que te rodeia, cada árvore, cada rocha, cada animal foi habitado por algum tipo de essência, um tipo de espírito com o qual talvez possamos nos comunicar. E ao centro você tinha um xamã, um visionário, que seria o responsável por canalizar as idéias úteis para a sobrevivência. No momento em que você chega às civilizações clássicas, verá que tudo isto foi formalizado até certo grau. O xamã atuava puramente como um intermediário entre os espíritos e as pessoas. Sua posição na aldeia ou comunidade, imagino, era a de um “encanador espiritual”. Cada pessoa no grupo devia ter seu papel: A melhor pessoa durante uma caçada tornava-se o caçador, a pessoa que era melhor pra falar com os espíritos, talvez porque ele ou ela estivesse um pouco louco, um pouco separado do nosso mundo material normal, eles tornavam-se os xamãs. Eles não seriam mestres de uma arte secreta, mas sim os que simplesmente espalhariam sua informação pela comunidade, porque se acreditava que isto era últil para todo o grupo. Quando vemos o surgimento das culturas clássicas, tudo isso se formalizou para que houvesse panteões de deuses, e cada um destes deuses tinha uma casta de sacerdotes, que até certo ponto atuariam como intermediários, que te instruiriam na adoração a estes deuses. Então, a relação entre os homens e seus deuses, que pode ser vista como a relação entre os humanos e seus “Eus” superiores, não era todavia de um modo direto.

Quando chega o cristianismo, quando chega o monoteísmo, de repente tem uma casta sacerdotal movendo-se entre o adorador e o objeto de adoração. Tem uma casta sacerdotal convertendo-se em uma espécie de gerência intermediária entre a humanidade e a divindade que está se buscando. Já não se tem mais uma relação direta com os deuses. Os sacerdotes não têm necessariamente uma relação com Deus. Eles só têm um livro que fala sobre gente que viveu há muito tempo atrás que teve relação direta com a divindade. E assim está bom: Não é preciso ter visões milagrosas, não é preciso ter deuses falando contigo. Na verdade, se você tem algo disto, provavelmente está louco. No mundo moderno, essas coisas não acontecem; as únicas pessoas as quais se permite falar com os deuses, e de um modo unilateral, são os sacerdotes. E o monoteísmo é, pra mim, uma grande simplificação. Eu quero dizer, a Cabala tem uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto.

Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de idéias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, que quem a emite nem sequer a entende”.

#hermetismo #Kabbalah

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-verdadeiro-eu-por-alan-moore

A Busca do “Eu”, por Alan Moore

Texto poderoso do Alan Moore, traduzido pelo Acid.

“Quando cumprimos a vontade de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a vontade do universo. Na magia ambas as coisas são indistinguíveis. Cada alma humana não é, de fato, UMA alma humana: é a alma do universo inteiro. E, enquanto você cumprir a vontade do universo, é impossível fazer qualquer coisa errada.

Muitos dos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com “E” maiúsculo. Esse conhecimento vem da Grande Obra, do ouro que os alquimistas buscavam, a busca da Vontade, da Alma, a coisa que temos dentro que está por trás do intelecto, do corpo e dos sonhos. Nosso dínamo interior, se preferir assim. Agora, esta é particularmente a coisa mais importante que podemos obter: o conhecimento do verdadeiro Eu.

Assim, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm urgência por ignorar seu Eu, mas que também parecem ter a urgência por obliterarem-se a si próprias. Isto é horrível, mas ao menos vocês podem entender o desejo de simplesmente desaparecer, com essa consciência, porque é muita responsabilidade realmente possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. O que acontece se a quebra? O que acontece se a perde? Não seria melhor anestesiá-la, acalmá-la, destruí-la, para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura. Creio que é por isso que as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer dos vícios que a cultura nos faz engolir, e pode ser vista como uma tentativa deliberada de destruir qualquer conexão entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir um Eu superior, e então ter que mantê-lo.

Tenho estudado a escola da história do pensamento mágico e o ponto em que começou a dar errado. No meu entender, o ponto em que começa a dar errado é com o monoteísmo. Quero dizer, se olhar a história da magia, verá suas origens nas cavernas, verá suas origens no xamanismo, no animismo, na crença de que tudo o que te rodeia, cada árvore, cada rocha, cada animal foi habitado por algum tipo de essência, um tipo de espírito com o qual talvez possamos nos comunicar. E ao centro você tinha um xamã, um visionário, que seria o responsável por canalizar as idéias úteis para a sobrevivência. No momento em que você chega às civilizações clássicas, verá que tudo isto foi formalizado até certo grau. O xamã atuava puramente como um intermediário entre os espíritos e as pessoas. Sua posição na aldeia ou comunidade, imagino, era a de um “encanador espiritual”. Cada pessoa no grupo devia ter seu papel: A melhor pessoa durante uma caçada tornava-se o caçador, a pessoa que era melhor pra falar com os espíritos, talvez porque ele ou ela estivesse um pouco louco, um pouco separado do nosso mundo material normal, eles tornavam-se os xamãs. Eles não seriam mestres de uma arte secreta, mas sim os que simplesmente espalhariam sua informação pela comunidade, porque se acreditava que isto era últil para todo o grupo. Quando vemos o surgimento das culturas clássicas, tudo isso se formalizou para que houvesse panteões de deuses, e cada um destes deuses tinha uma casta de sacerdotes, que até certo ponto atuariam como intermediários, que te instruiriam na adoração a estes deuses. Então, a relação entre os homens e seus deuses, que pode ser vista como a relação entre os humanos e seus “Eus” superiores, não era todavia de um modo direto.

Quando chega o cristianismo, quando chega o monoteísmo, de repente tem uma casta sacerdotal movendo-se entre o adorador e o objeto de adoração. Tem uma casta sacerdotal convertendo-se em uma espécie de gerência intermediária entre a humanidade e a divindade que está se buscando. Já não se tem mais uma relação direta com os deuses. Os sacerdotes não têm necessariamente uma relação com Deus. Eles só têm um livro que fala sobre gente que viveu há muito tempo atrás que teve relação direta com a divindade. E assim está bom: Não é preciso ter visões milagrosas, não é preciso ter deuses falando contigo. Na verdade, se você tem algo disto, provavelmente está louco. No mundo moderno, essas coisas não acontecem; as únicas pessoas as quais se permite falar com os deuses, e de um modo unilateral, são os sacerdotes. E o monoteísmo é, pra mim, uma grande simplificação. Eu quero dizer, a Cabala tem uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto.

Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de idéias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, que quem a emite nem sequer a entende”.

#AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-busca-do-eu-por-alan-moore

A roda dos deuses (parte final)

« continuando da parte 1

Nós vinhamos falando do Uno, da Deusa Mãe e do “deus do pai”, e agora prosseguimos nesta roda ancestral…

Entidades divinas

Schiller talvez tenha nos presenteado com a melhor síntese do que seriam, afinal, os deuses de outrora, citando a mitologia grega:

“Naqueles dias do belo acordar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor, domínios separados. […] Por mais alto que a razão subisse, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela mutilava. Embora decompusesse a natureza humana para projetá-la, aumentada em suas partes, no maravilhoso círculo dos deuses, não o fazia rasgando-a em pedaços, mas sim compondo-a de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão outra é a situação entre nós mais novos. […] Eternamente acorrentado a uma pequena partícula do todo, o homem só pode formar-se enquanto partícula.” [1]

Todas as entidades divinas, como os deuses gregos, são mitos associados a aspectos da Natureza; o que certamente incluí a nossa natureza – a natureza humana. É óbvio que não existe, na natureza terrestre pelo menos, um homem que mora acima das nuvens e de vez em quando desce a Grécia para seduzir e copular com belas mulheres desavisadas; mas, por outro lado, a iconografia de Zeus é toda ela um imenso conjunto de símbolos, símbolos estes que existem e sempre existirão, ao menos enquanto existirem mentes com vontade de pensar sobre eles.

Os símbolos nada mais são do que imensas quantidades de informação reduzidas a uma única imagem ou história fantástica ou ícone que funcionam como uma chave mental para o acesso dessas informações e sensações, desde que a pessoa saiba, em seu pensamento, como usar esta chave de uma forma consciente. Você pode perfeitamente substituir a imagem (o símbolo) de Zeus por uma série de palavras (formadas por conjuntos de símbolos – as letras do alfabeto) a formar uma extensa lista: nobreza, inteligência, sabedoria, espiritualidade, sedução, magia, fúria, excitação, ciúmes, vingança, etc. É claro que, dependendo da interpretação de cada pessoa, e de cada tradição folclórica, essa lista pode variar imensamente, mas não absolutamente. Zeus é um conjunto de símbolos, ele serve para que acessemos tais ideias em nosso pensamento, sentimento e intuição, de forma simplificada e cada vez mais potente (o hábito faz o monge).

O grande problema do “uso dos mitos” é quando os entendemos como seres literais (e não metáforas), dispostos a barganhar conosco em troca de “favores espirituais”, “boa sorte”, “boa saúde”, etc. Isso é um problema porque, exatamente, a grande vantagem dos mitos é poder ativar a nossa vontade para que nós mesmos busquemos tais objetivos, que nós mesmos nos tornemos heróis a vivenciar a grande aventura da vida, que nós mesmos nos tornemos, enfim, deuses (“sois deuses, farão tudo o que faço e ainda muito mais” – disse o grande rabi da Galileia [2]).

Ainda em O poder do mito, Joseph Campbell nos ajuda a entender melhor a questão: “Todos os símbolos da mitologia se referem a você. Você renasceu? Você morreu para a sua natureza animal e voltou à vida como uma encarnação humana? Na sua mais profunda identidade, você é Deus. Você é um com o ser transcendental”…

Dizem os Upanixades hindus que “aquele que sabe que também é parte de Deus se torna, em sua Criação, um criador”. É claro que ninguém imagina que possa criar outros universos por aí, apenas pensando sobre eles, nem muito menos que é onipotente neste universo (ou ao menos, ninguém que manteve certa sanidade em sua crença); por outro lado, todo aquele que reconhece a fagulha divina dentro de si, pode potencialmente, como Cristo, tornar-se “um com o Uno”. Neste sentido, todos os mitos, todos os deuses, são apenas “atalhos no caminho”, símbolos que podem nos auxiliar em nossa religação ao Uno.

Para finalizar o assunto, é sempre proveitoso consultarmos a sabedoria de Alan Moore: “Na Cabala há uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto. Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de ideias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, e que quem a emite nem sequer a entende.” [3]

Avatares e heróis

Um avatar (do sânscrito, aval) é “aquele que descende de Deus”. Ora, se formos considerar o que falamos até aqui, isto não será nenhuma novidade – todos nós descendemos de Deus, assim como todas as coisas descendem de Deus. Um avatar, entretanto, geralmente é também um ser mitológico, um herói ancestral dos antigos contos falados nas fogueiras das primeiras tribos, uma prática que se estendeu por todas as civilizações humanas.

Joseph Campbell também nos falou algo interessante sobre essas jornadas heroicas da mitologia antiga: “O reino de Deus está dentro de nós e, não obstante, também está fora de nós; Deus, todavia, não é senão um meio conveniente de despertar a bela adormecida, a alma. A vida é o seu sono; a morte, o despertar [4]. O herói, aquele que desperta a própria alma, não é mais do que o meio conveniente de sua própria dissolução. Deus, aquele que desperta a alma, é, nesse sentido, sua própria morte imediata.

Provavelmente o símbolo mais eloquente possível deste mistério seja o do deus crucificado, o deus oferecido “ele mesmo a si mesmo”. Entendido numa das direções, o sentido é a passagem do herói fenomênico para a supraconsciência: o corpo, com os cinco sentidos, fica pendendo da cruz do conhecimento da vida e da morte. […] Mas é igualmente verdadeiro que Deus desceu voluntariamente e colocou sobre si mesmo a carga de sua agonia fenomênica. Deus assume a vida do homem, que liberta o Deus que se acha em seu interior no ponto médio do cruzamento das hastes da mesma “coincidência de opostos”, a mesma porta do sol pela qual Deus desce e o homem sobe – Deus e o homem se alimentam mutuamente [5].”

Ora, se os xamãs da pré-história dedicaram-se com tanto sacrifício a realizar pinturas nas cavernas mais inacessíveis, eles de fato tinham uma boa razão: as experiências espirituais eram parte central de sua vida, de nossas primeiras tentativas de tatear a Natureza inefável. Seja caçando bisões ou imensos dragões, as jornadas dos heróis de outrora também diziam respeito a nossa própria jornada, a conquista de uma vontade devidamente conectada ao Cosmos, e não mais aos desejos desenfreados dos monstros subconscientes. Sim, pois aqui a mitologia e a psicologia se confundem, e fica muito claro, ao menos para quem tem olhos para ver, que a roda dos deuses tem girado, sobretudo, dentro da mente humana – esta grande desconhecida!

Conforme o Buda meditando ao lado de uma árvore, ou Jesus sendo tentado em pleno deserto, buscando despertar o Cristo que jazia em seu interior: todas essas histórias são símbolos transmitidos pelos sábios ancestrais, e ainda que não tenham transcorrido exatamente da forma como foram contadas, elas vem sendo incansavelmente reencenadas em seu palco mais primordial – a consciência humana. A questão, portanto, não é se os deuses e os avatares existem ou não, mas a experiência que provocam em nós. A experiência mística, religiosa, a reconexão ao sagrado, a vivência do amor: disto, todo verdadeiro religioso sempre teve convicção, e não precisou de experimentos comprovando aquilo tudo de que sabem lá dentro de suas almas.

O sagrado

Conforme o disco de Newton a girar, todos os pensamentos, mitos e histórias sagradas se revelam, em sua essência mais profunda, não como uma gama de deuses separados e rivais, mas como pontos de vista e reflexões de um só Deus, Uno.

Então chegamos ao primeiro paradoxo a ser reconciliado: o Uno não tem, nem nalgum dia teve, nem poderá um dia ter um oposto – pois o nada não existe. Da posse desta reconciliação, desta compreensão que em realidade não pode ser descrita por palavras ou linguagem, alcançaremos à experiência de reconhecer ao sagrado derramado sobre tudo o que há…

E poderemos, quem sabe, compreender que todos os outros opostos também vieram da mesma fonte, e todos os monstros e dragões em realidade nada mais eram do que atores deste teatro da alma. Uma vez compreendidos, reconciliados, também poderão ser nossos amigos – o lobo terá sido adestrado pelo amor.

Há essa ponte entre duas terras:
A terra onde tudo está separado em pequenas caixas, como segredos hermeticamente fechados;
E a terra onde tudo jaz junto, unido, conectado…

O amor é a ponte
O amor é uma fonte
Deus está a aguardar na outra margem
Deus não está a aguardar na outra margem
Deus é uma experiência

(Onde vivem os deuses, raph)

***

[1] Trecho de Cartas sobre a educação estética da humanidade (carta VI).

[2] João 10:34; João 14:12 (Novo Testamento). Compare-se com as frases gravadas nas pequenas tábuas de ouro utilizadas pelos antigos praticantes do orfismo: “Também eu sou da raça dos deuses”.

[3] Trecho de sua entrevista para o documentário The mindscape of Alan Moore.

[4] Este tipo de “morte espiritual” é antes um símbolo do renascimento, do despertar da alma, ainda nesta vida.

[5] Trecho de seu livro, O herói de mil faces.

Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (busto de Zeus); [ao longo] Agni Comics (quadrinhos com deuses do hinduísmo)

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#Cristianismo #hermetismo #Mitologia #JosephCampbell #Budismo #AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-roda-dos-deuses-parte-final

O software angélico que roda no eixo do mundo (parte final)

« continuando da parte 2

Eu tendo a pensar o Paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de ideias, enquanto o Monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, e quem a emite nem sequer a entende (Alan Moore).

“Watson derrota a humanidade”

Essa foi uma das manchetes para a vitória de Watson, um computador que ganhou dos melhores competidores que a raça humana tinha disponível no Jeopardy!, um jogo de perguntas e respostas da TV americana. Como seus concorrentes humanos, Watson não estava ligado à internet. Tudo o que ele tinha à disposição era uma memória de 15 mil gigabytes com alguns milhões de textos arquivados e uma capacidade de processamento equivalente à de 2.800 micros caseiros. Um computadorzão bem programado, só isso.

Os cérebros humanos por trás são tão importantes que o próprio Watson errou questões por bobeira de programação. Um dos deslizes: perguntaram qual categoria da elite do automobilismo tem o nome de uma tecla de computador. “F-1” era a resposta. Qualquer batedeira tem capacidade de processamento para cruzar uma lista de nomes de teclas com uma de categorias de corridas. Mas a coisa mais próxima que Watson tinha para dizer era “Nascar”. Falha dele? Não, dos programadores – a Fórmula 1 é solenemente ignorada nos EUA.

O erro nessas horas é imaginar que as máquinas são uma espécie à parte. Computadores são só alicates e martelos mais complexos. E quando você marreta o dedo não é culpa da natureza do martelo, mas sua, que não soube “programar” a martelada. A vida é melhor com martelos. Com supercomputadores também [1].

O que os bons observadores constatam, portanto, é que não existe nem existirá exatamente uma inteligência artificial, mas apenas uma ferramenta que é a extensão de alguma inteligência natural, que a programou. Computadores somente computam informação, mas são os seres que as interpretam, são os seres que as moldam em suas mentes, e as passam adiante, com uma nova forma e uma nova luz. E quem sabe disso, torna-se, nesta Criação, um cocriador.

Os muwakkals

Os sufis, místicos do Islã, dizem que assim como no corpo físico de um indivíduo muitos germes nascem e se desenvolvem como seres vivos, de forma análoga, existem também muitos seres no plano mental, chamados muwakkals ou elementais. Estes são entidades ainda mais etéreas nascidas do pensamento humano, e assim como os germes vivem no corpo humano, tais elementais sobrevivem de seus pensamentos. Segundo os místicos do Islã, o homem muitas vezes imagina que seus pensamentos não têm vida; ele não percebe que eles são mais vivos do que os germes físicos, e que eles também passam por nascimento, infância, juventude, velhice e morte. Eles trabalham contra ou a favor dos homens de acordo com sua natureza. Os sufis afirmam que os criam, elaboram e controlam. Um sufi os repete e os educa através de sua vida; ele forma seu exército e subjuga seus desejos.

Para os descrentes, a possibilidade de que nossa mente possa criar “pensamentos vivos”, e os educar para que sigam adiante com vidas próprias, pode parecer algo mais próximo do pensamento mágico do que da ciência. Mas, se procurarem saber o que Richard Dawkins, apóstolo do ateísmo, descreveu tão bem em sua obra prima, O gene egoísta, chegarão a um conceito muito próximo dos muwakkals sufi – apenas Dawkins os chamou de memes.

Sejam o que for, entretanto, estamos aqui analisando a possibilidade lógica de que seres possam ser criados “com algum grau de perfeição” do nada, sem passar por evolução alguma. Sejam robôs com inteligência artificial, sejam memes, sejam muwakkals, todos estes são candidatos, mas absolutamente nenhum deles é realmente capaz de se enquadrar no que buscamos. Pois o que buscamos, de fato, não existe: uma ferramenta, um computador, um algoritmo, um pensamento vivo – todos são tão somente extensões da mente que os criou em primeiro lugar, e não seres que evoluem por conta própria. No fim, um robô será sempre um robô.

O Grande Desconhecido

Conforme já dissemos, muitas mitos de criação das mais diversas e antigas culturas humanas falam de um “deus obscuro e ocioso”, que criou tudo o que há, inclusive os demais deuses, e depois se retirou. Olorun, afinal, não aceita oferendas, pois já possuí todas as oferendas do Cosmos, pois que é o próprio Cosmos, e estamos neste momento, como em todos os outros, encharcados por sua substância divina. No Evangelho de Tomé, Jesus também diz que o Reino de Deus se encontra espalhado pela Terra, mas os homens não o veem. No taoismo, o Tao é aquela substância “anterior ao Soberano do Céu”, um “vazio” que a tudo preenche, profundo e inesgotável. Benedito Espinosa a chamou de “a substância que não poderia haver criado a si mesma”. Mesmo o cristão de religiosidade mais superficial a conhece como algum elemento estranho chamado de Espírito Santo…

Mas e qual é o santo, iogue, rabi ou guru, que pode bater no peito e bradar: “Eu sei o que é Deus”? E, ainda que saiba, será mesmo que qualquer outra mente, qualquer outra máquina de interpretar a realidade, poderá chegar exatamente a mesma concepção? Como saber de que forma seu amante lhe ama? Como saber de que forma uma pessoa sente dor?

Para criar uma torta de maçã a partir do nada, antes seria preciso criar todo o universo… Para compreender exatamente como outro ser sente, ama ou sofre, antes seria preciso ser todo o universo.

Seria preciso conhecer o Grande Desconhecido, o Inefável, o Inalcançável, como ele mesmo se conhece. E esta é a aventura, a jornada, o prazer de todo verdadeiro religioso: religar-se a Deus.

O software angélico que roda no eixo do mundo

Tendemos a ver o xamanismo, o politeísmo e o paganismo em geral com certa desconfiança, particularmente no Ocidente. O que o monoteísmo sempre nos ensinou é que os pagãos são incapazes de perceber a mais básica das ideias: que tudo o que existe necessariamente surgiu de algo eterno e incriado, um Deus antes dos deuses… Entretanto, como já vimos, sempre existiram pagãos que sabiam perfeitamente disso, e devemos antes nos sentir orgulhosos destes sábios ancestrais, que muito antes dos hebreus já haviam chegado a tal concepção maravilhosa: a ideia de que há um Deus, uma substância ou ser incriado, anterior a tudo, causa primeira de tudo, o que se opõe ao nada… Aquele quem primeiro disse, quem sabe, “Eu sou”.

Como podemos ter alguma esperança de conhecer este Infinito? Ora, da mesma forma que temos esperança de um dia conhecer todas as leis da Natureza… A ciência nos ensinou, na verdade, uma lição que lhe era ainda muito anterior: separar o Infinito em pequenas partes, em aspectos e reflexos, para quem sabe um dia, estudando e compreendendo, amando e sentindo, uma a uma, cheguemos a uma compreensão melhor e mais profunda daquele Ser que tanto incomodou a Nietzsche: “Eu quero Te conhecer, Desconhecido” – disse o alemão quando ainda jovem, para uma plateia de jovens.

Assim como a ciência elaborou a Biologia, a Física, a Química ou a Neurologia, a mitologia elaborou o Soberano do Céu, Palas Atena, Hermes, Odin, Oxalá, e tantos outros deuses (e orixás) que são tão somente pequenas partes do Uno, aspectos do Infinito… Os deuses são o alfabeto com o qual a mente humana é capaz de reencenar, neste mundo objetivo, os fatos subjetivos de sua própria alma. Toda a mitologia é uma encenação da alma humana, toda a mitologia diz respeito a você: “Você venceu o seu monstro interior? Você morreu para seu lado animal, para renascer, três dias depois, como um novo ser?”.

Mas, seja este Grande Desconhecido quem for, talvez tenha tanta necessidade de nos amar, e reconhecer a si mesmo, através de nós, quanto nós temos esta necessidade ancestral de caminhar em sua direção – cada vez mais adentro. Nesta grande aventura, talvez também sejamos como o João no Pé de Feijão, que precisa escalar o axis mundi, e retornar com a galinha dos ovos de ouro… Ou talvez sejam precisas várias tarefas de Hércules, muitas e muitas aventuras, e inúmeras vidas.

Podemos então precisar de aliados, pois a longa jornada por vezes vai além de nossas capacidades humanas… E se o Grande Desconhecido não pode se revelar ainda, se é ainda muito arriscado que o vejamos face a face, sem estarmos amadurecidos para tal momento, quem sabe ele não nos ajude de outra forma?

Um software é uma sequência de instruções a serem seguidas e/ou executadas, na manipulação, redirecionamento ou modificação de uma informação ou acontecimento. Na mente divina existe tudo o que há, o Todo é mental. Na própria engenharia da realidade, ou mesmo no eixo que liga a Terra ao Céu, e o consciente ao inconsciente, pode sim haver um software rodando sem que o percebamos. Não fomos nós os programadores – os anjos podem ser robôs, portanto, mas robôs programados pelo Grande Arquiteto, o Programador dos programadores, o Deus dos deuses.

Eles são o Seu presente para esta grande aventura, e dizem que existem 72 deles a bailar pelo axis mundi. De vez em quando, um poeta vê uma de suas asas no céu, e de alguma forma sabe que não se trata apenas de um pássaro…

***

[1] O texto dos últimos 3 parágrafos foi retirado de um artigo de Pedro Burgos e Alexandre Versignassi para a revista Superinteressante, edição 290.

Crédito da imagem: Latajace

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#anjos #Deus #Mitologia #Paganismo

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