A Espada de Dâmocles dentro das Calças

Curitiba, 26 de Dezembro de 2017

dies Martis, Sol 4º in ♑ Luna 6º in ♈ Lua Crescente

 

Faz o que tu queres há de ser o todo da Lei!

 

“Deu B.O., a casa caiu, a polícia tá chegando
A mulher tá me ligando
Se esconder ela não acha
Fujo do flagrante, mando o check-in lá de casa”

Wesley Safadão, 2017

“Sentir que por detrás de toda e qualquer coisa que possa ser experienciada há algo além, que nossas mentes não conseguem compreender e cuja beleza sublime nos chega somente indiretamente e como uma pálida reflexão.”

Einstein apud Dawkins, God, a Delusion, página 5.

ajustamentoNeste último dia 24, véspera de Natal, após um longo período de trabalho bastante desgastante de quase um mês sem descanso de verdade, estávamos minha namorada e eu vendo Netflix e bebendo um carmenére reserva bem gostosinho. Lá pelas tantas, naquela pausa estratégica para fazer um xixizinho, já meio alegrão com o vinho, recebo uma daquelas perguntas que vêm da curiosidade espiritual legítima, mas que têm tudo para fazer deste Natal o último em que terei minhas bolas, caso responda de maneira menos que ideal. Decifra-me ou te DR, diz a minha esfinge exuberante, deitada em nossa cama.

Antes de desvelar a pergunta, aos prolegômenos dessa sinuca.

O filme que estávamos assistindo – muito bom, aliás! – era ‘Um Método Perigoso’, de David Cronenberg (2011). Nele temos o Lennon e o McCartney do Inconsciente, também conhecidos como Freud e Jung. Embora a visão Junguiana tenha se modificado posteriormente e evoluído para a Psicologia Analítica, naquele ponto da história os dois estão muito BFF e trabalhando juntos no desenvolvimento das idéias que comporão suas teorias posteriormente.

A trama da história concerne o relacionamento extraconjugal que o Jung safadão tem com a sua paciente Sabina Spielrein.

Após esse prólogo, vamos ao cerne do vuco-vuco.

A questão da minha parceira de vida dizia respeito à postura do tralha do Jung sob o ponto de vista de Thelema. Tendo estado ao meu lado tempo suficiente para entender que a visão Thelemita tende a esculhambar o rolê – e exemplos abundam para demonstrar como a Lei da Liberdade pode ser (mal)usada para justificar condutas babacas por aí, sua pergunta tinha um tanto de curiosidade intelectual sobre minhas baboseiras esquisotéricas e um tanto de cagaço quanto à perspectiva futura da manutenção do estado monogâmico de nosso relacionamento. Calma aí, vida… para quê essa pergunta essazora…

Sobrevivi ao polígrafo, com testículos e relacionamento incólumes, e voltei desse encontro com o ceifador para contar minha epifania.

Vi uma frase – em um grupo de Facebook chamado Memes Pagãos – que é engraçada porque é verdade na maior parte dos casos…

“Um adepto do xamanismo fumando maconha e um thelemita dando a bunda viajam em direções opostas a 80 km/h. Qual deles usa mais pretexto?”

A maior parte, não só de nós thelemitas, mas dos ocultistas em geral, não se preocupa com os aspectos cotidianos da sua prática mágicka – yama e niyama, para os patanjalétes de plantão; os caras usam thelema como desculpa para fazerem o que dá na telha e saírem esfregando o pinto em qualquer coisa que não consiga correr para longe rápido o suficiente.

Se o leitor tiver qualquer familiaridade com a visão thelêmica, poderá facilmente lembrar de exemplos do nosso querido Livro da Lei que parecem endossar essa visão libertina do conceito de thelemita.

I.22 “Nada ateis! Que não se faça diferença entre vós e uma coisa e qualquer outra coisa; pois disto resulta dor.”

I.41 “A palavra de Pecado é Restrição. Ó homem! Não recuseis tua esposa, se ela o quiser! Ó amante, se quereis, ide embora! Não há vínculo que possa unir o dividido senão o amor: tudo o mais é uma maldição. Maldito! Maldito seja pelos aeons! Inferno!”

I. 61” Vós devereis reunir bens e fartura de mulheres e especiarias;”

Além desses trechos, a própria biografia dos thelemitas mais conhecidos é notória por apresentar um balaio de putarias e os barracos oriundos delas, ao ponto de Thelema ser quase sinônimo de dedo no cu e gritaria.

Não obstante, preciso vestir agora meu balandrau de apologista da Lei da Liberdade, e gritar que essa não é a casa da mãe Joana, seus viado!

“1. O Homem tem o direito de viver pela sua própria lei;
de viver da maneira como quiser viver;
de trabalhar como quiser;
de brincar como quiser;
de morrer quando e como quiser.”

Liber OZ

A idéia de ‘faze o que tu queres’, imprescindível para o entendimento de Thelema, pretende que a vida seja bem vivida, e que possamos aproveitar do prazer da relação sexual (e todos os outros) sem culpas ou amarras, desde que isto não seja um empecilho para a consecução de nossa verdadeira vontade.

I.12. “Avançai, ó crianças, sob as estrelas, e tomai a vossa plenitude de amor.”

Neste sentido, a Lei de Thelema é a precursora do conceito de Hedonismo Responsável, presente na visão da Igreja de Satã, fundada por Anton La Vey em 1966 nos EUA.

Assim, a Lei de Thelema admite a possibilidade de relações sexuais como, com quem e quantos se quiser, sejam uma, duas, três ou cinquenta pessoas, e não propõe que isso seja necessariamente um impedimento para o desenvolvimento espiritual – desde que todos os envolvidos estejam de comum acordo e aceitem sua responsabilidade pelo ato.

Já nos diz o Liber OZ:

4. O Homem tem direito de amar como quiser;
“tomai vossa fartura e vontade de amor como quiserdes, quando, onde e com quem quiserdes” AL I 51

Até aí, todo mundo que sabe alguma coisa de Thelema meio que já entendeu, e parece que eu estou pregando para convertidos, reiterando a chancela à prática do oba-oba. Só que não.

Este é o momento que separa os meninos dos homens (para a tristeza dos padres católicos…), meus amigos, e que faz um thelemita guardar o pau dentro da cueca: assim como existe, no Liber Al, uma exortação à prática da liberdade e da plena realização da individualidade, existe também outra questão tão importante quanto – e quem sabe seja a mesma questão, inclusive.

II. 27 “Há grande perigo em mim; pois quem não compreende estas runas cometerá um grande erro. Ele cairá dentro da cova chamada Porque, e lá ele perecerá com os cães da Razão.”

Thelema é o entendimento de que a liberdade de ser você mesmo é um chamado a buscar ser somente a sua essência mais verdadeira e nada que não esteja ligado com sua Verdadeira Vontade. Aliás, o termo Ipsissimus, que é o grau mais alto em algumas ordens iniciáticas, é o superlativo latino do pronome demonstrativo ipse, e significa ‘próprio ou mesmo’. Dessa maneira, ipsissimus (enquanto definição semântica, e não necessariamente relacionada à uma ordem iniciática específica) significa tornar-se tão ‘você mesmo’ quanto é possível, e esta deveria ser a ambição de qualquer Thelemita.

II. 57 “Aquele que é correto permanecerá correto; aquele que é sujo permanecerá sujo.”

I. 52 “Se isto não estiver correto; se vós confundires as marcas do espaço, dizendo: Elas são uma; ou dizendo, Elas são muitas; se o ritual não for sempre para mim: então esperai pelos terríveis julgamentos de Ra Hoor Khuit!”

A maturidade da aplicação da Lei da Liberdade não é alcançada fazendo o que você quer fazer, pulando de capricho em capricho, de prazer em prazer. A maturidade do entendimento da Lei da Liberdade está em você tomar todas as diferentes partes de você e submetê-las a uma única vontade.

I.29 “Pois Eu estou dividida pela causa do amor, pela chance de união.”

Da mesma forma que em uma orquestra – em que todos os instrumentos tocam em harmonia e uníssono sob a batuta do maestro, assim também temos esta lição sintetizada sob os signos do arcano VII do Tarot de Thoth, a Carruagem, em que somente mediante o domínio das diferentes bestas-esfinges poderá o condutor da carruagem levar o veículo para a direção desejada. Antes disto, todas as bestas estão soltas e exercendo suas próprias tendências e inclinações, cada uma puxando para um lado diferente.

II. 49 “Eu sou único e conquistador.”

I.42 “Que aquele estado de multiplicidade, seja confinado e repugnado. Assim com todos vós; tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade.”

Talvez esta questão pareça um tanto desconectada do questionamento da minha namorada, mas é agora que todas as coisas se juntam para uma apoteose orgástica. Espia só!

Como Thelemita, não pode existir postura contra ou à favor de monogamia, poliamor ou suruba à priori. São todas expressões válidas de individualidade.

Contudo, responder algo dessa natureza não teria livrado meu couro da inquisição, não é mesmo? Então o que fez a diferença aos 48 do segundo tempo e me garantiu ver o sol por mais um dia?

O que eu disse para minha namorada – e que realmente é o meu entendimento da visão thelêmica aplicada à questão dos relacionamentos sexuais e de qualquer outra natureza – é que eu não vejo o comportamento de Jung no filme como desejável pelo fato de ele agir com duas posturas completamente antagônicas por temer a consequência de seus atos.

Para os que não viram o filme e não conhecem a história do Dr. Jung, o que se passa é que ele tem um caso com sua paciente, mas diante de sua esposa assume falsamente o papel de marido de moral ilibada. Curiosamente, um dos conceitos Jungianos é a noção de Persona, que vem da palavra latina usada para as máscaras de teatro. Obviamente a conceituação dentro da teoria Jungiana de personalidade é completamente distinta da aproximação que eu realizei, mas é curioso observar como o Dr. Jung acaba por vestir uma máscara nesse exemplo.

Note que o uso de máscaras sociais implica uma incapacidade de manifestação de uma coerência de comportamento, o que é algo muitíssimo comum (e até necessário para a nossa sobrevivência social), mas que deve ser gradualmente abandonada pelo adepto, para que paulatinamente possa executar a grande obra, a construção do templo e a confecção da pedra filosofal, que são alegorias para a construção dessa versão coesa de si mesmo, tão si-mesmo quanto possível: Ipsissimus.

Está escrito em Mateus 5,37: ‘Seja, porém, o teu sim, sim! E o teu não, não! O que passar disso vem do Maligno.’ Longe de mim fazer o pastor, mas essa frase é muito foda e completamente alinhada com a perspectiva thelêmica.

Ainda sobre essa questão de unidade, um dos rituais básicos mais utilizados por praticantes de magia cerimonial é o Ritual Menor do Hexagrama, e lá utiliza-se uma palavra por repetidas vezes. ARARITA. Talvez até saibamos o que as letras representam ipsis verbis, mas a apreensão real do sentido a ser utilizado é algo muito mais sutil, que escapa à maioria dos praticantes.

“Todos em Dois. Dois em Um. Um em Nada.

Assim não são nem Quatro, nem Todos, nem Dois, nem Um e nem Nada.

Gloria ao Pai, à Mãe, ao Filho, à Filha, ao Espírito Santo Externo e ao Espírito Santo Interno

como era, é e há de ser pelos Séculos dos Séculos, Seis em Um pelo Nome Sétuplo,

ARARITA” – Liber XXXVI – Ritual da Safira Estrela

Daí nêgo faz o ritual todo dia (ou deveria) e não pára para considerar o que está fazendo e dizendo. ARARITA é um notaricon (uma sigla) que nos fala sobre a unidade do Todo; só que ao invés de buscar a união do microcosmo com o macrocosmo, o praticante deveria primeiramente buscar uma união consigo mesmo dentro dessa unidade coerente e alinhada com a sua Vontade, e colocar suas esfinges-bestas sob o domínio de sua Vontade, para que a porcaria da carruagem possa ir para algum lado, percebe?

III. 4” Escolhei vós uma ilha!”

III. 5 “Fortificai-a!”

III. 6“Adubai-a ao redor com engenharia de guerra!”

O que ocorre na maioria das vezes é uma cisão entre o sujeito quando está entre seus pares no templo e a sua versão profana, que trabalha e vai no shopping. O praticante de magia cerimonial acaba utilizando seu motto mágicko como um alter ego, no sentido literal do latim, que significa ‘outro eu’, sendo quase uma esquizofrenia esotérica.

O motto mágicko não pode ser usado como uma máscara, uma persona, um alter ego, para que se esconda e se separe o trabalho interno (templo) e o trabalho externo (mundo do cotidiano).

A razão de se utilizar o motto mágicko é justamente o contrário disso. O motto representa uma morte do eu anterior à iniciação, para que essa nova existência seja completamente vivida sob a intenção do motto, que é, portanto, não uma capa que oculta, mas um estandarte a ser alardeado em cada ato, pois, como diz o careca no primeiro teorema de Magick in Theory and Practise, ‘Todo ato intencional é um Ato Mágicko.’

III. 37 “Unidade revelada ao máximo!
Eu adoro o poder do Teu alento,
Deus supremo e terrível,
Que fizestes os deuses e a morte
Estremecerem perante a Ti:–
Eu, Eu te adoro!”

Para que haja a consecução da Grande Obra, a união do microcosmo com o macrocosmo, do 5 com o 6, é necessário o trabalho árduo de depuração do indesejável e junção e transmutação do que permanece. Solve et Coagula. Apenas quando houver esta coesão, ou, nas palavras do Silvio Santos do ocultismo, Samael Aun Weor, ‘um centro de gravidade interna permanente, é que o buscador pode começar a ponderar sobre o trabalho de integração com o macrocosmo.

“11. Também eu fundi unidas a Estrela Flamejante

e a Estrela de Seis Pontas na forja de minha alma, e vede!

Uma Nova Estrela 418 que se coloca acima de todas as demais.”

Liber Ararita, p. 2

“36. Muitos apareceram, sendo sábios. Eles disseram: “Buscai a Imagem resplandecente no lugar sempre dourado e uni-vos a Ela”.
37. Muitos apareceram, sendo tolos. Eles disseram: “Descei ao esplêndido mundo da escuridão, e desposai a Criatura Cega do Lodo”.
38. Eu, que estou além da Sabedoria e da Tolice, ergo-me e vos digo: Realizai ambos os casamentos! Uni-vos com ambos!
39. Cuidado, cuidado, digo Eu, para que vós não cortejeis uma e percais a outra!
40. Meus adeptos mantêm-se erguidos; suas cabeças acima dos céus, seus pés abaixo dos infernos.” – Liber Tzaddi

Amor é a Lei, Amor sob Vontade.

Frater Melquisedeque

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Crowley, Aleister. Liber OZ

______. Liber CCXX Al vel Legis

______.Liber XXXVI Safira Estrela

______.Liber DCCCLXVIII Viarum Viae

______.Liber O vel Manus et Sagittae

______. Liber DCCCXXXI Liber Yod

______. Liber DLXX vel Ararita

Dawking, Richard. God, a Delusion

Weor, Samael Aun – Psicologia Revolucionária

Bíblia Católica Online

Frater Melquisedeque

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/a-espada-de-damocles-dentro-das-calcas/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/a-espada-de-damocles-dentro-das-calcas/

A Estrela Negra do Caos: Lafcursiax

© Linda Falorio 1995.

Cambaleando no fio da navalha de descontrole entre o Esquecimento e a Felicidade, trazemos a vida de volta ao equilíbrio deixando ir, permitindo o Caos criativo.

Quando a Estrela Negra do Caos, o Décimo Segundo Planeta, se aproxima do nosso mundo, em sua órbita de 3.600 anos do Sol, a Terra é bombardeada com radiação eletromagnética desestabilizadora, causando grandes convulsões geofísicas – terremotos, erupções vulcânicas, condições climáticas esquisitas. , tempestades monstruosas, maremotos e inundações cataclísmicas. Os antigos sumérios falavam da existência deste planeta de catástrofes cíclicas, que chamavam de Nibiru. Embora pensado por muito tempo como puramente mítico, a existência objetiva deste planeta enigmático foi confirmada em 1983 por um avistamento do satélite IRAS (San Francisco Chronicle, 27 de dezembro de 1983). Arqueólogos modernos que levantam a hipótese de que este planeta pode ter desempenhado um papel na extinção em massa de espécies que ocorreu no período cretáceo, cerca de cem milhões de anos atrás, o nomearam “Nêmesis”, em homenagem à deusa grega da vingança divina e retribuição.

Corpos em órbita elíptica, como Nibiru e os vários cometas, são grandes forças “sementes” da galáxia, trazendo para o nosso sistema solar dos confins do espaço profundo, elementos alienígenas e metais desconhecidos, sequências orgânicas de moléculas e protofios de DNA — vírus — que permanecem frios e adormecidos nas temperaturas de zero absoluto do espaço enquanto viajam silenciosamente de estrela a estrela distante, em busca de hospedeiros viáveis ​​e uma atmosfera para florescer. Assim, a descoberta de novos cometas e o advento de seu retorno cíclico, bem como o evento cosmicamente maior do retorno do planeta, Nibiru, desperta a excitação arquetípica de uma “Segunda Vinda” e prenuncia a possibilidade de mudança radical. Esses eventos levantam esperança e medo, na psique humana, da possibilidade de forças transcósmicas assumirem um papel deliberado nos assuntos humanos. Vemos isso na crescente evidência de abduções de Óvnis e na sombra lançada ao longo da história pelo conceito cristão do Milênio e, enquanto aguardamos a fase final da sequência da “Convergência Harmônica” maia, programada para ocorrer no ano de 2012 CE.

O planeta Nibiru, porque tende a criar desequilíbrio quando sua órbita cruza nosso sistema solar e seu caminho se aproxima de nosso mundo enquanto viaja de Plutão para dentro em direção ao Sol, está associado ao signo de Libra, o signo dos Balanças, e , significativamente, o sinal do “outro”, ou seja, nossos irmãos extraterrestres. Sabe-se que os deuses, os personagens divinos das culturas e religiões do mundo, como os do panteão sumério, Ishtar, Anu, Enki, Marduk, o Maia Quetzalcoatl, os deuses dos egípcios, Ra, Osíris, Hórus, Ísis, Set, os deuses gregos, Cronos, Zeus, Atena, Afrodite, o Cuchulhain celta, o Dagon do filisteu, Shaitan dos antigos Yezidi e Yahweh da Tribo de Judá, Buda, Cristo, os deuses e deusas hindus, Šiva, Kali, Padmasambhava, essas divindades iradas dos Bön Pó e do Tibete, para citar apenas alguns – todos tiveram interações milagrosas com a humanidade, concedendo dons de cultura, consciência social, códigos morais, lei, arte, artesanato, agricultura e, em alguns casos, exigindo adoração em troca. Uma vez que tais iluminações entregues pelos deuses parecem coincidir com o ciclo do periélio de Nibiru, momento em que está mais próximo do Sol e que se repete a cada 3.600 anos, não será que estes eram, na verdade, visitantes extraterrestres que periodicamente retornavam para guiar e instruir a humanidade, e parecer a seus visitantes como deuses – todos os antigos nibiruanos – e verdadeiros portadores de cultura para o nosso mundo? Ou será que são apenas expressões míticas de uma antiga memória do Primeiro Contato?

O retorno mais recente de Nibiru ao nosso sistema solar ocorreu por volta de 100 AEC. e provavelmente influenciou fontes gnósticas. O símbolo sumério de Nibiru era a estrela de oito pontas, o mesmo símbolo da Estrela de Belém, a Estrela de Cristo. O Cristo histórico foi na verdade um antigo visitante extraterrestre do planeta Nibiru, aqui para mostrar à humanidade o erro de nossos caminhos? O símbolo gnóstico para Cristo é 888 – o número universal – que em leituras digitais contém todos os números possíveis de 000 a 999 dentro de si.

O retorno de Nibiru ao nosso sistema solar em 3600 a.C. foi cuidadosamente registrado em antigas fontes sumérias, e foi interpretado de forma interessante por Zacharia Sitchin em sua série Crônicas da Terra.

Atualmente, (até cerca de 2150 d.C.), o ciclo de Nibiru está 400 anos após seu afélio, movendo-se em direção ao nosso sistema solar a partir de seu ponto mais distante do Sol em sua longa órbita elíptica, similarmente posicionado como quando o Centauro grego, Quíron, curador e professor, viveu na Terra cerca de 3600 anos atrás. Este ponto do ciclo de Nibiru trouxe uma evolução na consciência humana, resultando na mudança do Matriarcado para o Patriarcado, e na usurpação e declínio das religiões da Deusa. Por volta de 1500 a.C., a antiga ilha de Calliste, conhecida nos tempos gregos posteriores como Thera, e hoje chamada de Santorini, explodiu em uma enorme erupção vulcânica, desencadeando um maremoto que os oceanógrafos modernos pensavam ter chegado a 300 pés de altura, e que varreu as costas da Grécia, Ásia Menor e Egito. Este maremoto provocou a destruição de Creta e causou a ascensão do Mar Vermelho, que afogou aqueles que perseguiam os hebreus durante o êxodo do Egito, e foi similarmente a fonte do dilúvio que o grego Deucalião, filho de Prometeu, sobreviveu. com sua esposa Pirra, e depois disso eles começaram a renovar a raça humana.

A deusa grega, Themis, que pode ter sido uma nibiruana, teve uma mão no repovoamento da terra após o dilúvio de Deucalião. “Themis”, que significa “ordem”, era um dos Titãs, ou Deuses Anciões, e foi ela quem “ordenou” o ano em treze meses lunares de 28 dias cada, perfazendo um total de 364 dias, com um dia adicionado. o ano. A frase “um ano e um dia” não significa 366 dias como comumente se supõe, mas se refere ao ano lunar de Themis de 364 dias, com um dia “sobrando”. Foi a grande deusa como Themis que decretou a Ilha da Iluminação, que era a “Ilha de Amber”, a ilha oriental de Samotrácia, como um lugar sagrado onde nenhuma reverência seria prestada a qualquer divindade além da Grande Deusa Tríplice. As filhas de Themis, as Horai, exemplificam as qualidades que os librianos, governados por Nibiru, buscam: Eunomia, “ordem legal”; Dike, “apenas retribuição”; e, Eirene, “paz”.

Foi de Têmis que Zeus derivou sua autoridade judicial, e foi Ela quem convocou as assembleias dos Olimpianos nas quais ela se sentou ao lado de Zeus como a personificação da “Justiça Divina”, que é o poder oracular da própria Terra. Esse poder oracular, residente no inconsciente coletivo, recebeu voz nos tempos antigos através do Oráculo de Delfos, um presente para a própria Themis da Mãe Terra. Para Libra, signo de justiça, era originalmente parte da constelação de Escorpião conhecida como Chelae, “As Garras do Escorpião”. Sua imagem foi retratada no zodíaco babalônico como as garras do Escorpião, uma criatura escura e primitiva das profundezas ctônicas e do inconsciente coletivo, segurando a Lâmpada da Iluminação: é fora da conexão com a vida instintiva profunda que vem a sabedoria transcendente.

Libra, signo de relacionamento e contato social, símbolo do desejo humano de se conectar com “não eu”, com “o Outro”, é um signo duplo, regido por Inanna/Ishtar, Deusa do Amor e Deusa da Guerra. Os nascidos com este asterismo fortemente marcado são puxados para criar harmonia e equilíbrio na esfera humana. Os librianos buscam justiça no reino humano, buscam uma paz que deriva de uma ordem social justa e equitativa e leis derivadas da sabedoria. No entanto, normalmente, os librianos não são avessos a lutar para alcançar seus objetivos. Girando em torno de um fulcro central, seu objetivo final é o Caminho do Meio Budista. No entanto, na tentativa de criar equilíbrio, de ver todas as possibilidades inerentes a uma determinada situação, em um esforço para ser justo e justo em seus pronunciamentos, o temperamento libriano às vezes é vítima de uma aparente indecisão. Mais frequentemente, porém, aqueles com sintonização interna com os poderes do Equilíbrio serão encontrados indo de um extremo ao outro em um esforço para criar equilíbrio no aparente caos de seus atos.

O vidente cego, Tirésias, tipifica essas qualidades de equilíbrio e justiça, bem como as de dualidade e ambivalência. Embora nascido homem, o grego, Tirésias, transformou-se em mulher, passando sete anos como uma prostituta célebre. Essa circunstância o qualificou para julgar a questão que Zeus lhe fez, sobre quem tirava mais prazer do ato sexual, homem ou mulher. Tirésias, ao responder que a mulher sentia mais prazer, ficou cego por Hera, a ciumenta deusa-esposa de Zeus, por responder com tanta sinceridade, mas sem tato.

A mais antiga imagem do Tarô associada a Libra é a carta chamada “Justiça”, que mostra a deusa Themis segurando a balança da Justiça na mão esquerda, enquanto a espada de dois gumes da Verdade está na direita. As escalas que Themis segura são as escalas do Karma, indicando que as ações uma vez tomadas não podem ser desfeitas. Devemos colher a colheita formada por ações realizadas no passado, pois formamos nosso destino futuro por ações realizadas agora. E Libra rege as Balanças, as balanças sobre as quais o coração humano é pesado nos Salões dos Mortos quando a alma se aproxima da vida após a morte egípcia em Amenta. A pena equilibrada contra a qual o coração é pesado na balança do julgamento é um símbolo da Deusa Maat. Nas paredes funerárias egípcias, o monstro Amemait, “o devorador”, parte leão, parte hipopótamo e parte crocodilo, é visto agachado nas proximidades, esperando para comer os corações daqueles julgados entre os condenados.

Conhecida nos ensinamentos esotéricos como “Filha dos Senhores da Verdade”, “A Regente do Equilíbrio”, esta carta está associada ao signo de Libra e ao Equinócio Atumnal, quando, no ciclo minguante do ano, surgem Luz e Trevas. num equilíbrio precário e momentâneo, que então rapidamente se transforma no escurecimento da luz, à medida que as noites inevitavelmente se alongam. O tarô de Thoth retrata “Justiça” como uma dançarina na ponta dos pés, usando a Serpente Uraeus do “Senhor da Vida e da Morte” na testa e coroada com as plumas de Maat, a deusa egípcia da Verdade e da Perfeição. A espada da Verdade varre a emoção nublada, trazendo clareza de mente e, finalmente, Iluminação. A espada da Sabedoria corta o Mistério, para que, vendo e aceitando o passado, nos libertemos dele. A ação que sai do entendimento traz significado e valor para nossas vidas. Ao encontrar nosso centro, nossas vidas entram em equilíbrio; quando tudo entra em equilíbrio, somos finalmente livres. Mascarado e misterioso, este dançarino, girando constantemente, dança a dança da ilusão da manifestação, é a dança de Maya, a dança colorida da própria vida, em que todas as possibilidades são apreciadas, em que todas as coisas são harmonia e beleza, e todas as manifestações são Verdade. Nirvana é igual a Samsara nesta dança da vida. Tudo é ilusão, não importa quão assustador ou atraente possa parecer, onde cada experiência deve ser absorvida, transmutada, ajustada, sublimada e, finalmente, nascida, em sua próxima manifestação.

“Justiça”, “Ajuste”, Atu VIII, do tarô diurno, encontra seu lado Sombra no Túnel de Lafcursiax, onde Themis vira o rosto para nós como Nêmesis, “devida promulgação”. Nascida do sangue de Urano, ela é conhecida como “Vingança Divina” e como Adrasteia, “a Inescapável”, que é a Anciã oracular do Outono. Com Ela não há graça, não há culpa, não há oração profilática para aplacar o destino que nós mesmos criamos. Nem Nêmesis nem Aidos tinham seu lar entre os deuses, pois “somente quando os homens se tornarem completamente perversos eles deixarão a terra e partirão para a companhia dos imortais”, seus belos rostos velados em roupas brancas. (EH)

No túnel de Lafcursiax, Inanna/Ishtar encontra seu duplo sombrio Ereshkigal. Maat, deusa da perfeição, é também A Deusa das Trevas, Maut, o Abutre voraz, um pássaro tabu, sagrado para Osíris, que se diz ser fertilizado pelo vento e importante para os áugures etruscos. No Tibete atual, os mortos ainda são deixados aos abutres; e em Bombaim, os parsis expõem seus cadáveres no alto das “torres do silêncio”, deixando-os à mercê dos clãs dos abutres. Em A Dádiva da Águia, Carlos Castanheda fala do “poder que rege o destino de todos os seres vivos”, que ele chama de “a Águia . . . [que] . . . está devorando a consciência de todas as criaturas que, vivas na terra um momento antes e agora mortas, flutuaram até o bico da águia, como um enxame incessante de vaga-lumes, para encontrar seu dono, suas razões de ter tido vida. A Águia desembaraça essas minúsculas chamas, as deita planas, como um curtidor estica um couro, e depois as consome; pois a consciência é o alimento da Águia. A Águia, esse poder que governa os destinos de todas as coisas vivas, reflete igualmente e ao mesmo tempo todas essas coisas vivas.”

Aqui, no túnel de Lafcursiax, a deusa abutre, Maut, brinca com sua aranha de estimação, alimentando-a com fitas de carne, arrancadas das almas dos vivos. Que Ela vem fazendo isso desde eras passadas é atestado pelo crânio descartado de Australopithecus africanus, tendo uma idade geológica de cerca de 3 milhões de anos. Centelhas de vidas humanas são o combustível de sua existência, cujas origens se perderam nas brumas do tempo, quando os Filhos de Deus, os Nephilim andaram na Terra, quando o Povo das Estrelas veio de Nibiru, planeta de Equilíbrio e Desequilíbrio.

A aranha é o emblema sombrio dos mistérios tifonianos, do antigo culto da serpente de Obeah e da corrente ofidiana, é o emblema da deusa Maat em seu ciclo de retorno. A louca simetria da teia de aranha atravessa o abismo do meio-termo no qual, de outra forma, poderíamos cair para trás; cruzando do ser para o não-ser, do universo conhecido para o Aeon de Maat sempre espiralando em direção a nós de um futuro desconhecido. Pendurada de cabeça para baixo, a Rainha Aranha do Espaço gira Sua teia, criando 256 janelas para outras dimensões, torres de transmissão no vazio, pulsando energias extraterrestres que servem para corroer e depois transformar a consciência humana: é a terrível voz de Hastur, rodopiando sombriamente. pela vastidão do universo.

Em seu livro “Chiron: Rainbow Bridge Between the Inner & Outer Planets (Quíron: Ponte do Arco-íris Entre os Planetas Internos e Externos)”, Barbara Clow fala da explosão cataclísmica de uma memória interna daquele ano de 1500 a.C., revivendo a memória interna da destruição anterior da Atlântida, e isso é responsável pelo medo cego de desastre global atual em nossa cultura hoje. A Deusa foi culpada pelo cataclismo, pois cabia à religião da Deusa guardar a fertilidade e o equilíbrio planetário. Se não entendermos o ciclo do Décimo Segundo Planeta que rege o equilíbrio de nosso planeta no sistema solar, desta vez o patriarcado será culpado pela destruição que está sobre nós.

Este ponto do ciclo de Nibiru, até cerca de 2150 d.C., é o principal ponto de equilíbrio/desequilíbrio, onde podemos finalmente equilibrar Marte/Vênus, anima/animus, masculino/feminino, como fez o vidente cego Tirésias. “A energia eletromagnética está aumentando na atmosfera, como evidenciado pela reenergização de círculos de pedras megalíticas e complexos de templos de pirâmides em todo o mundo, apenas porque este ponto do ciclo de Nibiru é um ponto de desequilíbrio. “… Estamos à beira de uma fase de sincronização totalmente nova e estelar.” Sempre que isso acontece, temos a chance de ‘saltar o ciclo’ e passar para outro lugar na espiral da evolução da consciência. Nibiru causa desequilíbrios climáticos e libera forças profundas da Terra, mas também libera Eros…” “Esta força é plutoniana quando reprimido, como Prometeu no Mundo Inferior, porque toda repressão se torna plutoniana. Mas sua força é idealmente o poder da serpente uraniana, se cada um de nós a deixar subir na espinha como energia kundalini.

O Retorno iminente desta vez é marcado pelo ressurgimento do Feminino, uma reedição do equilíbrio-desequilíbrio masculino-feminino: “Take Back The Night! (Tome a Noite de Volta!)” É esta Deusa que retorna de nosso passado arcaico, seu rosto um prenúncio de nossos eus futuros distantes, distorcidos no tempo em um presente caótico: Inanna/Ishtar, Deusa do Amor, Deusa Guerreira que corrige todo desequilíbrio com uma espada rápida impiedosa.

Nesta carta: “Vida desequilibrada”; somos lembrados da necessidade de permanecer em harmonia com os ciclos naturais. Somos lembrados de que devemos aceitar as limitações de nossa existência física. Assim, os sintomas da necessidade de trabalhar esse túnel são a adesão rígida a noções abstratas de lei patriarcal linear; crença na paz sem justiça; crença no Direito Divino, nas hierarquias, no lugar de direito da Mulher, na Virtude do status quo; crença em um deus misericordioso; medo do conhecimento, da liberdade, da alegria e da vida, de se divertir “muito”. Qualquer bloqueio dessas manifestações da kundalini elevada resulta em vertigem literal. A fórmula para lidar com esse vasto influxo de energias eletromagnéticas e biônicas é a do “não-equilíbrio”, o afrouxamento, o abandono da necessidade diurna de equilíbrio linear e controle consciente que está na raiz da náusea e da vertigem; relaxante, permitindo uma espiral ascendente natural de energia.

Os poderes deste túnel estão operando no fio da navalha do descontrole; de temer não corrigir o desequilíbrio; não temendo o poder da fúria justa. Aqui está a alegria da vida e o amor apaixonado, cambaleando à beira do perigo do desequilíbrio entre o esquecimento e a bem-aventurança; êxtase e caos criativo: símbolo de oito braços do planeta Nibiru.

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Fonte:Dark Star of Chaos: Lafcursiax, by Linda Falorio.

© AnandaZone 1998 – 2019

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Linda Falorio / Fred Fowler, Pittsburgh, PA 15224 USA.

 

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/demonologia/a-estrela-negra-do-caos-lafcursiax/

Alquimia e Harry Potter, parte II

Arianhrod.

Nota: Esta é a segunda parte da série de artigos, confira a primeira aqui.

Nota do Tradutor: O presente artigo foi escrito antes da publicação de Harry Potter e as Relíquias Morte, motivo pelo qual o autor não se refere ao mesmo.

Nicolau Flamel, a quem é atribuída à criação da Pedra Filosofal, nasceu em 1330 e morreu em 1418, tornando-se um dos maiores alquimistas do mundo. A Bibliotheque Nationale em Paris contém obras copiadas de sua própria mão e obras originais escritas por ele. Sua esposa, Perenelle, era realmente uma pessoa rara. Ela se tornou sua companheira e confidente ao longo da vida, guardando seus segredos e ajudando-o em seus estudos até o dia de sua morte. Ela nunca revelou os segredos do marido a ninguém. Seu segredo causou muitas dores de cabeça para pesquisadores posteriores, porque exatamente o que Flamel descobriu permanece um mistério até hoje.

O que parece claro, no entanto, é que Flamel devia seu conhecimento de alquimia e outras coisas esotéricas a uma única fonte: O Livro de Abraão, o Judeu, que ele recebeu de um estranho que entrou em sua livraria um dia. O livro estava cheio de palavras cabalísticas em grego e hebraico, e Flamel teve muita dificuldade em traduzi-las.

De acordo com Merton:

“Um dia, quando Nicolas Flamel estava sozinho em sua loja, um homem desconhecido que precisava de dinheiro apareceu com um manuscrito para vender. Flamel sem dúvida se sentiu tentado a recebê-lo com desdenhosa arrogância, como fazem os livreiros de nossos dias quando algum pobre estudante se oferece para lhes vender parte de sua biblioteca. Mas no momento em que viu o livro, reconheceu-o como o livro que o anjo lhe oferecera e pagou dois florins por ele sem barganhar. O livro parecia-lhe realmente resplandecente e instintivo de virtude divina. Tinha uma encadernação muito antiga de cobre trabalhado, na qual estavam gravados curiosos diagramas e alguns caracteres, alguns gregos e outros numa língua que ele não conseguia decifrar. As folhas do livro não eram de pergaminho, como as que ele costumava copiar e encadernar. Eles eram feitos de casca de árvores jovens e cobertos com uma escrita muito clara feita com uma ponta de ferro. Essas folhas foram divididas em grupos de sete e consistiam em três partes separadas por uma página sem escrita, mas contendo um diagrama que era bastante ininteligível para Flamel. Na primeira página estavam escritas palavras no sentido de que o autor do manuscrito era Abraão, o judeu – príncipe, sacerdote, levita, astrólogo e filósofo. [minha nota: Abraão da Bíblia] Seguiram-se então grandes maldições e ameaças contra qualquer um que pusesse os olhos nele, a menos que fosse um sacerdote ou um escriba. A misteriosa palavra maranatha, repetida muitas vezes em cada página, intensificou o caráter inspirador do texto e dos diagramas. Mas o mais impressionante de tudo era o ouro patinado das bordas do livro e a atmosfera de antiguidade sagrada que havia nele.” 17

Flamel fez o trabalho de sua vida para entender o texto desses segredos perdidos. Ele havia adquirido amplo conhecimento das artes alquímicas antes de obter o livro; no século 14, a sabedoria dos árabes e judeus encontrou seu caminho para a Europa cristã, e como livreiro e copista Flamel certamente teve acesso a eles. Então ele procurou os árabes e judeus para decifrar o livro. Ele viajou para universidades na Andaluzia para consultar autoridades judaicas e muçulmanas. Na Espanha, conheceu um mestre misterioso que lhe ensinou a arte de entender seu manuscrito, mas ainda levou 21 anos para desvendar o mistério do livro. Se ele conseguiu ou não realmente encontrar a Pedra Filosofal é uma questão ainda muito debatida.

De qualquer forma, após seu retorno à França, Flamel de repente se tornou fabulosamente rico. Ele estabeleceu moradias de baixa renda para os pobres, fundou hospitais e dotou igrejas, nunca vivendo de forma extravagante. Segundo o historiador Louis Figuier: “Marido e mulher socorreram os pobres, fundaram hospitais, construíram ou reformaram cemitérios, restauraram a fachada de Saint Genevieve des Ardents e dotaram a instituição dos Quinze-Vingts, cujos internos cegos, em memória deste fato, vinha todos os anos à igreja de Saint Jacques la Boucherie para rezar por seu benfeitor, uma prática que continuou até 1789.” 18

Em sua morte em 1418, Flamel foi supostamente enterrado em uma igreja e sua lápide decorada com os mais incríveis símbolos alquímicos imagináveis. Alguns anos depois, seu túmulo foi aberto e, surpreendentemente, o túmulo estava vazio. Foi o mesmo com o de Perenelle. Muitas fontes permitem a possibilidade de que talvez ele realmente tenha encontrado o Elixir da Vida. Cientistas modernos recriaram seus experimentos em um laboratório moderno e, embora fossem necessárias 700 destilações, eles conseguiram reproduzir parte de seu experimento. 19

O que aconteceu com O Livro de Abraão, o Judeu, após a morte de Flamel? Ninguém sabe ao certo, mas de alguma forma, o Cardeal Richelieu (da fama dos Três Mosqueteiros) conseguiu adquirir O Livro de Abraão, o Judeu, para sua própria coleção. A biblioteca pessoal de Richelieu estava, de fato, cheia de livros sobre esoterismo, ocultismo e vários textos gnósticos. Como ele conseguiu encontrar um dos mais famosos de todos os livros de ocultismo é um mistério, mas o livro desapareceu após sua morte, para nunca mais ser visto.

Então Flamel realmente morreu? Alguns pensam que não, por causa de uma figura curiosa que continuou surgindo ao longo dos séculos XVIII, XIX e início do XX na pessoa do Conde de St. Germain. Diz-se que St. Germain era um aristocrata francês que detinha os segredos do Elixir da Vida e o compartilhava com vários nobres e membros da realeza francesa, incluindo Madame Pompadour.

A história sabe bastante sobre St. Germain – exceto quando ele nasceu. A primeira vez que ouvimos falar dele é em Londres e em 1745 em Edimburgo, onde foi preso por espionagem, presumivelmente pelos jacobitas que travavam guerra no trono da Inglaterra na época. Ele desapareceu em 1746 e não foi visto novamente até 1758 em Versalhes. Durante este tempo em Paris, ele deu diamantes como presentes e supostamente deu a entender que ele tinha séculos de idade. Em 1760 partiu para a Inglaterra pela Holanda quando o ministro de Estado, o duque de Choiseul, tentou prendê-lo. Depois disso, o conde passou pela Holanda para a Rússia e aparentemente estava em São Petersburgo quando o exército russo colocou Catarina, a Grande, no trono. Teorias da conspiração posteriores creditam-no por causá-lo. Mais tarde esteve na Bélgica, oferecendo seus tratamentos de madeira, óleo e metais. Enquanto estava lá, ele insinuou um nascimento real para o ministro belga e realmente transformou o ferro em algo parecido com ouro.

Em 1763 ele desapareceu por mais 11 anos, e a próxima vez que ouvimos falar dele é na Baviera em 1774, depois na Alemanha em 1776, onde ele mais uma vez ofereceu suas receitas aparentemente alquímicas. Ele alienou os emissários do rei Frederico por suas alegações de transmutação de ouro e, em alguns relatos, comparou-se a Deus e afirmou ser maçom. Ele se estabeleceu em uma casa do príncipe Karl de Hesse-Kassel, governador de Schleswig-Holstein e estudou remédios de ervas e química para dar aos pobres, alegando que era um Francisco Rakoczy II, príncipe da Transilvânia.

Segundo a Wikipedia, St. Germain morreu em 1784 de pneumonia. No entanto, houve relatos de avistamentos dele vivo em Paris em 1835 (quando ele teria pelo menos 100 anos), Milão em 1867 e no Egito durante as Guerras Napoleônicas. Os relatos dele continuam até 1926, que é, curiosamente, o mesmo ano em que Tom Servolo Riddle nasceu em 31 de dezembro.

A ideia de St. Germain e Flamel como uma e a mesma pessoa parece absurda; no entanto, não se pode deixar de perguntar: onde St. Germain adquiriu o Elixir? Ele por acaso tropeçou no Livro de Abraão, o Judeu, que desapareceu após a morte do Cardeal Richelieu? Ou foi tudo uma farsa? Não importa a explicação, tanto Nicolas Flamel quanto o Conde de St. Germain continuam sendo dois dos personagens mais intrigantes de toda a alquimia.

Independentemente do status de Flamel, sua invenção desempenha o papel central no livro. A busca de Harry pela verdade por trás do misterioso arrombamento de Gringotes e a percepção de que o alvo é a Pedra Filosofal coloca ele e seus amigos constantemente no caminho de Severo Snape. Desde o início, Snape e Harry se detestam; A condescendência arrogante e a natureza ácida de Snape são um espinho constante no lado de Harry. Harry está convencido de que Snape está tentando roubar a Pedra, apenas para provar que está errado, como faria uma e outra vez.

Como mencionado anteriormente, Snape representa o vitríolo, o catalisador do processo de transformação. Está presente em todos os sete estágios (como Snape esteve presente em todos os seis livros, e seu retorno no Livro 7 é garantido). O catalisador não é destruído na reação; na verdade, ela não é alterada pela transformação. Isso se tornará crucial quando discutirmos o Livro 7.

O arqui-inimigo de Harry, Draco Malfoy, representa todo o primeiro estágio da Grande Obra. Seu nome, Draco, significa “dragão”, e o dragão representa a prima materia antes de começar sua transformação. É significativo, então, que encontremos Draco no Beco Diagonal, antes da viagem de trem para Hogwarts. Neville representa o sapo, ou matéria terrena, a Primeira Matéria, que é o primeiro estágio antes mesmo da prima materia ser obtida. Em muitos contos de fadas, o sapo é um símbolo de fracasso, e Neville pode ser visto assim até o quinto livro. Na alquimia, o sapo é uma criatura humilde até encontrar a águia ou cisne branco no quinto estágio, e isso é exatamente o que acontece com Neville quando ele começa a se destacar em Ordem da Fênix.

A introdução do Quadribol no mundo de Harry Potter está impregnada de simbolismo alquímico e arquetípico. Como apanhador do time da Grifinória, o trabalho de Harry é encontrar e pegar o pomo de ouro. No entanto, a palavra Apanhador (em inglês “Seeker”, o buscador) descreve Harry maravilhosamente – ele realmente é um buscador, um buscador da verdade e da iluminação. Os balaços representam os obstáculos ao longo do caminho, enquanto ele tenta se abaixar e se esquivar dos eventos que conspiram para mantê-lo longe de seu objetivo. O Pomo de Ouro, no entanto, é o objeto mais importante do jogo. Uma pequena bola de ouro com asas, o pomo representa os planos superiores de consciência” a Pedra Filosofal. O Harry Potter Lexicon (O Léxico de Harry Potter) descreve Bowman Wright, o homem que inventou o Pomo de Ouro, como um “encantador de metal”, que é outro nome para um metalúrgico ou alquimista. Curiosamente, uma bola dourada com asas estava no topo do caduceu de Hermes; de acordo com para o Dicionário Eletrônico Alquímico, o caduceu simboliza a “conjunção dos princípios alquímicos e sua prole, se vive, é a Pedra. Esta Pedra é representada como uma bola dourada com asas no topo do caduceu.”

Eventualmente, Harry, Ron e Hermione encontram o caminho pelo alçapão e Fofo, o cão de três cabeças inspirado no Cérbero da mitologia grega. As provações que eles enfrentam antes que Harry possa finalmente entrar na sala onde o Espelho de Ojesed é guardado são um rito de passagem em si; eles devem provar que são dignos antes que possam continuar.

A batalha final com o Professor Quirrell antes do Espelho também tem ligações alquímicas muito fortes. Embora o próprio Espelho seja uma invenção de Rowling, a maneira como ele funciona é fiel à tradição alquímica. Dumbledore, ele próprio um alquimista, está bem ciente do princípio do amor e da iluminação, e esconde a Pedra em um lugar onde apenas os puros de coração seriam capazes de obtê-la. O professor Quirrell pode se ver com a Pedra Filosofal, mas não a entende. Por quê? Porque ele queria isso para ganho material e poder” para devolver seu mestre à força. Harry, por outro lado, queria que a Pedra a mantivesse segura; de forma alguma ele pretendia usá-lo para si mesmo. É por isso que ele conseguiu pegar a Pedra do Espelho e Quirrell não.

Este é o caminho no qual Harry se encontra – o caminho para a iluminação. Somente buscando aquela parte de si mesmo “sua bondade e amor” ele encontrará os meios para destruir Voldemort de uma vez por todas. Ele deve se tornar a personificação física da Pedra Filosofal, alcançando a perfeição espiritual e a imortalidade, antes de finalmente se libertar do vínculo entre ele e Tom Riddle.

Ano 2: A Câmara Secreta:

O segundo estágio da operação, ou dissolução, representa o colapso adicional do ego. Inconscientemente, a mente começa a permitir que memórias enterradas e pensamentos reprimidos venham à tona. De acordo com Adam McLean, a dissolução pode ser descrita como um “fluxo” da felicidade de ser bem usado e ativamente engajado em atos criativos sem preconceitos tradicionais, bloqueios pessoais ou hierarquia estabelecida atrapalhando. 20

Câmara Secreta nos apresenta os conceitos bruxos de sangue e herança, e leva aos preconceitos inerentes de alguns “sangues puros” em relação aos nascidos trouxas (“sangues-ruins”) e mestiços. Harry deve aprender a navegar dentro dessa estrutura enquanto tenta desvendar o enigma da lendária Câmara Secreta.

Neste livro, somos apresentados a alguns personagens muito interessantes: Dobby, o Elfo Doméstico, Fawkes, o basilisco, Aragogue, a Acromântula, e Tom Riddle, monitor, aluno modelo e menino de ouro de Hogwarts. A partir do momento em que Harry encontra o diário de Tom, Tom Riddle captura nosso interesse assim como o de Harry. Harry sente uma curiosidade instantânea e, apesar dos avisos de Ron e Hermione, investiga ainda mais os segredos do diário.

Em uma passagem que suscitou discussões e debates fantásticos, Harry não pode jogar o diário fora:

“Harry não conseguia explicar, nem para si mesmo, por que não jogou o diário de Riddle fora. O fato é que, mesmo sabendo que o diário estava em branco, ele o pegava distraidamente e virava as páginas, como se fosse uma história que ele quisesse terminar. E enquanto Harry tinha certeza de que nunca tinha ouvido o nome T.M. Riddle antes, ainda parecia significar algo para ele, quase como se Riddle fosse um amigo que ele tinha quando era muito pequeno, e meio esquecido.” (A Câmara Secreta, página 235).

Harry está se lembrando de uma memória há muito enterrada do passado? A conexão de Harry com Lord Voldemort nunca foi adequadamente explicada, um fato que sem dúvida é intencional por parte de Rowling. Embora provavelmente não saibamos a resposta para o significado desta passagem até o Livro 7, se mesmo assim, parece que Harry tem uma conexão com Tom Riddle, bem como com Lord Voldemort, que pode ser explicada alquimicamente. Harry confia em Tom, e mesmo ele não sabe por quê. Ele não questiona, não duvida. É apenas um sentimento que ele tem de que pode depender de Tom, mesmo que ele seja apenas uma memória e não de forma alguma real.

Harry descobre através do diário (ou pensa que sabe) que Hagrid abriu a Câmara Secreta cinquenta anos antes, uma reviravolta que ele tem medo de perguntar a Hagrid. Quando a Câmara é aberta novamente e vários estudantes são atacados, Hagrid é enviado para Azkaban. Antes de ser levado, no entanto, Hagrid dá uma última ordem a Harry e Ron, dizendo-lhes para “seguir as aranhas”. Isso nos leva a Aragogue, a acromântula que Hagrid criou de um ovo.

As aranhas surgem não apenas na alquimia, mas também no Tarô. A aranha é considerada a Mestra Tecelã da Roda da Fortuna e aquela que prediz o destino. Além disso, as aranhas simbolizam as conexões entre passado, presente e futuro. Aragogue, então, representa o equilíbrio entre destino e fortuna, e realmente representa o passado como a única testemunha restante, além de Hagrid, da primeira abertura da Câmara. Ele simboliza os fios da delicada teia que tece o passado, presente e futuro juntos. Isso é exatamente o que Harry aprende neste livro – que ele e Tom Riddle estão inextricavelmente ligados pela Roda do Tempo.

Quando Harry fica cara a cara com Tom na Câmara Secreta, ele ainda confia nele, mas as coisas rapidamente ficam feias quando as motivações de Tom ficam claras. Memória Tom representa para Harry o que ele poderia se tornar, dependendo das escolhas que fizer, assim como Dumbledore representa para Tom o que ele poderia ter se tornado; Harry e Tom são dois lados da mesma moeda, reflexos sombrios um do outro. Na verdade, pode-se dizer que Tom é o alter ego de Harry. Para crédito de Harry, ele nunca vacila do Caminho Verdadeiro, e ao fazê-lo é recompensado por sua lealdade com a chegada oportuna de Fawkes, sem o qual Harry certamente teria morrido.

Rowling enfatiza fortemente ao longo da série a importância das escolhas em nossas vidas. Como Dumbledore diz: “São nossas escolhas, Harry, que mostram o que realmente somos, muito mais do que nossas habilidades”. (Prisioneiro de Azkaban, p. 333) Esse tema reverberará pelo resto dos livros e destaca a principal diferença entre Harry e Tom Riddle.

Muitos de nós nos perguntamos se Tom também era um alquimista; se ele era um, ele era um Alquimista Negro em oposição ao Alquimista Branco de Dumbledore. Como mencionado anteriormente, o alquimista deve iniciar seus estudos com um coração puro, o que Tom não fez. Cheio de raiva e raiva, ele escolheu o poder e o ganho material sobre o amor e a pureza e, ao fazê-lo, selou seu próprio destino. Ele nunca alcançará a imortalidade, apesar de suas melhores tentativas.

A própria Câmara representa o Abaixo, o reino da matéria e do mundano. Este motivo está presente em A Pedra Filosofal, na Sala dos Espelhos; em Prisioneiro de Azkaban, na Casa dos Gritos; em Cálice de Fogo, onde o confronto ocorre em um cemitério; e em Ordem da Fênix, onde a batalha acontece no subsolo do Ministério da Magia. Estes são todos símbolos do estágio Negro, que termina com a Ordem da Fênix.

Nas profundezas da Câmara, o basilisco e a fênix desempenham papéis importantes no resultado. Ambos são símbolos alquímicos; o basilisco é uma criatura alquímica simbólica que se diz ter a cabeça de um pássaro e o corpo de um dragão. Este animal serpentino sem asas nasceu de um ovo de galo hermafrodita após 900 anos e foi amamentado por uma serpente. Claramente, no entanto, o basilisco neste caso é uma serpente ou cobra. É o inimigo mortal da fênix, que representa a morte e a ressurreição. Isso é simbolizado pelas lágrimas de Fawkes, que têm poderes curativos e curam Harry do veneno do basilisco.

Curiosamente, segundo The Medieval Bestiary (O Bestiário Medieval), o nome latino do basilisco é regulus; era chamado de Rei das Serpentes porque seu nome grego basilicus significa “pequeno rei”. Regulus é latim para rei. De acordo com Plínio, o Velho [século I d.C.]:

Qualquer um que veja os olhos de uma serpente basilisco (basilisci serpentis) morre imediatamente. Não tem mais de trinta centímetros de comprimento e tem marcas brancas na cabeça que parecem um diadema. Ao contrário de outras cobras, que fogem de seu silvo, ela avança com o meio erguido. Seu toque e até mesmo seu hálito queimam a grama, matam arbustos e explodem pedras. Seu veneno é tão mortal que, uma vez, quando um homem em um cavalo espetou um basilisco, o veneno subiu pela lança e matou não apenas o homem, mas também o cavalo. Uma doninha pode matar um basilisco; a serpente é jogada em um buraco onde vive uma doninha, e o fedor da doninha mata o basilisco ao mesmo tempo em que o basilisco mata a doninha. 21

A jornada de Harry continua. Seu segundo ano em Hogwarts lhe deu muito em que pensar; algumas coisas no mundo bruxo não são o que parecem. Ele questiona seu lugar nele e o papel que ele deve desempenhar para derrotar Voldemort. Acima de tudo, ele aprende que suas escolhas o definem e, inconscientemente, decide permanecer no caminho certo, escolher o que é certo sobre o que é fácil, uma decisão que lhe servirá bem em Prisioneiro de Azkaban.

Ano 3: Prisioneiro de Azkaban:

Prisioneiro de Azkaban nos apresenta personagens ainda mais fascinantes: o pobre mas gentil Professor Lupin, o Mapa dos Marotos, Pedro Pettigrew, Bicuço o Hipogrifo, Bichento o Amassador e o malandro Sirius Black. Nós também encontramos os dementadores pela primeira vez, assim como os conceitos de mudança de tempo e patrono, que finalmente salvam tanto a vida de Harry quanto a de Sirius.

Neste livro encontramos o terceiro estágio de transformação, chamado separação, que representa a recuperação da parte de nós mesmos onde estão nossas esperanças e sonhos. A separação é um processo consciente de arrumação mental, onde decidimos o que manter e o que jogar fora, mantendo apenas as partes que se encaixam com nossa nova visão da vida. Significa abrir mão de velhas restrições impostas por professores, pais e outros, para que possamos finalmente começar a ser nós mesmos e alcançar todo o nosso potencial. 22

Sirius Black rouba a cena em Prisioneiro de Azkaban. Um homem inocente condenado injustamente à prisão perpétua em Azkaban, Sirius representa o sal no processo alquímico. Como mencionado anteriormente, o sal era uma das três substâncias mais importantes na alquimia, junto com o mercúrio e o enxofre. A Tábua de Esmeralda chama isso de “a Glória de Todo o Universo” e “o início e o fim da grande obra.” Sua importância no trabalho alquímico será discutida em maiores detalhes no Ano 5: Ordem da Fênix. basta dizer que o papel de Sirius na história é crucial, e que temos uma boa introdução ao seu personagem em Prisioneiro de Azkaban.

Antes de Harry partir para Hogwarts, ele entra em contato com um grande cachorro preto enquanto espera pelo Nôitibus depois de explodir sua tia Marge. Mal sabe ele que o cachorro é na verdade o assassino em massa Sirius Black; no entanto, o próprio cão tem conotações alquímicas. Na alquimia, os cães significam matéria primitiva ou enxofre natural. Um cachorro sendo devorado por um lobo simboliza o processo de purificação do ouro usando antimônio, e vemos esse processo perto do final do livro durante a luta entre Sirius e Lupin. Não surpreendentemente, então, o Professor Lupin representa o antimônio ou estribita, também conhecido como o Lobo Cinzento. O alquimista Basílio Valentim nomeou o metal depois de alimentá-lo a alguns monges em um mosteiro beneditino. Os monges adoeceram violentamente e alguns até morreram, daí o nome latino que significa “anti-monge”. Espiritualmente também, muitas pessoas se sentem mais ameaçadas por sua própria natureza animal. Como um lobisomem, Lupin simboliza os impulsos animais que todos nós temos em forma monstruosa, que são elementos que precisamos aprender a controlar se quisermos avançar espiritualmente.

Não é por acaso que Lupin toma o lugar de uma figura paterna na vida de Harry. Através de Lupin, ele aprende a expulsar os dementadores (a expressão de depressão de Rowling) ao perceber que não pode viver no passado. Isso se encaixa no modelo do terceiro estágio da alquimia, a separação. Harry começa a se separar de seus pais e a formar sua própria identidade. Uma vez que ele aprende a “desligar” os gritos de sua mãe quando os dementadores estão por perto, Harry pode então produzir um patrono, ou guardião. Ele recupera uma parte de si mesmo que sabe que seus pais o amaram e se sacrificaram por ele, mas que ele não pode viver no passado a ponto de esquecer-se de viver. O tremoço é crucial para este processo.

O patrono de Harry assume a forma de um cervo branco, que não só tem conotações religiosas, mas também simbolismo alquímico. Os alquimistas chamavam isso de Veado Fugitivo e representa a energia feminina (água) da Grande Obra, ou o elemento protetor e nutridor da transformação. A armação de chifres do veado representa as constelações e o zodíaco – o Acima e os reinos superiores da consciência. Este é o Acteón da mitologia grega, o caçador que foi transformado em veado por admirar a Ártemis nua enquanto ela se banhava em um lago.

Nós conhecemos Bicuço, o Hipogrifo, na primeira aula cheia de ação de Hagrid como professor de Hogwarts. Na alquimia, o Vaso de Hermes (outro nome para o Cálice de Salomão ou o Santo Graal) era chamado de Ovo do Grifo. De acordo com Legends of Charlesmagne (As Lendas de Carlos Magno) de Thomas Bulfinch:

“Como um grifo, tem cabeça de águia, garras armadas de garras e asas cobertas de penas, sendo o resto do corpo de cavalo. Este estranho animal é chamado de Hipogrifo.

A razão de sua grande raridade é que os grifos desprezam os cavalos, que consideram com os mesmos sentimentos que um cão tem por um gato. Nos tempos medievais havia uma expressão, “Para acasalar grifos com cavalos”, que significava quase o mesmo que a expressão moderna, “Quando os porcos voam”. O hipogrifo era, portanto, um símbolo de impossibilidade e amor. Isso teria sido inspirado nas Éclogas de Virgílio: … cruze Grifos com éguas, e na próxima idade veados e cães tímidos vêm beber juntos.

Entre os temas de combate animal em adornos de ouro citas podem ser encontrados grifos atacando cavalos.

O hipogrifo parecia mais fácil de domar do que um grifo. Nas poucas lendas medievais em que essa criatura fantástica aparece, geralmente é o animal de estimação de um cavaleiro ou de um feiticeiro. Faz um excelente corcel, sendo capaz de voar tão rápido quanto um relâmpago. Diz-se que o hipogrifo é um onívoro, comendo plantas ou carne.” 23

Na “execução” de Bicuço, perto do final da história, encontramos um dos símbolos da separação: o machado; embora no livro seja um machado, o simbolismo é o mesmo. MacNair afia sua lâmina em uma pedra em preparação para o evento e a usa para executar Bicuço. Outros símbolos para esta fase incluem espadas, flechas, foices e facas.

Outros simbolismos animais também aparecem em Prisioneiro de Azkaban. O apelido de Pedro Pettigrew é “Rabicho”, e com razão. Na alquimia, o verme é outra representação do Ouroboros, ou a cobra segurando sua própria cauda. O Ouroboros simboliza um grande círculo e a ideia de que “tudo é um” e que o tempo é um ciclo de destruição e regeneração. Pedro inclinou a balança em Prisioneiro de Azkaban, escapando e voltando para Voldemort. No entanto, ele se arrependerá do que fez e, no livro final, expiará seus erros contribuindo para a queda de Voldemort, redimindo-se assim. Quando isso acontecer, os eventos terão completado o círculo, assim como a cobra segurando sua cauda está completa.

Mais uma vez, os eventos na Casa dos Gritos (o Abaixo neste caso) provam de que material forte Harry é feito. Em vez de permitir que Sirius e Lupin matem Pedro, Harry o poupa, preferindo mandá-lo para os dementadores, algo que nem Sirius nem Lupin entendem completamente. A superioridade moral e o coração por excelência de Harry realmente se mostram aqui. Ele não quer que os dois melhores amigos de seu pai se tornem assassinos, e involuntariamente liga Rabicho a ele na forma de uma dívida de vida. Nisso, Harry está se destacando; ele está saindo da sombra de seu pai e se tornando sua própria pessoa. Este processo está longe de terminar, no entanto; está apenas começando.

Ano 4: Cálice de Fogo:

O quarto estágio da transformação alquímica é chamado de conjunção. A conjunção representa a união do masculino e feminino (yin e yang) em um novo sistema de crenças ou um estado intuitivo de consciência. Foi chamado de “A Pedra Menor” porque quando foi alcançado o Apanhador, ou o Buscador, sabia exatamente o que precisava ser feito. 24

Cálice de Fogo está cheio de imagens alquímicas; no entanto, vou me concentrar nas três tarefas Tribruxo nesta análise. Essas quatro tarefas juntas são preparatórias para as provações que Harry enfrentará na Ordem da Fênix. Mas primeiro, ele deve passar pelo Torneio Tribruxo.

O Cálice de Fogo em si é mais uma representação do Santo Graal e da Pedra Filosofal. Um objeto mágico muito poderoso, o Cálice sela o destino dos competidores em um contrato obrigatório do qual não há como escapar. Eles devem competir ou enfrentar as consequências. Como o Graal, o Cálice sabe quais participantes são dignos e verdadeiros o suficiente para enfrentar os difíceis desafios à frente.

A primeira tarefa é o dragão e representa o fogo. Como observado anteriormente, os dragões simbolizam a matéria no início do trabalho ou calcinação, cujo símbolo é o fogo; nesse sentido, Harry está voltando ao primeiro estágio da Grande Obra. Desta vez, no entanto, ele sabe exatamente o que fazer e consegue obter seu ovo notavelmente rápido. Em algumas interpretações, o dragão é o guardião do submundo, assim como Fofo era em A Pedra Filosofal. O tesouro mais importante que um dragão possui é sua pérola mágica, que o dragão sempre manteve perto, seja na boca ou sob o queixo. A pérola emite uma luz radiante que nunca se apaga e é o símbolo da sabedoria, iluminação, auto-realização e riqueza espiritual. Os dragões ficam impotentes se suas pérolas forem roubadas. Neste caso, os ovos dos dragões substituem as pérolas. Curiosamente, os alquimistas estavam interessados ​​em dragões por uma pedra curiosa chamada draconita, que dizia detectar e curar venenos. No entanto, a única maneira de obter essa gema era removê-la antes que o dragão morresse, ou então a criatura, ao morrer, arruinaria propositalmente a pedra.

Os dragões também representam o inconsciente e funcionam como uma porta de entrada para outras dimensões. Na alquimia indiana, chamada Nagayuna, o objetivo era unificar as energias do corpo preservando o Elixir da Vida. O símbolo de duas serpentes entrelaçadas, chamadas Naga, representa a ligação entre o céu e a terra, bem como a transição entre o Abaixo e o Acima, que é o que o Cálice de Fogo faz. Como o livro do meio da série, é o último volume a ocorrer no Abaixo; as que se seguem ocorrem no Alto, ou nos reinos mais elevados da consciência. Esse simbolismo aparece novamente na cena do cemitério na forma de Nagini, a enorme cobra de estimação de Voldemort. Em muitas culturas, os termos “serpente” e “dragão” eram intercambiáveis; na verdade, os dragões eram frequentemente chamados de “serpentes aladas”.

Depois que Harry adquire seu ovo, vence a tarefa no processo, e é aconselhado por Cedrico a abri-lo debaixo d’água para a próxima pista. Ele vai ao banheiro dos monitores e passa uma hora agradável na companhia da Murta Que Geme  e das sereias descobrindo sua pista. Como tenho certeza que você já deve ter adivinhado, mesmo algo tão inofensivo quanto um banho também tem conotações alquímicas! Os banhos na alquimia simbolizam o processo de dissolução (segunda etapa) em que os metais são limpos e purificados.

A segunda tarefa representa, obviamente, a água. O mergulho de Harry no lago é cheio de perigos. Ele tem que resgatar Ron das garras das sereias dentro do prazo. No entanto, Harry não percebe que Dumbledore não deixaria Ron, Hermione e Gabrielle se afogarem; como resultado, ele acaba salvando todos os reféns. Ao fazer isso, ele confirma que é nobre de espírito e puro de coração; ele se importava mais com a vida dos outros do que consigo mesmo. Isso também faz parte do estágio de conjunção; confirma que Harry está no caminho certo em seu caminho para a iluminação.

Há alguma confusão sobre a natureza da terceira tarefa e a diferença entre um labirinto (labyrinth) e um labirinto (maze). Ao contrário da crença popular, labirintos (labyrinths) e labirintos (mazes) não são a mesma coisa. Labirintos (labyrinths) têm um caminho bem definido que nos leva ao centro e volta para fora. Não há truques para um labirinto; oferece uma escolha: entrar ou não. Uma vez dentro, você encontrará o caminho para fora novamente. Um labirinto (maze), por outro lado, oferece várias opções, algumas com muitas entradas e saídas. Becos sem saída e curvas fechadas representam os enigmas e dificuldades da vida, que vemos na Esfinge e seu enigma da aranha. Labirintos (mazes) nos desafiam a tomar decisões corretas com base na lógica e na intuição. Em um labirinto (maze), o objetivo é encontrar o caminho através de caminhos elaborados e tortuosos para alcançar um objetivo específico; neste caso, a Taça Tribruxo. O objetivo de um labirinto (labyrinths) é encontrar o caminho para o centro de si mesmo. Intencionalmente ou não, Rowling incorporou o simbolismo de ambos os quebra-cabeças à tarefa, para que possamos ver melhor os caminhos e escolhas que Harry deve fazer em sua jornada para a iluminação.

O labirinto (labyrinth) é um antigo símbolo da jornada de vida pela qual encontramos o verdadeiro propósito de nossa vida. Ao percorrer o caminho, criamos um lugar sagrado dentro de nós mesmos e deixamos nosso ego de lado. Os celtas chamavam isso de “Coração do Coração” e é isso que Harry faz durante sua jornada pelo labirinto (maze). Os obstáculos que ele encontra ao longo do caminho o guiam pelo caminho até o centro. O aspecto do labirinto (maze) representa os enigmas e os diferentes caminhos que se pode escolher ao longo da vida para atingir nossos objetivos. No labirinto (maze), “reina a ilusão e a confusão e o alquimista corre o risco de perder toda a conexão e clareza”. 25 O Feitiço de Quatro Pontos de Harry permite que ele permaneça no caminho certo e alcance o centro do labirinto (maze) relativamente ileso.

O cemitério, na alquimia, é um símbolo para o “recipiente do alquimista”, no qual os produtos químicos que foram fermentados por três estágios atingem o ponto de ebulição, produzindo explosões tão violentas que muitas vezes o alquimista foi gravemente ferido ou morto no processo. O objetivo disso era produzir um “fluido” ou essência dentro do recipiente, algo que os alquimistas chamavam de “asa de corvo” por causa de sua cor azul-preta.26 Harry está quase morto nesta cena e está, de fato, ferido. Os eventos o ultrapassam até que ele e Voldemort duelam até a morte em uma explosão de frustração e hostilidade reprimidas. Harry mal consegue segurar Voldemort; no entanto, por causa das essências de seus pais e de Cedrico produzidas por sua varinha, ele é salvo mais uma vez por pura força de vontade e não por coragem.

Os corvos representam o estágio negro ou nigredo; neste caso, a vinda de Ordem da Fênix. O Corvo Negro ou Corvo Negro é frequentemente retratado como um processo de morte em vez de um pássaro real, como no caput mortuum, a cabeça da morte, ou como algumas ilustrações alquímicas mostram, o alquimista morrendo dentro de um frasco. (Veremos o caput mortuum novamente em Ordem da Fênix.) Assim, no símbolo do Corvo Negro temos a saída em consciência do mundo dos sentidos físicos, as restrições que nos prendem ao corpo físico. 27 É por isso que Cedrico teve que morrer, na minha opinião. Ele representa a cabeça da morte e o início da ascensão do Abaixo para o Acima.

Pouco depois de seu renascimento, Voldemort menciona alegremente a poção que ele instruiu Pedro a preparar para que ele pudesse habitar um corpo rudimentar até sua Festa de Renascimento e até lista os ingredientes:

“O corpo de Rabicho, é claro, estava mal adaptado para possessão, já que todos supunham que ele estava morto, e atrairia muita atenção se notado. No entanto, ele era o servo de que eu precisava, e, pobre bruxo como ele é, Rabicho foi capaz de seguir as instruções que lhe dei, o que me devolveria a um corpo rudimentar e fraco, um corpo que eu poderia habitar enquanto esperava os ingredientes essenciais para o verdadeiro renascimento… um feitiço ou dois de minha própria invenção… com uma pequena ajuda de minha querida Nagini’ Os olhos vermelhos de Voldemort caíram sobre a cobra que circulava continuamente, “uma poção preparada com sangue de unicórnio, e o veneno de cobra que Nagini forneceu… Eu logo voltei a uma forma quase humana e forte o suficiente para viajar”. (Cálice de Fogo, p. 656)

Sangue de unicórnio é outro nome para mercúrio ou mercúrio, e veneno de cobra é mencionado por Valentim em suas Doze Chaves como um dos componentes do Elixir da Vida. Voldemort estava tentando fazer sua própria Pedra Filosofal? Parece possível. Ele falhou em roubar a Pedra no primeiro livro, mas certamente sabia o suficiente sobre alquimia para inventar tal poção (ou dar instruções explícitas a Pedro sobre sua preparação), e assim como ele sabia que o sangue de unicórnio em A Pedra Filosofal mantê-lo vivo, ele sabia que essa poção em particular ajudaria a fortalecê-lo por tempo suficiente para adquirir um corpo. Parece estranho que Rowling escolhesse esses ingredientes em particular a menos que ela conhecesse a conexão entre eles e o Elixir. Além disso, quando lembramos do objetivo de Geber de takwin ou vida artificial, vemos como ele poderia ter instruído Pedro a realizar a magia necessária para que ele adquirisse um corpo rudimentar até que seus planos atingissem a maturidade.

É interessante notar que muitas pessoas se perguntaram o que era o corpo infantil de Voldemort e do que era feito. Logo no início, mencionei a busca de Geber pela criação da vida e que Paracelso afirmou ter criado um homúnculo – e o corpo rudimentar de Voldemort pode ter sido exatamente isso.

Homúnculo (alt: homonculus) significa “homenzinho” e na alquimia se refere a falsos seres humanos criados a partir de uma variedade de ingredientes. De acordo com a Wikipédia, um método envolvia raízes de mandrágora, que vemos na Câmara Secreta como o antídoto para petrificação. Diz a lenda que a mandrágora, cujas raízes lembravam vagamente um ser humano, cresceu onde o sêmen ejaculado por homens enforcados durante os últimos espasmos convulsivos antes da morte cair no chão. A raiz deveria ser colhida antes do amanhecer de uma sexta-feira de manhã por um cão preto, depois lavada e “alimentada” com leite e mel e, em algumas receitas, sangue, após o que se desenvolveria completamente em um humano em miniatura que guardaria e protegeria seu proprietário. Outro método era pegar um ovo posto por uma galinha preta, fazer um pequeno buraco na casca, substituir uma porção do branco do tamanho de um feijão por esperma humano, selar a abertura com pergaminho virgem e enterrar o ovo no esterco na primeira dia do ciclo lunar de março. Um humanoide em miniatura emergiria do ovo após trinta dias, o que ajudaria e protegeria seu criador em troca de uma dieta constante de sementes de lavanda e minhocas. Ainda outra receita, a usada supostamente por Paracelso, prescrevia o uso de um saco de ossos, fragmentos de pele e pelos de qualquer animal. Curiosamente, o homúnculo seria um híbrido do animal escolhido – então, se uma cobra fosse escolhida, a criação se pareceria com uma cobra.

O homúnculo é mencionado no Ato II do Fausto de Goethe como uma criação alquímica do aluno de Fausto, Wagner. Na verdade, é uma inteligência artificial e talvez o primeiro bebê de proveta do mundo. O homúnculo naquela obra se assemelhava a um ser de fogo, um ser de alma e espírito puros que vive completamente dentro de seu frasco e não tem um corpo real. (Soa familiar?) Seu maior desejo é se tornar um humano completo, e ele leva Fausto e Mefisto ao reino da Grécia antiga para tentar isso. Homúnculo aprende que deve se unificar com o elemento água para ver seus sonhos realizados. Com o incentivo de Proteu, Homúnculo entra nas ondas em seu frasco para encontrar Galatea, a deusa do oceano. Disto vem uma celebração dos quatro elementos. Mais tarde, porém, Fausto tenta quase a mesma coisa, e sua tentativa pode ser caracterizada como o estupro da ordem natural, uma perversão da natureza que sela seu destino como instrumento de sua própria queda.

Já comentamos sobre a presença de Nagini no livro, mas e a aparência medonha de Voldemort após seu renascimento? A descrição que Rowling nos dá é decididamente a de uma cobra: fendas vermelhas para os olhos, narinas achatadas e pele escamosa. Por que uma cobra? Na minha opinião, Rowling usa essa analogia para descrever a alma interior de Voldemort – esfarrapada e serpentina. A cobra representa o primeiro estágio da transformação; ao torná-lo parecido com uma cobra, Rowling nos diz que Tom Riddle nunca saiu do primeiro estágio de transformação simplesmente porque seu coração não era puro. Ele é um lembrete horrível dos perigos da ganância, brutalidade e orgulho. Outra possibilidade é que Tom começou “iluminado” e retrocedeu pelos estágios de transformação, começando com um belo rapaz e jovem e terminando com uma serpente. Isso também explicaria como Tom conseguiu adquirir uma varinha com um núcleo de penas de cauda de fênix, quando de todas as aparências ele certamente não merece. Aos 11 anos, ele pode ter sido digno da pena de Fawkes de uma maneira que nunca poderá ser agora.

Harry emerge de seu confronto com Voldemort espancado e ferido, mas vivo. Os eventos da noite abalaram suas crenças sobre o mundo bruxo; ele alcançou a Pedra Menor em virtude de sua sobrevivência e seu conhecimento de que Voldemort está de volta, com seus antigos seguidores ao seu lado, e pronto para lutar pelo destino do mundo bruxo. Ele começa a perceber que “esta é sua luta e só dele” que, eventualmente, ele e Voldemort se confrontarão novamente, e apenas um deles sobreviverá.

Ano 5: Ordem da Fênix:

A fermentação, também conhecida como Estágio Negro, é também a primeira a ocorrer no “Acima”, ou nos planos superiores de consciência. A fermentação era um processo de duas etapas, a primeira das quais envolvia a “morte” do precipitado inerte nascido no estágio de conjunção. Isso foi chamado de “putrefação” e simbolizava a morte e a ressurreição para um nível superior de ser. Uma vez concluído, iniciava-se o processo de fermentação com a nova vida “nascendo” dessa ressurreição, visando fortalecê-la e garantir sua sobrevivência. A alma se livra das coisas que a estão desgastando; isso ocorre em um lampejo de cor iridescente chamado Cauda Pavonis, isto é, a Cauda do Pavão. 28

Ordem da Fênix prepara o cenário para os dois últimos livros da série. Embora os quatro primeiros livros também façam parte do estágio negro, é este que configura os eventos posteriores.

Ordem da Fênix começa com um ataque de dementadores a Harry e Duda. Em seu julgamento, Harry sente pela primeira vez o que o próximo ano reserva para ele na pessoa de Dolores Umbridge. Ela é um trabalho desagradável, e é justo que seu próprio nome (Black, isto é, Negro) represente o estágio Negro; umbra significa sombra ou escuridão. Também representativo disso é o sobrenome de Sirius, Black, assim como a presença de Kingsley Shacklebolt, o Rei Negro. Os próprios dementadores representam a depressão e a escuridão da mente, mas desta vez Harry é capaz de lidar com eles.

Encontramos Sirius em sua casa no Largo Grimmauld, 12. Ele está mal-humorado e deprimido, confinado a uma casa que odeia para seu próprio bem. Uma das imagens mais estranhas que vemos na casa são as cabeças dos elfos-domésticos mortos que revestem as paredes. Este é outro exemplo do caput mortuum mencionado em Cálice de Fogo, representando o início do estágio negro.

Ordem da Fênix apresenta mais novos personagens: Ninfadora Tonks, a Metamorfomaga, Luna Lovegood, Monstro e o irmão mais novo de Sirius, Regulus. Como mencionado anteriormente, regulus também é o nome do basilisco, que vimos em Câmara Secreta, e vemos uma conexão entre os negros e o basilisco no capítulo 4: “Tanto o lustre quanto o candelabro em uma mesa frágil nas proximidades foram em forma de serpentes.” No entanto, essa não é a única conexão que o nome tem com a alquimia. Regulus também é um termo alquímico geralmente associado a Isaac Newton e Nicolas Flamel. Na alquimia de Newton, um metal era anteriormente chamado de regulus do minério do qual era reduzido; regulus (sem especificação adicional) significava regulus de antimônio (ou seja, antimônio na nomenclatura moderna). Um regulus era a substância pesada que afundava no fundo do cadinho durante a reação. Em outras palavras, o regulus é o metal puro derivado do minério.

Mencionei anteriormente que Sirius representava o sal ou corpo (corpus) do trabalho alquímico, assim como Hagrid representa a alma e Dumbledore a mente ou intelecto. Sirius é absolutamente crucial neste estágio e no estágio vermelho, que seguirá no Livro 7. De acordo com Hauck, em The Sorcerer’s Stone: A Beginner’s Guide to Alchemy (A Pedra Filosofal: Um Guia para Iniciantes à Alquimia), o sal é a chave para a alquimia, o início e o fim da Grande Obra. De acordo com isso, e para encurtar a história, o estágio negro é encerrado pela alma deixando o corpo. A morte de Sirius, em outras palavras.

O sal é uma das três substâncias mais importantes da alquimia (as outras são o mercúrio e o enxofre) e representa a manifestação final da Pedra. Qualquer substância que fosse resistente ao fogo era chamada de sal. A Tábua de Esmeralda chama isso de “a Glória de Todo o Universo”. 29 No entanto, Harry ainda não está pronto para a perfeição da Pedra. Ele acabou de adquirir a Pedra Menor, e há muitas outras lições a serem aprendidas antes que ele alcance a iluminação. A manifestação final virá no Livro 7, onde veremos Sirius novamente.

Em geral, o Sal representa a ação do pensamento sobre a matéria, e é isso que Sirius representa. Sirius é um homem ativo e espirituoso que está enjaulado em sua casa; como um homem de ação, isso é decididamente desagradável para ele e deixa Harry sem fim de preocupação. No final, Sirius faz exatamente o que Harry teme que faça: deixa o Largo Grimmauld, recusando-se a ser deixado para trás mais uma vez. É essa imprudência que leva à sua morte; se ele tivesse ficado parado, ele teria vivido. Mas Rowling afirma que Sirius teve que morrer, e é por isso. Harry não pode ir para o estágio de purificação enquanto os estágios negros ainda estiverem vivos.

A relação de Sirius com Snape também é curiosa. Sozinho e confinado a uma casa que ele odeia, Sirius sofre insultos contra sua bravura e utilidade ao longo do livro. Harry fica do lado de Sirius contra Snape, a quem ele sempre odiou. Quando lembramos que Snape é o vitríolo ou o catalisador da série, esse comportamento faz todo o sentido. É trabalho de Snape irritar e irritar, perturbar e difamar; em outras palavras, tornar a vida de Harry a mais miserável possível. Quando combinado com a personalidade sinistra de Umbridge, o ano de Harry em Hogwarts não é nada pacífico.

De todos os personagens dos livros, Luna é um dos mais interessantes. Com o nome da deusa romana da lua, Luna simboliza a feminilidade e a intuição, que era frequentemente retratada como um sol de sete raios em desenhos alquímicos. Um dos símbolos do sexto estágio, que discutiremos no Ano 6: O Enigma do Príncipe, Luna ajuda Harry a ver o outro lado das coisas “as coisas que não são baseadas em fatos ou razões, mas na intuição e fé. Esses traços são tradicionalmente considerados femininos e naturais. A visão de mundo singular de Luna ajuda Harry a lidar com a morte de Sirius; ninguém mais é capaz de consolá-lo, mas Luna o faz se sentir melhor e ele começa a se curar.

Neste livro, conhecemos o irmão de Dumbledore, Aberforth, que tem uma queda por cabras e copos sujos enquanto cuida de seu bar na Pousada Cabeça de Javali. As cabras, que são mencionadas repetidamente em conexão com Aberforth, simbolizavam a quimera da mitologia grega. A alquimia em si é uma quimera, que compreende muitas disciplinas diferentes provenientes de muitas fontes diferentes. De acordo com o Musaeum Hermeticum Reformatum et Amplificatum:

“Os alquimistas costumavam simbolizar seus metais por meio de uma árvore, para indicar que todos os sete eram ramos dependentes do único tronco da vida solar. Assim como os Sete Espíritos dependem de Deus e são ramos de uma árvore da qual Ele é a raiz, o tronco e a terra espiritual da qual a raiz deriva seu alimento, assim o único tronco da vida e do poder divinos nutre todas as múltiplas formas das quais o universo é composto.”

Aberforth e suas cabras são mais conhecidas como o Bode de Mendes, ou Baphomet das tradições dos Templários. De acordo com a Magia Transcendental de Levi, “A prática da magia “branca ou negra” depende da capacidade do adepto de controlar a força vital universal, aquilo que Eliphas Levi chama de grande agente mágico ou luz astral. essência fluídica são produzidos os fenômenos do transcendentalismo. O famoso e hermafrodita Bode de Mendes era uma criatura composta formulada para simbolizar essa luz astral. É idêntico a Baphomet, o panteão místico daqueles discípulos da magia cerimonial, os Templários, que provavelmente a obtiveram de os árabes”. 30

Gostaria de mencionar aqui a proeminência que os pássaros têm na alquimia. Como vimos em Cálice de Fogo, o aparecimento do Corvo Negro anuncia o início do estágio negro. Daqui em diante, os pássaros simbolizam cada etapa da transformação. Depois do Corvo Negro vem o Cisne Branco ou a Águia, depois o Pavão, o Pelicano e finalmente a Fênix, que representa a transformação final e a manifestação final da Pedra. Em Ordem da Fênix, vemos dois desses pássaros enquanto Harry passa rapidamente pelo estágio negro. Vemos o Cisne Branco na figura do patrono de Cho Chang, que representa as primeiras incursões de Harry em seu eu interior e sua crescente conexão com sua alma:

“Oh, não seja tão desmancha-prazeres”, disse Cho brilhantemente, observando seu Patrono prateado em forma de cisne voar pela sala durante a última aula antes da Páscoa. (Ordem da Fênix, p. 606)

A Cauda Pavonis, isto é, a Cauda do Pavão é uma das imagens mais curiosas de toda a alquimia. Como observado anteriormente, a Cauda do Pavão ocorre de repente em um lampejo brilhante de cor iridescente. Isso ocorre perto do final do livro, com Harry viajando de chave de portal do Ministério de volta ao escritório de Dumbledore:

“Harry sentiu a sensação familiar de um gancho sendo puxado atrás de seu umbigo. O piso de madeira polida havia sumido sob seus pés; o Átrio, Fudge e Dumbledore haviam desaparecido, e ele estava voando para frente em um turbilhão de cores e sons…” (Ordem da Fênix, p 819)

No entanto, o estágio da Cauda do Pavão também é marcado por visões estranhas e sonhos significativos. 31 Vemos isso consistentemente ao longo do livro. Não é por acaso que a conexão de Harry com Voldemort é mais forte neste livro. Inconscientemente, o poder de Harry nesta área está crescendo rapidamente com a força de sua conexão com Voldemort, e isso é mostrado em vários sonhos muito poderosos, incluindo aquele em que Harry, como Nagini, ataca Arthur Weasley:

“O sonho mudou…

Seu corpo parecia suave, poderoso e flexível. Ele estava deslizando entre barras de metal brilhantes, através de pedra escura e fria… Ele estava deitado contra o chão, deslizando sobre sua barriga… Estava escuro, mas ele podia ver objetos ao seu redor brilhando em cores estranhas e vibrantes… Ele estava virando a cabeça… À primeira vista, o corredor estava vazio… mas não… um homem estava sentado no chão à frente, seu queixo caído sobre o peito, seu contorno brilhando no escuro…

Harry colocou a língua para fora… Ele sentiu o cheiro do homem no ar… Ele estava vivo, mas cochilando… sentado na frente de uma porta no final do corredor…

Harry desejava morder o homem… mas precisava dominar o impulso… Ele tinha um trabalho mais importante a fazer…

Mas o homem estava se mexendo… um manto prateado caiu de suas pernas enquanto ele se levantava de um salto; e Harry viu seu contorno vibrante e borrado elevando-se acima dele, viu uma varinha retirada de um cinto… Ele não teve escolha… Ele se ergueu do chão e golpeou uma, duas, três vezes, mergulhando suas presas profundamente no a carne do homem, sentindo suas costelas se partirem sob suas mandíbulas, sentindo o jorro quente de sangue…

O homem estava gritando de dor… então ele ficou em silêncio… Ele caiu para trás contra a parede… O sangue estava espirrando no chão…

Sua testa doía terrivelmente… Estava a ponto de explodir…” (Ordem da Fênix, pgs. 462-63)

Não apenas Harry se torna Nagini, ele também se torna o próprio Voldemort:

O dormitório estava vazio quando ele chegou… Ele rolou de lado, fechou os olhos e adormeceu quase imediatamente… Ele estava parado em um quarto escuro com cortinas, iluminado por um único ramo de velas. Suas mãos estavam apertadas nas costas de uma cadeira na frente dele. Eram dedos longos e brancos como se não tivessem visto a luz do sol há anos e pareciam aranhas grandes e pálidas contra o veludo escuro da cadeira. Além da cadeira, em uma poça de luz projetada no chão pelas velas, ajoelhou-se um homem de túnica preta.

“Eu fui mal aconselhado, ao que parece”, disse Harry em uma voz alta e fria que pulsava com raiva.

“Mestre, eu imploro seu perdão…” resmungou o homem ajoelhado no chão. A parte de trás de sua cabeça brilhou à luz de velas. Ele parecia estar tremendo.

Eu não culpo você, Rookwood’ disse Harry naquela voz alta, fria e cruel. Ele soltou a cadeira e caminhou ao redor dela, mais perto do homem encolhido no chão, até que ele parou diretamente sobre ele na escuridão, olhando para baixo de uma altura muito maior do que o normal…

Deixado sozinho no quarto escuro, Harry virou-se para a parede. Um espelho rachado e manchado de idade estava pendurado na parede nas sombras. Harry se moveu em direção a ela. Seu reflexo ficou maior e mais claro na escuridão… Um rosto mais branco que uma caveira… olhos vermelhos com fendas para pupilas… (Ordem da Fênix, págs. 585-86)

Ano 6: O Príncipe Mestiço:

De acordo com The Seven Stages of Alchemical Transformation (Os Sete Estágios da Transformação Alquímica), o sexto estágio é chamado de destilação ou leucose. Também chamada de Estágio Branco, a destilação é:

“… a agitação e a sublimação das forças psíquicas são necessárias para garantir que nenhuma impureza do ego inflado ou do id profundamente submerso seja incorporada ao próximo e último estágio. A destilação pessoal consiste em uma variedade de técnicas introspectivas que elevam o conteúdo da psique ao mais alto nível possível, livre de sentimentalismo e emoções, desvinculado até da identidade pessoal. A destilação é a purificação do Eu não nascido – tudo o que realmente somos e podemos ser.”

Fisiologicamente, a Destilação está elevando a força vital repetidamente das regiões inferiores do caldeirão do corpo para o cérebro (o que os alquimistas orientais chamavam de Circulação da Luz), onde eventualmente se torna uma maravilhosa luz solidificante cheia de poder. Diz-se que a destilação culmina na área do Terceiro Olho da testa, ao nível das glândulas pituitária e pineal, no Chakra Frontal ou Prata. 32

Curiosamente, a cicatriz de Harry aparece na região do Terceiro Olho ou Chakra Frontal: no meio de sua testa. Além disso, o Terceiro Olho é controlado pela glândula pineal, que os antigos egípcios consideravam um bezoar.

O Pulvis Solaris Negro é uma mistura de antimônio metálico e enxofre purificado. Esses dois se combinam para formar uma substância dura como pedra chamada bezoar (parece familiar?), que na verdade são bolas duras de comida não digerida encontradas nos intestinos; eles foram descobertos pelos antigos egípcios enquanto trabalhavam em suas múmias e acreditavam ser uma pílula mágica formada pela “serpente” no homem; ou seja, os intestinos. A mistura de óxido de mercúrio vermelho com enxofre formou um bezoar vermelho. Como sabemos desde a primeira aula de poções de Snape, acreditava-se amplamente que os bezoares eram um antídoto para a maioria dos venenos e na verdade eram prescritos pelos médicos como cura para muitas doenças. Os egípcios também procuraram uma “pílula” semelhante na “pequena serpente” do homem “o cérebro” e podem tê-la encontrado na glândula pineal. Da mesma forma que os egípcios acreditavam que os bezoares eram formados nos intestinos, eles acreditavam que o ouro era formado nas entranhas da terra. Isso deu origem à crença de que o ouro era um bezoar mineral.

Ao longo do livro vemos referências a bezoares. Ron, por exemplo, tem um encontro com um em seu aniversário:

Harry saltou sobre uma mesa baixa e correu em direção ao kit de Poções aberto de Slughorn, tirando potes e bolsas, enquanto o som terrível da respiração gargarejada de Ron enchia a sala. Então ele a encontrou – a pedra enrugada parecida com um rim que Slughorn havia tirado dele em Poções.

Ele se jogou de volta para o lado de Ron, abriu sua mandíbula e enfiou o bezoar em sua boca. Rony deu um grande estremecimento, um suspiro ruidoso, e seu corpo ficou flácido e imóvel. (Harry Potter e o Enigma do Príncipe – EDP, p. 397-98)

Psicologicamente, a destilação é a purificação das forças necessárias para garantir que nenhuma imperfeição do id e do ego sobreviva até o estágio final. 33  Através de Dumbledore, Harry se torna imune à emoção, sentimentalismo e até identidade pessoal, elevando-se ao nível espiritual mais alto possível para que possa completar sua transformação. Este é o propósito das aulas de Harry com Dumbledore. Em um nível pessoal, Harry pode se livrar de qualquer emoção ou pena em relação a Voldemort vendo até onde ele foi para alcançar seu objetivo final. Ao assumir o manto do Escolhido, Harry abandonou sua identidade pessoal (assim como Voldemort fez, mas por um motivo diferente!) e se dedicou a derrotar Voldemort para o bem de todos.

Os símbolos do estágio branco são o lírio, a lua e o pelicano. Slughorn fala sobre Lílian Potter quase incessantemente, elogiando suas habilidades como fabricante de poções e sua beleza como pessoa” e possivelmente preparando-a para um papel ainda maior no Livro 7. A lua também aparece na pessoa de Luna Lovegood, a quem Harry convida para a festa de Natal de Slughorn. Ainda outra possível conexão com o estágio branco é Gina. Em celta, seu nome completo, Ginevra, significa “espuma branca” e ela desempenha um grande papel nos acontecimentos do livro, especialmente perto do final. Mencionei no início deste artigo que a única coisa que pode emitir um fogo ácido é espuma ou um agente de terra seca; Snape representa o ácido ou vitríolo, e seu papel no assassinato de Dumbledore choca e entristece a todos. No entanto, é Gina quem faz Harry se sentir melhor e começar a aceitar sua perda. Ela o conforta e pergunta. nada dele em troca. Ela é igual a ele em todos os sentidos, e a única que pode aliviar sua raiva de Snape.

Mas a pessoa que realmente representa esse estágio é o próprio Dumbledore. Seu nome, Alvo, significa “branco”, e encontramos a palavra “alvo” espalhada pelas obras de pesos pesados ​​alquímicos como Agripa e Paracelso. Através dele, Harry aprenderá os segredos de Voldemort enquanto Dumbledore transmite seu vasto conhecimento como se estivesse passando a tocha. Este é o Pelicano, que nutre seus filhotes do próprio peito para garantir sua sobrevivência:

“O Pelicano é mostrado apunhalando seu peito com o bico e nutrindo seus filhotes com seu próprio sangue. O alquimista deve entrar em uma espécie de relação sacrificial com seu ser interior. Ele deve nutrir com suas próprias forças da alma, o embrião espiritual em desenvolvimento interior. Qualquer um que tenha feito um verdadeiro desenvolvimento espiritual conhecerá bem esta experiência. A imagem de si mesmo deve ser mudada, transformada, sacrificada ao eu espiritual em desenvolvimento. Esta é quase invariavelmente uma experiência profundamente dolorosa, que testa os recursos internos da pessoa. A partir disso, eventualmente emergirá o eu espiritual, transformado pela experiência do Pelicano.” 34

Vemos que isso é exatamente o que Harry faz. Ele deixa Gina por causa da causa, sacrificando-se ao que ele sente ser um final inevitável. E isso machuca. A traição de Snape, a morte de Dumbledore e o conhecimento de que ele é o Escolhido o forçam a deixar de lado seus desejos pessoais pelo bem do mundo bruxo. Ele não tem certeza de que sairá vivo da experiência, mas pelo menos morrerá lutando.

O assassinato de Dumbledore é o momento mais chocante do livro e talvez até de toda a série. O papel de Snape como vitríolo está chegando ao auge; ele agora é responsável por mais do que poderia levar crédito. Ele inclinou a balança do destino por suas ações, mas quando lembramos que o vitríolo é um catalisador, isso dá esperança de que ele não seja mau, afinal. Sem Snape, não há razão para Harry passar para a próxima fase, nenhum fator motivador para ele continuar a batalha. Existe a possibilidade de que ele realmente estivesse do lado de Dumbledore e que ele foi forçado a matar Dumbledore pelo Voto Inquebrável. De qualquer forma, seu papel no livro final será crucial” o final da série dependerá das ações e lealdade de Snape.

Perto do final do livro temos a sensação de que a fase branca está acabando e a fase vermelha está amanhecendo. Várias coisas apontam para isso, entre elas a morte de Dumbledore. Em Ordem da Fênix, o estágio negro, o nigredo, terminou com a morte de Sirius e o estágio branco, o albedo, começou com a bomba de Dumbledore sobre a profecia. Em O Enigma do Príncipe, o estágio branco termina com a morte de Dumbledore e o estágio vermelho, o rubedo, começa com a pessoa que será a mais importante na transformação final: Hagrid.

Após a morte de Dumbledore, Harry escorrega em sangue enquanto corre atrás de Snape e Malfoy. (EDP, p. 600). Quando ele chega ao hall de entrada, ele vê os rubis da ampulheta da Grifinória espalhados por todo o chão. (EDP, p. 601) Harry aponta um jato de luz vermelha para Snape para impedi-lo de escapar. (EDP, p. 602) Ele persegue Snape e Malfoy até a cabana de Hagrid, onde ele eventualmente ajuda Hagrid a apagar o fogo feito pelos Comensais da Morte. (EDP, p. 606) A aparição de Hagrid em si anuncia o fim do estágio branco e o início do vermelho; O nome de Hagrid, Rúbeo, significa “vermelho”. Harry permanece com Hagrid durante todo o caminho até o castelo, e é Gina (uma ruiva) que o leva para longe do corpo de Dumbledore.

Após a presença constante de Hagrid ao longo da série, em O Enigma do Príncipe ele se destaca apenas por sua ausência. E, no entanto, daqui em diante ele está em quase todas as cenas pelo restante do livro. Rowling se esforça para nos mostrar sua importância; durante a reunião com Slughorn, Sprout e os outros professores restantes, McGonagall pede especificamente a opinião de Hagrid. O que ele pensa e sente tem um grande peso, e continuará a sê-lo durante o livro final.

Havia alguns sinais de que Dumbledore morreria neste livro. Em memória de Bob Ogden, Ogden se aproxima da casa de Gaunt e vê uma cobra pregada na porta. Na alquimia, a morte de um rei era anunciada exatamente por uma imagem assim: uma cobra pregada a uma porta ou a uma cruz. Embora saibamos por Lupin que não existe realeza no mundo bruxo, Dumbledore é sem dúvida a coisa mais próxima da realeza na série. Sua graça e nobreza de espírito o diferenciavam de outros bruxos e, de fato, de outros seres humanos, bruxos ou trouxas. E Dumbledore frequentemente usa roxo; isso ocorre não apenas em O Enigma do Príncipe, mas também nos outros livros. Roxo é a cor da realeza.

A Morte do Rei simboliza a sublimação da matéria. Dependendo do seu ponto de vista, a Morte do Rei pode ser tomada como a crucificação de Cristo, quando Cristo teve que se sacrificar antes de se tornar um com Deus. No entanto, tradicionalmente o Rei é uma metáfora para o ego; ao matar o rei, o ego morre também, e qualquer sentimentalismo em relação à tarefa em mãos desaparece. Harry fará o que deve; ele tem que fazê-lo, ou tudo o que ele conhece e ama desaparecerá.

Em um obscuro texto alquímico chamado Lexicon alchemiæ sive dictionarium alchemisticum, cum obscuriorum verborum, et rerum Hermeticarum, tum Theophrast-Paracelsicarum phrasium, planam explicationem continens (Alchemical Lexicon, o Léxico Alquímico), Ruland diz sobre a prima materia: de Deus que se chama Matéria Primordial, especialmente quanto à sua eficácia e mistério, que lhe deram muitos nomes e quase todas as descrições possíveis, pois não souberam louvá-lo suficientemente”. 35 Ele continua mencionando que um dos nomes dados à matéria prima é “veneno, veneno, chambar, porque mata e destrói o Rei, e não há veneno mais forte no mundo”. Isso possivelmente alude à poção que Dumbledore bebeu na caverna. Se aceitarmos que Dumbledore é um rei, podemos ver que a pedra é tão capaz de matar quanto de curar, uma propriedade geralmente atribuída ao Santo Graal. Ruland continua dizendo que também é chamada de “Água da Vida, pois faz com que o Rei, que está morto, desperte para um modo melhor de ser e viver. É o melhor e mais excelente remédio para a vida da humanidade.” Ele também o chama de espírito, “porque voa para o céu, ilumina os corpos do Rei e dos metais e lhes dá vida”. Após a morte de Dumbledore, sua alma se eleva de seu corpo na forma de uma fênix; ele encontrou seu ouro e atravessou para o outro lado – um modo de vida melhor, de acordo com os textos religiosos. Ele também aparece como um retrato, então ele não se foi completamente, embora ele não possa mais ajudar Harry da maneira que fazia antes.

Estágio 7: Coagulação (Harry Potter e o …):

Como obviamente ainda não sabemos o que o Livro 7 contém, é hora de fazer um pouco de teorização e tentar prever o que pode acontecer. Mas primeiro, vamos definir o sétimo estágio e as transformações que precisam ocorrer antes que Harry possa alcançar a iluminação.

O Estágio Vermelho, o último e último estágio da transformação alquímica, é chamado de coagulação, quando os elementos dos seis primeiros estágios se unem no mais alto estágio de perfeição. Ela libera a Ultima materia da alma – o Corpo Astral, que é a Pedra Filosofal. Com a Pedra, os alquimistas acreditavam que poderiam existir em todos os planos da realidade.

A maioria das pessoas geralmente experimenta este estágio pela primeira vez como uma nova confiança em si mesmo, a sensação de que você pode fazer qualquer coisa, embora muitos o experimentem – como um Segundo Corpo de luz dourada coalescida, um veículo permanente de consciência que incorpora as mais altas aspirações e evolução da mente.” 36

A coagulação é representada pelo Pulvis Solaris Vermelho, que na verdade era um bezoar vermelho ou uma mistura de enxofre puro e óxido de mercúrio. Pulvis solaris significa “Pó do Sol”, e os alquimistas acreditavam que aperfeiçoaria instantaneamente qualquer composto. A fênix, que simboliza a vida, ressurreição e reencarnação, também representa esta etapa. Os primeiros cristãos consideravam a fênix uma criatura real e equiparavam sua canção com o Espírito Santo.

Então, que coisas DEVEM ocorrer alquimicamente no último livro?

  1. A fênix de alguma forma deve aparecer no livro final.

Convenientemente, já temos uma fênix na forma de Fawkes, embora não tenha certeza de qual papel ele desempenhará no livro final. No final de O Enigma do Príncipe, Harry ouve o Lamento da Fênix e se sente renovado quando sua dor começa a se dissipar:

“Em algum lugar na escuridão, uma fênix estava cantando de uma forma que Harry nunca tinha ouvido antes: um lamento ferido de terrível beleza. E ele sentiu, como havia sentido sobre a canção da fênix antes, que a música estava dentro dele, não fora. Foi sua própria dor que se transformou magicamente em música que ecoou pelos jardins e pelas janelas do castelo.” (EDP, págs. 614-15)

No entanto, Harry sente que Fawkes deixou Hogwarts para sempre.

Deitado ali, percebeu que o terreno estava silencioso. Fawkes tinha parado de cantar.

E ele sabia, sem saber como ele sabia, que a fênix tinha ido embora, tinha deixado Hogwarts para sempre, assim como Dumbledore tinha deixado a escola… tinha deixado Harry. (EDP, págs. 631-32)

Recentemente, uma teoria interessante surgiu em torno do Leaky. Essa teoria diz que o patrono de Harry mudará de um veado para uma fênix no decorrer do livro final. Isso faz muito sentido. Vimos que o patroni pode mudar quando o mago está sob grande tensão ou recebe um forte choque emocional. Por que não pode mudar quando uma pessoa endurece sua determinação de lutar até a morte? Ele não está mudado por dentro, assim como um bruxo deprimido ou chocado? Não acho que essa ideia seja muito absurda e pode muito bem acontecer. Outra ideia sobre Fawkes é o fato de que em Câmara Secreta e Ordem da Fênix, Fawkes chegou em cima da hora para salvar o dia de Voldemort. Talvez ele faça isso de novo. Fawkes é atraído pela lealdade a Dumbledore, e Harry afirmou em várias ocasiões que ele é leal a Dumbledore, chegando ao ponto de dizer a Rufus Scrimgeour que ele é “o homem de Dumbledore por completo”. Essa lealdade vai nos dois sentidos, no entanto. Dumbledore era tão ferozmente leal a Harry quanto Harry é a ele. Em O Enigma do Príncipe, quando Dumbledore pede a Harry para obter a memória Horcrux de Slughorn, Fineus Nigellus pergunta por que ele acha que Harry seria capaz de fazer melhor. Dumbledore responde: “Eu não esperava que você entendesse, Fineus”. (Ordem da Fênix, p. 372) Mais tarde, após a cena da caverna, Harry diz a Dumbledore para não se preocupar e que tudo ficará bem. Dumbledore se vira para Harry e diz: “Não estou preocupado, Harry, porque estou com você”. (EDP, p. 578) Fawkes pode pegar esse vínculo entre diretor e aluno e decidir ir para Harry.

  1. O Grande Casamento – a união do Rei Vermelho e da Rainha Branca.

É o casamento de mercúrio e enxofre, sol e lua, masculino e feminino, ouro e prata. E temos um casamento desses chegando: Gui Weasley, o Rei Vermelho, e Fleur Delacour, a bruxa parte-Veela da Escola de Beauxbatons, a Rainha Branca. Na mitologia grega, o deus do sol Apolo era chamado de “quebrador de maldições” ou “quebrador de juramentos”. Que apropriado que Gui fosse um quebrador de maldições para o Banco Gringotes e tivesse o cabelo da cor do fogo. Prata é a cor da lua, e Fleur é descrita como tendo cabelos loiros prateados, devido a sua ascendência Veela. Da união do rei e da rainha surge a Criança Simbólica, a Criança Hermafrodita do Sol e da Lua. Uma criança coroada ou vestida com mantos roxos significa Sal ou Pedra Filosofal. O nascimento de tal criança representaria uma nova ordem mundial, de paz e harmonia. Procure essa possibilidade no último livro!

Mas há outros Reis Vermelhos e Rainhas Brancas: Rony e Hermione e Tiago e Lílian. Ron e Hermione representam o Casal Brigante, da notória relutância do mercúrio e do enxofre em combinar quimicamente. Procure por Ron e Hermione para deixar suas diferenças de lado e finalmente se tornar um casal depois de seis livros de guerra e ciúmes quase constantes. No entanto, eu não acho que Ron e Hermione terão um filho, pelo menos não ainda. O filho de sua união será Harry como a quintessência, assim como ele é literalmente o filho simbólico de Tiago e Lílian. Harry, para o mundo bruxo, representa aquele que colocará o mundo em ordem e inaugurará a paz e a prosperidade que ele buscou por tanto tempo.

  1. A unidade das quatro casas.

Se Harry é a quintessência, então ele tem o poder de juntar todos os elementos em um. Uma vez unificados, eles terão uma chance muito maior de derrotar Voldemort. No entanto, os Sonserinos são um problema. A única maneira de eles se unirem sob uma bandeira é se Draco de alguma forma conseguir convencê-los; ele é seu líder de fato e eles o seguirão. O outro candidato é Slughorn. Ele pode ser um sonserino, mas é um homem decente que realmente lamenta sua parte na criação de Lord Voldemort. De qualquer forma, a Sonserina deve se juntar às outras casas. Só então o poder de Harry será suficiente para derrotar Voldemort.

  1. A iluminação de Harry.

Este é todo o propósito da série; isso tem que acontecer. Acredito que isso não acontecerá até perto do final do livro, e ocorrerá de uma só vez. Os alquimistas sempre afirmaram que a iluminação, se e quando vier, aconteceu de repente e rapidamente. Eles ficaram surpresos com a simplicidade da resposta a todas as suas perguntas. O mesmo será verdade com Harry. Quando finalmente chegar, ele ficará surpreso ao saber que este é o poder que ele tinha dentro dele o tempo todo, e ele o usará para derrotar Voldemort de uma vez por todas. Como citado anteriormente, a iluminação às vezes era experimentada como “como um segundo corpo de luz dourada coalescida, um veículo permanente de consciência que incorpora as mais altas aspirações e evolução da mente”.

Então, o que acontece após a transformação final? A resposta pode ser resumida em um pequeno parágrafo do The Chemical Arcana (O Arcano Químico):

Depois que a reação final termina, a única coisa que resta é uma solução fraca de ácido sulfúrico e uma variedade de compostos de sódio. Os alquimistas acreditavam que a Quintessência era um desses compostos de sódio, um “segundo corpo” de Natron, ou Natrão, formado durante o experimento. Esta quinta essência estava além dos Quatro Elementos e exibia uma durabilidade e permanência que faltavam aos outros elementos. Para os alquimistas, esses sais inertes representavam um corpo ressuscitado e incorruptível.

Infelizmente, isso parece implicar que Hagrid não viverá. Eu tenho procurado alto e baixo por evidências que digam sem dúvida que ele vai conseguir, mas até agora não encontrei nenhuma. Eu realmente espero estar errado, mas acredito que Hagrid vai morrer. Snape, por outro lado, vai conseguir, e por algumas razões:

  1. “A única coisa que resta é uma solução fraca de ácido sulfúrico…” Snape, como mencionado várias vezes, representa ácido sulfúrico e vitríolo.
  1. Snape é o catalisador. Em uma reação química, um catalisador é definido como:

* Substância, geralmente presente em pequenas quantidades em relação aos reagentes, que modifica e principalmente aumenta a velocidade de uma reação química sem ser consumida no processo;

* Aquele que precipita um processo ou evento, especialmente sem ser envolvido ou alterado pelas consequências. 37

O catalisador não é alterado nem destruído pela reação, embora os reagentes ao seu redor sejam. Acredito que Snape sobreviverá, mas sua personalidade não sofrerá nenhuma alteração drástica. Ele ainda será maldoso, amargo, mordaz e mesquinho com Harry, mas eles podem chegar a um entendimento e pelo menos não se odiarem. Dadas as circunstâncias, acredito que é o melhor que se pode esperar.

E os outros? Neste momento é difícil dizer sem mais pesquisas. Há alguma evidência de que Ron/Hermione ou Gui/Fleur não viverão, embora eu acredite que um dos Weasleys morrerá. Harry é outro assunto. Acredito que ele pode ter que se sacrificar para conseguir o ouro; no entanto, esse sacrifício pode ser simbólico e não literal. Se, como suspeito, o véu está envolvido, então isso é inteiramente possível. Lembre-se, também, que devemos ver Sirius novamente, porque o sal é o começo e o fim da Grande Obra. Acredito que Harry verá Sirius do outro lado do véu, e Sirius o ajudará a decidir se continua ou se volta. Se tivermos em mente, no entanto, que os sais inertes permanecem na solução de ácido sulfúrico como a quintessência, então Harry será “ressuscitado”; ele pode morrer simbolicamente e renascer em um estado iluminado de consciência.

O que Voldemort fará neste livro? Podemos apenas adivinhar, mas suspeito que entre tentar matar Harry ele pode estar ocupado tentando fazer sua própria Pedra Filosofal. A série começou com a Pedra e terminará com ela, na minha opinião, e pode ser aí que Lílian finalmente entra. Acredito que há muito mais nela do que nos disseram, e sua aptidão em Poções sugere seu possível conhecimento de alquimia. Há muitas evidências para sugerir que Voldemort também está familiarizado com tradições e princípios alquímicos, então teoricamente não há nada que o impeça de fazer uma Pedra Filosofal por conta própria. Se ele suspeitar que suas Horcruxes estão sendo destruídas, ele pode decidir pela Pedra como um plano alternativo.

Em Cálice de Fogo, Voldemort nos conta que a poção que o manteve vivo consistia em sangue de unicórnio e veneno de cobra. Esses dois ingredientes são, segundo Valentine, componentes da Pedra Filosofal. Mas faltam ingredientes-chave: sangue de dragão e algo da fênix. O leitor se lembrará da Parte II que sangue de dragão é outro nome para cinábrio ou sulfeto de mercúrio; é a matéria prima para criar a Pedra. Mas onde está? Em seis livros, ainda temos que ver, além de uma menção no primeiro livro sobre o cartão Sapo de Chocolate de Dumbledore. Parece que para Harry completar sua transformação, o sangue de dragão deveria estar envolvido no último livro. Isso pode acontecer de várias maneiras: de Slughorn, que tem um frasco empoeirado; ou de Charlie Weasley, que trabalha com dragões na Romênia. Seria fantástico, na minha opinião, se Harry adquirisse o sangue do dragão de ninguém menos que Norbert, o animal de estimação de Hagrid.

Na 12ª Chave de Valentim, ele menciona a fênix como sendo crucial para a conclusão do Elixir da Vida, mas não especifica exatamente qual parte da fênix é tão importante. Além disso, ele é bastante explícito sobre os perigos da 12ª Chave se for feito incorretamente. Em poucas palavras, o alquimista selou seu próprio destino. Mas como a fênix afetaria o desfecho da história? Há a questão das varinhas de Harry e Voldemort: ambas têm penas de cauda do próprio Fawkes. Assim, os destinos de Harry e Voldemort podem estar de alguma forma ligados à relação entre suas varinhas e Fawkes. Por outro lado, vimos na Câmara Secreta que as lágrimas de fênix têm poderes curativos; sem elas, Harry teria morrido então.

Então Voldemort estará muito ocupado neste livro! No entanto, todas as suas intrigas e planejamentos não darão em nada; Voldemort vai morrer. É a única conclusão lógica da série, e ele morrerá de tal forma que impossibilitará seu retorno. Vou deixar para a imaginação de Rowling como isso vai acontecer, mas não ficaria surpreso se uma combinação do poder de Harry como a quintessência e a música de Fawkes tivesse algo a ver com isso. Como a quintessência, Harry é incorruptível e puro de espírito; ele poderia invadir a mente e a alma de Voldemort e não sofrer nenhum dano a si mesmo. A canção da Fênix, como mencionado anteriormente, foi considerada como o Espírito Santo pelos primeiros cristãos, e infunde medo e terror nos corações dos indignos. Uma combinação dessas duas coisas pode causar a queda de Voldemort, e somente no final ele perceberá sua perda de humanidade e alma. Eu sinceramente espero que Tom Riddle, se não Lord Voldemort, tenha a chance de redenção, mesmo que ele escolha não aproveitá-la. Acredito que seria um final adequado para uma série que valoriza o amor, a amizade, a lealdade e o perdão.

JK Rowling deu a Harry uma tarefa aparentemente impossível. Para finalmente derrotar Voldemort, Harry deve embarcar em uma jornada de autodescoberta e autorrealização para alcançar uma perfeição que poucos alcançam. Seu sucesso depende de seu contínuo crescimento espiritual, emocional e psicológico; ele deve lembrar que precisa de seus amigos e, como quintessência, ele é o único que pode finalmente unir as quatro casas de Hogwarts em uma única frente na luta. Usando suas consideráveis ​​habilidades como bruxo e nutrindo seu poder interior de amor e perdão, Harry continuará a crescer e finalmente alcançará o ouro. No final, ele será a personificação viva da Pedra Filosofal, exatamente como Dumbledore pretendia. Ao tecer os fios da alquimia através dos romances, Rowling cria um mundo rico cheio de alegorias e simbolismos enquanto planta dicas de eventos futuros com tanta habilidade que não é de admirar que mal podemos esperar para colocar as mãos no próximo.

Figura 2: As Etapas da Alquimia e seus Símbolos, Planetas Regentes e Metais.

ESTÁGIO COR ELEMENTO SUBSTÂNCIA SÍMBOLOS PLANETA REGENTE METAL
Calcinação Magenta, vermelho-púrpura Fogo Dragão, sapo Saturno Chumbo
Dissolução Azul-claro Água Banheiras, fontes Júpiter Estanho
Separação Vermelho-alaranjado Ar Lobo, cachorro Marte Ferro
Conjunção Verde Terra Corvo negro, o Ovo de Griffin Vênus Cobre
Fermentação Turquesa Sal Pavão, Rei, esqueletos Mercúrio Mercúrio
Destilação Azul-escuro Mercúrio Lírio, Lua-Luna, Rainha, Pelicano, bezoar, fontes Lua Prata
Coagulação Violeta, púrpura Enxofre Fênix, Pulivs Solaris Vermelho, coroas Sol Ouro

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/alquimia-e-harry-potter-parte-ii/

A Besta 666

A herança de Aleister Crowley na magia, é uma das jóias do ocultismo moderno.

O legado de experiências magicas documentadas, assim como de material sobre o mesmo é um fato inquestionável. Crowley foi tudo que o ocultismo moderno quer ser – pioneiro, caótico e (r)evolucionário. Porém, nem tudo são flores.

Qualquer pessoa que tenha lido sobre Aleister Crowley, já percebeu certos fatores desconcertantes. O uso de drogas pesadas não é o suficiente para surpreender ninguém, já que no inicio do próprio uso, Crowley acreditava que uma Vontade Forte dominaria, não seria dominado – erro qual ele passou boa parte da vida lutando contra – o Diary of Dope Fiend, descreve bem todo esse momento. Logicamente, algo mais idiossincrático que o próprio Criador da Thelema (ou receptor, como os mais evangélicos denominam), a busca nessa pequena dissertação é apenas uma – mostrar, de uma perspectiva largamente inflada por ceticismo.
Vale lembrar que isso não justifica seus escritos, muito menos os invalida. O objetivo é apenas mostrar um lado que exige, uma leitura atenciosa de suas obras e que quase sempre os estudantes insistem em negar ou distorcer (e olhe que de distorção, ele foi realmente um mestre – e alguns discípulos estão indo bem) para adequar sua visão, digamos inocente, para não usar outro termo pejorativo, de quem foi.
Os escritos e o legado mágicko foi real. E a sujeira, teoricamente, apagada com o tempo.  Um das coisas mais estranhas do Ocultismo Moderno são os “Thelemitas que não gostam de Crowley” que justificando isso através das más ações do bad boy tentam, de forma simplória, separar o Eu-Mágicko do Eu-Ego.

Para isso, basta lembrar que em Magical Diaries of the Beast, no dia 22 de Outubro de 1920, Crowley disse;

“Eu sou a Besta… Eu sou a Thelema.”

To Mega Hupokrisis 666

 

“Hipocrisia é uma virtude que nos permite pregar o bem mesmo quando praticamos o mal .” -Tamosauskas

Qualquer um que revirar fundo atrás de “Thelema”, vai encontrar o nome “sir Francis Dashwood”. Não somente “Thelema”, como tambem o lema “Faça o que quiser”, em seu HellFire Club. Para não ser pré-julgado, vamos revirar um pouco de história – o sir Francis Dashwood nasceu em dezembro de 1708, seu pai faleceu quando ele possuía 15 anos, assim dando á ele o titulo de Baron e as terras de seu pai. Ele atuou como uma espécie de sumo sacerdote nas missas do Hellfire Club. No livro de Horace Wapole, Memórias de George III, descreve Dashwood e sua busca por notoriedade; “Ele possuía reputação pela Europa por causa de suas aventuras. Ele vagava … de tribunal para tribunal em busca de notoriedade. Na Rússia, ele se disfarçou de Charles XII e nesse caráter inadequado aspirava  ser o amante da Czarina Anne. Na Itália, seus ultrajes sobre religião e moralidade levou à sua expulsão dos domínios da Igreja.” Na tradução da biografia feita por R.C. Zarco para a Morte Súbita Inc., podemos ler o seguinte;

” ‘O infame Hell Fire Club de West Wicombe, organizou missas negras celebradas sobre os corpos desnudos de garotas recrutadas entre os locais camponeses.Era costumeiro aos que participavam de tais ritos,sorverem um pouco de vinho consagrado do umbigo destas garotas.A decoração interna do clube era alguma cousa incrível até mesmo para esta era degenerada;por exemplo,uma lanterna padrão consistia de um enorme morcego artificial completado com um pênis erecto.Essencialmente,as cerimônias eram criadas para servirem de paródia ao ritual orthodoxo da Igreja Católica Apostólica-Romana,mas aqui os participantes variavam suas atividades entre a luxúria e a cantoria de um lascívio hino.Lindas mulheres,totalmente nuas abaixo de robes de freiras,submetiam-se jubilosamente aos cuidados da gangue selvagem, que também tinha o incesto como uma de suas práticas correntes.É pouca surpresa que muitos dos participantes homens já eram impotentes quando atingiam trinta anos de idade.’ Este vívido relato das horas de lazer de Sir Francis Dashwood e seus amigos pode ser achado no ‘O Mundo Negro das Bruxas’,publicado em 1962,por Eric Maple.
(texto integral aqui )

Cremos que por aqui, algumas leves semelhanças foram notadas – o ultraje a religião de Crowley, assim como sua expulsão (ainda que por motivos teoricamente “diferentes”) da Italia. Mas vamos continuar, Dashwood, tem muito mais para nos fornecer. Vamos um pouco mais fundo.

Sir Francis Dashwood, seguiu as ideias de um homem mais pervertido que ele. Seus nome, François Rebelais, foi o primeiro a usar a palavra Thelema e a própria em um dos seus primeiros escritos, (chamado ‘Gargantua and Patagruel’) descreve algo um pouco peculiar – através da critica a sociedade em que vivia, ele escreve sobre a Abbey of Thelema. Um local aonde você poderia ( e deveria ) fazer o que quiser. Nas palavras do livro, “Os habitantes da abadia eram governados apenas por sua própria vontade e prazer, a única regra é “Faça o que tu queres”. Rabelais acreditava que os homens que são livres, bem nascidos e criados têm honra, que intrinsecamente leva a ações virtuosas. Quando restritos, os seus nobres naturezas transformar em vez de remover sua servidão, porque os homens desejam que eles são negados”.

Comparando ao Liber Al Vel Legis;

I:40.  Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

I:41. A palavra de Pecado é Restrição

Logicamente que, tantas “semelhanças” não iriam passar batido. Os thelemitas modernos aceitam Rebelais como um Santo. Exatamente essa palavra. No Liber XV, em sua missa gnóstica podemos ler o seguinte;

DIÁCONO
Senhor de Vida e Alegria, que és o poder do homem, que és a essência de todo  verdadeiro deus que está sobre a face da Terra, conhecimento contínuo de  geração a geração, tu adorado por nós em brejos e nas florestas, em montanhas e nas cavernas, abertamente nos mercados e secretamente nas câmaras de nossos lares, em templos de ouro e marfim e mármore, assim como nestes outros templos de nossos corpos, nós dignamente comemoramos aqueles ilustres que te adoraram na antiguidade e manifestaram tua glória diante dos homens, Laio–Tse e Siddartha e Krishna e Tahuti, Moshe, Dionysius, Mohammed e To Mega Thérion, com estes também, Hermes, Pan, Priapus, Osíris e Melchizedek, Khem, e Amoun e Menthu, Héracles, Orpheus e Odysseus; com Vergilius, Catullus, Martialis, Rabelais (…) 


Ó Filhos do Leão e da Serpente! Nós dignamente comemoramos todos os Teus Santos, 
aqueles dignos que foram e são e serão.

 
Liber XV – Ecclesiæ Gnosticæ Catholicæ Canon Missæ e o  Agape Vel Liber C Vel Azoth Crowley usavam o Cristianismo como uma metáfora para sua maior forma de magicka. O Liber XV, além de um grimório e ritual, continha nas entre linhas todos os segredos da Thelema. O mais incrível de observar é que, praticamente todos os escritos de Crowley continham magia sexual velada. “Semelhança” ou não, Crowley “repetia os mesmos rituais” do Sir Francis Dashwood. A menos que Dashwood tenha avançado no tempo, já que ele nasceu 1708 e Crowley e em 1875, Crowley claramente se “inspirou” no Sir Francis. Hellfire Club, ficou extremamente conhecido pela Inglaterra por seus rituais e políticos importantes da época participavam das loucuras de Dashwood. (A Abadia de Thelema da Sicília, tambem e rendeu a expulsão de Crowley da Itália).
Não há como negar que Crowley deve ter absorvido de lá. Muita coisa. Tanto que no livro Antecedents of Thelema(1926), Crowley cita Dashwood. E o Biografo do Crowley, Lawrence Soutin, em seu livro  Do What Thou Wilt: A Life of Aleister Crowley, tambem.
A parte interessante, é que Crowley materializou completamente as ideias de Rebelais e assim como Dashwood em suas missas satânicas, Crowley parecia disfarçar sua adoração ao demônio.  O próprio Aiwaz (ou Aiwass, Aiwas ) ele alegava ser uma deidade suméria chamada Shaitan (?). Mas Crowley nunca alegou adorar demônio algum e era totalmente contra praticas de magia negra. Ele utilizava essas metáforas mais obscuras para resguardar seus segredos mágicos, como podem ver no segredo do oitavo grau, velado no texto “Dos Casamentos Secretos dos Deuses com os Homens” . Sobre ser um mago negro, escreveu um texto sobre ao qual, copiarei um pequeno trecho;
“Eu tenho sido acusado de ser um “mago negro”. Nenhuma afirmação mais tola do que essa já feita foi sobre mim. Desprezo a coisa de tal forma que mal posso acreditar na existência de pessoas tão corrompidas e idiotas para praticá-la.” (Link do texto integral aqui)
Mais adiante, em um texto chamado, Sobre Magia Negra, Crowley afirma;

O ritual supremo é o alcance do conhecimento e conversação com o santo anjo Guardião. É a elevação completa do Homem em linha reta vertical. Qualquer desvio desta linha tende a se tornar magia negra. Qualquer outra operação é Magia Negra.

O que parece uma linha de conduta, na verdade demonstra uma grande, grande hipocrisia. Crowley foi um grande hipócrita, não somente nesse ponto. De inicio, vamos começar por um dos diários mais conhecidos dele – Magical Diaries of Aleister Crowley, 1923 – Stephen Skinner, ele enumera em uma pequena lista o numero de operações do Crowley. Entre operações de sabedoria, força magica, adquirir compreensão dos mistérios dos graus, encontramos, uma das praticas mais comuns de magia “negra” – Fascínio. E essa pratica não é feita aleatoriamente. São 22 registros sobre. E não precisa ir muito fundo para encontrar, logo na introdução essa lista é apresentada. A Magia de Amor, de Fascínio, é uma das praticas intituladas negras, já que, está restringindo a vontade de outrem.

Vamos de novo, aquela frase inicial – I:41. A palavra de Pecado é Restrição

Pois bem, seria cômico, se não trágico saber que em seu Liber Librae, Crowley relatava o seguinte;

20. Então, irás tu gradualmente desenvolver os poderes de tua alma, e encontrar te a comandar os Espíritos dos elementos. Por que esteves a convocar os Gnomos para alcovitar tua avarice, tu não irias mais comandá-los, mas eles te comandariam. Abusarias dos puros seres dos bosques e das montanhas para encher teus cofres e satisfazer tua fome de Deus? Rebaixarias os Espíritos do Fogo Vivo para servir a tua ira e ódio? Violarias a pureza das Almas das Águas para alcovitar teu desejo de devassidão? Forçarias os Espíritos da Brisa Noturna para servir a tua loucura e capricho? Saiba que com tais desejos tu podes apenas atrair o Fraco, não o Forte, e naquele caso o Fraco terá poder sobre ti.

No livro do Stephen Skinner as operações são baseadas em magia sexual. Ele nunca usaria nenhum elemental para satisfazer seus desejos por ouro. Será? No livro Magical Diaries of The Beast 666, do John Symonds e Kenneth Grant – Aleister, oferta o exilir para ICZHHCL em troca de favores dos gnomos. Sim, ele contradiz completamente o que falou no Liber Librae acima. Segue o trecho;

“Objetivo; dinheiro. Eu evoquei ICZHHCL com o objetivo de nos proporcionar favores dos gnomos. Eu ofertei parte do elixir á ele.”(Pág.15)

Observe que a hipocrisia é um assunto comum em seus escritos. No Livro Magick Book 4, encontramos trechos que podem ser chamados de ápice da hipocrisia Crowleyana. Veja á seguir;

“O primeiro grande perigo é a vaidade. Devemos estar sempre de sobreaviso quando a “lembranças” de que fomos Cleópatra ou Shakespeare.” (Memória Magicka Liber ABA Magick Book 4)

Perdoem-me minha incapacidade de relacionar uma pessoa que escreve essa frase e em seguida alega ser Edward Kelley, Papa Alexandre VI, Ankh F Khonsu, Eliphas Levi, Alessandro Cagliostro e Ge Xuan. Pesquisando cada um envolvido, você percebe que de fato, esse “grande perigo” da vaidade, foi o que o Crowley caiu. Ele dava fatos simplórios de que tem lembranças da vida de cada um, como uma tentativa de justificar tal hipocrisia alarmante. Do mesmo modo que alegava não poder usar dos gnomos para encher seu bolso e usava. Da mesma forma que, alega que o abuso da fórmula homossexual XI° é uma abominação. Mas, no livro Magical Records of the Beast, lá estava ele praticando essa fórmula a torto e direito e inclusive com desconhecidos que ele encontrava em banho turco.

É interessante notar que dessa fórmula, pulamos para outro lado obscuro de Crowley.

O Machismo 666

A ideia de que a Thelema não é machista nem sexista se inicia no Liber Al Vel Legis, aonde cita “Todo homem e toda mulher é uma estrela”. Nos comentários do livro da lei e em alguns outros escritos, encontramos referências maravilhosas sobre o poder da mulher e sua importância. Visto que Thelema, teoricamente é um Culto á Nuit/Babalon e que sua fórmula mágicka, a união heterossexual e consequente os fluidos sexuais resultantes do mesmo, são a fonte de toda vida.

Esse progresso sobre a visão do feminino, tem levado diversas mulheres a estudar e se dedicar a Lei de Thelema. Assim como a Bruxaria de Gardner, um culto a Yoni, nos remete ao prazer inconsciente aonde o homem e a mulher acabam igualando-se. Claro que assim como na Bruxaria, varias vertentes destacaram-se abrigando um femismo ao invés de feminismo. Na Thelema, como já dito, prevaleceria um culto igualitário, aonde homem e mulher, independente de sua posição ou orientação sexual, seriam ambos uma força divina. Isso aniquilava todo machismo bíblico e para a época machista em que Crowley vivia, era uma revolução.

No entanto, quando começamos a nos aprofundar em estudos de seus materiais, vemos que eles possuem classes – os de classe A, foram recebidos pelo ‘Profeta” (Crowley) e não devem ser mudados em nada, nem estilo nem palavra/letra, pois contem mistérios do Eon e da Magia dentro de seus versos.

Os de classe B, são obras “iluminadas”, como diz o site da A.A. . Os das outras classes não vem ao caso. Vamos focar numa dessas “Obras Iluminadas” – O Liber 111 Aleph.

Quero que antes de mais nada, leia alguns trechos do Liber Aleph que separei para vocês.
(E consulte a pagina, caso deseje – baixe o livro aqui)

Pag.133

 DE VERITATE QUEM FEMINAE NON DICERE LICET

Da Verdade que não pode ser contada a uma Mulher
MEU Filho Eu te peço: não importa quão sejas provocado a faze-lo, nunca digas a Verdade a uma Mulher. Pois isto é o que está escrito: Não atires tuas Pérolas aos Porcos, para que eles não se voltem contra ti e te despedacem. Vê, na Natureza da Mulher não há Verdade, nem Percepção da Verdade, nem Possibilidade de Verdade, apenas se tu lhes confias esta Jóia, elas imediatamente a usam para tua Perda e Destruição.
Pag.134

DE NATURA FEMINAE

Da Natureza da Mulher
A NATUREZA da Mulher, ó meu Filho, é como tu aprendeste em Nossa santíssima Cabala e Ela é o Vestimento em Sexo do Homem, a Imagem Mágica da Vontade de Amar dele.
Pag.169

DE FORMULA FEMINEA

Da Fórmula da Mulher

Portanto, em Magia, se bem que a Mulher exceda todos os Homens em toda Qualidade que lhe é útil para Consecução, entretanto ela Nada é naquela Obra, tal como um Homem sem mãos na Oficina de um Carpinteiro, pois ela não possui o Organismo que poderia fazer Uso desta Oportunidade.
Pag.170

VERBA MAGISTRI SUI DE FEMINA

As Palavras do seu Mestre relativas à Mulher
(…)Allan Bennett, de forma que ele me recebeu como seu Discípulo em Magia. E ele foi insistente comigo neste Assunto e veemente, adjurando seus Deuses que isto (que Eu mesmo aqui acima te declarei) era a Verdade sobre a Natureza da Mulher (acima). (…) Eu me curvo humildemente diante de Allan Bennett, e me arrependo de minha insolência, pois o que ele disse era pura Verdade.

Pag.171

DE VIA PROPRIA FEMINIS

Do Apropriado Caminho para a Mulher
É REALMENTE fácil para uma Mulher obter as Experiências da Magia, de certo Tipo, como Visões, Trances e outras tais porém, estas coisas não tomam Posse dela, para transformá-la, como acontece com os Homens, mas apenas passam como Imagens sobre um Espelho. Assim, pois, uma Mulher nunca progride em Magia, mas permanece a mesma, reta ou erradamente organizada de acordo com a Força que A move. Aqui portanto está o Limite da Aspiração dela em Magia: permanecer alegre e obediente sob o Homem(…)

Isso me soa bem contraditório com a inicial afirmação thelêmica de que todo homem e mulher é uma estrela. Afirmar que uma mulher não vai longe em magia, que deve permanecer obediente ao homem e que sem o homem ela é nada, é ao meu ver um absurdo. (Ou um conhecimento iluminado, dependendo do quanto você for evangélico)

Para quem não se satisfez com tais alardes, vamos adiante atrás de mais indícios. Dentro do Confessions, a auto biografia de Crowley, editado pelo John Symonds e Kenneth Grant, encontramos as seguintes frases;

Cap.10

  • “Está certo um homem suficientemente forte usar mulheres como escravas e objetos de prazer”
  • “A mulher é uma criatura de hábitos, isto é, de impulsos solidificados. Não tem qualquer individualidade.”
  • “Uma mulher é apenas tolerável na nossa vida se for treinada para ajudar o homem na sua obra sem qualquer referência a quaisquer outros interesses”
  • “O homem que confia em uma mulher para ajuda-lo está cavalgando em um tigre. A qualquer momento ela vai trai-lo”
  • “A mulher é fundamentalmente incapaz de compreender a natureza do trabalho”
  • “O papel dominante da mulher sempre será a maternidade.”
  • A Monogamia é um erro pois deixa o excesso de mulheres insatisfeita.
Devido ao tamanho do Confessions, quase ninguém que lê percebe essas falácias. Mas a parte mais interessante disso tudo, é que, devido a inclinação homossexual dele, ele negava o poder feminino e usava-o como uma extensão do Falo. O poder da Mulher, de seu corpo e fluidos, foi amplamente explorado por Kenneth Grant em sua OTO Typhonian. Até então Crowley não alarmava tanto sobre os fluidos femininos, exceto um, ao qual ele fez inúmeras experiências para atrair dinheiro – o elixir rubeus.
“III; 24. O melhor sangue é o da lua”
Sangue lunar ou sangue da Lua, é a menstruação. Crowley construía seus bolos de Luz consagrando-os com sêmen e menstruo, para então come-lo. Ou misturando-os (fluidos e menstruo) em uma taça com alguma bebida, o adepto deveria então mentalizar o seu desejo e então beber até a ultima gota, como Crowley diz sobre o Elixir dentro do De Ars Magica. Com exceção desse fluído, nos trechos acima fica claro o papel da mulher para Crowley.

 Victor Neuburg


“Meu instinto homossexual me dá a ideia de admiração estética. Se um homem come uma mulher, ele a admira esteticamente. Quando um homem me come, eu sei que ele faz isso porque sou lindo”
– Aleister Crowley  (Magical Diaries of Aleister Crowley, Stephen Skinner – pag. 35)

Crowley afirmava claramente na introdução do seu diário de 1916 “Estou inclinado a acreditar que o grau XI° é superior ao grau IX°… Oh como o Olho de Hórus é superior á Boca de Ísis”. As duas metáforas principais do grau XI° da OTO são; o Olho de Hórus ( ânus ) e o Olho que Chora ( pênis). No Cap.61  do Liber 333, temos uma das referências mais notáveis (e claras) disso;

“Tu, Garoto Safado, tu abriste o olho de Hórus ao Olho Cego que chora!”

O vício do Crowley por pênis é evidente. Ele foi passivo em suas relações sexuais com homens. De sua assinatura, aos sinais ritualísticos e rituais, todo poder do Crowley se baseia numa evidência. O poder do Sol, o falo, o gerador da vida. Além de seu affair durante os estudos da faculdade, Crowley teve outro homem-parceiro-discípulo-affair  o sr. Victor Benjamin Neuburg.

Segundo o livro de Francis King, Magical World of Aleister Crowley, Crowley e C.G. Jones foram inicialmente os dois únicos membros da A.A., até que eles adquiriram dois discípulos, Capitão J.F.C. Fuller, um jovem oficial da infantaria que eventualmente se tornou major-general, um expert em tanque de guerra e amigo pessoal de Adolf Hitler e Victor Neuburg, um jovem poeta que foi um judeu ortodoxo mas se tornou agnóstico.

Os dois últimos foram amigos na graduação em Cambridge. Através da sugestão de Fuller, Crowley conheceu Victor, entrando no quarto dele em Cambridge e se apresentou. Nessa época, Neuburg achou em Crowley tudo que procurava em poesia e principalmente em magia e logo então se tornou probacionista da A.A. O relacionamento dos dois aos poucos ganhou aspectos problemáticos. Crowley era um sado-maso e demonstrava isso nas humilhações que fazia com Neuburg e nas que obrigava Neuburg fazer com ele. Em nome do aniquilamento do ego.

Na pagina 47 desse mesmo livro, um aspecto obscuro de Crowley é revelado – o racismo. O trecho é transcrito a seguir em uma tradução livre.

Uma noite, por exemplo, Crowley foi até o quarto de Victor e começou a bater na bunda dele com urtiga (urtiga dioica). Em outra ocasião, ele começou a fazer comentarios agressivos anti-semitas. Isso teve um impacto muito maior que a violência física.

“Meu nobre guru foi desnecessariamente grosso e brutal. Eu não sei o porquê. Ele provavelmente não sabe. Ele aparentemente fez isso somente para se divertir e passar o tempo.Seja como for, eu não vou mais insistir nisso. Ele tem sido brutal comigo na prerrogativa de eu pertencer a uma raça inferior. É o limite da maldade desprezar o homem por sua raça. Não há desculpas para isso. É mesquinho abusar da posição de guru (…) Se não fosse pelo meu voto, eu não viveria mais na mesma casa que ele. Minha família e raça foram perpetuamente insultados.”

Além de sexo casual em honra a Pã, Victor fez parte dos trabalhos mais importantes de Crowley – A evocação e domínio de Choronzon, a viagem pelos Aethrys Enochianos, as publicações do Equinox e o Liber CDXV, Opus Lutetianum – A Operação de Paris – trabalho ao qual, Crowley modificou sua visão de Deuses, descrito em Magick Book 4, de “Forças da Natureza” para “Espíritos Reais” – isso é, passiveis de aparição, comunicação E possessão, como foi relatado nesse Liber.

Uma curiosidade interessante é que no Magick Teoria e Prática, Crowley relata que foi até o apartamento de uma Circe e traçando o simbolo de Saturno em sua porta, em 24 horas ela atirou em si mesma. O fato é, que essa “Circe” na verdade era uma mulher pelo qual Victor estava apaixonado. Transcrevo e traduzo a pagina 91 do livro Magical World of Aleister Crowley, do Francis King ;
“‘Ione de Forest “era o nome artístico adotado por Joan Hayes, uma ex-aluna da Academia Real de Arte Dramática (…) Ela tinha tomado parte nos ritos de Elêusis, sem ter qualquer interesse prévio, conhecimento do ocultismo em geral ou magia em particular. Ela tinha simplesmente respondeu a um anúncio no palco e de lá 
passou a dançar como várias deusas sob a direção de Crowley.Neuburg foi fascinado por ela desde o primeiro momento e sentiu uma afeição por ela que assim que ela apareceu. Crowley desaprovou alegando que ela era uma “Circe”, que pode enfeitiçar Neuburg e leva-lo para longe caminho mágico. Crowley ficou muito aliviado quando ela não se casou com Neuburg mas sim com um velho amigo dele chamado Wilfred Merton. Seis meses após o casamento Joan deixou o marido e passou a residir em um estúdio em Chelsea. Ao mesmo tempo, ou talvez um pouco antes, ela se tornou amante Neuburg o dois alugaram uma casa em Essex que eles usavam nos fins de semana e Crowley ficou furioso. Dois meses depois, ela atirou em si mesma. Não há razão clara para este suicídio(…)  Neuburg estava certo de que Crowley tinha colocado um feitiço sobre ela, como a ‘Circe’.”
Duas coisas ficam evidentes nesse texto – Crowley matou a mulher de Victor, provavelmente porque era apaixonado pelo o mesmo. E que em seu livro, mentiu dizendo que ela se matou em 24 horas, sendo que na verdade foi dois meses. Como todas as pessoas que passaram pela vida de Crowley após romper laços com o mesmo e ser amaldiçoado, Neuburg passou o restante de sua vida em um estado de infertilidade mental. Vide tanto o livro do Francis King, como The Magical Dilemma of Victor Neuburg, de Joan Oliver Fuller.

 Fetiche e Feitiçaria – ‘Leah Sublime’ e os rituais da Puta e da Besta


“Na minha missa, fezes são hóstia
, que Eu consumo com reverência e adoração”

-Aleister Crowley em seu diário, Magical Record of the Beast 666, pág.202

A palavra fetiche, vem do francês, fetiche que por sua vez é entendido como feitiço. Isso foi o que Crowley fez com cada discípulo – ele os encantava, enfeitiçava, levava eles para as profundezas de seus fetiches sexuais, mascarando em uma causa nobre, aquilo que chamamos de Iluminação – Um dos propósitos de toda magia  – o ato de transcender os limites do próprio ego, ou destruí-lo em prol a uma causa – seja essa palavra entendida como você desejar – e os rituais de Crowley com Neuburg eram repletos disso. A humilhação pode ser uma forma de inflamar ou subjugar o ego, e quando a Besta dizia destruir a si próprio, ela estava se referindo a se entregar aos abominações (ou prazeres, você escolhe tambem) que a perversão (ou a magia, ou sexo, escolha a palavra apropriada) pode proporcionar.

Leah Hirsig – conheceu Crowley através da sua irmã, Alma Hirsig, na primavera de 1918, sua irmã já tinha conversado algumas vezes com a Besta, porém, quando a Besta viu a Leah, ele se apaixonou, perdidamente. Leah não saia dos seus pensamentos e tudo que queria, era ela para si – que devido ao seu interesse em ocultismo, rapidamente aceitou o convite de ser sua Mulher Escarlate e participar das cerimônias de Thelema. O Fetiche, charme, encanto da Besta rapidamente levava as mulheres se entregarem as suas paixões. Ainda que elas fossem… Animalescas.

Leah usou o nome de Alostrael – O Útero de Deus – e com esse nome desenvolveu papel fundamental na corrente 93, junto com Crowley ela estabilizou o Colégio do Espirito Santo – vulgo Abadia de Thelema – ela largou todas as suas coisas e se entregou numa viagem com a Besta para a Sicília. Ela viveu na Abadia em uma mistura de liberdade total junto com delicada ritualística a Besta dava aos seus discípulos,  – ela acompanhou Crowley em sua (auto) graduação de Ipsissimus e em uma péssima situação financeira.

“Durante um ano de subserviência á sua mulher escarlate, Leah Rising, Crowley obedecia ela comendo suas fezes em um prato de prata, como um símbolo de sua devoção á Grande Puta. Para selar esse ritual, ela queimava o peito da Besta com cigarro” – está escrito no livro Demons of Flesh – Nicolas Scherek e Zeena Scherek – Já no Magical Record of the Beast 666 do Kenneth Grant, vemos a descrição completa do ritual.

A coprofagia foi um instrumento de iluminação Crowleyana – a mistura de sêmen, sangue e detritos (fezes) era uma forma de oferenda aos espíritos demoníacos. Oferecer merda á espíritos não é algo tão incomum assim, por mais estranho que pareça ser – qualquer demonologista sério já deve ter lido obra prima de demonologia Dictionnaire Infernal de Jacques Auguste Simon Collin de Plancy, publicado no ano de 1818. Deixo duas versões para conferir – link1 e link2 . Nesta obra ele descreve que “Alguns rabinos, fazem seu culto á ele (Belfegor) em seus banheiros, ofertando á ele os resíduos de sua digestão”.

Curiosidades á parte, vamos focar em Leah. Leah prosseguia com todas as loucuras de Crowley – a Besta, não se satisfazia com orgias, heroína e coprofagia –  Uma de suas estudantes Mary Butts, deparou-se com algo inusitado (ou não). Transcrevo agora do livro Demons of Flesh, da Zeena (LaVey) Shreck e Nicolas Scherek;

“Quando uma das alunas de Crowley, Mary Butts – nome eminentemente adequado para abordagem singular da Besta – chegou para a tutela Abadia de Thelema, seu Mestre saudou-a ofertando fezes de bode em um prato. Não podemos ter certeza e Crowley a presenteou com esta refeição como uma verdadeira prova de seu compromisso com a Grande Obra ou simplesmente como uma indulgência do seu humor. Butts foi logo um testemunhar um dos rituais menos bem sucedidos de Crowley, uma tentativa de induzir um bode simbolizando a cabra lendária de Mendes para copular com corpo de sua Mulher Escarlate, Leah Hirsig. Apesar de todos os esforços para persuadir o bode para executar sua função sagrada, o animal permaneceu indiferente ao fascínio de Babalon. Caindo em um de seus ataques freqüentes de raiva, um exasperado Crowley cortou a garganta do bode.”

No livro do Francis King, o mesmo fato é recontado;

“E Leah nua deveria copular com um Bode que iria ser sacrificado por Crowley, no momento do orgasmo. Infelizmente o bode recusou-se a executar. Apesar disso, ainda foi sacrificado, o sangue jorrou sobre o dorso branco de Leah. Leah ficou bastante surpresa ao ver que as coisas não ocorreram como planejado. Pingando sangue, ela virou-se para Mary Butts e perguntou o que ela deveria fazer agora. ‘Eu tomaria um banho, se fosse você’, respondeu Mary. ”

Crowley transgredia todas as regras e sua loucura o levava a bestialidade, seu humor (ou sadismo) contagiava á todos que o cercava, não é de todo errado que todas as pessoas que passaram pela vida de Aleister, acabaram de uma forma ou outra, com um fim trágico – o uso desregrado de heroína (entre outras drogas) fez com que duas de suas estudantes da época, Mary Butts e Cecil Maitland deixarem a abadia com sérios problemas de saúde – o vício em heroína. Enquanto Leah ainda se mantinha sob custódia e obediência á Crowley, praticamente cega. Na época, um outro discípulo, chamado Frederick Russel  (Frater Genesthai)  se mostrou com certa aptidão para o misticismo sexual do Master Therion. Enquanto Alostrael (Leah) masturbava o Genesthai para uma ereção, Crowley esperava á mesma ardentemente para então, sentar no falo de Genesthai. A descrição foi dada tanto no livro de Kenneth Grant como o do Francis King.

Leah, acompanhou Crowley nos piores momentos de sua vida – além de fazer rituais ao Sol ou invocações a nomes de Deus, Anjos ou fumar haxixe e fazer sexo com estranhos  – a filha dela e do Crowley, morreu alguns dias após nascer, acompanhou diversas cerimônias fracassadas, a falta de dinheiro que o levou a publicar o Diary of Dope Fiend –  ao qual um jornalista, James Douglas, começou a fazer criticas pesadas e acusando ele até de canibalismo. Crowley que visitava sazonalmente a Itália, foi expulso de lá pelo governo Italiano.

Em setembro de 1924 Crowley apontou uma nova mulher escarlate – Dorothy Olsen. Mesmo perdendo seu status, passou algum tempo como secretaria, auxiliando rituais e mais adiante, quando rompeu laços, devido sua falta de dinheiro, findou sua vida trabalhando como prostituta.

Notas do autor, bibliografia e a poesia “Sublime Leah”

“Crowley é bom porque foi ruim, seria melhor se fosse pior.”  – Kayque Girão

Falar de Aleister Crowley é, algo sempre incompleto.

Por mais que se queira, uma vida não pode ser resumida em um pequeno texto ou livro. Quando eu comecei esse texto, meu intento profundo era revelar um lado ao qual muitos adoradores negam – o lado humano. Cheio de fraquezas, falhas, com falta de dinheiro, vícios e hipocrisia. Assim como qualquer pessoa no mundo, com seus altos e baixos, Crowley nos dá a partir desse mal exemplo de muitos outros,  sua essência – faça a sua vontade – ainda que por muitas vezes, ele restrinja seus discípulos com a promessa de elevação espiritual – talvez até seu anjo (Aiwaz/s/ss, Shaitan) não exista, seja fruto de uma imaginação doentia, o legado, como disse inicialmente é incomparável.

Talvez amanhã ou quem saiba daqui alguns anos (ou décadas, séculos) nasça outro messias. De fato Crowley foi um homem além de seu mundo ou talvez infantil (ou ousado) demais para não aceitar o mundo e querer criar um mundo próprio.

Eu demorei cerca de um mês e meio (re)lendo a bibliografia á seguir e então comentando seus erros – uma atitude vulgar, eu assumo, no entanto, creio ter sido necessária.

Necessário para perdemos a idealização de que a magia é fonte de todos os prazeres e juventude eterna. Necessário para observarmos que mesmo o maior mago de todos os tempos, como assim foi nomeado, vivenciou momentos ruins. Necessário para observarmos que a magia pode tanto nos elevar como nos rebaixar. Necessário para que possamos mensurar nossos atos com o conhecimento obtido e entendamos de que nada serve esse conhecimento, se não for compartilhado.

Por nota final, deixo a bibliografia que usei e uma poesia traduzida pelo Pythio. Quero manifestar profunda gratidão pelo apoio, ajuda e companheirismo do mesmo.

Bibliografia

 

Gargantua and Patagruel, François Rebelais
Liber Al Vel Legis, Aleister Crowley
Liber 333, Aleister Crowley
Liber Aleph, Aleister Crowley
Confessions, Aleister Crowley
Magical World of Aleister Crowley, Francis King
The Magical Record of the Beast 666, John Symonds and Kenneth Grant
Demons of Flesh, Zeena and Nicolas Schrek
Liber XV – Ecclesiæ Gnosticæ Catholicæ Canon Missæ, Aleister Crowley
Liber Agape Vel Liber C Vel Azoth, Aleister Crowley
Do What Thou Wilt: A Life of Aleister Crowley, Lawrence Soutin
Magick without Tears, Aleister Crowley
Magick Book 4, Aleister Crowley
The Magical Dilemma of Victor Neuburg, Joan Oliver Fuller
Dictionnaire Infernal, Jacques Auguste Simon Collin de Plancy

 

 

Sublime Leah

Sublime Leah,

Deusa em cima de mim!
Serpente de um lodaçal!
Alostrael, ame-me!
Nosso mestre, o demônio.
Prospere a orgia.
Pise com seu pé
Em meu coração até que doa!
Pise sobre ele, ponha
O unta com sua imundície
Sobre meu amor, sobre minha vergonha
Rabisque seu nome!
Monte sua besta
Minha Vadia Soberana.
Com as suas coxas todas umedecidas
Com o suor de sua sarna
Cuspa em mim, escarlate
Boca de minha prostituta!
Agora de sua ampla
Boceta crua, o abismo
Envie a maré nascente
De seu quente mijo
Em minha boca, oh minha prostituta
Deixe-o escorrer, deixe-o escorrer!
Sua mão, Oh imunda
Sua mão que tem desperdiçado
Seu amor, ato obsceno
Massas negras, que degustaram
Sua alma, é sua mão
Sinta meu caralho erguer.
Você cavalga como uma égua
E peida enquanto você cavalga
Por úmidos cabelos pixaim
Você jorra como uma baleia.
Encharca o estrume
E mija como esgoto!
Desça a mim rápido
Com seus dentes em meus lábios
Com suas mãos em meu cacete
Com pegada fervente
Minha vida é  saborear –
Como seu hálito fede!
Sua vida multiplica o lascivo
De garotinha a Madura
Puta usada que já mastigou
Sua própria pilha de estrume
Suas mãos foram as chaves para –
E agora você me refresca também!
Esfregue todo o muco
De sua boceta em mim Leah
Boceta, deixe-me chupar
Toda essa gonorreia gosmenta!
Boceta! Sem fim
Amém! Até você cansar!
Puta você me acolheu
Toda sujeira e doença
Em seu cu peludo
Afrouxe o buraco com queijinho
Com sua menstruação e varíola
Você que mastiga os cacetes!

Esfregue toda sua gonorreia em mim!
Envenene a flecha.
Ponha pra fora toda sua varíola
Me dê sua medula

Puta, você me tem completamente

Eu amo sua podridão!

Mais uma vez, me bata!
Leah, um espasmo
Grite enquanto me bate
Lodo do Abismo,
Me sufoque com o líquido
O chorume do seu ventre sujo.

Esfaqueie sua demoníaca
Sorriso ao meu cérebro
Encharque-me em conhaque
Buceta e cocaína
Espalhe em mim! Sente
na minha boca Leah e cague!

Cague em mim vadia

Cremosa coalhada
que goteja de suas entranhas
Merda gordurosa
Leve suas fezes
até a ponta da minha língua!

Bata em mim, Leah!
Me sufoque em suas coxas
borradas de diarreia

Em meus olhos.
Esfregue toda merda
Do abismo sem fim.
Vire-a mim, mastigue-a
Junto comigo, Leah, vadia!
Vomite-a, cuspa-a
E lamba-a outra vez
Nos podemos gerar luxúria
Bêbados em nojeira.

Derrame toda suas tripas
Sua burra, minha amante!
Sua vadia pederasta
Eu sei aonde leva-la!
Aí ela vai, descendo
mexendo em sua bunda prostituída!

Saco de pele
E ossos, assim falo
Eu irei violar seu sorriso
Em um grito
Vou te estuprar, vadia
Violar suas entranhas!

Eu te torço, sua porca!
Eu te prendo!

Sua boqueteira, engula tudo
Metade dele, chupe-o todo
Grite sua porca, suja!
Eu quero que te machucar!
Besta-leoa jorre de seu
Buraco fodedor!
Vomite toda a sujeira de sua
Alma pestilenta
Peide palavras vazias

Faça uma ceia de fezes!

Que o Demônio nosso senhor,
rabisque sua alma
Com palavras escrotas
Me chame de amante
Escravo das suas entranhas
Do rabo de uma puta!
Me chame de semeador
De sujeira e podridão
Cheiradora de merda
Da bosta em seu cú
Me chame disto o quanto quiser
Durante o estupro do seu escravo
Porra! Caralho! Me deixe gozar
Alostrael! Porra!
Gozei em teu buraco
Merda! Me de o muco.
Do rabo de minha puta
Suja do meu cacete
Coma-a sua semente!
Eu sou teu cão, porra, merda!
Engula-a agora!
Descanse por um momento!
Satã, você deu
Uma coroa a um escravo.
Eu sou seu destino, em
Seu ventre, sobre você
Eu juro em nome de Satã
Leah, eu te amo
Estou indo a loucura
Repita isso comigo.

por King

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/a-besta-666/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/thelema/a-besta-666/

A Mansão Winchester – Parte 1

Rev. Obito

Quando era criança meu pai gostava de brincar de quebra-cabeças e fazer contas. Às vezes ele dizia: se você ficar entre 1 e 2 minutos sem respirar você desmaia. 10 minutos sem oxigênio e seu cérebro desliga, sem volta. Então, se eu prender você e te jogar nessa piscina, quanto tempo você tem para se soltar do cadeado e das correntes para conseguir nadar até a superfície e sair vivo da água?

Talvez hoje esse tipo de brincadeira seja questionado, mas aos 11 anos eu conseguia abrir quase todos os cadeados que via. Eu também conseguia resolver um cubo mágico em menos de 2 minutos, para outras crianças isso significava um nerd chato e sem vida ou futuro, para mim significava sobremesa e poder assistir os filmes que começavam depois da meia noite na tv.

Outra coisa que adorava era ler, quadrinhos especialmente. Claro que na época se os garotos mais velhos te pegassem com uma revistinha você virava saco de pancada, hoje elas viram filmes e se você não é #teamstark as pessoas olham com nojo para sua alma.

Assim, lá pelo fim da década de 1980, encontrei em uma banca a nova edição do Monstro do Pântano, escrita por Alan Moore. Aquilo era arte pura, uma obra de suspense sofisticado, era algo que eu precisava ler. A história no caso era sobre dois casais que se embrenhavam no meio do mato e chegavam a uma mansão assombrada.

A mansão, Alan Moore contava, ficava na cidade de São Miguel, na Califórnia, e havia sido construída pela viúva Amy Cambridge, com a fortuna que herdou de seu marido, o dono da companhia de armas de fogo Cambridge. Cambridge construíu a mansão sem plantas ou mapas, dizia que recebia dos fantasmas as instruções de como deveria construir, o que resultou em uma casa que era um labirinto bizarro, salas com treze lareiras, portas que se abriam para abismos ou para paredes de tijolos. Quartos construídos dentro de quartos, cômodos com alguns poucos metros quadrados de área com armários do tamanho de salões.

Lendo os quadrinhos o resumo do que havia acontecido era: o Sr. Cambridge, depois de fazer fortuna vendendo armas de fogo havia morrido e deixado tudo para a esposa. Ela passou a ser assombrada pelos fantasmas das pessoas mortas pelas armas, cowboys, índios, mexicanos, mendigos, suicidas, etc… Os fantasmas foram claros quando ela perguntou o que queriam:

“The sound of the hammers must never stop”

“O som dos martelos não deve nunca parar!”

Então ela contratou marceneiros que começaram a expandir a casa, trabalhando em turnos, 24 horas por dia, 7 dias por semanas, sem parar nunca. BANG! BANG! BANG!

Eventualmente a viuva morreu e só então as obras da casa pararam. Por causa de sua bizarrice arquitetônica a casa foi abandonada e estava caindo aos pedaços, mas cheia de fantasmas. E o som dos martelos havia parado.

Em inglês a coisa fica mais genial porque hammer significa tanto ‘martelo’, a ferramenta, quanto ‘cão’ aquela peça de metal que as pessoas puxavam para trás para engatilhar a arma. O som de um cão batendo também faz BANG, mas um tipo diferente de BANG.

Os casais se embrenham na casa, o horror acontece e não vou dar mais spoilers, ao invés disso você pode baixar aqui a edição original (em inglês) e se divertir.

Bom, como acontecia com quase tudo que lia de Moore aquilo grudou na minha mente. Uma mansão labirinto construída com instruções dadas pelos fantasmas que morreram como resultado da fortuna que era usada para construir a casa. Uma ode à morte e à loucura.

Muito tempo depois em uma conversa sobre lugares assombrados contei da casa para um grupo de amigos, não me lembrava dos detalhes “a mansão da viuva das armas de fogo”. Uma das amigas presentes respondeu arregalando os olhos: você já ouviu falar da Mansão Winchester? Eu não me lembrava do nome exato e concordei, o que eu puxava da memória ela completava com os próprios detalhes. “Uma boa história!” Eu terminei.

– História? Como assim? Ela existe de verdade!

E foi assim que aquele labirinto me puxou de volta para dentro de seus corredores. Voltei para casa depois de um tempo, cacei a revista e a reli, prestando atenção. Vi que claramente era chamada de mansão Cambridge, mas Moore avia deixado duas pistas:

1ª Um diálogo onde uma das personagens diz: Look, really, it’s not a joke. The Cambridge Repeater was a sort of a second-rate copy of the winchester.

Ou

Olhem, é verdade, isso não é uma piada. O rifle Cambridge foi tipo uma imitação barata do Winchester.

2ª Nunca existiu uma marca Cambridge de rifles, mas o escritor e artistas eram ingleses e Cambridge é uma cidade universitária muito popular do Reino Unido que fica a uma boa distância de Winchester.

Eventualmente, depois dos anos 1990 e início no admirável milênio novo a Mansão Winchester se tornou popular de novo. Aparece em uma série de programas de caçadores de fantasmas, desbancados de mitos e gurus psíquicos. Haviam liberdades poéticas entre a mansão de verdade e a dos quadrinhos. Ambas estavam localizadas na Califórnia, a de Moore em São Miguel a real em São José. Todas as bizarrices do quadrinho existiam na casa real, salas com inúmeras lareiras, portas que levavam a lugar nenhum, os corredores labirínticos e claro, a história da assombração.

Durante anos a fascinação que aquela casa exerceu em mim me levou a estudá-la, sua história, suas lendas e principalmente seu propósito. O que levaria alguém a construir uma casa do tamanho de uma vila com detalhes tão bizarros? A resposta simples “loucura e/ou fantasmas” não me satisfazia, a lógica, mesmo que insana, não fazia sentido. Nessa matemática a conta tinha variáveis demais ou de menos.

(Para entender como funciona a matemática aplicada a essas loucuras você pode ler este textinho)

Então não tive outra opção a não ser arregaçar as mangas, vestir as calças, colocar a cueca e ir atrás de resolver esse problema. Este texto é o resultado do constrangimento de sair correndo pelas ruas, bibliotecas e até mesmo outro país com a cueca por cima das calças.

OS FATOS

A Mansão Winchester, ou Winchester Mystery House, se tornou uma atração turística. Ela se encontra no número 525 South,em Winchester Blvd. in San José, Califórnia. A construção é impressionante.

Quando você entra para fazer a tour – paga, é claro – pode pegar uma pequena brochura que traz alguns fatos sobre a casa, o mesmo texto hoje se encontra disponível no site deles <https://winchestermysteryhouse.com/>, no site também é possível fazer um tour virtual – pago, é claro. A brochura nos diz:

É UMA MARAVILHA

A Winchester Mystery House® é uma maravilha arquitetônica e um marco histórico em San José, Califórnia, que já foi a residência pessoal de Sarah Lockwood Pardee Winchester, a viúva de William Wirt Winchester e herdeira de grande parte da fortuna da Winchester® Repeating Arms.

A tragédia se abateu sobre Sarah – sua filha morreu de uma doença infantil e, alguns anos depois, seu marido foi tirado dela por tuberculose.

A MUDANÇA PARA O OESTE

Pouco depois da morte de seu marido, Sarah deixou sua casa em New Haven, CT e mudou-se para o oeste para San José, CA. Lá, ela comprou uma casa de fazenda com oito quartos e começou o que só poderia ser descrito como a mais longa reforma doméstica do mundo, parando apenas quando Sarah faleceu em 5 de setembro de 1922.

ESTES SÃO OS FATOS

De 1886 a 1922, a construção aparentemente nunca cessou, já que a casa da fazenda original de oito quartos se transformou na mansão mais incomum e ampla do mundo, apresentando:

2.230m2 de área construída
10.000 janelas
2.000 portas
160 quartos
52 claraboias
47 escadas e lareiras
17 chaminés
13 banheiros
6 cozinhas

O custo da construção foi de U$5 milhões de dólares em 1923 ou U$71 milhões hoje.

É UM MISTÉRIO

Mas o que restou é realmente um mistério. Mesmo antes de sua morte, rumores de uma “casa misteriosa” sendo construída por uma mulher rica e excêntrica circulavam. Ela foi instruída a construir esta casa por um médium? Ela foi assombrada pelos fantasmas daqueles abatidos pela “Arma que Venceu o Oeste”? A construção realmente nunca parou? O que motivou uma socialite bem-educada a se isolar do resto do mundo e se concentrar quase exclusivamente na construção da mansão mais bonita e bizarra do mundo?

À FRENTE DE SEU TEMPO

Sarah Winchester foi uma mulher independente, energética e corajosa que até hoje vive em lendas. E a mansão que ela construiu é mundialmente conhecida tanto pelas muitas curiosidades e inovações de design (muitas à frente de seu tempo) quanto pelas atividades paranormais relatadas que ocorrem dentro dessas paredes.

Esses mistérios e muito mais já atraíram mais de 12 milhões de visitantes a visitar a Winchester Mystery House® desde que as portas foram abertas em 30 de junho de 1923. Você será capaz de desvendar o mistério?

Isso resume o mistério a cerca da casa – se bem que vendo as fotos, chamar aquilo de casa é como chamar um elefante de piolho. Ele foi criado com base em lendas e mitos gerados pela excentricidade do projeto.

AS LENDAS

Alan Moore resumiu todas as lendas de maneira bem rápida e poética na história do Monstro do Pântano, depois em 2018 a Lions Gate lançou o filme A Maldição da Casa Winchester (você pode ver o trailer aqui) que além de dar uma mão de tinta moderna nas superstições foi filmado na mansão verdadeira! As cenas que mostram os cômodos e corredores são muito mais belos do que as feitas pelas dezenas de programas sobrenaturais [1], vale a pena ser visto nem que seja para se sentir o tamanho da casa.

Seria impossível tentar reunir em um único texto com menos de 10 volumes tudo o que já disseram sobre a mansão, mas em linhas gerais isso é o que popularmente se acredita:

Hoje a mansão é conhecida como a Winchester Mystery House, mas nas décadas em que estava sendo construído ela era simplesmente a casa de Sarah Winchester.

Sarah era a viuva de William Wirt Winchester, herdeiro da Companhia de Armas Winchester.

Ela nasceu em 1840 – aproximadamente – e cresceu em um mundo de privilégios. Ela falava quatro línguas, frequentava as melhores escolas, se casou bem e chegou a ter uma filha, Annie, aparentemente a vida que todos pedem a Deus. O problema é que Deus tem um senso de humor bizarro e sua filha morreu, logo em seguida foi a vez de seu marido.

Com a morte do marido Sarah herdou aproximadamente U$20 milhões de dólares (mais ou menos U$500 milhões hoje em dia), 50% das ações da empresa que lhe rendia uns U$1000 dólares por dia (ou U$26.000 dólares hoje em dia). Credo, que delícia!

Mas além de mais dinheiro do que poderia queimar, Sarah herdou uma tristeza profunda, depressão e tudo mais que acompanhava o luto de uma mulher do fim do século XIX que perde o único pilar de sua vida: a companhia e o controle de um homem!

Assim ela fez a única coisa que uma mulher como ela poderia fazer, se envolveu com o espiritismo. Começou a realizar sessões espíritas se consultava com médiuns (todos homens, é claro) e buscava entre os mortos a resposta para os problemas de sua vida, não é de se admirar que tenha obtido sucesso.

Contratando os serviços do melhor Médium Psíquico que uma fortuna descomunal poderia pagar Sarah chegou a Adam Coons. Adam conseguiu entrar em contato com William (obviamente Sarah não pediu para falar com filha, provavelmente porque ela também havia sido uma mulher do século XIX) e as notícias não eram boas. Sarah estava sendo amaldiçoada por cada ser vivo que já havia sido morto por uma arma Winchester.

Durante o século XIX houve uma corrida nos Estados Unidos para a criação de uma arma foda. Vários concorrentes desenvolviam seus projetos. Na época os rifles e revólveres disparavam uma bala por vez. Muitos ainda precisavam de pais para queimar a pólvora e disparar o projétil. Pensando em formas mais eficientes e rápidas para matar cada vez mais pessoas, H̶i̶t̶l̶e̶r̶ os americanos começaram a desenvolver novas munições que já traziam a pólvora e o projétil numa única peça e armas que disparassem essa munição cada vez mais rápido. E quem conseguisse isso estava com o futuro feito: o oeste americano estava sendo desbravado. Milhares de índios e mexicanos e búfalos malvados teimavam em não sair de lá e em atacar os pobres patriotas que queriam explorar o ouro e as terras que Deus havia lhes dado. Além desses inconvenientes o pais estava promovendo uma guerra civil que já durava meia década. O mercado precisava de armas melhores.

Oliver Winchester, um empresário e político – é claro – entrou em cena em 1866 e começou a produzir suas armas. O Modelo e, eventualmente o modelo 1873 foram campeões de venda, ficaram conhecidos como A Arma que Conquistou o Oeste. Isso tornou Oliver estupidamente rico até o dia de sua morte em dezembro de 1880. Seu filho William herdou a empresa e morreu quatro meses depois. E ai entra Sarah, que pegou o equivalente a uma Apple depois da volta de Steve Jobs.

Assim, na época da morte de William as armas Winchester já estavam matando, ferindo, aleijando e intimidando pessoas há mais de 24 anos, durante a conquista do oeste bravio e durante o final da guerra civil americana. Muita, muita gente mesmo já havia testemunhado a eficiência das armas que deram a Sarah sua fortuna. E todas essas pessoas queriam atormentá-la.

Coons então disse a Sarah que William pedia para que ela saísse sua casa em New Heaven, Connecticut, e fossa para a Califórnia. Então ela deveria usar sua fortuna para construir uma casa para os espíritos das vítimas da Winchester ou seria atormentada por eles a vida toda.

Em 1884 Sarah comprou uma casa de fazenda e o terreno ao redor, contratou carpinteiros e trabalhou para construir sua cidadela de 7 andares de altura. Ela não tinha plantas, planos ou arquitetos, ela ia instruindo os carpinteiros conforme os fantasmas a iam instruindo, assim cômodos eram construídos do lado de fora da casa, fazendo com que a janela de um quarto desse para dentro de outro quarto. Escadas eram erguidas, cada uma com degraus de tamanhos diferentes, e então interrompidas sem motivo, terminando no teto, levando a lugar algum. Portas eram colocadas e o próximo cômodo não era construído, elas davam para o lado de fora alguns andares acima do chão.

Um corredor começava a ser construído e então pediam mudanças no tamanho, e de novo, e de novo, até que se afunilavam e terminavam quando as paredes se encontravam. Cômodos eram ligados por passagens, cômodos prontos eram desmontados e paredes erguidas ali, muitas portas acabam se abrindo para revelar um muro de tijolos.

Mas a arquitetura não era a única excentricidade. Os fantasmas queriam que tudo fosse construído com madeira de sequoias gigantes mas Sarah não gostava da cor da madeira então ela mandou que pintassem todas as paredes – mais de 90.000 litros de tinta foram gastos – SÔÔÔÔ RIKAAAAAAA!

Além dos números já citados ela tinha dois porões, três elevadores, iluminação automática a gás, chuveiros e toda a tecnologia de ponta da época.

Candelabros de ouro e prata pendiam dos tetos, dúzias de painéis de cristal feitos pela Tiffany & Co. – todos desenhados por Sarah atendendo as ordem precisas dos fantasmas – preenchiam portas, janelas e painéis pela casa. Uma delas, colocada em uma das janelas, foi feita com o propósito de projetar um arco-íris no chão quando a luz do dia batesse no painel… claro que isso seria lindo se a janela não tivesse uma parede do outro lado.

Em 1904 um terremoto sacudiu San Jose, mas a Mansão Winchester havia sido erguida sobre uma base flutuante – uma fundação que distribui e equilibra o peso do solo ao redor, nada mal para uma mulher não arquiteta do século XIX – a casa ficou inteira… ou quase. Os três andares superiores sofreram algum s danos e acabaram sendo desmontados, deixando a mansão com os 4 andares que tem hoje (sem contar os porões).

A “sala Principal” era a sala onde Sarah continuava realizando sessões espíritas da meia noite às 2 da madrugada. Era enorme, tinha treze lareiras e uma mesa de carvalho redondo gigante no centro.

O cenário estava bem desenvolvido, preparado para começar a receber histórias.

Sarah nunca admitiu abertamente que estava construindo uma casa para fantasmas de pessoas assassinadas, mas alguns rumores começavam a nascer.

Os trabalhadores falavam das sessões diárias na sala dos espíritos, realizadas com médiuns locais, numa tentativa de atrair espíritos bons. Esses “espíritos bons” eram consultados para que ela se informasse sobre maneiras de melhor agradar aos espíritos para os quais ela estava construindo a casa, eram esses guias que diziam para Sarah fazer tantas adições aparentemente ilógicas ao seu projeto.

Dos 13 banheiros da casa, apenas um funcionava. Era uma tentativa de confundir espíritos que tentassem assombrar os encanamentos. Ela dormia cada noite em um quarto diferente, e usava suas passagens secretas para ir de um cômodo para outro, evitando os corredores principais.

Enquanto ela estava viva as histórias eram criativas, depois que ela morreu elas ficaram insanas. Os trabalhadores simplesmente largaram suas ferramentas, vários pregos ficando para fora das paredes, madeiras serradas pela metade.

Relatos de pessoas que invadiam a casa, tanto para roubá-la quanto para explorá-la e fugiam apavoradas, se tivessem a sorte de conseguir fugir, é claro, se tornaram lugar comum.

Gritos, choros, sons de marteladas (ou tiros) na casa vazia eram ouvidos por quem passasse por perto.

Sarah divide seus bens em seu testamento, menos um: a casa.

Apesar de seu tamanho e conteúdo ninguém queria comprá-la. Era bizarra demais. Sua sobrinha então retirou toda a mobília e a leiloou. Dizem que foram necessárias 6 semanas para esvaziar a casa. Depois de vazia um investidor local comprou a casa pela bagatela de US135.000 dólares. Apenas cinco meses depois da morte de Sarah a casa estava aberta para o público – embora não em sua totalidade. Muitas alas e cômodos permaneceram fechados, nunca ofereceram uma explicação. Com os anos as surpresas continuavam surgindo, de quando em quando um cômodo secreto era descoberto, cheio de surpresas como um órgão hidráulico, um sofá vitoriano, um armário de vestidos, uma máquina de costura e várias pinturas.

Muitos visitantes relatam sentir a presença dos espíritos dos mortos que moram lá e os guias estão cheios de histórias de acontecimentos e acidentes suspeitos. Como Sarah nunca deu entrevistas, nenhum diário jamais foi encontrado e nenhum parente quis comentar nada sobre ela o mistério persiste.

A PESQUISA

A história toda é fabulosa, um prato cheio para qualquer MindFreak, logo é óbvio que eu não teria como resistir a mergulhar de cabeça.

Se você leu os quadrinhos, assistiu ao trailer e leu tudo até aqui tem basicamente tudo o que eu tinha na época. Isso e uma dúvida que eu batizei em homenagem a outra casa incrível: a Dúvida Amityville!

O que é a Dúvida Amityville?

No dia 13 de novembro de 1974 Ronald DeFeo Jr. matou a tiros seis membros de sua família na casa em que viviam no número 112 da Ocean Avenue em Nova Iorque. Em novembro de 1975 ele foi declarado culpado e condenado. Em dezembro de 1975 George e Kathy Lutz compraram e se mudaram para a casa no estilo colonial holandês onde o crime aconteceu. Eles levaram o cachorro e os 3 filhos. 28 dias depois, os Lutz abandonaram a casa dizendo ser vítimas de atividades paranormais no local.

A história virou um livro escrito por Jay Anson que deu início a uma série de filmes sobre o assunto.

Claro que com o sucesso vieram as dúvidas, o livro, os filmes a família e o escritor passaram a ser alvos de críticas e processos dizendo que a história não era real. Até o padre que aparece na história deu depoimentos dizendo que o conteúdo do livro havia sido distorcido.

Em 1977 os Lutz começaram a processar de volta as pessoas e os meios de comunicação que desacreditavam a história. Mas ano a ano parecia que cada parágrafo do livro era desmentido. As marcas de arrombamento nas fechaduras e maçanetas, o quarto vermelho secreto que não parecia ser nada além de uma despensa, pegadas de bode na neve, marcas de fogo na parede ao redor da lareira, a casa sendo construída sobre um terreno onde originalmente os índios enviavam seus doentes mentais para morrerem, etc., etc., etc.

Com o tempo os Lutz se divorciaram, surgiram mais pessoas que afirmaram terem ajudado a criar a história que os Lutz contaram e que viraram o livro e a vida seguiu. Mas George se manteve firme a vida toda. Em um documentário do History Channel do ano 2000 entitulado Amityville: The Haunting and Amityville: Horror or Hoax? Ele afirmou “Acredito que isso permaneceu vivo por 25 anos porque é uma história verdadeira. Não significa que tudo o que já foi dito sobre isso seja verdade. Certamente não é uma farsa. É muito fácil chamar algo de embuste. Eu gostaria que fosse. Não é.”

Mas qualquer pessoa com acesso à internet e com um conhecimento mediano de inglês acha dezenas e dezenas de matérias que mostram que o casa todo foi inventado pelos Lutz, e isso deveria ser o ponto final para o assunto. Deveria… mas uma dúvida permanece, a Dúvida Amityville:

O livro escrito por Anson foi publicado em setembro de 1977. O primeiro filme sobre o caso estreiou em 1979.

Eu fico imaginando: o que levaria uma família e investir uma bela grana em uma casa e um mês depois sairem correndo feito loucos de lá?

Vamos imaginar que eles pensaram: podemos inventar que a casa é assombrada, vamos colocar cemitérios indígenas, um quarto secreto de sacrifícios satânicos (podemos falar que é na despensa) quartos com infestações de moscas, banheiros vazando ectoplasma, fantasmas nos atacando e tentando nos violentar, um demônio que nosso filho mais novo vê com cabeça de porco e acha que é um anjo, uma lareira assombrada por satã, experiências fora do corpo, cachorro agitado e louco, pegadas do diabo na neve, vizinhos que não chegam perto da casa, todo mundo ficando apático, as pessoas me confundindo fisicamente com DeFeo, portas que não se trancam, meio inferno marchando pela casa… ai nós saímos correndo e colhemos os frutos de nossa imaginação!

Mas que frutos seriam esses? Eles só conheceram Anson DEPOIS de sair da casa. Qualquer acordo financeiro de royalties só começariam a chegar de 2 a 4 anos depois deles saírem. Imagine quem iria querer pagar por uma casa onde um assassinato famoso aconteceu e depois foi possuída por Satã? Quem pagaria perto do que os Lutz tinham pago por um lugar maldito?
Como eles iam saber que a história que eles estavam inventando seria um sucesso?

Eles não permaneceram na casa enquanto o livro e filme aconteciam, eles fugiram anos antes. Por que? Se fossem uma casa herdada, ou um presente, talvez a piada fosse boa o suficiente para valer a pena (sem contar o bulling que as crianças sofreriam na escola, na família, etc…) mas eles pagaram pela casa, venderam o que tinham e se mudaram… e menos de um mês depois tinham fugido de lá. Por quê?

A Dúvida Amityville pode ser resumida assim: num caso de maluquice e birutice e enganação, geralmente o picareta não tem muito à perder e muito a ganhar com a história, mas em alguns casos acontece algo que, por mais pilantragem que aconteça depois, não justifica um dos atos da pessoa.

Os Lutz não tinham como saber que iriam encontrar um escritor, que o que ele fosse escrever iria se tornar um sucesso e que o livro viraria um filme. Então porque saíram da casa e a pintaram como o pior investimento do mundo se todo o dinheiro e crédito que tinham estava investido lá?

(Se quiser saber como qual nossa resposta para a Dúvida Amityville, além de um estudo bem minucioso sobre o caso, escreve ai nos comentários. Diabos… se tiver bastante gente curiosa de repente a gente até procura a editora que publicou o livro por aqui e podemos pensar em algum sorteio!)

E o que a Dúvida Amityville tem a ver com a Mansão Winchester?

Da mesma forma que algo não se encaixa na história de Amityville se ela for 100% invenção e pilantragem, algo não se encaixa na história da Mansão Winchester se ela for 100% loucura e paranóia.

Vamos imaginar que ela estivesse fazendo aquilo para chamar a atenção. Que fosse 100% sã e quisesse criar uma Disney paranormal. Então ela fez um trabalho porco. Construiu a casa até morrer, mas não fez nada além disso, deixou algumas pessoas inventarem lendas e depois ela virou uma atração turística.

Se ela queria criar uma atração turística… bem… na época dela ainda não havia uma Las Vegas para servir de exemplo, mas ela também fez um trabalho porco. Não deixou nada no testamento, apenas largou a casa quando morreu.

Se ela fosse louca e estivesse construindo uma casa aleatoriamente projetada por fantasmas do bem que estavam ensinando ela a construir uma armadilha para capturar fantasmas maus… por que tanto capricho em detalhes que passariam batidos? Os painéis de vidro que ela projetava, os lustres feitos de ouro e prata, os adereços da casa. Aquilo não era para fantasmas.

Algo, eu ainda não sabia o que, não se encaixava.

…continua na parte II

 

 

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-mansao-winchester/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-mansao-winchester/

Curso de Tarot, Hermetismo e História da Arte

Este é um post sobre um Curso de Hermetismo já ministrado!

Se você chegou até aqui procurando por Cursos de Ocultismo, Kabbalah, Astrologia ou Tarot, vá para nossa página de Cursos ou conheça nossos cursos básicos!

Em Dezembro (Vila Mariana, São Paulo)

14/12 – Tarot (Arcanos Maiores)

15/12 – Tarot (Arcanos Menores)

No curso de Arcanos Maiores, utilizamos 18 tarots diferentes. Estudamos cada um dos 22 Caminhos da Árvore da Vida e sua correlação simbólica e imagética com cada Arcano do Tarot.

Começamos pelo Visconti-Sforza, do século XIII, que une a simbologia dos Trionfi renascentistas à estrutura da Árvore da Vida. Em seguida, o tradicional Tarot de Marselha (1560), o Tarocchi Bolognese (1780) e o Ancient Italian (século XIX) para conhecermos as variações das escolas de tarot renascentistas; o tarot de Papus (Boêmios, 1889), Oswald Wirth (1889) que trazem as primeiras interações do tarot com a Maçonaria e o rosacrucianismo; o tarot de Rider Waite (1909), Golden Dawn (1978), e Tarot de Thoth (Crowley) usados dentro de Ordens herméticas. Isto nos dá uma noção muito clara de como os Arcanos se desenvolveram ao longo da história da magia e quais são as principais escolas; suas diferenças e semelhanças.

Também estudamos o Tarot Mitológico, Sephiroth Tarot (cabalístico) e o Tarot Egípcio e mais quatro ou cinco tarots modernos que eu vario de curso para curso para exemplificar a visão de outras culturas (celta, africano, dos orixás, etc). Somente com esta visão de conjunto é possível compreender a magnitude do tarot e as maneiras como ele pode ser utilizado em rituais e no seu altar pessoal.

Informações e inscrições: marcelo@daemon.com.br

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/curso-de-tarot-hermetismo-e-hist%C3%B3ria-da-arte

A Chave dos Grandes Mistérios

Eliphas Levi

A Chave dos Grandes Mistérios De acordo com Henoch, Abraão, Hermes Trismegisto e Salomão

Eliphas Levi

 

Chave absoluta das ciências ocultas dada por
Guilherme de Postel e completado por Eliphas Levi.

A religião diz: Acreditai e compreendereis. A ciência vem vos dizer: Compreendei e acreditareis. “Então, toda a ciência mudará de fisionomia; o espírito, por muito tempo destronado e esquecido, retomará seu lugar; será demonstrado que as tradições antigas são inteiramente verdadeiras; que o paganismo não passa de um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que basta limpá-las, por assim dizer, e recolocá-las em seu lugar, para vê-las brilhar com todo o esplendor. Em uma palavra, todas as idéias mudarão; e, uma vez que, de todos os lados, uma multidão de eleitos clama em concerto: “Vinde, Senhor, vinde!”, por que reprovaríeis os homens que se lançam nesse futuro majestoso e se glorificam de adivinhá-lo?”

Joseph de Maistre,

Soirées de Saint-Pétersbourg

PREFÁCIO

Os espíritos humanos têm a vertigem do mistério. O mistério é o abismo que atrai, sem cessar, nossa curiosidade inquieta por suas formidáveis profundezas.

O maior mistério do infinito é a existência de Aquele para quem e somente para Ele – tudo é sem mistério.

Compreendendo o infinito, que é essencialmente incompreensível, ele próprio é o mistério infinito e externamente insondável, ou seja, ele é, ao que tudo indica, esse absurdo por excelência, em que acreditava Tertuliano.

Necessariamente absurdo, uma vez que a razão deve renunciar para sempre a atingi-lo; necessariamente crível, uma vez que a ciência e a razão, longe de demonstrar que ele não é, são fatalmente levadas a deixar acreditar que ele é, e elas próprias a adorá-lo de olhos fechados.

É que esse absurdo é a fonte infinita da razão, a luz brota eternamente das trevas eternas, a ciência, essa Babel do espírito, pode torcer e sobrepor suas espirais subindo sempre; ela poderá fazer oscilar a Terra, nunca tocará o céu.

Deus é o que aprenderemos eternamente a conhecer. É, por conseguinte, o que nunca saberemos.

O domínio do mistério é um campo aberto às conquistas da inteligência. Pode-se andar nele com audácia, nunca se reduzirá sua extensão, mudar-se-á somente de horizontes. Todo saber é o sonho do impossível, mas ai de quem não ousa aprender tudo e não sabe que, para saber alguma coisa, é preciso resignar-se-a estudar sempre!

Dizem que para bem aprender é preciso esquecer várias vezes. O mundo seguiu esse método. Tudo o que se questiona em nossos dias havia sido resolvido pelos antigos; anteriores a nossos anais, suas soluções escritas em hieróglifos não tinham mais sentido para nós; um homem reencontrou sua chave, abriu as necrópoles da ciência antiga e deu a seu século todo um mundo de teoremas esquecidos, de sínteses simples e sublimes como a natureza, irradiando sempre unidade e multiplicando-se como números, com proporções tão exatas quanto o conhecimento demonstra e revela o desconhecido. Compreender essa ciência é ver Deus. O autor deste livro, ao terminar sua obra, acreditará tê-lo demonstrado.

Depois, quando tiverdes visto Deus, o hierofante vos dirá: Virai-vos e, na sombra que projetais na presença desse sol das inteligências, ele fará aparecer o Diabo, o fantasma negro que vedes quando não olhais para Deus e quando acreditais ter preenchido o céu com vossa sombra, porque os vapores da terra parecem tê-la feito crescer ao subir.

Pôr de acordo, na ordem religiosa, a ciência com a revelação e a razão com a fé, demonstrar em filosofia os princípios absolutos que conciliam todas as antinomias, revelar enfim o equilíbrio universal das forças naturais, tal é a tripla finalidade desta obra, que será, por conseguinte, dividida em três partes.

Mostraremos a verdadeira religião com caracteres tais que ninguém, crente ou não, poderá desconhecê-la, será o absoluto em matéria de religião. Estabeleceremos, em filosofia, os caracteres imutáveis dessa verdade, que é, em ciência, realidade, em julgamento, razão e, em moral, justiça. Enfim, faremos conhecer estas leis da natureza cujo equilíbrio é o sustento e mostraremos o quanto são vãs as fantasias de nossa imaginação diante das realidades fecundas do movimento e da vida. Convidaremos também os grandes poetas do futuro para refazerem a divina comédia, não mais de acordo com os sonhos do homem, mas segundo as matemáticas de Deus.

Mistério dos outros mundos, forças ocultas, revelações estranhas, doenças misteriosas, faculdades excepcionais, espíritos, aparições, paradoxos mágicos, arcanos herméticos, diremos tudo e explicaremos tudo. Quem pois nos deu esse poder? Não tememos revelá-lo a nossos leitores.

Existe um alfabeto oculto e sagrado que os hebreus atribuem a Henoch, os egípcios a Tot ou a Mercúrio Trismegisto, os gregos a Cadmo e a Palamédio. Esse alfabeto, conhecido pelos pitagóricos, compõe-se de idéias absolutas ligadas a signos e a números e realiza, por suas combinações, as matemáticas do pensamento. Salomão havia representado esse alfabeto por setenta e dois nomes escritos em trinta e seis talismãs e é o que os iniciados do Oriente denominam ainda de as pequenas chaves ou clavículas de Salomão. Essas chaves são descritas e seu uso é explicado num livro cujo dogma tradicional remonta ao patriarca Abraão, é o Sepher Yétsirah, e, com a inteligência do Sepher Yétsirah, penetra-se o sentido oculto do Zohar, o grande livro dogmático da Cabala dos hebreus. As clavículas de Salomão, esquecidas com o tempo e que se dizia estarem perdidas, nós as encontramos, e abrimos sem dificuldade todas as portas dos antigos santuários, onde a verdade absoluta parecia dormir, sempre jovem e sempre bela, como aquela princesa de um conto infantil que espera durante um século de sono o esposo que deve despertá-la.

Depois de nosso livro, ainda haverá mistérios, mas mais alto e mais longe nas profundezas infinitas. Esta publicação é uma luz ou uma loucura, uma mistificação ou um monumento. Lede, refleti e julgai.

Primeira Parte

Mistérios Religiosos

Problemas a resolver

I. Demonstrar de uma maneira certa e absoluta a existência de um Deus e dela dar uma idéia satisfatória para todos os espíritos.

II. Estabelecer a existência de uma verdadeira religião de maneira a torná-la incontestável.

III. Indicar o alcance e a razão de ser de todos os mistérios da religião única, verdadeira e universal.

IV. Transformar as objeções da filosofia em argumentos favoráveis à verdadeira religião.

V. Traçar o limite entre a religião e a superstição e dar a razão dos milagres e dos prodígios.

Considerações preliminares

Quando o conde Joseph de Maistre, este grande lógico apaixonado, disse com desespero: O mundo está sem religião, assemelhou-se àqueles que dizem temerariamente: Deus não existe.

O mundo, com efeito, está sem a religião do conde Joseph de Maistre, assim como é provável que Deus, tal qual o concebe a maioria dos ateus, não exista.

A religião é uma idéia apoiada num fato constante e universal; a humanidade é religiosa: a palavra religião tem, portanto, um sentido necessário e absoluto. A própria natureza consagra a idéia que representa essa palavra e a eleva à altura de um princípio.

A necessidade de crer liga-se estreitamente à necessidade de amar: é por isso que as almas têm necessidade de comungar com as mesmas esperanças e com o mesmo amor. As crenças isoladas não passam de dúvidas: é o laço da confiança mútua que faz a religião ao criar a fé.

A fé não se inventa, não se impõe, não se estabelece por convicção política; manifesta-se, como a vida, com uma espécie de fatalidade. O mesmo poder que dirige os fenômenos da natureza estende e limita, além de todas as previsões humanas, o domínio sobrenatural da fé. Não se imaginam as revelações, elas se impõem, e nelas se crê. Por mais que o espírito proteste contra as obscuridades do dogma, está subjugado pela atração dessas mesmas obscuridades, e freqüentemente o mais indócil dos pensadores coraria em aceitar o título de homem sem religião.

A religião ocupa um espaço bem maior entre as realidades da vida do que pretendem crer aqueles que dispensam a religião ou que têm a pretensão de dispensá-la. Tudo o que eleva o homem acima do animal, o amor moral, a abnegação, a honra são sentimentos essencialmente religiosos. O culto da pátria e do lar, a religião do juramento e das lembranças são coisas que a humanidade jamais abjurará sem se degradar completamente, e que não saberiam existir sem a crença em alguma coisa maior do que a vida mortal, com todas as suas vissicitudes, suas ignorâncias e suas misérias.

Se a perda eterna no nada tivesse de ser o resultado de todas as nossas aspirações às coisas sublimes que sentimos serem eternas, a fruição do presente, o esquecimento do passado e a displicência para com o futuro seriam nossos únicos deveres, e seria rigorosamente verdadeiro dizer, com um sofista célebre, que o homem que pensa é um animal degradado.

Por isso, de todas as paixões humanas, a paixão religiosa é a mais poderosa e a mais vivaz. Produz-se seja pela afirmação seja pela negação, com igual fanatismo, uns afirmando com obstinação o deus que fizeram à sua imagem, outros negando Deus com temeridade, como se tivessem podido compreender e devastar por um único pensamento todo o infinito que está ligado a seu grande nome.

Os filósofos não refletiram suficientemente sobre o fato fisiológico da religião na humanidade: a religião, com efeito, existe além de toda discussão dogmática. É uma faculdade da alma humana, da mesma forma que a inteligência e o amor. Enquanto houver homens, a religião existirá. Considerada assim, ela não é outra coisa que a necessidade de um idealismo infinito, necessidade que justifica todas as aspirações ao progresso, que inspira todas as abnegações, que sozinha impede a virtude e a honra de serem unicamente palavras que servem para iludir a vaidade dos fracos e dos tolos em proveito dos fortes e dos hábeis.

É a essa necessidade inata de crença que se poderia dar o nome de religião natural, e tudo o que tende a diminuir e limitar o impulso dessa crença está, na ordem religiosa, em oposição à natureza. A essência do objeto religioso é o mistério, uma vez que a fé começa no desconhecido e abandona todo o resto às investigações da ciência. A dúvida é, aliás, mortal à fé; ela sente que a intervenção do ser divino é necessária para cobrir o abismo que separa o finito do infinito e afirma essa intervenção com todo o ímpeto de seu coração, com toda a docilidade de sua inteligência. Fora desse ato de fé, a necessidade religiosa não encontra satisfação e transmuta-se em ceticismo e em desespero. Mas, para que o ato de fé não seja um ato de loucura, a razão quer que ele seja dirigido e regulado. Pelo quê? Pela ciência? Vimos que nesse caso a ciência é impotente. Pela autoridade civil? É absurdo. Colocai guardas para vigiar as orações!

Resta, pois, a autoridade moral, única que pode constituir o dogma e estabelecer a disciplina do culto de comum acordo, dessa vez, com a autoridade civil, mas não conforme às suas ordens; é preciso, em uma palavra, que a fé dê à necessidade religiosa uma satisfação real, inteira, permanente, indubitável. Para tanto, é preciso a afirmação absoluta, invariável, de um dogma conservado por uma hierarquia autorizada. É preciso um culto eficaz que dê, com uma fé absoluta, uma realização substancial aos signos da crença.

A religião, assim compreendida, sendo a única que satisfaz a necessidade natural de religião, deve ser chamada de a única verdadeiramente natural. E chegamos por nós mesmos a esta dupla definição: a verdadeira religião natural é a religião revelada, é a religião hierárquica e tradicional, que se afirma absolutamente acima das discussões humanas pela comunhão da fé, da esperança e da caridade.

Ao representar a autoridade moral e ao realizá-la pela eficácia de seu ministério, o sacerdote é santo e infalível, enquanto a humanidade está sujeita ao vício e ao erro. O padre, ao agir como padre, é sempre o representante de Deus. Pouco importam as faltas ou mesmo os crimes do homem. Quando Alexandre VI fazia uma ordenação, não era o envenenador que impunha as mãos aos bispos, era o papa. Ora, o papa Alexandre VI nunca corrompeu nem falsificou os dogmas que o condenavam, os sacramentos que, em suas mãos, salvavam os outros e não o justificavam. Houve sempre e em todos os lugares homens mentirosos e criminosos; mas, na Igreja hierárquica e divinamente autorizada, nunca houve e nunca haverá nem maus papas nem maus padres. Mau e padre são palavras que não se ajustam.

Falamos de Alexandre VI e acreditamos que esse nome baste, sem que nos oponham outras lembranças justamente execradas. Grandes criminosos puderam duplamente desonrar-se, por causa do caráter sagrado de que estavam revestidos; mas não lhes foi dado desonrar esse caráter, que continua sempre radiante e esplêndido acima da humanidade que cai.

Dissemos que não há religião sem mistérios; acrescentemos que não há mistérios sem símbolos. Sendo o símbolo a fórmula ou a expressão do mistério, ele só exprime sua profundidade desconhecida por imagens paradoxais emprestadas do conhecido. Devendo caracterizar o que está acima da razão científica, a forma simbólica deve necessariamente encontrar-se fora dessa razão: daí, a palavra célebre e perfeitamente justa de um Pai da Igreja: Creio, porque é absurdo, credo quia absurdum.

Se a ciência afirmasse o que não sabe, destruiria a si própria. A ciência não pode, portanto, realizar a obra da fé, tanto quanto a fé não pode decidir em matéria de ciência. Uma afirmação de fé com que a ciência tenha a temeridade de ocupar-se será apenas um absurdo para ela, da mesma forma que uma afirmação de ciência que nos fosse dada como artigo de fé seria um absurdo na ordem religiosa. Crer e saber são dois termos que nunca se podem confundir.

Tampouco poderiam opor-se um ao outro num antagonismo qualquer. É impossível, com efeito, crer no contrário do que se sabe sem deixar, por isso mesmo, de o saber, e é igualmente impossível chegar a saber o contrário do que se crê sem deixar imediatamente de crer.

Negar ou mesmo contestar as decisões da fé, e isso em nome da ciência, é provar que não se compreende nem a ciência nem a fé: com efeito, o mistério de um Deus em três pessoas não é um problema de matemática; a encarnação do Verbo não é um fenômeno que pertença à medicina; a redenção escapa à crítica dos historiadores. A ciência é absolutamente impotente para decidir se se tem ou não razão de se acreditar ou não no dogma; ela pode constatar somente os resultados da crença e, se a fé torna evidentemente os homens melhores, se, aliás, a fé em si mesma, considerada como um fato fisiológico, é evidentemente uma necessidade e uma força, será preciso que a ciência o admita e tome o sábio partido de contar sempre com a fé.

Ousemos afirmar agora que existe um fato imenso, igualmente apreciável pela fé e pela ciência, um fato que torna Deus visível de algum modo sobre a terra, um fato incontestável e de alcance universal; esse fato é a manifestação, no mundo, a partir da época em que começa a revelação cristã, de um espírito desconhecido pelos antigos, de um espírito evidentemente divino, mais positivo que a ciência em suas obras, mais magnificamente ideal em suas aspirações que a mais elevada poesia, um espírito para o qual era preciso criar um nome novo, completamente inaudito nos santuários da Antigüidade. Assim, esse nome foi criado, e demonstraremos que esse nome, que essa palavra é, em religião, tanto para a ciência quanto para a fé, a expressão do absoluto; a palavra é caridade e o espírito de que falamos chama-se o espírito de caridade.

Diante da caridade, a fé prosterna-se e a ciência, vencida, inclina-se. Há evidentemente aqui alguma coisa maior do que a humanidade; a caridade prova por suas obras que não é um sonho. É mais forte do que todas as paixões; triunfa sobre o sofrimento e a morte; faz que Deus seja compreendido por todos os corações e parece já preencher a eternidade pela realização iniciada de suas legítimas esperanças.

Diante da caridade viva e atuante, que Proudhon ousará blasfemar? Que Voltaire ousará rir?

Empilhai, um sobre os outros, os sofismas de Diderot, os argumentos críticos de Strauss, as Ruínas de Volney – tão bem nomeadas, pois esse homem não poderia fazer senão ruínas -, as blasfêmias dessa revolução cuja voz extingue-se uma vez no sangue e outra no silêncio do desprezo; acrescentei a isso o que o futuro pode nos reservar de monstruosidades e devaneios; depois, que venha a mais humilde e a mais simples de todas as irmãs da caridade, o mundo abandonará todas as suas tolices, todos os seus crimes, todos os seus devaneios doentios, para inclinar-se diante dessa realidade sublime.

Caridade! palavra divina, palavra que, por si, leva à compreensão de Deus, palavra que contém uma revelação inteira! Espírito de caridade, aliança de duas palavras que são toda uma solução e todo um futuro! Que pergunta, com efeito, essas duas palavras não podem responder?

O que é Deus para nós senão o espírito de caridade? o que é a ortodoxia? não é o espírito de caridade que não discute sobre a fé a fim de não alterar a confiança dos pequenos e de não perturbar a paz da comunhão universal? Ora, o que é a Igreja universal senão a comunhão em espírito de caridade? É pelo espírito de caridade que a Igreja é infalível. O espírito de caridade é a virtude divina do sacerdócio.

Dever dos homens, garantia de seus direitos, prova de sua imortalidade, eternidade de felicidade iniciada para eles na terra, objetivo glorioso dado a sua existência, fim e meio de seus esforços, perfeição de sua moral individual, civil e religiosa, o espírito de caridade abrange tudo, aplica-se a tudo, tudo pode esperar, tudo empreender e tudo cumprir.

Era pelo espírito de caridade que Jesus, expirando na cruz, dava a sua mãe um filho na pessoa de São João e, triunfando sobre as angústias do mais horrível suplício, soltava um grito de libertação e de salvação ao dizer: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito.”

Foi pelo espírito de caridade que doze artesãos da Galiléia conquistaram o mundo; amaram a verdade mais do que suas vidas; e foram sozinhos dizê-la aos povos e aos reis; provados pela tortura, foram considerados fiéis. Mostraram às multidões a imortalidade viva em sua morte e regaram a terra com um sangue cujo calor não podia extinguir-se, pois neles ardia a chama da caridade.

Foi pela caridade que os apóstolos constituíram seus símbolos. Disseram que acreditar juntos é melhor do que duvidar separadamente; constituíram a hierarquia sobre a obediência, tornada tão nobre e tão grande pelo espírito de caridade, que servir assim é reinar; formularam a fé de todos e a esperança de todos e puseram esse símbolo sob a guarda da caridade de todos. Ai do egoísta que se apropria de uma só palavra dessa herança do Verbo, pois é um deicida que quer desmembrar o corpo do Senhor.

O símbolo é a arca sagrada da caridade, quem quer que o toque é atingido pela morte eterna, pois a caridade retira-se dele. É a herança sagrada de nossos filhos, é o preço do sangue de nossos pais.

Era pela caridade que os mártires se consolavam nas prisões dos césares e atraíam para sua crença seus guardas e mesmo seus carrascos.

Era em nome da caridade que São Martinho de Tours protestava contra o suplício dos priscilianos e separava-se da comunhão do tirano que queria impor a fé pela espada.

Foi pela caridade que tantos santos consolaram o mundo dos crimes cometidos em nome da própria religião e dos escândalos do santuário profanado.

Foi pela caridade que São Vicente de Paulo e Fenelon impuseram-se à admiração dos séculos, mesmo aos mais ímpios, e fizeram calar de antemão o riso dos filhos de Voltaire diante da seriedade imponente de suas virtudes.

Foi pela caridade, enfim, que a loucura da cruz tornou-se a sabedoria das nações, porque todos os nobres corações compreenderam que é mais elevado acreditar ao lado dos que amam e devotam-se do que duvidar ao lado dos egoístas e dos escravos do prazer!

ARTIGO I

Solução do primeiro problema

O VERDADEIRO DEUS

Deus só pode ser definido pela fé; a ciência não pode negar nem afirmar que ele existe.

Deus é o objeto absoluto da fé humana. No infinito, é a inteligência suprema e criadora da ordem. No mundo, é o espírito de caridade.

Será o Ser universal uma máquina fatal que tritura eternamente as inteligências ocasionais ou uma inteligência providencial que dirige as forças para a melhoria dos espíritos?

A primeira hipótese repugna à razão, é desesperadora e imoral.

Ciência e razão devem, portanto, inclinar-se diante da segunda.

Sim, Proudhon, Deus é uma hipótese, mas é uma hipótese tão necessária que, sem ela, todos os teoremas tornam-se absurdos ou duvidosos.

Para os iniciados da cabala, Deus é a unidade absoluta que cria e anima os números.

A unidade da inteligência humana demonstra a unidade de Deus.

A chave dos números é a dos símbolos, porque os sintomas são as figuras analógicas da harmonia que vem dos números.

As matemáticas não saberiam demonstrar a fatalidade cega, uma vez que são a expressão da exatidão que é o caráter da mais suprema razão.

A unidade demonstra a analogia dos contrários; é o princípio, o equilíbrio e o fim dos números. O ato de fé parte da unidade e retorna à unidade.

Vamos esboçar uma explicação da Bíblia pelos números, porque a Bíblia é o livro das imagens de Deus.

Perguntaremos aos números a razão dos dogmas da religião eterna, e os números responderão sempre, reunindo-se na síntese da unidade.

 

As poucas páginas que se seguem são simples apanhados das hipóteses cabalísticas; são externas à fé e as indicamos somente como pesquisas curiosas. Não nos cabe inovar em matéria de dogma, e nossas asserções como iniciado estão inteiramente subordinadas à nossa submissão como cristão.

Esboço da teologia profética dos números

I. A UNIDADE

A unidade é o princípio e a síntese dos números, é a idéia de Deus e do homem, é a aliança da razão e da fé.

A fé não pode ser oposta à razão, é exigida pelo amor, é idêntica à esperança. Amar é acreditar e esperar, e esse triplo ímpeto da alma é chamado virtude, porque é preciso coragem para realizá-lo. Mas haveria coragem nisso se a dúvida não fosse possível? Ora, poder duvidar é duvidar. A dúvida é a força equilibrante da fé e tem todo o seu mérito.

A própria natureza nos induz a crer, mas as fórmulas de fé são constatações sociais das tendências da fé numa época dada. É o que dá a infalibilidade à Igreja, infalibilidade de evidência e de fato.

Deus é necessariamente o mais desconhecido de todos os seres, uma vez que só é definido em sentido inverso de nossas experiências, é tudo o que não somos, é o infinito oposto ao finito por hipótese contraditória.

A fé e, por conseguinte, a esperança e o amor são tão livres que o homem, longe de impô-los aos outros, não os impõe a si mesmo.

São graças, diz a religião. Ora, será concebível que se exija a graça, isto é, que se queira forçar os homens ao que vem livre e gratuitamente do céu? É preciso desejar-lhes isso.

Raciocinar sobre a fé é disparatar, uma vez que o objeto da fé é externo à razão. Se me perguntam: “Existe um Deus?”, eu respondo: “Acredito que sim.” “Mas o senhor tem certeza disso?” “Se tivesse certeza, não acreditaria nele, eu o saberia.”

Formular a fé é admitir termos da hipótese comum.

A fé começa onde a ciência acaba. Ampliar a ciência é aparentemente suprimir a fé, e, na realidade, é ampliar igualmente seu domínio, pois é ampliar sua base.

Só se pode adivinhar o desconhecido por suas proporções supostas ou passíveis de serem supostas do conhecido.

A analogia era o dogma único dos antigos magos. Dogma verdadeiramente mediador, pois é metade científico, metade hipotético, metade razão e metade poesia. Esse dogma foi e será sempre o gerador de todos os outros.

O que é o Homem-Deus? É o que realiza na vida mais humana o ideal mais divino.

A fé é uma adivinhação da inteligência e do amor dirigidos pelos índices da natureza e da razão.

Faz parte, portanto, da essência das coisas de fé serem inacessíveis à ciência, duvidosas para a filosofia e indefinidas para a certeza.

A fé é uma realização hipotética dos fins últimos da esperança. É a adesão ao signo visível das coisas que não se vê.

Sperandarum substantia rerum

Argumentum non apparentium

Para afirmar sem disparate que Deus existe ou não, é preciso partir de uma definição sensata ou insensata de Deus. Ora, essa definição para ser sensata deve ser hipotética, analógica e negativa do finito conhecido. Pode-se negar um Deus qualquer, mas o Deus absoluto não se nega tanto quanto não se prova; é sensatamente suposto e nele se acredita.

Bem-aventurados os que têm o coração puro, pois verão a Deus, disse o Mestre; ver com o coração é acreditar e, se essa fé se relaciona ao verdadeiro bem, não pode ser enganada contanto que não procure definir muito seguindo as induções arriscadas da ignorância pessoal. Nossos julgamentos, em matéria de fé, aplicam-se a nós mesmos, será para nós como tivermos acreditado. Isto é, nós próprios nos fazemos à semelhança de nosso ideal.

Quem faz os deuses torna-se semelhante a eles, assim como todos aqueles que lhes dão sua confiança.

O ideal divino do velho mundo fez a civilização que acabou, e não se deve desesperar ao ver o deus de nossos bárbaros pais tornar-se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem-se diabos com deuses de refugo, e Satã só é assim tão incoerente e tão disforme porque é feito com todos os retalhos das antigas teogonias. É a esfinge sem palavra, é o enigma sem solução, é o mistério sem verdade, é o absoluto sem realidade e sem luz.

O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem.

Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faça-se a luz!

O homem é a forma do pensamento divino, e Deus é a síntese idealizada do pensamento humano.

Assim, o Verbo de Deus é o que revela o homem, e o Verbo do homem é o que revela Deus.

O homem é o Deus do mundo, e Deus é o homem do céu.

Antes de dizer: Deus quer, o homem quis.

Para compreender e honrar Deus todo-poderoso, é preciso que o homem seja livre.

Obedecendo e abstendo-se por temor ao fruto da ciência, tendo sido inocente e estúpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordão de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda.

E é por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela-se glorioso com o grande condenado do calvário e entra com ele no reino do céu.

Pois o reino do céu pertence à inteligência e ao amor, ambos filhos da liberdade!

Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pôr seu coração à prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte.

O homem amou e sentiu-se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperança eterna.

Lançou-se em direção de sua noiva através da sombra da morte e o espectro desapareceu.

O homem possuía a liberdade; tinha abraçado a vida.

Expia agora tua glória, ó Prometeu!

Teu coração devorado sem cessar não pode morrer; é o teu abutre e Júpiter que morrerão.

Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provação terá acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais.

Então viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos às suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor.

Seremos, sem dúvida, os primogênitos de uma nova raça; anjos do porvir.

Mensageiros celestes, vogaremos na imensidão e as estrelas serão nossas brancas naus.

Transformar-nos-emos em doces visões para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lírios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra.

Tocaremos a pálpebra da criança que dorme e alegraremos docemente o coração de sua mãe com o espetáculo da beleza de seu filho bem-amado.

II. O BINÁRIO

O binário é mais particularmente o número da mulher, esposa do homem e mãe da sociedade.

O homem é o amor na inteligência, a mulher é a inteligência no amor.

A mulher é o sorriso do criador contente de si próprio, e foi depois de tê-la feito que ele descansou, diz a parábola celeste.

A mulher está antes do homem, porque é mãe e tudo lhe é perdoado de antemão porque dá à luz com dor.

A mulher foi quem primeiro se iniciou na imortalidade pela morte; o homem, então, a viu tão bela e a compreendeu tão generosa, que não quis sobreviver a ela, e amou-a mais do que sua vida, mais do que sua felicidade eterna.

Feliz proscrito! já que lhe foi dada como companheira de seu exílio.

Mas os filhos de Caim revoltaram-se contra a mãe de Abel e escravizaram sua mãe.

A beleza da mulher tornou-se uma presa para a brutalidade dos homens sem amor.

Então, a mulher fechou seu coração como um santuário desconhecido e disse aos homens indignos dela: “Sou virgem, mas quero ser mãe, e meu filho ensinar-vos-á a me amar.”

Ó Eva! sê saudada e adorada em tua queda!

Ó Maria! sê abençoada e adorada em tuas dores e em tua glória!

Santa crucificada que sobrevivia a teu Deus para enterrar teu filho, sê para nós a última palavra da revelação divina!

Moisés chamava Deus de Senhor, Jesus chamava-o de meu Pai, e nós, pensando em ti, diremos à Providência: “Sois nossa mãe!”

Filhos da mulher, perdoemos a mulher decaída.

Filhos da mulher, adoremos a mulher regenerada.

Filhos da mulher, que dormimos em seu seio, que fomos embalados em seus braços e consolados por seus carinhos, amemo-la e amemo-nos entre nós!

III. O TERNÁRIO

O ternário é o número da criação.

Deus criou a si próprio eternamente e o infinito que ele preenche com suas obras é uma criação incessante e infinita.

O amor supremo contempla-se na beleza como em um espelho, e experimenta todas as formas como enfeites, pois é o noivo da vida.

O homem também afirma e cria a si próprio: enfeita-se com suas conquistas, ilumina-se com suas concepções, reveste-se com suas obras como que com vestes nupciais.

A grande semana da criação foi imitada pelo gênio humano divinizando as formas da natureza.

Cada dia forneceu uma revelação nova, cada rei progressivo do mundo foi por um dia a imagem e a encarnação de Deus! Sonho sublime que explica os mistérios da Índia e justifica todos os simbolismos!

A elevada concepção do homem-Deus corresponde à criação de Adão, e o cristianismo, à semelhança dos primeiros dias do homem típico no paraíso terrestre, foi apenas uma aspiração e uma viuvez.

Esperamos o culto da esposa e da mãe, aspiramos às núpcias da nova aliança.

Então os pobres, os cegos, todos os proscritos do velho mundo serão convidados para o festim e receberão um traje nupcial; e olhar-se-ão uns aos outros com uma grande doçura e um inefável sorriso, porque terão chorado muito tempo.

IV. O QUATERNÁRIO

O quaternário é o número da força. É o ternário completado por seu produto, é a unidade rebelada reconciliada à trindade soberana.

No ardor primeiro da vida, o homem, tendo esquecido sua mãe, compreendeu Deus apenas como um pai inflexível e cioso.

O sombrio Saturno, armado com sua foice parricida, põe-se a devorar seus filhos.

Júpiter teve cenhos que abalaram o Olimpo, e Jeová, trovões que ensurdeceram as solidões do Sinai.

E, no entanto, o pai dos homens, embriagado às vezes como Noé, deixava o mundo perceber os mistérios da vida.

Psiquê, divinizada por suas aflições, tornava-se esposa do Amor; Adônis ressuscitado reencontrava Vênus no Olimpo; Jó, vitorioso ao mal, recuperava mais do que tinha perdido.

A lei é uma prova de coragem. Amar a vida mais do que se teme as ameaças da morte é merecer a vida.

Os eleitos são os que ousam; ai dos tímidos!

Assim, os escravos da lei que se fazem os tiranos das consciências, e os servidores do temor, e os avaros de esperança, e os fariseus de todas as sinagogas e de todas as igrejas, estes são os réprobos e os malditos do Pai!

Cristo não foi excomungado e crucificado pela sinagoga?

Savonarola não foi queimado por ordem de um pontífice da religião cristã?

Os fariseus não são hoje o que eram no tempo de Caifás?

Se alguém lhes fala em nome da inteligência e do amor, escutá-lo-ão?

Foi arrancando os filhos da liberdade à tirania dos Faraós que Moisés inaugurou o reino do Pai.

Foi quebrando o jugo insuportável do farisaísmo mosaico que Jesus convidou todos os homens à fraternidade do filho único de Deus.

Quando caírem os últimos ídolos, quando se quebrarem as últimas correntes materiais das consciências, quando os últimos matadores de profetas, quando os últimos sufocadores do Verbo forem confundidos, será o reino do Espírito Santo.

Glória, pois, ao Pai, que enterrou o exército do Faraó no mar Vermelho!

Glória ao Filho que rasgou o véu do templo e cuja cruz extremamente pesada posta sobre a coroa dos Césares quebrou contra a terra a fronte dos Césares!

Glória ao Espírito Santo que deve varrer da terra com seu sopro terrível todos os ladrões e todos os carrascos para dar lugar ao banquete dos filhos de Deus!

Glória ao Espírito Santo que prometeu ao anjo da liberdade a conquista da terra e do céu.

O anjo da liberdade nasceu antes da aurora do primeiro dia, antes mesmo do despertar da inteligência, e Deus o denominou estrela da manhã.

Ó Lúcifer, tu te desligaste voluntária e desdenhosamente do céu onde o sol te inundava com sua claridade, para sulcar com teus próprios raios os campos agrestes da noite.

Brilhas quando o sol se põe e teu olhar resplandecente precede o nascer do dia.

Cais para de novo levantar; experimentas a morte para melhor conhecer a vida.

És, para as glórias antigas do mundo, a estrela da noite; para a verdade renascente, a bela estrela da manhã!

A liberdade não é a licença: a licença é a tirania.

A liberdade é a guardiã do dever, porque ela reivindica o direito.

Lúcifer, cujas idades das trevas fizeram o gênio do mal, será verdadeiramente o anjo da luz quando, tendo conquistado a liberdade ao preço da reprovação, fizer uso dela para se submeter à ordem eterna, inaugurando assim as glórias da obediência voluntária.

O direito é apenas a raiz do dever, é preciso possuir para dar.

Ora, eis como uma elevada poesia explica a queda dos anjos.

Deus tinha dado aos espíritos a luz e a vida, depois lhes disse: Amai.

– O que é amar?, responderam os espíritos.

– Amar é dar-se aos outros, respondeu Deus. – Os que amarem sofrerão, mas serão amados.

– Temos o direito de não dar nada, e nada queremos sofrer, disseram os espíritos inimigos do amor.

– Estais em vosso direito, respondeu Deus -, e separemo-nos. Eu e os meus queremos sofrer e morrer, mesmo para amar. É nosso dever!

O anjo caído é pois aquele que desde o princípio recusou amar; não ama, e é todo o seu suplício; não dá, e é toda a sua miséria; não sofre, e é seu nada; não morre, e é seu exílio.

O anjo caído não é Lúcifer, o porta-luz, é Satã, o caluniador do amor.

Ser rico é dar; não dar nada é ser pobre; viver é amar, não amar nada é estar morto; ser feliz é devotar-se; existir somente para si é reprovar a si próprio, é seqüestrar-se no inferno.

O céu é a harmonia dos sentimentos gerais; o inferno é o conflito dos instintos lassos.

O homem do direito é Caim, que matou Abel por inveja; o homem do dever é Abel, que morre para Caim por amor.

E tal foi a missão do Cristo, o grande Abel da humanidade.

Não é pelo direito que devemos ousar em tudo, é pelo dever.

O dever é a expansão e a fruição da liberdade; o direito isolado é o pai da servidão.

O dever é a obrigação, o direito é o egoísmo.

O dever é o sacrifício, o direito é a rapina e o roubo.

O dever é o amor, o direito é o ódio.

O dever é a vida infinita, o direito é a morte eterna.

Se é preciso combater pela conquista do direito, é somente para adquirir a potência do dever: e por que seríamos livres se não fosse para amar, devotarmo-nos e, assim, assemelharmo-nos a Deus?

Se é preciso infringir a lei, é quando ela submete o amor ao medo.

Aquele que quiser salvar sua alma perdê-la-á, diz o livro santo, e aquele que consentir em perdê-la salvá-la-á.

O dever é amar: pereça todo aquele que cria obstáculos ao amor! Silêncio aos oráculos do ódio! Aniquilamento aos falsos deuses do egoísmo e do medo! Vergonha aos escravos avaros de amor!

Deus ama os filhos pródigos!

V. O QUINÁRIO

O quinário é o número religioso, pois é o número de Deus reunido ao da mulher.

A fé não é a credulidade estúpida da ignorância maravilhada.

A fé é a consciência e a confiança do amor.

A fé é o grito da razão que persiste em negar o absurdo, mesmo diante do desconhecido.

A fé é um sentimento necessário à alma como a respiração à vida: é a dignidade do coração, é a realidade do entusiasmo.

A fé não consiste na afirmação deste ou daquele símbolo, mas na aspiração verdadeira e constante às verdades veladas por todos os simbolismos.

Um homem rejeita uma idéia indigna da divindade, quebra suas falsas imagens, revolta-se contra odiosas idolatrias, e dizeis que é um ateu?

Os perseguidores da Roma decaída também chamavam os primeiros cristãos de ateus, porque não adoravam os ídolos de Calígula ou de Nero.

Negar toda uma religião e mesmo todas as religiões de preferência a aderir a fórmulas que a consciência reprova é um corajoso e sublime ato de fé.

Todo homem que sofre por suas convicções é um mártir da fé.

Talvez se explique mal, mas prefere a justiça e a verdade a qualquer coisa; não o condeneis sem entendê-lo.

Acreditar na verdade suprema não é defini-la, e declarar que nela se crê é reconhecer ignorá-la.

O apóstolo São Paulo limita toda fé a estas duas coisas: acreditar que Deus existe e que ele recompensa aqueles que o procuram.

A fé é maior que as religiões, porque precisa menos dos artigos da crença.

Um dogma qualquer constitui apenas uma crença e pertence a uma comunhão especial; a fé é um sentimento comum a toda a humanidade.

Quanto mais se discute para precisar, menos se acredita; um dogma a mais é uma crença de que uma seita se apropria e eleva assim, de alguma maneira, à fé universal.

Deixemos os sectários fazerem e refazerem seus dogmas, deixemos os supersticiosos detalharem e formularem suas superstições, deixemos os mortos enterrarem seus mortos, como dizia o Mestre, e acreditemos na verdade indizível, no absoluto que a razão admite sem compreender, no que pressentimos sem saber.

Acreditemos na razão suprema.

Acreditemos no amor infinito e tenhamos piedade das estupidezes da escola e das barbáries da falsa religião.

Ó homem! dize-me o que esperas, e eu dir-te-ei o que vales.

Rezas, jejuas, velas e crês que escaparás assim sozinho, ou quase sozinho, à perda imensa dos homens devorados por um Deus cioso. És um hipócrita e um ímpio.

Fazes da vida uma orgia e esperas o nada como sono, és um doente ou um insano.

Estás pronto a sofrer como os outros e pelos outros e esperas a salvação de todos, és um sábio e um justo.

Esperar não é ter medo.

Ter medo de Deus! Que blasfêmia!

O ato de esperança é a oração.

A oração é o derramar-se da alma na sabedoria e no amor eternos.

É o olhar do espírito para a verdade e o suspiro do coração para a beleza suprema.

É o sorriso da criança para a mãe.

É o murmúrio do bem-amado que se debruça para os beijos de sua bem-amada.

É a doce felicidade da alma amante que se dilata num oceano de amor.

É a tristeza da esposa na ausência do novel esposo.

É o suspiro do viajante que pensa em sua pátria.

É o pensamento do pobre que trabalha para alimentar a mulher e os filhos.

Oremos em silêncio e ergamos em direção de nosso Pai desconhecido um olhar de confiança e de amor; aceitemos com fé e resignação a parte que nos cabe nas penas da vida, e todas as batidas de nossos corações serão palavras de oração.

Necessitamos acaso informar a Deus que coisas lhe pedimos, já não sabe ele o que nos é necessário?

Se choramos, apresentemos-lhe as nossas lágrimas; se nos regozijamos, dirijamos-lhe o nosso sorriso; se ele nos atinge, baixemos a cabeça; se nos acaricia, adormeçamos em seus braços!

Nossa oração será perfeita, quando orarmos sem sequer saber que oramos.

A oração não é um ruído que fere os ouvidos, é um silêncio que penetra no coração.

E doces lágrimas vêm umedecer os olhos, e suspiros escapam como a fumaça dos incensos.

Fica-se tomado por um inefável amor a tudo o que é beleza, verdade, justiça; palpita-se de uma nova vida e não se teme mais morrer. Pois a oração é a vida eterna da inteligência e do amor; é a vida de Deus na terra.

Amai-vos uns aos outros, eis a lei e os profetas! Meditai e compreendei essa palavra.

E, quando tiverdes compreendido, não leiais mais, não procures mais, não duvideis mais, amai!

Não mais sejais sábios, não mais sejais eruditos, amai! Essa é a doutrina da verdadeira religião; religião quer dizer caridade, e o próprio Deus não é senão amor.

Eu já vos disse: amar é dar.

O ímpio é aquele que absorve os outros.

O homem pio é aquele que se expande na humanidade.

Se o coração do homem concentra em si próprio o fogo com o qual Deus o anima, é um inferno que devora tudo e que só se preenche de cinzas; se ele o faz resplandecer fora, torna-se um doce sol de amor.

O homem doa-se à família; a família doa-se à pátria; a pátria, à humanidade.

O egoísmo do homem merece o isolamento e o desespero, o egoísmo da família merece a ruína e o exílio, o egoísmo da pátria merece a guerra e a invasão.

O homem que se isola de todo amor humano ao dizer: Eu servirei a Deus, este se engana. Pois, diz o apóstolo São João, se ele não ama ao próximo que vê, como amará a Deus que não vê?

É preciso dar a Deus o que é de Deus, mas não se deve recusar mesmo a César o que é de César.

Deus é quem dá a vida, César é quem pode dar a morte.

É preciso amar a Deus e não temer a César, pois está dito no livro sagrado: Quem com ferro fere com ferro perecerá.

Quereis ser bons, sede justos; quereis ser justos, sede livres!

Os vícios que deixam o homem semelhante à besta são os primeiros inimigos da sua liberdade.

Olhai o bêbado e dizei-me se essa besta imunda pode ser livre!

O avaro maldiz a vida de seu pai e, como o corvo, tem fome de cadáveres.

O ambicioso quer ruínas, é um invejoso em delírio; o devasso escarrou no seio da mãe e encheu de abortos as entranhas da morte.

Todos esses corações sem amor são punidos pelo mais cruel dos suplícios: o ódio.

Pois, saibamo-lo bem, a expiação está contida no pecado.

O homem que faz o mal é como um vaso de barro defeituoso, quebrar-se-á, a fatalidade o quer.

Com os escombros do mundo, Deus refaz estrelas; com os escombros da alma, refaz anjos.

VI. O SENÁRIO

O senário é o número da iniciação pela prova; é o número do equilíbrio, é o hieróglifo da ciência do bem e do mal.

Quem procura a origem do mal procura o que não é.

O mal é o apelativo da desordem do bem, é a tentativa infrutífera de uma vontade inábil.

Cada um possui o fruto de suas obras, e a pobreza é somente o aguilhão do trabalho.

Para o rebanho dos homens, o sofrimento é como o cão pastor que morde a lã das ovelhas para recolocá-las no caminho.

É por causa da sombra que podemos ver a luz; é por causa do frio que sentimos o calor; é por causa da dor que somos sensíveis ao prazer.

O mal é, portanto, para nós, a ocasião e o começo do bem.

Mas, nos sonhos de nossa inteligência imperfeita, acusamos o trabalho providencial, por não o compreender.

Assemelhamo-nos ao ignorante que julga o quadro no começo do esboço e diz, quando a cabeça está feita: “Então esta figura não tem corpo.”

A natureza continua calma e realiza sua obra.

A relha não é cruel quando rasga o seio da terra, e as grandes revoluções do mundo são a lavoura de Deus.

Tudo tem seu tempo: aos povos ferozes, senhores bárbaros; ao gado, açougueiros; aos homens, juizes e pais.

Se o tempo pudesse transformar os carneiros em leões, eles comeriam os açougueiros e os pastores.

Os carneiros nunca se transformam porque não se instruem, mas os povos instruem-se.

Pastores e açougueiros dos povos, tendes razão, portanto, em ver como inimigos aqueles que falam a vosso rebanho.

Rebanhos que conheceis ainda apenas vossos pastores e que quereis ignorar seu comércio com os açougueiros, sois desculpáveis por apedrejar aqueles que vos humilham e que vos inquietam ao falarem de vossos direitos.

Ó Cristo! Os grandes condenam-te, teus discípulos renegam-te, o povo amaldiçoa-te e aclama teu suplício, somente tua mãe chora, Deus abandona-te!

Eli! Eli! Lamma Sabachtani!

VII. O SETENÁRIO

O setenário é o grande número bíblico. É a chave da criação de Moisés e o símbolo de toda a religião. Moisés deixou cinco livros, e a lei resume-se em dois testamentos.

A Bíblia não é uma história, é uma coletânea de poemas, é um livro de alegorias e imagens.

Adão e Eva são somente tipos primitivos da humanidade; a serpente que tenta é o tempo que põe à prova; a árvore da ciência é o direito; a expiação pelo trabalho é o dever.

Caim e Abel representam a carne e o espírito, a força e a inteligência, a violência e a harmonia.

Os gigantes são os antigos usurpadores da terra; o dilúvio foi um imensa revolução.

A arca é a tradição conservada numa família: a religião, nessa época, torna-se um mistério e a propriedade de uma raça. Caim é maldito por ser seu revelador.

Nemrod e Babel são duas alegorias primitivas do désposta único e do império universal sempre sonhado desde então; empreendido sucessivamente pelos assírios, os medas, os persas, Alexandre, Roma, Napoleão, os sucessores de Pedro, o Grande, e sempre inacabado por causa da dispersão de interesses, figurada pela confusão das línguas.

O império universal não deveria realizar-se pela força, mas pela inteligência e pelo amor. Por isso, a Nemrod, homem do direito selvagem, a Bíblia opõe Abraão, homem do dever, que se exila para buscar a liberdade e a luta numa terra estrangeira de que se apodera pelo pensamento.

Tem uma mulher estéril, é seu pensamento, e uma escrava fecunda, é sua força; mas, quando a força produz seu fruto, o pensamento torna-se fecundo, e o filho da inteligência exila o filho da força. O homem de inteligência é submetido a duras provas; deve confirmar suas conquistas pelo sacrifício. Deus quer que ele imole seu filho, isto é, a dúvida deve pôr à prova o dogma e o homem intelectual deve estar pronto a tudo sacrificar diante da razão suprema. Deus, então, intervém: a razão universal cede aos esforços do trabalho, mostra-se à ciência e apenas o lado material do dogma é imolado. É o que representa o carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. A história de Abraão é pois um símbolo à moda antiga e contém uma elevada revelação dos destinos da alma humana. Tomada ao pé da letra, é um relato absurdo e revoltante. Santo Agostinho não tomava ao pé da letra o Asno de Ouro de Apuleu! Pobres grandes homens!

A história de Isaac é uma outra lenda. Rebeca é o tipo de mulher oriental, laboriosa, hospitaleira, parcial em suas afeições, astuta e ardilosa em suas manobras. Jacó e Esaú são ainda os dois tipos reproduzidos de Caim e Abel; mas aqui Abel se vinga; a inteligência emancipada triunfa pela astúcia. Todo o gênio israelita está no caráter de Jacó, o paciente laborioso suplantador que cede à cólera de Esaú, torna-se rico e compra o perdão de seu irmão. Quando os antigos queriam filosofar, contavam, nunca se deve esquecer.

A história ou lenda de José contém em germe todo o gênio do Evangelho, e Cristo, desconhecido por seu povo, teve de chorar mais de uma vez ao reler esta cena em que o governador do Egito lança-se ao pescoço de Benjamim dando um grito e dizendo: “Eu sou José!”

Israel torna-se o povo de Deus, isto é, o conservador da idéia e o depositário do Verbo. Essa idéia é a da independência humana e a da realeza pelo trabalho, mas é ocultada com cuidado, como um germe precioso. Um signo doloroso e indelével é imprimido nos iniciados, toda imagem da verdade é proibida, e os filhos de Israel velam, segurando o sabre em torno da unidade do tabernáculo. Hermor e Siquém querem introduzir-se pela força na família sagrada e perecem com seu povo em conseqüência de uma falsa iniciação. Para dominar os povos, é preciso que o santuário já esteja cercado de sacrifícios e terror.

A servidão dos filhos de Jacó prepara sua libertação: eles têm uma idéia, e não se acorrenta uma idéia; têm uma religião, e não se violenta uma religião; são por fim um povo, e não se acorrenta um verdadeiro povo. A perseguição suscita vingadores, a idéia encarna-se num homem, Moisés levanta, o Faraó cai e a coluna de nuvens e chamas que precede um povo livre avança majestosamente no deserto.

O Cristo é o pai e o rei pela inteligência e pelo amor.

Recebeu a unção santa, a unção do gênio, a unção da fé, a unção da virtude que é a força.

Ele vem quando o sacerdote está esgotado, quando os velhos símbolos não têm mais virtudes, quando a pátria da inteligência está extinta.

Vem para fazer Israel voltar à vida e, se não puder galvanizar Israel, morto pelos fariseus, ressuscitará o mundo abandonado ao culto morto dos ídolos.

Cristo é o direito do dever!

O homem tem o direito de cumprir o seu dever e não tem outro.

Homem, tens o direito de resistir até a morte a quem quer que te impeça de cumprir o teu dever!

Mãe! teu filho afoga-se; um homem impede-te de socorrê-lo; feres esse homem e corres a salvar teu filho!… Quem ousará condenar-te?…

Cristo veio para opor o direito do dever ao dever do direito.

O direito para os judeus era a doutrina dos fariseus. E, com efeito, pareciam ter adquirido o privilégio de dogmatizar; não eram eles os legítimos herdeiros da sinagoga?

Tinham o direito de condenar o Salvador, e o Salvador sabia que seu direito era o de resistir-lhes.

O Cristo é a protestação viva.

Mas protestação de quê? Da carne contra a inteligência? Não!

Do direito contra o dever? Não!

Da atração física contra a atração moral? Não! não!

Da imaginação contra a razão universal? Da loucura contra a sabedoria? Não, mil vezes não, ainda uma vez!

O Cristo é o dever real que protesta eternamente contra o direito imaginário.

É a emancipação do espírito que quebra a servidão da carne.

É a devoção revoltada contra o egoísmo.

É a modéstia sublime que responde ao orgulho: Eu não te obedecerei!

O Cristo é viúvo, o Cristo é só, o Cristo é triste: por quê? É que a mulher prostituiu-se.

É que a sociedade é acusada de roubo.

É que a felicidade egoísta é ímpia.

Cristo é julgado, condenado, executado, e nós o adoramos!

Isso se passou num mundo talvez tão sério quanto o nosso.

Juizes do mundo em que vivemos, sede atentos e pensai naquele que julgará vossos julgamentos.

Mas, antes de morrer, o Salvador legou a seus filhos o símbolo imortal da salvação: a comunhão.

Comunhão! União comum! Última palavra do Salvador do mundo.

O pão e o vinho repartidos entre todos, disse ele, é minha carne e meu sangue!

Ele deu sua carne aos carrascos, seu sangue à terra que quis bebê-lo: e por quê?

Para que todos repartam o pão da inteligência e o vinho do amor. Ó signo da união dos homens! Ó mesa comum! Ó banquete da fraternidade e da igualdade! quando enfim serás melhor compreendido?

Mártires da humanidade, vós que destes a vida para que todos tivessem o pão que alimenta e o vinho que fortifica, também não dizeis ao impor a mão sobre esses símbolos da comunhão universal: Isso é nossa carne e nosso sangue!

E vós, homens do mundo inteiro, vós a quem o Mestre chama irmãos: oh, não sentis que o pão universal é Deus!

Devedores do crucificado.

Vós todos que não estais prontos para dar à humanidade vosso sangue, vossa carne e vossa vida não sois dignos da comunhão do Filho de Deus! Não o façais derramar seu sangue sobre vós, pois faria nódoas sobre vossa fronte!

Não aproximeis vossos lábios do coração de Deus, ele sentiria vossa mordedura.

Não bebais o sangue do Cristo, queimaria vossas entranhas; já é suficiente que ele o tenha derramado inutilmente por vós!

VIII. O NÚMERO OITO

O octonário é o número da reação e da justiça equilibrante.

Toda ação produz uma reação.

É a lei universal do mundo.

O cristianismo devia produzir o anticristianismo.

O anticristo é a sombra, é o contraste e a prova do Cristo.

O anticristo já se produzia na Igreja na época dos apóstolos: Aquele que resiste agora resiste até a morte, dizia São Paulo, e o filho da iniqüidade manifestar-se-á.

Os protestantes disseram: O anticristo é o papa.

O papa respondeu: Todo herege é um anticristo.

O anticristo não é mais o papa do que Lutero: o anticristo é o espírito oposto ao do Cristo.

É a usurpação do direito pelo direito; é o orgulho da dominação e o despotismo do pensamento.

É o egoísmo pretensamente religioso dos protestantes da mesmíssima maneira que a ignorância crédula e imperiosa dos maus católicos.

O anticristo é o que divide os homens ao invés de os unir; é o espírito de disputa, é a teimosia dos doutores e dos sectários, o desejo ímpio de se apropriar da verdade e dela excluir os outros, o de forçar todo o mundo a sofrer a estreiteza de nossos julgamentos.

O anticristo é o pai que amaldiçoa ao invés de abençoar, que afasta ao invés de aproximar, que escandaliza ao invés de edificar, que condena ao invés de salvar.

É o fanatismo odioso que desencoraja a boa vontade.

É o culto da morte, da tristeza e da fealdade.

Que futuro daremos a nosso filho? disseram os pais insensatos; ele é fraco de espírito e de corpo e seu coração não dá ainda sinal de vida: faremos dele um padre, a fim de que viva do altar. E não compreenderam que o altar não é uma manjedoura para os animais preguiçosos.

Por isso, olhai os padres indignos, contemplei esses pretensos servidores do altar. O que é que dizem a vossos corações esses homens gordos ou cadavéricos, de olhos inexpressivos, de lábios cerrados ou escancarados?

Escutai-os falarem: o que vos ensina esse ruído desagradável e monótono?

Rezam como dormem e sacrificam como comem.

São máquinas de pão, de carne, de vinho e de palavras vazias de sentido.

E, quando se regozijam, como ostras ao sol, por estarem sem pensamento e sem amor, diz-se que têm paz de espírito.

Têm a paz da besta e, para o homem, a do túmulo é melhor; são os padres da tolice e da ignorância, são os ministros do anticristo.

O verdadeiro padre do Cristo é um homem que vive, que sofre, que ama e que combate pela justiça. Não briga, não reprova, difunde o perdão, a inteligência e o amor.

O verdadeiro cristão é estranho ao espírito de seita; ele é tudo para todos e vê todos os homens como filhos de um pai comum que quer salvar a todos; o símbolo inteiro tem para ele somente um sentido de doçura e amor: deixa para Deus os segredos da justiça e só compreende a caridade.

Vê os maus como doentes de quem é preciso ter pena e cuidar; o mundo com seus erros e seus vícios é, para ele, o hospital de Deus, e ele quer ser seu enfermeiro.

Não se acha melhor que ninguém, apenas diz: Enquanto eu for melhor, sirvamos os outros, quando for preciso cair e morrer, outros talvez tomarão meu lugar e nos servirão.

IX. O NÚMERO NOVE

Eis o eremita do tarô; eis o número dos iniciados e dos profetas.

Os profetas são solitários, pois seu destino é nunca serem ouvidos.

Vêem muito mais que os outros; pressentem as desgraças por vir. Assim, são aprisionados, mortos ou vilipendiados, são rejeitados como leprosos, ou deixam-nos morrer de fome.

Depois, quando os eventos ocorrem, dizemos: Foram essas pessoas que nos trouxeram desgraça.

Agora, como sempre, na véspera dos grandes desastres, nossas ruas estão plenas de profetas.

Encontrei alguns nas prisões; vi outros que morriam esquecidos em pardieiros.

Toda grande cidade viu algum cuja profecia silenciosa era girar incessantemente e andar sempre coberto de andrajos no palácio do luxo e da riqueza.

Vi um cujo rosto resplandecia como o do Cristo: tinha as mãos calejadas e a roupa do trabalhador e moldava epopéias como argila. Torcia juntos o gládio do direito e o cetro do dever e, sobre esta coluna de ouro e aço, inaugurava o símbolo criador do amor.

Um dia, numa grande assembléia do povo, desceu a rua, segurando um pão que partia e distribuía, dizendo: Pão de Deus, faze-te pão para todos!

Conheço outro que gritou: Não quero mais adorar o Deus do diabo; não quero um carrasco como Deus! E acreditou-se que ele blasfemava.

Não; mas a energia de sua fé transbordava em palavras inexatas e imprudentes.

Dizia ainda, na loucura de sua caridade ferida: Todos os homens são solidários e expiam uns pelos outros, da mesma forma que se merecem uns aos outros.

O castigo para o pecado é a morte.

O próprio pecado é, aliás, um castigo, e o maior dos castigos. Um grande crime é apenas uma grande desgraça.

O pior dos homens é o que se acredita melhor do que os outros.

Os homens apaixonados são escusáveis, uma vez que são passivos. Paixão significa sofrimento e redenção pela dor.

O que chamamos de liberdade é somente a onipotência da atração divina. Os mártires diziam: Mais vale obedecer a Deus que aos homens.

O menos perfeito ato de amor vale mais ao que a melhor palavra de piedade.

Não julgueis, falai pouco, amai e agi.

Um outro que veio disse: Protestai contra as más doutrinas por boas obras, mas não vos separeis de ninguém.

Restabelecei todos os altares, purificai todos os templos e estai prontos para a visita do espírito do amor.

Que cada um reze seguindo seu rito e comungue com os seus, mas não condeneis os outros.

Uma prática de religião nunca é desprezível, pois é o símbolo de um grande e santo pensamento.

Rezar em conjunto é comungar na mesma esperança, na mesma fé, na mesma caridade.

O signo não é nada para si próprio: é a fé que o santifica.

A religião é o laço mais sagrado e mais forte da associação humana, e fazer um ato de religião é fazer um ato de humanidade.

Quando os homens compreenderem, enfim, que não se deve discutir sobre coisas que se ignora;

Quando sentirem que um pouco de caridade vale mais que muita influência e dominação;

Quando todos respeitarem o que o próprio Deus respeita na menor de suas criaturas: a espontaneidade da obediência e a liberdade do dever;

Então, só haverá uma religião no mundo, a religião cristã e universal, a verdadeira religião católica que não renegará mais a si própria por restrição de lugares ou de pessoas.

Mulher, dizia o Salvador à samaritana, em verdade te digo que virá o tempo em que os homens não adorarão mais a Deus nem em Jerusalém nem sobre esta montanha, pois Deus é espírito, e seus verdadeiros adoradores devem servi-lo em espírito e em verdade.

X. NÚMERO ABSOLUTO DA CABALA

A chave das sefirotes (ver Dogma e Ritual da Alta Magia).

XI. O NÚMERO ONZE

Onze é o número da força; é o da luta e do martírio.

Todo homem que morre por uma idéia é um mártir, pois nele as aspirações do espírito triunfaram sobre os temores dos animais.

Todo homem que morre na guerra é um mártir, pois morre pelos outros.

Todo homem que morre miserável é um mártir, pois é como um soldado vencido na batalha da vida.

Aqueles que morrem pelo direito são tão santos em seu sacrifício quanto as vítimas do dever e, nas grandes lutas da revolução contra o poder, os mártires caem dos dois lados.

Sendo o direito a raiz do dever, nosso dever é defender nossos direitos.

O que é um crime? É o exagero do direito. O assassínio e o roubo são negações da sociedade; é o despotismo isolado de um indivíduo que usurpa a realeza e faz guerra por sua conta e risco.

O crime deve ser sem dúvida reprimido, e a sociedade deve defender-se; mas quem poderia ser justo o suficiente, grande o suficiente e puro o suficiente para ter a pretensão de punir?

Paz a todos os que tombam na guerra, mesmo na guerra ilegítima, pois arriscaram a cabeça e perderam-na, e, tendo pago, o que podemos ainda reclamar?

Honra a todos os que combatem bravamente e lealmente! Vergonha somente aos traidores e aos covardes!

O Cristo morreu entre dois ladrões e levou consigo um deles ao céu.

O reino dos céus é dos lutadores e se ganha à força.

Deus dá sua onipotência ao amor. Gosta de triunfar sobre o ódio, mas vomita a tibieza.

O dever é viver, nem que seja por um instante!

É belo ter reinado por um dia, mesmo por uma hora! Mesmo que seja sob a espada de Dâmocles ou na fogueira de Sardanapalo.

Mas é mais belo ter visto a seus pés todas as coisas do mundo e ter dito: Serei o rei dos pobres e meu trono será sobre o calvário.

Existe um homem mais forte do que aquele que mata, é o que morre para salvar.

Não existem crimes isolados nem expiações solitárias.

Não existem virtudes pessoais nem devotamentos perdidos.

Quem não for irrepreensível é cúmplice de todo mal, e quem não for absolutamente perverso pode participar de todo bem.

É por isso que um suplício é sempre uma expiação humanitária, e toda cabeça que é recolhida de um cadafalso pode ser saudada e honrada como a cabeça de um mártir.

É por isso também que o mais nobre e o mais santo dos mártires podia, ao entrar em sua consciência, achar-se digno da pena que iria suportar e dizer, saudando o gládio pronto a feri-lo: Justiça seja feita!

Puras vítimas das catacumbas de Roma, judeus e protestantes massacrados por indignos cristãos.

Padres da Abbaye e dos Carmes, guilhotinados do terror, realistas degolados, revolucionários sacrificados, soldados de nossos grandes exércitos que semeasses as ossadas pelo mundo, vós todos que morresses com sofrimento, ousados de toda sorte, bravos filhos de Prometeu que não tendes medo nem do raio nem do abutre, honra a vossas cinzas, paz e veneração a vossas memórias! Sois os heróis do progresso, os mártires da humanidade!

XII. O NÚMERO DOZE

O doze é o número cíclico; é o do símbolo universal.

Eis uma tradução dos versos feitos para o símbolo mágico e católico sem restrição:

Creio num só Deus onipotente, nosso pai,

Eterno criador do céu e da terra.

Creio no Rei salvador, chefe da humanidade.

Da divindade, filho, palavra e esplendor.

Concepção viva do eterno amor,

Divindade visível e luz atuante.

Desejado pelo mundo sempre e em todos os lugares.

Mas que não é um Deus separável de Deus.

Descido entre nós para libertar a terra,

Santificou a mulher em sua mãe.

Era o homem celeste, sábio e doce homem.

Nasceu para sofrer e morrer como nós.

Proscrito pela ignorância, acusado pela inveja,

Morreu na cruz para nos dar a vida.

Todos os que o tomarem por guia e apoio

Podem, por sua doutrina, ser Deus como ele.

Ressuscitou para reinar sobre os tempos;

Deve, da ignorância, as nuvens dissipar.

Seus preceitos, um dia mais fortes e mais conhecidos,

Serão o julgamento dos vivos e dos mortos.

Creio no Espírito Santo cujos únicos intérpretes

São o espírito e o coração dos santos e dos profetas.

É um sopro de vida e fecundidade

Que provém da humanidade e do Pai.

Creio na família única e sempre santa

Dos justos que o céu reuniu em seu temor.

Creio na unidade do símbolo, do lugar,

Do pontífice e do culto na honra de um só Deus.

Creio que, em nos transformando, a morte nos renove,

E que em nós, como em Deus, a vida é eterna.

XIII. O NÚMERO TREZE

O treze é o número da morte e o do nascimento; é o da propriedade e da herança, da sociedade e da família, da guerra e dos tratados.

A sociedade tem por bases as trocas do direito, do dever e da fé mútua.

O direito é a propriedade; a troca, a necessidade; a boa fé, o dever.

Aquele que quer receber mais do que dá ou que quer receber sem dar é um ladrão.

A propriedade é o direito de dispor de uma parte da fortuna comum; não é nem o direito de destruição nem o direito de seqüestro.

Destruir ou seqüestrar o bem público não é possuir, é roubar.

Digo bem público, porque o verdadeiro proprietário de todas as coisas é Deus, que quer que tudo seja de todos. O que quer que façais, não levareis convosco ao morrer nenhum dos bens deste mundo. Ora, o que vos deve ser tomado um dia não vos pertence realmente. Foi apenas um empréstimo.

Quanto ao usufruto, é o resultado do trabalho; mas o próprio trabalho não é uma garantia segura de posse, e a guerra pode vir, pela devastação ou pelo incêndio, deslocar a propriedade.

Fazei, pois, um bom uso das coisas que perecem, vós que perecereis antes delas!

Levai em consideração que o egoísmo provoca o egoísmo e que a imoralidade do rico corresponderá a crimes dos pobres.

O que quer o pobre, se é honesto?

Quer trabalho. Usai vossos direitos, mais fazei vosso dever: o dever do rico é expandir a riqueza; o bem que não circula está morto, não entesoureis a morte.

Um sofista disse: A propriedade é o roubo. E queria sem dúvida falar da propriedade absorvida, subtraída à troca, desviada da utilidade COMUM.

Se esse era seu pensamento, ele poderia ir mais longe e dizer que tal supressão da vida pública é um verdadeiro assassínio.

É o crime do açambarcamento, que o instinto público sempre viu como um crime de lesa-majestade humana.

A família é uma associação natural que resulta do casamento.

O casamento é a união de dois seres que o amor uniu e que se prometem um devotamento mútuo no interesse dos filhos que podem nascer.

Dois esposos que têm um filho e se separam são ímpios. Será que querem executar o julgamento de Salomão e separar também o filho?

Prometer-se um amor eterno é puerilidade: o amor sexual é uma emoção sem dúvida divina, mas acidental, involuntária e transitória; mas a promessa do devotamente recíproco é a essência do casamento e o princípio da família.

A sanção e a garantia dessa promessa devem ser uma confiança absoluta.

Todo ciúme é uma suspeita, e toda suspeita é um ultraje.

O verdadeiro adultério é o da confiança: a mulher que se queixa de seu marido perto de outro homem; o homem que confia a outra mulher, que não a sua, as aflições ou as esperanças de seu coração, esses traem verdadeiramente a fé conjugal.

As surpresas dos sentidos só são infidelidades por causa dos arrebatamentos do coração que se abandona mais ou menos ao reconhecimento do prazer. Afora isso, são faltas humanas, de que é preciso envergonhar-se e que se deve esconder: são indecências que é preciso evitar afastando as ocasiões, mas que nunca se deve procurar surpreender; os bons costumes são a proscrição do escândalo.

Todo escândalo é uma torpeza. Não se é indecente porque tem-se órgãos que o pudor não nomeia; mas se é obsceno quando são mostrados.

Maridos, escondei as chagas de vossa vida a dois; não desnudeis vossas mulheres perante o escárnio público!

Mulheres, não exibais as misérias do leito conjugal: seria vos ínscreverdes na opinião pública como prostituídas.

É preciso uma elevada dignidade de coração para conservar a fé conjugal: é um pacto de heroismo que somente as grandes almas podem compreender em toda a extensão.

Os casamentos que são rompidos não são casamentos, são acasalamentos.

No que se pode transformar uma mulher que abandona o marido? Não é mais esposa, não é viúva; o que é então? É uma apóstata da honra, que é forçada a ser licenciosa, porque não é nem virgem nem livre.

Um marido que abandona a mulher a prostitui e merece o nome infame que é dado aos amantes das jovens perdidas.

O casamento é sagrado, indissolúvel, quando existe realmente.

Mas só pode existir para seres de elevada inteligência e nobre coração.

Os animais não se casam, e os homens que vivem como animais sofrem as fatalidades de sua natureza.

Fazem sem cessar tentativas para agir racionalmente. Suas promessas são tentativas e simulacros de promessas; seus casamentos, tentativas e simulacros de casamento; seus amores, tentativas e simulacros de amor. Quereriam sempre e não querem nunca; começam sempre e não terminam nunca. Para tais pessoas, as leis só se aplicam pela repressão.

Tais seres podem ter uma ninhada, mas nunca têm uma família: o casamento, a família são direitos do homem perfeito, do homem emancipado, do homem inteligente e livre.

Por isso, consultar os anais dos tribunais e lede a história dos parricidas.

Erguei o véu negro de todas estas cabeças cortadas e perguntai-lhes o que pensaram do casamento e da família, que leite sugaram, que carinhos as enobreceram… Depois tremei, vós todos que não dais a vossos filhos o pão da inteligência e do amor, vós todos que não sancionais a autoridade paterna pela virtude do bom exemplo…

Esses miseráveis eram órfãos pelo espírito e pelo coração e vingaram-se de seu nascimento!…

Vivemos num século em que mais do que nunca a família é desconhecida no que tem de augusta e sagrada: o interesse material mata a inteligência e o amor; as lições da experiência são desprezadas, regateia-se as coisas de Deus. A carne insulta o espírito, a fraude ri na cara da lealdade. Quanto mais ideal, mais justiça: a vida humana ficou órfã dos dois lados.

Coragem e paciência! Este século irá para onde devem ir todos os culpados. Vede como é triste! O tédio é o véu negro de sua cabeça… a carroça anda, e a multidão segue estremecendo…

Logo, mais um século será julgado pela história, e será escrito num túmulo de ruínas: Aqui jaz o século parricida! o século carrasco de Deus e de seu Cristo!

Na guerra tem-se o direito de matar para não morrer: mas na batalha da vida, o mais sublime dos direitos é o de morrer para não matar.

A inteligência e o amor devem resistir à opressão até a morte, nunca até o assassínio.

Homem de coração, a vida daquele que te ofendeu está em tuas mãos, pois ele é senhor da vida dos outros, o qual não faz questão da sua. Massacra-o com tua grandeza: perdoa-o!

– Mas será proibido matar o tigre que nos ameaça?

– Se for um tigre com rosto humano, é mais belo deixar-se devorar, no entanto, aqui, a moral nada prescreve.

– Mas e se o tigre ameaça meus filhos?

– A própria natureza vos responderá.

Harmódio e Aristogiston tinham festas e estátuas na Grécia antiga. A Bíblia consagrou os nomes de Judite e Aud e uma das mais sublimes figuras do livro santo, Sansão cego e acorrentado que sacode as colunas do templo e grita: Que eu morra com os filisteus!

Acreditai, entretanto, que, se Jesus, antes de morrer, tivesse ido a Roma apunhalar Tibério, teria salvado o mundo como fez ao perdoar seus carrascos e até mesmo ao morrer por Tibério?

Brutus, ao matar César, salvou a liberdade romana? Ao matar Calígula, Quéreas apenas deu lugar a Cláudio e a Nero. Protestar contra a violência com violência é justificá-la e forçá-la a se reproduzir.

Mas triunfar sobre o mal pelo bem, sobre o egoísmo pela abnegação, sobre a ferocidade pelo perdão: é o segredo do cristianismo e da vitória eterna.

Eu vi o lugar em que a terra sangrava ainda pelo assassínio de Abel e nesse lugar passava um regato de pranto.

E miríades de homens avançavam conduzidos pelos séculos, deixando cair lágrimas no regato.

E a eternidade, agachada e morna, contemplava as lágrimas que caíam, contava-as uma a uma, e nunca havia o suficiente para lavar uma mancha de sangue.

Mas, entre duas multidões e duas épocas, veio o Cristo, pálida e resplandecente figura.

E, na terra do sangue e das lágrimas, plantou a vinha da fraternidade, e as lágrimas e o sangue aspirados pelas raizes da árvore divina tornaram-se a seiva deliciosa da uva que deve embriagar de amor os filhos do futuro.

XIV. O NÚMERO CATORZE

Catorze é o número da fusão, da associação e da unidade universal, e é em nome do que representa que faremos aqui um apelo às nações, a começar pela mais antiga e mais santa.

Filhos de Israel, por que, em meio ao movimento das nações, continuais imóveis como se guardásseis os túmulos de vossos pais?

Vossos pais não estão mais aqui, ressuscitaram: pois o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó não é o Deus dos mortos!

Por que imprimis sempre a vossa geração a marca sangrenta do cutelo?

Deus não quer mais separar-vos dos outros homens; sede nossos irmãos, e comei conosco hóstias pacíficas nos altares que o sangue nunca conspurca.

A lei de Moisés está cumprida: lede vossos livros e compreendei que fostes um povo cego e duro, como dizem todos os vossos profetas.

Mas fostes também um povo corajoso e perseverante na luta.

Filhos de Israel, tornai-vos filhos de Deus: compreendei e amai!

Deus apagou de vossa fronte a marca de Caim, e os povos ao vos ver passar não dirão mais: Aí estão os judeus! gritarão: Abram alas para nossos irmãos, abram alas para os que nos precederam na fé.

E iremos todos os anos comemorar convosco a páscoa na nova Jerusalém.

E descansaremos debaixo de vossa videira e de vossa figueira; pois sereis ainda amigos do viajante, em memória de Abraão, de Tobias e dos anjos que os visitavam.

E em memória daquele que disse: Quem ao menor dentre vós recebe a mim me recebe.

Pois doravante não recusareis mais um asilo em vossa casa e em vosso coração a vosso irmão José que vendesses às nações.

Porque ele se tornou poderoso na terra do Egito onde procuráveis pão durante os dias de esterilidade.

E ele recordou-se de seu pai Jacó e de Benjamim, seu jovem irmão; e perdoa vossa inveja e vos abraça chorando.

Filhos dos crentes, cantaremos convosco: não existe outro Deus senão Deus e Maomé é seu profeta.

Dizei com os filhos de Israel: Nenhum Deus existe senão Deus e Moisés é seu profeta!

Dizei com os cristãos: Não existe outro Deus senão Deus e Jesus Cristo é seu profeta!

Maomé é a sombra de Moisés. Moisés é o precursor de Jesus.

O que é um profeta? É um representante da humanidade que procura Deus. Deus é Deus, o homem é o profeta de Deus quando faz que acreditemos em Deus.

A Bíblia, o Alcorão e o Evangelho são três traduções diferentes do mesmo livro. Há somente uma lei como há somente um Deus.

Ó mulher idealizada, ó recompensa dos eleitos, és mais bela do que Maria?

Ó Maria, filha do Oriente, casta como o puro amor, grande como as aspirações maternais, vem ensinar aos filhos do Islã os mistérios do céu e os segredos da beleza.

Convida-os para o festim da nova aliança, lá, em três tronos resplandecentes de pedrarias, três profetas estarão sentados.

A árvore tuba fará de seus galhos recurvados um dossel para a mesa celeste.

A esposa será branca como a lua e rubra como o sorriso da manhã.

Todos os povos acorrerão para vê-Ia e não temerão mais passar Al Sirah, pois, sobre essa ponte cortante como uma lâmina de barbear, o Salvador estenderá sua cruz e virá estender a mão aos que vacilarem, e aos que caírem a esposa estenderá seu véu perfumado e os trará em sua direção.

Povos, batei palmas e aplaudi o último triunfo do amor! Somente a morte ficará morta e somente o inferno será queimado.

Ó nações da Europa, a quem o Oriente estende as mãos, uni-vos para expulsar os ursos do Norte! Que a última guerra faça triunfar a inteligência e o amor, que o comércio entrelace os braços do mundo e que uma civilização nova, saída do Evangelho armado, reúna todos os rebanhos da terra sob o cajado do mesmo pastor!

Tais serão as conquistas do progresso; tal é o objetivo para o qual nos empurra todo o movimento do mundo.

O progresso é o movimento; e o movimento é a vida.

Negar o progresso é afirmar o nada e deificar a morte.

O progresso é a única resposta que a razão pode opor às objeções relativas à existência do mal.

Nada está bem, mas tudo estará bem um dia. Deus inicia e acabará sua obra.

Sem o progresso, o mal seria imutável como Deus!

O progresso explica as ruínas e consola Jeremias que chora.

As nações sucedem-se como os homens e nada é estável porque tudo caminha em direção da perfeição.

O grande homem que morre lega a sua pátria o fruto de seu trabalho; a grande nação que se extingue na terra transfigura-se numa estrela para iluminar as obscuridades da história.

O que ele escreveu por suas ações fica gravado no livro eterno; acrescentou uma página à bíblia do gênero humano.

Não digais que a civilização é má; pois assemelha-se ao calor úmido que amadurece as colheitas, desenvolve rapidamente os princípios da vida e os princípios da morte, mata e vivifica.

É como o anjo do julgamento que separa os maus dos bons.

A civilização transforma em anjos de luz os homens de boa vontade e coloca o egoísta abaixo da besta; é a corrupção dos corpos e a emancipação das almas.

O mundo ímpio dos gigantes elevou ao céu a alma de Henoch; acima das bacanais da Grécia primitiva eleva-se o espírito harmonioso de Orfeu.

Sócrates e Pitágoras, Platão e Aristóteles resumem, ao explicá-las, todas as aspirações do mundo antigo; as fábulas de Homero permanecem mais verdadeiras do que a história, e só nos restam das grandezas de Roma os escritos imortais que elaborou o século de Augusto.

Assim, Roma talvez só tenha abalado o mundo com suas guerreiras convulsões para gerar seu Virgílio.

O cristianismo é o fruto das meditações de todos os sábios do Oriente que revivem em Jesus Cristo.

Assim, a luz dos espíritos nasceu onde nasce o sol do mundo; o Cristo conquistou o Ocidente, e os doces raios do sol da Ásia tocaram os gelos do Norte.

Movidos por esse calor desconhecido, formigueiros de homens novos espalharam-se por um mundo exaurido; as almas dos povos mortos brilharam sobre os povos rejuvenescidos e aumentaram neles o espírito de vida.

Há no mundo uma nação que se chama franqueza e liberdade, pois essas duas palavras são sinônimos do nome França.

Essa nação sempre foi, de algum modo, mais católica do que o papa e mais protestante do que Lutero.

A França das cruzadas, a França dos trovadores e das canções, a França de Rabelais e de Voltaire, a França de Bossuet e de Pascal, ela é a síntese dos povos; ela consagra a aliança da razão e da fé, da revolução e do poder, da crença mais terna e da dignidade humana mais altiva.

Por isso, vede como ela caminha, como se agita, como luta, como cresce!

Freqüentemente enganada e ferida, nunca batida, entusiasta com seus triunfos, audaciosa em seus reveses, ela ri, canta, morre e ensina ao mundo a fé na sua imortalidade.

A velha guarda não se rende, mas também não morre. Confiai no entusiasmo de nossos filhos, que querem ser um dia, eles também, soldados da velha guarda!

Napoleão não é mais um homem, é o próprio gênio da França, é o segundo salvador do mundo, e também deu como símbolo a seus apóstolos a cruz!

Santa Helena e o Gólgota são os marcos da nova civilização, são os pilares de uma imensa arcada que o arco-íris do último dilúvio forma e que lança uma ponte entre dois mundos.

E pensaríeis que a espora de um tártaro quebrará um dia o pacto de nossas glórias, o testamento de nossa liberdade!

Dizei antes que voltaremos a ser crianças e retornaremos ao seio de nossas mães!

Caminha!, caminha!, diz a voz divina a Aasveros. Avança! avança! grita para a França o destino do mundo!… E para onde vamos? Para o desconhecido, para o abismo talvez; não importa! Mas para o passado, para os cemitérios do esquecimento, mas para os cueiros que nossa própria infância rasgou, mas para a imbecilidade e a ignorância das primeiras idades… nunca! nunca!

XV. O NÚMERO QUINZE

Quinze é o número do antagonismo e da catolicidade.

O cristianismo divide-se agora em duas Igrejas: a Igreja civilizadora e a Igreja bárbara, a Igreja progressista e a Igreja estacionária.

Uma é ativa, a outra é passiva; uma sempre condenou as nações e os governos, uma vez que os reis a temem; a outra submeteu-se a todos os despotismos e só pode ser um instrumento de servidão.

A Igreja ativa realiza Deus pelos homens e só ela crê na divindade do Verbo humano, intérprete do Verbo de Deus.

O que é, afinal de contas, a infalibilidade do papa, senão a autocracia da inteligência confirmada pelo sufrágio universal da fé?

A esse respeito, dir-se-á, o papa deveria ser o primeiro gênio de seu século. Por quê? É melhor, na realidade, que ele seja um espírito comum. Sua supremacia não é mais divina, porque é, de algum modo, mais humana.

Os acontecimentos não falam mais alto do que os rancores e as ignorâncias irreligiosas? Não vedes a França católica sustentar com uma mão o papado desfalecido e com a outra segurar a espada para combater na liderança do exército do progresso?

Católicos, israelitas, turcos, protestantes já combateram sob a mesma bandeira; o crescente uniu-se à cruz latina, e juntos lutamos contra a invasão dos bárbaros e contra sua embrutecida ortodoxia.

É para sempre um fato consumado. Ao admitir dogmas novos, a cátedra de São Pedro acaba de se pronunciar solenemente progressiva.

A pátria do cristianismo católico é a da ciência e das belas-artes, e o Verbo eterno do Evangelho vivo e encarnado numa autoridade visível é ainda a luz do mundo.

Silêncio pois aos fariseus da nova sinagoga! Silêncio às tradições odiosas da escola, ao presbiterianismo arrogante, ao jansenismo absurdo e a todas estas vergonhosas e supersticiosas interpretações do dogma eterno, tão justamente estigmatizadas pelo gênio impiedoso de Voltaire!

Voltaire e Napoleão morreram católicos. E será que sabeis o que deve ser o catolicismo do futuro?

Será o dogma evangélico posto à prova como ouro pela crítica dissolvente de Voltaire, e realizado no governo do mundo pelo gênio de um Napoleão cristão!

Os que não quiserem caminhar, os acontecimentos os arrastarão ou passarão sobre eles!

Imensas calamidades podem ainda pesar sobre o mundo. Os exércitos do Apocalipse um dia talvez desencadearão os quatro flagelos. O santuário será depurado. A santa e severa pobreza enviará seus apóstolos para sustentar todo aquele que cambalear, reanimar aquele que estiver fatigado e espalhar o óleo santo em todas as feridas!

O despotismo e a anarquia, esses dois monstros ávidos de sangue, dilacerar-se-ão e aniquilar-se-ão um ao outro depois de serem mutuamente sustentados, por pouco tempo, pelo próprio entrelaçamento de sua luta.

E o governo do futuro será aquele cujo modelo é mostrado na natureza pela família, no ideal religioso pela hierarquia dos pastores. Os eleitos devem reinar com Jesus Cristo durante mil anos, dizem as tradições apostólicas: ou seja, durante uma seqüência de séculos, a inteligência e o amor dos homens de elite dedicados aos encargos do poder administrarão os interesses e os bens da família universal.

Então, segundo a promessa do Evangelho só haverá um rebanho e um pastor.

XVI. O NÚMERO DEZESSEIS

Dezesseis é o número do templo.

Digamos o que será o templo do futuro.

Quando o espírito de inteligência e de amor tiver se revelado, toda trindade manifestar-se-á em sua verdade e em sua glória.

A humanidade transformada em rainha e, como que ressuscitada, terá a graça da infância em sua poesia, o vigor da juventude em sua razao e a sabedoria da idade madura em suas obras.

Todas as formas que o pensamento divino revestiu sucessivamente renascerão imortais e perfeitas.

Todos os traços que a arte sucessiva das nações tinha esboçado reunir-se-ão e formarão a imagem completa de Deus.

Jerusalém reconstruirá o templo de Jeová de acordo com o modelo profetizado por Ezequiel; e o Cristo, novo e eterno Salomão, nele cantará, debaixo de lambris de cedro e de ciprestes, suas núpcias com a santa liberdade, a jovem esposa do cântico.

Mas Jeová terá largado seu raio para abençoar com as duas mãos o noivo e a noiva: aparecerá sorridente entre os dois esposos e alegrar-se-á por ser chamado de pai.

Entretanto, a poesia do Oriente, em suas mágicas lembranças, ainda o chamará de Brama e Júpiter. A índia ensinará a nossos climas encantados as fábulas maravilhosas de Vishnu, e experimentaremos na fronte ainda ensangüentada de nosso Cristo bem-amado a tripla coroa de pérolas da mística trimurti. Vênus purificada sob o véu de Maria não mais chorará seu Adônis.

O esposo ressuscitou para não mais morrer, e o javali infernal encontrou a morte em sua passageira vitória.

Reerguei-vos, templos de Delfos e Éfeso! O deus da luz e das artes tornou-se o Deus do mundo, e o verbo de Deus concorda em ser chamado de Apolo! Diana não reinará mais como viúva nos campos solitários da noite; seu crescente prateado está agora sob os pés da esposa.

Mas Diana não foi vencida por Vênus; seu Endimião acaba de despertar, e a virgindade vai orgulhar-se de ser mãe!

Sai da tumba, ó Fídias, e alegra-te com a destruição de teu primeiro Júpiter: é agora que vais gerar um Deus!

Ó Roma! Que teus templos reergam-se ao lado de tuas basílicas; sê ainda a rainha do mundo e panteão das nações; que Virgílio seja coroado no capitólio pelas mãos de São Pedro; e que o Olimpo e o Carmelo unam suas divindades sob o pincel de Rafael!

Transfigurai-vos, antigas catedrais de nossos pais; arremessei até as nuvens vossas flechas cinzeladas e vivas, e que a pedra conte por figuras animadas as sombrias lendas do Norte, alegradas pelos apólogos dourados e maravilhosos do Alcorão!

Que o Oriente adore Jesus Cristo em suas mesquitas, e que nos minaretes de uma nova Santa Sofia a cruz se eleve em meio ao crescente!

Que Maomé liberte a mulher para dar ao verdadeiro crente as huris com que tanto sonhou, e que os mártires do Salvador ensinem castas carícias aos belos anjos de Maomé.

Toda a terra revestida com os ricos ornamentos que todas as artes lhe bordaram será então um templo magnífico, cujo padre eterno será o homem!

Tudo o que foi verdadeiro, tudo o que foi belo, tudo o que foi doce nos séculos passados reviverá gloriosamente nessa transfiguração do mundo.

E a forma bela continuará inseparável da idéia verdadeira, como o corpo será um dia inseparável da alma, quando a alma, tendo alcançado todo o seu poder, terá feito para si um corpo à sua imagem.

Esse será o reino do céu sobre a terra, e os corpos serão os templos da alma, da mesma forma que o universo regenerado será o templo de Deus.

E os corpos e as almas, e a forma e o pensamento, e o universo inteiro serão a luz, o Verbo e a revelação permanente e visível de Deus. Amém! Assim seja!

XVII. O NÚMERO DEZESSETE

Dezessete é o número da estrela; é o da inteligência e do amor.

Inteligência guerreira, audaciosa, cúmplice do divino Prometeu, primogênita de Lúcifer, louvor a ti em tua audácia! Quiseste saber para ter, desafiaste todos os trovões e afrontaste todos os abismos!

Inteligência, tu a quem os pobres pecadores amaram até o delírio, até o escândalo, até a reprovação! Direito divino do homem, essência e alma da liberdade, louvor a ti! Pois perseguiram-te pisoteando, por ti, todos os sonhos mais caros de sua imaginação, os fantasmas mais amados de seu coração!

Por ti foram repelidos e proscritos; por ti suportaram a prisão, o desenlace, a fome, a sede, o abandono daqueles que amavam e as sombrias tentações do desespero! Eras o direito deles, e eles conquistaram-te! Agora eles podem chorar e crer, podem submeter-se e rezar!

Caim arrependido teria sido maior do que Abel: é o legítimo orgulho satisfeito que tem o direito de se fazer humilde!

Creio porque sei por que e como é preciso crer; creio porque amo e porque não temo mais nada. Amor! amor! redentor e reparador sublime; tu que fazes tanta felicidade de tantas torturas, tu, o sacrificador do sangue e das lágrimas, tu que és a própria virtude e o salário da virtude; força da resignação, liberdade da obediência, alegria das dores, vida da morte, louvor, louvor e glória a ti! Se a inteligência é uma lâmpada, és a sua chama; se é o direito, és o dever; se é a nobreza, és a felicidade! Amor pleno de orgulho e pudor nos mistérios, amor divino, amor oculto, amor insano e sublime, Titã que toma o céu com duas mãos e que o força a descer, último e inefável segredo da viuvez cristã, amor eterno, amor infinito e ideal que seria suficiente para criar mundos, amor! amor! bênção e glória a ti! Glória às inteligências que se encobrem para não ofender os olhos doentes! Glória ao direito que se transforma inteiramente em dever e que se torna a devoção! às almas viúvas que amam e consumam-se sem serem amadas! aos que sofrem e não fazem nada sofrer, aos que perdoam os ingratos, aos que amam seus inimigos! Oh! felizes sempre, felizes mais do que nunca os que se empobrecem e que se esgotam para se dar! Felizes as almas que fazem sempre tua paz! Felizes os corações puros e simples que não se acham melhor do que ninguém! Humanidade minha mãe, humanidade filha e mãe de Deus, humanidade concebida sem pecado, Igreja universal, Maria! Feliz de quem tudo ousou para te conhecer e te entender, e de quem está pronto a tudo sofrer para te servir e te amar!

XVIII. O NÚMERO DEZOITO

Esse número é o do dogma religioso, que é toda poesia e todo mistério.

O Evangelho diz que, quando da morte do Salvador, o véu do templo rasgou-se, porque essa morte manifestou o triunfo da devoção, o milagre da caridade, o poder de Deus no homem, a humanidade divina e a divindade humana, o último e o mais sublime dos arcanos, a última palavra de todas as iniciações.

Mas o Salvador sabia que não seria compreendido a princípio, e disse: Não suportaríeis agora toda a luz de minha doutrina; mas, quando se manifestar o espírito de verdade, ele vos ensinará toda verdade e sugerirá o sentido do que eu vos disse.

Ora, o espírito de verdade é o espírito de ciência e de inteligência, o espírito de força e de conselho.

Foi esse espírito que se manifestou solenemente na Igreja romana, quando ela declarou nos quatro artigos do decreto de 12 de dezembro de 1845:

1º Que, se a fé for superior à razão, a razão deve apoiar as inspirações da fé;

2º Que a fé e a ciência tem cada uma seu domínio separado, e que uma não deve usurpar as funções da outra;

3º Que é próprio da fé e da graça não enfraquecer, mas, ao contrário, afirmar e desenvolver a razão;

4º Que o concurso da razão, que examina não as decisões da fé mas as bases naturais e racionais da autoridade que decide, longe de prejudicar a fé, não poderia senão ser-lhe útil; em outras palavras, que a fé, perfeitamente racional em seus princípios, não deve temer, mas deve, ao contrário, desejar o exame sincero da razão.

Semelhante decreto é toda uma revolução religiosa acabada, e a inauguração do Espírito Santo na terra.

XIX. O NÚMERO DEZENOVE

É o número da luz.

É a existência de Deus provada pela própria idéia de Deus.

Ou é preciso dizer que o Ser imenso é um túmulo universal, ou que se move automaticamente, uma forma sempre morta e cadavérica, ou é preciso admitir o princípio absoluto da inteligência e da vida.

A luz universal está morta ou viva? Fatalmente dedicada à obra da destruição ou providencialmente dirigida para a criação universal?

Se Deus não existe, a inteligência é apenas uma decepção pois ela carece de absoluto e seu ideal é uma mentira.

Sem Deus, o ser é um nada que se afirma, e a vida, uma morte que se disfarça.

A luz é uma noite sempre enganada pela miragem dos sonhos.

O primeiro e o mais essencial ato de fé é pois este.

O Ser é, e o ser do ser, a verdade do ser é Deus.

O Ser é vivo com inteligência, e a inteligência viva do Ser absoluto é Deus.

A luz é real e vivificante; ora, a realidade e a vida de toda luz é Deus.

O Verbo da razão universal é uma afirmação e não uma negação.

Cegos os que não vêem que a luz física é apenas o instrumento do pensamento!

Somente o pensamento vê a luz e a produz empregando-a em benefício próprio.

A afirmação do ateísmo é o dogma da noite eterna; a afirmação de Deus é o dogma da luz!

Vamos parar aqui, no décimo nono número, embora o alfabeto sagrado tenha vinte e duas letras; as dezenove primeiras são as chaves da teologia oculta. As outras são as chaves da natureza; voltaremos a elas na terceira parte desta obra.

Resumamos o que dissemos de Deus citando uma bela evocação emprestada da liturgia israelita. É uma página do Kether-Malkuth, poema cabalístico do rabino Salomão, filho de Gabirol.

“Sois um, o começo de todos os números, o fundamento de todos os edifícios; sois um e, no segredo de vossa unidade, os homens mais sábios perdem-se porque não a conhecem. Sois um, e vossa unidade nunca diminui, nem aumenta, nem sofre nenhuma alteração. Sois um, mas não como o um em matéria de cálculo, pois vossa unidade não admite nem multiplicação, nem mudança, nem fórmula. Sois um, para quem nenhuma de minhas fantasias pode fixar definição: eis por que vigiarei minha conduta, evitando cometer faltas com a língua. Sois um enfim, cuja excelência é tão elevada que não pode cair de maneira alguma, e não como em um que pode deixar de ser.

“Sois existente; entretanto, o entendimento e a vista dos mortais não podem atingir vossa existência nem colocar em vós o onde, o como e o porquê. Sois existente, mas em vós mesmo, uma vez que outro não pode existir convosco. Sois existente desde antes do tempo e em lugar algum. Sois enfim existente e vossa existência é tão oculta e tão profunda que ninguém pode descobri-Ia ou penetrar seu segredo.

“Sois vivo, mas não desde um tempo conhecido e fixo; sois vivo, mas não por um espírito e uma alma; pois sois a alma de todas as almas. Sois vivo, mas não como as vidas dos mortais, que são comparadas a um sopro, e cujo fim será o alimento dos vermes. Sois vivo, e aquele que puder atingir vossos mistérios desfrutará as delícias eternas e viverá para sempre.

“Sois grande, e perto de vossa grandeza todas estas grandezas se curvam, e tudo o que há de mais excelente torna-se defeituoso. Sois grande, acima de qualquer imaginação, e elevai-vos acima de todas as hierarquias celestes. Sois grande, acima de toda grandeza, e sois exaltado acima de qualquer louvor. Sois forte, e nenhuma de vossas criaturas fará as obras que fazeis e nem sua força poderá ser comparada à vossa. Sois forte, e é a vós que pertence essa força invencível que não muda nem se altera nunca. Sois forte, e por vossa magnanimidade perdoais no momento de vossa mais ardente cólera, e mostrai-vos paciente para com os pecadores. Sois forte, e vossas misericórdias que sempre existiram estendem-se para todas as vossas criaturas. Sois a luz eterna que as almas puras verão e que a nuvem dos pecados ocultará aos olhos dos pecadores. Sois a luz que é oculta neste mundo e visível no outro, onde a glória do Senhor se mostra. Sois soberano, e os olhos do entendimento que desejam vervos estão inteiramente espantados por só poderem atingir de vós uma parte e nunca o todo. Sois o Deus dos deuses, testemunham-no todas vossas criaturas; e em honra desse grande nome todas devem render-vos culto. Sois Deus, e todas as criaturas são vossas servidoras e vossas adoradoras; vossa glória não é embaçada mesmo que outros sejam adorados, porque a intenção deles é a de se dirigir a vós; são como cegos, cujo objetivo é seguir o grande caminho, e perdem-se. Um afoga-se num poço e o outro cai numa fossa; todos, em geral, acreditam ter alcançado seus desejos e, no entanto, cansaram-se em vão. Mas vossos servidores são como clarividentes que andam num caminho seguro, e que dele nunca se afastam, nem à direita, nem à esquerda, até que entrem no adro do palácio do rei. Sois Deus que sustentais por vossa deidade todos os seres e que socorreis por vossa unidade todas as criaturas. Sois Deus, e não há diferença entre vossa deidade, vossa unidade, vossa eternidade e vossa existência; pois tudo é um mesmo mistério; e, embora os nomes variem, tudo retorna ao mesmo. Sois sábio, e essa ciência, que é a fonte da vida, emana de vós mesmo; e em comparação com vossa ciência os homens mais sábios são estúpidos. Sois sábio e o antigo dos antigos, e a ciência sempre alimentou-se convosco. Sois sábio, e não aprendesses a ciência com ninguém, e tampouco a adquirisses de outro senão de vós. Sois sábio e, como um operário e um arquiteto, reservasses de vossa ciência uma divina vontade, num tempo marcado para atrair o ser do nada; do mesmo modo que a luz que sai dos olhos é atraída de seu próprio centro sem nenhum instrumento ou ferramenta. Essa divina vontade cavou, traçou, purificou e fundiu; ordenou ao nada abrir-se, ao ser aprofundar-se e ao mundo estender-se. Mediu os céus com o palmo, com seu poder reuniu o pavilhão das esferas, com o laço de seu poder cerrou as cortinas das criaturas do universo e, tocando com sua força a ponta da cortina da criação, uniu a parte superior à inferior.”

Extraído das orações do Kippur

Demos a essas ousadas especulações cabalísticas a única forma que lhes convém, a da poesia ou da inspiração do coração.

As almas crentes não precisam das hipóteses racionais contidas nessa explicação nova das figuras da Bíblia, mas os corações sinceros e afligidos pela dúvida, e que a crítica do século dezoito atormenta, compreenderão ao lê-la que a própria razão sem a fé pode encontrar no livro sagrado outra coisa além de escolhos; se os véus com que os textos divinos são cobertos projetam uma grande sombra, essa sombra é tão maravilhosamente desenhada pelas oposições da luz que se torna a única imagem inteligível de um ideal divino.

Ideal incompreensível como o infinito e indispensável como a própria essência do mistério.

ARTIGO II

Solução do segundo problema

A VERDADEIRA RELIGIÃO

A religião existe na humanidade como no amor.

É única como ele.

Como ele, existe ou não existe nesta ou naquela alma; mas, seja aceita ou negada, está na humanidade, está, portanto, na vida, está na natureza, é incontestável diante da ciência e mesmo diante da razão.

A verdadeira religião é a que sempre existiu, que existe e que sempre existirá.

Podem-nos dizer que a religião é isto ou aquilo; a religião é o que é. A religião é ela, e as falsas religiões são superstições dela copiadas, dela emprestadas, sombras mentirosas dela própria.

Pode-se dizer da religião o que se diz da arte verdadeira. As tentativas bárbaras de pintura ou escultura são tentativas da ignorância para se chegar à verdade. A arte prova-se por si, brilha com seu próprio esplendor, é única e eterna como a beleza.

A verdadeira religião é bela, e é por esse caráter divino que se impõe aos respeitos da ciência e ao assentimento da razão.

A ciência não poderia, sem temeridade, afirmar ou negar as hipóteses do dogma que são verdades para a fé; mas pode reconhecer, em certos aspectos, a única religião verdadeira, ou seja, a única que merece o nome de religião, reunindo todos os aspectos que convêm a essa grande e universal aspiração da alma humana.

Uma só coisa evidentemente divina manifestou-se para todos no mundo.

É a caridade.

A obra da verdadeira religião deve ser a de produzir, conservar e difundir o espírito de caridade. Para alcançar esse objetivo, é preciso que ela própria tenha todas as características da caridade, de modo que se possa bem defini-la, nomeando-a de caridade organizada.

Ora, quais são as características da caridade?

É São Paulo quem vai nos ensinar.

A caridade é paciente.

Paciente como Deus, porque ela é eterna como ele. Sofre as perseguições e nunca persegue ninguém.

É benevolente e indulgente, chamando para si os pequenos e não rechaçando os grandes.

Não é invejosa. A quem e a que invejaria, não tem a melhor parte que nunca lhe será tirada?

Não é nem inquieta e nem intrigante.

Não tem orgulho, ambição, egoísmo, ira.

Nunca supõe o mal e nunca triunfa pela injustiça, pois põe toda sua alegria na verdade.

Suporta tudo sem jamais tolerar o mal.

Crê em tudo, sua fé é simples, submissa, hierárquica e universal.

Sustenta tudo, e nunca impõe fardos que não carregasse antes.

A religião é paciente, é a religião dos grandes trabalhadores do pensamento: é a religião dos mártires.

É benevolente como o Cristo e os apóstolos, como os Vicentes de Paulo e os Fenelons.

Não deseja nem as dignidades nem os bens da terra. É a religião dos pais do deserto, de São Francisco de Assis e de São Bruno, das irmãs de caridade e dos irmão de São João de Deus.

Não é nem inquieta nem intrigante, ela reza, faz o bem e espera. É humilde, é doce, só inspira a devoção e o sacrifício. Tem, enfim, todas as características da caridade, porque é a própria caridade.

Os homens, ao contrário, são impacientes, perseguidores, invejosos, cruéis, ambiciosos, injustos e mostram-se como tais em nome dessa religião que puderam caluniar, mas que nunca obrigarão a mentir. Os homens passam, e a verdade é eterna.

Filha da caridade e criando por sua vez a caridade, a verdadeira religião é essencialmente realizadora; acredita nos milagres da fé, porque os cumpre todos os dias quando faz a caridade. Uma religião que faz a caridade pode vangloriar-se de realizar todos os sonhos do amor divino. Assim, a fé da Igreja hierárquica transforma o mistério em realismo pela eficácia de seus sacramentos. Não mais signos, não mais figuras que não tenham sua força na graça e que não dêem realmente o que prometem. A fé anima tudo, torna tudo de algum modo visível e palpável; as próprias parábolas de Jesus Cristo tomam um corpo e uma alma. Mostra-se em Jerusalém a casa do mau rico. Os simbolismos esparsos das religiões primitivas, abandonados pela ciência e privados da vida da fé, assemelhavam-se a essas ossadas embranquecidas que cobriam o campo de Ezequiel. O espírito do Salvador, o espírito de fé, o espírito de caridade sopraram esse pó, e tudo o que estava morto recuperou uma vida tão real que não se reconhece mais nesses vivos de hoje os cadáveres de ontem.

 

Grande Pantáculo tirado da visão de São João

E por que seriam reconhecidos, uma vez que o mundo renovou-se, uma vez que São Paulo queimou no Éfeso os livros dos hierofantes. São Paulo era pois um bárbaro, e não estava cometendo um atentado contra a ciência? Não, mas ele queimava os sudários dos ressuscitados para fazê-los esquecer a morte. Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que relacionamos as figuras da Bíblia com as alegorias de Hermes? Será para condenar São Paulo, para trazer a dúvida aos crentes? Certamente não, pois os crentes não necessitam de nosso livro, não o lerão, não o quererão compreender. Mas queremos mostrar à multidão inumerável dos que duvidam que a fé relaciona-se à razão de todos os séculos, à ciência de todos os sábios. Queremos forçar a liberdade humana e respeitar a autoridade divina, a razão a reconhecer as bases da fé, para que a fé e a autoridade, por sua vez, nunca mais proscrevam nem a liberdade nem a razão.

ARTIGO III

Solução do terceiro problema

RAZÃO DOS MISTÉRIOS

Sendo a fé a aspiração ao desconhecido, o objeto da fé é absoluta e necessariamente o mistério.

Para formular suas aspirações, a fé é forçada a emprestar do conhecido aspirações e imagens.

Mas ela especializa o emprego dessas formas ao reuni-las de uma maneira impossível na ordem conhecida. Tal é a profunda razão do aparente absurdo do simbolismo.

Demos um exemplo:

Se a fé dizia que Deus é impessoal, poder-se-ia concluir daí que Deus é apenas uma palavra ou, no máximo, uma coisa.

Se ela dizia que Deus é uma pessoa, o infinito inteligente seria representado sob a forma necessariamente limitada de um indivíduo.

Ela diz Deus é um em três pessoas para exprimir que se concebe em Deus a unidade e o número.

A fórmula do mistério exclui necessariamente a própria inteligência dessa fórmula, na medida em que empresta do Verbo coisas conhecidas, pois se fosse compreendida exprimiria o conhecido e não o desconhecido.

Pertenceria, então, à ciência e não mais à religião, isto é, à fé.

O objeto da fé é um problema de matemática onde o x escapa aos procedimentos de nossa álgebra.

As matemáticas absolutas provam somente a necessidade e, por conseguinte, a existência desse conhecido representado pelo x intraduzível.

Ora, por mais que a ciência avance em seu progresso indefinido, mas sempre relativamente finito, nunca encontrará na língua do finito a expressão completa do infinito. O mistério é, portanto, eterno.

Fazer entrar na lógica do conhecido os termos de uma profissão de fé é fazê-los sair da fé que tem por bases positivas o ilogismo, isto é, a impossibilidade de explicar logicamente o desconhecido.

Para os israelitas, Deus está separado da humanidade, não vive nas criaturas, é um egoísmo infinito.

Para os muçulmanos, Deus é uma palavra diante da qual nos prosternamos sobre a fé de Maomé.

Para os cristãos, Deus revelou-se na humanidade, prova-se pela caridade, reina pela ordem que constitui a hierarquia.

A hierarquia é guardiã do dogma, cuja letra e cujo espírito quer que respeitemos. Os sectários que, em nome de sua razão, ou melhor, de sua desrazão individual, tocaram o dogma, perderam, por esse mesmo fato, o espírito de caridade, excomungaram a si próprios.

O dogma católico, isto é, universal, merece esse belo nome resumindo todas as aspirações religiosas do mundo; ele afirma a unidade de Deus com Moisés e Maomé, reconhece em si a trindade infinita da geração eterna com Zoroastro, Hermes e Platão, concilia com o Verbo único de São João os números vivos de Pitágoras, eis o que a ciência e a razão podem constatar. É portanto diante da própria razão e diante da ciência o dogma mais perfeito, isto é, o mais perfeito que alguma vez se produziu no mundo. Que a ciência e a razão nos concedam isso, não lhes pediremos mais nada.

Substituir o despotismo legítimo da lei pelo arbitrário humano, pôr, em outras palavras, a tirania no lugar da autoridade é obra de todos os protestantismos e de todas as democracias. O que os homens chamam de liberdade é a sanção da autoridade ilegítima ou, antes, a ficção do poder não sancionado pela autoridade.

João Calvino protestava contra as fogueiras de Roma para se dar o direito de queimar Miguel Servet. Todo povo que se libertou de um Carlos I ou de um Luís XVI submeteu-se a um Robespierre ou a um Cromwel, e existe um antipapa mais ou menos absurdo por trás de todos os protestos contra o papado legítimo.

A divindade de Jesus Cristo só existe na Igreja católica, para a qual ele transmite hierarquicamente sua vida e seus poderes divinos. Essa divindade é sacerdotal e real por comunhão, mas fora dessa comunhão toda afirmação da divindade de Jesus Cristo é idolátrica, porque Jesus Cristo não poderia ser um Deus separado.

Pouco importa à verdade católica o número dos protestantes.

Se todos homens fossem cegos, essa seria uma razão para negar a existência do sol?

A razão, protestando contra o dogma, prova suficientemente que não o inventou, mas é forçada a admirar a moral que resulta desse dogma. Ora, se a moral é uma luz, é preciso que o dogma seja um sol, a claridade não vem das trevas.

Entre os abismos do politeísmo e do deísmo absurdo e limitado, só há um meio possível: o mistério da santíssima trindade.

Entre o ateísmo especulativo e o antropomorfismo só há um meio possível: o mistério da encarnação.

Entre a fatalidade imoral e a responsabilidade draconiana que decidiria pela danação de todos os seres, só há um meio possível: o mistério da redenção.

A trindade é a fé.

A encarnação é a esperança.

A redenção é a caridade.

A trindade é a hierarquia.

A encarnação é a autoridade divina da Igreja.

A redenção é o sacerdócio único, infalível, indefectível e católico.

Somente a Igreja católica possui um dogma invariável e encontra-se por sua própria constituição na impossibilidade de corromper a moral; ela não inova, explica. Assim, por exemplo, o dogma da imaculada concepção não é novo, estava inteiramente contido no Théotokon do concílio de Éfeso, e o Théotokon é uma conseqüência rigorosa do dogma católico da encarnação.

Da mesma forma, a Igreja católica não faz excomunhões, ela as declara e só ela as pode declarar, porque é a única guardiã da unidade.

Fora da barca de Pedro, só há o abismo. Os protestantes assemelham-se às pessoas que, cansadas da arfagem, jogar-se-iam na água para evitar o enjôo.

E da catolicidade, tal qual é constituída na Igreja católica, que é preciso dizer o que Voltaire disse de Deus com tanta ousadia.

Se não existisse, seria preciso inventá-la. Mas, se um homem fosse capaz de inventar o espírito de caridade, teria também inventado Deus. A caridade não se inventa, revela-se por suas obras, e é então que se pode gritar com o Salvador do mundo: Felizes os que têm o coração puro, pois verão a Deus!

Entender o espírito de caridade é ter a inteligência de todos os mistérios.

ARTIGO IV

Solução do quarto problema

A RELIGIÃO PROVADA PELAS OBJEÇÕES QUE LHE SÃO OPOSTAS

As objeções que se pode fazer contra a religião podem ser feitas seja em nome da razão, seja em nome da fé.

A ciência não pode negar os fatos da existência da religião, de seu estabelecimento e de sua influência sobre os acontecimentos da história. É proibido a ela tocar no dogma, o dogma pertence inteiramente à fé.

A ciência arma-se comumente contra a religião com uma série de fatos que tem o direito de apreciar, que de fato aprecia com severidade, mas que a religião condena mais energicamente ainda do que a ciência.

Assim fazendo, a ciência dá razão à religião e censura a si própria; carece de lógica, acusa a desordem que toda paixão rancorosa introduz no espírito dos homens e a necessidade incessante que ele tem de ser reerguido e dirigido pelo espírito de caridade.

A razão, por sua vez, examina o dogma e considera-o absurdo.

Mas, se não o fosse, a razão compreendê-lo-ia; se ela o compreendesse, não seria mais a fórmula do desconhecido.

Seria uma demonstração matemática do infinito.

Seria o infinito finito, o desconhecido conhecido, o incomensurável medido, o indizível nomeado.

Isso quer dizer que o dogma só deixaria de ser absurdo diante da razão, para se tornar, diante da fé, da ciência, da razão e do bom senso reunidos, o mais monstruoso e o mais impossível de todos os absurdos.

Restam as objeções da fé dissidente.

Os israelitas, nossos pais em religião, censuram-nos por termos atentado contra a unidade de Deus, por termos mudado uma lei imutável e eterna, por adorarmos a criatura no lugar do criador.

Essas censuras são fundamentadas numa noção perfeitamente falsa do cristianismo.

Nosso Deus é o Deus de Moisés, Deus único, imaterial, infinito, o só adorável e sempre o mesmo.

Como os judeus, acreditamo-lo presente em todos os lugares, mas, como eles deveriam fazer, acredítamo-lo vivo, pensante e amante na humanidade e adoramo-lo em suas obras.

Não mudamos sua lei, pois o decálogo dos israelitas é também a lei dos cristãos.

A lei é imutável, porque está fundamentada em princípios eternos da natureza; mas o culto exigido pelas necessidades do homem pode variar e modificar-se com os homens.

O que o culto significa é imutável, mas o culto modifica-se como as línguas.

O culto é um ensinamento, é uma língua, é preciso traduzi-lo quando as nações não o compreendem mais.

Traduzimos e não destruímos o culto de Moisés e dos profetas.

Adorando Deus na criação, não estamos adorando a própria criação.

Adorando Deus em Jesus Cristo, é somente Deus que adoramos, mas Deus unido à humanidade.

Tornando a humanidade divina, o cristianismo revelou a divindade humana.

O Deus dos judeus era inumano, porque eles não o compreendiam em suas obras.

Somos, portanto, mais israelitas que os próprios israelitas. No que acreditam, acreditamos com eles e melhor que eles. Acusam-nos de estarmos separados dele e são eles, ao contrário, que querem estar separados de nós.

Esperamo-los de coração e braços abertos.

Somos, como eles, discípulos de Moisés.

Como eles, viemos do Egito e detestamos sua servidão. Mas nós estamos na terra prometida, e eles obstinam-se em permanecer e morrer no deserto.

Os muçulmanos são os bastardos de Israel, ou melhor, são seus filhos deserdados, como Esaú.

Sua crença é ilógica, pois admitem que Jesus é um grande profeta, e tratam os cristãos como infiéis.

Reconhecem a inspiração divina de Moisés e não vêem os judeus como irmãos.

Acreditam cegamente em seu cego profeta, o fatalista Maomé, o inimigo do progresso e da liberdade.

Não tiremos, no entanto, de Maomé a glória de ter proclamado a unidade de Deus entre os árabes idólatras.

Encontram-se no Alcorão páginas puras e sublimes.

É lendo essas páginas que se pode dizer com os filhos de Ismael: Não existe outro Deus senão Deus, e Maomé é seu profeta.

Há três tronos no céu para os três profetas das nações; mas, no fim dos tempos, Maomé será substituído por Elias.

Os muçulmanos nada censuram nos cristãos, eles injuriam-nos.

Chamam-nos de infiéis e de giaurs, isto é, cães. Não temos nada a lhes responder.

Não se deve refutar os turcos e os árabes, é preciso instruí-los e civilizá-los.

Restam os cristãos dissidentes, isto é, aqueles que, tendo rompido o laço de união, declaram-se estrangeiros à caridade da Igreja.

A ortodoxia grega, irmã gêmea da Igreja romana, que não cresceu desde sua separação, que não tem mais importância nos faustos religiosos, que, desde Fócio, não inspirou uma única eloqüência; Igreja que se tornou inteiramente temporal e cujo sacerdócio não é mais que uma função regulada pela política imperial do czar de todas as Rússias; múmia curiosa da Igreja primitiva, colorida e dourada com todas as suas lendas e com todos os seus ritos que os popes não compreendem mais; sombra de uma Igreja viva, mas que quis parar quando essa Igreja avançava e que não é mais que uma silhueta apagada e sem cabeça.

Depois, os protestantes, esses eternos reguladores da anarquia, que romperam o dogma e tentam sempre preenchê-lo com raciocínios, como o tonel das Danaides; esses fantasistas religiosos cujas inovações em sua totalidade são negativas, que formularam para uso próprio um desconhecido pretensamente mais conhecido, mistérios mais explicados, um infinito mais definido, uma imensidão mais restrita, uma fé mais duvidosa, que quintessenciaram o absurdo, cindiram a caridade e tomaram atos de anarquia pelos princípios de uma hierarquia para sempre impossível; esses homens que querem realizar a salvação somente pela fé, porque a caridade lhes escapa e que nada mais podem realizar, mesmo sobre a terra, pois seus pretensos sacramentos não são mais que farsas alegóricas, não dão mais a graça, não fazem mais ver a Deus nem tocar em Deus, não são mais, em uma palavra, os signos da onipotência da fé, mas as testemunhas forçadas da impotência eterna da dúvida.

Foi, portanto, contra a própria fé que a reforma protestou. Os protestantes tiveram razão contra o zelo inconsiderado e perseguidor que queria forçar as consciências. Exigiram o direito de duvidar, o direito de ter menos religião ou de não a ter absolutamente; derramaram seu sangue por esse triste privilégio; conquistaram-no, possuem-no, mas não nos tirarão o de lastimá-los e de amá-los. Quando sentirem novamente a necessidade de acreditar, quando seu coração revoltar-se por sua vez contra a tirania de uma razão falseada, quando se cansarem das frias abstrações de seu dogma arbitrário, das vãs observâncias de seu culto sem efeito, quando sua comunhão sem presença real, suas igrejas sem divindade e sua moral sem perdão os aterrorizarem enfim, assim que ficarem doentes da nostalgia de Deus, não se levantarão como o filho pródigo e não virão jogar-se aos pés do sucessor de Pedro dizendo-lhe: Pai, pecamos contra o céu e contra vós, já não somos dignos de ser chamados vossos filhos, mas incluí-nos ao menos entre vossos mais humildes servidores.

Não falaremos da crítica de Voltaire. Esse grande espírito estava dominado por um ardente amor pela verdade e pela justiça, mas faltava-lhe esta retidão do coração que dá a inteligência da fé. Voltaire não podia admitir a fé, porque não sabia amar. O espírito de caridade não se revelou a essa alma sem ternura, e ele criticou amargamente um fogo cujo calor não sentia e uma lâmpada cuja luz não via. Se a religião fosse tal qual viu, teria tido mil vezes razão em atacá-la e seria preciso ajoelhar-se diante do heroismo de sua coragem. Voltaire seria o messias do bom senso, o hércules destruidor do fanatismo. Mas este homem ria demais para compreender aquele que disse: Felizes dos que choram, e a filosofia do riso nunca terá nada em comum com a religião das lágrimas.

Voltaire parodiou a Bíblia, o dogma, o culto, depois ridicularizou, achincalhou, vilipendiou sua paródia.

Apenas aqueles que vêem a religião na paródia de Voltaire podem se ofender com isso. Os voltairianos assemelham-se às rãs da fábula que saltam sobre as vigas e, em seguida, zombam da majestade real. São livres para tomar a viga por um rei, são livres para refazer esta caricatura romana de que, outrora, Tertuliano ria, e que representava o Deus dos cristãos na figura de um homem com cabeça de asno. Os cristãos darão de ombros ao ver essa brejeirice e pedirão a Deus pelos pobres ignorantes que pretendiam insultá-los.

O senhor conde Joseph de Maistre, depois de ter representado, num de seus mais eloqüentes paradoxos, o carrasco como um ser sagrado e como uma encarnação permanente de justiça divina na terra, queria que se erguesse para o ancião de Ferney uma estátua pela mão do carrasco. Existe profundidade nesse pensamento. Voltaire, com efeito, foi também, no mundo, um ser ao mesmo tempo providencial e fatal, dotado de insensibilidade para a realização de suas terríveis funções. Foi, no domínio da inteligência, um executor das grandes obras, um executor armado com a própria justiça de Deus.

Deus enviou Voltaire entre o século de Bossuet e o de Napoleão para aniquilar tudo o que separa esses dois gênios e reuni-los num só.

Era o Sansão do espírito, sempre pronto a sacudir as colunas do templo; mas, para fazê-lo girar, a contragosto, a pedra do moinho do progresso religioso, a Providência parecia ter cegado seu coração.

ARTIGO V

Solução do último problema

SEPARAR A RELIGIÃO DA SUPERSTIÇÃO E DO FANATISMO

A superstição, da palavra latina superstes, sobrevivente, é o símbolo que sobreviveu à idéia, é a forma preferida à coisa, é o rito sem razão, é a fé tornada insensata, porque se isola. E, por conseguinte, o cadáver da religião, a morte da vida, é a inspiração substituída pelo embrutecimento.

O fanatismo é a superstição apaixonada, seu nome vem da palavra fanum, que significa templo, é o templo colocado no lugar de Deus, é a honra do sacerdote substituída pelo interesse humano e temporal do padre, é a paixão miserável do homem explorando a fé do crente.

Na fábula do asno carregado de relíquias, La Fontaine diz-nos que o animal acreditou ser adorado, não nos diz que algumas pessoas acreditaram de fato adorar o animal. Essas pessoas eram os supersticiosos.

Se alguém tivesse rido de suas tolices, teriam-no talvez assassinado, pois da superstição ao fanatismo há um só passo.

A superstição é a religião interpretada pela tolice; o fanatismo é a religião servindo de pretexto à fúria.

Os que confundem proposital e preconceituosamente a própria religião com a superstição e o fanatismo emprestam à tolice suas prevenções cegas e talvez emprestassem ao fanatismo suas injustiças e seus ódios.

Inquisidores ou participantes dos Massacres de Setembro, que importam os nomes? A religião de Jesus Cristo condena e sempre condenou os assassinos.

RESUMO DA PRIMEIRA PARTE EM FORMA DE DIÁLOGO

A FÉ, A CIÊNCIA, A RAZÃO

A CIÊNCIA – Nunca me fareis acreditar na existência de Deus.

A FÉ – Não tendes o privilégio de acreditar, mas nunca me provareis que Deus não existe.

A CIÊNCIA – Para vo-lo provar, é preciso que, em primeiro lugar, eu saiba o que é Deus.

A FÉ – Não o sabereis nunca. Se soubésseis, poderíeis ensinarmo, e, quando eu o soubesse, não mais acreditaria nele.

A CIÊNCIA – Acreditais, então, sem saber em que estais acreditando?

A FÉ – Ali! não joguemos com as palavras. Sois vós quem não sabeis em que eu acredito, precisamente porque vós não o sabeis. Tendes a pretensão de ser infinita? Não sois interrompida a cada instante pelo mistério? O mistério é para vós uma ignorância que reduziria ao nada o finito de vosso saber, se eu não o iluminasse com minhas ardentes inspirações, e quando dizeis: Eu não sei mais, eu gritaria: Quanto a mim, começo a acreditar.

A CIÊNCIA – Mas vossas aspirações e seu objeto são e só podem ser hipóteses para mim.

A FÉ – Sem dúvida, mas são certezas para mim, uma vez que sem essas hipóteses eu duvidaria até mesmo de vossas certezas.

A CIÊNCIA – Mas, se começais onde eu paro, começais temerariamente muito cedo. Meus progressos atestam que eu ando sempre.

A FÉ – Que importam os vossos progressos, se ando sempre na vossa frente?

A CIÊNCIA – Tu, andar! sonhadora da eternidade, desdenhaste demais a terra, teus pés estão dormentes.

A FÉ – Sou carregada por meus filhos!

A CIÊNCIA – São cegos que carregam um outro, cuidado com os precipícios!

A FÉ – Não, meus filhos não são cegos, muito pelo contrário, desfrutam de dupla visão, vêem por teus olhos o que tu podes demonstrar para eles na terra e contemplam, pelos meus, o que lhes mostro no céu.

A CIÊNCIA – O que a razão pensa disso?

A RAZÃO – Penso, ó caras mestras, que poderíeis realizar um apólogo tocante, o do paralítico e o do cego. A ciência censura a fé por não saber andar na terra, e a fé diz que a ciência não vê nada no céu das aspirações e da eternidade. Ao invés de brigarem, ciência e fé deveriam unir-se: que a ciência carregue a fé e a fé console a ciência, ensinando-lhe esperar e amar.

A CIÊNCIA – Essa idéia é bela, mas é uma utopia. A fé dir-me-á absurdos, e eu quero andar sem ela.

A FÉ – O que é que chamais de absurdos?

A CIÊNCIA – Chamo de absurdos as proposições contrárias às minhas demonstrações, como, por exemplo, que três são um, que um Deus fez-se homem, isto é, que o infinito fez-se finito. Que o Eterno morreu, que Deus puniu seu filho inocente pelo pecado dos homens culpados…

A FÉ – Não digas mais nada. Externadas por ti, essas proposições são, de fato, absurdos. Por acaso sabes o que é o número em Deus, tu que não conheces Deus? És capaz de raciocinar sobre as operações do desconhecido? És capaz de entender os mistérios da caridade? Devo ser sempre absurda para ti, pois se entendesses minhas afirmações, elas seriam absorvidas por teus teoremas; eu seria tu, e tu serias eu, para dizer melhor, eu não existiria mais, e a razão, em presença do infinito, deter-se-ia sempre cegada por tuas dúvidas tão infinitas quanto o espaço.

A CIÊNCIA – Pelo menos, nunca usurpes minha autoridade, não me desmintas em meus domínios.

A FÉ – Nunca o fiz, e não posso nunca o fazer.

A CIÊNCIA – Assim, nunca acreditaste, por exemplo, que uma virgem possa ser mãe sem deixar de ser virgem, e isso na ordem física, natural e positiva, a despeito de todas as leis da natureza; não afirmas que um pedaço de pão é não somente um Deus mas um corpo humano verdadeiro, com ossos e veias, órgãos, sangue, de maneira que fazes de teus filhos que comem esse pão um povinho antropófago.

A FÉ – Não é cristão quem não se revolte com o que acabaste de dizer. Isso prova o suficiente que eles não entendem meus ensinamentos dessa maneira positiva e grosseira. O sobrenatural que afirmo está acima da natureza e não poderia, por conseguinte, opor-se a ela, as palavras de fé só são compreendidas pela fé; nada que, em as repetindo, a ciência desnature. Sirvo-me de tuas palavras, porque não tenho outras; mas uma vez que achas meus discursos absurdos, deves concluir que dou a essas mesmas palavras um significado que te escapa. O Salvador, ao revelar o dogma da presença real, não disse: A carne aqui não tem nenhuma serventia, minhas palavras são espírito e vida? Não te apresento o mistério da encarnação como um fenômeno de anatomia nem o da transubstanciação como uma manifestação química. Com que direito gritarias ao absurdo? Eu não raciocino sobre nada do que conheceis; com que direito dirias que eu disparato?

A CIÊNCIA – Começo a te compreender, ou melhor, vejo que nunca te compreenderei. Nesse caso, continuemos separadas, nunca precisarei de ti.

A FÉ – Sou menos orgulhosa e reconheço que me podes ser útil. Talvez também sem mim estarias bem triste e bem desesperada, e não quero separar-me de ti, a menos que a razão o consinta.

A RAZÃO – Não façais isso. Sou necessária a ambas. E eu, que faria sem vós? Preciso saber e crer para ser justa. Mas nunca devo confundir o que sei com o que acredito. Saber não é mais acreditar, acreditar não é saber ainda. O objeto da ciência é o conhecido, a fé não se ocupa dele e deixa-o inteiramente à ciência. O objeto da fé é o desconhecido, a ciência pode buscá-lo, mas não defini-lo; é portanto forçada, pelo menos provisoriamente, a aceitar as definições da fé que lhe é até mesmo impossível de criticar. Somente se a ciência renuncia à fé, renuncia à esperança e ao amor, cuja existência e necessidade são, no entanto, tão evidentes para a ciência quanto para a fé. A fé, como fato psicológico, pertence ao domínio da ciência, e a ciência, como manifestação da luz de Deus na inteligência humana, pertence ao domínio da fé. A ciência e a fé devem, portanto, aceitar-se, respeitar-se mutuamente, até mesmo sustentar-se e socorrer-se nas necessidades, mas sem nunca usurpar uma à outra. O meio de as unir é nunca as confundir. Mas não deve haver contradição entre elas, pois servindo-se das mesmas palavras não falam a mesma língua.

A FÉ – Pois bem! irmã ciência, o que dizeis disso?

A CIÊNCIA – Digo que estávamos separadas por um deplorável mal-entendido e que, doravante, podemos andar juntas. Mas a qual de seus símbolos vais-me associar? Serei judia, católica, muçulmana ou protestante?

A FÉ – Continuarás sendo a ciência e serás universal.

A CIÊNCIA – Ou seja, católica, se bem compreendo. Mas o que devo pensar das diferentes religiões?

A FÉ – Julga-as por suas obras. Procure a caridade verdadeira e, quando a tiver encontrado, pergunta-lhe a que culto pertence.

A CIÊNCIA – Não será certamente ao dos inquisidores e dos carrascos da Noite de São Bartolomeu.

A FÉ – É ao de São João, o Esmoler, de São Francisco de Sales, de São Vicente de Paulo, de Fenelon e de tantos outros.

A CIÊNCIA – Reconheceis que, se a religião produziu algum bem, fez também muito mal.

A FÉ – Quando se mata em nome do Deus que disse: Não matarás, quando se persegue em nome daquele que quer que se perdoe os inimigos, quando se propaga trevas em nome daquele que não quer que se oculte a luz, será justo atribuir o crime à própria lei que o condena? Dize, se quereis ser justa, que, apesar da religião, muito mal foi feito na terra. Mas, também, quantas virtudes ela fez nascer, quantos devotamentos e sacrifícios ignorados? Contaste estes nobres corações de ambos os sexos que renunciaram a todas as alegrias para se pôr ao serviço de todas as dores? Essas obras devotadas ao trabalho e à oração que passaram fazendo o bem? Quem pois fundou asilos para os órfãos e os idosos, hospícios para os doentes, retiros para o arrependimento? Essas instituições tão gloriosas quanto modestas são obras reais de que os anais da Igreja estão cheios; as guerras de religião e os suplícios dos sectários pertencem à política dos séculos bárbaros. Os sectários, aliás, eram eles próprios assassinos. Esquecestes a fogueira de Miguel Servet e o massacre de nossos padres renovado ainda em nome da humanidade e da razão pelos revolucionários inimigos da inquisição e da Noite de São Bartolomeu? Os homens são sempre cruéis, quando esquecem a religião que os abençoa e perdoa.

A CIÊNCIA – Ó fé, perdoa-me então se não posso acreditar, mas sei agora por que és crente. Respeito tuas esperanças e partilho de teus desejos. Mas é pesquisando que eu encontro e é preciso que eu duvide para pesquisar.

A RAZÃO – Trabalha e procura, então, ó ciência, mas respeita os oráculos da fé. Quando tua dúvida deixar uma lacuna no ensinamento universal, permite à fé preenchê-la. Andai distintas uma da outra, mas apoiadas uma na outra, e nunca vos separeis.

SEGUNDA PARTE

MISTÉRIOS FILOSÓFICOS

Considerações preliminares

Diz-se que o belo é o esplendor do verdadeiro.

Ora, a beleza moral é a bondade. É belo ser bom.

Para ser bom com inteligência, é preciso ser justo.

Para ser justo, é preciso agir com razão.

Para agir com razão, é preciso ter a ciência da realidade.

Para ter a ciência da realidade, é preciso ter consciência da verdade.

Para ter consciência da verdade, é preciso ter uma noção exata do ser.

O ser, a verdade, a razão e a justiça são os objetos comuns das buscas da ciência e das aspirações da fé. A concepção de um poder supremo, real ou hipotético, transforma a justiça em Providência, e a noção divina, por esse ponto de vista, torna-se acessível à própria ciência.

A ciência estuda o ser em suas manifestações parciais, a fé o supõe, ou melhor, o admite a priori em sua generalidade.

A ciência busca a verdade em todas as coisas, a fé relaciona todas as coisas a uma verdade universal e absoluta.

A ciência verifica realidades no detalhe, a fé explica-as por uma realidade de conjunto que a ciência não pode verificar, mas que a própria existência dos detalhes parece forçá-la a reconhecer e a admitir.

A ciência submete as razões das pessoas e das coisas à razão matemática e universal; a fé procura, ou melhor, supõe nas próprias matemáticas e acima das matemáticas uma razão inteligente e absoluta.

A ciência demonstra a justiça pela justiça; a fé dá justeza absoluta à justiça, subordinando-a à Providência.

Vê-se aqui tudo o que a fé empresta à ciência e tudo o que a ciência, por sua vez, deve à fé.

Sem a fé, a ciência está circunscrita por uma dúvida absoluta e encontra-se eternamente estacionada no empirismo arriscado a um ceticismo raciocinador; sem a ciência, a fé constrói suas hipóteses ao acaso e só pode prejulgar cegamente as causas dos efeitos que ignora.

A grande corrente que reúne ciência e fé é a analogia.

A ciência está forçada a respeitar uma crença cujas hipóteses são análogas às verdades demonstradas. A fé, que atribui tudo a Deus, está forçada a admitir a ciência como uma revelação natural que, pela manifestação parcial das leis da razão eterna, dá uma escala de proporções a todas as aspirações e a todos os ímpetos da alma no domínio do desconhecido.

É somente a fé, portanto, que pode dar uma solução aos mistérios da ciência e é, em contrapartida, somente a ciência que demonstra a razão de ser dos mistérios da fé.

Fora da união e do concurso dessas duas forças vivas da inteligência, não há para a ciência senão ceticismo e desespero, para a fé, temeridade e fanatismo.

Se a fé insulta a ciência, blasfema; se a ciência desconhece a fé, abdica.

Agora, escutemo-las falar de comum acordo.

– O Ser está em todos os lugares, diz a ciência. É múltiplo e variável em suas formas, único em sua essência e imutável em suas leis. O relativo demonstra a existência do absoluto. A inteligência existe no ser. A inteligência anima e modifica a matéria.

– A inteligência está em todos os lugares, diz a fé. Em nenhum lugar a vida é fatal, uma vez que está regulada. A regra é a expressão de uma sabedoria suprema. O absoluto em inteligência, o regulador supremo das formas, o ideal vivo dos espíritos é Deus.

– Em sua identidade com a idéia, o ser é a verdade, diz a ciência.

– Em sua identidade com o ideal, a verdade é Deus, retorque a fé.

– Em sua identidade com minhas demonstrações, o ser é a realidade, diz a ciência.

– Em sua identidade com minhas legítimas aspirações, a realidade é meu dogma, diz a fé.

– Na sua identidade com o verbo, o ser é a razão, diz a ciência.

– Na sua identidade com o espírito de caridade, a mais elevada razão é minha obediência, diz a fé

– Em sua identidade com o motivo dos atos racionais, o ser é a justiça, diz a ciência.

– Em sua identidade com o princípio de caridade, a justiça é a Providência, responde a fé.

Acordo sublime de todas as certezas com todas as esperanças, do absoluto em inteligência e do absoluto em amor. O Espírito Santo, o espírito de caridade deve assim tudo conciliar e tudo transformar em sua própria luz. Não é ele o espírito de inteligência, o espírito de ciência, o espírito de conselho, o espírito de força? Ele deve vir, diz a liturgia católica, e isso será como uma criação nova, e ele mudará a face da terra.

“Rir da filosofia já é filosofar”, disse Pascal ao fazer alusão a esta filosofia cética e duvidosa que não reconhece a fé. E, se existisse uma fé que pisoteasse a ciência, não diríamos que rir de semelhante fé seria dar provas de verdadeira religião, que é toda caridade, que não tolera o riso, mas ter-se-ia razão em censurar esse amor pela ignorância e em dizer a essa fé temerária: Já que desconheces tua irmã, não és a filha de Deus!

Verdade, realidade, razão, justiça, providência, tais são os cinco raios da estrela flamejante no centro da qual a ciência escreverá a palavra Ser, a que a fé acrescentará o nome inefável de Deus.

Solução dos problemas filosóficos

PRIMEIRA SÉRIE

Pergunta – O que é a verdade?

Resposta – É a idéia idêntica ao ser.

P – O que é a realidade?

R – É a ciência idêntica ao ser.

P – O que é a razão?

R – É o verbo idêntico ao ser.

P – O que é a justiça?

R – É o motivo dos atos idênticos ao ser.

P – O que é o absoluto?

R – É o ser.

P – Concebe-se algo acima do ser?

R – Não, mas concebe-se no próprio ser algo de supereminente e de transcendental.

P – O que é?

R – A razão suprema do ser.

P – Conheceis e podeis defini-la?

R – Somente a fé afirma-a e nomeia-a Deus.

P – Existe algo acima da verdade?

R – Acima da verdade conhecida existe a verdade desconhecida.

P – Como se pode racionalmente supor essa verdade?

R – Pela analogia e pela proporção.

P – Como se pode defini-la?

R – Pelos símbolos da fé.

P – Pode-se dizer da realidade a mesma coisa que da verdade?

R – Exatamente a mesma coisa.

P – Existe algo acima da razão?

R – Acima da razão finita existe a razão infinita.

P – O que é a razão infinita?

R – É esta razão suprema do ser a que a fé chama de Deus.

P – Existe algo acima da justiça?

R – Sim, de acordo com a fé, existe a providência em Deus e, no homem, o sacrifício.

P – O que é o sacrifício?

R – É o abandono benévolo e espontâneo do direito.

P – O sacrifício é racional?

R – Não, é uma espécie de loucura maior que a razão, pois a razão é forçada a admirá-lo.

P – Como chamar um homem que age de acordo com a verdade, a realidade, a razão e a justiça?

R – É um homem moral.

P – E se pela justiça ele sacrifica seus atrativos?

R – É um homem de honra.

P – E se, para imitar a grandeza e a bondade da Providência, ele faz mais do que seu dever e sacrifica seu direito pelo bem dos outros?

R – É um herói.

P – Qual é o princípio verdadeiro do heroismo?

R – É a fé.

P – Qual é o seu sustento?

R – A esperança.

P – E sua regra?

R – A caridade.

P – O que é o bem?

R – É a ordem.

P – O que é o mal?

R – É a desordem.

P – Que prazer é permitido?

R – O gozo da ordem.

P – Que prazer é proibido?

R – O gozo da desordem.

P – Quais são as conseqüências de um e de outro?

R – A vida e a morte na ordem moral.

P – O inferno, com todos os seus horrores, tem, pois, razão de ser no dogma religioso?

R – Sim, é a conseqüência rigorosa de um princípio.

P – E que princípio é esse?

R – A liberdade.

P – O que é a liberdade?

R – É o direito de fazer o dever com a possibilidade de não o fazer.

P – O que é faltar com o dever?

R – É perder o direito. Ora, sendo o direito eterno, perdê-lo significa perda eterna.

P – Não se pode reparar uma falta?

R – Sim, pela expiação.

P – O que é a expiação?

R – É uma sobrecarga de trabalho. Assim, porque fui preguiçoso ontem, devo realizar, hoje, uma dupla tarefa.

P – Que pensar dos que se impõem sofrimentos voluntários?

R – Se é para remediar a atração brutal do prazer, são sábios; se é para sofrer no lugar dos outros, são generosos; mas, se o fazem sem conselho e sem medida, são imprudentes.

P – Assim, diante da verdadeira filosofia, a religião é sábia em tudo o que ordena?

R – Vós o vedes.

P – Mas se enfim estivermos errados em nossas esperanças eternas?

R – A fé não admite essa dúvida. Mas a própria filosofia deve responder que todos os prazeres da terra não valem um dia de sabedoria, e que todos os triunfos da ambição não valem um só instante de heroismo e de caridade.

 

SEGUNDA SÉRIE

P – O que é o homem?

R – O homem é um ser inteligente e corporal feito à imagem de Deus e do mundo, uno em essência, triplo em substância, imortal e mortal.

P – Dizeis triplo em substância. Teria o homem duas almas ou dois corpos?

R – Não. Tem em si uma alma espiritual, um corpo material e um mediador plástico.

P – Qual é a substância desse mediador?

R – É a luz em parte volátil e em parte fixada.

P – O que é a parte volátil dessa luz?

R – É o fluido magnético.

P – E a parte fixada?

R – É o corpo fluídico ou arornal.

P – A existência desse corpo é demonstrada?

R – Sim, pelas experiências mais curiosas e mais conclusivas. Falaremos disso na terceira parte deste livro.

P – Essas experiências são artigos de fé?

R – Não, pertencem à ciência.

P – Mas a ciência preocupar-se-ia com isso?

R – Ela já se preocupa, uma vez que escrevemos este livro e uma vez que o ledes.

P – Dai-nos algumas noções sobre esse mediador plástico.

R – Ele é formado por uma luz astral ou terrestre e transmite ao corpo humano a dupla imantação. Ao agir sobre essa luz, a alma, por suas volições, pode dissolvê-la ou coagulá-la, projetá-la ou atraí-la. Ela é o espelho da imaginação e dos sonhos. Reage sobre o sistema nervoso e produz, assim, os movimentos do corpo. Essa luz pode dilatar-se indefinidamente e comunicar suas imagens a distâncias consideráveis, ela imanta os corpos submetidos à ação do homem e pode, fechando-se, atraí-los para si. Pode assumir todas as formas evocadas pelo pensamento e, nas coagulações passageiras de sua parte resplandecente, aparecer aos olhos e até mesmo oferecer uma espécie de resistência ao contato. Se essas manifestações e esses usos do mediador plástico são anormais, o instrumento luminoso não pode produzi-las sem ser falseado e causam necessariamente ou alucinação ou loucura.

P – O que é o magnetismo animal?

R – É a ação de um mediador plástico sobre um outro para dissolver ou coagular. Aumentando a elasticidade da luz vital e sua força de projeção, ela é enviada tão longe quanto se deseje e é retirada totalmente carregada de imagens, mas é preciso que essa operação seja favorecida pelo sono do sujeito, que se produz com maior coagulação da parte fixa de seu mediador.

P – O magnetismo é contrário à moral e à religião?

R – Sim, quando dele se abusa.

P – O que é abusar dele?

R – É servir-se dele de maneira desordenada ou para um fim desordenado.

P – O que é um magnetismo desordenado?

R – É uma emissão fluídica malsã e feita com más intenções, por exemplo, para saber os segredos dos outros ou para chegar a fins injustos.

P – Qual é, então, seu resultado?

R – Falseia no magnetizador e no magnetizado o instrumento fluídico de precisão. E é a essa causa que se devem atribuir as imoralidades e as loucuras reprovadas num grande número de pessoas que lidam com o magnetismo.

P – Quais as condições necessárias para se magnetizar convenientemente?

R – A saúde do espírito e do corpo; a intenção reta e a prática discreta.

P – Que vantagens pode-se obter pelo magnetismo bem dirigido?

R – A cura das doenças nervosas, a análise dos pressentimentos, o restabelecimento das harmonias fluídicas, a descoberta de alguns segredos da natureza.

P – Explicai-nos tudo isso de uma maneira mais completa.

R – Nós o faremos na terceira parte desta obra que tratará especialmente dos mistérios da natureza.

TERCEIRA PARTE

OS MISTÉRIOS DA NATUREZA

O grande agente mágico

Falamos de uma substância propagada no infinito

A décima chave do Tarô

A substância una que é céu e terra, isto é, conforme seus graus de polarização, sutil ou fixa.

Essa substância é o que Hermes Trismegisto chama de grande Telesma. Quando produz o esplendor, ela denomina-se luz.

É essa substância que Deus cria antes de todas as coisas, quando diz: Que seja a luz.

Ela é ao mesmo tempo substância e movimento. É um fluido e uma vibração perpétua.

A força que a põe em movimento e que lhe é inerente denomina-se magnetismo.

No infinito, essa substância única é o éter ou a luz etérea.

Nos astros que magnetiza, torna-se luz astral.

Nos seres organizados, luz ou fluido magnético.

No homem, forma o corpo astral ou o mediador plástico.

A vontade dos seres inteligentes age diretamente sobre essa luz e, por meio dela, sobre toda a natureza submetida às modificações da inteligência.

Essa luz é o espelho comum de todos os pensamentos e de todas as formas; guarda as imagens de tudo o que foi, os reflexos dos mundos passados e, por analogia, os esboços dos mundos futuros. E o instrumento da taumaturgia e da adivinhação, como nos resta explicar na terceira e última parte desta obra.

LIVRO I

OS MISTéRIOS MAGNéTICOS

CAPÍTULO I

A chave do mesmerismo

Mesmer encontrou a ciência secreta da natureza, ele não a inventou.

A substância primeira, única e elementar, cuja existência ele proclama em seus aforismos, era conhecida por Hermes e por Pitágoras.

Sinésio, que a canta em seus hinos, encontrara sua revelação em meio às lembranças platônicas da escola de Alexandria:

Mia paga, mic riza

Trifahj elcmfe morfc

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

Peri gan spareisc pnoic

Cqonoj` ezwwse moifcj

Polndaidcloisi morcij

“Uma única fonte, uma única raiz de luz jorra e abre-se em três ramos de esplendor. Um sopro circula em volta da terra e vivifica, sob inumeráveis formas, todas as partes da substância animada.”

Hinos de Sinésio, hino 11

Mesmer viu na matéria elementar uma substância indiferente tanto ao movimento quanto ao repouso. Submetida ao movimento é volátil, de volta ao repouso é fixa, e ele não compreendeu que o movimento é inerente à substância primeira, que resulta não de, sua indiferença, mas de sua aptidão combinada a um movimento e a um repouso equilibrados um pelo outro: que o repouso não está em nenhuma parte na matéria uníversalmente viva, mas que o fixo atrai o volátil para fixá~lo, enquanto o volátil corrói o fixo para volatilizá-lo. Que o pretenso repouso das partículas aparentemente fixadas é somente uma luta mais encarniçada e uma tensão maior de suas forças fluídicas que se imobilizam neutralizando-se. É assim que, segundo Hermes, o que está no alto é como o que está embaixo, a mesma força que dilata o vapor contrai e endurece o gelo; tudo obedece às leis da vida inerentes à substância primeira; essa substância atrai e repele e coagula-se e dissolve-se numa constante harmonia; é dupla; é andrógina; abraça-se e fecunda-se; luta, triunfa, destrui, renova, mas nunca se abandona à inércia, pois a inércia seria a morte para ela.

É essa substância primeira que se designa na narrativa hierática do Gênesis, quando o verbo dos Eloim faz a luz ordenando-lhe que seja.

Eloim diz: Que seja a luz, e a luz foi.

Essa luz,cujo nome hebreu é r u t, or, é o ouro fluido e vivo da filosofia hermética. Seu princípio positivo é o enxofre deles; seu princípio negativo, o mercúrio, e seus princípios equilibrados formam o que eles denominaram seu sal.

Seria preciso, pois, em vez do sexto aforismo de Mesmer assim concebido:

“A matéria é indiferente a estar em movimento ou a estar em repouso.”

Estabelecer este:

A matéria universal é necessária ao movimento por sua dupla magnetização e procura fatalmente o equilíbrio.

E deste deduzir os seguintes:

A regularidade e a variedade no movimento resultam das combinações diversas do equilíbrio.

Um ponto equilibrado por todos os lados permanece imóvel pelo próprio fato de ser dotado de movimento.

O fluido é uma matéria em grande movimento e sempre agitada pela variação dos equilíbrios.

O sólido é a mesma matéria em pequeno movimento ou em repouso aparente, porque está mais ou menos equilibrada.

Não há corpo sólido que não possa ser imediatamente pulverizado, esvair-se em fumaça e tornar-se invisível, se o equilíbrio de suas moléculas viesse a cessar de repente.

Não há corpo fluido que não possa tornar-se num segundo mais duro que o diamante, sim se pudesse equilibrar imediatamente suas moléculas constitutivas.

Dirigir os ímãs, portanto, é destruir ou criar as formas, é produzir em aparência ou anular os corpos, é exercer a onipotência da natureza.

Nosso mediador plástico é um ímã que atrai ou repele a luz astral sob a pressão da vontade. É um corpo luminoso que reproduz com a maior facilidade as formas correspondentes às idéias.

É o espelho da imaginação. Esse corpo alimenta-se de luz astral, exatamente como o corpo orgânico alimenta-se dos produtos da terra. Durante o sono ele absorve a luz por imersão e, durante a vigília, por uma espécie de respiração mais ou menos lenta. Quando se produzem os fenômenos do sonambulismo natural, o mediador plástico está sobrecarregado por uma alimentação que digere mal. A vontade, então, embora ligada pelo torpor do sono, impele instintivamente o mediador em direção aos órgãos para liberá-lo, e produz-se uma reação, de certa forma mecânica, que equilibra pelo movimento do corpo a luz do mediador. É por isso que é tão perigoso acordar os sonâmbulos com um sobressalto, pois o mediador ingurgitado pode, então, retirar-se subitamente para o reservatório comum e abandonar inteiramente os órgãos que se encontram, nesse momento, separados da alma, o que ocasiona a morte.

O estado de sonambulismo, seja natural, seja factício, é, pois, extremamente perigoso, porque, ao reunir os fenômenos da vigília aos do sono, constitui uma espécie de grande lacuna entre dois mundos. Ao movimentar as moias da vida particular, a alma, banhando-se na vida universal, experimenta um bem-estar indizível e abandonaria de bom grado as ramificações nervosas que a mantêm suspensa acima da corrente. Nos êxtases de todos os tipos a situação é a mesma. Se a vontade aí mergulha num esforço apaixonado ou mesmo se a isso se abandona inteiramente, o sujeito pode ficar idiota, paralisado ou morrer.

As alucinações e as visões resultam de ferimentos causados ao mediador plástico e de sua paralisia local. Ora ele cessa de irradiar e substitui as realidades mostradas pela luz por imagens de algum modo condensadas, ora irradia com muita força e condensa-se fora, em torno de alguma morada fortuita e desregulada, como o sangue nas excrescências da carne, então as quimeras do nosso cérebro tomam um corpo e parecem tomar uma alma, parecemos a nós mesmos radiosos ou disformes como o ideal de nossos desejos ou de nossos temores.

Sendo as alucinações sonhos de pessoas acordadas, supõem sempre um estado análogo ao sonambulismo, porém em sentido contrário; o sonambulismo é o sono tomando emprestado ao despertar seus fenômenos; a alucinação é a vigília sujeita ainda em parte à embriaguez astral do sono.

Nossos corpos fluídicos atraem-se e repelem-se uns aos outros, segundo leis consoantes às da eletricidade. É o que produz as simpatias e as antipatias instintivas. Equilibram-se, assim, uns aos outros, e é por isso que as alucinações são frequentemente contagiosas; as projeções anormais mudam as correntes luminosas; a perturbação de um doente ganha as naturezas mais sensitivas, um círculo de ilusões estabelece-se e toda uma multidão é facilmente arrastada para ele. É a história das aparições estranhas e dos prodígios populares. Assim explicam-se os milagres dos médiuns da América e as vertigens dos giradores de mesa, que reproduzem em nossos dias os êxtases dos dervixes giradores. Os bruxos lapões com seus tambores mágicos e os malabaristas curandeiros chegam a resultados parecidos por procedimentos semelhantes; seus deuses ou seus diabos em nada contribuem.

Os loucos e os idiotas são mais sensíveis ao magnetismo do que as pessoas sãs de espírito; deve-se compreender a razão disso; é preciso pouco para virar completamente a cabeça de um homem embriagado, e contrai-se mais facilmente uma doença quando todos os órgãos estão predispostos a sofrerem suas impressões e a manifestarem suas desordens.

As doenças fluídicas têm suas crises fatais. Toda tensão anormal do aparelho nervoso termina em tensão contrária segundo as leis necessárias do equilíbrio. Um amor exagerado transforma-se em aversão, e todo ódio exaltado está bem próximo do amor; a reação dá-se frequentemente com o estrondo e a violência do raio. A ignorância, então, desola-se e indigna-se; a ciência resigna-se e cala-se.

Há dois amores, o do coração e o da mente, o amor do coração nunca se exalta, recolhe-se e cresce lentamente pelas provações e pelos sacrifícios; o amor da mente, puramente nervoso e apaixonado, vive apenas de entusiasmo, vai contra todos os deveres, trata o objeto amado como coisa conquistada, é egoísta, exigente, inquieto, tirânico e traz fatalmente consigo o suicídio por catástrofe final ou o adultério por remédio. Esses fenômenos são constantes como a natureza, inexoráveis como a fatalidade.

Uma jovem artista cheia de futuro e de coragem tinha por marido um homem de bem, um pesquisador científico, um poeta a quem não podia reprovar senão um excesso de amor por ela, abandonou-o ultrajandoo e, desde então, continua a odiá-lo. No entanto, ela também é uma boa mulher, mas o mundo impiedoso a julga e condena. Todavia, não é agora que ela é culpada. Sua culpa, se é permitido lhe imputar alguma, foi em primeiro lugar ter amado louca e apaixonadamente seu marido.

Mas, dir-se-á, a alma humana então não é livre?

– Não, ela não o é mais desde que se abandona à vertigem das paixões. Apenas a sabedoria é livre, as paixões desordenadas são o domínio da loucura, e a loucura é a fatalidade.

O que dissemos do amor pode-se dizer também da religião, que é o mais poderoso mas também o mais inebriante dos amores. A paixão religiosa tem também seus excessos e suas reações fatais. Pode-se ter êxtases e estigmas, como São Francisco de Assis, e cair em seguida em abismos de devassidão e impiedade.

As naturezas apaixonadas são ímãs exaltados, atraem ou repelem com força.

Podemos magnetizar de duas maneiras: primeiramente, agindo pela vontade sobre o mediador plástico de outra pessoa, cuja vontade e atos encontram-se, por conseguinte, subordinados a essa ação.

Em segundo lugar, agindo pela vontade de uma pessoa, seja por intimidação, seja por persuasão, para que a vontade impressionada modifique, segundo nosso desejo, o mediador plástico e os atos dessa pessoa.

Magnetiza-se pela irradiação, pelo contato, pelo olhar e pela palavra.

As vibrações da voz modificam o movimento da luz astral e são um veículo poderoso do magnetismo.

O sopro quente magnetiza positivamente, e o sopro frio magnetiza negativamente.

Uma insuflação quente e prolongada na coluna vertebral, abaixo do cerebelo, pode ocasionar fenômenos eróticos.

Se for colocada a mão direita sobre a cabeça e a mão esquerda sob os pés de uma pessoa envolta em lã ou em seda, ela será inteiramente atravessada por uma fagulha magnética, e pode-se ocasionar uma revolução nervosa em seu organismo com a rapidez de um raio.

Os passes magnéticos servem apenas para dirigir a vontade do magnetizador, confirmando-a através de atos. São sinais e nada além disso. O ato da vontade é expresso, e não operado, por esses sinais.

O carvão em pó absorve e retém a luz astral. É o que explica o espelho mágico de Dupotet.

Figuras desenhadas a carvão aparecem luminosas para uma pessoa magnetizada e tomam para ela, segundo a direção dada pela vontade do magnetizador, as mais graciosas ou as mais aterrorizantes formas.

A luz astral, ou melhor, vital do mediador plástico, absorvida pelo carvão, torna-se totalmente negativa; é por isso que os animais que a eletricidade atormenta, como por exemplo os gatos, gostam de rolar-se no carvão. A medicina, um dia, utilizará essa propriedade, e as pessoas nervosas encontrarão aí um grande alívio.

CAPÍTULO II

A vida e a morte. A vigília e o sono

O sono é uma morte incompleta; a morte é um sono perfeito.

A natureza submete-nos ao sono para habituar-nos à idéia da morte, e adverte-nos por meio dos sonhos sobre a persistência de uma outra vida.

A luz astral em que o sono nos mergulha é como um oceano onde flutuam inumeráveis imagens, restos das existências naufragadas, miragens e reflexos daquelas que passam, pressentimentos daquelas que vão nascer.

Nossa disposição nervosa atrai-nos para aquelas imagens que correspondem à nossa agitação, à nossa fadiga especial, como um ímã colocado em meio a detritos metálicos atrairia e escolheria, sobretudo, a limalha de ferro.

Os sonhos revelam-nos a doença ou a saúde, a calma ou a agitação de nosso mediador plástico e, por conseguinte, também de nosso aparelho nervoso.

Formulam nossos presentimentos por meio da analogia das imagens.

Pois todas as idéias têm um duplo signo para nós, relativo à nossa dupla vida.

Existe uma língua do sono, de que é impossível, no estado de vigília, compreender e até mesmo reunir as palavras.

A língua do sono é a da natureza, hieroglífica em seus caracteres e ritmada apenas em seus sons.

O sono pode ser vertiginoso ou lúcido.

A loucura é um estado permanente de sonambulismo vertiginoso.

Uma comoção violenta pode despertar os loucos, assim como pode matá-los.

As alucinações, quando trazem consigo a adesão da inteligência, são acessos passageiros de loucura.

Toda fadiga do espírito provoca o sono; mas, se a fadiga é acompanhada de irritação nervosa, o sono pode ser incompleto e tomar os caracteres do sonambulismo.

Adormece-se por vezes sem disso se aperceber em meio à vida real, e então, em vez de pensar, sonha-se.

Por que temos reminiscências de coisas que nunca nos aconteceram? É que as sonhamos acordados.

Esse fenômeno do sono involuntário e não sentido, que atravessa de repente a vida real, produz-se freqüentemente em todos aqueles que superexcitam seu organismo nervoso com excessos, quer de trabalho, quer de vigílias, quer de bebida, quer de um eretismo qualquer.

Os monomaníacos dormem quando se entregam a atos insensatos, e não têm mais consciência de nada ao acordarem.

Quando Papavoine foi preso pelos soldados, disse-lhes tranqüilamente estas palavras notáveis:

– Vós tomais o outro por mim.

Era ainda o sonâmbulo que falava.

Edgar Poe, esse gênio infeliz que se embriagava, descreveu de um modo terrível o sonambulismo dos monomaníacos. Ora é um assassino que ouve, e acredita que todo o mundo ouve, o coração de sua vítima bater através das lajes do túmulo, ora é um envenenador que, por força de dizer a si mesmo: Estou em segurança, contanto que não vá denunciar a mim mesmo, termina por sonhar em voz alta que se denuncia e denuncia-se de fato.

Edgar Poe não inventou ele próprio nem os personagens nem os fatos de seus estranhos contos, sonhou-os acordado, e é por isso que tão bem lhes dá as cores de uma horrível realidade.

O doutor Brière de Boismont, em sua notável obra sobre as Alucinações, conta a história de um inglês, aliás muito sensato, que acreditava ter encontrado um homem com quem travara conhecimento; este o conduzira a almoçar em sua taberna, depois, tendo-o convidado a visitar a Igreja de São Paulo, tentara precipitá-lo do alto da torre onde haviam subido juntos.

Desde esse momento, o inglês estava obcecado por esse desconhecido, que apenas ele podia ver, e que reencontrava sempre quando estava só e acabava de jantar bem.

Os abismos atraem; a embriaguez chama a embriaguez; a loucura possui irresistíveis atrativos para a loucura. Quando um homem sucumbe ao sono, abomina tudo o que poderia acordá-lo.

Acontece o mesmo com os alucinados, os sonâmbulos extáticos, os maníacos, os epiléticos e todos aqueles que se abandonam ao delírio de uma paixão. Eles ouviram a música fatal, entraram na dança macabra e sentem-se arrastados no turbilhão da vertigem. Vós lhes falais, não vos ouvem mais, vós os advertis, não vos compreendem mais, mas vossa voz os importuna; têm sono do sono da morte.

A morte é uma corrente que arrasta, um precipício que absorve, mas de cujas profundezas o menor movimento vos pode trazer de volta. Sendo a força de repulsão igual à de atração, freqüentemente, no instante mesmo de expirar, fica-se violentamente preso à vida, freqüentemente também, pela mesma lei de equilíbrio, passa-se do sono à morte; por complacência para com o sono.

Um bote balança-se próximo às margens do lago. A criança nele entra, a água brilhante de mil reflexos dança à sua volta chamando-a, a corrente que retém o barco estira-se e parece querer romper-se; um pássaro maravilhoso lança-se, então, da margem e plana cantando sobre as ondas alegres; a criança quer segui-lo, leva a mão à corrente, solta o elo.

A Antigüidade adivinhara o mistério da morte atraente e representara-o na fábula de Hilas. Cansado após uma longa navegação, Hilas chega a uma ilha florida, aproxima-se de uma fonte para retirar água, uma miragem graciosa lhe sorri; ele vê uma ninfa estender-lhe os braços, os seus enfraquecem e não podem retirar o cântaro pesado; o frescor da fonte adormece-o, os perfumes da margem embriagam-no, ei-lo debruçado sobre a água como um narciso cuja haste fosse quebrada por uma criança a brincar; o cântaro cheio cai ao fundo e Hilas segue-o, morre sonhando com ninfas que o acariciam, e não ouve mais a voz de Hércules que o chama de volta aos trabalhos da vida, e que percorre todas as margens gritando mil vezes: Hilas, Hilas!

Outra fábula, não menos comovente, que sai das sombras da iniciação órfica, é a de Eurídice chamada de volta à vida pelos milagres da harmonia e do amor, Eurídice, esta sensitiva rompida no próprio dia de seu casamento e que se refugiou na tumba ainda trêmula de pudor! Logo, ela ouve a lira de Orfeu, e lentamente sobe em direção à luz; as terríveis divindades do Érebo não ousam fechar-lhe a passagem. Ela segue o poeta, ou antes, a poesia que ela adora… Mas ai do amante se mudar a corrente magnética e se seguir, com um único olhar, aquela que ele deve somente atrair! O amor sagrado, o amor virginal, o amor mais forte que o túmulo busca apenas a dedicação e foge desvairado diante do egoísmo do desejo. Orfeu sabe disso, mas por um instante esquece. Eurídice, em suas brancas vestes de noiva, está deitada no leito nupcial, ele, sob as vestimentas de grande hierofante, está em pé, a lira nas mãos, a cabeça coroada com os louros sagrados, os olhos voltados para o Oriente, e canta. Canta as flechas luminosas do amor que atravessam as sombras do antigo caos, as ondas da doce claridade escorrendo da teta negra da mãe dos deuses, Eros e Ânteros. Adônis que volta à vida para escutar os lamentos de Vênus e que se reanima como uma flor sob o orvalho brilhante de suas lágrimas; Castor e Pólux que a morte não pôde desunir e que se amam ora no inferno, ora na terra… Depois ele chama suavemente Eurídice, sua querida Eurídice, sua Eurídice tão amada:

Ah! miseram Eurydicen animâ fugiente vocabat,

Eurydicen! toto referebant flumine ripae.

Enquanto ele canta, aquela pálida estátua que a morte fez colore-se com as primeiras nuanças da vida, seus lábios brancos começam a avermelhar-se como a aurora da manhã… Orfeu a vê, treme, balbucia, o hino vai expirar em sua boca, mas ela empalidece novamente; então o grande hierofante tira de sua lira cantos dilacerantes e sublimes, não olha mais senão para o céu, chora, implora, e Eurídice abre os olhos… Infeliz! não olhes para ela, canta ainda, não afugentes a borboleta de Psiquê, que quer pousar nesta flor!… Mas o insensato viu o olhar da ressuscitada, o grande hierofante cede à embriaguez do amante, a lira cai de suas mãos, olha Eurídice, corre em sua direção… Aperta-a em seus braços e a encontra ainda gelada, seus olhos tornaram a fechar-se, seus lábios estão mais pálidos e mais frios do que nunca, a sensitiva estremeceu, e o vínculo delicado da alma rompeu-se novamente e para sempre… Eurídice está morta e os hinos de Orfeu não mais a trarão de volta à vida.

Em nosso Dogma e Ritual da Alta Magia, ousamos dizer que a ressurreição dos mortos não é um fenômeno impossível na própria ordem da natureza, e nisso não negamos nem contradissemos de nenhum modo a fé fatal da morte. Uma morte que pode cessar é apenas uma letargia e um sono, mas é sempre pela letargia e pelo sono que a morte começa. O estado de quietude profunda que se sucede, nesse momento, às agitações da vida leva então a alma distendida e dormente, não se pode fazê-la voltar, forçá-la a novamente mergulhar, senão excitando violentamente todas as suas feições e todos os seus desejos. Quando Jesus, o Salvador do mundo, estava na terra, a terra era mais bela e mais desejável do que o céu, e no entanto, para acordar a filha de Jairo, Jesus precisou gritar e sacudi-la. Foi a poder de frémitos e de lágrimas que chamou de volta do túmulo o amigo Lázaro, tão difícil é interromper uma alma cansada que dorme o seu primeiro sono!

Todavia, o rosto da morte não tem a mesma serenidade para todas as almas que o contemplam; quando se teve frustrado o objetivo da vida, quando se levam consigo cobiças desenfreadas ou ódios insaciados, a eternidade aparece para a alma ignorante ou culpada com tão formidáveis proporções de dores que ela tenta algumas vezes lançar-se novamente na vida mortal. Quantas almas assim agitadas pelo pesadelo do inferno refugiaram-se em seus corpos gelados e já cobertos pelo mármore da tumba! Foram encontrados esqueletos revirados, convulsos, retorcidos, e foi dito: Aí estão homens que foram enterrados vivos. Enganavam-se frequentemente, e bem podiam ser retomados da morte, ressuscitados da sepultura que, por se terem abandonado completamente às angústias do limiar da eternidade, com ela foram ter por duas vezes.

Um magrietista célebre, o barão Dupotet, ensina no seu livro secreto sobre a Magia que se pode matar pelo magnetismo como pela eletricidade. Essa revelação nada tem de estranho para quem conhece bem as analogias da natureza. É certo que, dilatando-se além dos limites-ou coagulando-se repentinamente o mediador plástico de um sujeito, pode-se separar sua alma de seu corpo. Basta algumas vezes provocar numa pessoa uma violenta cólera ou um enorme susto para matá-la subitamente.

O uso habitual do magnetismo geralmente coloca o sujeito que a ele se abandona à mercê do magnetizador. Quando a comunicação é bem estabelecida, quando o magnetizador pode produzir à vontade o sono, a insensibilidade, a catalepsia, etc., só lhe custaria um esforço a mais trazer também a morte.

Contaram-nos, como verdadeira, uma história de que todavia não garantimos a autenticidade.

Vamos contá-la porque pode ser verdadeira.

Pessoas que duvidavam ao mesmo tempo da religião e do magnetismo, desses incrédulos que se prestam a todas as superstições e a todos os fanatismos, haviam convencido, a peso de ouro, uma pobre moça a submeter-se às suas experiências. Era uma natureza impressionável e nervosa, cansada além disso pelos excessos de uma vida mais do que irregular, e já enojada da existência. Adormecem-na; ordenam-lhe que veja; ela chora e debate-se. Falam-lhe de Deus…. tremem-lhe todos os membros.

– Não – diz ela -, ele me dá medo; não quero olhar para ele.

– Olhe para ele, eu quero.

Ela abre então os olhos; suas pupilas dilatam-se; fica apavorante.

– O que você está vendo?

– Não consigo dizer… Oh! por misericórdia, por misericórdia, acordem-me!

– Não, olhe e diga o que está vendo.

– Vejo uma noite negra em que turbilhonam fagulhas de todas as cores em volta de dois grandes olhos que se movem sem parar. Desses olhos saem raios que se enrolam em serpentinas e ocupam todo o espaço… Oh! isso me dói! acordem-me!

– Não, olhe.

– Para onde mais querem que eu olhe?

– Olhe dentro do paraíso.

– Não, não posso subir até lá; a grande noite me rechaça e volto sempre a cair.

– Então olhe dentro do inferno.

Aí, a sonâmbula agita-se convulsivamente.

– Não! Não! – grita soluçando -, não quero; me daria vertigem; cairia. Oh! segurem-me! detenham-me!

– Não, desça.

– Aonde querem que eu desça?

– Ao inferno.

– É horrível! Não, não, não quero ir!

– Vá.

– Misericórdia!

– Vá, eu quero.

As feições da sonâmbula ficam terríveis de se ver; os cabelos em pé; os olhos esbugalhados só mostram o branco; o peito arfa e deixa escapar um som rouco.

– Vá até lá, eu quero – repete o magnetizador.

– Estou aqui – diz entre dentes a infeliz, caindo esgotada. Depois, não responde mais; a cabeça inerte tomba sobre os ombros; os braços pendem ao longo do corpo. Aproximam-se dela; tocam-na. Querem, já tarde demais, acordá-la; o crime estava consumado; a mulher estava morta e os autores dessa experiência sacrílega, graças à incredulidade pública em matéria de magnetismo, não foram perseguidos. Coube à autoridade atestar um óbito, e a morte foi atribuída à ruptura de um aneurisma. O corpo, aliás, não tinha nenhuma marca de violência; mandaram-no enterrar e encerrou-se o caso.

Eis um outro caso que nos foi contado por companheiros da Volta à França.

Dois companheiros hospedavarn-se no mesmo albergue e dividiam o mesmo quarto. Um dos dois tinha o hábito de falar dormindo, quando então respondia às perguntas que seu colega lhe fazia. Uma noite, ele começa, de repente, a soltar gritos sufocados, o outro companheiro acorda e pergunta-lhe o que está havendo.

– Mas então você não está vendo – diz o que está dormindo não está vendo esta pedra enorme… está se soltando da montanha… está caindo sobre mim, vai me esmagar.

– Pois então fuja!

– Impossível, meus pés estão enroscados num espinheiro que se aperta cada vez mais… Ai! Socorro! lá… lá está a grande pedra que vem para cima de mim.

– Toma, aqui está ela! – diz rindo o outro, que lhe atira na cabeça o travesseiro para acordá-lo.

Um grito terrível, subitamente sufocado na garganta, uma convulsão, um suspiro, depois mais nada. O desastrado brincalhão levanta-se, puxa o colega pelo braço, chama-o, assusta-se por sua vez, grita, alguém traz uma luz… o infeliz sonâmbulo estava morto.

CAPÍTULO III

Mistérios das alucinações e da evocação dos espíritos

Uma alucinação é um ilusão produzida por um movimento irregular da luz astral.

É, como dissemos antes, a mistura dos fenômenos do sono aos da vigília.

Nosso mediador plástico aspira e respira a luz astral ou a alma vital da terra, como nosso corpo aspira e respira a atmosfera terrestre. Ora, do mesmo modo que em alguns lugares o ar é impuro e irrespirável, também algumas circunstâncias fenomenais podem tornar a luz astral malsã e não assimilável.

Tal ar também pode ser muito vivo para algumas pessoas e convir perfeitamente a outras, sendo assim também com a luz magnética.

O mediador plástico assemelha-se a uma estátua metálica permanentemente em fusão. Se o molde está defeituoso, ela torna-se disforme; se o molde se quebra, ela foge.

O molde do mediador plástico é a força vital equilibrada e polarizada. Nosso corpo, por meio do sistema nervoso, atrai e retém essa forma fugidia de luz especificada; mas a fadiga local ou a superexcitação parcial do aparelho pode ocasionar disformidades fluídicas.

Essas disformidades alteram parcialmente o espelho da imaginação e ocasionam alucinações habituais próprias aos visionários extáticos.

O mediador plástico, feito à imagem e semelhança de nosso corpo, cujos órgãos reproduz luminosamente, tem visão, tato, audição, olfato e paladar que lhe são próprios; pode, quando está superexcitado, comunicá-los por vibrações ao aparelho nervoso, de tal modo que a alucinação seja completa. A imaginação parece, então, triunfar sobre a própria natureza e produz fenômenos verdadeiramente estranhos. O corpo material inundado de fluido parece participar das qualidades fluídicas, escapa às leis da gravidade, torna-se momentaneamente invulnerável e mesmo invisível num círculo de alucinados por contágio. Sabe-se que os convulsionários de São Medardo deixavam-se atenazar, espancar, triturar, crucificar, sem que sentissem nenhuma dor, que se erguiam do chão, andavam de cabeça para baixo, comiam alfinetes e os digeriam.

Achamos oportuno relatar aqui o que publicamos no jornal O Estafeta sobre os prodígios do médium americano Home e sobre vários fenômenos da mesma ordem.

Nunca fomos, nós mesmos, testemunhas dos milagres do senhor Home, mas nossas informações vêm das melhores fontes, recolhemo-nas numa casa onde o médium americano foi acolhido com benevolência quando estava infeliz, e com indulgência quando chegou a tomar sua doença por uma felicidade e uma ventura. É a casa de uma senhora nascida na Polônia, mas três vezes francesa pela nobreza de seu coração, pelos encantos inefáveis de seu espírito e pela celebridade européia de seu nome.

A publicação dessas informações no Estafeta atraiu-nos, sem que saibamos bem por quê, as injúrias de um senhor De Pène, conhecido, desde então, por seu duelo infeliz. Lembramo-nos, na ocasião, da fábula de La Fontaine sobre o louco que atirava pedras num sábio. O senhor De Pène tratava-nos de “padre que abandonou a batina” e de mau católico. Mostramo-nos pelo menos bom cristão compadecendo-nos dele e perdoando-o, e, como é impossível ser “padre que abandonou a batina” sem nunca ter sido padre, deixamos cair por terra uma injúria que não nos atingia.

Na semana passada, o senhor Home queria mais uma vez deixar Paris, essa Paris onde, se os próprios anjos e demônios aparecessem sob uma forma qualquer, não passariam muito tempo por seres maravilhosos, e nada melhor teriam a fazer senão retornar logo ao céu ou ao inferno, para escapar ao esquecimento e ao abandono dos humanos.

O sr. Home, com ar triste e desiludido, despedia-se, então, de uma nobre dama, cuja benevolente acolhida fora uma de suas primeiras alegrias na França. Naquele dia, como sempre, a sra. B… foi gentil com ele, e quis retê-lo para jantar; o misterioso personagem ia aceitar, quando alguém disse que era esperado um cabalista conhecido no mundo das ciências ocultas pela publicação de um livro intitulado Dogma e Ritual da Alta Magia; as feições do sr. Home alteraram-se de repente, e ele declarou balbuciando e com uma visível perturbação que não podia ficar e que a aproximação daquele professor de magia causava-lhe um insuperável terror. Tudo o que lhe disseram para tranqüilizá-lo foi inútil. – Não julgo esse homem – dizia ele -, nem afirmo que ele seja bom ou mau, nada sei sobre isso, mas sua atmosfera me faz mal, perto dele me sentiria sem forças e como que sem vida.

E, depois dessa explicação, o sr. Home apressou-se a despedir-se e a sair.

Esse terror dos homens de prestígio em presença dos verdadeiros iniciados à ciência não é um fato novo nos anais do ocultismo. Pode-se ler em Filóstrato a história da estrige que treme ao ouvir chegar Apolônio de Tiana. Nosso admirável escritor Alexandre Dumas dramatizou essa lenda mágica no belo resumo de todas as lendas que serviria de prólogo à sua grande epopéia romanesca do Judeu Errante. A cena passa-se em Corinto; é uma cerimônia de casamento antiga com belas crianças coroadas de flores que carregam archotes nupciais e cantam epitalâmios graciosos e ornados de voluptuosas imagens como as poesias de Catulo. A noiva está linda, em suas castas vestes, como a Polímnia antiga; está amorosa e deliciosamente provocante em seu pudor, como uma Vênus de Corrégio ou uma Graça de Cânova. Aquele que ela desposa é Clínias, um discípulo do célebre Apolônio de Tiana. O mestre prometeu vir às núpcias de seu discípulo, mas não vem, e a bela noiva respira mais aliviada, pois teme Apolônio. No entanto, o dia não acabou. É chegada a hora do leito nupcial, e de repente Méroe treme, empalidece, olha fixamente em direção à porta, estende a mão aterrorizada e diz numa voz sufocada: “Ei-lo! é ele!” É Apolônio de fato. Eis o mago, eis o mestre: a hora dos encantamentos passou, os prestígios caem diante da verdadeira ciência. Procura-se a bela noiva, a branca Méroe, e vê-se apenas uma velha mulher, a bruxa Canídie, a devoradora de criancinhas. Clínias está desiludido, agradece seu mestre; está salvo.

O vulgo sempre se enganou sobre a magia, e confunde os adeptos com os encantadores. A verdadeira magia, isto é, a ciência tradicional, dos magos, é inimiga mortal dos encantamentos; ela impede ou faz cessar os falsos milagres, hostis à luz e fascinadores de um pequeno número de testemunhas preparadas ou crédulos. A desordem aparente nas leis da natureza é uma mentira; não é, pois, uma maravilha. A maravilha verdadeira, o verdadeiro prodígio sempre resplandecente aos olhos de todos é a harmonia sempre constante dos efeitos e das causas; são os esplendores da ordem eterna!

Não saberíamos dizer se Cagliostro teria feito milagres diante de Swedenborg, mas teria certamente temido a presença de Paracelso e de Henri Khunrath, se esses dois grandes homens tivessem sido seus contemporâneos.

Longe de nós, no entanto, a idéia de denunciar o sr. Home como um bruxo de baixa categoria, isto é, um charlatão. O célebre médium americano é doce e ingênuo como uma criança. É um pobre ser muito sensitivo, sem intriga e sem defesa; é o joguete de uma força terrível que ele ignora, e ele próprio é certamente a primeira de suas vítimas.

O estudo dos estranhos fenômenos que se produzem em torno desse moço é da maior importância. Trata-se de rever seriamente as denegações demasiado levianas do século XVIII, e de abrir diante da ciência e da razão horizontes menos estreitos que os da crítica burguesa, que nega tudo o que ainda não pode explicar. Os fatos são inexoráveis, e a verdadeira boa fé nunca deve recear examiná-los.

A explicação desses fatos que todas as tradições obstinam-se em afirmar e que se reproduzem diante de nós com uma incômoda publicidade, essa explicação, antiga como os próprios fatos, rigorosa como a matemática, mas pela primeira vez tirada das sombras onde a escondiam os hierofantes de todas as idades, seria um grande evento científico, se pudesse obter bastante luz e publicidade. Vamos talvez preparar esse evento, pois não nos seria permitido a esperança audaciosa de concluí-lo.

Em primeiro lugar, eis os fatos em toda sua singularidade. Comprovamo-os e vamos restabelecê-los com uma rigorosa exatidão abstendo-nos, inicialmente, de qualquer explicação ou comentário.

O sr. Home está sujeito a êxtases que o põem, segundo ele, em contato diretamente com a alma de sua mãe, e, pela intermediação desta, com todo o mundo dos espíritos. Descreve, como os sonâmbulos de Cahagnet, pessoas que nunca viu e que são reconhecidas pelos que as evocam; vos dirá mesmo seus nomes e responderá de sua parte a perguntas que só podem ser compreendidas por elas e por vós mesmos.

Quando ele está num apartamento, ruídos inexplicáveis fazem-se ouvir. Batidas violentas ecoam nos móveis e nas paredes; algumas vezes as portas e as janelas abrem-se como se fossem impelidas por uma tempestade; fora, chega-se a ouvir o vento e a chuva; ao sair, o céu está sem nuvens, e não se sente nem o mais leve sopro de vento.

Os móveis são erguidos e deslocados sem que ninguém os toque.

Lápis escrevem sozinhos. A caligrafia é a do sr. Home, e cometem os mesmos erros que ele.

As pessoas presentes sentem-se tocar e agarrar por mãos invisíveis. Esses contatos, que parecem escolher as damas, carecem de seriedade, e por vezes mesmo de conveniência, em sua aplicação. Pensamos que nos compreendem o suficiente.

Mãos visíveis e tangíveis saem ou parecem sair das mesas, mas para isso é preciso que as mesas estejam cobertas. São necessários alguns preparativos ao agente invisível, assim como aos mais hábeis sucessores de Robert Houdin.

Essas mãos mostram-se sobretudo na escuridão; são quentes e fosforescentes ou frias e negras. Escrevem tolices ou tocam piano; e quando tocam piano é preciso vir o afinador, pois seu contado é sempre fatal à afinação do instrumento.

Um dos mais recomendáveis personagens da Inglaterra, sir Edward Bulwer Lytton, viu e tocou essas mãos; lemos a declaração escrita e assinada por ele. Declara mesmo tê-las apertado e puxado para si com toda a força, para fazer saírem do seu esconderijo os braços a que naturalmente elas deviam estar ligadas. Mas a coisa invisível foi mais forte do que o romancista inglês, e as mãos escaparam-lhe.

Um fidalgo russo, que foi o protetor do senhor Home e cujo caráter e boa fé não poderiam ser alvo de nenhuma dúvida, o conde A.B… também viu e apertou vigorosamente as mãos misteriosas. Eram, disse ele, formas perfeitas de mãos humanas, quentes e vivas; só que não se sentiam os ossos. Cerradas num aperto inevitável, as mãos não lutaram para escapar, mas diminuíram, fundiram-se de algum modo, e o conde acabou por nada mais segurar.

Outras pessoas que viram e tocaram essas mãos dizem que os dedos são inchados e rígidos, e comparam-nos a luvas de borracha cheias de um ar fosforescente e quente. Por vezes, no lugar de mãos, são pés que se exibem, todavia, nunca a descoberto. O espírito, a quem provavelmente faltam sapatos, respeita ao menos nisso a delicadeza das damas, e nunca mostra seu pé a não ser sob um cortinado ou uma toalha.

A aparição desses pés cansa e assusta muito o senhor Home. Ele procura então aproximar-se de alguma pessoa saudável, agarra-a como se temesse afogar-se; e a pessoa assim agarrada pelo médium sente-se de repente num estado singular de esgotamento e debilidade.

Um fidalgo polonês, que assistia a uma das sessões do senhor Home, colocara no chão entre seus pés um lápis sobre um papel, e pedira um sinal da presença do espírito. Durante alguns instantes nada se moveu. De repente, o lápis foi lançado ao outro extremo do apartamento. O fidalgo abaixou-se, pegou o papel e viu aí três signos cabalísticos que ninguém compreendia. Só o senhor Home, ao vê-los, pareceu experimentar uma grande contrariedade e manifestou um certo temor; porém recusou-se a explicar a natureza e a significação desses caracteres. Guardaram-nos, então, e trouxeram-nos para este professor de magia, cuja aproximação o médium tanto receara. Examinamo-os e aqui está sua minuciosa descrição.

Estavam desenhados com força e o lápis quase rasgara o papel.

Estavam espalhados na folha sem ordem e sem alinhamento.

O primeiro era o signo que os iniciados egípcios geralmente colocavam na mão de Tífon. Um tau com duplo traço vertical aberto em forma de compasso, uma cruz com alça tendo no alto um círculo, abaixo do círculo um duplo traço horizontal, sob o duplo traço horizontal um duplo traço oblíquo em forma de V invertido.

O segundo caráter representava uma cruz de grande hierofante com as três travessas hierárquicas. Esse símbolo, que remonta à mais alta Antigüidade, é ainda o atributo de nossos soberanos pontífices e arremata a extremidade superior de seu bastão pastoral. Mas o signo traçado pelo lápis tinha de particular que o ramo superior, a cabeça da cruz, era duplo e formava ainda o terrível V tifoniano, o signo do antagonismo e da separação, o símbolo do ódio e do combate eterno.

O terceiro caráter era o que os maçons denominam cruz filosófica, uma cruz de quatro ramos iguais com um ponto em cada um dos ângulos. Porém, em vez de quatro pontos, havia somente dois, colocados nos dois ângulos da direita, ainda um signo de luta, de separação e de negação.

O professor, que nos será permitido distinguir aqui do narrador e nomear na terceira pessoa, para não cansar nossos leitores parecendo falar-lhes de nós, o professor, pois, mestre Eliphas Levi, deu às pessoas reunidas na sala da senhora B… a explicação científica das três assinaturas, e eis o que ele disse:

“Estes três signos pertencem à série dos hieróglifos sagrados e primitivos conhecidos somente pelos iniciados da primeira ordem, o primeiro é a assinatura de Tífon. Ele exprime a blasfêmia desse espírito do mal estabelecendo o dualismo no princípio criador. Pois a cruz com alça de Osíris é um linga invertido, e representa a força paterna e ativa de Deus (a linha vertical saindo do círculo) fecundando a natureza passiva (a linha horizontal). Dobrar a linha vertical é afirmar que a natureza tem dois pais; é colocar o adultério no lugar da maternidade divina, é afirmar, ao invés do primeiro princípio inteligente, a fatalidade cega que tem por resultado o conflito eterno das aparências no nada; é, pois, o mais antigo, o mais autêntico e o mais terrível de todos os estigmas do inferno. Significa o deus ateu, é a assinatura de Satã.

“Essa primeira assinatura é hierática e refere-se aos caracteres ocultos do mundo divino.

“A segunda pertence aos hieróglifos filosóficos, representa a medida ascensional da idéia e a extensão progressiva da forma.

“É um triplo tau invertido, é o pensamento humano afirmando alternativamente o absoluto nos três mundos, e esse absoluto termina aqui por um forcado, ou seja, pelo signo da dúvida e do antagonismo. De tal modo que, se o primeiro caráter queria dizer: Não existe Deus, este tem por significação rigorosa: A verdade hierárquica não existe.

“O terceiro, ou a cruz filosófica, foi em todas as iniciações o símbolo da natureza e de suas quatro formas elementares, os quatro pontos representam as quatro letras indizíveis e incomunicáveis do tetragrama oculto, esta fórmula eterna do grande arcano G.’. A.’.

“Os dois pontos da direita representam a força, os da esquerda figuram o amor, e as quatro letras devem ser lidas da direita para a esquerda começando pelo alto à direita, e indo daí para a letra embaixo à esquerda, e assim para as outras fazendo a cruz de Santo André.

“A supressão dos dois pontos da esquerda exprime, pois, a negação da cruz, a negação da misericórdia e do amor.

“A afirmação do reino absoluto da força, e de seu antagonismo eterno, de alto a baixo e de baixo ao alto.

“A glorificação da tirania e da revolta.

“O signo hieroglífico do vício imundo, que se teve ou não razão de reprovar aos Templários, é o signo da desordem e do desespero eternos.”

Tais são, portanto, as primeiras revelações da ciência oculta dos magos sobre esses fenômenos de manifestações sobrenaturais. Agora, seja-nos permitido relacionar essas assinaturas estranhas a outras aparições contemporâneas de escrituras fenomenais, pois é um verdadeiro processo que a ciência deve instruir antes de levá-lo ao tribunal da razão pública. É preciso, pois, não desprezar nenhuma averiguação e nenhum indício.

Nas proximidades de Caen, em Tilly-sur-Seulles, uma série de fatos inexplicáveis produziam-se, havia alguns anos, sob a influência de um médium ou de um extático chamado Eugène Vintras.

Algumas circunstâncias ridículas e um processo fraudulento logo fizeram cair no esquecimento e mesmo no desprezo esse taumaturgo, atacado aliás com violência em panfletos cujos autores eram antigos admiradores de sua doutrina, pois o médium Vintras também dogmatiza. No entanto, uma coisa é notável nas invectivas de que ele é alvo: é que seus adversários, mesmo esforçando-se em condená-lo, reconhecem a verdade de seus milagres e contentam-se em atribuí-los ao demônio.

Quais são, pois, os milagres tão autênticos de Vintras?

Sobre esse assunto estamos melhor informados do que ninguém, como logo se notará. Autos assinados por testemunhas honradas, artistas, médicos, padres, aliás irrepreensíveis, foram-nos comunicados; interrogamos testemunhas oculares, e, melhor do que isto, vimos. As coisas merecem ser contadas com alguns detalhes.

Existe em Paris um escritor, no mínimo excêntrico, que se chama Madrolle. É um ancião cuja família e relações são honradas. Escreveu primeiramente no sentido católico mais exaltado, recebeu os estímulos mais lisonjeiros das autoridades eclesiásticas e até mesmo breves emanações da Santa Sé, depois conheceu Vintras; e, arrastado pelo prestígio de seus milagres, tornou-se um sectário determinado e um inimigo irreconciliável da hierarquia e do clero.

Na época em que Eliphas Levi publicava seu Dogma e Ritual da Alta Magia, recebeu uma brochura de Madrolle que o surpreendeu. O autor sustentava abertamente os paradoxos mais inauditos no estilo desordenado dos extáticos. Para ele, a vida bastava para a expiação dos grandes crimes, uma vez que ela era a conseqüência de uma sentença de morte. Os piores homens, por serem os mais infelizes de todos, pareciam-lhe oferecer a Deus uma expiação mais sublime. Enfurecia-se contra toda repressão e toda danação. “Uma religião que condena”, exclamava ele, “é uma religião condenada!” Depois pregava a licença mais absoluta sob o pretexto de caridade, e chegava até a dizer que o ato de amor mais imperfeito e aparentemente mais repreensível valia mais que a melhor das preces. Era o Marquês de Sade tornado pregador. Depois negava o diabo com um entusiasmo por vezes pleno de eloqüência.

“Podeis conceber”, dizia ele, “um diabo que Deus tolera, que Deus autoriza! Conceber além disso um Deus que fez o diabo e que o deixa atormentar criaturas já tão fracas e tão prontas a se enganarem! Um Deus do diabo enfim, secundado, preconceituoso e mal superado em suas vinganças por um diabo de Deus!…” O restante da brochura tinha a mesma força. O professor de magia esteve a ponto de aterrorizar-se e tratou de conseguir o endereço de Madrolle. Não foi sem alguma dificuldade que ele chegou até esse singular panfletário, e eis a seguir mais ou menos o que foi a conversa:

Eliphas Levi: – Senhor, recebi sua brochura. Venho agradecer-lhe e testemunhar-lhe ao mesmo tempo meu espanto e meu pesar.

Madrolle: – Seu pesar, senhor! Queira explicar-se, não estou entendendo.

– Lamento profundamente, senhor, vê-lo cometer erros que outrora eu mesmo cometi. Mas eu tinha, então, pelo menos a desculpa da inexperiência e da juventude. Falta alcance à sua brochura porque falta-lhe medida. Por certo sua intenção era protestar contra erros na crença, contra abusos na moral; e acontece serem a própria crença e a moral que o senhor ataca. A exaltação que transborda em seu pequeno escrito deve mesmo causar-lhe muito transtorno, e alguns de seus melhores amigos devem ter-se preocupado com seu estado de saúde…

– Sem dúvida! Já se disse e ainda se diz que sou louco. Mas não é de hoje que os crentes devem suportar a loucura da cruz. Estou exaltado porque, no meu lugar, o senhor também estaria, pois é impossível permanecer frio na presença dos prodígios.

– Oh! Oh! o senhor está falando de prodígios, isso me interessa. Vejamos, cá entre nós e de boa fé, de que prodígios se trata?

– Ora! de que prodígios senão daqueles do grande profeta Elias, que voltou à terra sob o nome de Pierre Michel.

– Estou ouvindo; o senhor quer dizer Eugène Vintras. Ouvi falar de suas obras. Mas ele realmente faz milagres?

(Nesse momento, Madrolle dá um salto da cadeira, ergue os olhos e as mãos para o céu, e termina por sorrir com uma condescendência que se assemelha a uma profunda piedade.)

– Se ele faz milagres, meu senhor! E os maiores!… Os mais surpreendentes!… Os mais incontestáveis!… Os mais verdadeiros milagres que se tenham feito na terra desde Jesus Cristo!… Como! milhares de hóstias aparecem sobre altares onde não havia nenhuma, o vinho brota em cálices vazios, e não é uma ilusão, é vinho, um vinho delicioso… ouvem-se músicas celestes, exalam-se aromas do outro mundo… e finalmente sangue… um verdadeiro sangue humano (foi examinado por médicos!), um sangue de verdade, estou dizendo, goteja e por vezes jorra das hóstias deixando nelas caracteres misteriosos! Estou lhe dizendo o que vi, ouvi, toquei, provei! E o senhor quer que eu permaneça frio diante de uma autoridade eclesiástica que acha mais cômodo negar tudo do que examinar qualquer coisa…!

– Com licença, meu senhor; é sobretudo em matéria de religião que a autoridade nunca pode errar… Em religião, o bem é a hierarquia, e o mal é a anarquia; a que se reduziria, com efeito, a influência do sacerdócio, se o senhor coloca como princípio que é preciso acreditar no testemunho dos sentidos mais do que nas decisões da Igreja? A Igreja não é mais visível do que todos os seus milagres? Os que vêem milagres e não vêem a Igreja são bem mais dignos de compaixão do que os cegos, pois não lhes resta nem mesmo o recurso de se deixarem conduzir…

– Meu senhor, sei tanto quanto o senhor essas coisas. Mas Deus não pode estar em desacordo consigo próprio. Não pode permitir que a boa fé seja ludibriada, e a própria Igreja não poderia decidir que sou cego quando tenho dois olhos… Ouça, eis o que se lê nas cartas de Jan Hus, quadragésima terceira carta, no final:

“Um doutor disse-me: “Em todas as coisas submeter-me-ia ao concílio, tudo então seria bom e legítimo para mim.” Acrescentou: “Se o concílio dissesse que tendes apenas um olho, embora tenhais dois, ainda assim seria preciso dizer que o concílio tem razão.” Quando o mundo inteiro, respondi, afirmasse tal coisa, enquanto tivesse o uso da razão, não poderia concordar sem ferir minha consciência.” Eu lhe direi como Jan Hus: Antes de haver uma Igreja e concílios, há uma verdade e uma razão.

– Um momento, meu caro senhor. Antigamente o senhor era católico, não é mais; as consciências são livres. Observarei apenas que a instituição da infalibilidade hierárquica em matéria de dogma é de modo bem diverso racional e bem mais incontestavelmente verdadeira que todos os milagres do mundo. Aliás, o que não se deve fazer para conservar a paz! Acredita o senhor que Jan Hus não teria sido um homem bastante superior, se tivesse sacrificado um de seus olhos à concórdia universal, ao invés de inundar a Europa de sangue! Oh! Senhor, que a Igreja decida quando lhe aprouver que sou caolho; só lhe peço uma graça, a de me dizer de qual olho, para que eu possa fechá-lo e olhar através do outro, com uma ortodoxia irrepreensível!

– Confesso que não sou ortodoxo ao seu modo.

– Estou percebendo. Mas voltemos aos prodígios! O senhor os viu, tocou, sentiu, provou; mas, vejamos, exaltações à parte, queira me contar um bem detalhado, bem circunstanciado, e que sobretudo seja evidentemente um milagre. Estou sendo indiscreto ao lhe pedir isso?

– De modo nenhum; mas qual escolherei? Há tantos! Ouça – acrescentou Madrofle após um instante de reflexão e com um leve tremor de emoção na voz -, o profeta está em Londres e nós estamos aqui. Pois bem! se o senhor lhe pedisse, apenas em pensamento, que lhe enviasse imediatamente a comunhão e se, num lugar designado pelo senhor, em sua casa, numa peça de roupa, num livro, o senhor encontrasse, ao voltar, uma hóstia, o que diria?

– Declararia esse fato inexplicável pelos meios usuais da crítica. – Pois bem, senhor! – exclama então Madrolle triunfante – no entanto, é isso que muitas vezes me acontece; quando quero, isto é, quando estou preparado e quando espero ser digno! Sim, senhor, encontro a hóstia quando a peço; eu a encontro real, palpável, mas freqüentemente decorada com pequenos corações milagrosos que se acreditaria pintados por Rafael.

Eliphas Levi, que se sentia pouco à vontade para discutir fatos a que se misturava uma espécie de profanação das coisas mais veneradas, despediu-se do antigo escritor católico e saiu meditando sobre a estranha influência desse Vintras, que modificara assim esta velha crença e esta velha mente de sábio.

Alguns dias depois, o cabalista Eliphas foi acordado muito cedo por um visitante desconhecido. Era um homem de cabelos brancos, todo vestido de preto, a fisionomia de um padre extremamente devoto, de aspecto, em suma, inteiramente respeitável.

Esse eclesiástico estava munido de uma carta de recomendação assim escrita:

“Caro Mestre,

Envio-lhe um velho sábio que deseja “arranhar” com o senhor o hebraico da bruxaria. Receba-o como eu mesmo (quero dizer como eu mesmo o recebi), desembaraçando-se dele da melhor maneira possível.

Todo seu na sacrossanta Cabala.

Ad. Desbarolles.”

– Senhor Abade – diz Eliphas sorrindo após haver lido -, estou à sua inteira disposição e nada posso recusar ao amigo que me escreve, então o senhor esteve com meu excelente discípulo Desbarolles?

– Sim, senhor, e encontrei nele um homem muito amável e muito sábio. O senhor e ele, acredito serem dignos da verdade que recentemente se manifestou através de surpreendentes milagres e das revelações positivas do arcanjo São Miguel.

– O senhor nos deixa honrados. O prezado Desbarolles surpreendeu-o, então, por sua ciência?

– Oh! com certeza ele possui os segredos da quiromancia num grau bastante notável; apenas com a leitura de minha mão contou-me quase toda minha vida.

– Ele é bem capaz disso. Mas entrou em detalhes?

– O suficiente, senhor, para convencer-me de seus conhecimentos extraordinários.

– Disse-lhe que o senhor é o antigo pároco de Mont-Louis, na diocese de Tours? Que é o discípulo mais zeloso do extático Eugène Vintras? E que se chama Charvoz?

Tamanha reviravolta causou-lhe um choque: o velho padre, a cada uma dessas três frases, dera um salto na cadeira. Quando ouviu seu nome empalideceu e levantou-se como se fosse impulsionado por uma mola.

– O senhor é realmente um mágico? – exclamou ele. – Charvoz é de fato meu nome, mas não é o que uso; faço-me chamar La Paraz…

– Eu sei. La Paraz é o sobrenome de sua mãe. O senhor deixou uma posição bastante invejável: a de pároco de um cantão e de um encantador presbitério, para compartilhar da existência agitada de um sectário…

– Diga de um grande profeta!

– Senhor, acredito inteiramente em sua boa fé. Mas vai me permitir examinar um pouco a missão e o caráter de seu profeta.

– Pois não, senhor, o exame, o grande dia, a luz da ciência, eis o que pedimos. Venha a Londres e verá! Os milagres são permanentes.

– Pode me dar, antes, alguns detalhes exatos e conscienciosos sobre os milagres?

– Oh! quantos quiser.

E o velho padre começou imediatamente a contar coisas que todo o mundo teria considerado impossíveis, mas que não fizeram o professor de alta magia sequer franzir as sobrancelhas.

Coisas como por exemplo:

– Um dia, Vintras, num acesso de entusiasmo, pregava diante de seu altar heterodoxo; vinte e cinco pessoas assistiam a esse sermão. Um cálice vazio estava sobre o altar, cálice bem conhecido pelo abade Charvoz; trouxera-o ele próprio de sua igreja de Mont-Louis, e tinha absoluta certeza de que esse cálice sagrado não tinha nem conduto misterioso nem fundo duplo.

“Para vos provar”, diz Vintras, “que é o próprio Deus quem me inspira, ele me faz saber que o cálice vai se encher com as gotas de seu sangue sob a aparência de vinho, e todos vós podereis saborear o produto das vinhas do porvir, o vinho que devemos beber com o Salvador no reino de seu pai…”

– Tomado de espanto e medo – continua o abade Charvoz subo ao altar, pego o cálice, olho no fundo: estava inteiramente vazio. Viro-o diante de todos, depois volto a me ajoelhar ao pé do altar, segurando o cálice entre as mãos… De repente ouve-se um leve ruído, como se tivesse caído do teto uma gota de água no cálice, e uma gota de vinho aparece no fundo. Todos os olhares voltam-se para mim, olha-se para o teto, pois nossa simples capela estava armada num quarto pobre; no teto não havia buraco nem fenda, nada se via cair, e no entanto o barulho da queda das gotas multiplicava-se mais rápido e mais apressado… e o vinho brotava do fundo do cálice para a borda. Quando o cálice ficou cheio, passei-o lentamente sob os olhares da assembléia, depois o profeta molhou aí seus lábios, e todos, um após o outro, provaram o vinho milagroso. Qualquer lembrança de um sabor delicioso não poderia dar a idéia de seu gosto. E o que lhe direi – acrescentou o abade Charvoz – dos prodígios de sangue que nos surpreendem todos os dias. Milhares de hóstias feridas e sangrentas refugiam-se em nossos altares. Os estigmas sagrados aparecem diante de todos aqueles que os querem ver. As hóstias, inicialmente brancas, marmorizam-se lentamente de caracteres e de corações ensangüentados… Deve-se acreditar que Deus abandona aos prestígios do demônio as coisas mais santas? ou antes de mais nada é preciso adorar e crer que é chegada a hora da suprema e última revelação?

O abade Charvoz, ao falar assim, tinha na voz aquela espécie de tremor nervoso que Eliphas Levi já observara em Mandrolle. O mágico balançava a cabeça com um ar pensativo; depois, de repente:

– Senhor – diz ao abade -, o senhor traz consigo uma ou várias dessas hóstias. Seja gentil deixando-me vê-Ias.

– Senhor…

– Eu sei que o senhor as tem; por que tentar negar?

– Não o nego – diz o abade Charvoz -, mas o senhor me permitirá não expor às investigações da incredulidade os objetos da mais sincera e devotada crença.

– Senhor Abade – diz gravemente Eliphas -, a incredulidade é a desconfiança de uma ignorância quase certa de estar enganada. A ciência não é incrédula. A princípio creio em sua convicção, uma vez que o senhor aceitou uma vida de privações e mesmo de reprovações por essa infeliz crença. Mostre-me, pois, suas hóstias milagrosas e creia em todo o meu respeito pelos objetos de uma sincera adoração.

– Pois bem! – diz o abade Charvoz após ter ainda hesitado um pouco -, vou mostrar-lhe.

Então ele desabotoou o alto de seu colete negro e tirou um pequeno relicário de prata, diante do qual pôs-se de joelhos com lágrimas nos olhos e preces nos lábios; Eliphas ajoelhou-se perto dele, e o abade abriu o relicário.

Havia no relicário três hóstias, uma inteira, as duas outras quase em pasta e como que amassadas com sangue.

A hóstia inteira tinha no centro um coração em relevo dos dois lados; um grumo de sangue moldado na forma de coração, e que parecia ter-se formado na própria hóstia de modo inexplicável. O sangue não poderia ter sido aplicado por fora, pois a coloração por embebição deixara brancas as partes aderentes à superfície exterior. A aparência do fenômeno era a mesma dos dois lados. O mestre de magia foi tomado por um tremor involuntário.

Essa emoção não escapou ao velho pároco que, tendo adorado mais uma vez e fechado seu relicário, tirou do bolso um álbum e entregou-o a Eliphas sem nada dizer. Eram cópias de todos os caracteres sangrentos observados nas hóstias desde o começo dos êxtases e dos milagres de Vintras.

Havia corações de todos os tipos, emblemas de todos os gêneros. Mas três sobretudo excitaram ao máximo a curiosidade de Eliphas…

– Senhor Abade – diz ele a Charvoz -, conhece estes três signos?

– Não – disse ingenuamente o abade -, mas o profeta garante que são da mais alta importãncia e que sua significação oculta deverá ser conhecida logo, isto é, no final dos tempos.

– Pois bem, senhor – diz solenemente o professor de magia – antes mesmo do fim dos tempos vou explicar-lhe: estes três signos cabalísticos são a assinatura do diabo!

– É impossível! – exclama o velho padre.

– É isso mesmo – continuou com firmeza Eliphas.

Ora, eis que signos eram esses:

1º – A estrela do microcosmo, ou o pentagrama mágico. É a estrela de cinco pontas da maçonaria oculta, a estrela em que Agripa desenhou a figura humana, a cabeça na ponta superior, os quatro membros nas quatro outras. A estrela flamejante que, invertida, é o signo hieroglífico do bode da magia negra, cuja cabeça pode, então, estar desenhada na estrela, os dois chifres no alto, à direita e à esquerda as orelhas, a barba embaixo. É o signo do antagonismo e da fatalidade. É o bode da luxúria atacando o céu com seus chifres. É um signo execrado mesmo no sabbat pelos iniciados de uma ordem superior.

2º – As duas serpentes herméticas, porém as cabeças e as caudas, ao invés de se juntarem em dois semicírculos paralelos, estavam de fora, e não havia linha intermediária representando o caduceu. Acima da cabeça das serpentes via-se o V fatal, o forcado tifoniano, o caráter do inferno. À direita e à esquerda, os números sagrados III e VII relegados sobre a linha horizontal que representa as coisas passivas e secundárias. O sentido do caráter, portanto, era este:

O antagonismo é eterno.

Deus é a luta das forças fatais que criam sempre destruindo.

As coisas religiosas são passivas e passageiras.

A audácia delas se serve, a guerra delas se aproveita, e é através delas que a discórdia se perpetua.

3º – Finalmente, o monograma cabalístico de Jehova, o Iod e o He, porém invertidos, o que forma, segundo os doutores da ciência oculta, a mais terrível de todas as blasfêmias e significa, de qualquer modo que se leia:

“Só a fatalidade existe: Deus e o espírito não são. A matéria é tudo, e o espírito é apenas uma ficção dessa mesma matéria em demência. A forma é mais que a idéia, a mulher mais que o homem, o prazer mais que o pensamento, o vício mais que a virtude, a multidão mais que seus chefes, os filhos mais que seus pais, a loucura mais que a razão!”

Eis o que estava escrito em caracteres de sangue nas hóstias supostamente milagrosas de Vintras!

Damos nossa palavra de honra de que todos os fatos acima enunciados são tais como os relatamos e de que nós mesmos vimos e explicamos os caracteres, segundo a verdadeira ciência mágica e as verdadeiras chaves da Cabala.

O discípulo de Vintras comunicou-nos também a descrição e o desenho das vestes pontificais dadas, dizia ele, pelo próprio Jesus Cristo ao pretenso profeta durante um de seus sonos extáticos. Vintras mandou confeccionar essas vestes e enfeita-se com elas para fazer seus milagres. São vermelhas. Ele deve trazer na fronte uma cruz em forma de linga, ter um bastão pastoral encimado por uma mão, cujos dedos estão todos fechados, à exceção do polegar e do auricular.

Ora, tudo isso é diabólico por excelência, e não é uma coisa verdadeiramente maravilhosa essa intuição dos signos de uma ciência perdida? Pois foi a alta magia que, apoiando o universo sobre as duas colunas de Hermes e de Salomão, dividiu o mundo metafísico em duas zonas intelectuais, uma branca e luminosa encerrando as idéias positivas, a outra negra e obscura contendo as idéias negativas, e que deu à noção sintética da primeira o nome de Deus, à síntese da outra o nome do diabo, ou de Satã.

O signo do linga trazido na fronte é, na Índia, a marca distintiva dos adoradores de Shiva, o destruidor; sendo esse signo o do grande arcano mágico que detém o mistério da geração universal, trazê-lo sobre a fronte é fazer profissão de impudor dogmático. Ora, dizem os orientais, no dia em que não houver mais pudor no mundo, e este estiver abandonado à devassidão, que é estéril, logo acabará por falta de mães. O pudor é a aceitação da maternidade.

A mão com os três grandes dedos fechados expressa a negação do ternário e a afirmação das únicas forças naturais.

Os antigos hierofantes, como vai explicar nosso sábio e espirituoso amigo Desbarolles num belo livro, haviam feito da mão humana o resumo da ciência mágica. O indicador, para eles, representava Júpiter; o grande dedo ou dedo médio, Saturno; o anular, Apolo ou o Sol. Para os egípcios, o dedo médio era Ops, o indicador, Osíris e o anular, Hórus; o polegar representava a força geradora, e o auricular, a habilidade insinuante. A mão mostrando apenas o polegar e o auricular equivale, em língua hieroglífica sagrada, à afirmação exclusiva da paixão e da habilidade. É a tradução abusiva e material desta grande fala de Santo Agostinho: “Amai e fazei o que quiserdes.” Comparai agora esse signo à doutrina de Madrolle: o ato de amor mais imperfeito e aparentemente mais condenável vale mais do que a melhor das preces. E vós vos perguntareis qual força é essa que, independentemente da vontade e da maior ou menor ciência dos homens (pois Vintras é um homem sem letras e sem instrução), formula seus dogmas com signos enterrados nos destroços do antigo mundo, reencontra os mistérios de Tebas e de Elêusis, e escreve-nos os mais doutos devaneios da Índia com os alfabetos ocultos de Hermes.

Que força é essa? Eu vos direi. Mas tenho ainda muitos outros prodígios a vos contar, e este trabalho é, digamos, como uma instrução jurídica. Devemos antes de mais nada completá-la.

No entanto, ser-nos-á permitido, antes de passar a outros relatos, transcrever aqui uma página de um iluminado alemão, Ludwig Tieck.

“Se, por exemplo, como narra uma antiga tradição, uma parte dos anjos criados não tardou em decair, e se foram precisamente, como é dito ainda, os mais brilhantes, pode-se depreender dessa queda apenas que eles buscavam um caminho novo, uma outra atividade, outras ocupações e uma outra vida, ao contrário daqueles espíritos ortodoxos, ou mais passivos, que permaneceram na região que lhes era destinada e não fizeram nenhum uso da liberdade, seu apanágio comum. Sua queda foi essa gravidade da forma que agora chamamos realidade, e que é a reabsorção do espírito universal nos abismos. É assim que a morte conserva e reproduz a vida, é assim que a vida é noiva da morte… Compreendeis agora o que é Lúcifer? Não é o gênio mesmo do antigo Prometeu, essa força que impulsiona o mundo, a vida, o próprio movimento, e que regula o curso das forças sucessivas? Essa força, por sua resistência, equilibrou o princípio criador. Foi assim que os Eloim criaram o mundo. Quando em seguida os homens foram colocados na terra, pelo Senhor, como espíritos intermediários, em seu entusiasmo que os levava a investigar a natureza e suas profundezas, abandonaram-se à influência daquele soberbo e poderoso gênio, e quando num doce enlevo precipitaram-se na morte, para aí encontrar a vida, começaram então a existir de modo verdadeiro, natural e como convém às criaturas.”

Esta página não necessita de comentário e explica o suficiente as tendências do que se denomina espiritualismo, ou a doutrina espírita.

Há muito tempo já essa doutrina, ou essa antidoutrina, trabalha o mundo para precipitá-lo numa anarquia universal. Porém a lei de equilíbrio nos salvará, e o grande movimento de reação já começou.

Retomemos o relato dos fenômenos.

Um operário apresentou-se um dia na casa de Eliphas Levi. Era um homem de uns cinqüenta anos, alto, de olhar direto e que falava de modo bastante sensato. Perguntado sobre o motivo de sua visita, respondeu:

– O senhor deve saber, venho pedir-lhe e suplicar-lhe que me devolva o que perdi.

Devemos dizer, para sermos sinceros, que Eliphas nada sabia sobre esse visitante nem sobre o que ele pudesse ter perdido. Assim, respondeu-lhe:

– Acredita-me muito mais bruxo do que na realidade sou; não sei quem é nem o que procura, portanto, se acredita que lhe possa ser útil em alguma coisa, é necessário que se explique e esclareça o seu pedido.

– Pois bem! uma vez que não quer me compreender, reconhecerá pelo menos isso – disse então o desconhecido, tirando do bolso um pequeno livro negro e roto.

Era o grimório do papa Honório.

Uma palavra sobre esse pequeno livro tão desacreditado.

O grimório de Honório compõe-se de uma constituição apócrifa de Honório II para a evocação e o governo dos espíritos; e mais, de algumas receitas supersticiosas… Era o manual dos maus padres que exerciam a magia negra durante os mais tristes períodos da Idade Média. Encontram-se aí ritos sangrentos misturados a profanações da missa e das espécies consagradas, fórmulas de bruxaria e de malefícios, e também práticas que só a estupidez pode admitir e a perfídia aconselhar. Enfim, é um livro completo em seu gênero; assim, tornou-se muito raro nas livrarias, e os apreciadores fazem seu preço subir muito nos leilões.

– Meu caro senhor – disse o operário suspirando -, desde a idade de seis anos, não deixei uma única vez de fazer meu serviço. Este livro não me deixa, e sigo rigorosamente todas as prescrições que ele contém. Por que então os que me visitavam abandonaram-me? Eli, Eli, Lamma…

– Pare – disse Eliphas -, não parodie as mais formidáveis palavras que uma agonia já fez o mundo ouvir! Quais são os seres que o visitavam pelo poder deste livro horrível? Conhece-os? Prometeu-lhes alguma coisa? Assinou um pacto?

– Não – interrompeu o proprietário do grimório -, não os conheço e não assumi com eles nenhum compromisso. Sei apenas que entre eles os chefes são bons, os intermediários alternativamente bons e maus; os inferiores maus, mas não cegamente e sem que lhes seja possível fazer melhor. Aquele a quem evoquei e que freqüentemente me apareceu pertence à hierarquia mais elevada, pois tinha boa aparência, era bem vestido e sempre me dava respostas favoráveis. Mas perdi uma página do meu grimório, a primeira, a mais importante, a que trazia a assinatura do espírito, e, desde então, não aparece mais quando o chamo. Sou um homem perdido. Estou nu como Jó, não tenho mais força nem coragem. Oh! mestre, eu lhe suplico, o senhor a quem a uma única palavra, a um único sinal os espíritos obedecerão, tenha piedade de mim e devolva-me o que perdi!

– Dê-me seu grimório – disse Eliphas. – Que nome dava ao espírito que lhe aparecia?

– Chamava-o Adonai.

– Em que língua era sua assinatura?

– Ignoro, mas suponho que fosse hebraico.

– Tome – disse o professor de alta magia após haver traçado duas palavras hebraicas no começo e no final do livro. – Eis duas assinaturas que os espíritos das trevas nunca falsificarão. Vá em paz, durma bem e não evoque mais os fantasmas.

O operário retirou-se.

Oito dias depois voltou a procurar o homem de ciência.

– O senhor devolveu-me a esperança e a vida, minha força voltou em parte, posso, com as assinaturas que me deu, aliviar a dor dos que sofrem e livrar os obcecados, mas ele não posso mais ver, e, enquanto não o vir de novo, estarei triste até a morte. Antigamente, ele estava sempre perto de mim, tocava-me por vezes e acordava-me à noite para me dizer tudo o que eu precisava saber. Mestre, eu lhe suplico, faça com que o veja de novo.

– Quem?

– Adonai.

– Sabe quem é Adonai?

– Não, mas gostaria de revê-lo.

– Adonai é invisível.

– Eu o vi.

– Ele não tem forma.

– Eu o toquei.

– Ele é infinito.

– É mais ou menos do meu tamanho.

– Os profetas dizem que a orla de sua roupa, do Oriente ao Ocidente, varre as estrelas da manhã.

– Tinha um sobretudo muito limpo e a roupa muito branca.

– A Sagrada Escritura diz ainda que não se pode vê-lo sem morrer.

– Tinha um rosto bom e jovial.

– Mas como o senhor procedia para obter essas aparições?

– Ora! Fazia tudo o que está indicado no grande grimório.

– O quê! mesmo o sacrifício de sangue?

– Sem dúvida.

– Infeliz! mas quem era a vítima?

A essa pergunta, o operário teve um leve tremor, empalideceu, seu olhar perturbou-se.

– Mestre, o senhor sabe melhor do que eu – disse humildemente e em voz baixa. – Oh! custou-me muito; sobretudo a primeira vez, num único golpe com a faca mágica cortar a garganta dessa criatura inocente! Uma noite, tinha acabado de cumprir os ritos fúnebres, estava sentado dentro do círculo, na soleira interna da minha porta, e a vítima acabava de se consumir num grande fogo feito com álamos e ciprestes… De repente, perto de mim… vi, ou antes senti, que ele passava… Ouvi um lamento dilacerante… parecia chorar, e a partir desse momento tinha a impressão de ouvi-lo sempre.

Eliphas levantara-se e olhava fixamente seu interlocutor. Teria diante de si um louco perigoso capaz de repetir as atrocidades do Senhor de Retz? No entanto, a aparência desse homem era suave e honesta. Não, isso não era possível.

– Mas enfim, essa vítima… diga-me claramente o que era. O senhor supõe que eu já saiba, e talvez saiba mesmo, mas tenho razões para querer que me diga.

– Era, de acordo com o ritual mágico, um cabritinho de um ano, virgem e sem defeitos.

– Um cabrito de verdade?

– Sem dúvida. Acredite, não era nem um brinquedo de criança nem um animal empalhado.

Eliphas respirou.

“Ainda bem!” pensou, “este homem não é um bruxo digno da fogueira. Não sabe que os abomináveis autores dos grimórios, quando falavam do cabrito virgem, queriam dizer uma criancinha.”

– Pois bem! – disse então àquele que o consultava -, dê-me detalhes sobre essas visões. O que me conta interessa-me muitíssimo.

O bruxo, pois é preciso chamá-lo pelo seu nome, o bruxo contou-lhe então uma série de fatos estranhos de que duas famílias haviam sido testemunhas, e esses fatos eram precisamente idênticos aos fenômenos do senhor Home: mãos que saíam das paredes, agitações de móveis, aparições fosforescentes. Um dia, o temerário aprendiz de mágico ousara chamar Astaroth, e vira aparecer um monstro gigantesco que tinha o corpo de um porco e a cabeça tirada de um colossal esqueleto de boi. Mas tudo isso era contado num tom de verdade, com uma certeza de ter visto, que excluía qualquer dúvida sobre a boa fé e a inteira convicção do narrador. Eliphas, que é artista em magia, encantou-se com esse achado. No século XIX, um verdadeiro bruxo da Idade Média, um bruxo ingênuo e convicto! Um bruxo que viu Satã sob o nome de Adonai, Satã vestido como um burguês e Astaroth sob sua verdadeira forma diabólica! que obra de arte! que tesouro de arqueologia!

– Meu amigo – disse a seu novo discípulo -, quero ajudá-lo a encontrar o que diz ter perdido. Pegue meu livro, observe as prescrições do ritual e venha ver-me daqui a oito dias.

Oito dias depois, nova conferência, e então o operário declarou que inventou uma máquina de salvamento da maior importância para a marinha. A máquina está perfeitamente montada; falta apenas uma coisa… não funciona: um defeito imperceptível está no mecanismo. Que defeito é esse? Só o espírito de malícia poderia dizer. É, pois, absolutamente necessário evocá-lo!…

– Cuidado – disse Eliphas -; antes, diga durante nove dias esta invocação cabalística (e entregou-lhe uma folha manuscrita). Comece esta noite, e volte amanhã para me dizer o que viu, pois esta noite o senhor terá uma manifestação.

No dia seguinte, nosso homem não faltou ao encontro.

– Acordei de repente, mais ou menos à uma hora da manhã. Vi diante de minha cama uma grande luz, e dentro dessa luz um braço de sombra que passava e repassava diante de mim como para magnetizar-me. Então, tornei a dormir, e, alguns instantes depois, tendo novamente acordado, revi a mesma luz, mas ela mudara de lugar. Passara da esquerda para a direita, e sobre o fundo luminoso distingui a silhueta de um homem que cruzava os braços e me olhava.

– Como era esse homem?

– Aproximadamente da sua estatura e do seu peso.

– Está bem. Vá e continue a fazer o que eu lhe disse.

Passaram-se os nove dias; ao final desse tempo, nova visita do adepto; mas dessa vez muito feliz e agradecido. Ao ver ao longe Eliphas:

– Obrigado, mestre! – exclamou -, a máquina funciona, pessoas que eu não conhecia vieram colocar à minha disposição o capital de que necessitava para terminar meu empreendimento, reencontrei a paz do sono, e tudo isso graças ao seu poder.

– Diga antes graças à sua fé e à sua docilidade, e agora adeus, preciso trabalhar… E então? por que este ar suplicante, o que ainda quer de mim?

– Oh! se o senhor quisesse!…

– Se quisesse o quê? Não obteve tudo o que pediu, e até mais do que pediu, pois o senhor não havia falado em dinheiro.

– Sim, certamente, disse o outro suspirando, mas gostaria muito de revê-lo!

– Incorrigível!

Algumas semanas depois, o professor de alta magia foi acordado mais ou menos às duas horas da manhã por uma dor de cabeça aguda. Durante alguns instantes, receou uma congestão cerebral, levantou-se, acendeu a lâmpada, abriu a janela, passeou pelo seu gabinete de estudos, depois, acalmado pelo ar fresco da manhã, voltou a deitar-se e adormeceu profundamente; teve, então, um pesadelo; viu, com uma aparência terrível de realidade, o gigante de cabeça de boi descarnada de que lhe falara o mecânico. Esse monstro perseguia-o e lutava com ele. Quando acordou já era dia e alguém batia à sua porta. Eliphas levantou-se, jogou uma roupa sobre o corpo e foi abrir: era o operário.

– Mestre – disse entrando apressadamente e com um ar alarmado -, como o senhor está se sentindo?

– Muito bem – respondeu Eliphas.

– Mas essa noite, às duas horas da manhã, o senhor não correu perigo?

Eliphas não sabia do que se tratava e já não se lembrava de sua indisposição da noite.

– Um perigo? não, nenhum que eu saiba.

– O senhor não foi atacado por um fantasma monstruoso que tentava estrangulá-lo? O senhor não sofreu?

Eliphas lembrou-se.

– Sim, certamente tive um começo de apoplexia e um sonho horrível. Mas como sabe disso?

Na mesma hora, uma mão invisível bateu-me com força no ombro e acordou-me em sobressalto. Sonhava, então, que o via lutando com Astaroth. Sentei-me na cama e uma voz disse-me ao ouvido: “Levante-se e vá em socorro de seu mestre; ele está em perigo.” Levantei-me precipitadamente.

Mas, em primeiro lugar, para onde era preciso correr? Que perigo o ameaçava? Era em sua casa ou em outra parte? A voz nada dissera sobre isso. Tomei a decisão de esperar o nascer do sol, e, desde que o dia clareou, vim em seu auxílio, e aqui estou.

– Obrigado, meu amigo – disse-lhe o mágico estendendo-lhe a mão, Astaroth é um bufão desagradável, e essa noite um pouco de sangue subiu-me à cabeça, apenas isto. Agora estou perfeitamente bem. Pode, portanto, ficar tranqüilo e voltar ao trabalho.

Por mais estranhos que sejam os fatos que acabamos de contar, resta-nos revelar um drama fúnebre ainda bem mais extraordinário.

Trata-se do fato cruento, que no início deste ano, mergulhou no luto e no estupor Paris e toda a cristandade; fato a que ninguém suspeitou que a magia negra não fosse estranha.

Eis o que aconteceu:

Durante o inverno, no início do ano passado, um livreiro informou ao autor de Dogma e Ritual da Alta Magia que um eclesiástico procurava seu endereço e demonstrava o maior desejo de vê-lo. Eliphas Levi não se sentiu, de início, tomado de confiança por esse desconhecido a ponto de expor-se sem precauções à sua visita; indicou uma casa amiga, onde deveria estar com seu fiel amigo Desbarolles. Na hora combinada e no dia marcado, eles foram à casa da senha A…, e encontraram o eclesiástico que já há alguns instantes os esperava.

Era um moço bastante magro, de nariz pontiagudo e arqueado, de olhos azuis e ternos. Sua testa ossuda e saliente era mais larga do que alta: a cabeça era alongada atrás, os cabelos lisos e curtos, repartidos de lado, eram de um loiro acinzentado, pendendo para o castanho claro, mas com uma nuança particular e desagradável. A boca era sensual e batalhadora; seus modos, aliás, eram afáveis, a voz doce e a fala algumas vezes um pouco embaraçada. Perguntado por Eliphas Levi sobre o objetivo sua visita, respondeu que estava à procura do grimório de Honório e que vinha informar-se com o professor de ciências ocultas sobre o modo de se obter esse pequeno livro negro, que se tornara praticamente impossível de encontrar.

– Eu daria cem francos por um exemplar desse grimório – dizia ele.

– A obra em si nada vale – disse Eliphas. – É uma constituição, que se supõe ser de Honório II, que o senhor talvez encontre citada por algum colecionador de constituições apócrifas; o senhor poderia procurar na biblioteca.

– Farei isso, pois em Paris passo quase todo o meu tempo na bibliotecas públicas.

– Não está ocupado no ministério de Paris.

– Não, no momento não. Estive trabalhando durante algum tempo na paróquia São Germano de Auxerre.

– E, pelo que vejo, ocupa-se agora com pesquisas curiosas sobre as ciências ocultas.

– Não exatamente; mas persigo a realização de uma idéia… Tenho alguma coisa a fazer.

– Suponho que essa alguma coisa não seja uma operação de magia negra; sabe, como eu, senhor abade, que a Igreja sempre condenou e ainda condena severamente tudo o que se relaciona com essas práticas proibidas.

Um pálido sorriso, marcado por uma espécie de ironia sarcástica, foi toda a resposta do abade, e a conversa interrompeu-se.

No entanto, o quiromante Desbarolles observava atentamente a mão do padre; este percebeu e seguiu-se, naturalmente, uma explicação, o abade então ofereceu de bom grado sua mão ao experimentador. Desbarolles franziu as sobrancelhas e pareceu embaraçado. A mão era úmida e fria, os dedos lisos e espatulados; o monte de Vênus, ou a parte da palma da mão que corresponde ao polegar, de um desenvolvimento bastante notável, a linha da vida curta e interrompida, cruzes no centro da mão, estrelas no monte da Lua.

– Senhor abade – disse Desbarolles -, se o senhor não tivesse uma sólida instrução religiosa, tornar-se-ia um perigoso sectário, pois, por um lado, é inclinado ao misticismo mais exaltado e, pelo outro, à obstinação mais concentrada e menos comunicativa que possa existir no mundo. O senhor procura muito, mas imagina mais ainda, e como não confia a ninguém suas imaginações elas poderiam atingir proporções que as transformariam em suas verdadeiras inimigas. Seus hábitos são contemplativos e um pouco indolentes, mas é uma sonolência cujos despertares podem ser dignos de temor. É levado a uma paixão que seu estado… Mas, perdoe-me, senhor abade, receio ter ultrapassado os limites da discrição.

– Diga tudo, senhor, posso ouvir tudo e desejo tudo saber.

– Pois bem! se, como não duvido, o senhor dedica à caridade toda a atividade inquieta que as paixões do coração lhe dariam, deve ser muitas vezes bendito por suas boas obras.

Mais uma vez o abade deu aquele sorriso duvidoso e fatal que dava ao seu pálido rosto tão singular expressão.

Levantou-se e despediu-se sem ter dito seu nome e sem que ninguém se tivesse lembrado de perguntá-lo.

Eliphas e Desbarolles reconduziram-no até a escada em respeito à sua dignidade de padre. Perto da escada, voltou-se e disse lentamente:

– Em breve os senhores ouvirão dizer algo… Ouvirão falar de mim, acrescentou sublinhando cada palavra. Depois saudou-os com um gesto de cabeça e com a mão, virou-se sem acrescentar uma só palavra e desceu a escada.

Os dois amigos retomaram à casa da senhora A…

– Eis aí um singular personagem – disse Eliphas. – Pareceu-me ver Pierrot des Furnambules no papel de um traidor. O que nos disse ao partir parece-se bastante com uma ameaça.

– O senhor intimidou-o – disse a senhora A… – Antes de sua chegada, ele começava a expor todo seu pensamento, mas o senhor falou-lhe de consciência e das leis da Igreja, ele não ousou confessar o que queria.

– Ora essa! o que ele queria então?

– Ver o diabo.

– Pensaria, por acaso, que o trago no bolso?

– Não, mas sabe que o senhor dá aulas de cabala e de magia, esperava que o ajudasse em seus empreendimentos. Contou-nos, à minha filha e a mim, que em seu presbitério, no campo, já fizera uma noite uma evocação com o auxílio de um grimório vulgar. Então, disse ele, um redemoinho pareceu abalar o presbitério, as vigas rangeram, a madeira do forro estalou, as portas balançaram-se, as janelas abriram-se com estrondo, e ouviram-se assovios em todos os cantos da casa. Esperava, então, a visão formidável, mas nada viu, nenhum monstro se apresentou; numa palavra, o diabo não quis aparecer. É por isso que ele procura o grimório de Honório, pois espera encontrar aí conjurações mais fortes e ritos mais eficazes.

– Realmente! esse homem então é um monstro… ou um louco.

– Deve estar apenas ingenuamente apaixonado – disse Desbarolles. – Está tormentado por alguma paixão absurda e não espera absolutamente nada, a menos que o diabo se intrometa.

– Mas como, então, ouviremos falar dele?

– Quem sabe? Talvez tencione seqüestar a rainha da Inglaterra ou a mãe do sultão.

A conversa parou por aí, e um ano inteiro se passou sem que nem a senhora A…. nem Desbarolles, nem Eliphas ouvissem falar do jovem padre desconhecido.

Na noite do primeiro para o segundo dia de janeiro do ano de 1857, Eliphas Levi acordou sobressaltado com as emoções de um sonho estranho e fúnebre. Parecia-lhe estar num quarto gótico em ruínas muito semelhante à capela abandonada de um velho castelo. Uma porta oculta por um pano negro dava para esse quarto, atrás do pano adivinhava-se a luz tênue e avermelhada dos círios, e parecia a Eliphas que, levado por uma curiosidade cheia de terror, aproximava-se do pano negro… Então o pano entreabriu-se, uma mão estendeu-se e agarrou o braço de Eliphas. Ele não viu ninguém, mas ouviu uma voz baixa que dizia em seu ouvido:

– Venha ver seu pai que vai morrer!

O magista acordou com o coração palpitante e a testa banhada de suor.

“O que quer dizer esse sonho?”, pensou. “Meu pai morreu há muito tempo; por que me dizem que ele vai morrer, e por que essa advertência perturbou meu coração?”

Na noite seguinte, o mesmo sonho voltou com as mesmas circunstâncias, e Eliphas Levi acordou mais uma vez ouvindo repetir ao seu ouvido:

– Venha ver seu pai que vai morrer!

Essa repetição de pesadelos impressionou Eliphas penosamente: ele aceitara para 3 de janeiro um convite para jantar em companhia alegre, escreveu para desculpar-se, achando-se pouco disposto para a alegria de um banquete de artistas. Permaneceu, então, em seu gabinete de estudos; o tempo estava carregado; ao meio-dia, recebeu a visita de um de seus discípulos de magia, o visconde de M… A chuva caiu, então, com tal abundância que Eliphas ofereceu seu guarda-chuva ao visconde, que recusou-se a aceitá-lo. Seguiu-se uma discussão de polidez, cujo resultado foi que Eliphas saiu para reconduzir o visconde. Enquanto estavam fora, a chuva cessou, o visconde encontrou um carro, e Eliphas, ao invés de voltar para casa, atravessou maquinalmente o Luxemburgo, saiu pelo portão que dá para a Rua do Inferno, e encontrou-se diante do Panteão.

Uma dupla fileira de barracas improvisadas para a novena de Santa Genoveva indicava aos peregrinos o caminho de Santo Estêvão do Monte. Eliphas, cujo coração estava triste e, por conseguinte, disposto às orações, seguiu essa via e entrou na Igreja. Podiam ser, nesse momento, quatro horas da tarde.

A igreja estava cheia de fiéis, e o ofício realizava-se com um grande recolhimento e uma solenidade extraordinária. Os estandartes das paróquias da cidade e do subúrbio atestavam a veneração pública por essa virgem que salvou Paris da fome e das invasões. No fundo da igreja, o túmulo de Santa Genoveva resplandecia de luz. Cantavam-se as ladainhas e a procissão saía do coro.

Após a cruz, acompanhada de seus acólitos e seguida pelos meninos do coro, vinha o estandarte de Santa Genoveva; depois caminhavam em duas filas as senhoras genovevinas, vestidas de preto com um véu branco na cabeça, uma fita azul ao pescoço e a medalha da legenda, um círio na mão encimado por uma pequena lanterna gótica, como as que a tradição atribui às imagens da santa. Pois, nos antigos legendários, Santa Genoveva é sempre representada com uma medalha ao pescoço, a que lhe deu São Germano de Auxerre, e segurando um círio que o demônio esforça-se em apagar, mas que é preservado do sopro do espírito imundo por um pequeno tabernáculo milagroso.

Após as senhoras genovevinas vinha o clero, depois, finalmente, aparecia o venerável arcebispo de Paris, mitrado de branco, portando uma capa levantada de cada lado por dois grandes vigários; o prelado, apoiando-se em seu báculo, caminhava lentamente e abençoava à direita e à esquerda a multidão que se ajoelhava à sua passagem. Eliphas via o arcebispo pela primeira vez e observou os traços de seu rosto. Expressavam a bonomia e a doçura; mas podia-se notar aí a expressão de um grande cansaço e mesmo de um sofrimento nervoso penosamente dissimulado.

A procissão desceu até o ádrio da igreja atravessando a nave, subiu pela nave à esquerda da porta de entrada e chegou ao túmulo de Santa Genoveva; depois voltou pela nave da direita continuando a cantar ladainhas.

Um grupo de fiéis seguia a procissão e caminhava logo atrás do arcebispo.

Eliphas misturou-se a esse grupo para atravessar mais facilmente a multidão que ia se formar novamente e para alcançar a porta da igreja, pensativo e enternecido com essa piedosa solenidade.

A frente da procissão já tornava a entrar no coro, o arcebispo chegava à grade da nave: aí o vão era muito estreito para que três pessoas pudessem passar de frente; o arcebispo, portanto, estava adiante e os dois grandes vigários atrás sempre segurando as extremidades de sua capa, que encontrava-se, assim, jogada e puxada para trás, de modo que o prelado apresentava seu peito descoberto e protegido apenas pelos bordados cruzados da estola.

Então, os que estavam atrás do arcebispo viram-no estremecer, e ouviu-se uma interpelação feita em voz alta, todavia sem clamor. O que fora dito? Parecia ter sido: Abaixo as deusas! mas acreditava-se ter ouvido mal, tão deslocada e sem sentido parecia essa frase. No entanto, a exclamação repetiu-se duas ou três vezes, alguém gritou: “Salvem o arcebispo!” outras vozes responderam: “Às armas!” A multidão dispersou-se, então, revirando as cadeiras e as barreiras, precipitou-se para as portas gritando. Eram choros de criança, gritos de mulheres, e Eliphas, arrastado pela multidão, foi de certo modo carregado para fora da igreja; mas os últimos olhares que pôde lançar aí dentro depararam-se com um terrível e indelével quadro.

No meio de um círculo alargado pelo terror dos que o rodeavam, o prelado estava em pé, só, sempre apoiado em seu báculo e sustentado pela rigidez de sua capa, que os grandes vigários haviam soltado, e que pendia agora até o chão.

A cabeça do arcebispo estava um pouco inclinada, os olhos e a mão que não segurava o báculo estavam erguidos para o céu. Sua atitude era a que Eugênio Delacroix deu ao Bispo de Liège assassinado por bandidos do Javali das Ardenas; havia no seu gesto toda a epopéia do martírio, era uma aceitação e uma oferenda, uma prece por seu povo e um perdão para o seu algoz.

A tarde caía, e a igreja começava a escurecer. O arcebispo, com os braços erguidos para o céu e iluminado por um último raio de luz vindo dos caixilhos da nave, destacava-se contra um fundo sombrio, onde se distinguia apenas um pedestal sem estátua em que estavam escritas estas duas palavras da paixão de Cristo: ECCE HOMO, e mais adiante, no fundo, uma pintura apocalíptica representando os quatro flagelos prontos a lançarem-se sobre o mundo, e os turbilhões do inferno seguindo os rastros poeirentos do cavalo pálido da morte.

Diante do arcebispo, um braço erguido, que se desenhava na sombra como uma silhueta infernal, segurava e brandia uma faca: soldados avançavam com a espada em punho.

E enquanto todo esse tumulto acontecia no ádrio da igreja, o canto das ladainhas continuava no coro como a harmonia das esferas celestes perpetua-se, atenta às nossas revoluções e às nossas angústias.

Eliphas Levi fora arrastado para fora pela multidão. Saíra pela porta da direita. Quase no mesmo instante, a porta da esquerda abria-se com violência, e um grupo furioso precipitava-se para fora da igreja.

Esse grupo girava em volta de um homem que cinqüenta braços pareciam segurar, que cem punhos estendidos queriam socar.

Esse homem, mais tarde, queixou-se de ter sido maltratado pelos soldados; mas, tanto quanto se podia observar nesse tumulto, os soldados protegiam-no contra a exasperada multidão.

Mulheres corriam em seu encalço gritando: Matem-no! – Mas o que ele fez? – diziam outras vozes.

– O miserável! deu um soco no arcebispo, diziam as mulheres. Depois outras pessoas saíram da igreja, e as versões contraditórias entrecruzavam-se.

– O arcebispo teve medo e passou mal – diziam alguns.

– Ele morreu – respondiam outros.

– Viram a faca? – acrescentava um novo interlocutor.

– Era longa como um sabre, e o sangue escorria na lâmina.

Esse pobre monsenhor perdeu um de seus sapatos – observava uma velha senhora juntando as mãos.

– Não foi nada! Não foi nada! – veio anunciar, então, uma locadora de cadeiras.

– Podem voltar para a igreja: monsenhor não está ferido, acabam de declará-lo no púlpito.

A multidão, então, fez um movimento para retornar à igreja.

– Saiam! Saiam! – disse nesse mesmo instante a voz grave e desolada de um padre.

– O ofício não pode prosseguir. A igreja será fechada; está profanada.

– Como está o arcebispo? – disse então um homem.

– Senhor – respondeu o padre -, o arcebispo está morrendo, e talvez nesse momento mesmo em que falamos ele esteja morto!

A multidão dispersou-se consternada, para ir divulgar essa funesta notícia em toda Paris.

Uma circunstância estranha envolveu Eliphas, e de certo modo desviou o seu espírito da profunda dor pelo que acabava de acontecer.

Na hora do tumulto, uma mulher idosa e de aparência muito respeitável tomara-lhe o braço solicitando sua proteção.

Ele achou-se no dever de responder a esse apelo, e, quando saiu da multidão com essa senhora:

– Como estou feliz – disse-lhe – por ter encontrado um homem que se aflige com esse grande crime com o qual alegram-se, nesse momento, tantos miseráveis!

– O que diz, senhora, e como é possível existirem seres tão depravados para alegrarem-se com tamanha infelicidade?

– Silêncio! – disse a velha senhora – talvez nos ouçam… Sim – acrescentou, abaixando a voz -, há pessoas que estão encantadas com o que aconteceu, e olhe, ali, há poucos minutos, havia um homem de aparência sinistra, que dizia para a multidão inquieta, quando interrogado sobre o que acabava de acontecer… Oh! não foi nada! foi uma aranha que tombou!

– Não, a senhora deve ter ouvido mal. A multidão não teria permitido esse abominável propósito, e o homem teria sido imediatamente preso.

– Quisera Deus que todo o mundo pensasse como o senhor – disse a dama.

Depois acrescentou:

– Recomendo-me às suas orações, pois vejo que é um homem de Deus.

– Talvez não seja a opinião de todo o mundo – respondeu Eliphas.

– E o que nos importa o mundo? – continuou a senhora com vivacidade – ele é mentiroso, caluniador, ímpio! talvez fale mal do senhor. Não me espanto com isso, e se o senhor pudesse saber o que ele diz de mim, compreenderia por que desprezo sua opinião.

– O mundo fala mal da senhora!

– Certamente, e o pior mal que se possa dizer.

– Como assim?

– Acusa-me de sacrilégio.

– A senhora está me assustando. E de qual sacrilégio, por favor?

– De uma indigna comédia que teria representado para enganar duas crianças na montanha da Salette.

– Quê! seria…

– Sou a senhorita Merlière.

– Ouvi falar de seu processo, senhorita, e do escândalo que provocou, mas parece-me que sua idade e sua responsabilidade deveriam protegê-la de semelhante acusação.

– Venha ver-me, senhor, e o apresentarei a meu advogado, senhor Farre, é um homem talentoso que eu gostaria de ganhar para Deus.

Conversando assim os dois interlocutores haviam chegado à Rua do Velho Pombal. A dama agradeceu ao seu cavalheiro improvisado e renovou o convite para que fosse vê-Ia.

– Vou tentar – disse Eliphas. – Mas, se for, perguntarei ao porteiro pela senhorita Merlière?

– Cuidado! não me conhecem por esse nome; pergunte pela senhora Dutruck.

– Dutruck, está bem, senhora, queira aceitar meus humildes cumprimentos.

E separaram-se.

O julgamento do assassino começou, e Eliphas, ao ler nos jornais que esse homem era padre, que fizera parte do clero de São Germano de Auxerre, que fora pároco no interior, que parecia furioso, lembrou-se do padre pálido que um ano antes procurava o grimório de Honório. Mas a descrição que as páginas públicas davam desse criminoso contrariava as lembranças do professor de magia. Com efeito, a maioria dos jornais atribuíam-lhe cabelos negros… Portanto, não é ele, pensava Eliphas. No entanto, tenho ainda no ouvido e na memória as palavras que para mim estariam agora explicadas por esse grande crime:

– Não tardarão a saber algo. Em breve ouvirão falar de mim.

O julgamento teve lugar com todas as horríveis peripécias que todos conhecem, e o acusado foi condenado à morte.

No dia seguinte, Eliphas leu numa folha judiciária o relato dessa cena inaudita nos anais da justiça; e sentiu a vista turvar-se quando leu o trecho em que se descrevia o acusado: “Ele é loiro”.

– Deve ser ele – disse o professor de magia.

Alguns dias depois, uma pessoa que na audiência pudera traçar um esboço do perfil do condenado mostrou-o a Eliphas.

– Deixe-me copiar este desenho – disse, tremendo de espanto.

Fez a cópia e levou-a ao seu amigo Desbarolles a quem perguntou sem maiores explicações:

– Conhece este rosto?

– Sim – assentiu vivamente Desbarolles -; espere, é o padre misterioso que vimos na casa da senhora A…. e que queria fazer evocações mágicas.

– Pois bem, meu amigo! o senhor confirma minha triste convicção. O homem que vimos, não tornaremos mais a ver, a mão que o senhor examinou tornou-se sanguinária. Ouvimos falar dele, como nos anunciara, pois este padre pálido, sabe qual era seu nome?

– Oh! meu Deus! – disse Desbarolles mudando de cor – receio saber.

– Pois o senhor sabe, era o infeliz Louis Verger!

Algumas semanas depois do que acabamos de contar, Eliphas Levi conversava com um livreiro que tem por especialidade colecionar velhos livros de ciências ocultas sobre o grimório de Honório.

– É agora um artigo impossível de ser encontrado, dizia o comerciante. O último que tive nas mãos cedi-o a um padre que ofereceu cem francos por ele.

– Um jovem padre! e lembra-se qual era sua fisionomia?

– Oh! perfeitamente. Mas o senhor deve conhecê-lo, pois ele contou-me tê-lo visto, e fui eu quem o indicou.

Assim, não havia mais dúvida, o infeliz padre encontrara o fatal grimório, fizera a evocação e preparara-se para o crime através de uma série de sacrilégios, pois eis no que consiste a evocação infernal, segundo o grimório de Honório:

“Escolher um galo preto e dar-lhe o nome do espírito das trevas que se quer evocar.”

“Matar o galo, reservar sua língua, o coração e a primeira pena da asa esquerda.”

“Deixar secarem a língua e o coração e reduzi-los a pó.”

“Não comer carne e não beber vinho nesse dia.”

“Na terça-feira, ao nascer do dia, dizer uma missa dos anjos.”

“Traçar sobre o altar com a pena do galo molhada em vinho consagrado assinaturas diabólicas (aquelas do lápis do senhor Home e das hóstias ensangüentadas de Vintras).”

“Na quarta-feira, preparar uma vela de cera amarela; levantar-se à meia-noite, e, sozinho numa igreja, começar o ofício dos mortos.”

“Misturar a esse ofício evocações infernais.”

“Terminar o ofício à luz de uma única vela, que será em seguida apagada, e permanecer sem luz na igreja assim profanada até o nascer do sol.”

“Na quinta-feira, misturar à água benta o pó da língua e do coração do galo preto, e fazer um cordeiro macho de nove dias engolir a mistura…”

A mão recusa-se a escrever o resto. É um misto de práticas brutais e atentados revoltantes apropriados a matar o discernimento e a consciência.

Mas para comunicar-se com o fantasma do mal absoluto, para realizar o fantasma a ponto de vê-lo e tocá-lo, não é preciso estar, necessariamente, sem consciência e sem discernimento?

Aí está certamente o segredo dessa inacreditável perversidade, dessas fúrias assassinas, desse ódio doentio contra toda ordem, toda magistratura, toda hierarquia, dessa fúria sobretudo contra o dogma que santifica a paz, a obediência, a doçura sob o símbolo tão comovente de uma mãe.

Esse infeliz estava certo de que não morreria. O imperador, acreditava ele, seria forçado a perdoá-lo, um exílio honroso esperava-o, seu crime lhe daria uma enorme celebridade, seus devaneios seriam comprados a peso de ouro pelos livreiros. Tornar-se-ia imensamente rico, atrairia a atenção de uma grande dama e se casaria do outro lado do mar. Era com promessas semelhantes que outrora o fantasma do demônio também tentava e fazia saltar de um crime a outro Gilles de Laval, senhor de Retz. Um homem capaz de evocar o diabo, segundo os ritos do grimório de Honório, engajou-se de tal maneira na trilha do mal que está disposto a todas as alucinações e a todas as mentiras. Assim Verger adormecia no sangue para acordar em não sei que abominável Panteão; e acordou no cadafalso.

Mas as aberrações da perversidade não constituem uma loucura; a execução desse miserável provou-o.

Sabe-se que resistência desesperada ele opôs aos executores. “É uma traição”, dizia, “não posso morrer assim! Uma hora apenas, uma hora para escrever ao Imperador! O Imperador deve salvar-me.”

Quem, pois, o traía?

Quem, pois, prometera-lhe a vida?

Quem, pois, assegurara-lhe de antemão uma clemência impossível, visto que ela teria revoltado a consciência pública?

Perguntai tudo isso ao grimório de Honório!

Duas coisas nessa história tão trágica relacionam-se com os fenômenos do senhor Home: o ruído de tempestade ouvido pelo mau padre quando de suas primeiras evocações e a perturbação que o impediu de expor todo seu pensamento na presença de Eliphas Levi.

Pode-se observar também a aparição de um homem sinistro regozijando-se com o luto público e sustentando um propósito verdadeiramente infernal em meio à multidão consternada, aparição observada apenas pela extática da Salette, a tão célebre senhorita Merlière, que, não obstante ter a aparência de uma pessoa boa e respeitável, é muito exaltada e capaz talvez de agir e de falar, sem se aperceber, sob a influência de um sonambulismo ascético.

Esta palavra sonambulismo traz-nos de volta ao senhor Home, e nossos relatos não nos fizeram esquecer do que o título deste trabalho prometia a nossos leitores.

Devemos dizer-lhes o que é o senhor Home.

Vamos manter nossa promessa.

O senhor Home é um doente afetado por um sonambulismo contagioso.

Isso é uma asserção.

Restou-nos uma explicação e uma demonstração a dar.

Essa explicação e essa demonstração, para serem completas, pediam um trabalho capaz de encher um livro.

Esse livro está pronto e publicá-lo-emos brevemente.

Eis seu título: A Razão dos Prodígios, ou o Diabo diante da Ciência.

Por que o diabo? Porque demonstramos através de fatos o que antes de nós o senhor Mirville incompletamente pressentira.

Dizemos incompletamente porque o diabo é, para o senhor Mirville, uma personagem fantástica, enquanto para nós é o uso abusivo de uma força natural.

Um médium disse: O inferno não é um lugar, é um Estado.

Poderíamos acrescentar: O diabo não é nem uma pessoa nem uma força; é um vício e, por conseguinte, uma fraqueza.

Voltemos por um momento ao estudo dos fenômenos.

Os médiuns geralmente são seres doentes e limitados.

Nada de extraordinário podem fazer diante das pessoas calmas e instruídas.

É preciso estar habituado a seu contato para ver e sentir algo.

Os fenômenos não são os mesmos para todos os espectadores. Assim, onde um verá uma mão, o outro notará apenas um vapor esbranquiçado.

As pessoas impressionáveis pelo magnetismo do senhor Home experimentam uma espécie de mal-estar; parece-lhes que a sala gira, e têm a sensação de que a temperatura abaixa-se rapidamente.

Os prodígios ou os prestígios realizam-se melhor diante de um pequeno número de testemunhas escolhidas pelo próprio médium.

Numa reunião de pessoas que verão os prestígios, pode encontrar-se uma que não verá absolutamente nada.

Dentre as pessoas que vêem, não vêem todas a mesma coisa.

Assim, por exemplo:

Numa noite, na casa da senhora B… I o médium fez aparecer o filho que essa senhora perdeu. Apenas a senhora B… via a criança, o conde de M… via um pequeno vapor esbranquiçado em forma de pirâmide, as outras pessoas nada viam.

Todo mundo sabe que certas substâncias, o haxixe, por exemplo, entorpecem sem privar do uso da razão, e fazem ver, com uma surpreendente impressão de realidade, coisas que não existem.

Grande parte dos fenômenos do senhor Home pertencem a uma influência natural semelhante à do haxixe.

Eis por que o médium quer operar apenas diante de um pequeno número de pessoas escolhidas por ele.

O restante desses fenômenos deve ser atribuído ao poder magnético.

Ver algo com o senhor Home não é um indício tranqüilizador para a saúde de quem vê.

Aliás, mesmo que a saúde fosse excelente, essa visão revela uma perturbação passageira do aparelho nervoso em suas relações com a imaginação e com a luz.

Se essa perturbação fosse frequentemente repetida, a pessoa se tornaria seriamente doente.

Quem sabe quantas catalepsias, tétanos, loucuras e mortes violentas a mania das mesas girantes já produziu?

Esses fenômenos tornam-se particularmente terríveis quando deles a perversidade se apodera.

É então que se pode realmente afirmar a intervenção e a presença do espírito do mal.

Perversidade ou fatalidade, os pretensos milagres obedecem a um desses dois poderes.

Quanto às escrituras cabalísticas e às assinaturas misteriosas, diremos que se reproduzem pela intuição magnética das imagens do pensamento no fluido vital universal.

Esses reflexos instintivos podem produzir-se se o Verbo mágico nada tiver de arbitrário e se os signos do santuário oculto forem a expressão natural das idéias absolutas.

É o que demonstramos em nosso livro.

Mas, para não remetermos nossos leitores do desconhecido ao futuro, vamos antecipar dois capítulos dessa obra inédita, um sobre o Verbo cabalístico, o outro sobre os segredos da cabala, e deles tiraremos conclusões que completarão de modo satisfatório para todos a explicação que prometemos para os fenômenos do senhor Home.

Existe um poder gerador das formas; este poder é a luz.

A luz cria as formas segundo as leis das matemáticas eternas, pelo equilíbrio universal do dia e da sombra.

Os signos primitivos do pensamento delineiam-se por si sós na luz, que é o instrumento material do pensamento.

Deus é a alma da luz. A luz universal e infinita é para nós como o corpo de Deus.

A cabala ou a alta magia é a ciência da luz.

A luz corresponde-se com a vida.

O reino das trevas é a morte.

Todos os dogmas da verdadeira religião estão escritos na cabala em caracteres de luz numa página de sombra.

A página de sombra são as crenças cegas.

A luz é o grande mediador plástico.

A aliança da alma com o corpo é um casamento de luz e de sombra.

A luz é o instrumento do Verbo, é a escritura branca de Deus no grande livro da noite.

A luz é a fonte dos pensamentos, e é nela que se deve buscar a origem de todos os dogmas religiosos. Mas só há um verdadeiro dogma, como só há uma pura luz; apenas a sombra é infinitamente variada.

A luz, a sombra e sua união que é a visão dos seres, tal é o princípio analógico dos grandes dogmas da Trindade, da Encarnação e da Redenção.

Tal é também o mistério da cruz.

Eis o que nos será fácil provar pelos monumentos religiosos, pelos signos do Verbo primitivo, pelos livros iniciados na cabala, pela explicação racional, enfim, de todos os mistérios por meio das chaves da magia cabalística.

Com efeito, em todos os simbolismos encontramos as idéias de antagonismo e de harmonia produzindo uma noção trinitária na concepção divina, depois a personificação mitológica dos quatro pontos cardeais do céu completa o setenário sagrado, base de todos os dogmas e de todos os ritos. Para convencermo-nos disto, bastará relermos e meditarmos sobre a sábia obra de Dupuis, que seria um grande cabalista se tivesse visto uma harmonia de verdades onde suas preocupações negativas apenas o deixaram ver um concerto de erros.

Não devemos refazer aqui o seu trabalho, que todos conhecem; mas o que importa provar é que a reforma religiosa de Moisés era inteiramente cabalística, e que o cristianismo, ao instituir um dogma novo, simplesmente reaproximou-se das fontes primitivas do mosaísmo, e que o Evangelho não é mais do que um véu transparente lançado sobre os mistérios universais e naturais da iniciação oriental.

Um sábio notável, mas muito pouco conhecido, M. P. Lacour, em seu livro sobre os Eloim ou deuses de Moisés, lançou nova luz sobre essa questão e encontrou nos símbolos do Egito todas as figuras alegóricas do Gênesis. Mais recentemente, um bravo pesquisador, de vasta erudição, M. Vincent (de Yonne), publicou um tratado sobre a idolatria entre os antigos e os modernos, onde ergue o véu da mitologia universal.

Convidamos os homens de estudos conscienciosos a lerem essas diferentes obras e nós nos concentraremos no estudo especial da cabala entre os hebreus.

Sendo o Verbo, ou a palavra, segundo os iniciados nessa ciência, toda a revelação, os princípios da alta cabala devem se encontrar reunidos nos próprios sinais que compõem o alfabeto primitivo.

Ora, eis o que encontramos em todas as gramáticas hebraicas.

Há uma letra principiante e universal geradora de todas as outras. É o Iod h .

Há duas outras letras mães opostas e análogas entre si; o Aleph t e o Mem n , seguindo-se a outras o Schin a .

Há sete letras duplas, o Beth c , o Ghimel d , o Daleth s , o Caph f , o Phé p , o Resch r e o Tau , .

Finalmente há doze simples que são as outras letras; ao todo, vinte e duas.

A unidade é representada de modo relativo pelo aleph, o ternário é figurado ou por iod, mem, schin, ou por aleph, mem, schin.

O setenário por beth, ghimel, daleth, caph, phé, resch, tau.

O duodenário pelas outras letras. O duodenário é o ternário multiplicado por quatro; e entra também no simbolismo do setenário.

Cada letra representa um número:

Cada conjunto de letras uma série de números.

Os números representam idéias filosóficas absolutas.

As letras são hieróglifos abreviados.

Vejamos agora as significações hieroglíficas e filosóficas de cada uma das vinte e duas letras. (Ver Belarmino, Reuchlin, São Jerônimo, Kabbala denudata, o Sepher Yétsírah, Technica curiosa do padre Schott, Pico delia Mirandola e os outros autores, especialmente os da coleção de Pistorius.)

AS MÃES

O iod – o princípio absoluto, o ser produtor;

O mem – o espírito, ou o Jaquim de Salomão;

O schin – a matéria, ou a coluna Boaz.

AS DUPLAS

Beth – o reflexo, o pensamento, a lua, o anjo Gabriel, príncipe dos mistérios;

Ghimel – o amor, a vontade, Vênus, o anjo Anael, príncipe da vida e da morte;

Daleth – a força, o poder, Júpiter, Sachiel Melech, rei dos reis;

Caph – a violência, a luta, o trabalho, Mars Samaël Zébaoth, príncipe das falanges;

Phé – a eloqüência, a inteligência, Mercúrio, Rafael, príncipe das ciências;

Resch – a destruição e a regeneração, o Tempo, Saturno, Cassiel, rei dos túmulos e das solidões;

Tau – a verdade, a luz, o Sol, Micael, rei dos Eloim.

AS SIMPLES

As simples dividem-se em quatro ternários trazendo por títulos as quatro letras do tetragrama divino v u v h .

No tetragrama divino, o iod, como acabamos de dizer, figura o princípio produtor ativo. O he v representa o princípio produtor passivo, o ctëiss. O vau , figura a união dos dois ou o linga, e o he final é a imagem do princípio produtor secundário, isto é, da reprodução passiva no mundo dos efeitos e das formas.

As doze letras simples v u z y j h k b o g m e , divididas em grupos de três, reproduzem a noção do triângulo primitivo, com a interpretação e sob a influência de cada uma das letras do tetragrama.

Vê-se que a filosofia e o dogma religioso da cabala estão indicados aí de modo completo mas velado.

Interroguemos agora as alegorias do Gênesis.

“No princípio (iod, a unidade do ser), Eloim, as forças equilibradas (Jaquin e Boaz) fizeram o céu (o espírito) e a terra (a matéria), em outras palavras, o bem e o mal, a afirmação e a negação.” Assim começa o relato de Moisés.

Depois, quando se trata de dar um lugar ao homem e um primeiro santuário à sua aliança com a divindade, Moisés fala de um jardim no meio do qual uma fonte única dividia-se em quatro rios (o Jod e o Tetragrama), depois de duas árvores, uma da vida, outra da morte, plantadas perto do rio. Aí são colocados o homem e a mulher, o ativo e o passivo, a mulher simpatiza com a morte e arrasta consigo em sua ruína Adão, eles são, pois, expulsos do santuário da verdade e um chérub (uma esfinge com cabeça de touro, ver os hieróglifos da Assíria, da Índia e do Egito) é colocado à porta do jardim da verdade para impedir os profanadores de destruírem a árvore da vida. Aí está, portanto, o dogma misterioso com todas as suas alegorias e seus horrores que sucede à simples verdade. O ídolo substituiu Deus, e a humanidade decadente não tardará a dedicar-se ao culto do novilho de ouro.

O mistério das reações necessárias e sucessivas dos dois princípios um sobre o outro é, em seguida, indicado pela alegoria de Caim e Abel. A força vinga-se, por opressão, das seduções da fraqueza; a fraqueza mártir expia e intercede pela força condenada em conseqüência do crime à vergonha e ao remorso. Assim revela-se o equilíbrio do mundo moral, assim assenta-se a base de todas as profecias e o ponto de apoio de toda política inteligente. Abandonar uma força a seus próprios excessos é condená-la ao suicídio.

O que faltou a Dupuis para compreender o dogma religioso universal da cabala foi a ciência desta bela hipótese demonstrada em parte e realizada a cada dia mais pelas descobertas da ciência: a analogia universal.

Privado dessa chave do dogma transcendental, não pôde ver em todos os deuses senão o sol, os sete planetas e os doze signos do zodíaco, mas não viu no sol a imagem do logos de Platão, nos sete planetas as sete notas da gama celeste, e no zodíaco a quadratura do ciclo ternário de todas as iniciações.

O imperador Juliano, esse espiritualista incompreendido, esse iniciado cujo paganismo era menos idólatra do que a fé de certos cristãos, o imperador Juliano, dizemos, compreendia melhor que Dupuis e Volnay o culto simbólico ao sol. Em seu hino ao rei Hélio reconhece que o astro do dia é apenas o reflexo e a sombra material daquele sol de verdade que ilumina o mundo da inteligência e que é ele próprio apenas um clarão tomado emprestado ao absoluto.

Coisa notável, Juliano tem o Deus supremo que os cristãos pensavam serem os únicos a adorar, idéias bem maiores e bem mais justas do que as de vários pais da Igreja, adversários e contemporâneos desse imperador.

Eis como ele expressa-se em sua defesa do helenismo:

“Não basta escrever num livro: Deus disse, e as coisas foram feitas. É preciso ver se as coisas que atribuem a Deus não são contrárias às próprias leis do Ser. Pois, se assim for, Deus não as pode ter feito, ele que não pode dar desmentidos à natureza sem negar-se a si próprio… Sendo Deus eterno, é absolutamente necessário que suas ordens sejam imutáveis como ele.”

Eis como falava esse apóstata e esse ímpio, e mais tarde um doutor cristão, que se tornou o oráculo das escolas de teologia, devia, inspirando-se talvez nas belas palavras do descrente, colocar um freio em todas as superstições ao escrever esta bela e corajosa máxima que tão bem resume o pensamento do grande imperador:

“Uma coisa não é justa porque Deus a quer; mas Deus a quer porque ela é justa.”

A idéia de uma ordem perfeita e imutável na natureza, a noção de uma hierarquia ascendente e de uma influência descendente em todos os seres fornecerá aos antigos hierofantes a primeira classificação de toda a história natural. Os minerais, os vegetais, os animais foram estudados analogicamente, e atribuíram-se sua origem e suas propriedades ao princípio passivo ou ao princípio ativo, às trevas ou à luz. O signo de sua eleição ou de sua reprovação, desenhado na sua forma, tornou-se o caráter hieroglífico de um vício ou de uma virtude; depois, de tanto tomar o signo pela coisa, e exprimir a coisa pelo signo, acabou-se por confundi-los, e tal é a origem da história natural fabulosa em que leões deixam-se abater por galos, em que delfins morrem de dores após haverem feito ingratos entre os homens, em que mandrágoras falam e estrelas cantam. Esse mundo encantado é verdadeiramente o domínio poético da magia; mas tem como realidade apenas a significação dos hieróglifos que lhe deram origem. Para o sábio que compreende as analogias da alta cabala e a relação exata das idéias com os signos, esse país fabuloso das fadas é uma região ainda fértil em descobertas, pois as verdades muito belas ou muito simples para agradar aos homens sem véus foram todas ocultadas sob essas sombras engenhosas.

Sim, o galo pode intimidar o leão e tornar-se seu mestre, porque a vigilância frequentemente substitui a força e consegue domar a cólera. As outras fábulas da pretensa história natural dos antigos explicam-se do mesmo modo, e, nesse uso alegórico das analogias, já se pode compreender os abusos possíveis e pressentir os erros que se devem ter originado na cabala.

A lei das analogias foi, de fato, para os cabalistas da segunda ordem, o objeto de uma fé cega e fanática. É a essa crença que devem ser relacionadas todas as superstições reprovadas aos adeptos das ciências ocultas. Eis como raciocinavam:

O signo exprime a coisa.

A coisa é a virtude do signo.

Há correspondência analógica entre o signo e a coisa significada.

Quanto mais perfeito é o signo, mais a correspondência é total.

Dizer uma palavra é evocar um pensamento e torná-lo presente. Dizer Deus, por exemplo, é manifestar Deus.

A palavra age sobre as almas e as almas reagem sobre os corpos; pode-se, portanto, assustar, consolar, fazer adoecer, curar, matar e ressuscitar por palavras.

Proferir um nome é criar ou chamar um ser.

No nome está contida a doutrina verbal ou espiritual do próprio ser.

Quando a alma evoca um pensamento, o signo desse pensamento escreve-se por si só na luz. Invocar é adjurar, isto é, jurar por um nome: é fazer ato de fé nesse nome e comungar na virtude que ele representa.

As palavras, portanto, são por si próprias boas ou más, venenosas ou salutares.

As palavras mais perigosas são as palavras vãs e proferidas levianamente, porque são abortos voluntários do pensamento.

Uma palavra inútil é um crime contra o espírito de inteligência. É um infanticídio intelectual.

As coisas são para cada pessoa o que ela as faz ao denominá-las. O verbo de cada pessoa é uma impressão ou uma prece habitual.

Falar bem é viver bem.

Um belo estilo é uma auréola de santidade.

Desses princípios, uns verdadeiros, outros hipotéticos, e das conseqüências mais ou menos exageradas que deles tiravam, resultava para os cabalistas supersticiosos uma confiança absoluta nos encantamentos, evocações, conjurações e orações misteriosas. Ora, como a fé sempre realiza prodígios, nunca lhe faltaram as aparições, os oráculos, as curas maravilhosas, as doenças súbitas e estranhas.

Foi assim que uma simples e sublime filosofia tornou-se a ciência secreta da magia negra. É sobretudo desse ponto de vista que a cabala pode ainda excitar a curiosidade da maioria em nosso século tão desconfiado e tão crédulo. No entanto, como acabamos de expor, a verdadeira ciência não está aí.

Os homens raramente procuram a verdade por ela mesma; têm sempre por motivo secreto em seus esforços alguma paixão a satisfazer ou alguma cupidez a saciar. Dentre os segredos da cabala, há um que sempre atormentou os pesquisadores: o segredo da transmutação dos metais e a conversão de todas as substâncias terrestres em ouro.

De fato, a alquimia tomou emprestado à cabala todos os seus signos, e era na lei das analogias, resultantes da harmonia dos contrários, que baseava suas operações. Um segredo físico imenso estava, aliás, oculto sob parábolas cabalísticas dos antigos. Conseguimos decifrá-lo e vamos confiá-lo às investigações dos fazedores de ouro. Ei-lo:

1º – Os quatro fluidos imponderáveis são apenas as manifestações diversas de um mesmo agente universal que é a luz.

2º – A luz é o fogo que serve à grande obra sob forma de eletricidade.

3º – A vontade humana dirige a luz vital por meio do aparelho nervoso. Em nossos dias isso denomina-se magnetizar.

4º – O agente secreto da pedra filosofal, o azote dos sábios, o ouro vivo e vivificante dos filósofos, o agente produtor metálico universal é a ELETRICIDADE MAGNETIZADA.

A aliança dessas duas palavras ainda não nos diz muito e, no entanto, elas talvez encerrem uma força capaz de revolucionar o mundo. Dizemos talvez por conveniência filosófica, pois, de nossa parte, não duvidamos da alta importância desse grande arcano hermético.

Acabamos de dizer que a alquimia é filha da cabala; e, para convencer-se disso, basta interrogar os símbolos de Flamel, de Basílio Valentim, as páginas do judeu Abraão e os oráculos mais ou menos apócrifos da mesa de esmeralda de Hermez. Em toda a parte encontram-se os traços dessa década de Pitágoras tão brilhantemente aplicada, no Sepher Yétsirah, à noção completa e absoluta das coisas divinas, essa década composta da unidade e de um tríplice ternário que os rabinos denominaram o Bereschit e a Mercabah, a árvore luminosa das Sefirotes e a chave dos Schemamphorasch.

Falamos, com certa extensão, em nosso livro intitulado Dogma e Ritual da Alta Magia, de um monumento hieroglífico conservado até os nossos dias sob um pretexto fútil, e que sozinho explica todas as escrituras misteriosas da alta iniciação. Esse monumento é o tarô dos Boêmios que deu origem a nossos jogos de cartas. Compõe-se de vinte e duas letras alegóricas e de quatro séries, cada uma de dez hieróglifos relativos às quatro letras do nome de Jehovah. As diversas combinações desses signos e dos números que lhes correspondem formam a mesma quantidade de oráculos cabalísticos, de modo que a ciência inteira está contida nesse livro misterioso. Essa máquina filosófica perfeitamente simples surpreende pela profundidade e exatidão de seus resultados.

O abade Trithème, um de nossos maiores mestres em magia, compôs sobre o alfabeto cabalístico um trabalho muito engenhoso a que ele denomina poligrafia. É uma série combinada de alfabetos progressivos em que cada letra representa uma palavra, as palavras correspondem-se e completam-se de um alfabeto ao outro, e não há dúvida de que Trithème teve conhecimento do tarô e dele se utilizou para dispor numa ordem lógica suas sábias combinações.

Jerônimo Cardano conhecia o alfabeto simbólico dos iniciados como se pode reconhecer pelo número e pela disposição dos capítulos de sua obra sobre a sutileza. Essa obra, com efeito, é composta de vinte e dois capítulos, e o tema de cada capítulo é análogo ao número e à alegoria da carta correspondente no tarô. Fizemos a mesma observação sobre um livro de São Martinho intitulado Quadro Natural das Relações que existem entre Deus, o Homem e o Universo. A tradição desse segredo não foi, pois, interrompida desde os primórdios da cabala até os nossos dias.

Os giradores de mesa e os que fazem falar os espíritos através de quadrantes alfabéticos estão, pois, muitos séculos atrasados e não sabem que existe um instrumento de oráculo claro e de um sentido exato por meio do qual se pode comunicar com os sete gênios dos planetas e fazer falar à vontade as setenta e duas rodas de Aziah, Jezirah e Briah. Para isso basta conhecer o sistema de analogias universais, tal como expôs Swedenborg na chave hieroglífica dos arcanos, depois embaralhar as cartas e tirar ao acaso, dispondo-as sempre pelos números correspondentes às idéias cujos esclarecimentos se deseja, depois ler os oráculos como devem ser lidas as escrituras cabalísticas, isto é, começando no meio indo da direita para a esquerda para os números ímpares, começando à direita para os pares e interpretando sucessivamente o número pela letra que lhe corresponde, o conjunto das cartas pela adição de seus números e todos os oráculos sucessivos por sua ordem numeral e suas relações hieroglíficas.

Essa operação dos sábios cabalistas para encontrar o desenvolvimento rigoroso das idéias absolutas degenerou em superstições em meio aos padres ignorantes e aos nômades ancestrais dos Boêmios que possuíam o tarô da Idade Média, sem conhecer seu verdadeiro emprego e que dele se serviam unicamente para ler a sorte.

O jogo de xadrez, atribuído a Palamedes, não tem outra origem senão o tarô, e nele encontram-se as mesmas combinações e os mesmos símbolos, o rei, a rainha, o cavaleiro, o soldado, o louco, a torre, depois casas representando os números. Os antigos jogadores de xadrez procuravam em seu tabuleiro a solução dos problemas filosóficos e religiosos, e argumentavam um contra o outro em silêncio manobrando os caracteres hieroglíficos através dos números. Nosso vulgar jogo do ganso, copiado dos gregos e igualmente atribuído a Palamedes, é apenas um tabuleiro de figuras imóveis e números móveis por meio dos dados. É um tarô disposto em roda destinado ao uso dos aspirantes à iniciação. Ora, a palavra tarô, em que se encontram rota e tora, exprime ela própria, como demonstrou-o Guilherme Postel, essa disposição primitiva em forma de roda.

Os hieróglifos do jogo do ganso são mais simples que os do tarô, mas encontram-se aí os mesmos símbolos: o bobo, o rei, a rainha, a torre, o diabo ou tífon, a morte, etc. As probabilidades aleatórias desse jogo representam as da vida e escondem um sentido filosófico bastante profundo para fazer meditar os sábios e bastante simples para ser compreendido pelas crianças.

A personagem alegórica de Palamedes é aliás idêntica às de Henoc, de Hermes e de Cádmo, aos quais atribui-se a invenção das letras nas diversas mitologias. Mas, no pensamento de Homero, Palamedes, o revelador e a vítima de Ulisses, representa o iniciador ou o gênio cujo destino eterno é ser morto por aqueles que inicia. O discípulo torna-se a realização viva dos pensamentos do mestre apenas depois de ter tomado seu sangue e comido sua carne, segundo a enérgica e alegórica expressão do iniciador tão mal compreendido pelos cristãos.

A concepção do alfabeto primitivo era, como se pode ver, a idéia de uma língua universal, encerrando em suas combinações e em seus próprios signos o resumo e a lei da evolução de todas as ciências divinas e humanas. Acreditamos que, desde então, nada mais bonito nem maior foi sonhado pelo gênio dos homens e confessamos que a descoberta desse segredo do mundo antigo compensou-nos plenamente por tantos anos de pesquisas estéreis e trabalhos ingratos nas criptas das ciências perdidas e nas necrópoles do passado.

Um dos primeiros resultados dessa descoberta seria uma nova direção dada ao estudo das escrituras hieroglíficas ainda tão imperfeitamente decifradas pelos êmulos e pelos sucessores de Champollion. Sendo o sistema de escritura dos discípulos de Hermes analógico e sintético como todos os signos da cabala, para a leitura das páginas gravadas nas pedras dos antigos templos não importaria recolocar essas pedras em seu lugar e contar o número de suas letras comparando-as com os números das outras pedras?

O obelisco de Lúxor, por exemplo, não era uma das duas colunas da entrada de um templo? ficava à direita ou à esquerda? Se ficava à direita, seus sinais referem-se ao princípio ativo; se ficava à esquerda, é pelo princípio passivo que se devem interpretar seus caracteres. Mas deve haver uma correspondência exata de um obelisco ao outro, e cada signo deve receber seu sentido completo da analogia dos contrários; Champollion encontrou traços do copta nos hieróglifos, um outro sábio talvez encontrasse mais facilmente e mais felizmente o hebraico, mas o que diriam se não fosse nem hebraico nem copta? Se fosse, por exemplo, a língua universal primitiva? Ora, essa língua, que é a da alta cabala, existiu certamente, existe na base do próprio hebraico e de todas as línguas orientais que dele derivam, essa língua é a do santuário, e as colunas da entrada dos templos geralmente resumiam todos os seus símbolos. A intuição dos extáticos aproxima-se mais da verdade sobre esses signos primitivos do que a própria ciência dos sábios. Isso porque, como dissemos, o fluido vital, universal, a luz astral, sendo princípio mediador entre as idéias e as formas, obedece aos impulsos extraordinários da alma que procura o desconhecido e fornece-lhe naturalmente os signos já encontrados, mas esquecidos, das grandes revelações do ocultismo. Assim formaram-se as pretensas assinaturas dos espíritos, assim produziram-se as escrituras misteriosas de Gablidone que visitava o doutor Laváter, dos fantasmas de Schroepfer, do São Miguel de Vintras e dos espíritos do senhor Home.

Se a eletricidade pode mover um corpo leve ou mesmo pesado sem que seja tocado, seria impossível, pelo magnetismo, dar à eletricidade uma direção e assim produzir naturalmente sinais e escrituras? É certamente possível, uma vez que isso é feito.

Assim, portanto, aos que nos perguntarem qual é o maior agente dos prodígios, responderemos:

– É a matéria-prima da pedra filosofal.

– É a ELETRICIDADE MAGNETIZADA.

Tudo foi criado pela luz.

É na luz que a forma conserva-se.

É pela luz que a forma reproduz-se.

As vibrações da luz são o princípio do movimento universal.

Pela luz os sóis ligam-se uns aos outros e entrelaçam seus raios como cadeias de eletricidade.

Os homens e as coisas são imantados de luz como os sóis e podem, por meio de cadeias eletromagnéticas estendidas pelas simpatias e afinidades, comunicar-se uns com os outros de uma à outra extremidade do mundo, acariciar-se ou bater-se, curar-se ou ferir-se de modo natural certamente, mas prodigioso e invisível.

Aí está o segredo da magia.

A magia, a ciência que nos vem dos magos. A magia, a primeira das ciências.

A mais santa de todas, uma vez que estabelece de modo mais sublime as grandes verdades religiosas.

A mais caluniada de todas, porque o vulgo obstina-se em confundir a magia com a bruxaria supersticiosa cujas práticas abomináveis denunciamos.

É somente pela magia que pode, diante das questões enigmáticas da Esfinge de Tebas e das obscuridades por vezes escandalosas difundidas nos relatos da Bíblia, responder a tais perguntas e encontrar a solução desses problemas da história judaica.

Os próprios historiadores sagrados reconhecem a existência e o poder da magia que concorria abertamente com o de Moisés.

A Bíblia conta-nos que Janes e Mambres, os mágicos do Faraó, fizeram em primeiro lugar os mesmos milagres que Moisés, e que declararam impossíveis à ciência humana os que não puderam imitar. Com efeito, é mais lisonjeiro para o amor-próprio de um charlatão confessar o milagre do que declarar-se vencido pela ciência ou pela destreza de um colega, sobretudo quando esse colega é um inimigo político ou um adversário religioso.

Onde começa e onde termina o possível na ordem dos milagres mágicos? Eis uma grave e importante questão. É certa a existência dos fatos habitualmente classificados como milagres. Os magnetizadores e os sonâmbulos fazem-nos todos os dias; a irmã Rose Tamisier os fez, o iluminado Vintras ainda os faz; mais de quinze mil testemunhas atestavam ultimamente os dos médiuns da América, dez mil camponeses do Berry e da Sologne atestariam, se necessário, os do deus Cheneau (um antigo comerciante de botões retirado dos negócios e que se acredita inspirado por Deus). Todas essas pessoas são alucinadas ou espertalhonas? Alucinadas, talvez, mas o próprio fato de ser sua alucinação idêntica, seja separadamente, seja coletivamente, não é um milagre bastante grande da parte de quem o produz sempre que deseja e no momento oportuno?

Fazer milagres ou persuadir a multidão de que os faz é quase a mesma coisa, sobretudo num século tão leviano e tão zombeteiro quanto o nosso. Ora, o mundo está cheio de taumaturgos, e a ciência é freqüentemente obrigada a negar suas obras ou a recusar-se a vê-las para não ser obrigada a examiná-las e atribuir-lhes uma causa.

No século passado, repercutiram em toda a Europa os prodígios de Cagliostro. Quem não sabe de todo o poder que se atribuía a seu vinho do Egito e a seu elixir? Que poderíamos acrescentar a tudo o que se conta daquelas ceias do outro mundo, em que ele fazia aparecer em carne e osso os personagens ilustres do passado? No entanto, Cagliostro estava longe de ser um iniciado da primeira ordem, já que a grande associação dos adeptos abandonou-o à inquisiçao romana, diante da qual, se se deve acreditar nas peças de seu processo, deu uma ridícula e odiosa explicação do trigrama maçônico L.’.P.’.D.’.

Mas os milagres não são um quinhão exclusivo dos iniciados da primeira ordem e freqüentemente são realizados por seres sem instrução e sem virtude. As leis naturais encontram num organismo, cujas qualidades excepcionais nos escapam, uma ocasião para exercerem-se, e fazem sua obra, como sempre, com precisão e calma. Os gourmets mais delicados apreciam as trufas e consomem-nas, mas são os porcos que as desenterram: analogicamente, ocorre o mesmo com muitas coisas menos materiais e menos gastronômicas: os instintos procuram e pressentem, mas apenas a ciência verdadeiramente encontra.

O progresso atual do conhecimento humano diminuiu muito as chances dos prodígios, mas resta ainda um grande número deles, uma vez que não se conhece nem a força da imaginação nem a razão de ser e o poder do magnetismo. A observação das analogias universais foi negligenciada e é por isso que não se crê mais na adivinhação.

Um sábio cabalista ainda pode, portanto, assustar a multidão e confundir até mesmo as pessoas instruídas:

1º – Adivinhando as coisas ocultas;

2º predizendo muitas coisas futuras;

3º dominando a vontade dos outros de modo a impedi-los de fazer o que desejam e a forçá-los a fazer o que não desejam;

4º excitando à vontade aparições e sonhos;

5º curando um grande número de doenças;

6º devolvendo a vida a sujeitos em que se manifestam todos os sintomas da morte;

7º finalmente, demonstrando, com exemplos, se necessário, a realidade da pedra filosofal e da transmutação dos metais, segundo os segredos de Abraão, o Judeu, de Flamel e de Raimundo Lúlio.

Todos esses prodígios operam-se por meio de um único agente que os hebreus chamavam OD, como o cavaleiro de Reichenbach; que chamamos luz astral, com a escola de Pasqualis Martinez; que Mirville chama diabo; que os antigos alquimistas denominavam azote. É o elemento vital que se manifesta pelos fenômenos de calor, de luz, de eletricidade e de magnetismo, que imanta todos os globos terrestres e todos os seres vivos. Nesse agente manifestam-se as provas da doutrina cabalística sobre o equilíbrio e o movimento pela dupla polaridade, em que uma atrai enquanto a outra repele, em que uma produz o quente, a outra o frio, enfim em que uma dá uma luz azul e esverdeada, a outra uma luz amarela e avermelhada.

Esse agente, por seus diferentes modos de imantação, atrai-nos uns para os outros ou distancia-nos uns dos outros, submete um às vontades do outro fazendo-o entrar em seu círculo de atração, restabelece ou perturba o equilíbrio na economia animal por suas transmutações e seus eflúvios alternativos, recebe e transmite as impressões da força imaginária, que é no homem a imagem e a semelhança do verbo criador, produz, assim, os pressentimentos e determina os sonhos. A ciência dos milagres é, pois, o conhecimento dessa força maravilhosa, e a arte de fazer milagres é tão simplesmente a arte de imantar ou de iluminar os seres segundo as leis invariáveis do magnetismo ou da luz astral.

Preferimos a palavra luz a magnetismo, porque ela é mais tradicional no ocultismo e expressa de modo mais completo e perfeito a natureza do agente secreto. Encontra-se aí, verdadeiramente, o ouro fluido e potável dos mestres da alquimia, a palavra ouro vem do hebraico or, que significa luz. “O que quereis?”, perguntava-se aos recipiendários de todas as iniciações. “Ver a luz”, devia-se responder. O nome iluminados, que comumente se dá aos adeptos, foi, pois, muito mal interpretado quando lhe deram um sentido místico, como se significasse homens cuja inteligência teria se tornado iluminada num dia miraculoso. Iluminados quer dizer simplesmente conhecedores e possuidores da luz, seja pela ciência do grande agente mágico, seja pela noção racional e ontológica do absoluto.

O agente universal é a força vital e subordinada à inteligência. Abandonado a si próprio, devora rapidamente, como Moloch, tudo o que gera, e transforma em vasta destruição a superabundância da vida. É, então, a serpente infernal dos antigos mitos, o Tífon dos egípcios e o Moloch da Fenícia; mas, se a sabedoria, mãe dos Eloim, coloca-lhe o pé sobre a cabeça, extingue todas as chamas vomitadas por ele e derrama sobre a terra, a mãos cheias, uma luz vivificante. Do mesmo modo está dito no Zohar que no início de nosso período terrestre, quando os elementos disputavam entre si a superfície do mundo, o fogo, semelhante a uma serpente imensa, envolvera tudo em suas espirais e ia consumir todos os seres, quando a clemência divina, erguendo à sua volta as ondas do mar como uma vestimenta de nuvens, colocou o pé sobre a cabeça da serpente e fê-la retornar ao abismo. Quem não vê nessa alegoria o primeiro dado e a explicação mais razoável de uma das imagens mais caras ao simbolismo católico, o triunfo da mãe de Deus?

Os cabalistas dizem que o nome oculto do diabo, seu verdadeiro nome, é o mesmo de Jehovah escrito às avessas. Isso é toda uma revelação para o iniciado aos mistérios do tetragrama. De fato, a ordem das letras desse grande nome indica a predominância da idéia sobre a forma, do ativo sobre o passivo, da causa sobre o efeito. Invertendo-se essa ordem obtém-se o contrário. Jehovah é aquele que doma a natureza como a um cavalo bravio e a faz ir onde ele quer, chevajoh (o demônio) é o cavalo sem freio que, semelhante aos dos egípcios no cântico de Moisés, derruba seu cavaleiro arrastando-o consigo para o abismo.

O diabo, pois, existe de modo muito real para os cabalistas, mas não é nem uma pessoa, nem um poder distinto das próprias forças da natureza. O diabo é a divagação ou o sono da inteligência. É a loucura e a mentira.

Assim explicam-se todos os pesadelos da Idade Média, assim explicam-se também os estranhos símbolos de alguns iniciados, como os dos Templários, por exemplo, bem menos culpados por terem prestado culto a Baphomet do que por terem revelado sua imagem a profanos. O Baphomet, figura panteística do agente universal, não é outra coisa senão o demônio barbudo dos alquimistas. Sabe-se que os mais graduados na antiga maçonaria hermética atribuíam a um demônio barbudo dar conclusão à pedra filosofal, cabendo ao não iniciado nesta palavra persignar-se e tapar a vista, mas os iniciados ao culto de Hermès-Panthée compreendiam a alegoria e cuidavam em não explicá-la aos profanos.

Mirville, num livro atualmente quase esquecido, mas que teve certa repercussão há alguns meses, deu-se muito trabalho para reunir algumas bruxarias no gênero das que enchem as compilações dos Delancre, dos Delrio e dos Bodin. Teria encontrado melhor do que isso na história. E sem falar dos milagres tão averiguados dos jansenistas de PortRoyal e do diácono Páris, que pode haver de mais maravilhoso do que a grande monomania do marítimo que fez as crianças e as próprias mulheres acorrerem ao suplício como a uma festa durante trezentos anos? Que pode haver de mais magnífico do que essa fé entusiasta atribuída durante tantos séculos aos mais incompreensíveis e, humanamente falando, mais revoltantes dos mistérios? Nessa ocasião, direis, os milagres vinham de Deus, e servimo-nos deles até como uma prova para estabelecer a verdade da religião. Ora essa! Os heréticos também deixavam-se matar por dogmas francamente bastante absurdos; sacrificavam, pois, também a razão e a vida ao seu credo? Oh! com relação aos heréticos é evidente que o diabo estava em jogo. Pobres-coitados que tomavam o diabo por Deus e Deus pelo diabo! Como desiludiram-se quando os fizeram reconhecer o verdadeiro Deus na caridade, na ciência, na justiça e sobretudo na misericórdia de seus ministros!

Os necromantes, que fazem aparecer o diabo após uma série fatigante e quase impossível das mais revoltantes evocações, são apenas crianças ao pé do Santo Antônio da lenda que os tirava aos milhares do inferno e os arrastava sempre consigo, como de Orfeu se conta que atraía para si os carvalhos, as rochas e os animais mais selvagens.

Somente Callot, iniciado pelos boêmios nômades durante a infância aos mistérios da bruxaria negra, pôde compreender e reproduzir as evocações do primeiro eremita. E credes que ao descreverem os sonhos assustadores da maceração e do jejum, os legendários tenham inventado? Não; ficaram muito aquém da realidade. Os claustros, com efeito, sempre foram povoados por espectros sem nome, cujas sombras e larvas infernais pulsam em suas paredes. Certa vez, Santa Catarina de Sena passou oito dias em meio a uma orgia obscena que teria desencorajado a veia poética de Aretino; Santa Teresa sentiu-se transportada viva ao inferno e aí sofreu, entre muralhas que se juntavam, angústias que apenas as mulheres histéricas poderão compreender… Tudo isso, dirse-á, passava-se na imaginação dos pacientes. Mas onde, pois, quereis que se possam passar fatos de ordem sobrenatural? O certo é que todos esses visionários viram, tocaram, tiveram o sentimento lancinante de uma realidade aterradora. Falamos baseados em nossa própria experiência, e há visões de nossa primeira juventude passada num recolhimento e num ascetismo cuja lembrança ainda nos faz estremecer.

Deus e o diabo são o ideal do bem e do mal absolutos. Mas o homem nunca concebe o mal absoluto senão como uma falsa idéia do bem. Só o bem pode ser absoluto, e o mal é relativo unicamente a nossas ignorâncias e a nossos erros. Todo homem para ser deus faz-se primeiro diabo; mas, como a lei da solidariedade é universal, a hierarquia existe no inferno como no céu. Um ser malévolo sempre encontrará um pior do que ele para fazer-lhe mal; e quando o mal atinge seu ápice é preciso que cesse, pois só poderia continuar pelo aniquilamento do ser, o que é impossível. Então os homens-diabo, esgotados seu recursos, recaem no domínio dos homens-Deus e são salvos por aqueles que inicialmente pareciam ser suas vítimas; mas o homem que se esmera em viver fazendo o mal presta homenagem ao bem por toda a inteligência e energia que desenvolve em si próprio. É por isso que o grande iniciador dizia em sua linguagem figurada: Sede frios ou quentes, porque se sois mornos fazeis-me vomitar.

O grande mestre, numa de suas parábolas, condena unicamente o preguiçoso que enterrou seu depósito por medo de perdê-lo nas operações arriscadas desse banco que se chama vida. Nada pensar, nada amar, nada querer, nada fazer, eis o verdadeiro pecado. A natureza reconhece e recompensa apenas os trabalhadores.

A vontade humana desenvolve-se e aumenta pela atividade. Para querer realmente, é preciso agir. A ação domina e sempre arrasta a inércia. Tal é o segredo da influência dos pretensos celerados sobre as pessoas supostamente honestas. Quantos poltrões e covardes crêem-se virtuosos porque têm medo! Quantas mulheres honradas olham com inveja para as prostitutas! Não faz ainda muito tempo os galerianos estavam na moda. Por quê? Pensais que a opinião pública nunca possa render homenagem ao vício? Não, mas ela faz justiça à atividade e à audácia, e está na ordem que os covardes infames estimem os bandidos audaciosos.

A audácia unida à inteligência é a mãe de todos os sucessos neste mundo. Para empreender, é preciso saber; para realizar, é preciso querer; para querer verdadeiramente, é preciso ousar; e, para recolher em paz os frutos da própria audácia, é preciso calar-se.

SABER, OUSAR, QUERER, CALAR-SE são, como dissemos antes, os quatro verbos cabalísticos que correspondem às quatro letras do tetragrama e às quatro formas hieroglíficas da Esfinge. Saber é a cabeça humana; ousar são as garras do leão; querer são as ilhargas laboriosas do touro; calar-se são as asas místicas da águia. Apenas mantém-se acima dos outros homens quem não prostitui os segredos de sua inteligência aos comentários e ao escárnio daqueles.

Todos os homens verdadeiramente fortes são magnetizadores e o agente universal obedece à sua vontade. É assim que eles operam maravilhas. Fazem-se acreditar, fazem-se seguir e quando dizem: Isto é assim, a natureza de certa forma muda aos olhos do vulgo e torna-se o que o grande homem quis. Isto é minha carne e isto é meu sangue, disse um homem que se fez Deus por suas virtudes e, em presença de um pedaço de pão e de um pouco de vinho, dezoito séculos viram, tocaram, provaram, adoraram a carne e o sangue divinizados pelo martírio! Dizei-nos agora que a vontade humana nunca realiza milagres!

Não nos faleis aqui de Voltaire, Voltaire não foi um taumaturgo, foi o espiritual e eloqüente intérprete daqueles sobre os quais os milagres não agiam mais. Tudo em sua obra é negativo; ao contrário, tudo era afirmativo na de Galileu, como o chamava um ilustre e muito infeliz imperador. Do mesmo modo, Juliano tentara em sua época mais do que Voltaire pôde realizar, queria opor o prestígio aos prestígios, a austeridade do poder à do protesto, as virtudes às virtudes, os milagres aos milagres; os cristãos jamais tiveram inimigos tão perigosos, e sentiram-no bem, pois Juliano foi assassinado, e a lenda dourada ainda atesta que um santo mártir, acordado na tumba pelos clamores da Igreja, pegou das armas e feriu o apóstata no ombro em meio a seu exército e a suas vitórias. Tristes mártires que ressuscitam para serem algozes! Crédulo imperador que se fiava em seus deuses e nas virtudes dos tempos antigos.

Quando os reis da França viviam cercados pela adoração de seu povo, quando eram vistos como os ungidos do Senhor e os primogênitos da Igreja, curavam escrófulas. Um homem em voga fará milagres quando quiser. Cagliostro podia ser apenas um charlatão, mas, desde que a opinião pública fizera dele o divino Cagliostro, ele devia operar prodígios, e foi também o que aconteceu.

Quando Céphas Barjona era apenas um judeu, proscrito por Nero e que vendia às mulheres dos escravos um específico para a vida eterna, não passava de um charlatão para todas as pessoas instruídas de Roma; mas a opinião pública fez do empírico espiritualista um apóstolo; e os sucessores de Pedro, sejam eles Alexandre VI ou mesmo João XXII, são infalíveis para todo homem bem-educado e que não deseje ser inutilmente banido da sociedade. Assim segue o mundo.

O charlatanismo, quando bem-sucedido, é, pois, em magia como em todas as coisas, um grande instrumento de poder. Fascinar habilmente o vulgo não é já dominá-lo? Vê-se que os pobres-diabos dos bruxos que, na Idade Média, tolamente faziam-se queimar vivos não tinham um grande domínio sobre os outros. Joana d’Arc era mágica à frente dos exércitos, e em Rouen a pobre moça não foi bruxa. Sabia apenas orar e combater, e o prestígio que a rodeava cessou assim que lhe colocaram os grilhões. Consta de sua história que o rei da França a tenha reclamado? Que a nobreza francesa, que o povo, que o exército tenham protestado contra sua condenação? O papa, de quem o rei da França era o primogénito, excomungou os algozes da Virgem? Não, nada disso. Joana d’Arc foi bruxa para todos assim que deixou de ser mágica, e certamente não foram os ingleses os únicos a queimá-la. Quando se exerce um poder aparentemente sobre-humano, é preciso exercê-lo sempre ou resignar-se a perecer. O mundo vinga-se sempre covardemente por ter acreditado muito, admirado muito e sobretudo obedecido muito.

Só compreendemos o poder mágico em sua aplicação às grandes coisas, se um verdadeiro mágico prático não se torna mestre do mundo é porque o desdenha; e para que desejaria diminuir seu soberano poder? “Eu te darei todos os reinos do mundo se tu caíres a meus pés e me adorares”, diz a Jesus o satã da parábola. “Retira-te”, diz-lhe o Salvador, “pois está escrito: Tu adorarás somente a Deus…” Eli, Eli lamma Sabbachtani! devia gritar mais tarde esse sublime e divino adorador de Deus. Se tivesse respondido a satã: Não te adorarei e és tu que vais cair a meus pés, pois ordeno-te em nome da inteligência e da eterna razão!, não teria devotado sua santa e nobre vida ao mais atroz de todos os suplícios. O satã da montanha foi bem cruelmente vingado.

Os antigos chamavam a magia prática de arte sacerdotal e arte real; e lembramos que os magos foram os mestres da civilização primitiva, porque foram os mestres de toda a ciência de seu tempo.

Saber é poder quando se ousa querer.

A primeira ciência do cabalista prático ou do mago é o conhecimento dos homens. A frenologia, a psicologia, a quiromancia, a observação dos gostos e dos movimentos, do som da voz e das impressões, sejam simpáticas, sejam antipáticas, são ramos dessa arte, e os antigos não os ignoravam. Gall e Spurzëim reencontraram em nossos dias a frenologia, Laváter depois de Porta. Cardano, Taisnier, Jean Belot e alguns outros novamente adivinharam mais do que reencontraram a ciência da psicologia; a quiromancia está ainda oculta e é com dificuldade que se encontram alguns traços seus na obra bastante recente e muito interessante, aliás, do cavalheiro d’Arpentigny. Para se ter noções suficientes dessa ciência é preciso remontar às próprias fontes cabalísticas em que se inspirou o sábio Cornélius Agrippa. É oportuno, pois, dizer algumas palavras a esse respeito, enquanto aguardamos a obra de nosso amigo Desbarolles.

A mão é no homem o instrumento da ação; é, como o rosto, uma espécie de síntese nervosa, e também deve ter seus traços e sua fisionomia. O caráter dos indivíduos está traçado aí em signos irrefutáveis. Assim, dentre as mãos, umas são laboriosas, outras preguiçosas; umas pesadas e quadradas, outras insinuantes e leves. As mãos duras e secas são feitas para a luta e o trabalho, as mãos macias e úmidas aspiram somente à volúpia. Os dedos pontudos são escrutadores e místicos, os dedos quadrados, matemáticos, os dedos espatulados, pertinazes e ambiciosos.

O polegar, pollex, o dedo da força e do poder, corresponde no simbolismo cabalístico à primeira letra do nome de Jehovah. Esse dedo, pois, é por si só como a síntese da mão: se ele é forte, o homem é forte moralmente; se é fraco, o homem é frágil. Ele possui três falanges, das quais a primeira está oculta na palma da mão, como o eixo imaginário do mundo atravessa a espessura da terra. Essa primeira falange corresponde à vida física, a segunda à inteligência, a última à vontade. As palmas da mão gordas e espessas denotam gostos sensuais e uma, grande força física; um polegar longo, sobretudo em sua última falange, revela uma vontade forte que pode chegar ao despotismo; polegares curtos, ao contrário, são caracteres dóceis e fáceis de dominar.

As pregas naturais da mão determinam suas linhas. Essa linhas, portanto, são o traço dos hábitos, e o observador paciente saberá reconhecê-las e julgá-las. O homem cuja mão fecha-se mal é desastrado ou infeliz. A mão tem três funções principais: pegar, segurar e apalpar. As mãos mais macias pegam e apalpam melhor; as mãos duras e fortes retêm mais tempo. Mesmo as mais leves rugas atestam as sensações habituais desse órgão. Cada dedo, aliás, tem uma função especial que lhe ocasionou o nome. Já falamos do polegar; o indicador é o dedo que aponta, é o do verbo e da profecia; o médio domina toda a mão, é o do destino; o anular é o das alianças e das honras: os quiromantes consagraram-no ao sol; o auricular é insinuante e loquaz, ao menos no dizer dos simplórios e das amas a quem seu dedinho conta tantas coisas: a mão tem sete protuberâncias que os cabalistas, segundo as analogias naturais, atribuíram aos sete planetas: a do polegar, a Vênus; do indicador, a Júpiter; do médio, a Saturno; do anular, ao Sol; do auricular, a Mercúrio; dos dois outros, a Marte e à Lua. De acordo com sua forma e sua predominância, eles julgavam os atrativos, as aptidões e, por conseguinte, os prováveis destinos dos indivíduos submetidos à sua apreciação.

Não existe vício que não deixe marca, nem uma virtude que não tenha seu sinal. Além disso, para os olhos exercitados do observador, não há hipocrisia possível. Compreender-se-á que tal ciência já é um poder verdadeiramente sacerdotal e real.

A predição dos principais acontecimentos da vida já é possível pelas numerosas probabilidades analógicas dessa observação, contudo existe uma faculdade que se designa pressentimentos ou sensitivismo. As coisas eventuais freqüentemente existem em sua causa antes de realizarem-se em ações, os sensitivos vêem antecipadamente os efeitos nas causas, e existiram antes de todos os grandes acontecimentos surpreendentes predições. Durante o reinado de Luís Filipe, ouvimos sonâmbulos e extáticos anunciarem a volta do Império e precisarem a data de seu advento. A República de 1848 estava claramente anunciada na profecia de Orval, que datava no mínimo de 1830 e de que suspeitamos, bem como daquelas atribuídas aos Olivarius, ter sido obra pseudônima de Mlle. Lenormand. Mas isso pouco importa para nossa tese.

Essa luz magnética que faz prever o futuro também faz adivinhar as coisas presentes e ocultas; como é a vida universal, ela é também o agente da sensibilidade humana, transmitindo a uns os males ou a saúde dos outros, segundo a influência fatal dos contatos ou as leis da vontade. É o que explica o poder das bênçãos e dos feitiços tão claramente reconhecido pelos grandes adeptos e sobretudo pelo maravilhoso Paracelso. Um crítico judicioso e sagaz, M. Ch. Fauvety, num artigo publicado pela Revista Filosófica e Religiosa, aprecia de modo notável os trabalhos avançados de Paracelso, Pomponace, Goglenius, Crollius e Robert Flud sobre o magnetismo. Mas o que nosso sábio amigo e colaborador estuda somente como uma curiosidade filosófica, Paracelso e os seus praticavam sem preocuparem-se muito em torná-lo compreensível para o mundo, pois era segundo eles, um desses segredos tradicionais para os quais o ocultismo é de rigor, e que basta indicar aos que sabem, deixando sempre um véu sobre a verdade para desorientar os ignorantes.

Ora, eis o que Paracelso reservava somente para os iniciados, e que compreendemos ao definir os caracteres cabalísticos e as alegorias de que ele faz uso na coleção de suas obras:

A alma humana é material, o mens divino lhe é oferecido para imortalizá-la e fazê-la viver espiritual e individualmente, mas sua substância natural é fluídica e coletiva.

Há no homem, pois, duas vidas, a individual ou racional, e a vida comum ou instintiva. É por esta última que se pode viver uns nos outros, uma vez que a alma universal, como todo organismo nervoso com uma consciência separada, é a mesma para todos.

Vivemos da vida comum e universal no embrionato, no êxtase e no sono. De fato, no sono a razão não age, e a lógica, quando é encontrada em nossos sonhos, ocorre apenas fortuitamente e segundo os acasos das reminiscências puramente físicas.

Nos sonhos, temos a consciência da vida universal; misturamo-nos à água, ao fogo, ao ar e à terra; voamos como os pássaros; escalamos como os esquilos; rastejamos como as serpentes; estamos embriagados de luz astral; tornamos a mergulhar na morada comum, como acontece de modo mais completo na morte; mas então (e é assim que Paracelso explica os mistérios da outra vida) os maus, isto é, aqueles que se deixaram dominar pelos instintos da besta em prejuízo da razão humana, afogam-se no oceano da vida comum com todas as angústias de uma morte eterna; os outros flutuam e gozam para sempre das riquezas daquele ouro fluido que conseguiram dominar.

Essa identidade da vida física permite às vontades mais fortes apoderarem-se da existência das outras e tornarem-se suas auxiliares, explica as correntes simpáticas que ocorrem em proximidade ou à distância, e dá todo o segredo da medicina oculta, porque essa medicina tem por princípio a grande hipótese das analogias universais e, atribuindo todos os fenômenos da vida física ao agente universal, ensina que é preciso agir sobre o corpo astral para reagir sobre o corpo materialmente visível; ensina também que a essência da luz astral é um duplo movimento de atração e de projeção; assim como os corpos humanos atraem-se e repelem-se uns aos outros, podem também absorver-se, propagar-se uns nos outros e realizar trocas; as idéias ou as imaginações de um podem influenciar sobre a forma do outro e reagir em seguida sobre o corpo exterior.

Assim produzem-se os fenômenos tão estranhos da influência dos olhares na gravidez, assim a proximidade de pessoas doentes causa maus sonhos, assim a alma respira algo de insalubre na companhia dos loucos e dos maus.

Pode-se observar que nos pensionatos as crianças adquirem um pouco a fisionomia umas das outras; cada casa de educação tem, por assim dizer, um ar de família que lhe é próprio. Nos escolas de órfãs dirigidas por religiosas, todas as garotas parecem-se e adquirem todas essa fisionomia obediente e apagada que caracteriza a educação ascética. Os homens tornam-se belos na escola do entusiasmo, das artes ou da glória; tornam-se feios na prisão, e de ar triste nos seminários e nos conventos.

Aqui compreende-se que abandonamos Paracelso para entrar nas conseqüências e nas aplicações de suas idéias, que são simplesmente as dos antigos magos e os elementos dessa cabala física que chamamos magia.

Segundo os princípios cabalísticos formulados pela escola de Paracelso, a morte seria apenas um sono cada vez mais profundo e definitivo, que seria possível interromper em seu início exercendo uma poderosa ação de vontade sobre o corpo astral que se desprende e chamando-o de volta à vida por algum interesse poderoso ou alguma afeição dominante. Jesus exprimia o mesmo pensamento quando dizia da filha de Jairo: “Esta moça não está morta, está dormindo”; e de Lázaro: “Nosso amigo adormeceu e vou acordá-lo.” Para exprimir esse sistema ressurreicionista de modo que não ofenda o senso comum, isto é, as opiniões geralmente adotadas, digamos que a morte, quando não há destruição ou alteração essencial dos órgãos, é sempre precedida de uma letargia mais ou menos longa. (A ressurreição de Lázaro, se tivesse de ser admitida como fato científico, provaria que esse estado pode durar quatro dias).

Voltemos agora ao segredo da pedra filosofal que demos somente em hebraico não pontuado no Ritual da Alta Magia. Eis o texto completo em latim, tal como é encontrado à página 144 do Sepher Yétsirah, comentado pelo alquimista Abraão (Amsterdam, 1642):

SEMITA XXXI

Vocatur intelligentia perpetua; et quare vocatur ita? Eo quod ducit motum solis et lunae juxta constitutionem eorum; utrumque in orbe sibi conveniente.

Rabbi Abraham F.’. D.’.

dicit:

Semita trigésima prima vocatur intelligentia perpetua: et illa ducit solem et lunam et reliquas stellas et figuras, unum quodque in orbe suo, et impertit omnibus creatis juxta dispositionem ad signa et figuras.

Eis a tradução do texto hebraico que transcrevemos em nosso ritual:

“A trigésima primeira via chama-se inteligência perpétua e rege o sol e a lua e as outras estrelas e figuras, cada qual em seu orbe respectivo. E distribui o que convém a todas as coisas criadas segundo sua disposição nos signos e nas figuras.”

Vê-se que esse texto é ainda totalmente obscuro para alguém que não conhece o valor característico de cada uma das trinta e duas vias. (As trinta e duas vias são os dez números e as vinte e duas letras hieroglíficas da Cabala. A trigésima primeira refere-se ao a , que representa a lâmpada mágica ou a luz entre os chifres de Baphomet. É o signo cabalístico do od ou da luz astral com seus dois pólos e seu centro equilibrado. Sabe-se que na linguagem dos alquimistas o sol significa o olho, a lua, a prata, e que as outras estrelas ou planetas referem-se aos outros metais. Deve-se compreender agora o pensamento do judeu Abraão.

O fogo secreto dos mestres em alquimia era, pois, a eletricidade, e aí está a metade de seu grande arcano; mas eles sabiam equilibrar sua força por uma influência magnética que concentravam em seu atanor. É o que resulta dos dogmas obscuros de Basílio Valentim, Bernard Trévisan e Henri Kunrath, que pretendem, todos, ter operado a transmutação como Raimundo Lúlio, Arnaud de Villeneuve e Nicolas Flamel.

A luz universal, quando imanta os mundos, chama-se luz astral; quando forma os metais, denomina-se azote, ou mercúrio dos sábios; quando dá vida aos animais, deve chamar-se magnetismo animal.

O bruto sofre as fatalidades dessa luz; o homem pode dirigi-la. É a inteligência que, ao adaptar o sinal ao pensamento, cria as formas e as imagens.

A luz universal é como a imaginação divina, e esse mundo que muda sem cessar, permanecendo sempre o mesmo quanto às suas leis de configuração, é o sonho imenso de Deus.

O homem formula a luz por sua imaginação; atrai para si luz suficiente para dar as formas convenientes a seus pensamentos e mesmo a seus sonhos; se essa luz o invade, se afoga seu entendimento nas formas que evoca, fica louco. Mas a atmosfera fluídica dos loucos freqüentemente é um veneno para as razões vacilantes e para as imaginações exaltadas.

As formas que a imaginação superexcitada produz para perturbar o entendimento são tão reais quanto as impressões da fotografia. Não se pode ver o que não existe. Os fantasmas dos sonhos, e os próprios sonhos das pessoas acordadas, são, pois, imagens reais que existem na luz.

Existem, aliás, alucinações contagiosas. Mas afirmamos aqui algo mais do que alucinações comuns. Se as imagens atraídas pelos cérebros doentes são algo real, eles não podem projetá-las exteriormente, reais como as recebem?

Essas imagens, projetadas por todo o organismo nervoso do médium, não podem afetar todo o organismo daqueles que, deliberadamente ou não, entram em simpatia nervosa com o médium?

Os feitos do senhor Home provam que tudo isso é possível.

Agora, respondamos aos que crêem ver nesses fenômenos manifestações do outro mundo e fatos de necromancia.

Tomamos nossa resposta emprestada ao livro sagrado dos cabalistas, e nisto nossa doutrina é igual à dos rabinos compiladores do Zohar.

Axioma

O espírito reveste-se para descer e despoja-se para subir.

De fato: Por que os espíritos criados são revestidos de corpos?

É que eles devem ser limitados para terem uma existência possível. Despojados de corpo e, por conseguinte, tornados sem limites, os espíritos criados se perderiam no infinito, e, por não poderem concentrar-se em algum lugar, estariam mortos e impotentes em toda a parte, porque estariam precipitados na imensidão de Deus.

Todos os espíritos, portanto, têm corpos, uns mais delgados, outros mais espessos, segundo os meios em que foram chamados a viver.

A alma de um morto não poderia, pois, viver na atmosfera dos vivos, assim como nós não poderíamos viver na terra ou na água.

Seria necessário a um espírito aéreo, ou antes, etéreo, um corpo factício semelhante aos aparelhos de mergulhadores, para que pudesse chegar até nós.

Tudo o que podemos ver dos mortos são os reflexos que deixaram na luz atmosférica, luz cujas impressões evocamos pela simpatia de nossas lembranças.

As almas dos mortos estão acima de nossa atmosfera. Nosso ar respirável torna-se terra para eles. Foi o que o Salvador declarou em seu Evangelho, quando fez a alma de um bem-aventurado dizer:

“Agora o grande caos firmou-se para nós, e os que estão no alto não podem mais descer para os que estão embaixo.”

As mãos que o senhor Home faz aparecer são, pois, ar colorido pelos reflexos que sua imaginação doente atrai e projeta.

São tocadas como são vistas: metade ilusão, metade força magnética e nervosa.

A nosso ver aí estão explicações bastante claras e precisas.

Raciocinemos um pouco com os partidários de aparições do outro mundo:

Ou essas mãos são corpos reais.

Ou são ilusões.

Se são corpos, não são, portanto, espíritos.

Se são ilusões produzidas por miragens, seja em nós, seja fora de nós, então vós me dais ganho de causa.

Agora, uma observação:

Todos os doentes de congestão luminosa ou de sonambulismo contagioso perecem de morte violenta, ou pelo menos de morte súbita.

É por essa razão que antigamente se atribuía ao diabo o poder de estrangular os bruxos.

O bom e honesto Laváter evocava habitualmente o suposto espírito de Gablidone.

Foi assassinado.

Um vendedor de limonadas de Leipsick, Scroepfer, evocava imagens animadas dos mortos.

Suicidou-se com um tiro de pistola.

Sabe-se qual foi o final infeliz de Cagliostro.

Apenas um mal maior que a própria morte pode salvar a vida desses experimentadores imprudentes. Podem tornar-se idiotas ou loucos, e então só não morrem se forem atentamente vigiados para impedir que se suicidem.

As doenças magnéticas por si próprias são um encaminhamento para a loucura, e sempre nascem da hipertrofia ou da atrofia do sistema nervoso.

Assemelham-se ao histerismo, que é uma de suas variações, e freqüentemente são produzidas ou por excessos de celibato, ou por excessos de um gênero totalmente oposto.

Sabe-se qual a relação existente entre o cérebro e os órgãos encarregados pela natureza da realização de suas obras mais nobres: as que têm por finalidade a reprodução dos seres.

Não se viola impunemente o santuário da natureza.

Ninguém ergue, sem arriscar a própria vida, o véu da grande Isis.

A natureza é casta, e é à castidade que ela deve as chaves da vida.

Entregar-se aos amores impuros é desposar a morte.

A liberdade, que é a vida da alma, se conserva apenas na ordem da natureza. Toda desordem voluntária a fere, um excesso prolongado a mata.

Então, ao invés de sermos guiados e preservados pela razão, somos abandonados às fatalidades do fluxo e do refluxo da luz magnética.

Ora, a luz magnética devora sem cessar porque está sempre criando; para produzir continuamente, é preciso eternamente absorver.

Daí vêm as monomanias assassinas e as tentações de suicídio.

Daí vem esse espírito de perversidade que Edgar Poe descreveu de forma tão impressionante e tão verdadeira, e que Mirville teria razão em chamar diabo.

O diabo é a vertigem da inteligência atordoada pelas oscilações do coração.

É a monomania do nada, é a atração do abismo, independentemente do que isso possa ser segundo as decisões da fé católica, apostólica e romana, em que não receamos tocar.

Quanto à reprodução dos signos e dos caracteres por esse fluido universal a que chamamos luz astral, negar sua possibilidade seria importar-se pouco com os fenômenos mais comuns da natureza. A miragem nas estepes da Rússia, os palácios da fada Morgana, as figuras impressas naturalmente no coração das pedras que Gaffarel denomina gamahés, a configuração monstruosa de algumas crianças proveniente dos olhares ou pesadelos das mães, todos esses fenômenos e muitos outros provam que a luz está repleta de imagens e reflexos que projeta e reproduz de acordo com as evocações da imaginação, da lembrança ou do desejo. A alucinação não é sempre um devaneio sem objeto: desde que todos vêem uma coisa, ela certamente é visível; mas, se essa coisa é absurda, deve-se rigorosamente concluir que todos estão enganados ou alucinados por uma aparência real.

Dizer, por exemplo, que nas sessões magnéticas do senhor Home saem das mesas mãos reais e vivas, mãos verdadeiras, que uns vêem, que outros tocam, e pelas quais outros ainda sentem-se tocados sem vê-Ias, dizer que essas mãos verdadeiramente corporais são mãos de espíritos é falar como crianças ou como loucos, é implicar contradição nos termos. Mas reconhecer que esta ou aquela aparência, esta ou aquela sensação se produz é ser simplesmente sincero e zombar da zombaria dos homens probos ainda quando esses homens fossem espirituosos como este ou aquele redator brincalhão do jornal.

Esses fenômenos de luzes que produzem aparições mostraram-se sempre em épocas difíceis para a humanidade. São os fantasmas da febre do mundo, é o histerismo de uma sociedade que se entedia. Virgílio conta-nos em belos versos que, na época de César, Roma estava repleta de espectros; sob Vespasiano, as portas do Templo de Jerusalém abriam-se sozinhas, e ouvia-se gritar: “Os deuses se vão.” Ora, quando os deuses partem, os diabos retornam. O sentimento religioso transforma-se em superstição quando a fé está perdida; pois as almas têm necessidade de acreditar, porque têm sede de ter esperança. Como a fé pode perder-se? Como a ciência pode duvidar do infinito e da harmonia? Porque o santuário do absoluto está sempre fechado para a maioria. Mas o reino da verdade, que é o de Deus, sofre violências e deve ser conquistado pelos fortes. Existe um dogma, uma chave, uma tradição sublime; e esse dogma, essa chave, essa tradição é a alta magia. Apenas aí encontram-se o absoluto da ciência e a base eterna da lei, o preservativo contra toda loucura, toda superstição e todo erro, o Éden da inteligência, o repouso do coração e a quietude da alma. Não dizemos isso na esperança de convencer os que riem, mas somente para advertir os que procuram. Coragem e esperança a estes; eles certamente encontrarão, uma vez que nós encontramos.

O dogma mágico não é aquele dos médiuns. Os médiuns que dogmatizam só podem ensinar a anarquia, uma vez que sua inspiração resulta de uma exaltação desordenada. Eles sempre prevêem desastres, negam a autoridade hierárquica, assumem a postura de soberanos pontífices, como Vintras. O iniciado, ao contrário, respeita antes de tudo a hierarquia, ama e conserva a ordem, inclina-se diante das crenças sinceras, ama todos os signos da imortalidade na fé e da redenção pela caridade, que é toda ela disciplina e obediência.

Acabamos de ler um livro publicado sob a influência da vertigem astral e magnética e ficamos chocados com as tendências anárquicas de que ele está repleto sob uma grande aparência de benevolência e religião. Encabeçando a obra, vê-se o signo, ou, como dizem os magistas, a assinatura das doutrinas que ela ensina. Em vez da cruz cristã, símbolo de harmonia, aliança e regularidade, vê-se aí a vara de videira tortuosa, com seus brotos em gavinhas, imagens da alucinação e da embriaguez.

As primeiras idéias formuladas nesse livro são o cúmulo do absurdo. As almas dos mortos, diz ele, estão em toda a parte, e nada mais as limita. Eis o infinito todo povoado de deuses que entram uns nos outros. As almas podem e querem comunicar-se conosco por meio das mesas e dos chapéus. Assim, nada mais de ensino regulamentado, de sacerdócio, de Igreja, o delírio alçado à condição de verdade, oráculos que escrevem para a salvação do gênero humano a palavra atribuída a Cambronne, grandes homens que deixam a serenidade dos destinos eternos para fazer dançarem nossos móveis e manter conosco conversas semelhantes àquelas que lhes empresta Béroalde de Verville como meio de ter sucesso. Tudo isso causa piedade; e no entanto, na América, propaga-se como uma peste intelectual. A jovem América delira, tem febre, talvez esteja em sua primeira dentição. Mas a França! A França acolher semelhantes coisas! Não, isso não é possível, e isso não é. Mas, ao renegarem as doutrinas, os homens sérios devem observar os fenômenos, permanecer calmos em meio às agitações de todos os fanatismos (pois a incredulidade também tem o seu), julgar após haver examinado. Conservar a razão em meio aos loucos, a fé em meio às superstições, a dignidade em meio aos caracteres enfraquecidos e a independência em meio aos carneiros de Panurgo é de todos os milagres o mais raro, o mais belo e também o mais difícil de realizar.

CAPÍTULO IV

Os fantasmas fluídicos e seus mistérios

Os antigos davam-lhes diferentes nomes. Eram larvas, lêmures, empusas. Gostavam do vapor do sangue derramado, e fugiam do gume do gládio.

A teurgia evocava-os, e a cabala conhecia-os sob o nome de espíritos elementares.

No entanto, não eram espíritos, pois eram mortais.

Eram coagulações fluídicas que se podiam destruir, dividindo-as.

Eram espécies de miragens animadas, emanações imperfeitas da vida humana: as tradições da magia negra as fazem nascer do celibato de Adão. Paracelso diz que os vapores do sangue das mulheres histéricas povoam o ar de fantasmas; e essas idéias são tão antigas que as encontramos em Hesíodo, que defende expressamente fazer secar diante do fogo roupa branca manchada por uma poluição qualquer.

As pessoas obcecadas pelos fantasmas geralmente estão exaltadas por um celibato muito rigoroso, ou enfraquecidas por excessos de devassidão.

Os fantasmas fluídicos têm os abortos da luz vital; são mediadores plásticos sem corpo e sem espírito, nascidos dos excessos do espírito e dos desregramentos do corpo.

Esses mediadores errantes podem ser atraídos por certos doentes que lhes são fatalmente simpáticos, e que lhes emprestam, às suas expensas, uma existência factícia mais ou menos durável. Servem, então, de instrumentos suplementares para as vontades instintivas desses doentes: nunca, todavia, para curá-los, sempre para desviá-los e aluciná-los mais.

Se os embriões corporais têm a propriedade de tomar as formas que lhes dá a imaginação das mães, os embriões fluídicos errantes devem ser prodigiosamente variáveis e transformar-se com uma surpreendente facilidade. Sua tendência a darem-se um corpo para atrair uma alma faz com que condensem e assimilem, naturalmente, as moléculas corporais que flutuam na atmosfera.

Assim, ao coagularem o vapor do sangue, refazem sangue, o mesmo sangue que os maníacos alucinados vêem escorrer nos quadros e nas estátuas. Mas não são os únicos a vê-lo. Vintras e Rose Tamisier não são impostores nem vítimas de alguma ilusão; o sangue escorre realmente; médicos examinam-no; analisam-no; é sangue, verdadeiro sangue humano: de onde vem? Pode ter se formado espontaneamente na atmosfera? Pode sair naturalmente de um mármore, unia tela pintada ou uma hóstia? Não, certamente; esse sangue circulou em veias, depois propagou-se, evaporou-se, dessecou-se, o soro tornou-se vapor, os glóbulos poeira intangível, o todo flutuou e voltejou na atmosfera, depois foi atraído para a corrente de um eletromagnetismo especificado. O soro voltou a ser líquido, retomou e embebeu novamente os glóbulos que a luz astral coloriu, e o sangue escorreu.

A fotografia é prova suficiente de que as imagens são modificações reais da luz. Ora, existe uma fotografia acidental e fortuita que opera, segundo as miragens errantes na atmosfera, impressões duráveis em folhas de árvores, na madeira e até no coração das pedras: assim formam-se as figuras naturais a que Gaffarel consagrou várias páginas em seu livro Curiosidades Inauditas, as pedras a que ele atribui uma virtude oculta, e que denomina gamahés; assim traçam-se as escrituras e os desenhos que tanto surpreendem os observadores dos fenômenos fluídicos. São fotografias astrais feitas pela imaginação dos médiuns com ou sem a ajuda das larvas fluídicas.

A existência dessas larvas nos foi demonstrada de modo peremptório por uma experiência bastante curiosa. Várias pessoas, para testar o poder mágico do americano Home, pediram-lhe que evocasse parentes que elas alegavam ter perdido, mas que na realidade jamais existiram. Os espectros não faltaram a esse apelo, e os fenômenos que habitualmente seguiam-se à evocação do médium manifestaram-se plenamente.

Essa experiência por si só bastaria para convencer de credulidade deplorável e de erro formal os que crêem na intervenção dos espíritos nesses fenômenos estranhos. Para que mortos retornem, é preciso antes de mais nada que tenham existido, e demônios não seriam tão facilmente enganados por nossas mistificações.

Como todos os católicos, acreditamos na existência dos espíritos das trevas; mas sabemos também que o poder divino lhes deu as trevas por prisão eterna e que o Redentor viu Satã cair do céu como um raio. Se os demônios nos tentam é pela cumplicidade voluntária de nossas paixões más, e não lhes é permitido afrontar o império de Deus e perturbar, por manifestações tolas e inúteis, a ordem eterna da natureza.

Os caracteres e assinaturas diabólicos, que se produzem à revelia dos médiuns, evidentemente não são provas de um pacto tácito ou formal entre esses doentes e as inteligências do abismo. Esses signos serviram em todos os tempos para exprimir a vertigem astral e permaneceram no estado de miragem nos reflexos da luz extraviada. A natureza também tem suas reminiscências e envia-nos os mesmos signos com relação às mesmas idéias. Não há nisso nada de sobrenatural nem de infernal.

“Como quer o senhor que eu admita”, dizia-nos o pároco Charvoz, primeiro vigário de Vintras, “que Satã ousa imprimir seus hediondos estigmas nas espécies consagradas e tornadas o próprio corpo de Jesus Cristo?” Declaramos logo que nos era igualmente impossível pronunciarmo-nos a favor de semelhante blasfêmia; no entanto, como demonstramos em nossos folhetins do jornal O Estafeta, os signos impressos em caracteres sangrentos nas hóstias de Vintras, regularmente consagradas por Charvoz, eram os que, na magia negra, são absolutamente reconhecidos como as assinaturas dos demônios.

As escrituras astrais são freqüentemente ridículas ou obscenas. Os pretensos espíritos, interrogados sobre os maiores mistérios da natureza, respondem muitas vezes com uma expressão grosseira tornada heróica, segundo dizem, nos lábios militares de Cambronne. Os desenhos que os lápis traçam por si sós reproduzem com freqüência essas figuras priápicas informes, que o pálido vadio, para servirmo-nos da pitoresca expressão de Augusto Barbier, desenha assoviando ao longo dos muros de Paris, prova recente do que adiantamos, isto é, que o espírito não preside de nenhum modo a essas manifestações e que seria soberbamente absurdo reconhecer aí sobretudo a intervenção dos espíritos desligados da matéria.

O jesuíta Paul Saufidius, que escreveu sobre os usos e costumes dos japoneses, narra um caso muito interessante. Um grupo de peregrinos japoneses, atravessando um dia um deserto, viu aproximar-se um bando de espectros em igual número ao seu e que caminhava no mesmo passo. Esses espectros, no princípio disformes e semelhantes a larvas, tomavam ao se aproximarem a aparência do corpo humano. Logo, encontraram os peregrinos e misturaram-se a eles, deslizando em silêncio por entre as fileiras, então os japoneses viram-se duplos, tendo cada fantasma se tornado a imagem perfeita e como que a miragem de cada peregrino. Os japoneses aterrorizados prosternaram-se, e o bonzo que os conduzia pôs-se a orar por eles com grandes contorsões e em altos brados. Quando os peregrinos se levantaram, os fantasmas haviam desaparecido e o grupo devoto pôde continuar livremente seu caminho. Esse fenômeno, que não colocamos em dúvida, apresenta as duplas características de uma miragem e de uma projeção repentina de larvas astrais, ocasionadas pelo calor da atmosfera e esgotamento fanático dos peregrinos.

O doutor Brière de Boismont, em seu curioso Tratado das Alucinações, conta que um homem perfeitamente sensato, e que jamais tivera visões, foi atormentado uma manhã por um terrível pesadelo. Viu em seu quarto um macaco enorme, horrendo, que rangia os dentes e fazia as mais hediondas contorsões. Acordou sobressaltado, era dia claro; saltou da cama e ficou apavorado ao ver realmente o medonho objeto de seu sonho. O macaco estava lá perfeitamente idêntico àquele do pesadelo, igualmente absurdo, igualmente assustador e fazendo as mesmas caretas. O personagem em questão não podia acreditar em seus olhos; permaneceu cerca de meia hora imóvel, observando esse singular fenômeno e perguntando-se se estava com febre alta ou se estava ficando louco. Aproximou-se, enfim, do fantástico animal para tocá-lo e a aparição dissipou-se.

Cornelius Gemma, em sua História Crítica Universal, conta que em 454, na ilha de Creta, o fantasma de Moisés apareceu para alguns judeus na praia; trazia na fronte seus chifres luminosos, na mão sua vara fulminante, e convidava-os a segui-lo apontando-lhes o horizonte na direção da Terra Santa. A notícia desse prodígio espalhou-se, e uma multidão de israelitas precipitou-se em direção à margem. Todos viram, ou imaginaram ter visto, a maravilhosa aparição: eram em número de vinte mil, no dizer do cronista, que supomos ter exagerado um pouco. Logo as cabeças esquentam-se, as imaginações exaltam-se; acredita-se num milagre mais extraordinário do que foi outrora a travessia do mar Vermelho. Os judeus formam-se em colunas cerradas e correm em direção ao mar; os últimos empurravam os primeiros com frenesi: acreditavam ver o suposto Moisés caminhando sobre as águas. Foi um terrível desastre: essa multidão quase toda afogou-se, e a alucinação só se extinguiu com a vida da maioria desses infelizes visionários.

O pensamento humano cria o que imagina; os fantasmas da superstição projetam sua disformidade real na luz astral e vivem dos próprios terrores que os conceberam. Esse gigante negro que estende suas asas do oriente ao ocidente para ocultar ao mundo a luz, esse monstro que devora as almas, essa aterrorizante divindade da ignorância e do medo, numa palavra, o diabo, ainda é, para uma multidão de crianças de todas as idades, uma aterradora realidade. Em nosso Dogma e Ritual da Alta Magia, representamo-lo como a sombra de Deus, e dizendo isso ocultamos ainda metade de nosso pensamento; Deus é a luz sem sombra. O diabo é apenas a sombra do fantasma de Deus!

O fantasma de Deus! Esse último ídolo da terra; esse espectro antropomórfico que se torna maliciosamente invisível; essa personificação finita do infinito; esse invisível que não se pode ver sem morrer, sem morrer ao menos em inteligência e em razão, pois que para ver o invisível é preciso estar louco; o fantasma do que não tem corpo; a forma confusa que é sem formas e sem limites: eis o que adora sem saber a maioria dos crentes. Aquele que é essencialmente, puramente, espiritualmente, não sendo nem o ser absoluto, nem um ser abstrato, nem a coleção dos seres, numa palavra, o infinito intelectual, é muito difícil de se imaginar! Assim, toda imaginação a seu respeito é uma idolatria, é preciso nele crer e adorá-lo. Nosso espírito deve calar-se diante dele e apenas nosso coração tem direito a dar-lhe um nome: Pai nosso!

LIVRO II

OS MISTÉRIOS MÁGICOS

CAPÍTULO I

Teoria da vontade

A vida humana e suas dificuldades incontáveis têm por finalidade, na ordem da sabedoria eterna, a educação da vontade do homem.

A dignidade do homem consiste em fazer o que quer e em querer o bem, em conformidade com a ciência do verdadeiro.

O bem conforme ao verdadeiro é o justo.

A justiça é a prática da razão.

A razão é o verbo da realidade.

A realidade é a ciência da verdade.

A verdade é a história idêntica ao ser.

O homem chega à idéia absoluta do ser por duas vias, a experiência e a hipótese.

A hipótese é provável quando é solicitada pelos ensinamentos da experiência; é improvável ou absurda quando é rejeitada por esse ensinamento.

A experiência é a ciência, e a hipótese é a fé.

A verdadeira ciência admite necessariamente a fé; a verdadeira fé conta necessariamente com a ciência.

Pascal blasfemava contra a ciência quando disse que, pela razão, o homem não pode chegar ao conhecimento de nenhuma verdade.

Assim, Pascal morreu louco.

Mas Voltaire não blasfemava menos contra a ciência, quando declarava absurda toda hipótese da fé e admitia por regra da razão apenas o testemunho dos sentidos.

Assim, as últimas palavras de Voltaire foram esta fórmula contraditória:

DEUS E A LIBERDADE

Deus, isto é, um mestre supremo: o que exclui toda idéia de liberdade, como a entendia a escola de Voltaire.

E a liberdade, isto é, uma independência absoluta de todo mestre; o que exclui toda idéia de Deus. A palavra DEUS exprime a personificação suprema da lei e, por conseguinte, do dever; e, se pela palavra LIBERDADE se quiser entender conosco O DIREITO DE FAZER O DEVER, tomaremos, de nossa parte, por divisa e repetiremos sem contradição e sem erro:

DEUS E A LIBERDADE

Como só há liberdade para o homem na ordem que resulta do verdadeiro e do bem, pode-se dizer que a conquista da liberdade é o grande trabalho da alma humana. O homem, libertando-se das más paixões e de sua servidão, de certo modo cria-se a si próprio uma segunda vez. A natureza fizera-o vivo e sofredor, ele se faz feliz e imortal; torna-se, assim, o representante da divindade na terra e exerce relativamente sua onipotência.

AXIOMA I

Nada resiste à vontade do homem quando ele sabe o verdadeiro e quer o bem.

AXIOMA II

Querer o mal é querer a morte. Uma vontade perversa é um começo de suicídio.

AXIOMA III

Querer o bem com violência é querer o mal; pois a violência produz a desordem, e a desordem produz o mal.

AXIOMA IV

Pode-se e deve-se aceitar o mal como meio para o bem; mas é preciso nunca querê-lo ou fazê-lo, do contrário destruir-se-ia com uma mão o que se edificasse com a outra. A boa fé nunca justifica os maus meios; corrige-os quando são suportados e condena-os quando deles se lança mão.

AXIOMA V

Para se ter direito de possuir, sempre é preciso querer pacientemente e por muito tempo.

AXIOMA VI

Passar a vida querendo o que é impossível possuir, sempre é abdicar da vida e aceitar a eternidade da morte.

AXIOMA VII

Quanto mais a vontade supera obstáculos, mais se fortalece. É por isso que Cristo glorificou a pobreza e a dor.

AXIOMA VIII

Quando a vontade é consagrada ao absurdo, é reprovada pela eterna razão.

AXIOMA IX

A vontade do homem justo é a vontade do próprio Deus, e é a lei da natureza.

AXIOMA X

É pela vontade que a inteligência vê. Se a, vontade é sã, a visão é justa. Deus disse: Que seja a luz! e a luz é; a vontade disse: Que o mundo seja como eu o quero ver! e a inteligência o vê como a vontade quis. É o que significa a expressão assim seja, que confirma os atos de fé.

AXIOMA XI

Quando alguém cria fantasmas, põe no mundo vampiros, e será preciso alimentar esses filhos de um pesadelo voluntário com seu sangue, sua vida, sua inteligência e sua razão, sem nunca saciá-los.

AXIOMA XII

Afirmar e querer o que deve ser é criar; afirmar e querer o que não deve ser é destruir.

AXIOMA XIII

A luz é um fogo elétrico colocado pela natureza a serviço da vontade: ilumina os que dela sabem servir-se, queima os que dela abusam.

AXIOMA XIV

O império do mundo é o império da luz.

AXIOMA XV

As grandes inteligências cuja vontade equilibra-se mal assemelham-se aos cometas, que são sóis abortados.

AXIOMA XVI

Nada fazer é tão funesto quanto fazer o mal, mas é mais covarde. O mais imperdoável dos pecados mortais é a inércia.

AXIOMA XVII

Sofrer é trabalhar. Uma grande dor sofrida é um progresso realizado. Os que sofrem muito vivem mais do que os que não sofrem.

AXIOMA XVIII

A morte voluntária por abnegação não é um suicídio; é a apoteose da vontade.

AXIOMA XIX

O medo é apenas uma preguiça da vontade, e é por isso que a opinião desencoraja os covardes.

AXIOMA XX

Consegui não temer o leão, e o leão vos temerá. Dizei à dor: Quero que tu sejas um prazer, e ela se tornará até mais do que um prazer, uma felicidade.

AXIOMA XXI

Uma corrente de ferro é mais fácil de quebrar que uma corrente de flores.

AXIOMA XXII

Antes de declarar um homem feliz ou infeliz, sabei como o fez a direção de sua vontade: Tibério morria todos os dias em Capri, enquanto Jesus provava sua imortalidade e sua divindade no Calvário e na cruz.

CAPÍTULO II

O poder da palavra

É o verbo que cria as formas, e as formas, por sua vez, reagem sobre o verbo para modificá-lo e terminá-lo.

Toda palavra de verdade é o começo de um ato de justiça.

Pergunta-se se o homem algumas vezes pode ser necessariamente impelido para o mal. Sim, quando ele tem o julgamento falso e, por conseguinte, o verbo injusto.

Mas alguém é tão responsável por um julgamento falso como por uma má ação.

O que falseia o julgamento são as vaidades injustas do egoísmo.

O verbo injusto, não podendo realizar-se pela criação, realiza-se pela destruição. É preciso que mate ou morra.

Se pudesse permanecer sem ação seria a maior de todas as desordens, uma blasfêmia duradoura contra a verdade.

Tal é a palavra ociosa da qual Cristo disse que se prestará conta no juizo final. Um gracejo, uma tolice que recreia e que faz rir não é uma palavra ociosa.

A beleza da palavra é um esplendor de verdade. Uma palavra verdadeira é sempre bela, uma bela palavra é sempre verdadeira.

É por isso que as obras de arte são sempre santas quando são belas.

Que me importa que Anacreonte cante Batylle, se, em seus versos, ouço as notas da divina harmonia que é o hino eterno da beleza? A poesia é pura como o sol: ela estende seu véu de luz sobre os erros da humanidade. Ai daquele que quisesse erguer o véu para perceber fealdades.

O Concílio de Trento disse que é permitido às pessoas sábias e prudentes lerem os livros dos antigos, mesmo obscenos, por causa da beleza da forma.

Uma estátua de Nero ou de Heliogábalo feita como as obras-primas de Fídias não seria uma obra absolutamente bela e absolutamente boa? E os que gostariam de vê-la destruída por representar um monstro não mereceriam as vaias do mundo inteiro?

As estátuas escandalosas são as estátuas malfeitas; e a Vênus de Milo seria profanada se fosse exposta ao lado das Virgens que ousam expor em algumas igrejas.

Aprende-se o mal nos livros de moral tolamente escritos, bem mais do que nas poesias de Catulo ou nas engenhosas alegorias de Apuleio.

Não há maus livros senão os livros malpensados ou malfeitos.

Todo verbo de beleza é um verbo de verdade. É uma luz formulada em palavra.

Porém, é preciso uma sombra para que a mais brilhante luz produza-se e torne-se visível; e a palavra criadora, para tornar-se eficaz, necessita de contraditores. É preciso que suporte a prova da negação, do sarcasmo, depois aquela ainda bem mais cruel da indiferença e do esquecimento. “É preciso”, dizia o Mestre, “que o grão apodreça para germinar.”

O verbo que afirma e a palavra que nega devem casar-se, e de sua união nascerá a verdade prática, a palavra real e progressiva. É a necessidade que deve constranger os trabalhadores a escolherem por pedra angular a que inicialmente fora desconhecida e rejeitada. Que a contradição nunca desencoraje, pois, os homens de iniciativa. O arado necessita de uma terra e a terra resiste porque trabalha. Ela defende-se como todas as virgens, concebe e dá à luz lentamente como todas as mães. Vós, pois, que quereis semear uma planta nova no campo da inteligência, compreendei e respeitai as resistências pudibundas da experiência limitada e da razão tardia.

Quando uma palavra nova vem ao mundo, necessita de laços e cueiros; foi o gênio que a concebeu, mas é a experiência que deve alimentá-la. Não receeis que seja desamparada e morra; o esquecimento para ela é um repouso favorável e as contradições são uma cultura. Quando um sol desponta no espaço, cria ou atrai mundos. Uma única fagulha de luz fixa promete ao espaço um universo.

Toda a magia está numa palavra, e essa palavra, pronunciada cabalisticamente, é mais forte que todos os poderes do céu, da terra e do inferno. Com o nome de Jod he van he domina-se: os reinos são conquistados em nome de Adonai, e as forças ocultas que compõem o império de Hermes são totalmente obedientes àquele que sabe pronunciar segundo a ciência o nome incomunicável de Agla.

Para pronunciar segundo a ciência as grandes palavras da Cabala, é preciso pronunciá-las com uma inteligência inteira, com uma vontade que nada detenha, com uma atividade que nada rejeite. Em magia ter dito é ter feito; o verbo começa com letras, termina com atos. Só se quer realmente algo quando se quer com todo o coração, a ponto de por isso ferir as mais caras afeições; com todas as forças a ponto de expor a saúde, a fortuna e a vida.

É pela devoção absoluta que a fé se prova e se constitui. Mas o homem armado de semelhante fé poderá remover montanhas.

O inimigo mais fatal de nossas almas é a preguiça. A inércia possui uma embriaguez que nos adormece; mas o sono da inércia é a corrupção e a morte. As faculdades da alma humana são como as ondas do oceano: necessitam, para conservarem-se, do sal e do amargor das lágrimas; necessitam das tormentas do céu e da agitação das tempestades.

Quando, ao invés de caminharmos na rota do progresso, queremos ser carregados, estamos dormindo nos braços da morte; é para nós que é dito, como ao paralítico do Evangelho: Carregai vossa cama e andai! Somos nós que devemos carregar a morte para precipitá-la na vida.

Segundo a magnífica e terrível expressão de São João, o inferno é um fogo que dorme. É uma vida sem atividade e sem progresso; é enxofre em estagnação: stagnum ignis et sulphuris.

A vida que dorme é análoga à palavra ociosa e é disso que os homens terão de prestar contas no dia do juízo final.

A inteligência fala e a matéria agita-se; só descansará depois de ter tomado a forma dada pela palavra. Vede o verbo cristão há dezenove séculos trabalhando o mundo. Que combates de gigantes! Quantos erros experimentados e rechaçados! Quanto cristianismo desiludido e irritado no fundo do protesto, desde o século XVI até o século XVIII! O egoísmo humano, desesperado com suas derrotas, amotinou sucessivamente todas as suas estupidezes. Revestiram o Salvador do mundo com todos os andrajos e todas as púrpuras derrisórias: depois de Jesus o Inquisidor, fez-se o Jesus Revolucionário. Se fordes capaz, medi quantas lágrimas e quanto sangue correram, ousai prever quanto ainda correrá antes que se chegue ao reino messiânico do Homem-Deus, que subjuga ao mesmo tempo todas as paixões aos poderes e todos os poderes à justiça!

ADVENIAT REGNUM TUUM! Eis o que setecentos milhões de vozes repetem noite e dia em toda a superfície da terra, há quase mil e novecentos anos, enquanto os israelitas continuam a esperar o Messias. Ele falou, e ele voltará; veio para morrer, e prometeu retornar para viver.

CÉU É A HARMONIA DOS SENTIMENTOS GENEROSOS.

INFERNO É O CONFLITO DOS INSTINTOS COVARDES.

Quando a humanidade, a poder de experiências sangrentas e dolorosas, tiver compreendido bem essa dupla verdade, abjurará do inferno do egoísmo para entrar no céu da abnegação e da caridade cristã.

A lira de Orfeu desbravou a Grécia selvagem, e a lira de Anfião construiu a misteriosa Tebas. É que a harmonia é a verdade. A natureza inteira é harmonia, mas o Evangelho não é uma lira: é o livro dos princípios eternos que devem regular e que regularão todas as liras e todas as harmonias vivas do universo.

Enquanto o mundo não compreender estas três palavras: verdade, razão, justiça, e estas: dever, hierarquia, sociedade, a divisa revolucionária, liberdade, igualdade, fraternidade, será apenas uma tríplice mentira.

CAPÍTULO III

As influências misteriosas

Não há meio-termo possível. Todo homem é bom ou mau. Os indiferentes, os mornos não são bons, são, pois, maus, e os piores de todos os maus, pois são imbecis e covardes. O combate da vida assemelha-se a uma guerra civil, os que permanecem neutros traem igualmente os dois lados e renunciam ao direito de serem contados dentre os filhos da pátria.

Todos nós respiramos a vida dos outros e de algum modo insuflamo-lhes uma parte de nossa existência. Os homens inteligentes e bons são, sem saberem, os médicos da humanidade, os homens tolos e maus são envenenadores públicos.

Existem pessoas perto de quem sentimo-nos melhores. Vede esta jovem senhora da alta sociedade, ela conversa, ri, adorna-se como todas as outras, por que, então, tudo nela é melhor e mais perfeito? Nada mais natural que sua distinção, nada mais franco e mais nobremente despretensioso que sua conversa. Perto dela tudo deve achar-se à vontade, exceto os maus sentimentos, mas eles são impossíveis perto dela. Ela não encontra os corações, prende-os e os instrui, não embriaga, encanta. O que toda sua pessoa prega parece ser uma perfeição mais aprazível do que a própria virtude; é mais graciosa que a graça, suas ações são fáceis e inimitáveis como a bela música e os belos versos. Era dela que uma encantadora mundana, muito amiga para ser rival, dizia depois de um baile: Pareceu-me ver a Sagrada Bíblia em movimento. Vede ao contrário esta outra mulher, afeta a mais rígida devoção e se escandalizaria ao ouvir os anjos cantarem, mas sua fala é malévola, seu olhar é altivo e desdenhoso; quando fala sobre virtude poderia provocar o amor ao vício. Para ela Deus é um marido ciumento que ela tem o grande mérito de não enganar; suas máximas são desoladoras, as ações mais vãs que caridosas e poder-se-ia dizer após a ter encontrado na igreja: Vi o diabo orando a Deus.

Ao deixar a primeira, senti-vos cheio de amor por tudo o que é belo, por tudo o que é bom e generoso. Estais feliz por lhe terdes dito tudo o que ela vos inspirou de bem e por terdes sido por ela aprovado; dizei-vos que a vida é boa, uma vez que foi dada por Deus a semelhantes almas, estais cheio de coragem e de esperança. A outra vos deixa enfraquecido, rejeitado, ou talvez, o que é pior, estimulado a fazer o mal; vos faz duvidar da honra, da piedade e do dever; perto dela só escapais ao tédio pela porta dos maus desejos. Falastes mal de alguém para agradá-la, diminuíste-vos para adular seu orgulho, ficais descontente com ela e convosco mesmo.

O sentimento vivo e certo dessas diversas influências é próprio dos espíritos justos e das consciências delicadas, e é precisamente o que os antigos escritores ascéticos chamavam graça do discernimento dos espíritos.

Sois cruéis consoladores, dizia Jó a seus pretensos amigos. De fato, os seres viciosos sempre afligem ao invés de consolarem. Têm um tato prodigioso para encontrar e escolher as mais desesperadoras banalidades. Chorais um afeto perdido, como sois ingênuo! Zombavam de vós, não vos amavam. Com dor confessais que vosso filho é coxo, amigavelmente vos fazem ver que ele é corcunda. Ele tosse e inquietai-vos, suplicam-vos ternamente que tomeis cuidado, pois talvez esteja tuberculoso. Vossa mulher está doente há muito tempo, consolai-vos, pois ela morrerá.

Espera e trabalha, eis o que o céu nos diz pela voz de todas as boas almas; desespera e morre, eis o que o inferno nos grita em todas as palavras, todos os movimentos, todas as amizades e todos os afagos dos seres imperfeitos ou degradados.

Qualquer que seja a reputação de uma pessoa e quaisquer que sejam os testemunhos de amizade que ela vos dá, se, ao deixá-la, sentivos menos amigo do bem e menos forte, ela é perniciosa para vós: evitai-a.

Nossa dupla imantação produz em nós duas espécies de simpatias. Temos necessidade de, alternadamente, absorver e irradiar. Nosso coração gosta dos contrastes, e existem poucos exemplos de mulheres que tenham amado sucessivamente dois gênios.

Repousamo-nos pela proteção dos cansaços da admiração, é a lei do equilíbrio; mas por vezes também as naturezas sublimes surpreendem-se em caprichos de vulgaridade. O homem, disse o abade Gerbet, é a sombra de um Deus no corpo de um animal: existem os amigos do anjo e os complacentes para com o animal. O anjo atrai-nos, mas, se não tomamos cuidado, é a besta que nos leva: ela deve mesmo fatalmente levar-nos quando se trata de asneiras, isto é, das satisfações desta vida nutriz da morte, que na linguagem das bestas chama-se vida real. Em religião, o Evangelho é um guia seguro, o mesmo não sendo em negócios, e muitas pessoas, quando se tratasse de estabelecer a sucessão temporal de Jesus Cristo, se entenderiam melhor com Judas Iscariotes do que com São Pedro.

Admiram a probidade, disse Juvenal, e não lhe dão o que lhe cabe. Se, por exemplo, tal homem célebre não tivesse escandalosamente mendigado a riqueza, alguém teria pensado em recompensar sua velha musa? Alguma herança lhe teria caído do céu? A virtude toma nossa admiração, nossa bolsa, portanto, nada lhe deve, essa grande dama é bastante rica sem nós. Preferimos dar ao vício, ele é tão pobre!

“Não gosto dos mendigos e dou apenas aos pobres vergonhosos”, dizia um homem inteligente. “Mas o que lhes dais, se não os conheceis?” “Dou-lhes minha admiração e minha estima, e não preciso conhecê-los para isso.” “Como necessitais de tanto dinheiro”, foi perguntado a outro, “se não tendes filhos nem encargos?” “Tenho meus pobres vergonhosos a quem não me posso impedir de dar muito.” “Apresente-os a mim, talvez dê-lhes também.” “Oh! certamente já conheceis alguns. Tenho sete deles, que comem excessivamente, e um oitavo que come mais do que os outros sete: os sete são os sete pecados capitais; o oitavo é o jogo.”

“Senhor, dai-me cinco francos, estou morrendo de fome.” “Imbecil! estás morrendo de fome e queres que te encoraje a prosseguir em tão mau caminho! Morres de fome e tens a imprudência de confessá-lo! Queres tornar-me cúmplice de tua incapacidade, nutriz de teu suicídio! Queres um prêmio pela miséria? Por quem me tomas? Acaso sou um traste da tua espécie…”

“Meu amigo, preciso de um milhão de escudos para seduzir uma mulher honesta.” “Ah! isso é mau; mas não sei recusar nada a um amigo. Toma, e quando tiveres conseguido dá-me o endereço dessa pessoa.” Eis o que se chama, na Inglaterra e em outros lugares, agir como um perfeito cavalheiro.

“O homem honrado sem trabalho rouba, e não mendiga!”, respondeu um dia Cartouche a um transeunte que lhe pedia esmola. É enfático como a palavra emprestada a Cambronne; e, na realidade, talvez o célebre ladrão e o grande general tenham ambos respondido do mesmo modo.

Foi esse mesmo Cartouche quem de outra feita ofereceu, por iniciativa própria e sem que lhe fosse pedido, vinte mil libras a alguém falido. Entre irmãos é preciso saber viver.

A assistência mútua é uma lei da natureza. Ajudar nossos semelhantes é ajudar a nós mesmos. Mas acima da assistência mútua eleva-se uma lei maior e mais santa: é a assistência universal, é a caridade.

Todos admiramos e amamos São Vicente de Paulo, mas quase todos temos também um fraco secreto pela habilidade, pela presença de espírito e, sobretudo, pela audácia de Cartouche.

Os cúmplices confessos de nossas paixões podem repugnar-nos humilhando-nos; saberemos, sujeitando-nos aos perigos, resistir-lhes por orgulho. Mas que pode haver de mais perigoso para nós que nossos cúmplices hipócritas e ocultos? Seguem-nos como o desgosto, esperam-nos como o abismo, envolvem-nos como a vertigem. Nós os desculpamos para desculparmo-nos, os defendemos para defendermo-nos, os justificamos para justificarmo-nos e os suportamos em seguida porque é preciso, porque não temos força para resistir a nossas inclinações, porque não desejamos isso.

Apossaram-se de nosso ascendente, como diz Paracelso, e onde quiserem conduzir-nos iremos.

São nossos maus anjos, sabemo-lo no fundo de nossa consciência; mas os poupamos, pois fizemo-nos seus servidores, a fim de que eles também nos sirvam.

Nossas paixões, aduladas e poupadas, tornaram-se servas-senhoras; e os complacentes para com nossas paixões são valetes que se tornaram nossos mestres.

Respiramos nossos pensamentos e aspiramos os dos outros impressos na luz astral, tornada sua atmosfera eletromagnética: assim, a companhia dos maus é menos funesta para as pessoas de bem do que a dos seres vulgares, covardes e mornos. Uma forte antipatia adverte-nos facilmente e salva-nos do contato com os vícios grosseiros; não é assim com os vícios disfarçados, diminuídos de certo modo e tornados quase amáveis. Uma mulher honesta sentirá apenas repulsa em companhia de uma moça perdida; mas tem tudo a recear das seduções de uma doidivanas.

Sabemos que a loucura é contagiosa; mas os loucos são mais particularmente perigosos quando são amáveis e simpáticos. Entramos pouco a pouco em seu círculo de idéias, chegamos a compreender seus exageros compartilhando seus entusiasmos, habituamo-nos à sua lógica excepcional e transviada, chegamos a pensar que não são tão loucos quanto acreditávamos no início. Daí a acreditar que são os únicos a ter razão não há muita distância. Nós os amamos, os aprovamos, estamos loucos como eles.

As afeições são livres e podem ser racionalizadas; mas as simpatias são fatais e muito freqüentemente desarrazoadas; dependem das atrações mais ou menos equilibradas da luz magnética, e agem sobre os homens do mesmo modo que sobre os animais. Divertiremo-nos tolamente com uma pessoa que nada tem de amável porque estamos misteriosamente atraídos e dominados por ela. Freqüentemente, essas simpatias estranhas começaram por vivas antipatias; os fluidos repeliam-se no início, equilibrando-se depois.

A especialidade equilibrante do mediador plástico de cada pessoa é o que Paracelso chama seu ascendente, e denomina flagum ao reflexo particular das idéias habituais de cada um na luz universal.

Chega-se ao conhecimento do ascendente de uma pessoa pela adivinhação sensitiva do flagum, e por um direcionamento perseverante da vontade vira-se o lado ativo do próprio ascendente para o lado passivo do ascendente do outro, quando se quer apoderar-se do outro e dominá-lo.

O ascendente astral foi adivinhado por outros magistas, que o chamaram turbilhão.

É, dizem eles, uma corrente de luz especializada, reproduzindo sempre um mesmo círculo de imagens, e, por conseguinte, de impressões determinadas e determinantes. Esses turbilhões existem para os homens como para as estrelas. “Os astros”, diz Paracelso, “respiram sua alma luminosa e atraem a irradiação uns dos outros. A alma da terra, cativa das leis fatais da gravitação, desprende-se especializando-se e passa pelo instinto dos animais para chegar à inteligência do homem. A parte cativa dessa alma é muda, mas conserva por escrito os segredos da natureza. A parte livre não pode mais ler essa escritura fatal sem perder instantaneamente sua liberdade. Só se passa da contemplação muda e vegetativa ao pensamento livre e vibrante mudando de meios e de órgãos. Daí vem o esquecimento que acompanha o nascimento e as reminiscências vagas de nossas intuições doentias, sempre análogas às visões de nossos êxtases e de nossos sonhos.”

Essa revelação do grande mestre da medicina oculta lança uma enorme luz sobre todos os fenômenos do sonambulismo e da adivinhação. Aí está, também, para quem souber encontrá-la, a verdadeira chave das evocações e das comunicações com a alma fluídica da terra.

As pessoas cuja influência perigosa se faz sentir num único contato são as que fazem parte de uma associação fluídica; ou que dispõem, quer voluntariamente, quer sem saberem, de uma corrente de luz astral desviada. Aquelas, por exemplo, que vivem no isolamento e na privação de toda comunicação humana e que estão diariamente em relação fluídica com animais reunidos em grande número, como estão normalmente os pastores, esses estão possuídos pelo demônio a que se denomina legião, e, por sua vez, reinam despoticamente sobre as almas fluídicas dos rebanhos confiados à sua guarda: desse modo sua benevolência ou sua malevolência faz prosperar ou morrer o rebanho; podem exercer essa influência de simpatia animal sobre mediadores plásticos humanos mal defendidos por uma vontade fraca ou uma inteligência limitada.

Assim explicam-se os encantamentos operados habitualmente pelos pastores e os fenômenos ainda muito recentes do presbitério de Cideville.

Cideville é um pequeno vilarejo da Normandia onde, há alguns anos, produziram-se fenômenos semelhantes aos que se produziram, depois, sob a influência do senhor Home. Mirville estudou-os cuidadosamente e Gougenot Desmousseaux repetiu todos seus detalhes num livro publicado em 1854 e intitulado: Costumes e Práticas dos Demônios. O que há de notável nesse último autor é que ele parece adivinhar a existência do mediador plástico ou do corpo fluídico. “Com certeza não temos duas almas”, diz ele, “mas talvez tenhamos dois corpos.” Com efeito, tudo o que ele conta pareceria provar essa hipótese. Trata-se de um pastor, cuja forma fluídica infestava um presbitério e que foi ferido à distância pelos golpes desfechados à sua larva astral.

Aqui perguntaremos aos senhores Mirville e Gougenot Desmousseaux se eles tomam esse pastor pelo diabo e se, de perto ou à distância, o diabo, tal como o concebem, pode ser arranhado ou ferido. Na Normandia, até então, quase não eram conhecidas as doenças magnéticas dos médiuns e o infeliz sonâmbulo, que fora preciso tratar e curar, foi rudemente maltratado e até agredido, segundo se diz, não em aparência fluídica, mas em sua própria pessoa, pelo próprio pároco. Aí está, convenhamos, um singular gênero de exorcismo! Se realmente essas violências aconteceram, e se são imputáveis a um eclesiástico que dizem, e que pode ser, credulidade à parte, muito bom e respeitável, reconheçamos que escritores como Mirville e Gougenot Desmousseaux tornam-se de certo modo seus cúmplices.

As leis da vida física são inexoráveis e, em sua natureza animal, o homem nasce escravo da fatalidade; e é à custa de lutas contra os instintos que ele pode conquistar a liberdade moral. Duas existências diferentes, portanto, nos são possíveis na terra: uma fatal, a outra livre. O ser fatal é o joguete ou o instrumento de uma força que ele não dirige: ora, quando os instrumentos da fatalidade se encontram e se chocam, o mais forte destrói ou domina o mais fraco; os seres verdadeiramente libertos não temem nem as bruxarias nem as influências misteriosas.

Dir-nos-ão que o encontro de Caim pode ser fatal para Abel. Sem dúvida; mas semelhante fatalidade é uma felicidade para a santa e pura vítima, é uma infelicidade apenas para o assassino.

Assim como entre os justos existe uma grande comunidade de virtudes e méritos, existe entre os maus uma solidez absoluta de culpabilidade fatal e castigo necessário. O crime está nas disposições do coração. As circunstâncias quase sempre independentes da vontade fazem sozinhas a gravidade dos atos. Se a fatalidade tivesse feito de Nero um escravo, ele se teria tornado um histrião ou um gladiador e não teria incendiado Roma: seria preciso agradecer-lhe por isso?

Nero era cúmplice de todo o povo romano e os únicos responsáveis pela fúria desse monstro eram os que a deveriam ter impedido. Sêneca, Burro, Tráseas, Corbulão, eis os verdadeiros culpados desse reino terrível: grandes homens egoístas ou incapazes! Souberam apenas morrer. Se um dos ursos do Jardim Zoológico escapasse e devorasse algumas pessoas, seria ele ou seus vigias quem deveria prestar contas? Todo aquele que se liberta dos erros comuns deve pagar um resgate proporcional à soma desses erros: Sócrates responde por Anito, e Jesus teve que sofrer um suplício que se igualou em horrores a toda a traição de Judas.

É assim que, ao pagar as dívidas da fatalidade, a liberdade conquistada compra o império do mundo; é a ela que compete ligar ou desligar: Deus entregou-lhe as chaves do céu e do inferno.

Homens que abandonais as bestas a si mesmas, quereis que elas vos devorem.

As multidões escravas da fatalidade só podem gozar da liberdade pela obediência absoluta à vontade dos homens livres; elas devem trabalhar para eles, porque eles respondem por elas.

Mas, quando a besta governa as bestas, quando o cego conduz os cegos, quando o homem fatal governa as massas fatais, o que se deve esperar? Terríveis catástrofes, e elas nunca faltarão.

Ao admitir os dogmas anárquicos de 89, Luís XVI lançara o Estado num declive fatal. A partir desse momento todos os crimes da Revolução pesaram unicamente sobre ele; apenas ele faltara a seu dever. Robespierre e Marat haviam feito o que deviam fazer. Girondinos e Montanheses fatalmente mataram-se uns aos outros e suas mortes violentas foram apenas catástrofes necessárias; houve nessa época apenas um grande e legítimo suplício, verdadeiramente sagrado, verdadeiramente expiatório: o do rei. O princípio da realeza devia cair se esse príncipe demasiado fraco tivesse sido absoluto. Mas era impossível uma transação entre a ordem e a desordem. Não se herda dos que são assassinados, eles são poupados, e a Revolução reabilitou Luís XVI ao assassiná-lo. Após tantas concessões, fraquezas, indignas vilezas, esse homem sagrado uma segunda vez pela desgraça pôde ao menos dizer, ao subir ao cadafalso: a Revolução está julgada, e eu continuo sendo o rei da França!

Ser justo é sofrer por todos os que não o são, mas é viver; ser mau é sofrer por si mesmo sem conquistar a vida, é enganar-se, agir mal e morrer eternamente.

Resumindo: as influências fatais são as da morte, as influências salutares são as da vida. Conforme sejamos mais fracos ou mais fortes na vida, atraímos ou repelimos o malefício. Esse poder oculto não é senão demasiado real; mas a inteligência e a virtude terão sempre os meios de evitar suas obsessões e seus ataques.

CAPÍTULO IV

Mistérios da perversidade

O equilíbrio humano compõe-se de dois atrativos; um pela morte, o outro pela vida. A fatalidade é a vertigem que nos atrai para o abismo; a liberdade é o esforço racional que nos eleva acima das atuações fatais da morte.

O que é um pecado mortal? É uma apostasia de nossa liberdade; é um abandono de nós mesmos às leis materiais da gravidade; um ato injusto é um pacto com a injustiça: ora, toda injustiça é uma abdicação da inteligência. Caímos, então, sob o império da força, cujas reações sempre esmagam tudo o que se afasta do equilíbrio.

O amor pelo mal e a adesão formal da vontade à injustiça são os últimos esforços da vontade expirante. O homem, não importa o que faça, é mais forte que o bruto e não pode, como este, abandonar-se à fatalidade. É necessário que escolha e que ame. A alma desesperada que se acredita apaixonada pela morte está ainda mais viva do que uma alma sem amor. A atividade para o mal pode e deve reconduzir o homem ao bem por contragolpe e reação. O verdadeiro mal sem remédio é a inércia.

Aos abismos da perversidade correspondem os abismos da graça. Freqüentemente Deus fez de celerados santos; nunca fez nada de mornos e de covardes.

Sob pena de reprovação, é preciso trabalhar, é preciso agir. A natureza, aliás, provê para isso, e se não queremos, com toda nossa coragem, ir em direção à vida, ela nos precipita com todas as suas forças para a morte. Os que não querem caminhar, ela os arrasta.

Um homem que poderia ser chamado o grande profeta dos ébrios, Edgar Poe, esse alucinado sublime, esse gênio da extravagância lúcida, descreveu com uma realidade assustadora os pesadelos da perversidade…

“Matei este velho porque era estrábico. Fiz isso porque não deveria ser feito.”

Eis a terrível contrapartida do Credo quia absurdum, de Tertuliano.

Desafiar Deus e injuriá-lo é um último ato de fé. “Os mortos não te louvam, Senhor”, diz o salmista; e poderíamos acrescentar, se ousássemos: “Os mortos não te blasfemam.”

“Oh! meu filho!”, dizia um pai inclinado sobre o leito do filho, caído em letargia após um violento acesso de delírio; “insulta-me; batame, morda-me; sentirei que ainda vives… Mas não fiques para sempre neste silêncio medonho da tumba!”

Um grande crime sempre protesta contra uma grande tepidez. Cem mil padres honestos teriam podido, através de uma caridade mais ativa, prevenir o atentado daquele miserável Verger. A Igreja deve julgar, condenar, punir um eclesiástico escandaloso; mas não tem o direito de abandoná-los aos frenesis do desespero e às tentações da miséria e da fome.

Nada é tão assustador quanto o nada; e se se pudesse jamais formular sua concepção, se fosse possível admiti-lo, o inferno seria uma esperança.

Eis por que a própria natureza procura e impõe a expiação como um remédio; eis por que o suplício suplica, como tão bem o compreendeu esse grande católico chamado conde Joseph de Maistre; eis por que a pena de morte é o direito natural e nunca desaparecerá das leis humanas. A mácula do homicídio seria indelével se Deus não absolvesse o cadafalso; o poder divino abdicado pela sociedade e usurpado pelos celerados pertencer-lhes-ia sem contestação. O assassinato, então, transformar-se-ia em virtude quando exercesse as represálias da natureza ultrajada. As vinganças particulares protestariam contra a ausência da expiação pública, e com os restos do gládio quebrado da justiça a anarquia fabricaria punhais para si.

“Se Deus suprimisse o inferno, os homens fariam outro para desafiá-lo”, dizia-nos um dia um bom padre. Tinha razão; e é por isso que o inferno deseja tanto ser suprimido. Emancipação! tal é o grito de todos os vícios. Emancipação do homicídio pela abolição da pena de morte; emancipação da prostituição e do infanticídio pela abolição do casamento; emancipação da preguiça e do roubo pela abolição da propriedade… Assim gira o turbilhão da perversidade até que chegue a esta fórmula suprema e secreta: Emancipação da morte pela abolição da vida!

É pelas vitórias do trabalho que se escapa às fatalidades da dor. O que chamamos morte é somente o parto eterno da natureza. Ininterruptamente, ela reabsorve e retoma em seu seio tudo o que não nasceu do espírito. A matéria inerte por si mesma só pode existir pelo movimento perpétuo, e o espírito naturalmente volátil só pode durar fixando-se. A emancipação das leis fatais pela adesão livre do espírito ao verdadeiro e ao bem é o que o Evangelho denomina nascimento espiritual; a reabsorção na morada eterna da natureza é a segunda morte.

Os seres não-emancipados são atraídos para essa segunda morte por uma gravidade fatal, arrastam-se uns aos outros, como o divino Michelangelo tão bem nos faz ver em sua grande pintura sobre o juízo final; são invasores e tenazes como pessoas que se afogam, e os espíritos livres devem lutar energicamente contra eles para não serem por eles retidos em seu vôo e rebaixados fatalmente ao inferno.

Essa guerra é tão antiga quanto o mundo; os gregos representavam-na sob os símbolos de Eros e Anteros, e os hebreus pelo antagonismo de Caim e Abel. É a guerra dos titãs e dos deuses. Os dois exércitos estão em toda a parte, invisíveis, mas disciplinados e sempre prontos ao ataque ou à represália. As pessoas ingênuas dos dois partidos, surpresas com as resistências súbitas e unânimes que encontram, acreditam em vastos complôs, sabiamente organizados, das sociedades ocultas e todo-poderosas. Eugène Sue inventa Rodin; pessoas da Igreja falam de iluminados e de maçons; Wronski sonha com seus bandos místicos, e o que há de verdadeiro e sério no fundo de tudo isso é apenas a luta necessária entre a ordem e a desordem, os instintos e o pensamento; o resultado dessa luta é o equilíbrio no progresso e o diabo contribui sempre, contra a sua vontade, para a glória de São Miguel.

O amor físico é a mais perversa de todas as paixões fatais. É o anarquista por excelência; não conhece nem leis, nem deveres, nem verdade, nem justiça. Faria a moça passar por cima do cadáver de seus pais. É uma embriaguez irresistivel, uma loucura furiosa, uma vertigem da fatalidade que procura novas vítimas; a embriaguez de Saturno que quer ser pai para ter crianças a quem devorar. Vencer o amor é triunfar sobre toda a natureza. Submetê-lo à justiça é reabilitar a vida devotando-a à imortalidade; assim, as maiores obras da revelação cristã são a criação da virgindade voluntária e a santificação do matrimônio.

Enquanto o amor é apenas um desejo e um gozo, ele é mortal. Para eternizar-se é preciso que se torne um sacrifício, pois torna-se, então, uma força e uma virtude. É a luta de Eros e Anteros que faz o equilíbrio do mundo.

Tudo o que superexcita a sensibilidade conduz à depravação e ao crime. As lágrimas chamam o sangue. Existem grandes emoções que são como licores fortes, usá-las habitualmente é abusar. Ora, todo abuso das emoções perverte o sentido moral; buscamo-las por elas mesmas, sacrificamos tudo para obtê-las. Uma mulher romanesca se tornará facilmente uma heroína de Tribunal do Júri, chegará talvez ao deplorável e irreparável absurdo de suicidar-se para admirar-se e enternecer-se consigo mesma vendo-se morrer.

Os hábitos romanescos levam as mulheres à histeria e os homens à depressão. Manfred, Renê, Lélia são tipos de perversidade muito mais profunda por racionalizarem seu orgulho doentio e poetizarem sua demência. Perguntamo-nos aterrorizados que monstro poderia nascer do casamento de Manfred e Lélia!

A perda do sentido moral é uma verdadeira alienação; um homem que não obedece à justiça antes de tudo não se pertence mais, caminha sem luz na noite de sua existência, agita-se como num sonho vítima do pesadelo de suas paixões.

As correntes impetuosas da vida instintiva e as fracas resistências da vontade formam um antagonismo tão distinto que os cabalistas acreditaram no embrionato das almas, isto é, a presença num mesmo corpo de várias almas que o disputam entre si e freqüentemente tentam destruí-lo, mais ou menos como os náufragos da Medusa, que no momento em que disputavam a jangada muito estreita, tentavam fazê-la soçobrar.

É certo que alguém ao se tornar servo de uma corrente qualquer de instintos, ou mesmo de idéias, aliena sua personalidade e torna-se escravo desse gênio das multidões que o Evangelho chama Legião.

Os artistas sabem algo sobre isso. Suas freqüentes evocações da luz universal enervam-nos. Tornam-se médiuns, isto é, doentes. Quanto mais o sucesso os faz crescer junto à opinião pública, mais sua personalidade enfraquece; tornam-se sujeitos a acessos, absurdos, invejosos, coléricos; não admitem que outro mérito, mesmo de ordem diferente, possa produzir-se ao lado do seu, e desde que se tornam injustos eximem-se até de serem polidos. Para escapar a essa fatalidade os verdadeiros grandes homens isolam-se de toda camaradagem liberticida e salvam-se dos atritos da vil multidão por uma impopularidade orgulhosa: se Balzac, quando vivo, tivesse sido um homem de conventículo ou de partido, não teria permanecido, após sua morte, o grande universal de nossa época.

A luz não ilumina as coisas insensíveis nem os olhos fechados, ou pelo menos só as ilumina em proveito dos que vêem. A palavra do Gênesis, Que se faça a luz!, é o grito de vitória da inteligência triunfante sobre as trevas. Essa palavra é sublime porque exprime com simplicidade a maior e mais sublime coisa do mundo: a criação da inteligência por si mesma quando, convocando seus poderes, equilibrando suas faculdades, ela diz: Quero imortalizar-me vendo a verdade eterna, que seja a luz! E a luz é. A luz eterna como Deus começa todos os dias para os olhos que se abrem. A verdade será eternamente a invenção e como que a criação do gênio: ele grita: Que seja a luz, e ele próprio é porque ela é. Ele é imortal porque compreendera eterna. Ele contempla a verdade como sua obra porque ela é sua conquista, e a imortalidade como seu triunfo porque ela será sua recompensa e sua coroa.

Mas nem todos os espíritos vêem com justeza porque nem todos os corações querem com justiça. Existem almas para as quais a verdadeira luz parece nunca dever existir. Contentam-se com visões fosforescentes, abortos de luz, alucinações do pensamento, e, apaixonadas por esses fantasmas, temem o dia que os faria fugirem porque sentem que, não sendo o dia feito para seus olhos, voltariam a cair numa profunda escuridão. Assim é que os loucos, no início, temem, depois caluniam, insultam, perseguem e condenam os sábios. É preciso compadecer-se deles e perdoá-los, não sabem o que fazem.

A verdadeira luz repousa e satisfaz a alma, a alucinação, ao contrário, cansa-a e atormenta-a. As satisfações da loucura assemelham-se aos sonhos gastronômicos das pessoas famintas que aguçam sua fome sem nunca saciá-la. Daí nascem as irritações e as perturbações, os desencorajamentos e os desesperos. “A vida sempre nos mentiu”, dizem os discípulos de Werther, “eis por que queremos morrer!” Pobres crianças, não é a morte que vos seria preciso, é a vida. Desde que estais no mundo morreis todos os dias, é à cruel volúpia do nada que deveis pedir o remédio do nada de vossas volúpias? Não, a vida nunca vos enganou, pois não vivestes ainda. O que tomais por vida são as alucinações e os sonhos do primeiro sono da morte!

Todos os grandes criminosos são alucinados voluntários, e todos os alucinados voluntários podem ser fatalmente levados a tornarem-se grandes criminosos. Nossa luz pessoal especializada, concebida, determinada por nossa afeição dominante é o germe de nosso paraíso ou de nosso inferno. Cada um de nós de algum modo concebe, põe no mundo e alimenta seu bom anjo ou seu mau demônio. A concepção da verdade faz nascer em nós o bom gênio; a percepção desejada da mentira é uma incubadora e uma criadora de pesadelos e de vampiros. Cada um deve alimentar seus filhos, e nossa vida consome-se em proveito de nossos pensamentos. Felizes os que reencontram a imortalidade nas criações de sua alma! Ai dos que se exaurem para alimentar a mentira e engordar a morte, pois cada um gozará o fruto de suas obras.

Existem alguns seres inquietos e atormentados cuja influência é turbulenta e a conversa, fatal. Perto deles sentimo-nos irritados e ao deixá-los sentimo-nos encolerizados; entretanto, por uma perversidade secreta, nós os procuramos para afrontar a perturbação e gozar as emoções malévolas que eles nos dão. São doentes contagiosos do espírito de perversidade.

O espírito de perversidade sempre tem por móvel secreto a sede da destruição e por fim o suicídio.

O assassino Eliçabide, segundo suas próprias declarações, não só experimentava uma necessidade selvagem de matar seus parentes e amigos, como também gostaria, se isso fosse possível, e disse-o com suas próprias palavras diante do tribunal, de fazer o globo saltar como uma castanha cozida. Lacenaire, que passava seus dias combinando assassínios para obter meios de passar as noites em ignóbeis orgias, ou nos frenesis do jogo, vangloriava-se abertamente de ter vivido. Chamava a isso viver! E cantava um hino à guilhotina, que chamava sua bela noiva! E o mundo estava repleto de imbecis que admiravam esse celerado! Alfred de Musset, antes de aniquilar-se na embriaguez, desperdiçou um dos primeiros talentos de seu século em contos de fria ironia e desgosto universal; o infeliz fora enfeitiçado pelo respir de uma mulher profundamente perversa, que, após tê-lo morto, acocorou-se sobre seu cadáver como um vampiro e rasgou seu sudário. Perguntávamos um dia a um jovem escritor dessa escola o que provava sua literatura. “Prova”, respondeu-nos franca e ingenuamente, “que é preciso desesperar e morrer.” Que apostolado e que doutrina! Mas eis as conclusões necessárias e rigorosas do espírito de perversidade. Aspirar incessantemente ao suicídio, caluniar a vida e a natureza, invocar todos os dias a morte sem poder morrer, é o inferno eterno, é o suplício de Satã, esse avatar mitológico do espírito de perversidade; a verdadeira tradução da palavra grega diabolos, ou diabo, é o perverso.

Eis um mistério de que os pervertidos não desconfiam. É que só se pode gozar os prazeres da vida, mesmo os materiais, pelo sentido moral. O prazer é a música das harmonias interiores; os sentidos são apenas seus instrumentos, instrumentos que desafinam ao contato com uma alma degradada. Os maus nada podem sentir, porque nada podem amar: para amar, é preciso ser bom. Para eles, portanto, tudo é vazio, e parece-lhes que a natureza é impotente, porque eles próprios o são, duvidam de tudo porque nada sabem, blasfemam contra tudo porque de nada gostam; se afagam, é para emurchecer; se bebem, é para embriagar-se; se dormem, é para esquecer; se acordam, é para entediar-se mortalmente: assim viverá, ou antes, assim morrerá todos os dias aquele que se liberta de toda lei e de todo dever para tornar-se escravo de suas fantasias. O mundo e a própria eternidade tornam-se inúteis para quem se torna inútil para o mundo e para a eternidade.

Nossa vontade, ao agir diretamente sobre nosso mediador plástico, isto é, sobre a porção de luz astral que se especializou em nós e que serve para a assimilação e configuração dos elementos necessários à nossa existência; nossa vontade, justa ou injusta, harmoniosa ou perversa, configura o mediador à sua imagem e dá-lhe aptidões conforme os nossos atrativos. Assim, a monstruosidade moral produz a fealdade física, pois o mediador astral, esse arquiteto interior de nosso edifício corporal, modificado incessantemente segundo nossas necessidades verdadeiras ou factícias. Ele faz crescer o ventre e os maxilares do glutão, crispa os lábios do avarento, torna impudentes os olhares da mulher impura e venenosos os do invejoso e do mau. Quando o egoísmo prevaleceu numa alma, o olhar torna-se frio, os traços duros; a harmonia das formas desaparece e, segundo a especialidade absorvente ou irradiante desse egoísmo, os membros dessecam-se ou ficam comprometidos por uma excessiva gordura. A natureza, ao fazer de nosso corpo o retrato de nossa alma, garantiu tal semelhança para sempre, e retoca-o incansavelmente. Lindas mulheres que não sois bondosas, estai certas de não permanecerdes belas por muito tempo. A beleza é um adiantamento que a natureza faz à virtude: se a virtude não está pronta para o acerto da dívida, a emprestadora recuperará impiedosamente seu capital.

A perversidade, ao modificar o organismo cujo equilíbrio ela destrói, cria ao mesmo tempo a fatalidade das necessidades que impele à destruição do próprio organismo e à morte. Quanto menos o perverso desfruta, mais sede de prazer tem. O vinho é como água para o ébrio, o ouro derrete nas mãos do jogador; Messalina cansa-se sem ficar saciada. A volúpia que lhes escapa transforma-se para eles num longo desejo irritado. Quanto mais seus excessos são homicidas, mais parece-lhes que a suprema felicidade se aproxima… Mais uma golada de licor forte, mais um espasmo, mais uma violência contra a natureza… Ah! finalmente, o prazer! a vida… e seu desejo, no paroxismo de sua insaciável fome, extingue-se para sempre na morte!

QUARTA PARTE

OS GRANDES SEGREDOS PRÁTICOS OU AS REALIZAÇÕES DA CIÊNCIA

Introdução

As altas ciências da Cabala e da magia prometem ao homem um poder excepcional, real, efetivo, realizador, e deve-se encará-las como vãs e mentirosas se não o dão.

Vós julgareis os doutores por suas obras, dizia o mestre supremo, e essa regra de julgamento é infalível.

Se quereis que eu acredite no que sabeis, mostrai-me o que fazeis.

Deus, para elevar o homem à emancipação moral, esconde-se dele e de certo modo abandona-lhe o governo do mundo. Deixa-se adivinhar pelas grandezas e harmonias da natureza, a fim de que o homem se aperfeiçoe progressivamente, sempre ampliando a idéia que faz de seu autor.

O homem conhece Deus apenas pelos nomes que dá a esse Ser dos seres e só o distingue pelas imagens que dele tenta traçar. Assim, ele é de certo modo o criador daquele que o criou. Acredita-se o espelho de Deus e, ampliando indefinidamente sua própria miragem, acredita poder esboçar no espaço infinito a sombra daquele que é sem corpo, sem sombra e sem espaço.

CRIAR DEUS, CRIAR-SE A SI PRÓPRIO, TORNAR-SE INDEPENDENTE, IMPASSÍVEL E IMORTAL: aí está com certeza um programa mais temerário do que o sonho de Prometeu. Pois bem, esse programa é paradoxal apenas na forma que empresta a uma falsa e sacrílega interpretação. Num sentido ele é perfeitamente razoável, e a ciência dos adeptos promete realizá-lo e dar-lhe uma perfeita execução.

O homem, com efeito, cria um Deus conforme à sua própria inteligência e à sua própria bondade, não pode elevar seu ideal mais alto do que lhe permite seu desenvolvimento moral. O Deus que ele adora é sempre seu próprio reflexo aumentado. Conceber o que seja o absoluto em bondade e em justiça é ser ele próprio muito justo e muito bom.

As qualidades do espírito, as qualidades morais são riquezas, e as maiores de todas as riquezas. É preciso adquiri-las pela luta e pelo trabalho. Objetar-nos-ão a desigualdade das aptidões e as crianças que nascem com uma organização mais perfeita. Mas devemos crer que tais organizações são o resultado de um trabalho mais avançado da natureza e que as crianças delas dotadas adquiriram-nas, senão por seus próprios esforços, ao menos pelas obras solidárias dos seres humanos a quem sua existência está ligada. É um segredo da natureza, que nada faz ao acaso; a propriedade das faculdades intelectuais mais desenvolvidas como a do dinheiro e das terras constitui um direito imprescritível de transmissão e de herança.

Sim, o homem é chamado a terminar a obra de seu Criador, e cada um dos instantes por ele empregados para tornar-se melhor ou perder-se é decisivo para toda uma eternidade. É pela conquista de uma inteligência para sempre reta e de uma vontade para sempre justa que ele se torna vivo para a vida eterna, pois que nada sobrevive à injustiça e ao erro, a não ser a pena por sua desordem. Compreender o bem é querê-lo, e, na ordem da justiça, querer é fazer. Eis por que o Evangelho nos diz que os homens serão julgados segundo suas obras.

Nossas obras tanto nos fazem o que somos, que, como já dissemos, nosso corpo sofre modificação com nossos hábitos e, algumas vezes, transformação total de sua forma.

Uma forma conquistada ou suportada torna-se para toda a existência uma providência ou uma fatalidade. Essas figuras estranhas que os egípcios davam aos símbolos humanos da divindade representam as formas fatais. Tífon, por sua boca de crocodilo, está condenado a devorar incessantemente para encher seu ventre de hipopótamo. Assim, por sua voracidade e sua fealdade, é consagrado à destruição eterna.

O homem pode matar ou vivificar suas faculdades pela negligência ou pelo abuso. Pode criar para si faculdades novas pelo bom uso das que recebeu da natureza. Freqüentemente se diz que as afeições não podem ser comandadas, que a fé não é possível a todos, que não se refaz o caráter, e todas essas asserções são verdadeiras apenas para os preguiçosos ou os perversos. Alguém pode se tornar crente, piedoso, amante, devoto, quando sinceramente o quer. Pode-se dar a calma da justeza ao espírito como a onipotência da justiça à vontade. Pode-se reinar no céu pela fé, e na terra pela ciência. O homem que sabe comandar a si próprio é rei de toda a natureza.

Vamos mostrar, neste último livro, por que meios os verdadeiros iniciados tornaram-se mestres de vida comandando a dor e a morte; como operam em si mesmos e nos outros as transformações de Proteu; como exercem as adivinhações de Apolônio; como fazem o ouro de Raimundo Lúlio e de Flamel; como possuem, para renovar sua juventude, os segredos de Postel, o Ressuscitado, e do fabuloso Cagliostro. Vamos dizer, enfim, a última palavra da magia.

CAPÍTULO I

Da transformação. A vara de Circe.

O banho de Medéia. A magia vencida por suas próprias armas.

O grande arcano dos jesuítas e o segredo de seu poder

A Bíblia conta que o rei Nabucodonosor, no auge de seu poder e orgulho, foi repentinamente transformado em besta.

Fugiu para lugares selvagens, pôs-se a pastar a relva, deixou crescer a barba, os cabelos e todo o pêlo do corpo, bem como as unhas, e permaneceu nesse estado durante sete anos.

Em nosso Dogma e Ritual da Alta Magia, dissemos o que pensamos dos mistérios da licantropia, ou seja, da metamorfose dos homens em lobisomens.

Todos conhecem a fábula de Circe e compreendem sua alegoria.

O ascendente fatal de uma pessoa sobre outra é a verdadeira vara de Circe.

Sabe-se que quase todas as fisionomias humanas portam alguma semelhança com um animal, isto é, a assinatura de um instinto especializado.

Ora, os instintos são balanceados pelos instintos contrários e dominados por instintos mais fortes.

Para dominar os carneiros, o cão explora o medo do lobo.

Se vós sois cão, e se quereis que uma linda gatinha vos ame, tendes apenas uma medida a tomar: metamorfosear-vos em gato.

Como? Pela observação, imitação e imaginação. Pensamos que se compreende aqui nossa linguagem figurada, e recomendamos essa revelação a todos os magnetistas; aí está o mais profundo de todos os segredos de sua arte.

Eis sua fórmula em termos técnicos:

“Polarizar sua própria luz animal, em antagonismo equilibrado com um pólo contrário.”

Ou então:

Concentrar em si mesmo as especialidades absorventes para dirigir as irradiantes para uma morada absorvente; e vice-versa.

Esse governo de nossa polarização magnética pode ser feito com o auxílio das formas animais de que falamos, e que servirão para fixar a imaginação.

Demos um exemplo:

Quereis agir magneticamente sobre uma pessoa polarizada como vós, o que sabereis no primeiro contato, se fordes magnetizador; porém, ela é um pouco menos forte que vós: é um rato, sois uma ratazana. Fazei-vos gato, e tomá-la-eis.

Num dos admiráveis contos que não inventou, mas que narrou melhor do que ninguém, Perrault põe em cena um mestre gato que, por seus ardis, induz um ogro a metamorfosear-se em rato; mal ele acabara de fazê-lo, foi devorado pelo gato. Os contos da Mamãe Gansa seriam, como o Asno de Ouro, de Apuleio, verdadeiras lendas mágicas, e ocultariam, sob a aparência pueril, os formidáveis segredos da ciência?

Sabe-se que os magnetizadores dão à água pura, apenas com a imposição das mãos, isto é, de sua vontade expressa por um sinal, as propriedades e o sabor do vinho, dos licores e de todos os medicamentos possíveis.

Sabe-se também que os domadores de animais ferozes subjugam os leões fazendo-se eles mesmos mental e magneticamente mais fortes e mais ferozes que os leões.

Jules Gérard, o intrépido matador de leões da África, seria devorado se tivesse medo. Mas, para não ter medo de um leão, é preciso, por um esforço de imaginação e de vontade, fazer-se mais forte e mais selvagem que o próprio animal; é preciso dizer a si mesmo: O leão sou eu, e este animal diante de mim é apenas um cão que deve sentir medo.

Fourier sonhara os antileões: Jules Gérard realizou essa quimera do sonhador falansteriano.

Mas, para não temer os leões, basta ser um homem corajoso e ter armas, dirão.

Não, isso não basta. É preciso, por assim dizer, conhecer de cor seu leão, calcular as investidas do animal, adivinhar seus ardis, evitar suas garras, prever seus movimentos, numa palavra, ser mestre na profissão de leão, como diria o bom La Fontaine.

Os animais são os símbolos vivos dos instintos e das paixões dos homens. Se tornais um homem temeroso, vós o transformais em lebre; se, ao contrário, impeli-o à ferocidade, fazeis dele um tigre. A vara de Circe é o poder fascinador da mulher; e os companheiros de Ulisses transformados em porcos não são uma história apenas daquele tempo.

Mas nenhuma metamorfose se opera sem destruição. Para transformar um gavião em pomba, é necessário primeiro matá-lo, depois cortá-lo em pedaços, de modo a destruir até o menor vestígio de sua primeira forma, depois fervê-lo no banho mágico de Medéia.

Vede como os hierofantes modernos procedem para realizar a regeneração humana; como fazem, por exemplo, na religião católica para transformarem um homem mais ou menos fraco e apaixonado num estóico missionário da Companhia de Jesus.

Aí está o grande segredo dessa ordem venerável e terrível, sempre desconhecida, freqüentemente caluniada e sempre soberana.

Lede atentamente o livro intitulado os Exercícios de Santo Inácio e vede com que mágico poder esse gênio opera a realização da fé.

Ele ordena a seus discípulos que vejam, toquem, cheirem, degustem as coisas invisíveis; quer que os sentidos sejam exaltados na oração até a alucinação voluntária. Meditais sobre um mistério da fé, Santo Inácio quer primeiramente que construais um lugar, que o sonheis, vejais, toqueis. Se é o inferno, ele vos faz tatear rochas ardentes, nadar em trevas espessas como o pez, coloca em vossa língua enxofre líquido, enche vossas narinas de um abominável mau cheiro; mostra-vos atrozes suplícios, vos faz ouvir gemidos sobre-humanos; diz à vossa vontade para criar tudo isso através de exercícios persistentes. Cada um o faz a seu modo, mas sempre da forma mais capaz de impressioná-lo. Não é mais a embriaguez do haxixe servindo à fraude do Velho da Montanha; é um sonho sem sono, uma alucinação sem loucura, uma visão racional e intencional, uma criação verdadeira da inteligência e da fé. Daí em diante, ao pregar, o jesuíta poderá dizer: É o que vimos com nossos olhos, o que ouvimos com nossos ouvidos, o que nossas mãos tocaram, é isso o que vos anunciamos. O jesuíta assim formado comunga com um círculo de vontades exercitadas como a sua: desse modo, cada um dos padres é forte como a sociedade, e a sociedade é mais forte que o mundo.

CAPÍTULO II

Como se pode conservar e renovar a juventude. Os segredos de Cagliostro.

A possibilidade da ressurreição. Exemplo de Guilherme Postel, dito

o Ressuscitado. De um operário taumaturgo, etc.

Sabemos que uma vida sóbria, moderadamente laboriosa e perfeitamente regular geralmente prolonga a existência. Mas é pouco, a nosso ver, a prolongação da velhice; temos o direito de pedir à ciência que professamos outros privilégios e outros segredos.

Ser por muito tempo jovem, ou mesmo voltar a sê-lo, eis o que pareceria, com razão, desejável e precioso para a maioria dos homens. É possível? É o que vamos examinar.

O famoso conde de Saint-Germain morreu, não duvidamos disso; mas nunca o viram envelhecer. Aparentava sempre quarenta anos, e no auge de sua celebridade afirmava ter mais de oitenta.

Ninon de l’Enclos, tendo atingido uma idade avançada, era ainda uma mulher jovem, bela e sedutora. Morreu sem ter envelhecido.

Desbarrolles, o célebre quiromante, há muito tempo é para todo o mundo um homem de trinta e cinco anos. Sua certidão de nascimento diria outra coisa, se ousasse mostrar-se; mas ninguém acreditaria.

Cagliostro sempre foi visto com a mesma idade, e não apenas pretendia possuir um elixir que devolvia aos idosos, por um instante, todo o vigor da juventude, como também gabava-se de operar a regeneração física por meios que detalhamos e analisamos em nossa História da Magia.

Cagliostro e o conde de Saint-Germain atribuíam a conservação de sua juventude à existência e ao uso da medicina universal, inutilmente procurada por tantos sopradores e alquimistas.

Um iniciado do século XVI, o bom e sábio Guilherme Postel, não afirmava possuir o grande arcano da filosofia hermética; e no entanto, após o terem visto velho e alquebrado, viram-no novamente com uma tez vermelha e sem rugas, barba e cabelos negros, corpo ágil e vigoroso. Seus inimigos pretenderam que ele se maquiava e que tingia os cabelos; pois os zombeteiros e os falsos sábios necessitam de uma explicação qualquer para fenômenos que não compreendem.

O grande meio mágico para conservar a juventude do corpo é impedir a alma de envelhecer, conservando-lhe preciosamente o frescor original de sentimentos e pensamentos que o mundo corrompido denomina ilusões, e a que chamaremos miragens primitivas da verdade eterna.

Acreditar na felicidade da terra, na amizade, no amor, numa Providência materna que conta todos os nossos passos e recompensará todas as nossas lágrimas é ser perfeitamente ingênuo, dirá o mundo corrompido; e não vê que o ingênuo é ele, que se acredita forte privando-se de todas as delícias da alma.

Acreditar no bem da ordem moral é possuir o bem: e é por isso que o Salvador do mundo prometia o reino do céu aos que se tornassem semelhantes às criancinhas. O que é a infância? É a idade da fé. A criança ainda nada sabe da vida; desse modo, resplandece de imortalidade confiante. Como poderia duvidar da dedicação, da ternura, da amizade, do amor, da Providência, quando está nos braços de sua mãe?

Fazei-vos crianças de coração e permanecereis jovens de corpo.

As realidades de Deus e da natureza superam infinitamente em beleza e bondade toda a imaginação dos homens. Assim, os empedernidos são pessoas que nunca souberam ser felizes; e os desiludidos provam, por seus dissabores, que beberam apenas em fontes lamacentas. Para gozar os prazeres, mesmo sensuais, da vida, é preciso ter o sentido moral; e os que caluniam a existência certamente deles abusaram.

A alta magia, como provamos, reconduz o homem às leis da mais pura moral. Vel sanctum invenit, vel sanctum facit, disse um adepto; pois ela nos faz compreender que, para ser feliz, mesmo neste mundo, é preciso ser santo.

Ser santo! é fácil dizer; mas como dar-se a fé, quando não se acredita mais? Como reencontrar o gosto da virtude num coração tornado insípido pelo vício?

Trata-se aqui de recorrer aos quatro verbos da ciência: saber, ousar, querer e calar-se.

É preciso impor silêncio aos dissabores, estudar o dever e começar por praticá-lo como se o amasse.

Vós sois incrédulo, por exemplo, e gostaríeis de tornar-vos cristão.

Fazei os exercícios de um cristão. Orai regularmente, servindo-vos das fórmulas cristãs; aproximai-vos dos sacramentos supondo a fé, e a fé virá. Aí está o segredo dos jesuítas, contido nos exercícios espirituais de Santo Inácio.

Por exercícios análogos, um tolo, se o quisesse com perseverança, tornar-se-ia um homem inteligente.

Mudando-se os hábitos da alma, mudam-se certamente os do corpo: já o dissemos e explicamos como.

O que contribui, sobretudo, para envelhecer-nos tornando-nos feios são os pensamentos rancorosos e amargos, os julgamentos desfavoráveis que fazemos dos outros, nossas raivas por orgulho ferido e paixões malsatisfeitas. Uma filosofia benevolente e doce evitar-nos-ia todos esses males.

Se fechássemos os olhos aos defeitos do próximo, levando em conta apenas suas boas qualidades, encontraríamos o bem e a benevolência em toda a parte. O homem mais perverso tem seu lado bom e abranda-se quando se sabe abordá-lo. Se nada tivésseis em comum com os vícios dos homens, nem mesmo os perceberíeis. A amizade e as dedicações que ela inspira encontram-se até nas penitenciárias e nas prisões de forçados. O horrível Lacenaire devolvia fielmente o dinheiro que lhe haviam emprestado, e várias vezes teve atos de generosidade e beneficência. Não tenho dúvidas de que na vida criminosa de Cartouche e Mandrin tenha havido lances de virtude capazes de tirar lágrimas dos olhos. Nunca houve ninguém totalmente mau nem totalmente bom. “Ninguém é bom, a não ser Deus”, disse o melhor dos mestres.

O que tomamos em nós por zelo da virtude é freqüentemente apenas um secreto amor-próprio dominador, um ciúme dissimulado e um instinto orgulhoso de contradição. “Quando vemos desordens manifestas e pecadores escandalosos”, dizem os autores da teologia mística, “cremos que Deus os submete a maiores provas do que nós, que certamente, ou pelo menos muito provavelmente, não as merecemos, e que faríamos bem pior em seu lugar.”

A paz! a paz! Tal é o bem supremo da alma, e foi para nos dar esse bem que Cristo veio ao mundo.

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que desejam o bem!, clamavam os espíritos do céu quando o Salvador acabava de nascer.

Os antigos pais do cristianismo contavam um oitavo pecado capital: a tristeza.

De fato, o próprio arrependimento para o verdadeiro cristão não é uma tristeza, é um consolo, uma alegria e um triunfo. “Queria o mal e não o quero mais, estava morto e estou vivo. O pai do filho pródigo matou o novilho gordo porque seu filho voltou, que pode fazer o filho pródigo? Chorar, um pouco de confusão, mas sobretudo de alegria!

Existe apenas uma coisa triste no mundo, é a loucura e o pecado. Visto que estamos livres, riamos e gritemos de alegria, pois estamos salvos e todos os mortos que nos amam regozijam-se no céu!

Todos trazemos em nós um princípio de morte e um princípio de imortalidade. A morte é a besta, e a besta sempre produz a tolice. Deus não ama os tolos, pois seu espírito divino denomina-se espírito de inteligência. A tolice expia pela dor e escravidão. O bastão é feito para as bestas.

Um sofrimento é sempre uma advertência, tanto pior para o que não sabe compreender. Quando a natureza puxa a corda é porque estamos andando de lado, quando bate é porque o perigo urge. Ai, então, de quem não reflete!

Quando estamos maduros para a morte, deixamos a vida sem pesar e nada nos faria retornar; mas quando a morte é prematura a alma lamenta a perda da vida, e um taumaturgo hábil poderia chamá-la de volta ao corpo. Os livros sagrados indicam-nos o procedimento que se deve, então, adotar. O profeta Elias e o apóstolo São Paulo empregaram-nos com sucesso. Trata-se de magnetizar o defunto colocando os pés sobre seus pés, as mãos sobre suas mãos, a boca sobre sua boca, depois reunir toda a vontade e chamar a si longamente a alma evadida com todas as benevolências e carinhos mentais de que se é capaz. Se o operador inspira à alma defunta muita afeição, ou um grande respeito, se no pensamento que lhe comunica magneticamente o taumaturgo pode persuadi-la de que a vida lhe é ainda necessária e que dias felizes lhe estão ainda prometidos aqui embaixo, ela certamente retomará, e para os homens de ciência vulgar a morte aparente terá sido apenas uma letargia.

Foi após uma letargia semelhante que Guilherme Postel, chamado de volta à vida pelos cuidados da mãe Joana, reapareceu com uma juventude nova e passou a chamar-se Postel, o Ressuscitado, Postellus restitutus.

No ano de 1799, havia no subúrbio de Santo Antônio, em Paris, um ferrador que se fazia passar por adepto da ciência hermética, chamava-se Leriche e passava por ter operado, pela medicina universal, curas milagrosas e até mesmo ressurreições. Uma dançarina da ópera, que acreditava nele, um dia foi procurá-lo em lágrimas e disse-lhe que seu amante morrera. O senhor Leriche acompanhou-a à casa mortuária. Quando entrava, uma pessoa que saía disse-lhe: “É inútil o senhor subir, ele morreu há seis horas.” “Não importa”, disse o ferrador, “já que eu vim, vou vê-lo.” Subiu, encontrou um cadáver com o corpo todo gelado, exceto na cavidade do estômago, onde ele acreditou sentir ainda um pouco de calor. Mandou acender um grande fogo, operou fricções em todo o corpo com toalhas quentes, esfregou-o com medicina universal diluída em álcool (sua pretensa medicina universal devia ser um pó mercurial análogo ao quermes das farmácias), enquanto isso a amante do morto chorava e chamava-o à vida com as mais ternas palavras. Após uma hora e meia de semelhantes cuidados, Leriche pôs um espelho diante do rosto do paciente e achou-o levemente embaçado. Os cuidados foram redobrados e logo houve um sinal de vida mais acentuado; colocaram-no, então, num leito bem aquecido e poucas horas depois ele retomara inteiramente à vida. Esse ressuscitado chamava-se Candy, viveu, desde então, sem nunca adoecer. Em 1845, vivia ainda e morava na praça Chevalier-du-Guet, n° 6. Contava sua ressurreição a quem quisesse ouvir, e provocava o riso dos médicos e dos membros do conselho profissional de seu bairro. O bom homem consolava-se à maneira de Galileu e respondia-lhes: “Oh! riam o quanto quiserem. Tudo o que sei é que o médico-legista tinha vindo, que a inumação estava permitida, que dezoito horas mais tarde iam me enterrar e que aqui estou.”

CAPÍTULO III

O grande arcano da morte

Entristecemo-nos com freqüência ao pensar que a mais bela vida deve terminar, e a aproximação deste terrível desconhecido a que se denomina morte faz com que nos enfastiemos com todas as alegrias da existência.

Por que nascer, se se deve viver tão pouco? Por que educar com tantos cuidados crianças que morrerão? Eis o que pergunta a ignorância humana em suas mais freqüentes e mais tristes dúvidas.

Eis também o que vagamente se pode perguntar o embrião humano ao aproximar-se o nascimento que vai lançá-lo num mundo desconhecido, despojando-o de seu invólucro protetor. Estudemos o mistério do nascimento e teremos a chave do grande arcano da morte.

Lançado pelas leis da natureza no ventre de uma mulher, o espírito encarnado acorda aí lentamente, e com esforço cria em si órgãos indispensáveis mais tarde, mas que, à medida que crescem, aumentam seu mal-estar na situação presente. O tempo mais feliz da vida do embrião é aquele em que, sob a simples forma de uma crisálida, estende à sua volta a membrana que lhe serve de abrigo e que nada com ele num fluido nutriente e conservador. Ele é, então, livre e impassível, vive da vida universal e recebe o cunho das lembranças da natureza que determinarão, mais tarde, a configuração de seu corpo e a forma dos traços de seu rosto. Essa idade feliz poderia chamar-se a infância do embrião.

A seguir vem a adolescência, a forma humana torna-se distinta e o sexo determina-se, um movimento opera-se no ovo materno semelhante aos vagos devaneios da idade que sucede à infância. A placenta, que é o corpo externo e real do feto, sente germinar em si algo de desconhecido que já tende a escapar-se, rompendo-a. A criança, então, entra mais distintamente na vida dos sonhos, seu cérebro, invertido como um espelho de sua mãe, reproduz com tanta força as imaginações desta, que comunica sua forma aos próprios membros. Sua mãe, então, é para ele o que Deus é para nós, é uma providência desconhecida, invisível, a que ele aspira a ponto de identificar-se em tudo com o que ela admira. Está preso a ela, vive através dela e não a vê, nem mesmo pode compreendê-la, e se pudesse filosofar talvez negasse a existência pessoal e a inteligência dessa mãe que para ele ainda é apenas uma prisão fatal e um aparelho conservador. Pouco a pouco, no entanto, essa sujeição incomoda-o, agita-se, atormenta-se, sofre, sente que sua vida vai terminar. Chega uma hora de angústia e convulsão, seus liames desprendem-se, sente que vai cair no abismo do desconhecido. Está feito, ele cai, uma sensação dolorosa oprime-o, um frio estranho invade-o, solta um último suspiro que se transforma num primeiro grito; morreu para a vida embrionária, nasceu para a vida humana!

Na vida embrionária, parecia-lhe que a placenta era seu corpo, e de fato era seu corpo especial embrionário, corpo inútil para uma outra vida e que deve ser rejeitado como uma imundície no instante do nascimento.

Nosso corpo na vida humana é como um segundo invólucro inútil para a terceira vida e é por isso que o rejeitamos no instante de nosso segundo nascimento.

A vida humana comparada à vida celeste é um verdadeiro embrionato. Quando as más paixões nos matam, a natureza aborta e nascemos antes do tempo para a eternidade, o que nos expõe à dissolução terrível a que São João chama segunda morte.

Segundo a tradição constante dos extáticos, os abortos da vida humana permanecem nadando na atmosfera terrestre que eles não podem ultrapassar e que aos poucos os absorve e os afoga. Têm a forma humana, mas sempre imperfeita e truncada: a um falta a mão, a outro um braço, este já tem só o tronco, este último é uma cabeça pálida que rola. O que os impediu de subirem ao céu foi um ferimento recebido durante a vida humana, ferimento moral que causou uma disformidade física e, por esse ferimento, pouco a pouco toda sua existência se vai.

Logo, sua alma imortal ficará nua e, para esconder sua vergonha criando a qualquer preço um novo véu, será obrigada a arrastar-se nas trevas exteriores e a atravessar lentamente o mar morto, isto é, as águas adormecidas do antigo caos.

Essas almas feridas são as larvas do segundo embrionato, alimentam seu corpo aéreo com o vapor do sangue propagado e temem a ponta das espadas. Freqüentemente ligam-se aos homens viciados e vivem de sua vida como o embrião vive no seio da mãe; podem, então, tomar as mais horríveis formas para representar os desejos desenfreados dos que as alimentam, e são elas que aparecem sob a forma de demônios aos miseráveis operadores das obras sem nome da magia negra.

Essas larvas temem a luz, sobretudo a luz dos espíritos. Um clarão de inteligência basta para fulminá-las e precipitá-las nesse mar morto que não se deve confundir com o lago Asfaltite, na Palestina. Tudo o que aqui revelamos pertence à tradição hipotética dos videntes e só pode ser afirmado diante da ciência em nome dessa filosofia excepcional que Paracelso chamava a filosofia da sagacidade, philosophia sagax.

CAPÍTULO IV

O grande arcano dos arcanos

O grande arcano, isto é, o segredo indizível inexplicável, é a ciência absoluta do bem e do mal.

“Quando tiverdes comido o fruto desta árvore, sereis como deuses”, diz a serpente.

“Se comerdes, morrereis”, responde a sabedoria divina.

Assim, o bem e o mal frutificam numa mesma árvore e brotam de uma mesma raiz.

O bem personificado é Deus.

O mal personificado é o diabo.

Saber o segredo ou a ciência de Deus é ser Deus.

Saber o segredo ou a ciência do diabo é ser o diabo.

Querer ser ao mesmo tempo Deus e diabo é absorver em si a antinomia mais absoluta, as duas forças contrárias mais tensas; é querer abrigar um antagonismo infinito.

É beber um veneno que apagaria os sóis e que consumiria mundos.

É vestir a túnica devorante de Dejanira.

É votar-se à mais pronta e mais terrível de todas as mortes.

Ai daquele que quer saber demais! Pois se a ciência excessiva e temerária não o matar o tornará louco!

Comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal é associar o mal ao bem e assimilá-los um ao outro.

É cobrir com a máscara de Tífon o rosto irradiante de Osíris.

É erguer o véu sagrado de Ísis, é profanar o santuário.

O temerário que ousa olhar o sol sem sombra torna-se cego e, então, para ele o sol é negro!

É proibido contarmos mais, terminaremos nossa revelação pela figura de três pentáculos.

Essas três estrelas dizem o bastante, pode-se compará-las àquelas que desenhamos no início de nossa história da magia, e reunindo as quatro será possível chegar a entrever o grande arcano dos arcanos.

Primeiro Pantáculo, a estrela branca

A estrela dos Três Magos

Segundo Pantáculo, a estrela negra

A má estrela

Terceiro Pentáculo, a estrela vermelha

Pentagrama do divino Paracleto

Agora, para completar nossa obra, resta-nos dar a grande chave de Guilherme Postel.

Essa chave é a do tarô. Vêem-se aí os quatro naipes, paus, copas, espada, ouros ou círculo, que correspondem aos quatro pontos cardeais do céu e aos quatro animais ou signos simbólicos, os números e as letras dispostos em círculo, depois os sete signos planetários com a indicação de sua tríplice repetição expressa nas três cores, para significar o mundo natural, o mundo humano e o mundo divino, cujos emblemas hieroglíficos compõem os vinte e um grandes trunfos de nosso jogo atual de tarô.

No centro do anel, vê-se o duplo triângulo formando a estrela ou selo de Salomão, é o ternário religioso e metafísico análogo ao ternário natural da geração universal na substância equilibrada.

c

s

t

n h v k t n h k t

a

h

,

n h v k t s n t h u

s u t h t h u s u t h t h

Em volta do triângulo está a cruz que divide o círculo em quatro partes iguais, assim os símbolos da religião reúnem-se às linhas da geometria, a fé completa a ciência e a ciência dá a razão da fé.

Com o auxílio dessa chave pode-se compreender o simbolismo universal do antigo mundo e comprovar suas surpreendentes analogias com nossos dogmas. Reconhecer-se-á assim que a revelação divina é permanente na natureza e na humanidade; sentir-se-á que o cristianismo não trouxe senão a luz e o calor ao templo universal ao fazer descer nele o espírito de caridade que é a vida do próprio Deus.

A Chave do Grande Arcano

EPÍLOGO

Graças vos sejam dadas, meu Deus, porque vós me chamasses a essa admirável luz. Sois a inteligência suprema e a vida absoluta desses números e dessas forças que vos obedecem para povoar o infinito com uma criação inesgotável. As matemáticas vos provam, as harmonias vos cantam, as formas passam e vos adoram!

Abraão conheceu-vos, Hermes adivinhou-vos, Pitágoras calculou vossos movimentos, Platão aspirava a vós em tolos os sonhos de seu gênio; mas um único iniciador, um único sábio vos revelou aos filhos da terra, um único pôde dizer de vós: Meu pai e eu somos apenas um; glória seja, pois, para ele, pois que toda sua glória é para vós!

Pai, vós o sabeis, aquele que escreve estas linhas muito lutou e sofreu; suportou a pobreza, a calúnia, a proscrição odiosa, a prisão, o abandono dos que amava, e, no entanto, nunca se julgou infeliz, porque restava-lhe por consolo a verdade e a justiça!

Vós sois o único santo, Deus dos corações verdadeiros e das almas justas, e sabeis se algum dia acreditei estar puro diante de vós; fui como todos os homens o joguete das paixões humanas, depois venci-as, ou antes, venceste-as em mim, e destes-me, para que aí repousasse, a paz profunda dos que buscam e ambicionam a vós somente.

Amo a humanidade porque os homens, enquanto não são insensatos, nunca são maus a não ser por erro ou fraqueza. Amam naturalmente o bem e é por esse amor, que lhes destes como um sustentáculo em meio a suas provações, que devem ser reconduzidos cedo ou tarde ao culto da justiça pelo amor da verdade.

Que meus livros vão agora onde Vossa Providência os enviar. Se contiverem as palavras de vossa sabedoria, serão mais fortes que o esquecimento, se ao contrário contiverem apenas erros, sei ao menos que meu amor pela justiça e pela verdade lhes sobreviverá, e que assim a imortalidade não pode deixar de recolher as aspirações e os votos de minha alma que criastes imortal!

Eliphas Levi

FIM

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alta-magia/a-chave-dos-grandes-misterios/

A Ascensão Tifoniana: O Legado Mágico de Kenneth Grant

Matthew Levi Stevens

Onze anos após a morte do autor, ocultista e poeta britânico Kenneth Grant (1924-2011), estamos apenas agora começando a ver as primeiras tentativas de avaliar o impacto e o legado do homem que foi o último estudante e secretário do famoso Aleister Crowley, e que muitos acreditam ser seu sucessor natural.

Grant também foi um amigo próximo do mago artista Austin Osman Spare, apoiando-o em seus últimos anos, teve o padrinho de Wicca, Gerald Gardner, como um colega e às vezes rival, assim como durante seu tempo com Crowley e conheceu a Sacerdotisa da Nova Era, Dion Fortune. Como tal, Grant teve contato direto com quatro das figuras mais influentes do Renascimento Mágico e Místico dos meados do século XX.

Com relação a seu próprio trabalho, os nove volumes das três “Trilogias Tifonianas” de Grant escritos ao longo das três décadas de 1972 a 2003 – assim como vários volumes de ficção com temática oculta, e memórias das personalidades mágicas que ele encontrou – abrangem temas como Alquimia, Cabala, Controle de Sonhos, Egiptologia, Mitos de Cthulhu de H. P. Lovecraft, Caminho da Mão Esquerda, Magia Sexual, Surrealismo, Tantra, Thelema, Budismo Tibetano, Ufologia, Bruxaria e Vodu, que são um retrato único do Renascimento Oculto Moderno, assim como indiscutivelmente uma de suas correntes mais criativas.

Então, quem era exatamente Kenneth Grant?

Nascido em 23 de maio de 1924, muito pouco se sabe sobre os antecedentes de Grant ou sobre a sua biografia real. Ele era um homem intensamente reservado, que apesar – ou talvez até mesmo por causa – da natureza de seu trabalho e a notoriedade de seu mentor, Aleister Crowley, seguia uma rígida política de não divulgação, semelhante ao apagamento da história pessoal defendida nos livros de Carlos Castañeda.

Por sua própria natureza, algo como um jovem livreiro, sonhador, fascinado pela magia e pelo misticismo, o jovem Grant havia experimentado projeção astral e, aos 15 anos de idade, o que ele vivia eram contatos espontâneos de um ser que se chamava Aushik ou Aossic, que mais tarde identificaria como seu Santo Anjo Guardião. Grant tinha encontrado Magick In Theory and Practice (Magia em Teoria e Prática) de ‘Mestre Therion’ (um pseudônimo de Crowley’s) na livraria Charing Cross Road, Zwemmer’s, e, sentindo aqui talvez uma chave para entender – ou mesmo controlar – suas experiências, convenceu Michael Houghton, proprietário da Livraria The Atlantis Bookshop, a colocá-lo em contato com o autor. Houghton declinou, no entanto – as razões para isso não são claras – mas o que é um assunto de registro é que Grant, depois de escrever pela primeira vez, finalmente se encontrou com Crowley. Era dezembro de 1945, e quando eles apertaram as mãos pela primeira vez a música Shine On Harvest Moon estava tocando no rádio em segundo plano.

Foi assim que o jovem Kenneth Grant se tornou, por um tempo, um assistente-secretário do velho Magus ao abandonar Londres devastada pela Blitzkrieg, pela paz, tranquilidade e relativa segurança de uma hospedaria na costa sul. Foi em ‘Netherwood’ em Hastings, onde A Grande Besta terminou seus dias apenas três curtos anos depois, que Grant se tornaria aprendiz da Magia de Crowley a sério, e seria iniciado em sua Ordo Templi Orientis, conheceria pessoas como Dion Fortune, Gerald Gardner e Lady Frieda Harris, a artista talentosa que ilustrou o superlativo Livro do Tarô de Toth de Crowley. Ele também tomou conhecimento da ainda extensa rede de correspondência de Crowley com ocultistas no exterior – tais como Karl Germer e Eugen Grosche na Alemanha, e Jane Wolfe, W. T. Smith e Jack Parsons na América. Por um tempo, parece até que a Besta envelhecida estava preparando o jovem Grant para ser um possível sucessor, referindo-se a ele como um “Presente dos Deuses“, e anotando em seu diário:

“…o valor de Grant. Se eu morrer ou for para os EUA, deve haver um homem treinado para cuidar da OTO inglesa.”

Mas mesmo nesta fase inicial, a propensão de Grant para o devaneio e para o outro mundo desnorteou e frustrou o homem mais velho, que – afinal de contas – procurava assistência prática, no dia-a-dia, em primeiro lugar, e treinar um herdeiro, em segundo. Finalmente tudo se tornou demais – particularmente para Grant, que sentia falta de sua noiva Steffi – e Crowley o deixou ir, mas não antes de iniciar Grant no Grau IXO da O.T.O. e de fornecê-lo com uma Carta para montar um acampamento da Ordem.

Pouco antes da morte de Crowley, Grant também conheceu um homem que mais tarde provaria ser quase tão influente sobre ele quanto A Grande Besta: embora mais na forma de uma eminência parda, que influenciou Grant nos bastidores. Ele forneceu uma iniciação e inspiração que teve um impacto definitivo na reformulação da Thelema de Grant, no propósito e rituais do ramo da O.T.O. que ele fundou, e muito do foco das suas Trilogias Tifonianas. Seu nome era David Curwen.

Um alquimista praticante e aluno do Tantra, que havia dado o passo da devoção a um guru indiano – incomum para um ocidental na época – David Curwen foi mencionado pela primeira vez nas memórias de Grant de 1991, Remembering Aleister Crowley (Relembrando o diário Aleister Crowley):

“David Curwen foi mencionado pela primeira vez nos diários de Crowley, em 2.9.1944. Quando o conheci, pouco antes da morte de Crowley, ele era membro do IX° O.T.O. Sua paixão pela Alquimia era tão grande que ele quase morreu depois de absorver o ouro líquido. Seu conhecimento do Tantra era considerável. Foi através de Curwen que recebi, eventualmente, a iniciação completa em uma fórmula altamente recôndita do Tântrico vama marg.”

Ao discutir a tentativa de Crowley de formular um “elixir” como parte de seu trabalho da magia sexual, Grant menciona um detalhe de relevância fundamental para sua posterior tecelagem de Tantra e Thelema, que seria essencial para sua própria jornada de iniciação:

“Existe um documento relativo a esta fórmula compilado pelo antigo guru de Curwen, um tântrico do sul da Índia. É na forma de um extenso comentário sobre um texto antigo da Escola Kaula. Curwen emprestou a Crowley uma cópia do mesmo.”

O documento em questão era uma cópia do Anandalahari, ou a “Onda de Felicidade“, anotado pelo guru sul-indiano de Curwen e com um Comentário explicando o simbolismo fisiológico – e explicitamente sexual -. Isto forneceu a Grant a chave para desvendar os mistérios ocultos dos Textos Sagrados em Sânscrito, a partir dos quais ele foi capaz de desenvolver – com a ajuda de Curwen – uma visão mais profunda do Tantra do que seu antigo mentor jamais havia conseguido:

Nas instruções que acompanham os graus superiores da O.T.O., não há um relato abrangente do papel crítico dos kalas, ou emanações psicossexuais da mulher escolhida para os ritos mágicos. O comentário foi um abrir de olhos para Crowley, e explicou algumas de suas preocupações durante minha estada no ‘Netherwood’. Estas envolviam uma fórmula de rejuvenescimento. Faltava ao O.T.O. algumas chaves vitais para o verdadeiro segredo da magia que Crowley afirmava ter incorporado nos graus mais altos. Curwen, sem dúvida, sabia mais sobre estes assuntos do que Crowley, e Crowley ficou irritado com isso.

Apesar de suas credenciais externas como ocultista e às vezes transgressor, como um bissexual promíscuo e drogado, Aleister Crowley ainda era, em muitos aspectos, um produto de seu tempo: ele pode não ter sido um misógino, mas sofria de um chauvinismo masculino, todo típico de sua origem vitoriana, privilegiada e branca. Ele também tinha pouco ou nenhum conhecimento do autêntico Tantra de fontes originais, enquanto quando eu troquei cartas e me encontrei brevemente com Kenneth Grant em 1981, ele deixou claro que apesar de sua dedicação de toda sua vida a Crowley e à Lei de Thelema, realmente seu “primeiro amor”, espiritualmente falando, foi o Advaita Vedanta. Esta antiga filosofia hindu da não-dualidade afirma que Atman, ou o Verdadeiro Eu, não é essencialmente diferente do Princípio Universal mais Elevado, ou Brahman. Grant se tornaria por um tempo, nos anos 50, um seguidor do Sábio de Arunachala, Bhagavan Sri Ramana Maharshi, e via sua meditação essencial “Quem sou eu?” como equiparada à busca de Thelema de realizar a Verdadeira Vontade de alguém, escrevendo:

“O espírito natural do Oriente, em sua rotunda mais profunda, está em total concordância com a doutrina de Thelema. Que isto pode ser provado comparando os princípios básicos de Thelema com o Caminho Chinês do Tao, a doutrina Vedântica de Advaita e a filosofia central do Tantricismo Hindu e Budista.”

Vários artigos que Grant escreveu para as revistas anglo-indianas foram posteriormente reunidos e publicados como At the Feet of the Guru (Aos Pés do Guru).

Depois de um período de associação com Gerald Gardner – que também era membro da O.T.O., também com um estatuto para criar um acampamento (embora não haja evidências de que ele alguma vez o tenha utilizado) – Grant criaria um Grupo de Trabalho próprio, “evoluído… para fins de tráfego com os Outer Ones (Exteriores)”, do qual ele escreveu:

“Entre os anos 1955-1962, eu estava envolvido com uma Ordem oculta conhecida como New Ísis Lodge (Nova Loja Ísis). Ela funcionava como uma filial da Ordo Templi Orientis (O.T.O.), com sede em Londres. Fundei a Loja para canalizar transmissões de fontes transplutônicas… O corpo dessas transmissões forma a base das Trilogias Tifonianas.”

Isto causou uma briga com Karl Germer, chefe nominal da O.T.O. quando da morte de Crowley, que sentiu que Grant havia excedido sua autoridade. Houve também conflitos de personalidade porque a New Ísis Lodge havia emitido um manifesto em conjunto com o antigo Grão-Mestre da Fraternitas Saturni alemã, Eugen Grosche, com quem Germer havia se desentendido anteriormente – o resultado foi a expulsão de Grant da Ordem. Este Grant desconsiderou, entretanto, considerando sua autorização de ter vindo do próprio Crowley, e também seus próprios contatos dos “Planos Interiores”. Assim começou a separação dos caminhos entre a Ordem Tifoniana de Grant e o chamado ‘Califado’ O.T.O. reformulado na América por Grady McMurtry.

Uma chave para entender a noção de ‘Gnose Tifoniana é a identificação enfática de Kenneth Grant com Tifón – uma entidade monstruosa da mitologia grega, líder dos Titãs, que fazem guerra contra os deuses do Olimpo, e decididamente feminina – como a Mãe de Set. Grant não hesita em se apropriar deste gigantesco monstro ctônico, de múltiplas asas e membros de cobra, Tifón Primordial, como um avatar da Grande Mãe, ou seja, da própria “Mãe Natureza”, e ousadamente afirma:

“Ela tipificou a primeiro progenitora numa época em que o papel do macho na procriação era insuspeito. Como ela não tinha consorte, ela era considerada uma deusa sem um deus, e seu filho – Set – sendo sem pai, também não tinha deus e era, portanto, o primeiro ‘diabo’, o protótipo do Satã das lendas posteriores.”

Em relação a Set – uma figura sombria e primordial da potência bruta do Egito aborígine, pré-dinástico, mais tarde lançado como o assassino do deus-rei Osíris e depois protótipo do “Deus contra os deuses” – Grant escreveu no prefácio da edição de 1990 do que havia sido originalmente seu primeiro livro, O Renascer da Magia:

“Para nós, que temos o conhecimento interior, herdado ou vencido, resta restaurar os verdadeiros ritos de Átis, Adônis, Osíris, de Set, Serápis, Mitra, e Abel”.

Estas palavras de Aleister Crowley me inspiraram quando jovem e, imaginando-me como um daqueles a quem eram dirigidas, logo descobri que, por alguma razão, não fui capaz de entender que era o deus Set que eu estava sendo chamado a honrar. Assim, tomei a mim mesmo a tarefa de penetrar nos Mistérios deste, o mais antigo dos deuses, e traçar a história de seus ritos desde uma antiguidade indefinida até os dias de hoje.

Os Mistérios Egípcios formam em grande parte o núcleo da Tradição Mágica Ocidental e foram certamente a base para os mitos e rituais da  Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada), onde Crowley tinha aprendido a maior parte do que precisava para seu desenvolvimento posterior. O Antigo Egito como fonte de poder sobrenatural sancionou seu papel como Profeta, e construiu sobre o Éon de Horus de Crowley e O Livro da Lei, tanto quanto Grant cuja principal fonte para sua Gnose Tifoniana foi o controverso trabalho do egiptólogo esotérico autodidata, Gerald Massey.

Em obras monumentais como o Natural Genesis and Ancient Egypt: The Light of the World (Gênesis Natural e o Egito Antigo: A Luz do Mundo), Massey expôs em termos inequívocos o que ele afirmava ser a base afrocêntrica e fisiológica da Gnose: “Os mais antigos símbolos e religiões têm origem na África”. Ele concebeu o Tifón como equivalente à Tauret egípcia, ou Ta-Urt, o hipopótamo “Senhora da Casa de Nascimento”. Ela era a Deusa das Sete Estrelas do Norte (A constelação da Ursa Maior), e seu filho era a Estrela da (Constelação) do Cão (Maior), Sothis ou Sírius (igualado a Set), cuja ascensão heliacal aparecia acima do horizonte pouco antes da inundação do Nilo. A palavra “Tifoniano” se referia àqueles que adoravam esta Deusa Primordial, e os membros de Seu Culto Estelar haviam fugido para o Oriente, levando sua sabedoria com eles, quando os adoradores do Culto Solar ganharam a ascendência. Em muitos aspectos, a maior inovação de Kenneth Grant foi ligar esta Tradição Tifoniana ao Ocultismo Moderno.

Enquanto Grant se baseava extensivamente nas obras de outros ocultistas que o precederam – Blavatsky, Crowley, Fortune, Grosche, Spare – e citou acadêmicos e estudiosos, do sexólogo pioneiro Havelock Ellis ao ‘Egiptosofista’ Gerald Massey, ele também tinha o curioso hábito de referenciar obras de ficção com a uma aparente mesma seriedade. Assim, as discussões sobre a Sabedoria Estelar e a sobrevivência do culto pré-dinástico do primeiro Egito podem incluir, assim como referências a fontes arqueológicas, também material especulativo extraído dos Registros Akáshicos. Comparações com escritos sobre Tantra e Vodu são todas misturadas com as histórias de terror de Bram Stoker, as pulp novels (romances de celulose) de Sax Rohmer, a ficção sobrenatural de Arthur Machen e os ‘Contos Estranhos’ de H. P. Lovecraft.

Grant tinha uma afeição especial por Lovecraft, aparentemente acreditando que ele estava “em alguma coisa” – que seu temido grimório, O Necronomicon, de fato existia no plano astral, e que HPL (Lovecraft) tinha apreendido isso através de seus sonhos, mas era incapaz de aceitar a “verdade” do que ele tinha discernido – que ele era, de fato, um mago inconsciente. Para aumentar a aparente confusão, em várias obras Grant deu relatos – alegadamente dos Anais de sua Nova Loja Ísis – que parecer como algo da prosa roxa de escritores de horror sobrenaturais, e falou de personagens fictícios como se fossem “reais” – e então em suas obras supostamente fictícias ele se baseou em elementos presumivelmente biográficos de sua própria vida, também personagens e locais “reais”.

A meu ver, este exame excessivamente literal de certos escritos, tais como Grant – ou mesmo Carlos Castañeda, com quem às vezes foi comparado – pode passar despercebido. Se Don Juan ‘realmente’ transformou Castañeda em um corvo, ou se eles saltaram da montanha juntos – ou se Crowley ‘realmente’ perguntou a Kenneth Grant se eles eram parentes distantes por meio de um primo compartilhado em um clã estendido, que por acaso estava de posse de uma herança de família na forma de um grimório documentando seu tráfego de gerações – com inteligências de outros mundos – não está nem aqui nem lá. O que Grant está tentando enfatizar – do que ele era um indubitável Mestre – é o uso da ficção ou literatura como uma forma de Glamour mágico.

As palavras podem tecer mundos, as palavras podem conjurar fantasmas – as palavras podem transportar, transformar, e alterar a consciência – o único limite sendo a imaginação. É preciso lembrar que a imaginação se preocupa com a criação de imagens, em cujo respeito está diretamente relacionada à Antiga Heka egípcia: uma palavra que significava tanto “Magia” quanto “a criação de imagens”. O rol de escritores que também eram magos – ou, alternativamente, ocultistas que empregam a ficção como meio de expressar conceitos mágicos – é longa e distinta.

O próprio Grant segue as pegadas de Aleister Crowley e Dion Fortune, ambos com um passado na Golden Dawn e seus descendentes, assim como Algernon Blackwood, J. W. Brodie-Innes, Arthur Machen, Sax Rohmer, Bram Stoker e A. E. Waite. Grant viu as implicações ocultas no trabalho de tais escritores como não sendo tão diferentes das suas próprias:

“Machen, Blackwood, Crowley, Lovecraft, Fortune e outros, frequentemente usaram como tema para seus escritos o influxo de poderes extraterrestres que têm moldado a história de nosso planeta desde o início dos tempos…”

Assim como outros poetas e escritores decadentes e simbolistas, como Baudelaire, Huysmans, Lautréamont e Rimbaud, pintores surrealistas como Salvador Dali, Paul Delvaux, Max Ernst e Yves Tanguy tem uma apreciação especial. Dali em particular foi elogiado como “Um dos maiores magos de nosso tempo” – com Grant passando a explicitar a comparação deste com Spare:

“Spare já havia conseguido isolar e concentrar o desejo em um símbolo que se tornou senciente e, portanto, potencialmente criativo através dos relâmpagos da vontade magnetizada. Dali, parece, levou o processo um passo adiante. Sua fórmula de ‘atividade paranóico-crítica’ é um desenvolvimento do conceito primordial (africano) do fetiche, e é instrutivo comparar a teoria de Spare de ‘sensação visualizada’ com a definição de Dali de pintura como ‘fotografia colorida feita à mão de irracionalidade concreta’. A sensação é essencialmente irracional, e sua delineação em forma gráfica (“fotografia a cores feita à mão”) é idêntica ao método de Spare de “sensação visualizada”.”

A ênfase no uso de tal criatividade, carregada de intenção mágica e dirigida pela vontade treinada, é um conceito chave da Gnose Tifoniana:

“Dion Fortune enfatizou a importância do devaneio conscientemente controlado. Baseando suas práticas em aspectos dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, ela demonstrou o valor mágico do “sonho verdadeiro”, uma expressão derivada do romance de George du Maurier, Peter Ibbetson. A teoria é que se alguém tece um sonho diurno com intensidade suficiente induz a uma abstração tão total dos sentidos que o sonhador se funde num sonho acordado, no qual ele é o criador e mestre de suas próprias fantasias. Se poderosamente formuladas, estas concretizam, reificam e assumem uma realidade igual em grau – e muitas vezes maior – àquela que é experimentada na consciência desperta comum. As vantagens de ser capaz de induzir tal estado são evidentes.”

Talvez mais do que qualquer outro escritor ocultista moderno, Grant enfatizou a importância, potencial e poder de tal criatividade, escrevendo em Aleister Crowley & O Deus Oculto que, “A Grande arte é sempre simples… a verdadeira arte expressa a Eternidade”. Desde o início, a arte de Austin Osman Spare e a esposa de Grant, Steffi, é essencial para a função das Trilogias Tifonianas – o texto ilustra as figuras tanto quanto as figuras ilustram o texto. Mais tarde, em Outside the Circles of Time (Fora dos Círculos do Tempo), Grant escreve a respeito de artistas como Dali, Sidney Sime, Spare, e Tanguy:

“Estes artistas deram um salto em outras dimensões e – este é o ponto importante – voltaram para registrar suas experiências extradimensionais… A arte, no sentido verdadeiro e vital, é um instrumento, uma máquina mágica, um meio de exploração oculta que pode projetar o vidente no reino do invisível, e lançar a mente desperta nos mares do subconsciente.”

Por mais que as obras de Kenneth Grant possam ser documentos inestimáveis da evolução do ocultismo contemporâneo – assim como registros da contribuição de muitas das figuras pioneiras com as quais ele teve contato pessoal – é de se esperar que a maior contribuição de seus livros seja como catalisadores mágicos para o leitor que está preparado para abordá-los sob a mesma luz. Como escreveu a antiga protegida de Grant, Sacerdotisa da Magia de Maat, Nema: “Estes não são apenas livros sobre Magia; são livros que são Magia”.

Usados como portais para o Nightside (Lado Noturno), os nove volumes das Trilogias Tifonianas – assim como os vários outros livros de Grant – podem finalmente servir como guias para aquele lugar de exploração e inspiração além de distinções como ‘fato’ e ‘ficção’ que ele gostava de chamar de “a Zona Malva”.

Como tal, eles podem servir como plataformas de lançamento ou mesmo veículos para aquele lugar que cada um de nós precisa encontrar por si mesmo: o lugar onde a Magia acontece.

Finalmente, para concluir, sei que uma imagem de Grant é frequentemente pintada como autocrático, até mesmo autoritário da “Velha Escola”, o que pode muito bem ter sido assim – várias pessoas me levaram a acreditar que ele era realmente mais fácil de lidar se você não fosse um membro da sua Ordem Tifoniana! – mas não há dúvida da sua óbvia dedicação ao Feminino Daemônico (ou Demoníaco). A  Fellowship of Isis (Irmandade de Ísis), que Grant apoiou, afirmou que ele era “totalmente a favor da Deusa”. Sua defesa da obra de Dion Fortune, de Marjorie Cameron – numa época em que a maioria das pessoas, se é que tinham conhecimento dela, apenas a consideravam como a “viúva de Jack Parsons” – seu encorajamento ativo às sucessivas gerações de mulheres fortes ocultistas, como Janice Ayers, Jan Bailey, Linda Falorio, Margaret Ingalls (a supracitada Nema), Mishlen Linden e Caroline Wise – assim como sua devoção vitalícia à sua esposa, a artista Steffi Grant, cujas obras complementam e ilustram vividamente seus livros – todas atestam isso.

Retrato de Steffi e Kenneth Grant, por Austin Osman Spare.

Sendo o último elo vivo* com Aleister Crowley, Gerald Gardner, Eugen Grosche e Austin Osman Spare, o legado de Kenneth Grant ainda está para ser totalmente avaliado e não voltaremos a ver algo semelhante a ele novamente.

* Kenneth Grant faleceu em janeiro de 2011 aos 86 anos.


Fonte: Tifon Rising: The Magical Legacy of Kenneth Grant.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-do-caos/a-ascensao-tifoniana-o-legado-magico-de-kenneth-grant/

Análise geoquímica do espelho de John Dee

Stuart Campbell, Elizabeth, Yaroslav Kuzmin & Michael D. Glascock

Um dos objetos mais conhecidos em exibição na Galeria do Iluminismo do Museu Britânico é o espelho de obsidiana associado a John Dee, o polímata renascentista, mago e confidente da rainha Elizabeth I. No entanto, outros aspectos do espelho também merecem atenção. Como o aspecto material, por exemplo, a obsidiana é muitas vezes considerada especial; embora amplamente utilizado na fabricação de ferramentas, seu uso para fazer espelhos muitas vezes aumentou seu fascínio e natureza simbólica. Espelhos de obsidiana foram feitos pela primeira vez no sétimo milênio aC no Oriente Próximo, embora espelhos como o associado a Dee provavelmente tenham sido de origem asteca. Como esse espelho em particular chegou a ele na Europa do século XVI não está totalmente claro. Dúvidas até
foram levantadas sobre o quão confiável é sua atribuição a Dee e se na verdade não pode ser uma cópia, feita com obsidiana de origem européia.

Aqui revisamos a história do espelho e sua associação com John Dee, juntamente com artefatos semelhantes no Museu Britânico. Isso inclui a determinação das origens geológicas desses objetos de obsidiana. A pesquisa de um corpus expandido de espelhos mexicanos e artefatos relacionados nos permite colocá-los dentro de uma perspectiva mais ampla, ajudando-nos a entender como os significados associados podem ter acumulado e mudado ao longo do tempo à medida que os objetos movido por diferentes contextos. Esse processo ocorreu em um período crítico da história, em que o espelho John Dee não está apenas associado ao crescente engajamento europeu com o Novo Mundo, mas também passou a simbolizar a relação emaranhada entre ciência e magia no final do Renascimento. A posição contestada do espelho entre culturas e entendimentos do mundo persiste em sua história de coleção mais recente.

John Dee: erudito e mago

John Dee viveu de 1527 a 1608/1609. Ele era um estudioso arquetípico do Renascimento, escrevendo sobre diversos assuntos, incluindo alquimia e astrologia. Dee inicialmente cruzou a linha tênue entre a “magia” natural, que era considerada uma ciência, e a magia demoníaca, que era considerada uma perversão da religião, mas que ele acabou cruzando. Dee acumulou uma vasta biblioteca e coletou uma variedade de equipamentos de navegação. Ele também tinha vários espelhos de vidro que usava para demonstrar ilusões de ótica. Ele estava bem relacionado com os intelectuais europeus e viajou extensivamente na Europa. Em 1558, tornou-se conselheiro científico e astrólogo da rainha Elizabeth I. Entre c. 1550 e 1570, que ele aconselhou em viagens inglesas de descoberta para o Novo Mundo e mostrou grande interesse em relatos dos primeiros encontros espanhóis na região. Na década de 1580, ele se envolveu cada vez mais com o sobrenatural e levou vários videntes ou médiuns para se comunicar com espíritos através do uso de espelhos ou cristais – mais notavelmente Edward Kelley – em seu serviço como intermediários entre ele e os anjos. É por este período de sua vida que ele é mais conhecido na imaginação do público, e provavelmente foi também o momento em que o espelho de obsidiana discutido aqui veio à tona.
Exatamente como e quando Dee obteve esse objeto é incerto. Os espelhos figuram em várias listas de remessas iniciais de artefatos para a Europa dos Habsburgos após a conquista do México (1519-1521), incluindo oito espelhos de vários tipos enviados aos cuidados de Diego de Soto (Martínez 1990: n. 37). Dee teria tido a oportunidade de adquirir um desses espelhos enquanto se misturava em tribunais e círculos diplomáticos durante suas visitas à Europa. Ele pode ter obtido “o espelho durante seus estudos em Louvain durante 1548-1550” . Uma data posterior, no entanto, pode estar mais de acordo com seu interesse crescente pelo ocultismo. Como manteve extensos contatos intelectuais e diplomáticos com o Império Habsburgo, é possível que tenha adquirido o espelho enquanto vivia na Boêmia no início da década de 1580, época em que os objetos do Novo Mundo estavam cada vez mais sendo exibidos no Kunstkammer da Europa.

Por volta de 1770, o espelho estava certamente na posse do político e antiquário Horace Walpole. Uma etiqueta escrita à mão na caixa, escrita pelo próprio Walpole, afirma: “A Pedra Negra na qual o Dr. Dee costumava chamar seus Espíritos”. Isso corresponde aos registros que documentam que a coleção dos Condes de Peterborough passou para Sir John Germain em 1705 e, posteriormente, para Lady Elizabeth Germaine (Ackermann & Devoy 2012: 542–43). Provavelmente fazia parte da coleção do segundo conde de Peterborough, Henry Mordaunt, pois possuía livros sobre ocultismo, e Tait argumentou que pode ter sido originalmente adquirido pelo primeiro conde de Peterborough.

Embora a associação entre o espelho e Dee tenha persistido, também existem dúvidas sobre a falta de documentação chave sobre a conexão. O link ganha forte apoio, no entanto, de uma fonte menos conhecida da década após a morte de Dee. Muitos dos livros e outras posses de Dee passaram para John Pontois, seguindo conselhos sobrenaturais em uma das tentativas finais de Dee de conversar com anjos. Em um processo de 1624 após a morte de Pontois, um depoimento feito por Thomas Hawes registra ter visto na casa de Pontois – antes da partida deste último para servir na Virginia Company no final de 1618 – “uma certa pedra redonda e plana como Cristall, que Pountis disse ser um pedra que um Angell trouxe ao médico para pintar onde ele trabalhava e sabia muitas coisas estranhas”. A coleção de Pontois só foi dispersa em 1625 e 1626, altura em que o primeiro conde de Peterborough pode tê-la adquirido.

O espelho mudou de mãos várias vezes após a dispersão da coleção de Walpole e foi leiloado pelo menos quatro vezes antes de sua aquisição pelo Museu Britânico em 1966, onde imediatamente se tornou uma exposição popular. Notavelmente, o Museu Britânico categoriza o espelho por sua associação com Dee, colocando-o no Departamento da Grã-Bretanha, Europa e Pré-história, e não por sua provável origem americana. Muitas vezes foi emprestado a outros museus para exposições sobre medicina, ciência e magia. Ao invés de focar exclusivamente na conexão com Dee, é útil considerar o espelho como um objeto com um contexto mais amplo e um conjunto de associações que mudaram ao longo de sua história. A associação com John Dee é importante, mas há uma história mais ampla por trás dele.

Espelhos de obsidiana no Museu Britânico

Examinamos o espelho John Dee, juntamente com um grupo de objetos relacionados no Museu Britânico, incluindo dois outros espelhos circulares de tipo semelhante e um espelho retangular. Os três últimos espelhos são mantidos no Departamento da África, Oceania e Américas. Como o espelho de Dee, os caminhos exatos pelos quais esses objetos se moveram de seus contextos originais para o Museu Britânico não são claros, mas todos têm biografias notáveis.
O espelho de John Dee é quase circurlar, medindo 195 × 185mm, com uma aba ou alça curta, quadrada e perfurada. As supefícies frontal e traseira foram finamente polidas e altamente polidas, sem corrosão visível sob baixa ampliação. O estado bem preservado do espelho pode ser porque ele foi mantido em um estojo – pelo menos, no momento em que estava na posse de Walpole. Lascas ao redor da perfuração podem ter sido causadas pela suspensão do espelho.

O segundo espelho é maior, medindo aproximadamente 260mm de diâmetro, e tem uma aba em forma de lágrima. Foi colecionado por William Bullock no México em 1823 e fez parte de sua exposição de material mexicano no Egyptian Hall em Piccadilly, uma exibição que influenciou muito a reintrodução da herança mexicana para a atenção britânica. O catálogo original descreve-o como “Um espelho asteca, composto por uma grande placa de obsidiana, polida em ambos os lados”. Foi adquirido pelo Museu Britânico em 1825, após o encerramento da exposição de Bullock, e atualmente está exposto com o espelho de John Dee na Galeria do Iluminismo, criando um novo contexto por associação. Anteriormente, também foi exibido em 2009/2010 na exposição Moctezuma do Museu Britânico.
O terceiro espelho circular tem uma aba quadrada, como o espelho de John Dee, e mede aproximadamente 240mm de diâmetro. Foi recolhido no século XIX por Sir Edgar Thornton enquanto era adido no México, antes de ser adquirido pelo museu em 1907. Atualmente não está em exibição, mas foi emprestado para exposições sobre Magical Consciousness (em Bristol) e Treasures of the World’s Cultures (em Abu Dhabi, Bonn e Cingapura).

Também examinamos uma laje retangular mantida nas coleções do Museu Britânico. O objeto mede 225 × 190 mm e tem 30 mm de espessura. Tem uma superfície polida, semelhante a um espelho, que parece idêntica às dos espelhos circulares, sua parte inferior é plana, mas áspera, e as bordas da laje form intencionalmente moldadas por descamação. O objeto foi adquirido de uma fonte desconhecida por Sir Cuthbert Edgar Peek, que presumivelmente o incluiu em seu museu em Rousden em Dorset; foi comprado pelo Museu Britânico em 1926.
Embora os espelhos circulares sejam um tipo bem conhecido de objeto asteca, nenhum exemplo foi confirmado anteriormente por proveniência analítica. Um espelho circular anteriormente incluído nesta categori foi recentemente mostrado como proveniente do depósito de obsidiana Mullumica no Equador e, portanto, foi excluído aqui. Sete lajes retangulares de obsidiana com superfícies polidas foram procedidas por emissão de raios X induzida por prótons, com a conclusão de que seis são provenientes da área de origem de Ucareo-Zinapecuaro (seguindo a nomenclatura de Healan (1997)) e uma de Pachuca (Calligaro et al. . 2007), ambos na região central do México. A fluorescência de raios-X (XRF) traça mais um exemplo para a área de origem de Ucareo-Zinapecuaro (Pixley 2013).

Procedência geológica dos espelhos do Museu Britânico

Para determinar a origem da obsidiana explorada para os artefatos no Museu Britânico, usamos um instrumento portátil de XRF (pXRF) (Niton XL3T 980 GOLDD+). O uso da análise de pXRF tem sido bem sucedido na determinação das fontes geológicas de artefatos em muitas partes do mundo. Nosso procedimento analítico seguiu uma metodologia bem estabelecida (Campbell & Healey 2016). Três leituras de 90 segundos foram feitas em dois locais em cada espelho. Embora as leituras consistentes de diferentes pontos – com um meio usado para interpretação posterior – sejam tranquilizadoras, não conseguimos limpar as superfícies desses objetos do museu. Assim, havia algum potencial para contaminação resultante de vários séculos de manuseio. Embora pareça improvável que isso seja uma fonte de grande erro, tal contaminação pode levar a alguma dispersão das leituras. As leituras do instrumento foram submetidas a uma calibração interna de parâmetros fundamentais e uma calibração linear adicional contra um conjunto de 16 padrões internacionais, para produzir concentrações elementares finais (Tabela S2). Os elementos aqui relatados têm uma boa relação com os valores publicados para nosso conjunto de padrões internacionais, com valores de R2 >0,95. A repetibilidade também é boa, com o padrão relativo percentual desvio abaixo de 10 por cento.
Para determinar a origem exata da obsidiana, analisamos uma série de amostras geológicas de potenciais fontes mexicanas, selecionadas da coleção da Universidade de Missouri após uma revisão inicial das leituras. Eles incluíam obsidiana de Otumba (três amostras), Pachuca (quatro amostras), Ucareo (duas amostras) e Zaragoza (quatro amostras) – todas originalmente coletadas durante o trabalho de campo de Robert H. Cobean. Cada amostra fonte foi analisada cinco vezes, sendo a média de cada amostra utilizada posteriormente. Uma comparação das leituras dessas fontes foi feita com resultados obtidos no Missouri usando um instrumento Bruker III-V pXRF. Isso mostra uma alta correspondência para manganês (R2 = 0,91), ferro (R2
= 0,98), zinco (R2 = 0,97), rubídio (R2 = 0,95), estrôncio (R2 = 1,0) e ítrio (R2 = 0,99).

A análise dos dados dos quatro espelhos indica que eles se enquadram em dois grupos geoquímicos que permanecem consistentes em vários elementos. Os gráficos bivariados sugerem que esses dois grupos correspondem de perto ao material de origem geológica de Pachuca e Ucareo. Enquanto a associação com as amostras da fonte Pachuca é um pouco mais frouxa, a fonte em si é mais variada (Lighthart Ponomarenko 2004).

O Artefato 1 (o espelho John Dee) combina muito com a obsidiana geológica de Pachuca, assim como o Artefato 3, o mais semelhante em forma ao espelho John Dee. Os artefatos 2 e 19 pertencem ao segundo grupo composicional, aproximando-se da obsidiana geológica de Ucareo. Que os espelhos sejam feitos de obsidiana de diferentes fontes não é particularmente surpreendente, pois várias fontes de obsidiana foram exploradas pelos astecas. A fonte Pachuca foi a mais explorada e estava localizada em território asteca. Esta obsidiana é descrita como sendo particularmente pura em qualidade e foi o material preferido para núcleos de lâminas prismáticas . A área de origem Ucareo-Zinapecuaro estava em território Tarascan e inclui várias sub-fontes, das quais Ucareo é a mais comumente atestada arqueologicamente (Healan 1997). Esta fonte às vezes aflora em lajes, o que a torna ideal para a fabricação de espelhos. É notável que oito das nove lajes retangulares que agora foram adquiridas vêm de Ucareo, sugerindo que este pode ter sido o local de fabricação especializada usando uma forma de obsidiana particularmente adequada para esta aplicação. Ambas as fontes foram exploradas no período pós-clássico tardio.
(1200-1521) e primeiros períodos coloniais (1521 em diante).

Os espelhos do Museu Britânico não são únicos. Smith (2014: tab. 1.1) identificou 16 espelhos circulares de origem asteca em coleções ao redor do mundo. Podemos agora excluir dois desses exemplos e adicionar mais quatro, para dar um total de 18. A maioria tem abas, presumivelmente usadas para prender o espelho ao corpo de um indivíduo ou a uma escultura. Em alguns casos, a aba está quebrada e em outros não tem aba. Smith (2014: 19) sugeriu que esses espelhos se enquadram em dois grupos de tamanhos, mas isso não parece mais claro: embora os diâmetros de 185 a 220 mm sejam mais comuns, ocorrem exemplos de até 300 mm de diâmetro. O espelho de John Dee está na extremidade menor do intervalo, mas os outros dois espelhos circulares que examinamos são maiores. Alguns podem ter molduras de madeira, e o exemplo agora no Museu Americano de História Natural tem uma moldura dourada decorada que pode ser original (Saville 1925: 87-88; Taube 1992: 184), ou talvez tenha sido uma adição posterior (Smith 2014: 17). Espelhos circulares são retratados em ilustrações de códices criadas por artistas indígenas na época da conquista espanhola, aparentemente com molduras. Faltam contextos arqueológicos seguros para esses objetos; enquanto a maioria dos exemplos provavelmente vem do final do período pós-clássico, a produção de espelhos circulares pode ter continuado no início da era colonial.

As lajes retangulares polidas também são bem conhecidas. Pelo menos 31 objetos desse tipo podem ser identificados em coleções de museus . Eles são frequentemente incluídos ao lado dos espelhos circulares, e a produção de suas superfícies superiores polidas parece se basear nas mesmas tecnologias. Eles podem, no entanto, ter um propósito diferente, pois nenhum possui abas ou orifícios de suspensão para permitir a fixação a um corpo ou escultura. Muitos foram certamente usados ​​no início do período colonial como altares portáteis, ou aras, por missionários cristãos (Saunders 2010), embora não tenhamos evidências de que estes últimos estivessem cientes do significado simbólico anterior dos espelhos de obsidiana. As lajes retangulares foram provavelmente fabricadas durante o século XVI. No segundo quartel do século XVI, Gonzalo Fernández de Oviedo y Valdés “tinha quatro aras de pedra negra mexicana em Santo Domingo […] Vice-rei Mendoza havia enviado ao imperador duas aras pretas com ‘uma veia no meio, de um vermelho vivo como um rubi’”. No final do século XVI, Zinapecuaro (incluindo sem dúvida a fonte de Ucareo) destacava-se pela presença de uma “pedreira de pedra preta de onde se retiravam muitas peças boas para as aras”, e no mercado encontravam-se “pedras que servem para espelhos, e são muito bons para fazer altares” . Uma pequena laje retangular tem uma data inscrita interpretada como 9 de dezembro de 1483, sugerindo que pode pertencer a uma tradição mais antiga. O fato de ser também o único exemplar conhecido feito de obsidiana de Pachuca, no entanto, também o marca como diferente . A concentração da produção de espelhos na área de origem Ucareo-Zinapecuaro sugere que houve continuidade no conhecimento dessas fontes, bem como em aspectos da técnica de fabricação. Quatro exemplos de lajes retangulares aparentemente vêm de contextos funerários, sugerindo que o papel desses artefatos pode ser mais variado – talvez carregando conotações de proteção, conforme observado abaixo. Nas mitologias astecas, há muitas associações de obsidiana com o submundo e com a morte.

Obsidiana era um recurso importante no Império Asteca e era usado para fins militares e equipamentos domésticos, bem como em atividades religiosas. Durante a fase final do Império Asteca, a produção de itens de obsidiana foi cada vez mais realizada por artesãos especializados controlados pela elite. Espelhos, feitos de obsidiana ou pirita, tinham simbolismo complexo e demoravam para serem fabricados. Grande parte da informação sobre espelhos de obsidiana no mundo asteca vem de Frei Bernardino de Sahagún (c. 1499-1590), o missionário e etnógrafo franciscano que compilou a história geral das coisas da Nova Espanha no início do período colonial. Espelhos foram feitos por especialistas (tezcachiuhqui):

O vendedor de pedras de espelho […] (é quem as faz), lapidário, polidor. Ele lixa [… com] areia abrasiva; ele corta; ele esculpe; ele usa cola […] dá polimento com uma bengala fina, dá brilho. Ele vende pedras-espelho — redondas, circulares; perfurado em ambos os lados [translúcidos]; duas faces, uma face, côncavas […] Os espelhos raramente são usados ​​hoje em dia (Pastrana Cruz et al. 2019: 22). Esses tipos de espelhos e suas origens também foram descritos: “um é redondo; um é longo: eles chamam de acaltezcul. [Esses espelhos pedras] podem ser escavadas em minas” (Dibble & Anderson 1963: 228).

Obter, trabalhar e usar obsidiana envolvia mito e ritual, além de ter aplicações práticas. A obsidiana era usada de várias maneiras, inclusive para fins medicinais e de proteção; a aparência reflexiva agia como um escudo contra os maus espíritos e capturava a imagem e alma de uma pessoa. Talvez sem surpresa, várias divindades foram associadas à obsidiana – mais notavelmente Tezcatlipoca, cujo nome significa “espelho fumegante”. Ele é comumente representado com espelhos circulares de obsidiana em sua cabeça, peito ou costas, e caracteristicamente substituindo seu pé perdido. Embora seja uma figura complexa e ambivalente, seus atributos mais relevantes nesse contexto incluem a previsão em um mundo caótico, com seu espelho de obsidiana atuando como meio e símbolo de revelação, premonição e poder (Olivier 2003).

De várias maneiras, esses espelhos estavam situados na fronteira entre os mundos pré-conquista e primeiros coloniais do México. No México pós-conquista, crenças e artefatos anteriores mantiveram o poder simbólico e os significados herdados. Saunders (2001: 227-28) chamou a atenção para a incorporação literal e sincrética de espelhos circulares de obsidiana em cruzes atriais do início do período colonial; alguns espelhos circulares agora em coleções de museus podem ter vindo dessas cruzes. Mesmo os primeiros artefatos enviados do México para a Europa incluíam muitos que foram encomendados e projetados pelo conquistador espanhol Hernán Cortés, potencialmente obscurecendo a transição entre os artefatos pré e pós-conquista (Russo 2011). Embora tecnologias anteriores tenham sido quase certamente usadas em sua fabricação, é inevitável que as complexas associações de espelhos de obsidiana tenham mantido relevância no México durante o século XVI.
e talvez mais distante na Europa, pois esses objetos foram importados da Mesoamérica.

Quando surgiu no contexto europeu, o espelho John Dee se encaixou em um padrão mais amplo, dentro do qual muitos desses artefatos têm biografias complexas, transitando entre proprietários e acumulando significados diferentes à medida que se transferem entre contextos culturais e continentes. Dado que eles foram frequentemente documentados pela primeira vez em coleções nos últimos 200 anos, a biografia do espelho de John Dee é extraordinariamente completa. Algumas dessas biografias podem se entrelaçar. Feest (1990: 32), por exemplo, sugeriu que a aquisição de um espelho retangular por Rudolf II (artefato 30, agora em Viena e provavelmente adquirido entre 1607 e 1635) talvez tenha sido inspirada pelo uso de seu próprio espelho por John Dee enquanto estava em Praga . Juntamente com outros artefatos de elite que passaram para coleções europeias durante e após a conquista do México, é difícil saber até que ponto os significados associados a esses objetos em seu contexto asteca original foram mantidos por seus novos proprietários.

Algumas lajes retangulares e um espelho circular foram usados ​​para fornecer um meio inovador como “telas” para pintar, por exemplo, Murrillo e Stella. A laje pintada de Stella é a mais antiga, datada de 1630. Os artistas podem ter tido pouco conhecimento dos propósitos originais desses espelhos, embora Murillo tenha trabalhado em Sevilha, que tinha conexões de longa data com a Nova Espanha. A aparência visual da obsidiana pode, portanto, ter tido grande influência. Embora esses exemplos pintados sejam um pouco posteriores ao uso de seu espelho por John Dee, eles também mostram o envolvimento criativo proporcionado por um novo material e tipo de artefato.

Quando John Dee adquiriu seu espelho, obteve um objeto desconhecido e estimulante, impregnado de conhecimento novo e exótico, que teria sido ainda mais único em um contexto inglês do que em um contexto continental (Yaya 2008). Dado o interesse de Dee no Novo Mundo, ele pode estar ciente do significado da obsidiana, e a onisciência dos espelhos de Tezcatlipoca teria uma atração óbvia. Na verdade, esta pode ter sido a principal razão para sua aquisição. Ele também, no entanto, viveu em uma época em que o uso de espelhos para fins mágicos na Europa – particularmente espelhos negros (Maillet 2004) – significava que o contexto era receptivo ao uso de um espelho de origem exótica (Forshaw 2015).

Conclusões

Nossa análise geoquímica nos permite demonstrar que todos os espelhos de obsidiana do Museu Britânico são de origem mexicana. O espelho de John Dee e um segundo espelho são semelhantes na forma e são ambos feitos de obsidiana da fonte Pachuca, o que pode vir a ser típico deste tipo de artefato. O outro espelho, com a aba em forma de lágrima e a laje retangular são feitos de dian de Ucareo.

Reforçámos a associação do espelho com John Dee e defendemos que o seu estudo beneficia de ser inserido num contexto mais amplo que considera tanto a história do objecto individual como do corpus de artefactos a que originalmente pertencia. Essa abordagem nos permite documentar como o significado e a compreensão de um objeto podem mudar com o contexto e como novos significados são acumulados. Neste caso, ele ilumina vários episódios diferentes, ajudando-nos a entender as fontes de obsidiana usadas para fazer artefatos de elite no México asteca, a dispersão de tais artefatos na Europa colonial e, finalmente, a apropriação de John Dee do que era então um novo artefato para práticas ocultas na Inglaterra do século XVI. Esses artefatos continuaram a adquirir novos significados à medida que percorriam diferentes coleções e exposições de museus. Contextos de exibição sempre criam significados, e os contextos em que esses objetos foram exibidos são excepcionalmente variados. A conexão com John Dee tem sido particularmente carismática, tornando seu espelho, e outros semelhantes, representativos no mundo moderno dos astecas, do renascimento elizabetano e das crenças ocultas europeias, em um constante ciclo de apropriação e redirecionamento.

© O(s) autor(es), 2021. Publicado pela Cambridge University Press em nome da Antiquity Publications Ltd.

Fonte: https://www.academia.edu/56764408/


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Postagem original feita no https://mortesubita.net/enoquiano/o-espelho-o-mago-e-mais-reflexoes-sobre-o-espelho-de-obsidiana-de-john-dee/

10 Transtornos Mentais Bizarros

Os transtornos mentais afetam milhões de pessoas no mundo todo. Em geral, apenas algumas são conhecidas do grande público, como o transtorno bipolar, a esquizofrenia e o mal de Alzheimer.

Nesta lista estão compilados 10 tipos de transtornos mentais incomuns, que dificilmente se vê por aí. É muito difícil encontrar um conhecido ou até mesmo matérias na mídia falando de alguma destas doenças.

10. Síndrome de Estocolmo

A síndrome de Estocolmo ocorre em pessoas seqüestradas que, após o término da situação de risco pela qual passaram, começar a nutrir um certo tipo de simpatia pelos seus sequestradores. Também há casos registrados desta síndrome em mulheres que apanham dos maridos, estuprados e crianças abusadas.

Esta desordem ganhou seu nome após um assalto a banco em Estocolmo, na Suécia, onde os reféns, apesar de passarem sob domínio dos bandidos do dia 23 ao dia 28 de agosto de 1973, pediam que a polícia os libertasse e se recusavam a testemunhar contra.

9. Síndrome de Lima

O oposto da Síndrome de Estocolmo: neste caso, os bandidos têm extrema compaixão pelas vítimas.

Ganhou este nome após a crise na embaixada japonesa em Lima, no Peru, entre 26 de dezembro de 1996 e 22 de abril de 1997. Os membros do Tupac Amaru tomaram como reféns os convidados de uma festa promovida na casa do embaixador japonês no Peru. Entre os reféns encontravam-se diplomatas, membros do governo e militares.

Depois de meses de negociações infrutíferas, os reféns foram libertados por militares peruanos, embora um refém tenha sido morto.
8. Síndrome de Diógenes

Diógenes foi um filósofo grego que vivia em um barril pregando ideais de animalismo e niilismo.

Esta síndrome é caracterizada por extremo negligenciamento, tendências reclusivas e acumulação compulsiva, algumas vezes de animais. É encontrada principalmente em pessoas mais velhas e é associada à senilidade.

7. Síndrome de Paris

É uma síndrome exclusiva de japoneses, que piram ao chegar nesta cidade. Dos milhões que visitam Paris todo ano, aproximadamente uma dúzia sofre deste problema e precisa ser levado de volta ao Japão.

Isto ocorre basicamente devido a um grande choque cultural. Alguns turistas que chegam à cidade são incapazes de dissociar a visão utópica que tem de Paris, como aquela vista em filmes como Amélie Poulain, da realidade de uma grande metrópole.

Se um dos portadores da síndrome encontra um garçom mal-educado, por exemplo, ele se força a guardar a raiva para si e acaba sofrendo uma fadiga mental muito grande.

 

6. Síndrome de Stendhal

Esta doença psicossomática causa taquicardia, tonturas, confusão e até mesmo alucinações em quem a tem e é exposto a artes. Os ataques ocorrem especialmente se a arte é muito bonita ou se há muitas obras reunidas em um mesmo local.

Esta desordem tem este nome em homenagem ao escritor francês Stendhal, que descreveu estas sensações em um livro, após visitar Florença, na Itália.

5. Síndrome de Jerusalém

Síndrome de Jerusalém é o nome dado a um grupo de fenômenos mentais envolvendo idéias obsessivas com religião, delírios ou outras experiências psicóticas desencadeadas por (ou que levam a) uma visita a Jerusalém. Não é exclusiva de uma religião, podendo afetar tanto judeus quanto cristãos.

Esta perturbação surge enquanto a pessoa está em Jerusalém e causa delírios psicológicos que tendem a se dissipar após algumas semanas. Todas as pessoas que já sofreram disto têm histórico de doenças mentais.

 

4. Delírio de Capgras

O delírio de Capgras é uma desordem rara na qual uma pessoa acredita que um conhecido seu, muitas vezes o cônjuge ou um parente próximo, foi substituído por um sósia idêntico.

É mais comum em pacientes com esquizofrenia, embora ocorra em pessoas com demência ou que sofreram algum dano cerebral.

A paranóia induzida por esta doença foi utilizada em vários filmes de ficção científica, como Vampiros de Almas, O Vingador do Futuro e Mulheres Perfeitas.

 

3. Delírio de Fregoli

O oposto do delírio de Capgras. Uma pessoa pessoa com esta desordem acredita que um completo estranho é, na realidade, um conhecido próximo que mudou de aparência ou está disfarçado.

Ganhou este nome graças ao ator italiano Leopoldo Fregoli, conhecido por sua grande habilidade em mudar de aparência durante suas apresentações.

Foi reportado pela primeira vez em 1927, quando uma mulher de 27 anos que acreditava estar sendo perseguida por dois atores que ela freqüentemente assistia no teatro. Ela acreditava que estas pessoas perseguiam-na de perto, tomando a forma de pessoas que ela conhecia.

2. Delírio de Cotard

Esta é uma desordem rara na qual a pessoa acredita estar morta, não existir, estar apodrecendo ou ter perdido todo o sangue e órgãos vitais. Raramente pode incluir delírios de imortalidade.

Foi batizada assim devido a Jules Cotard, neurologista francês que primeiro descreveu a condição, chamando-a de le délirie de négation, em uma palestra em Paris, em 1880.

1. Paramnésia Reduplicativa

A paramnésia reduplicativa é a crença de que um local foi duplicado, existindo simultaneamente em dois ou mais lugares simultaneamente, ou que foi movido para algum outro lugar. Por exemplo, uma pessoa pode não acreditar que está no hospital no qual foi internada, mas sim em um outro hospital, idêntico ao primeiro, mas localizado em outro lugar do país.

O termo paramnésia reduplicatica foi utilizado pela primeira vez em 1903 pelo neurologista tcheco Arnold Pick, para descrever a condição em que se encontrava uma paciente com suspeita de mal de Alzheimer. Esta paciente insistia que havia sido transferida da clínica de pick para outra clínica idêntica à dele, mas localizada em um subúrbio familiar. Para explicar as discrepâncias, ela afirmava que Pick e sua equipe trabalhavam nos dois locais.

Tradução de http://listverse.com/health/top-10-bizarre-mental-disorders/

Grande Abobora

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/psico/10-transtornos-mentais-bizarros/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/psico/10-transtornos-mentais-bizarros/