A Quimbanda Brasileira

por T.Q.M.B.E.P.N.

Para compreender as raízes e os fatos históricos que fazem parte do nascimento da Quimbanda Brasileira, é necessário primeiramente destacar alguns fatos, para que fique bastante clara a diferença entre a nossa corrente e outras manifestações religiosas que se utilizam do nome Quimbanda para se autodenominarem.

​Nos diferimos por sermos uma força de embate contra a inércia e contra a estagnação escravizadora, o nosso culto foi forjado no calor de inúmeras batalhas pela conquista e manutenção da liberdade de nossos ancestrais, liberdade essa que muitas vezes ao longo do tempo sofreu diversas investidas por parte de nações e crenças opressoras. A maior parte do que foi escrito a respeito de Quimbanda está sob a influência e se confunde com a formação de outras vertentes religiosas, sobretudo da Umbanda, religião com a qual a Quimbanda Brasileira não possui qualquer tipo de conexão. A Quimbanda não é um culto da Umbanda, como muitos autores afirmam, justamente porque não se trata de mais um culto ao Falso Deus; Os inúmeros espíritos que hoje integram as fileiras de Vossa Santidade Maioral, no início da formação do culto, quando em vida, mantiveram a fidelidade às suas crenças e espiritualidade, defendendo-as de forma feroz e corajosa, muitas vezes tendo enfrentado a brutalidade da intolerância e tendo suas próprias vidas ceifadas; pois a Liberdade não é um bem negociável, sob nenhum pretexto! A célebre frase “É melhor morrer de pé do que viver ajoelhado” se encaixa perfeitamente na motivação que inflamava a chama no coração dos povos formadores da história da Quimbanda Brasileira, que não se esconderam por detrás de sincretismos ou mentiras.

O continente Africano foi um dos palcos de inúmeros eventos importantes dentro do enredo histórico que estamos abordando. Embora este sendo objeto da cobiça de muitos povos, desde tempos imemoriais, aqui focaremos no período do tráfico de escravos durante os séculos XV e XVI. Na busca da conquista de novos territórios e riquezas naturais, exploradores e colonizadores de várias nações Europeias pilharam e se apropriaram, principalmente por meio do poderio militar, de diversos territórios da África, e nesse período Portugal dominava uma larga extensão da costa africana.

O processo de colonização territorial deu ensejo a uma “colonização ideológica” através de muitas tentativas de imposição da crença e fé cristista, bastante diferentes dos cultos ancestrais e da espiritualidade das nações negras nativas, quase sempre com o uso de métodos violentos, já que os povos aborígenes não cederam a outros métodos de convencimento e se engajaram em batalhas sangrentas para defender sua terra e todo o seu arcabouço cultural, religioso e ancestral.

Desprovidos de qualquer capacidade de compreender as características naturais e espirituais do território desconhecido no qual estavam adentrando, os exploradores Europeus se escandalizaram com costumes totalmente diversos dos povos nativos que viviam em meio à uma paisagem inóspita, já que entravam em choque com a formação moral e religiosa cristã dos colonizadores.

Por despreparo e ignorância, os conquistadores e seus missionários classificavam como conduta herética (segundo seus dogmas religiosos) a ausência do conceito de pecado, o uso ritual de sacrifícios de sangue, o nudismo dos negros nativos e ainda o culto a uma deidade que era retratada com o falo ereto e chamada Èsú (conhecida pelos povos Fons de Elegbara). É importante salientar que as formas fálicas desde tempos imemoriais retratam a virilidade e a força, representando a energia dinâmica e ativa e, também, associações com atividades sexuais.

Fica claro então que o pecado residia somente na intolerância e nos dogmas crististas.  Não tardou para que a figura de Èsú fosse incluída no rol das associações demoníacas do cristianismo, considerada como mais uma das formas de Satanás. Foi justamente nesse período que chegaram às terras da África as palavras “Diabo”, “Demônio”, “Satanás”, “Beelzebuth” e “Lúcifer”.

O tráfico negreiro para as terras brasileiras fez com milhares de nativos africanos de diversas etnias atravessassem o oceano em condições enormemente precárias, onde a sobrevivência em si dentro das naus abarrotadas de mercadoria humana eram dificílima em meio as doenças, intempéries e maus tratos. Estavam definitivamente distantes de sua terra natal, despojados de suas famílias e de tudo o que amavam e consideravam sagrado, principalmente sua Liberdade. Muitos dos escravos capturados na África eram prisioneiros de guerra, adúlteros, feiticeiros, assassinos ou indivíduos trocados por chefes tribais ou penhorados por dívidas. É importante ressaltar que a prática da escravidão já era existente entre algumas tribos africanas que atuavam à guisa de fornecedoras nesse obscuro comércio.
Juntamente com os demais negros escravizados, aportaram em terras brasileiras os Kimbandas. A palavra Kimbanda, originada da língua Kimbundo (Bantu) significa: Sacerdote da arte de curar. De fato o Kimbanda era o Alto Sacerdote curandeiro e conselheiro que evocava e invocava os espíritos para sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de suas tribos. Outros tipos de sacerdotes africanos também foram trazidos, dentre eles os temidos Mulôjis e os Ndokis, que diferentemente dos Kimbandas, eram feiticeiros necromantes, agindo em algumas ocasiões como mercenários, eram conhecedores de artes temidas que tiveram origem em uma época que não pode ser datada. A palavra Kimbanda também se confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e no Brasil. Embora sendo homófonas e possuírem a mesma raiz, as palavras Kimbanda e Quimbanda assumiram caminhos e identidades próprias no decurso da história.
Antes mesmo da chegada dos primeiros homens e mulheres africanos no Brasil, os indígenas brasileiros também enfrentavam as perseguições dos colonizadores europeus, buscando defender suas tribos, seus territórios, sua cultura, bem como, suas práticas e cultos ancestrais baseados na natureza. Sendo os primeiros a terem um contato mais próximo com os indígenas, os Padres Jesuítas atuavam como “controladores de almas”, combatendo as práticas nativas e instituindo a cultura do pecado. Como uma estratégia de propagação do cristianismo nas tribos, os Caciques foram escolhidos para aprender a escrita e a leitura e serem doutrinados pelos ditames religiosos, o que facilitava o processo de conversão. Muitos índios na fase da infância foram enviados à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil como “espelhos” para os demais. Toda essa aculturação de poucos séculos contribuiu para dizimar milhares de anos de tradições enraizadas. A ação da catequese diminuía a ferocidade dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo de colonização. No entanto, parte do povo indígena impôs restrições à esta invasão através de batalhas sangrentas. Como as guerras intertribais eram constantes, diferentes nações europeias que disputavam as terras recém descobertas aproveitaram para estabelecer relações proveitosas com os nativos, onde tribos rivais se enfrentavam em nome dos reis da Europa e os índios terminavam sendo dizimados aos milhares.

Diferentes fontes históricas têm opiniões divergentes no tocante aos motivos pelos quais a mão de obra escrava indígena foi substituída pela mão de obra escrava dos nativos trazidos do continente africano. Já se alegou que os índios eram indolentes e preguiçosos, ou mesmo que de tão selvagens preferiam morrer do que trabalhar. Uma vez tendo se tornado escravos das lavouras, índios ou africanos, não estavam em posição de escolher qual tipo de trabalho realizariam, mas certo é que não foi por falta de resistência contra a escravidão.
Sem dúvida, o contato entre os negros e índios foi bastante intenso, fomentando grande intercâmbio cultural que resultou na fusão de Deidades e no nascimento de novas religiões ou de novas formas de culto às antigas religiões. A Quimbanda Brasileira acredita que índios e africanos se associaram para promover as fugas das senzalas, uma vez que os índios eram profundos conhecedores das matas. Alguns vilarejos rebeldes fundados pelos fugitivos abrigavam não só negros e índios, mas também brancos fugitivos e mestiços. Nesses locais a religião outrora podada pelos Jesuítas volta a existir, mas com algumas novas características herdadas do sincretismo resultante da intensa fusão cultural.

Não podemos esquecer de mencionar a figura dos Pajés, como um elo de conexão entre os mundos visível e invisível, que através de transe entravam em contato com os espíritos. Eram feiticeiros que tinham poder sobre os animais e espíritos da floresta, sendo também médicos através das forças fitoterápicas e suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos. Um Pajé exercia a mesma atividade que um Kimbanda.

Nesse contexto histórico que é o berço da Quimbanda Brasileira, a miscigenação racial naturalmente propiciou a miscigenação religiosa através dos inúmeros sincretismos e, houve em diversos aspectos, a popularização da espiritualidade. Índios e negros acabaram recebendo influências das culturas pagãs e judaicas através do contato com homens e mulheres degredados da Europa por terem sido condenados pelos tribunais do Santo Ofício pela prática de bruxaria e/ou feitiçaria. Muitos desses exilados estavam ligados às tradições de magia e feitiçaria medievais e tantos outros eram neo-convertidos do Judaísmo, que secretamente realizavam suas práticas Judaicas. O grande contato entre as feiticeiras europeias, os índios e os escravos resultou em uma mescla de conhecimento e a partir desse momento Exu passou a ter o status de Diabo com força renovada. O endurecimento da perseguição dos dominantes aumentou com o decorrer do tempo. Feiticeiros e feiticeiras se tornaram alvos da Lei, além da perseguição religiosa, surgindo daí a necessidade de agirem sem segredo, jamais abandonando suas verdadeiras essências.

A Quimbanda se diferencia do culto aos Orixás pelo fato de não usar as forças da natureza para alcançar suas metas e desejos, mas sim a força ancestral do mundo dos mortos. Geralmente os espíritos que trabalham na corrente da Quimbanda são antigos Xamãs, Mestres Caboclos, Bruxos, Alquimistas, Feiticeiros, Guerreiros, Assassinos, dentre outros que se encaixam na vibração energética do culto exercendo suas forças nas linhas de Exu e Pombagira (consorte feminino).

Fonte: https://quimbandabrasileira.wixsite.com/ltj49/quimbanda-brasileira

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/a-quimbanda-brasileira/

Discrição – a maior astúcia do Diabo

Sim, o satanismo é a religião dos fortes. É a doutrina da auto-aceitação e do abraçar da sombra usualmente renegada por todas as outras religiões. O satanismo é o caminho do Eu, de pensar em si mesmo antes de todas pessoas e no que você quer antes do que os outros querem. Mas não, você não precisa gritar aos quatro cantos do mundo que você é satanista. Isso na verdade pode ir contra o primeiro “pecado” satânico: a Estupidez. Cada caso é um caso e algumas pessoas realmente são tão auto-suficientes o bastante para poderem bradar o pentagrama, mas para a maioria dos satanistas fazer isso seria um erro. Você poderia perder a credibilidade, ganhar inimigos e oportunidades importantes na vida pelo simples fato de admitir  que é parte da religião desafiadora de todos os tempos. Ao contrário de outras doutrinas não precisamos de aceitação social. Um batizado cristão ou uma chahad islamica são sempre feitos publicamente testemunhas externas para que se entre oficialmente nestas religiões. Já os satanistas só precisam saber quem são.

Não é preciso que todos que você conheça saibam que você é satanista simplesmente porque poucos sabem e pouquíssimos querem saber o que isso realmente significa. Não nos esqueçamos que vivemos no maior pais católico do mundo e que os cultos evangélicos estão cada vez mais disseminados. Para essas pessoas a palavra Satan tem um significado completamente diferente. Nunca se esqueça disso, A MAIORIA DAS PESSOAS SÃO PRECONCEITUOSAS e o fato de você enxergar além não significa que as regras do jogo vão mudar para você. Por mais esclarecido que você seja, continuará sendo julgado por preceitos judaicos cristãos, por mitos disseminados e por exemplos hollywodianos. Não leve para o lado pessoal, não é que as pessoas não queiram saber quem você é, elas tem horror a qualquer tipo de saber. Levar a tocha do conhecimento para elas irá assustá-las ainda mais. Não é porque a inquisição acabou que não existem mais julgamentos. E os juízes sociais em geral não respeitam a coisa mais importante no ser humano, sua individualidade. Talvez, só uns poucos possam ser dignos de saber de sua condição como satanista, seus melhores amigos, seu companheiro ou companheira amorosos e provavelmente ninguém mais. Afinal no satanismo é o Eu que importa, se você sabe, aceita e entende o fato de ser satanista e esta sempre atrás de auto-aperfeiçoamento não é preciso que ninguém no mundo mais saiba disso. Você já está ciente e é isso que importa.

Mas como eu disse, você se quiser, pode contar sobre o seu caminho para quem sabe, o seu melhor amigo, e ele poderá se interessar e ai então você poderá contar a ele sobre tudo o que conhece. É assim que surgem novos satanistas, surgem dos poucos e dos forte e não ao meio dos gritos irracionais de um rebanho de ovelhas.

Charles Baudelaire em suas “Litânias a Satan” escreveu; “A maior astúcia do Diabo é convencer-nos de que ele não existe.”. E há realmente um fundo de verdade nesta frase. A discrição pode ser a armas mais poderosa de nós diabos, satanistas que somos. É um tremendo erro de Baixa-Magia, uma má manobra política e um suicídio social querer ganhar inimigos à toa.  Se temos a oportunidade brilhante de sermos o lobo entre os cordeiros o melhor a fazer é desfrutar de nossa segunda pele e de todos os bens que esta posição pode trazer.

Você não precisa sair gritando nas ruas “Eu Sou Satanista”, você não precisa, dizer a todos que encontra aquilo que é. Na Verdade você não precisa dizer a ninguém – não que não possa pois você sabe que nenhuma pessoa no mundo é mais importante do que você.

Abençoado seja Satã, o Eu Supremo.

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/satanismo/discricao-a-maior-astucia-do-diabo/

Black Ice, AC/DC

A presença de Highway to Hell, Back in Black e The Razor´s Edge na nossa lista já é uma amostra de como AC/DC é praticamente a trilha sonora do chamado satanismo moderno. Poderiamos sem dúvida incluir nesta lista qualquer outro álbum da banda, mas não é porque cada faixa da discografia deste grupo é um exemplo perfeito do que a celebração materialista deveria ser que Brian Johnson e compania não deixariam espaço para Satã cantar pela boca de outros rock stars. Assim, podemos fazer vista grossa e deixar de citar obras primas como “For Those About to Rock” e “Let There Be Rock”. Mas não podemos deixar de falar de Black Ice.

O chifres e o pentagrama invertido aparecem no encarte, o diabo é citado nas letras das músicas e a farra hedonista de sempre aparece em todas as músicas. Mas o motivo deste álbum estar nessa posição privilegiada de nossa contagem é muito mais sutil. Apesar das várias brincadeiras de Angus Young nas entrevistas sobre o título deste trabalho, os fãs de Neuromancer vão logo entender a mensagem.

Para quem não sabe, Neuromancer foi o livro que inaugurou o gênero Cyberpunk e influênciou enormemente a cultura digital vindoura. Foi para os primeiros “marginais virtuais” o que “On the Road” foi para a geração hippie. Neste livro os ICE`s são os “Intrusion Countermeasures Electronics” (Contramedidas Eletrônicas de Intrusão), algo que hoje chamariamos de Firewalls. Na história, as interfaces neurais já são uma realidade e o “Black Ice” é um programa criado não apenas para impedir as invasões, mas matar os cowboys do ciberespaço.

Sendo Black Ice o primeiro álbum de AC/DC no século XXI, é natural que a mesma irreverência rebelde de sempre, seja apresentada numa roupagem apropriada ao espírito desta época. A referência a cultura hacker não para por ai. O lançamento de Black Ice (o álbum) abusou da divulgação digital viral como ferramenta de promoção. Para se ter uma idéia o grupo se recusou a colocar o álbum para ser vendido via iTunes numa clara ofensa contra o monopólio da Apple sobre a música digital e o ‘video clipe’ promocional foi divulgado no formato de uma planilha comercial tipo Excel usando frames em ASCII-Art, para que ao contrário do que acontece com os formatos de vídeo ele não pudesse ser bloqueado por administradores de redes que não querem que as pessoas se divirtam no trabalho.

Pense bem, satanistas se orgulham de ser elitistas, rebeldes e independentes, qualidades que se encaixariam na definição de qualquer hacker de verdade. Se resta alguma dúvida uma breve leitura do famoso Manifesto Hacker pode saná-las. Palavras que poderiam ter sido escritas por LaVey. Nele lemos:

“Nós buscamos por conhecimento…e você nos chama de criminosos. Nós existimos sem cor de pele, sem nacionalidade, sem preconceito religioso…e você nos chama de criminosos. Você constrói bombas atômicas, você empreende guerras, você assassina, engana e tenta nos fazer acreditar que é para nosso próprio bem, contudo nós somos os criminosos. Sim, eu sou um criminoso. Meu crime é a curiosidade. Meu crime é  julgar as pessoas pelo que eles dizem e pensam e não pelo que se parecem. Meu crime é ser mais inteligente do que vocês, algo pelo qual você nunca me perdoará. Eu sou um hacker, e este é meu manifesto.”

Seria ridículo dizer que os integrantes do AC/DC sejam hackers, assim como seria ridículo dizer que são satanistas, mas isso apenas para as definições limitadas que as pessoas têm do que é um hacker e do que é um satanista. O mundo em que vivemos muda a todo segundo e dificilmente uma década é uma simples cópia da década anterior, mas os seres humanos continuarão sendo humanos onde quer que nasçam. Como Petridis escreveu para o Guardian.co.uk: “O capitalismo ocidental pode entrar em colapso mas ao menos podemos ter certeza que [Angus] Young estará em um palco, tocando sua guitarra em alguma música sobre sexo e rock and roll, vestindo bermuda, blazer e seu boné.”

Sobre o futuro Brian Johnson confessa que não tem bolas de cristal e em entrevista a Reuters é agnóstico: “Vou deixar na mão dos deuses. A vida é o que é, você sabe. Se você começa a planejar com muitos detalhes, ela te dá um chute no traseiro”. Mundanos, Tarados e Céticos como todo bom satanista. Seja qual for o formato que o ideal luciferino tomar nos próximos séculos, AC/DC será sempre lembrado como a banda que soube representá-lo em seu tempo. Se o “Rebelde” é um arquétipo eterno, o “Hacker” é sua roupagem mais atual. Black Ice!

Black Ice

 

Well the devil may care,
You toss ‘em back and be a man,
With the last time,
Black ice,
End of it all, end of the line,
End of the road,
Black ice,
Black ice,

Come on and bleeding out the crowds,
We’re watching all the women go,
Many a mile I’ll never take,
I run for forty miles and come up runnin’ late,
Don’t you know I live it down,
When the devil come a callin’ I aint gonna be around,
Black ice,
Black ice,
Black ice,
The devil come a callin’ I aint gonna be around,
Black ice,

Livin’ long, livin’ long,
Sleep all alone, you’re gonna take it all,
And I’m gonna rip it out,
I’ll kick, I creep crawl down your street,
I’ll gouge your eyes out,
Black ice,
Black ice,
Black ice,
Black ice,

My life,
Black ice,
My life,
Black ice,
My life,
When the devil come a callin’ I aint gonna be around,
I’ll kick, I creep crawl down your street, and gouge your eyes out,
Black ice

Tradução de Black Ice

Bem, o diabo pode se importar,
Rebata e seja um homem,
Com a última vez,
Black Ice,
Fim de tudo, fim da linha,
fim da estrada.
Black Ice,
Black Ice,

Vamos lá e sangrando as multidões
Nós assistimos todas as mulheres,
Com muitas não andarei nem uma milha,
Eu corro por quarenta milhas e venho correndo até tarde
Você não sabe eu vivo até o fundo,
Quando o diabo vier chamando eu nem estarei mais aqui.
Black Ice,
Black Ice,
Black Ice,
O diabo vem chamando eu não estou mais aqui.
Black ice,

Vida longa, vida longa,
Dorma sozinho, você vai conseguir tudo,
e eu vou pegar tudo para mim.
Eu chuto e venho me esgueirando pela sua rua
Eu engano os seus olhos,
Black Ice,
Black Ice,
Black Ice,
Black Ice,

Minha vida,
Black Ice,
Minha vida,
Black Ice,
Minha vida,
Quando o diabo fizer o chamado, eu não vou estar mais aqui,
Eu chuto, Eu me esgueiro pela sua rua, eu engano seus olhos.
Black Ice

 

Nº 42 – Os 100 álbuns satânicos mais importantes da história

Postagem original feita no https://mortesubita.net/musica-e-ocultismo/black-ice-ac-dc/

A erva do diabo

“A erva-do-diabo é para aqueles que querem o poder.  O fumo é para aqueles que desejam contemplar e ver. ”

–   (CASTANEDA, 1967 – p 35)

 

Nenhum estudo sobre a obra de Carlos Castaneda seria completo sem mencionar as plantas/ “aliados” ou “de poder” experimentadas pelo autor ao longo de seu aprendizado com o o mestre xamã Don Juan.

Porém, antes de abordar esse tema, é preciso deixar claro que esse estágio da aprendizagem  tem uma importância mínima dentro do universo de conhecimentos adquiridos e estados de consciência perceptiva alterados vivenciados por Castaneda.

Os rituais relacionados ao cultivo e preparo, especialmente no que se refere à chamada Erva do Diabo, não serão reproduzidos aqui como citações na íntegra. O leitor que estiver interessado nas minúcias não terá dificuldade de acessar diretamente o livro onde esses procedimentos são descritos mas este articulista não acredita que alguém tenha a “pachorra” (paciência, saco mesmo) de seguir passo a passo os procedimentos prescritos por Don Juan.

A Datura estramônio é classificada pelos botânicos e químicos farmaceuticos, sem maiores rodeios, como uma planta venenosa. O adjetivo é justo porque se, eventualmente, qualquer leigo queira desfrutar de seus efeitos psicotrópicos, um pequeno erro na dosagem, no processo de preparação e/ou consumo/uso do destilado ou da pasta (ou unguento) de Datura pode, facilmente, resutar na morte do usuário.

Os mamíferos herbívoros, ruminantes ou não, bovinos, assininos, equinos, caprinos, ovinos, rejeitam essa planta; jamais a consomem, talvez por um instinto de sobrevivência alertado pelo característico odor desagradável dessa planta.

Em português é popularmente conhecida por nomes tais como: trombeta, figueira-do-demo, figueira-do-diabo, figueira-do-inferno, figueira brava, zabumba entre outros.

Embora adapte-se melhor temperaturas quentes, a datura desenvolve-se em quase todos os continentes do mundo, adaptando-se a diferentes tipos de solo com a condição de estar próxima de correntes de água, de superfície ou subterrâneas.

De tal forma, a Datura, utilizada nas Américas pelos xamãs indígenas para produzir alterações da percepção era bem conhecida em suas variações, igualmente tóxicas, no Leste Europeu, na Ásia e na Europa ocidental e muito especialmente, foi o ingrediente esssencial do ungüento que as feiticeiras passavam no corpo antes de suas mágicas participações nos festins chamados Sabás.

Por isso, muitos pesquisadores e mestres ocultistas afirmam que as excentricidades dos daqueles Sabás, desde a locomoção ao locais onde seriam realizados, voando com ou sem vassouras, às práticas sexuais promíscuas, as relações íntimas com seres fantásticos que depois eram descritos como sendo demônios ou o próprio diabo, eram, em grande parte, apenas alucinações provocadas pelos efeitos da Datura.

On Witchcraft [La Démonomanie des Sorciers] — livro de 1580, Jean Bodin escreveu: Preparando-se para ir ao Sabá, a bruxa ou bruxo deitava-se em sua cama completamente despido (a) e untava o corpo com o famoso “ungüento das feiticeiras”… (RIGHT, 1865)

(Giambattista della) Porta  (italiano -? 1535-1615)… dá, em sua Magia Natural, a pretensa receita do unguento das feiticeiras, por meio do qual se fazem transportar ao Sabbat. Ele o compõe com gordura de criança, de acônito fervido em folhas de álamos e algumas outras drogas… Pensamos que as composições opiáceas, a medula de cânhamo verde, a datura stramonium, o loureiro-amêndoa entrariam com não menos sucesso em semelhantes composições. (LEVI, 1983 – p 340)

Torna-se muito claro que o uso da Datura para produzir estados alterados de consciência perceptiva não é exclusividade do xamanismo meso-americano pré-hispânico.

A forma de Don Juan utiizar a Datura, no entanto requer, nada menos que um período de um ano de preparações, começando pela exigência de que os exemplares da planta, macho e fêmea, sejam cultivados pelo próprio usuário ou seu mestre. No caso de Castaneda, em sua primeira experiência com a Datura a planta utilizada era, supostamente, pertencente a Don Juan.

O xamã explica que todas as partes da Datura são utilizadas e cada uma delas tem poderes ou virtudes/venenos – princípios ativos – que destinados a produzir diferentes efeitos. Essas partes são: raiz, caule e folhas, flores (extremamente perigosas, mortais) e sementes.

A erva-do-diabo tem quatro cabeças; a raiz, a haste e as folhas, as flores e as sementes. Cada qual é diferente, e quem a tornar sua aliada tem de aprender a respeito delas nessa ordem.

A cabeça mais importante está nas raízes. O poder da erva-do-diabo é conquistado por meio de suas raízes. A  haste e as folhas são a cabeça que cura as moléstias; usada direito, essa cabeça é uma dádiva para a humanidade. A terceira cabeça fica nas flores e é usada para tornar as pessoas malucas ou para fazê-las obedientes, ou para matá-las.

O homem que tem a erva por aliada nunca absorve as flores, nem meio a haste e as folhas, a não ser no caso de ele mesmo estar doente; mas as raízes e as sementes são sempre absorvidas; especialmente as sementes, que são a quarta cabeça da erva-do-diabo e a mais poderosa das quatro. (CASTANEDA, 1967 – p 28)

Para colher as partes das plantas Don Juan observa uma sequência quase ritual de manuseio da Datura. Para extrair um bom pedaço das raizes, dos exemplares macho e fêmea, ele escava em torno do exemplar com extremo cuidado, com as próprias mãos, para não “ferir” a “entidade”.

Para facilitar o trabalho utiliza unicamente galhos de uma determinada árvore, a palo verde (Parkinsonia aculeata) porque …a erva-do-diabo tem muito poucos amigos, e o palo verde nessa região é a única árvore que se dá com ela… (Idem, p 29).

Ligia Cabus

Postagem original feita no https://mortesubita.net/paganismo/a-erva-do-diabo/

Para a Destruição e Além…

1- O maior inimigo se esconderá no último lugar em que você procurar.

2- A única maneira de se tornar mais esperto é jogando contra um oponente mais esperto.

3- A primeira regra de qualquer negócio: proteja seu investimento.

4- Não existe uma maneira de se evitar a guerra, ela pode apenas ser adiada dando vantagem a seu inimigo.

5- O único inimigo real que já existiu é aquele que é eterno.

d’O Grande Livro das Regras

 

… e tem aquela do físico que não gostava de colocar açúcar no café. Uma vez perguntaram o por quê disso e ele respondeu que não gostava de mexer o café para não aumentar a entropia do universo. Todo mundo ri. Rufam os tambores. As luzes se apagam e a piada termina. Mas a entropia continua, para sempre.

A entropia é em si um fenômeno curioso. Ela tem uma importância gigantesca a curto, médio e longo prazo, afetando de forma direta a sobrevivência humana no platena, mas não é divulgada e nem conhecida pelo grande público.

Este termo foi usado a primeira vez em 1850 por Rudolf Julius Emmanuel Clausius. Sim ele era físico; sim, provavelmente ele entederia a piada do café e não, com certeza ele não riria dela. A palavra nasceu da união de dois termos gregos “en” – em, sobre, perto de – e “tropêe” – mudança, o voltar-se, alternativa, troca, evolução. Para entendermos para quê o conceito de entropia foi criado vamos dar um rápido mergulho na piscina da física.

A termodinâmica é o ramo da Física que estuda o movimento da energia e como a energia cria movimento. Na prática o que houve é que quando descobriram que podiam usar o fogo para ferver água, e esse vapor de água para movimentar coisas como locomotivas surgiu a necessidade de se aumentar a eficiência dessas máquina a vapor. Assim que começaram a se estudar como a energia do calor se movimentava perceberam que ela respondia a certos padrões e obedeciam certas leis. Por exemplo: toda energia é constante, ela não aparece ou desaparece do nada, apenas se move de um lado para outro e pode ser transformada em outras formas de energia ou em trabalho. O truque então era descobrir como criar um sistema onde energia virasse trabalho e pudesse de quebra gerar energia de novo que pudesse realizar o mesmo trabalho. Imagine criarem uma engenhoca movida a corda, como um relógio. Quando damos corda um prato gira, como uma vitrola, e essa prato faz o dispositivo que dá corda girar. Você não precisaria nunca mais dar corda na engenhoca, ela funcionaria para sempre. Todos estavam empolgados com isso, mas ai tropeçaram na segunda lei da termodinâmica que dizia que “é ímpossível uma transformação cujo resultado final seja transformar em trabalho todo o calor extraído de uma fonte”, ou seja em todo processo existe um desvio de energia que não pode ser recuperada. O universo tem uma quantidade de energia limitada. Essa energia pode ser transformada em outros tipos de energia. Essa transformação é uma via de mão única. Você pode colocar lenha em uma caldeira de locomotiva, tacar fogo nela, gerar vapor que faz a locomotiva andar, mas não pode empurrar uma locomotiva para trás para que o movimento crie vapor e apague o fogo te devolvendo um pedaço de madeira intocado do outro lado.

Esse processo de mudança, essa entropia, tem uma tendência natural de chegar ao seu valor máximo, independente do que façamos com a energia.

Embora em um primeiro instante isso possa parecer um papo que deve deixar os físicos eretos e molhadinhos, o que ele tem a ver com o dia a dia dos seres humanos normais – os não físicos?

Vejamos… energia não se cria nem desaparece, mas se converte, essa conversão não pode ser revertida. Se energia total do universo é constante e a entropia total está em contínuo aumento nós estamos em um universo que se degrada contínua e eternamente.

Vale lembrar que algo que está constantemente em mudança é algo que não tem uma forma definida, não possui uma ordem duradoura. Entropia também é chamada de desordem e caos. E agora, qual a sensação de estar amarrado em um trem desgovernado rumo ao caos total? Seria bem mais divertido se isso se aplicasse apenas a máquinas a vapor.

Recentemente, foi publicado na Europa a tradução atualizada do clássico Enthropy de Jeremy Rifkin, que apresenta a tendência universal de todos os sistemas – incluídos os econômicos, sociais e ambientais – a passar de uma situação de ordem à crescente desordem. Aparentemente as leis da termodinâmica não explicam apenas sistemas onde existe calor em movimento, mas praticamente qualquer sistema, e a conclusão de que o caos se aproxima é a única certeza que podemos ter.

Mas se esse fim da energia e essa degradação são fatos comprovados, por que perdemos tempo com obras de ficção como aquecimento global ou reforma agrária ao invés de focar no que interessa? É simples, nós nos educamos a não enxergar isso.

Conseguimos, depois de séculos, criar para nós mesmos uma visão mecanicista do mundo, onde o progresso é inevitável, querendo ou não. Traçamos uma linha que passa por Descartes, Galileu, Bacon, Newton, Locke e Adam Smith, Einstein, Steve Jobs e termina em nós. Olhamos para trás e temos a impressão que estamos evoluindo e logo todos seremos super-pessoas, mais inteligentes, mais magras, mais felizes, só que isso não é real. A lei da entropia mina a idéia da história como progresso. A lei da entropia destrói a idéia de que a ciência e a tecnologia criam um mundo mais ordenado. Nós nos concentramos apenas no que ordenamos e desconsideramos a desordem que essa ordenação causa. Isso é como fazer uma faxina em casa, ensacar o lixo e deixar os sacos dentro da sala. Quantas faxinas você consegue fazer antes de sua própria casa virar um lixão? Bom, sempre podemos jogar o lixo para fora. Mas e quando nossa casa é nosso planeta? Onde fica o fora? Achar que somos uma espécie em evolução te coloca na lista das pessoas que sofrem da síndrome do avestruz.

E a coisa fica mais interessante pelo fato dessas leis da termodinâmica serem uma lei fundamental, e não é preciso que você seja um Einsten para entender o que Einsten disse:

“Uma teoria é tanto mais emocionante quanto mais simples são suas premissas, mais diversas as categorias de fenômenos a que se refere, mais vasto seu campo de aplicabilidade. Esta é a razão pela qual a Termodinâmca clássica sempre me causou profunda impressão: é a única teoria física de conteúdo universal da qual estou convencido que, no campo de aplicação de seus conteúdos basilares, nunca será superada”

Por causa dessa universalidade as pessoas tentam atenuá-la de duas maneiras: apelando para a estatística (não há certeza de algo, apenas uma probabilidade de que ocorra), ou apenas reconhecendo um significado prático para longos ciclos, previstos para períodos cósmicos de tempo (para que me preocupar com o lixo agora se o ponto crítico só vai chegar em alguns milhares de anos?). Veja, se formos lidar com estatísticas, a chance de um sistema ir contra a entropia é a mesma chance evocada pela famosa imagem de milhares de macacos datilografando em máquinas de escrever e,  ao longo de milhares de anos, um deles por acaso escrever Dom Quixote. Quanto aos ciclos cósmicos, sim eles são reais, tão reais quanto os nossos ciclos, que evidentemente, por serem de dimensões humanas e não cósmicas, ocorrem em períodos de tempo muito mais curtos, ao invés de milênios são décadas. O fato indubitável é que a entropia nos afeta radicalmente.

 

E já que entramos no assunto de tempo, quanto tempo nos restaria até a destruição total?

A visão do ser humano encara o tempo como um progressivo “vir a ser”, e essa visão não poderia estar mais longe da realidade. A entropia é uma inversão do tempo. Imagine um copo cheio de xarope de groselha onde adicionamos lentamente água. A tendência é que o xarope se concentre no fundo do copo e perto da borda ele esteja extremamente diluido, quase transparente. Com a entropia temos um processo parecido, ela cria uma inversão do tempo, ou seja, esse aspecto do tempo pelo qual quanto mais se regride no tempo, mais “intenso” é o tempo. E quanto mais se progride mais “diluído” é o tempo. Na realidade não vivemos em um vir a ser e sim um  deixar-de-ser sem aniquilar-se regressivo, como no caso da faxina em casa vamos acumulando um “entulho de ser”. Físicos como Bernhard e Karl Philbert, já deixaram claro que não só o espaço é função do tempo, mas o próprio tempo é função do tempo. Não podemos pensar num tempo uniforme e linear e separado das coisas, mas num tempo entrópico, que se degrada com o tempo, tendendo assintoticamente ao fim do próprio tempo; ou, como se poderia dizer satiricamente: “o tempo vai morrer com o tempo”. Mesmo que a Bíblia não tenha sido inspirada por Deus, João não errou ao afirmar que “Não haverá mais tempo”, quando escreveu o versículo 6 do capítulo 10 em Apocalipse.

A entropia também explica a aceleração dos ciclos de energia ao longo dos tempos cósmicos, geológicos, biológicos e, mais recentemente, históricos. Sabe quando você pensa que “meu Deus, já estamos no meio/fim do ano, o tempo parece estar correndo cada vez mais rápido”? Isso não é apenas uma sensação e os ciclos históricos mostram de forma clara esse fato. Vejamos o caso da atual crise de energia.

Crises de energia não são um mal apenas do nossos dias. Durante a Idade Média o principal combustível era a lenha. O “ciclo da madeira” começou a entrar em crise no século X e atingiu seu ápice no século XV após mais de um milênio de exploração. Isso deu origem ao ciclo do carvão, afinal as pessoas precisavam de algo para queimar – para aquecer as casas no inverno, cozinhar a comida e fazer suas máquinas a vapor funcionarem. O ciclo do carvão durou 4 séculos, bem mais curto do que o ciclo da madeira. De ciclo em ciclo chegamos no ciclo do petróleo que durará aproximadamente 100 anos – o esgotamento do petróleo está previsto para a primeira metade deste século. E quando o petróleo acabar? Já usamos a madeira, o carvão, o petróleo. Surgirá algo novo para queimarmos?

Diante disso nos vemos em uma encruzilhada trágica. Conhecendo a lei da entropia podemos tomar duas atitudes:

– Nos basearmos em suas consequências e mudar completamente os hábitos de nossa civilização, tentando salvar o que ainda pode ser salvo, criando um processo urgente de desglobalização, seguido pela descentralização necessária da energia;

ou

– Partir para uma super-globalização, estupidamente uniformizadora, que nos lançaria em um ciclo ainda mais complexo, que resultaria em um enriquecimento provisório – infernalmente complexo – para então apresentar uma duração ainda mais curta e, resumindo, esgotaria ainda mais as matérias e recursos do planeta e necessitaríamos de um novo ciclo de forma ainda mais desesperada, e ele seria por sua vez ainda mais curto, cada novo ciclo esgotando de forma mais rápida os recursos do qual se alimenta.

Um paralelo a isto é a entropia orgânica presente em nossa vida e evidenciada pelo envelhecimento. É através do envelhecimento que vivenciamos a morte cada vez mais próxima, o despencar do tempo, e não podemos evitá-la, apenas tornar seu ritmo mais lento.

Quando olhamos para trás, várias “crises” que surgiram se tornam claras: a crescente degradação da terra e sua relação com crises de energia, com o surgimento de epidemias como a vaca louca, a febre aftosa, o aumento de uso de agrotóxicos e todas as outras disfunções de uma agropecuária plantada e nutrida pelo petróleo. Criamos um ciclo vicioso onde a crescente demanda de energia torna sua obtenção sempre mais complicada, custosa e danosa.

Não podemos evitar isso, mas poderíamos tornar o processo mais lento medindo nossa produtividade não pela maior quantidade de bens econômicos produzida num determinado período de tempo, mas sim pela maior quantidade produzida com o menor gasto energético possível de forma que se crie menos lixo. Seria necessário se criar uma ordem que resultasse em menos desordem. Isso infelizmente se mostra uma utopia, mesmo diante dos fatos as áreas desertificadas do planeta crescem, a produção de lixo também. É a entropia em sua melhor forma.

E sinceramente o que você acha mais provável: mudarmos o hábito de toda a população do planeta ou esgotar (também no sentido de tornar esgoto) de vez os recursos planetários para manter os vícios de nossa sociedade de consumo? Leve em conta que toda visão alarmente de um fim eminente de nossa espécie é tratada como um surto paranóico. Mas até então, lembrando-nos do diálogo entre Woody Allen e seu chefe interpretado por Dan Aykroid no filme o Escorpião de Jade:

Chris: Você sabe, existe uma palavra para descrever as pessoas que acham que todo mundo está conspirando contra elas.

C.W.: Eu sei, “perceptivas”.

Mas espere um momento. Leis universais não tratam de como coisas reagem e evoluem no tempo? Como uma lei pode ter apenas um carater destruidor? E se ela é uma lei explicitamente destruidora, por que, durante a história nunca a trataram dessa forma?

Bem, todo mundo, enquanto está vivo e com saúde, mesmo sabendo que um dia morrerá, não sente a morte, assim essa idéia de entropia é algo abstrato demais para ser levado a sério. Mesmo assim ela foi inúmeras vezes captadas por diversas pessoas que a trataram de forma séria. Do “Tempus edax rerum”, – o tempo que consome as coisas – de Ovídio ao “Pela mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo” que encontramos em II Pedro 3:7 percebemos uma visão clara desde os tempos antigos de que este seria um destino do qual não escaparíamos; isso mostra uma compreensão rara e acurada de indivíduos que percebiam uma visão de mundo popular já apontando para o consumismo, tendo seu progresso desmedido como um imperativo ético, criando mais “lixo” do que podemos nos livrar e nos colocando em num beco sem saída. Quantas pessoas hoje em dia abraçariam a visão de um São Francisco de Assis, por exemplo, onde a pobreza não leva à tristeza de perder coisas, mas à alegria de livrar-se de coisas? Muito poucas se é que alguma, já que criamos um sistema que não confere nenhum significado espiritual à pobreza e, portanto, para a própria existência, e torna o supérfulo mais essencial que o essencial. Se o nosso existir se ligou de maneira tão simbiótica ao consumir – e não apenas celulares ou bolsas, mas o consumir a moradia, o alimento não necessário, um veículo maior e melhor, etc. – então de fato a não-disponibilidade de energia esvazia completamente a nossa existência. Como pode ser percebido, por natureza, nós não tentamos evitar a entropia, mas estamos nadando a braçadas largas em sua direção, e tentamos a todo custo evitar percebê-la ou lhe dar atenção quando a notamos.

A nova forma popular de tentar não dar atenção à entropia é a esperança disfarçada de certeza de que estamos prestes a descobrir uma nova e inesperada fonte de energia que reverterá este quadro, e de fato essa fonte salvadora é alvo de inúmeras especulações, infelizmente todas elas no âmbito da ficção científica. São propostas irreais de todo tipo de “soluções”, inclusive a reversão do tempo – outro desejo delirante de negar a realidade entrópica.

Consideremos o fato de que a energia atômica traz algumas complicações sérias – lembre-se de Chernobyl – e entrópicas – a fissão nuclear é algo inviável o que cria como alternativa a fusão nuclear a frio, que é uma maneira elegante de se dizer: criarmos uma máquina de motu perpetuo, a nossa engenhoca que dá corda em si mesma. A única energia disponível não explorada ainda é a solar, mas infelizmente não dispomos de tecnologia adequada: gastaríamos muito mais energia do que a que seria gerada em grande escala, teríamos um o remédio que mata o doente. Ponto para a entropia novamente.

Existem outras propostas como estações de energia eólica ou usinas geotérmicas, mas sejamos realistas: teria havido não uma, mas DUAS guerras ao golfo pérsico nos últimos 20 anos caso de fato houvesse uma alternativa ao petróleo em mãos ou prestes a ser viabilizada? Teorias da conspiração de que a indústria já disponibiliza de tais tecnologias mas pretende espremer as carteiras da população enquanto puderem é apenas outra peneneira usada para se tapar o sol. Tentar driblar a entropia é como se sentar e tentar dispersar o estouro de manada de touros bravos apenas com o pensamento. Se pararmos para levar a sério os princípios da entropia, ninguém deveria – em sã consciência – insistir nessa linha. Infelizmente o mundo não consegue ser tão racional, nem aparenta possuir uma consciência sã.

E o pior é que a entropia não existe apenas no âmbito ambiental do planeta, não diz respeito apenas à ecologia e a recursos naturais. Você já teve que varar a noite se preparando para uma prova e algumas horas após o exame se descobre incapaz de se lembrar de 1/3, sendo otimista, do que estudou? Esse material esquecido não “desaparece do seu cérebro”, ele permanece como lixo cognoscitivo não eliminado. Pesquisas nos Estados Unidos constataram que nossa tecnologia moderna, especialmente nossa parafernália de informática, está criando uma legião de alunos que não apenas não conseguem aprender como desenvolvem uma aversão ao estudo. Outro efeito do nosso desenvolvimento tecnológico é um aumento de doenças mentais em nossa sociedade por parte das pessoas sintonizadas – nosso novo modelo não é mais o animal e sim a coisa. Kant já havia ponderado que quando precisamos pensar seriamente em algo a mera leitura de um jornal se torna um obstáculo. Como encaixar isso na era dos 300 canais a cabo, da internet, de coberturas de competições esportivas simultâneas, noticiários locais, regionais, nacionais e internacionais, tudo isso ocorrendo em paralelo a um bombardeio incessante de propagandas. Goethe resumiu bem nossa era nas palavras do diabo: “Eu sei tudo, mas não sou onisciente”. Sei de tudo, não entendo nada. Em um mundo sem possibilidade de síntese, não há como não perceber a entropia na educação.

Além disso vivemos em um mundo que defende a aniquilação da intuição em favor de um raciocínio exagerado. Especulamos sem intuição, e isto é o equivalente a operar sem energia: temos então a entropia no conhecimento também. Em um mundo que cada dia mais defende a superioridade da pluralidade sobre a unidade vivemos o paradoxo de nunca termos vivido em uma cultura global tão homogênea.

 

Mas e se pudéssemos de fato rever nossos valores de forma a evitar ao máximo a entropia?

Em primeiro lugar deve estar claro que isso seria como iniciar um tratamento estético. Teríamos que mudar habitos e nos submer a tratamentos para o resto da vida, e isso não nos rejuvenesceria, apenas faria com que nosso envelhecimento se tornasse mais lento, mesmo assim não afastaria a morte. Chegaríamos aos 70 anos com aparência de 50 ou 60, mas isso não nos converteria os 10 ou 20 anos que nossa aparência ganhou em anos de vida. Não chegaríamos aos 110 ou 120 anos.

Em segundo lugar devemos ter em mente que precisaríamos de um planejamento extremo: em primeiro lugar deveríamos retornar a um ritmo natural que não conhecemos mais. Deveríamos voltar ao campo, cidades não deveriam comportar mais do que cem mil habitantes e deveríamos nos planejar para atingir uma população mundial máxima de um bilhão de habitantes. O problema é que para isso teríamos que, nos dias de hoje, nos livrar de quase 86% da população mundial e fazer isso não é apenas complicado, é criminoso. A alternativa a isso seria se criar leis de controle de natalidade, mas quanto tempo levaria para que a população começasse a decrescer para um nível sustentável? Nos depararíamos com uma versão assustadoramente real do paradoxo de Zeno: Aquiles, o herói grego, e a tartaruga decidem apostar uma corrida. Como a velocidade de Aquiles é maior que a da tartaruga, esta recebe uma vantagem, começando corrida um trecho na frente da linha de largada de Aquiles. Aquiles nunca sobrepassa à tartaruga, pois quando ele chegar à posição inicial ‘A’ da tartaruga, esta encontra-se mais a frente, numa outra posição ‘B’. Quando Aquiles chegar a B, a tartaruga não está mais lá, pois avançou para uma nova posição ‘C’, e assim sucessivamente, ad infinitum.

Em termos matemáticos, seria dizer que o limite, com o espaço entre a tartaruga e Aquiles tendendo a 0, do espaço de Aquiles, é a tartaruga. Ou seja, ele virtualmente alcança a tartaruga, mas nessa linha de raciocínio, não importa quanto tempo se passe, Aquiles nunca alcançará a tartaruga nem, portanto, poderá ultrapassá-la. Apesar deste paradoxo possuir incoerências: obviamente aquiles alcançará a tartaruga na prática, nossa tentativa de reduzir a população sem extermínios pode se espelhar nele. Digamos que através do controla consciente de natalidade em 300 anos consigamos reduzir a população mundial de 7 para 1 bilhão. Digamos que como foi calculado tenhamos apenas mais 40 anos de petróleo disponível para abastecer nossa indústria, nossa agricultura e nossos carros levando-se em conta a população atual. Será que a redução gradual esticará a vida útil do petróleo tempo o suficiente para que daqui a 300 anos ainda o estejam usando com parcimônia? A resposta é não. Outro ponto é: hoje a China, curiosamente é a nação melhor preparada para o colapso energético que ela mesma ajuda a acelerar. A China foi o único império da História baseado na agricultura, sem nunca ter perdido tal base, seu conselho por anos às nações do terceiro mundo a uma “volta ao campo”, a própria China pós-revolução cultural procurou a modernização evitando o êxodo do campo. Mas hoje, na realidade de nosso país, como poderá uma São Paulo, por exemplo, com seus 17,8 milhões de habitantes, sobreviver sem área rural própria? Para que campo haveriam os paulistas de retornar? E esse mal se tornou mundial não há como prever quais países terão melhores condições de sobrevivência à entropia: o caos será globalizado.

Como afirmou Heidegger: “A filosofia bem como o pensamento e a ação do homem não vão conseguir provocar uma mudança na atual situação do mundo. Nós temos apenas esta possibilidade, através do pensamento e da poesia, de nos preparar para a chegada do deus ou então para a ausência de deus, o fim, que nós na ausência de Deus iremos viver”.

LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/para-a-destruicao-e-alem/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/para-a-destruicao-e-alem/

Bases metafísicas da Magia Sexual

Fonte: Renascer da Magia, de Kenneth Grant

Existe um talismã de aplicação universal. No reino elemental ele é representado por pyramis, o fogo; em termos geométricos, pela pirâmide ou triângulo; e em termos biológicos, pelo falo. Como o sol irradia vida e luz através do sistema solar, assim também o falo irradia vida e luz sobre a terra e , similarmente, subordina; se a um poder maior do que ele mesmo. Pois assim como o sol é um reflexo de sírius, assim também o falo é o veículo da vontade do mago.

No não iniciado, o poder fálico opera independente mente de seu possuidor e , freqüentemente, em desarmonia com o mesmo. Ele funciona caprichosamente, sem relação como indivíduo. O poder fálico possui o indivíduo e não vice-versa.

No caso do iniciado, entretanto, a posição é inversa. A O.T.O. possui o conhecimento secreto da retificação e os meios de liberação do cativeiro do instinto degenerado. Ela instrui o operador no uso apropriado do fogo elemental, a correta construção da pirâmide, o empunhar bem-sucedido da baqueta mágica.

O controle do fogo elemental envolve a inibição dos resultados físicos habituais quando da união sexual. A libido não é “aterrada”, mas direcionada pela vontade para encarnar numa forma especialmente preparada para sua recepção.

Liber Agapé, o enquirídio do Soberano Santuário da Gnose da O.T.O., demonstra como a magia sexual está baseada na assunção de que nenhuma causa pode ser impedida de um efeito. Se o efeito natural for anulado , a descarga de energia não é perdida, e ela forma uma imagem sutil ou astral da idéia dominante na mente quando do clímax do coito. Habitualmente esta idéia é um pensamento de luxúria, e por causa disso uma tendência ou hábito se fixa na mente, que consequentemente se torna cada vez mais difícil de controlar. Esta tendência deve ser, portanto, destruída.

A exaltação mental gerada por um orgasmo magicamente controlado forma um portal de passagem reluzente semelhante a uma lente por onde flui o vívido imaginário astral da mente subconsciente. Imagens específicas são evocadas e “fixadas”; elas se tornam instantânea e vivamente vivas. Como a presença luminosa delas é obsessiva, salvaguardas mágicas são essenciais para compensar uma real obsessão. Esta imagens são elos dinâmicos com os centros mais profundos da consciência e atuam como chaves para experiência ou revelações que formam o objetivo da Operação. Encarnar tais experiências é o objetivo da magia sexual. É necessário, portanto , formular a vontade com grande cuidado e com estrita economia de meios. Não deve haver nada na mente no momento do orgasmo exceto a imagem da “criança” que se pretende dar a luz.

Condenações contra a masturbação, o onanismo, o coito interrompido, a karezza e outros métodos aparentemente estéreis de utilização da energia sexual baseiam-se logicamente no reconhecimento (ainda que este reconhecimento possa ser conscientemente irreconhecido) da natureza sacramental do ato procriativo.

Conclusões errôneas obtidas pela apreensão incompleta dos fatores envolvidos levaram, no passado, à admoestações do tipo “fogo e enxofre”, dirigidas contra os “abusos” que , neste tempo, acreditava-se levarem a degeneração do sistema nervoso, à cegueira, à paralisia e a insanidade.

Na verdade, nada da energia é perdida, embora ela não consiga encontrar um campo de operação na matriz que a natureza promoveu a ela.

Ela produz, ao invés de uma prole física, fantasmas compostos de matéria tênue. Através da prática deliberada e persistente de tais “abusos”, entidades qlifóticas são engendradas; elas vampirizam a mente e se alimentam de fluidos nervosos.

Crowley menciona que: “Os antigos rabinos judeus sabiam disso e ensinaram que, antes que VA fosse dada a Adão, o demônio Lilite foi concebido pêlos respingos de seus sonhos de modo que as raças híbridas de sátiros, elos e outros parecidos começaram a povoar aqueles lugares secretos da terra que não são sensíveis aos órgãos do Homem Comum”.

Muitas dissertações longas e tediosas sobre a possibilidade de uma “feiticeira” dando à luz a prole, após a união com o diabo na forma de um incubo, deveriam ser entendidas no sentido de que filhos nascem de tais uniões, embora não sejam filhos físicos.

Qualquer descarga de energia, de qualquer natureza, tem um efeito em todos os planos. Se os resultados em um plano são impedidos – como aconteceria no caso do íncubo – eles aparecem, então em outro [plano].

De acordo com antigas autoridades em Feitiçaria, íncubos e súcubos eram personificações do próprio diabo. O diabo é sinônimo do espírito criativo do homem. Crowley vai mais longe ao declarar que “o sátiro é a verdadeira natureza de cada homem e cada mulher”. O íncubo ou súcubo é a exteriorização, ou extrusão, do sátiro em cada indivíduo. Ele representa a vontade subliminar; Ele representa a Vontade subliminar; na verdade, [ele representa] o Ser Anão ou Sagrado Anjo Guardião.

Ele é o princípio no homem que é imortal e inextricavelmente ele possui estreita ligação com a sexualidade que , por sua vez, é a chave para sua natureza e os meios de sua encarnação.

No antigo Egito, tumba e útero eram termos intercambiáveis. O útero levava ao nascimento no mundo material, a tumba, no mundo espiritual.

As idéias de ressurreição e re-ereção era m também intercambiáveis. O falo ereto, ou erguendo-se, simbolizava a ressurreição para a nova vida no mundo espiritual; ele significava também a habilidade de viver e de trazer a vida novamente; dizia-se que ele “morria” no ato de transmitir o princípio vital, a sua Palavra, a sua Verdade.

Numa lenda egípcia da criação, gravada no papiro de Nesi Amsu, o deus do sol Atum é descrito como tendo pressionado seu membro com sua mão e realizado seu desejo, produzindo assim seus dois filhos Shu e Tefnut.

Estas crianças representam os princípios místicos do fogo e da água, calor e umidade, necessários para materializar o espectro; a matriz [representa] o útero úmido – ou “súcubo” – através do qual a energia é transmitida aos planos sutis.

O Deus Kefra também está gravado no mesmo papiro como tendo tido uma união com sua mão e tendo abraçado sua sombra num “abraço de amor”. A sombra é o súcubo.

Na tradição rabínica, seu nome é Lílite; ela foi a primeira mulher de Adão e foi criada da substância de sua imaginação. Em um manuscrito da Aurora Dourada [Ordem Goldem Dawn] intitulado “A Mercará”, ela é descrita como “uma mulher bonita por fora mas por dentro, corrupta e putrefata”.

Eva e Lílite não são duas criaturas diferentes, mais dois aspectos de uma única entidade. O aspecto brilhante, solar, criativo, angélico foi chamado Eva (uma forma da divindade criadora IHVH – Iavé [YOD – HEH – VAV – HEH];o aspecto lunar, corrupto, demoníaco foi chamado Lílite.

Ela estrangulava almas com seu abraço ou com o enlace de um único fio de cabelo. Ela era chamada de mulher-serpente por causa de sua conexão com a corrente lunar da periodicidade, simbolizada por sua capacidade de assassinar “crianças” tão logo eram concebidas; mais tarde ela se tornou a deusa da Feitiçaria, a magia da noite (ou seja, da escuridão: magia negra), em oposição à magia do dia (ou seja, magia solar ou branca).

Estes aspectos gêmeos do Sagrado Anjo Guardião – o bom e o mau dáimon – parecem fascinantes e terríveis por vezes, do mesmo modo que a deusa káli aparece aos seus devotos como a gentil Durga ou a terrível Bhavani.

Consideradas misticamente, eles são duas entidades subjetivas, aspectos da consciência que podem ser vitalizados por métodos mágicos apropriados. Eles são companheiros vagos e esfumaçados que respondem às mais tênues evocações do sistema nervoso.

Num sentido espiritual, eles podem ser considerados como guias da alma pelas trilhas luminosas e obscuras de Amenti.

A evocação do companheiro obscuro para fins pessoais é citada por J. Marques-Rivière (“Ioga Tântrica”): “Eu fui capas de conhecer pessoalmente o apetite sexual anormal e absolutamente depravado destes falsos iogis.

O método usado é chamado de Praioga, através do qual é possivel visualizar e animar certas entidades femininas que são chamadas de Súcubos. “Arthur Avalon também se refere a um processo análogo de magia negra sexual em “O poder da serpente”:

“Aqueles que praticam a magia do tipo mencionado, trabalham apenas com o centro mais baixo, recorrem à Praioga, que conduz à Mayika Siddhi, por meio da qual é efetuado o relacionamento com espíritos feminos e similares.”

Crowley dá um método de gerar tais companheiros que envolve o uso do Sistema Enoquiano de Dee (John) e Kelley. Tais elementais, ou espíritos familiares, devem, diz ele, ser tratados com gentileza e firmeza. [nota digitador: em outro texto, diz que deve ser tratado como se trata um cão fiel ].

Os melhores tipos de “espírito” são os espíritos das Tábuas Elementais de Dee e Kelley divisaram para a conjuração de servidores mágicos. Estes servidores são “fiéis e perfeitos em sua natureza, afeiçoando-se a raça humana. E se não são tão poderosos quanto , são menos perigosos que os Espíritos Planetários.” Crowley os conjurou através das Chaves ou Chamados de Enoque (Ver o Equinox , Vol. I. nos 7 e 8). Depois dos chamados, ele realizava um ato de magia sexual como descrito no papiro Nesi Amsu, deixando o sêmen cair sobre as pirâmides de letras, formando os nomes dos espíritos que ele estava conjurando e sendo preservado dentro delas.

Em 1945, o então chefe de uma loja da O.T.O. , na Califórnia, realizou com sucesso uma operação similar, mas com resultados desastrosos para ele mesmo (ver o capítulo 9).

Grande parte da magia de Crowley era realizada no plano astral e normalmente envolvia alguma forma de intercurso sexual:

“a única operação “física” realmente fácil que o corpo de luz pode realizar é o Congressus Subtilis. As emanações do “corpo de desejo” do ser material que se está visitando são, se a visita for agradável, que espontaneamente se ganha substância no enlace. Há muitos casos registrados de crianças que nasceram como o resultado de tais uniões.”

Estas “crianças” eram elementais ou companheiros. Se “crianças”, eles atuam como servidores, como o familiar de uma feiticeira; se companheiros, atuam como elos através dos quais ele era capas de se comunicar com habitantes dos reinos astrais consoantes com a natureza do súcubo. Desta forma, Crowley ganhou acesso direto a regiões escondidas dos ocultistas, utilizando as velhas técnicas

cerimoniais de evocação. Isto também possibilitou, em muitos casos, que ele dispensasse um médium entre ele próprio e as entidades contatadas, pois pela união sexual com uma entidade não terrestre, ele era capaz de entrar no fluxo de contatos não-humanos sobre os quais Dion Fortune faz menção freqüentemente.

O “corpo de luz” é assim chamado porque era sabido desde antigamente que o homem ressucitava, não em seu corpo físico (como acreditam os cristãos), mas num veículo mais tênue e etéreo que se erguia da escuridão da morte, o abismo, assim como as estrelas que se erguem resplandecentes acima do horizonte.

O corpo astral ou fantasma era o tipo mais antigo de ressurreição porque – de acordo com a doutrina egípcia – quando a múmia se transformava no submundo de Amenti, quando então ela se espiritualizava ou “obtinha uma alma entre as estrelas do céu”, ou indivíduo se erguia de novo no horizonte como a constelação de Órion – a estrela de Hórus – o Sahu, ou corpo glorificado ressurrecto eternamente nos campos de Sekhet Aarhu (espaço da eternidade).

Órion representava o Hórus reerguido (o defunto glorificado) há pelo menos 6 mil anos, quando a Estrela (corpo astral) erguia-se da morte escura no Oeste, o submundo de Amenti (Ver O livro dos Mortos, Capítulo LXXXIX, etc.).

O corpo estelar ou astral é também chamado de Corpo de Desejo, porque ele é o veículo da sensibilidade no organismo humano. Este corpo foi atribuído ao mais antigo deus estelar, Set, que era também um deus do fogo. A Hórus, seu irmão gêmeo, foi atribuído o corpo espiritual representado pelo Sol. A ligação entre deuses estelares – ou do fogo – e o sol é a corrente lunar tipificada por Tot, Senhor da Magia e Escriba dos deuses. Tot é sagrado para o jovem deus Khonsu, de quem Crowley, como um mago, afirmava ser um avatar, identificando-se assim como um elo entre a Besta (Set, Senhor as estrelas) e o Anjo(Hórus, Senhor do Sol).

Como o sexo é a mola mestra do corpo astral, foi através de seu uso que Crowley cumpria grande parte de sua magia nos planos sutis.

“Nenhuma causa pode ser impedida de seu efeito, e se o efeito for impedido de se manifestar em um plano, ele o fará em um outro. E em sua manifestação secundária que o perigo espreita o praticante não iniciado, porque nesta fase ele gera uma imagem corrompida da Vontade. Para evitar isto, a Vontade deve ser tão firme como uma chama num local sem vento. O menor tremor e a imagem oscila. Eis porque a prática intensa da concentração mental é essencial. A mente e a vontade devem estar unidas e funcionar unicentradamente. Quando a imagem é distorcida, ela produz uma cria alienígena e parasítica que sobrevive da energia vital da pessoa que a trouxe à existência. Com cada novo ato sexual a criatura ganha poder; ela se torna um vampiro, obsediando o indivíduo e levando-o a ações de crueldade ou luxúria das quais normalmente ele seria incapaz. Éliphas Lévi descreve bem a situação:

“Quando alguém cria fantasmas para si próprio, ele coloca vampiros no mundo e deve nutrir estes filhos de pesadelos voluntários com o seu sangue, sua vida, sua inteligência e sua razão, sem jamais satisfazê-los.” (A Chave dos Mistérios, tradução de Crowley).

Se corretamente utilizada, entretanto, não há limite para o que se pode conseguir através do controle mágico da corrente sexual. Crowley escreveu: “Eu não sabia, até junho de 1912, da tremenda importância do conhecimento detido pela O.T.O. e, mesmo quando soube, não me dei conta dele.”

Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu, Crowley suspeitou que o fim da civilização era iminente. Ele baseou suas suspeitas no texto do terceiro capítulo de O Livro da Lei. É interessante ver o que ele escreveu a Frater Achad (Charles Stansfeld Jones, de Vancouver). Achad estava para se tomar a prova viva de que O Livro da Lei havia sido comunicado a Crowley por uma Inteligência preter-humana, demonstrando assim que a consciência pode se manifestar, e realmente se manifesta, independentemente do homem (isto é, da estrutura cerebral e nervosa do homem):

“Em vista do iminente colapso (isto é, da ordem atual do mundo), não seria essencial selecionar um número de homens adequadamente treinados e confiar-lhes os segredos dos quais dispomos? Meu conhecimento da técnica aumentou grandemente desde que escrevi meu Comentário ao Nono Grau.

A suprema importância deste assunto jaz nas considerações seguintes. As descobertas da Ciência no século passado ou no atual têm sido semelhantes a este respeito, [ou seja] que todos estão afastados da Virtude.

Elas podem ser igualmente utilizadas por homens vulgares, freqüentemente por homens meramente brutais, sob o controle de mestres vis e ignóbeis. O resultado é o que vemos.

Mas através da O.T.O. nós possuímos uma forma de energia mais forte e mais sutil do que qualquer outra já conhecida; e sua virtude é que ela não pode ser empregada com sucesso por homens ignorantes das leis espirituais e não treinados pelos métodos espirituais. O ser mais maligno da humanidade é capaz de se concentrar, o que é um fato essencial no sucesso.

Mas, apesar de devermos fazer tudo o que pudermos para guardar o segredo das mentes incapazes, não podemos negar que ele já seja amplamente conhecido, pelo menos de formas grosseiras e errôneas. Devemos confiar no fato natural de que a técnica da Virtude deve necessariamente prevalecer.

Ainda que aconteça o pior, eu acho que seria melhor que o mundo fosse regido por Lojas Negras e Brancas do que, como agora, seu governo não passasse de mera confusão. Por conta disto eu não vou me eximir da responsabilidade de usar este grande Segredo para determinar a direção na qual a esfarrapada árvore da civilização deva cair. É prioritário em tais questões que eu solicite a Sabedoria dos Irmãos Anciãos.

Dada a aprovação Deles, deveríamos encontrar pouca dificuldade em selecionar e treinar número suficiente de homens para estudar, desenvolver e aplicar esta energia.”

O Comentário sobre Líber Ágape (mencionado na carta acima) refere-se ao conhecimento secreto sobre o qual o Soberano Santuário da Gnose, IXº O.T.O. está constituído. O que Crowley não explicou no Comentário foi o papel representado pela shakti, ou a parceira feminina, selecionada para ajudar no ritual.

Vinte anos de pesquisa independente com a fórmula do IXº me convenceram de que Crowley não estava plenamente ciente da parte representada pelos kalas místicos, ou vibrações vaginais, emanados das shaktis utilizadas no rito.

A natureza dos kalas forma uma parte altamente técnica da doutrina tântrica. E evidente pelos seus diários, cartas e ensaios que Crowley estava ciente da importância da parceira durante os ritos sexuais. Ele diz, por exemplo:

“Eu estou convencido que uma importante consideração é aquela da parceira, e isto … está além do controle da consciência. Ao realizar trabalhos cerimoniais comuns em tempos passados, eu costumava achar que algumas pessoas pareciam ter a faculdade de conseguir que as coisas acontecessem no plano material, e isto instantaneamente.

Normalmente, elas não podiam fazer nada por si próprias; elas não eram nem mesmo clarividentes, mas comigo a dirigi-las, os fenômenos começavam a ocorrer de imediato.”

Discutindo a adequabilidade da parceira numa carta datada de 1938, ele diz: “Eu não acho que os tipos finos (de mulheres) sejam muito bons; as grosseiras são as melhores. Pessoas cujos instintos procriadores são naturalmente excessivos, mas que se volveram por uma ou outra circunstância para canais de voluptuosidade e extrema libido; por libido eu pretendo usar a palavra realmente em seu sentido mais amplo — uma intensa e instintiva luxúria por objetos variados.”

E em certas instruções referentes à Operação do IXº, ele escreve: “A escolha de uma assistente parece ser tão importante que talvez isto deva ser deixado ao capricho; isto é, à atração subconsciente.”

Uma pista quanto ao tipo qualificado de assistente para o papel de Mulher Escarlate é fornecida em O Livro da Lei, capítulo dois:

“Magníficas bestas de mulheres com longos membros, e fogo e luz em seus olhos, e massas de cabelo flamejante à sua volta…”

Estes epítetos não são meros dispositivos literários. Eles são cifras dissimulando características definidas pelas quais o iniciado é capaz de reconhecer a atitude mágica em certos tipos de mulheres. Os floreados elogios do charme feminino encontrados em muitos tantras similarmente dissimulam as precisas características requeridas para uma operação mágica bem-sucedida.

Em termos tântricos, a Mulher Escarlate é Suvasini; literalmente “a mulher que emana um cheiro adocicado” do Círculo Místico (chacra) que é formado para o propósito de obter oráculos e tantras. Tantras são coleções de instruções em magia, comunicadas por inteligências para-terrestres de modo muito semelhante àquele em que O Livro da Lei foi comunicado a Crowley.

Nos tempos antigos, as sumo-sacerdotisas de Dodona, Delfos e Elêusis cumpriam funções oraculares similares; elas se tomavam o sagrado Uterus, o Emissor”‘, da Palavra.

A falta de informações precisas no que se refere às funções da parceira feminina e a descoberta por não-iniciados, após a morte de Crowley, de referências em seus Diários Mágicos a determinadas mulheres, algumas das quais preenchiam, e outras não, os requisitos necessários ao ofício de Mulher Escarlate, levaram a uma má interpretação generalizada de suas atividades e de seus motivos.

O Chacra Místico, ou Círculo Mágico dos Tantras, é uma forma simbólica e extemalizada dos centros sutis do corpo humano. A ioga está repleta de descrições destes chacras, sete dos quais são de grande importância. Eles foram descritos detalhadamente em numerosos livros de ioga e anatomia oculta, e ocultistas como Dion Fortune chamaram a atenção para suas correspondências no sistema endócrino. Vendo o assunto por este ângulo, muitos fatos interessantes emergem, alguns dos quais são descritos no Capítulo 4.

Os alquimistas preocupavam-se com o organismo vivo, e suas peculiares potencialidades, não menos do que os tântricos, sua contraparte oriental. Além disso, foi provado por experiências científicas que os chacras emanam um poder sutil. Em 1939, Wilhelm Reich descobriu uma energia radiante em bíons derivados da areia. Mais tarde, eles foram encontrados no solo, na atmosfera, na radiação solar e no organismo vivo.

Em Aspectos do Ocultismo, Fortune menciona as. vibrações detectadas na areia. Ela atribui a estranha influência do Egito à “eletricidade gerada pelas areias sempre em movimento do grande deserto do Saara, que, assim, muda o índice normal de vibrações, cujo resultado é uma expansão da consciência”. Descobriu-se que o chacra Ajna, comumente chamado de terceiro olho, consiste de partículas de uma substância muito fina semelhante à areia, ou a cristais num aparelho de rádio receptor.

A afinidade entre as secreções das glândulas endócrinas e as vibrações irradiando dos chacras sutis explorada pelos iogues forma a base da magia sexual que utiliza estas vibrações de um modo ainda desconhecido para a ciência. Todos os assim chamados cultos fálicos possuíam originalmente o verdadeiro conhecimento destas questões, antes que ele fosse perdido ou pervertido pelo uso impróprio. O que resta da sabedoria antiga é o vestígio somente de ritos corrompidos e fálicos; são estes, e não as verdadeiras doutrinas, que são hoje o alvo dos peritos que se auto-denominam “sofisticados” e “experts iluminados”, cuja sabedoria mundana é, de fato, nada comparável àquela dos antigos.

A Tradição Mágica, a qual incluía o sexo como um meio de consecução espiritual, existia muito antes dos tempos dinásticos do antigo Egito, e existem antigas referências a ela nos escritos sagrados da Índia e da China.

No Egito, esta tradição era conhecida como o Culto Draconiano ou Tifoniano. Ela foi a primeira forma sistematizada dos antigos mistérios africanos.

As doutrinas que os Egípcios elaboraram num culto altamente especializado floresceram mais tarde nos tantras da Índia, Mongólia, China e Tibete. “O quão paradoxal possa parecer”, escreve Crowley, “os Tântricos são na realidade os mais avançados entre os Hindus. A essência dos cultos tântricos é que pela realização de certos ritos de Magia, não apenas se escapa do desastre, mas obtêm-se bênçãos positivas.

O tântrico não é obcecado pela vontade de morrer. É difícil, não há dúvida, conseguir algum divertimento na existência, mas ainda assim não é impossível.

Em outras palavras, ele nega implicitamente a proposição fundamental de que a existência é sofrimento e formula o postulado essencial … que meios existem pelos quais o sofrimento universal (aparente na verdade a toda observação comum) pode ser desmascarado, assim como quando nos ritos iniciatórios de Ísis, nos antigos dias de Khem (Egito), um Neófito aproximando sua boca, sob compulsão, das espichadas nádegas do Bode de Mendes, via-se acariciado pelos lábios castos de uma sacerdotisa virgem desta Deusa, em cuja base do relicário estava escrito que Nenhum Homem levantou o Seu véu.”

Crowley sabia que o ponto crucial do ritual tântrico jaz em sua conexão com o êxtase magicamente induzido do orgasmo sexual. Orgasmo, no sentido reichiano de um fulminante paroxismo envolvendo o organismo inteiro, está algumas vezes em contradição com o conceito tântrico de (a) orgasmo total, ou (b) uma total ausência de orgasmo; ambas as interpretações foram lidas em textos tântricos.

Em ambos os casos, o orgasmo é comumente visto como fenômeno psicofísico. Mas isto é incorreto. Reich enfatizou a distinção entre ejaculação e orgasmo, um sendo físico e o outro, estritamente falando, metafísico.

Ejaculação sem orgasmo é uma ocorrência comum e, como Reich apontou, o orgasmo total é um fenômeno muito menos frequente. Ele é indubitavelmente bem menos frequente do que ele supunha. A concepção tântrica do orgasmo em seu sentido diretamente sexual (pois ele tem outros [sentidos]) é de uma natureza mais compreensível; ele pode, de fato, ser descrito como parassexual. Ele envolve a shakti Kundalini, da qual o aspecto sexual é sua forma mais material. A produção real do sêmen é o produto final, se não o produto-dejeto, que sobrou de uma corrente de consciência imprópria e incompletamente absorvida.

A Corrente da Consciência é dupla: mágica e mística. A primeira opera nos chacras mais baixos, a última, nos mais altos. Aquilo que é ejaculado como sêmen é a energia não absorvida (prana ou ojas), e ele sempre contribui para a criação de formas materiais, alojadas num útero ou não. Caso contrário, o transbordamento (como na masturbação, sodomia, felação, etc.) é tomado pelo astral e por entidades qlifóticas e transformado em organismos já existentes nos planos sutis.

Paracelso refere-se aos homúnculos (criaturas geradas artificialmente) feitas de esperma independentemente do organismo feminino e às larvas astrais e monstros parasíticos construídos da substância de imaginações voluptuosas.

O orgasmo pode ocorrer em qualquer dos seis principais centros do corpo ou em todos simultaneamente, em cujo caso um sétimo é trazido à existência como o supremo evento-ato. Ele é representado como existindo, ou vindo a existir, na coroa da cabeça. Este é o Sahasrarachacra, o lótus de mil pétalas que se diz estar situado na região da sutura craniana. No momento da morte de um Adepto, ou no princípio de um transe profundo, a consciência deixa o corpo por este centro.

Ela assim o faz acompanhada de uma indescritível felicidade. A felicidade é a verdadeira natureza da Consciência, que se manifesta como Luz.

Ela é o orgasmo ultima do qual todas as manifestações menores são senão sombras, pois este orgasmo é o Grande Ir, o andarilho sendo a designação especial dos deuses mais elevados, tanto na tradição do Egito quanto na da Índia. A cruz anca — ou a tira de sandália — é o seu símbolo, a semente secreta, o andarilho de vida em vida, o andarilho que transcende a morte completamente.

A tira de sandália, o símbolo do andar e, portanto, do orgasmo, é o glifo de Vênus, a deusa do amor; ela é o instrumento, no sentido sexual, da transcendência ultimal da consciência individual.

O orgasmo nos vários centros é o florescer de poderes específicos ocultos na anatomia sutil do corpo do homem. Os poderes (siddhis) pertencentes a cada lótus são descritos em qualquer manual de yoga. Quando a Serpente de Poder descarrega-se como sêmen, os resultados são físicos, em oposição aos [resultados] metafísicos.

Em O Livro da Lei, que pode ser descrito como um tantra moderno, o movimento deste Poder para baixo e para fora é descrito como resultando em peçonha, isto é, veneno (Hl.) em oposição ao néctar (^):

“Eu sou a secreta Serpente enroscada prestes a pular: em meu enroscar está o prazer. Se Eu ergo minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se Eu abaixo minha cabeça, e germino veneno, então é a raptura da terra, e Eu e a terra somos um.”

Seja qual for a meta do homem concebida por Reich e outros, para os tântricos a meta é atingida por uma reversão do processo que leva à substanciação do Poder gerado durante o orgasmo.

No Budismo Tântrico, por exemplo, ao bodicita (luz da consciência30) não é permitido formular-se como sêmen; o processo é inteiramente místico, e quando mulheres participam do ritual, elas são utilizadas para estimular a Kundalini, para despertá-la do sono no centro mais baixo, antes dela começar sua ascensão.

O notório Círculo Aula dos Vamacarins (tântricos do Caminho da Mão Esquerda), em algumas de suas divisões, utiliza a fêmea para propósitos similares, mas ela permanece virgem.

Criou-se alguma confusão devido à natureza curiosamente ambivalente do simbolismo adotado pelos iniciados orientais. Existem, sem dúvida, algumas divisões tântricas que de fato expressam a Corrente-Consciência como sêmen e, então, reabsorvem-no no sistema por um método no qual o pênis é usado como um sifão. Isto é perigoso, a menos que o praticante seja um adepto.

Crowley evitava, de certo modo, os perigos ao absorver a substância oralmente durante suas operações mágicas.

Para ser efetivamente utilizada desse modo, a Corrente-Consciência deve ser carregada pela Vontade do operador no momento de sua transformação em sêmen. É a fusão total dos princípios ativo e passivo numa explosão deslumbrante de êxtase que constitui a transubstanciação dos elementos grosseiros do Rito Sagrado nos sacramentos glorificados do verdadeiro casamento místico.

A palavra orgasmo implica um rito, ou operação, sagrado além também de seu significado indicatório do paroxismo e expansão emocionais. Os gnósticos chamavam este rito de Missa do Espírito Santo e as essências masculino-feminina — expressas em suas formas grosseiras — eram simbolizadas pelo pão e pelo vinho. A Missa Gnóstica é portanto um eidolon do êxtase, ou orgasmo, metafísico que está velado sob o símbolo do Espírito Santo, do qual a pomba (o pássaro de Vênus) é o veículo especial. A pomba é também um símbolo do Jardim do Éden (o Campo do intercurso de energias ódicas), tipificado e tomado real pela mulher. Jardim é um dos significados da conhecida palavra para a vulva (conforme Kent, “o jardim do sul”). Mas uma mulher não está necessariamente presente no ritual tântrico, não mais do que ela precisa estar presente quando ocorre o orgasmo sexual.

O sonho molhado é um exemplo disto. Há um despertar no momento crítico, exatamente quando a Corrente-Consciência começa a fluir para fora do corpo sob a forma de secreção. A Consciência fluindo para fora é a mente, ou mais precisamente, a mente em movimento, ou seja, o pensamento. Quando isto ocorre, o sonho (o estado subjetivo de criação de imagens) passa para o estado desperto (o estado objetivo de criação de imagens). E nessa junção que o adormecido desperta, e, por um rápido momento, fica convencido de que estava coabitando com uma mulher real. Um súcubo foi gerado, uma objetivação — pela luz da consciência dentro da mente — do desejo da mente, porque a mente sempre assume a forma de seu objetivo. A experiência é tão vívida quanto como se fosse real. Para o sonhador, a atividade do sonho é tão real quanto é a vida diária para a pessoa inteiramente acordada.

Quando a corrente é revertida, a Consciência assume a sua própria forma, que é em realidade Não-Forma, pois ela é vazia, isto é, além da forma. O vazio é o Atma do Hinduísmo que é igualado ao verdadeiro princípio imortal, o Verdadeiro Ser. No estado de vazio, a felicidade pura é experienciada, como no sono profundo e sem sonhos.

Não há nenhum conhecedor ali, nenhum objeto a ser conhecido, nenhum homem ou mulher, nenhum sujeito ou objeto. Conseqüentemente, a Consciência assume sua própria natureza que é auto-resplandescente. Quando esse estado é alcançado cognitivamente (não se pode dizer “conscientemente”, pois não há jamais um tempo em que a consciência não exista), então o sono profundo se toma não um esquecimento, mas imediata consciência de si, que é o Conhecimento Puro cuja natureza é a Felicidade.

Por este meio, o tântrico procura liberar-se da escravidão da matéria, da dualidade do universo fenomênico e numênico. Ele é um orgasmo da Consciência, um florescimento da Consciência além de toda dualidade.

Edward Carpenter (O Cimo de Adão para Elephanta, 1892) notou, a propósito de certas doutrinas hindus, que elas contêm “um vislumbre da profunda verdade subjacente de que o universo inteiro conspira no ato sexual e que o orgasmo em si é um flash da consciência universal…”

Isto é verdade, mas não é toda a verdade. A Corrente-Consciência é vista por clarividentes como um filete de brilho no interior do canal central (espinha) do corpo humano. Ela pode ser vista como uma trêmula teia de ramos cintilantes interpenetrando o corpo astral, o Corpo de Luz. A identificação da Consciência com a Luz é antiga e universal. A frase bíblica declara: “A luz do corpo é o olho; se, portanto, tiveres um único olho, teu corpo inteiro estará cheio de luz.”

O Olho é o símbolo do Vidente; ele é a consciência que ilumina objetos e toma a visão possível. Ele é também um símbolo da yoni, a fonte das imagens. Como tal, ele é idêntico à própria Consciência, sem a qual imagens ou formas não podem existir. A passagem bíblica refere-se à prática de reter a luz (Consciência) em seu estado imaculado ou pré-conceptual, impedindo seu fluxo ao exterior e a fabricação de imagens no mundo material.

No momento do orgasmo uma luz brilhante parece explodir interiormente. E difícil dizer precisamente aonde isto ocorre; diz-se que [a explosão] pode ser localizada, pelo observador alerta, em um ou outro dos centros sutis ao longo do canal espinhal. Dion Fortune chamou a atenção para o fato de que estes centros aproximam-se de regiões específicas do sistema endócrino e estão conectadas à produção de secreções endócrinas. Não se deve supor que os chacras respondam à investigação física, assim como a mente não pode ser descoberta por cirurgia cerebral. Os chacras existem como realidades em dimensões extra-físicas, e eles são tão reais em seu próprio plano quanto os sonhos o são no seu.

A polaridade sexual no seu sentido mais profundo e tântrico é uma forma natural de união (ioga) usada por Adeptos, Ocidentais e Orientais, para a consecução do Objetivo último. Paracelso, Lévi, Blavatsky, Hartmann, Fortune e outros pontilharam seus escritos com pistas, mas coube a Crowley falar plenamente, desenvolver o relato mais completo e mais sistemático deste caminho ambíguo.

A ignorância geral, os mal-entendidos e as interpretações malévolas de seus escritos fizeram o melhor que podiam para obscurecer seu propósito, mas agora, mais de vinte anos depois de sua morte, a situação afinal mostra sinais de mudança.

Nos tempos mais antigos, o fogo do processo criador era identificado com a Besta (conforme Bast, a deusa egípcia da luxúria e do calor sexual), simbolizada pelo hipopótamo, o crocodilo, a leoa, o gato, o porco ou a vaca. Quando este simbolismo foi interpretado antropo-morficamente, como mais tarde o foi, o próprio órgão gerador era escolhido para representar o processo criador inteiro. Com o decorrer do tempo, a besta transformou-se na forma humana31, mas a kteis, o órgão simbólico da mudança, ou transformação, permaneceu o mesmo.

Nos hieróglifos ela representava O Grande Poder Mágico32 que concentrava (simbólica e verdadeiramente) o poder da besta de recriar e transformar a si própria, de projetar sua imagem no futuro como se por magia e de continuar fazendo assim, para sempre. Uma santidade especial era então atribuída à genitália feminina, o portal da vida perpétua.

Num período bem mais tardio, os egípcios ocultaram a identidade humana de seus deuses sob máscaras de animais que representavam os tipos de energia que se desejava invocar e controlar. A acuidade visual do falcão, por exemplo, e sua habilidade de subir aos céus e de aproximar-se do sol fez com que ele se tomasse um glifo solar de deuses tais como Hórus e Rá.

Os sacerdotes assumiam a máscara ou a forma-deus de um falcão em operações envolvendo clarividência, descoberta de tesouros ocultos e assim por diante. A Cobra, com sua velocidade, sua sutileza e habilidade para trocar sua pele já usada, tomou-se o modelo de rejuvenescimento e mudança, e, portanto, de magia.

Assim também ocorreu com a Lua em uma fase de seu simbolismo. A Cobra era, originariamente, um glifo da fêmea devido a seus poderes de renovação periódica; ela unifica o dualismo do poder fálico, primeiramente em seu aspecto feminino e mutante (como a energia lunar) e, em segundo lugar, em seu aspecto criativo como energia solar tipificada pela súbita ereção e a fulminantemente e rápida ejaculação do veneno. O conceito finalmente mesclou-se com a Serpente de Poder, a Kundalini dos Tantras.

A antiga fórmula conhecida como Assunção de Forma-Deus foi revivida na Aurora Dourada e foi continuada na O.T.O, sob símbolos fálicos.

Esta fórmula evoca as shaktis (poderes) latentes nos elementos, nas bestas ou nos “deuses” que representavam aspectos da mente subconsciente do homem incorporados em formas simbólicas.

A transição do mortal para imortal é conseguida por um ato de vontade criativa, e a arma mágica (Baqueta ou Falo) é a erétil chama impetuosa comum na besta e no homem. O deus Mentu33 ou Min era a forma itifálica de Hórus; de Min é derivada a palavra Man (Homem).

Mentu tomou-se Mendes, o nome do antigo nomo egípcio consagrado à Cabra ou Bode, o Baphomet dos Templários retratado com o falo exaltado. O poder primai era também simbolizado pela Serpente Ureus que coroava os deuses egípcios ou pelos chifres que sobressaíam da fronte do Grande Deus Pã, o Todo-Criador dos gregos. É a Kundalini erguendo-se, idêntica à cadeia de símbolos de Set-Pã-Baphomet-Mendes-Fênix.

Nos primeiros estágios da carreira mágica de Crowley, o uso involuntário de magia sexual, mais as repetidas assunções de formas-deuses do antigo Egito — especialmente aquela de Hórus-Falcão —, resultaram no rapport com Aiwaz em 1904. Onze anos mais tarde (1915), ele reconheceu a si próprio como sendo A Besta 666, um Magus da A.’. A.’. e Senhor do Éon de Hórus, cuja Palavra é Abrahadabra e que oculta a fórmula de Shaitan e da magia sexual-34

Qualquer que seja a natureza específica desta “besta” (falcão, leão-serpente, dragão, fênix, etc.), isto implica na identificação com uma entidade não humana. Crowley identifica a si próprio com a Besta 666 porque este número é uma máscara de Hadit ou Set (Shaitan), representado celestialmente pela Estrela-Cão, e na terra, pelo falo.

O número do Sol é 6 (simbolizado pelo Selo de Salomão); o número da Estrela de Set é 6, como no Hexagrama Unicursal que é o Hexagrama de Invocação da Besta; o número do Filho (“criança”) é também 6 (Vau ^) — portanto, 666. Similarmente, a Mulher Escarlate, Babalon — o lar do Falo — representada astronomicamente por Nuit (Draco) e Suas “estrelas”, é, sobre a terra, a Vésica ou Kteis, e seu número é 7, que é o número de Vênus, seu representante planetário.

Originalmente, entretanto, o número 7 é derivado de sua identidade com as sete estrelas da Grande Ursa, ou Dragão do Espaço, cujo nome era Sephek ou Sevekh (Sete). “Hesitar entre o seis e o sete” é uma expressão baseada nesta vasta e antiga tradição oculta, derivada de um tempo em que a confusão reinava devido à mudança dos meios de cálculo Estelar (7) para o Solar (6). O assunto é muito complexo para ser tratado aqui.

O leitor deve consultar os capítulos de Gerald Massey sobre o “Tempo” em A Gênese Natural, Volume II, Seção XII. Os primeiros cálculos de tempo centravam-se na revolução da Serpente (Draco ou Nuit) em torno da Estrela-Cão (Hadit).

Sept ou Set, a Estrela de Sótis, é na realidade o nome do Número Sete, o número de Sevekh ou Vênus que, numa época mais tardia era a representante planetária dos conceitos estelares originais. Portanto, a Estrela de sete raios de Babalon ë um glifo do Espírito de Sótis; ela é a Estrela de Ísis-Sótis — a Mãe e a “Criança”. A Besta ou Dragão do Apocalipse tinha sete cabeças (as sete principais estrelas da Ursa Maior), e o manifestador destas Luzes ou Espíritos não era nem o sol nem a lua, mas “a Luz que ilumina a Cidade”.

Mas há uma outra interpretação do 6 e do 7, mais mágica ainda, que está oculta na união deles (13). Este número, além de sua implicação lunar é também 31 ao contrário e indica que a chave para a fórmula da Magia especialmente característica da Besta e da Mulher deve ser buscada no XIº O.T.O.

As “Estrelas”, magicamente falando, representam a consciência astral concentrada nas essências sutis (kalas, unidades de tempo) que foram descritas nos tantras secretos da Índia como vibrações vaginais. Em O Livro da Lei, Aiwaz revela sua identidade e concentra a fórmula de Shaitan nestas palavras misteriosas:

“Vê! Isto é revelado por Aiwass o ministro de Hoor-Paar-Kraat. O Khabs está no Khu, não o Khu no Khabs. Adore então o Khabs, e contemple minha (ou seja, de Nuit) luz derramada sobre vós!”

Khabs é uma palavra egípcia que significa “Estrela”, e o khu é a essência ou poder mágico feminino. A Estrela (isto é, Sótis, a Estrela de Shaitan) reside no poder mágico da essência geradora da fêmea, pois a Estrela-Cão é Sótis, que também é chamada a Alma de ísis. Pela adoração (isto é, utilizando deliberadamente ou ritualmente) desta “Estrela”, a Luz de Shaitan também é invocada. Estes versos compreendem a fórmula inteira da magia sexual e o seu modo de utilização.

Também, de acordo com o antigo saber mágico, a fórmula da encarnação de um deus era aquela da besta unida à mulher. Nos comentários sobre A Visão e a Voz, Crowley observa que “todas as mitologias contém o mistério da mulher e da besta como o coração do culto. Notadamente, certas tribos do Terai até os dias de hoje enviam suas mulheres anualmente para a selva, e todos os meio-macacos que daí resultam são adorados em seus templos.”

O ato sexual (nestes casos) pode ser elevado do nível de um ato animal pela influência humanizadora da Mãe, a qual, transmutando o fogo animal, produz uma criança que transcende ambas as qualidades bestiais e humanas de seus pais.

No Bhag-i-Muattar (1910) Crowley diz que “a Esfinge é a deificação do bestial e, portanto, um Hieróglifo apto da Grande Obra”.

A Besta, como a corporificação do Logos (que é Thelema, Vontade), encarna simbólica e verdadeiramente a Palavra deste cada vez que um ato sacramental de união sexual ocorre; ou seja, cada vez que o amor é feito sob vontade. Este é o sacramento que os Cristãos abominam como a suprema blasfêmia contra o Espírito Santo porque eles não podem admitir a operação da fórmula da besta unida à mulher como a condição necessária para a produção da divindade!

Esta fórmula remonta à antigüidade e, interpretada em seu próprio plano, é a sublime alegoria alquímica.

A tradição da tribo do Terai (vide acima) corresponde às lendas de Leda e o Cisne, Pasife e o Touro, Europa e a Serpente, Maria e a Pomba, e numerosas lendas cognatas. Em A Operação de Paris (1914), Crowley declara: “Esta é a grande idéia dos magistas em todos os tempos: obter um Messias por alguma adaptação do processo sexual.

Na Assíria, eles tentaram o incesto; também no Egito, os egípcios tentaram com irmãos e irmãs; os assírios, com mães e filhos.

Os fenícios tentaram com seus pais e filhas; os gregos e sírios, com as maiores bestialidades. Esta Idéia veio da Índia. Os judeus procuravam fazer isso por métodos de invocação, também por pae-dicatio feminarum.

Os maometanos tentaram com o homossexualismo; os filósofos medievais tentaram produzir homúnculos fazendo experimentos químicos com sêmen.

Mas a Idéia raiz é de que qualquer forma de procriação além da normal é a mais apta para produzir resultados de caráter mágico. Ou o pai da criança deveria ser um símbolo do sol ou a mãe deveria ser um símbolo da lua.”

No mesmo texto, Crowley menciona a adoração do touro Ápis num certo labirinto em Creta. Esta adoração é derivada do Egito. O touro era branco.

Na Festa do Equinócio da Primavera, doze virgens eram sacrificadas a ele, sendo doze o número simbólico das casas através das quais o sol passa durante o seu ciclo anual. Em cada caso, o touro usava as virgens conforme a lenda de Pasife. A cerimônia era realizada com a intenção de obter um Minotauro, uma encarnação do sol, um messias.

Uma variação deste sacrifício envolvia a imolação do touro. A virgem era colocada na carcaça quente e era violada pelo Sumo-sacerdote. Ela finalmente se sufocava no sangue do touro durante o orgasmo.

A fórmula da Besta unida à mulher está relacionada à undécima Chave do Tarô. Esta Chave intitula-se A Luxúria; ela mostra a Mulher Escarlate, Babalon, montando com as pernas abertas a besta de sete cabeças conforme descrito no Apocalipse. A letra sagrada Teth35, que significa uma serpente, é atribuída a esta Chave; seu número é Nove.

A Luxúria é especialmente importante no Culto de Thelema, e está relacionada à Vigésima Chave que exibe a Estela da Revelação36. A Estela é um talismã de grande poder no sistema de Crowley. Ela mostra a deusa Nuit arqueada sobre o Fogo fálico-solar de S? (Shin), o Espírito, a letra de Abrasax ou Abrahadabra, a Palavra do Éon do qual Aiwass é a atual expressão. Shin é também a letra de Shaitan ou Set, o Fogo do Desejo (Hadit) no Coração da Matéria (Nuit). A combinação dessas duas Chaves (Vinte e Onze) une, portanto, Shin e Teth. Na cabala Greco-Cóptica elas são fundidas em uma única letra que iguala-se a Kether, a Primeira Emanação da Luz Mágica.

Babalon e a Besta unidos, como na undécima Chave, realizam ao reverso a fórmula da vigésima Chave, que foi intitulada de O Juízo Final no baralho tradicional do Tarô. Agora, entretanto, tendo sido revisada de acordo com os ensinamentos do Novo Éon, a chave foi renomeada como O Éon.

Um Éon, conforme explicado anteriormente, designa não apenas um ciclo de tempo mas é também o nome que os gnósticos deram à sua Divindade Suprema, Abrasax, da qual Abrahadabra (a Palavra do atual Éon) é uma forma especial.

Na Chave intitulada Luxúria (Chave XI), Babalon é mostrada elevando o Graal; na Chave intitulada O Éon (Chave XX), o Graal — sob a forma do corpo arqueado de Nuit — está invertido, regando assim a terra com sua luz

35. Teth, Set ou Tot são termos sinônimos e todos associados ao Lúcifer Hermético, ou Luz de Hermes.

36. Outra prova cabalística do Sistema emerge aqui. O número da Estela é dado em u Livro da Lei como 718. 718 é duas vezes 359, o número de Shaitan. Isto identifica o Duplo Poder de Aiwaz (Ra-Hoor-Khuit e Hoor-Paar-Kraat) com o Éon — que é o nome da Chave que exibe a Estela estelar. A fusão dessas duas imagens formula o Divino Hexagrama:

o fogo fálico (A) ou triângulo ascendente intrelaçando-se com a Água do Espaço representada pela yoni de Nuit, Noite, Nox ou Nada apontando para baixo (V).

Mas a estrela de seis raios assim formada é sêxtupla apenas aparentemente, pois a semente secreta (Hadit) está oculta em seu centro, tornando-a na verdade o selo de sete raios de Babalon — a deusa das Estrelas, o Dragão de Luz no Coração de Nuit. Esta semente secreta, chamada hindu nos Tantras, é o Ponto potencialmente criador oculto dentro do Chacra Místico.

Os rituais da Ordem Rosa-Cruz (a Segunda Ordem da Aurora Dourada) estão amplamente impregnados com traços do Culto Sabeano ou Estelar Draconiano. Isto é particularmente evidente no simbolismo do Piso e do Teto da Cripta dos Adeptos.

Crowley usou a estrela sétupla como base para o Selo que ele formulou para a Grande Fraternidade Branca. O maior emblema da Estrela de Prata é, assim, o selo sétuplo sobre a Yoni da Deusa das Estrelas. Nas yonis, ou triângulos, aparecem as sete letras do Nome B.A.B.A.L.O.N.

No centro, uma Vésica é mostrada bloqueada ou barrada, indicando a presença da semente secreta; o ponto tomou-se a linha, o diâmetro tomou-se a circunferência. Esta semente é o “eremita”, a oculta, mascarada, anônima essência masculina no processo de gerar sua imagem como o filho-sol na deusa Mãe. Este é portanto o Selo de Set que abre o útero de sua mãe, assim como a estrela Sótis abre o Círculo do Ano. Sua luz infinita interrompe a Noite dela e faz com que ela apareça como a Escuridão infinita.

O simbolismo origina-se da fase mitológica da evolução humana, uma fase que data de muito antes dos sistemas patriarcais das sociedades mais tardias, tanto sociológica quanto religiosamente consideradas.

Ele se origina daquele período do tempo quando o papel do homem na procriação era ainda insuspeitado. O simbolismo, portanto, reflete um estágio na consciência humana quando os mecanismos da regeneração eram conduzidos por sacerdotes sob a máscara da besta, ensaiando assim o drama primitivo da fecundação, quando a Grande Deusa tinha a imagem de uma forma animal, acima de tudo. Nuit, arqueada sobre a terra, traduzia este simbolismo numa imagem antropomórfica.

A assunção ritualística de formas-deuses, conforme ensinada e praticada na Aurora Dourada tem, entretanto, um significado mais profundo do que o encenação de fases sociológicas primitivas do comportamento humano, e a assunção de Crowley da máscara da Besta não era um mero gesto de identificação com os processos primitivos.

Ele assumiu o papel com o intento mágico de afirmar sua identidade não apenas com os atavismos pré-civilizados, mas com aqueles poderes transcendentais que, quando adequadamente controlados e dirigidos, ele era capaz de encarnar à vontade. Isto forma as bases de sua magia.

John W. Parsons, chefe da Loja californiana da O.T.O., (de 1944 até sua morte prematura em 1952), resume esta magia:

“Para ir fundo, você precisa rejeitar cada fenômeno, cada iluminação, cada êxtase, indo sempre mais fundo, até que você alcance os últimos avatares dos símbolos que são também os arquétipos raciais.

Neste sacrifício aos deuses abissais está a apoteose que os transmuta na beleza e no poder que é a sua eternidade, e a redenção da humanidade.

Neurose e iniciação são a mesma coisa, exceto que a neurose pára logo após a apoteose e as forças tremendas que moldam a vida são enquistadas — colocadas em curto-circuito e tomadas venenosas. A Psicanálise transforma os símbolos do falso ego e os exterioriza em falsos símbolos sociais; ela é uma confusão entre conformidade e cura em termos de comportamento de grupo.

Mas a iniciação deve prosseguir até que a barreira seja ultrapassada, até que os bastiões nebulosos dos Trawenfells infantis se mudem em rochas e penhascos da eternidade; o jardim de Klingsor transforme-se na Cidade de Deus.”

Não importa, no fim, se a nova dimensão, o fator de redenção, o “Salvador” seja uma besta ou um deus, contanto que a fórmula da Matéria seja transcendida ou, mais precisamente, contanto que o Espírito (Shin) e a Matéria (Teth) sejam compreendidas como Um.

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/bases-metafisicas-da-magia-sexual/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-sexual/bases-metafisicas-da-magia-sexual/

A Prática Vodu

1 – Introdução ao Vodu

Vodu é uma tradição espiritual originada no Haiti durante o período de escravidão colonial francesa. Africanos de muitas linhagens étnicas foram transportados à força para o Haiti, para servirem principalmente como escravos agricultores. Os povos nativos das ilhas, os Taino e os Carib, foram exterminados pelos espanhóis durante as primeiras invasões. Durante este período histórico, europeus da França e de outros países, incluindo deportados pro-Stuart da Escócia, radicaram no Haiti. Devido à tantas linhagens estarem representadas, nenhum culto africano poderia satisfazer todos os participantes, pois a reverência aos ancestrais era muito importante. Entretanto, cada nação tomaria sua vez num encontro. Essa alternância de cultos eventualmente evoluiu para a ordem cerimonial da liturgia Vodu. Durante este período formativo é que foram adotadas também entidades européias pré-cristãs, como Brigid, ou Maman Brigitte na tradição vodu. Também houve uma pequena influência das populações restantes de Tainos e Caribs.

Também há sectos no Vodu, assim como em tantas outras religiões. O primeiro e mais amplamente conhecido é o Vodu Ortodoxo. Nesta seita, o Rito Dahomeano tem posição de primazia e as iniciações são conduzidas com base principalmente no modelo dahomeano. Um sacerdote ou sacerdotisa recebe o asson, um chocalho ritual, como símbolo do sacerdócio. Neste rito, um sacerdote é chamado de Houngan, ou às vezes de Gangan; uma sacerdotisa é conhecida como Mambo.

No vodu ortodoxo, as linhas Iorubás também têm certa proeminência. Outras nações ou linhagens que não a Dahomeana são vistas com menor importância, como subtítulos na ordem cerimonial. Este rito é amplamente representado no Haiti, e concentrado em Port Au Prince e no sul do Haiti.

O segundo secto é chamado de Makaya. Neste rito, as iniciações são menos elaboradas e o sacerdote ou sacerdotisa não recebem o asson. Um sacerdote makaya é chamado de Bokor e uma sacerdotisa é às vezes chamada de Mambo, às vezes de sorcière. Os termos bokor e sorcière são pejorativos no vodu ortodoxo e o termo bokor pode também servir para classificar um especialista em magia maléfica não iniciado, também chamado de malfacteur.

Tais indivíduos não são clericais em qualquer seita. A liturgia makaya é menos uniforme de peristilo ( terreiro ) para peristilo do que a do vodu ortodoxo e há uma ênfase maior na magia do que na religião. Este rito está presente em Port Au Prince e é fortemente representado no Vale Artibonite, no Haiti central.

Um terceiro secto é o Rito Kongo. Como o próprio nome já diz, é quase que exclusivamente representante da tradição do Kongo. A iniciação é baseada no modelo kongo; o sacerdote e a sacerdotisa são ambos chamados de Serviteur. No vodu ortodoxo, um(a) serviteur é apenas o iniciado que serve o Loa (deidade do vodu). Este rito está concentrado perto de Gonaives, no centro do Haiti e um grande festival anual dos Kongo é realizado perto em Sucrie, perto de Gonaives.

Todas estas tradições têm pontos em comum :

– Há apenas um Deus, chamado de Gran Met, o Grande Mestre; e também de Bondye, do francês Bon Dieu, o Bom Deus.

– Há entidades menores, chamadas de Loa (singular). Elas são consideradas acessíveis de imediato através do mecanismo de possessão. Tal estado é considerado normal e natural dentro do contexto duma cerimônia vodu e também altamente desejável, havendo entretanto uma certa etiquette para a mesma ocorrer, que será discutida em lições mais avançadas.

– Todos os ritos empregam orações, cânticos, percussão, roupas específicas e danças durante as cerimônias.

2 – Quem pode participar do Vodu ?

Qualquer um pode participar dos ritos. Não há qualquer requisito de sexo, raça, idade, opção sexual ou origem nacional. Muito menos é pedido para se abandonar crenças e afiliações religiosas anteriores. No Haiti, a vasta maioria de praticantes é também católica romana.

Há vários níveis de participação, é claro, como em quase todas as outras religiões. Uma cerimônia vodu é pública e qualquer um pode entrar no peristilo, ou templo, e observar. Participação na cantoria e na dança são encorajadas. Porque não há qualquer hierarquia centralizada, pagando salário para houngans e mambos, e porque o templo é propriedade privada, é considerada normal uma pequena doação em dinheiro. Este dinheiro é normalmente empregado para pagar os percussionistas, as comidas que são oferecidas aos participantes, para a manutenção do peristilo e dos sacerdotes envolvidos. Isto é freq&utrema;entemente difícil de entender para pessoas criadas em tradições judaico-cristãs, onde padres, pastores e rabinos são profissionais assalariados.

Indivíduos que tenham um grau iniciático podem participar de cerimônias privadas relativas à outros indivíduos de seu próprio grau ou mais baixo. Pessoas com graus mais baixos não podem participar de cerimônias aferidas a graus mais altos porque o conhecimento ali presente é secreto e elas não seriam competentes para lidar com a mesma.

Houve algumas controvérsias nos últimos anos nos EUA sobre afiliação e participação étnica em religiões afroamericanas. Alguns houngans e mambos inescrupulosos enganam estrangeiros desavisados, realizando cerimônias falsas e cobrando taxas exorbitantes. Outros têm um certo entendimento silencioso de que eles não revelarão o conhecimento secreto do Vodu, isto é, informação e iniciação corretas, a pessoas que não sejam pretas e que não sejam haitianas. Entretanto, outros houngans e mambos têm a visão que as pessoas são escolhidas pelos loa, e não de outra maneira, e que qualquer sacerdote que recuse iniciar e treinar um estrangeiro enviado por um loa irá sofrer graves conseqüências. A iniciação requer um período significante de estudo e o compromisso mostrado por um estrangeiro será o suficiente para qualquer sacerdote/sacerdotisa oficiante. Eu inclusive vi um houngan defender vigorosamente seu candidato não haitiano e refutar quaisquer opiniões que invalidassem o iniciante.

Eu ressalvo que o respeito pelos negros de qualquer parte do mundo é imanente às tradições vodu. Nunca devemos esquecer que incontáveis negros foram arrancados de suas terras, estuprados, torturados, castrados e queimados vivos num esforço para erradicar o vodu. O Vodu deu suporte ao ímpeto de resistência à escravidão colonialista e foi combustível para a única rebelião de escravos de sucesso real na América, sendo responsável pela formação da primeira república independente negra americana. Mesmo recentemente na ocupação militar ianque no Haiti, de 1915 a 1934, foi realizado um esforço sistemático para a erradicação do vodu.

Templos foram destruídos, tambores ancestrais sem preço foram queimados e houngans e mambos foram surrados, presos e assassinados.

3 – Nomes e Graus dos Níveis Iniciatórios do Vodu

Há uma série de níveis iniciatórios no vodu ortodoxo, que são atingidos seqüencialmente conforme o indivíduo cresce em conhecimento e permanência na comunidade vodunista. Todos os graus de iniciação estão abertos tanto para os homens como para as mulheres.

Uma pessoa não iniciada que freqüenta as cerimônias, recebe aconselhamento e tratamento medicinal do houngan ou da mambo e toma parte nas atividades do vodu é normalmente chamada de vodunista. Este é um termo geral, assim como cristão ou budista .

Um não iniciado que está associado a um peristilo em particular, freqüenta as cerimônias regularmente e aparenta estar sendo preparado para a iniciação é classificado como hounsi bossale. Hounsi é da linguagem Fon dos Dahome e significa noiva do espírito , embora o termo no Haiti seja utilizado para homens e mulheres. Bossale significa selvagem ou indomado , no sentido de um cavalo selvagem.

O primeiro grau de iniciação confere o título de hounsi kanzo. Kanzo, também do Fon, refere-se ao fogo, e a cerimônia do fogo, também chamada de Kanzo, empresta seu nome a todo o ciclo iniciático. Indivíduos que são kanzo podem ser comparados a batizados numa seita cristã. Numa cerimônia vodu, os hounsi kanzo vestem-se com uma roupagem branca, formam o coro e são prováveis candidatos de possessão pelos loa.

O segundo grau é chamado de si puen, sur point em francês, isto é, no ponto , sobre o ponto . Este termo se refere ao fato de que o iniciado passa por cerimônias no ponto ou apadrinhado por um loa em particular. Essa pessoa é então considerada um houngan ou uma mambo e lhes é permitido o uso do asson, sagrado chocalho emblema do sacerdócio.

Indivíduos que são si puen podem ser comparados a pastores de seitas cristãs. Numa cerimônia eles conduzem orações, cânticos e rituais e são candidatos quase inevitáveis para possessão. Uma vez iniciados como sur point eles podem realizar iniciações de hounsi kanzo e de si puen.

O terceiro e último grau de iniciação é o asogwe. Houngans e mambos asogwe podem ser comparados aos bispos das seitas cristãs, pois podem consagrar outros sacerdotes. Indivíduos que são asogwe podem iniciar outros em kanzo, si puen e em asogwe. Numa cerimônia eles são a autoridade final sobre os procedimentos, a menos que um loa esteja presente e manifesto através do mecanismo de possessão. Eles são também o último recurso quando a presença de um loa específico é requerida. É dito que um asogwe tem o asson , referindo-se à capacidade do asogwe de conferir um outro iniciado com o asson, elevando então o grau deste a asogwe.

Mesmo um houngan ou mambo asogwe deve submeter-se à opinião do houngan ou da mambo que o iniciou, dos que foram iniciados em asogwe antes dele, do houngan ou mambo que iniciou seu iniciador, dos iniciadores deste e por aí vai. Estas relações podem se tornar realmente complexas e há um ponto na cerimônia do vodu ortodoxo onde todos houngans e mambos, sur point e asogwe, participam duma série de gestos e abraços rituais que servem para elucidar e regular estas relações.

LIÇÃO 2

OS ANCESTRAIS

Parte 1 – Os Ancestrais e a Maneira Vodu de Recuperação dos Mortos

Os ancestrais, zanset yo no Creole haitiano, estão sempre com um vodunista. Ele vive, age, respira com a consciência de sua presença. O hino nacional do Haiti começa assim Pelo país e pelos ancestrais, nós andamos unidos…

No interior do Haiti, cada aglutinado familiar tem seu cemitério familiar. As tumbas dos familiares são tão elaboradas quanto possível. Algumas lembram casas nas quais a cripta é subterrânea. As estruturas construídas para as famílias ricas podem até conter pequenas salas de estar, com um retrato do falecido e boas cadeiras. Quando um visitante adentra as terras de uma família para uma visita extensa, a cortesia requer que ele faça uma pequena libação de água nas tumbas para que os ancestrais o recebam bem. Membros da família e convidados podem também, a qualquer momento, fazer uma iluminação . Velas ou fitas de cera de abelha são acesas, colocadas nas tumbas e então uma pequena prece é dita.

Na cidade, a lei requer que se enterre no cemitério da cidade. Novamente, as estruturas podem ser bem elaboradas e grandes cadeados e outros meios de segurança são usados para evitar que violadores de tumbas roubem metais, ossos e outros artigos da pessoa morta.

Os ossos de indivíduos mortos são considerados de grande poder mágiko, especialmente se a pessoa morta fosse um houngan ou uma mambo ou fosse de alguma maneira notável e distinta, para o bem ou para o mal.

Um vodunista é enterrado com uma cerimônia católica romana e uma vigília é feita durante nove dias após a morte. A nona noite é chamada de denye priye, a última prece. Após a última prece, a parte católica do funeral é encerrada.

Em algum ponto, antes ou após a cerimônia católica, a cerimônia de vodu desounin é realizada. Neste rito, as partes componentes da alma e da força de vida da pessoa e o loa primário na cabeça da pessoa são separados e enviados para seus destinos corretos. O desounin de um houngan famoso e altamente respeitado pode ser assistido por centenas de enlutados lamentosos vestidos de robes brancos. É neste momento que o herdeiro de qualquer loa familiar libertado do falecido é normalmente revelado, ficando o indivíduo escolhido brevemente possuído.

Um ano e um dia após a morte do indivíduo pode ser feita a cerimônia mo nan dlo (tirar o morto da água). O espírito da pessoa é chamado através de um vaso com água, que é coada por um lençol branco para um pote de barro limpo chamado govi, onde é ritualisticamente instalado. A voz do morto pode ser ouvida através do govi ou através de uma pessoa brevemente possuída para o propósito. O govi é reverentemente colocado no djevo, ou salão interno do templo.

Algumas vezes o espírito de um ancestral pode retornar por sua própria vontade como um loa Ghede.

Parte 2 – Os loas ancestrais : Baron, Maman Brigitte e os loa Ghede

BARON – O cabeça da família de ancestrais loa é o Baron (barão). Ele é mestre do cemitério e guardião do conhecimento ancestral. Ele tem vários aspectos incluindo Baron Samedi, Baron Cemetiere, Baron la Croix e Baron Criminel. Em todos seus aspectos ele é um loa masculino com uma voz nasal, carrega um cajado ou baton, usa impropérios livremente e se veste de negro ou púrpura. Ele é considerado o último recurso para mortes causadas por magia, porque mesmo se um feitiço trouxer uma pessoa para perto da morte, se o Baron se recusar a cavar a cova , a pessoa não morre.

Baron, com sua esposa Maman Brigitte, é também responsável por recuperar as almas dos mortos e transformá-las em loa Ghede. Baron pode ser invocado para casos de esterilidade e ele é o juiz divino para o qual as pessoas podem trazer seus pedidos, cantando :

Ó kwa, Ó jibile ! 2x (Ó cruz, Ó júbilo !)
Ou pa we m inosan ? (Não vês que sou inocente ?)

O túmulo do primeiro homem enterrado em qualquer cemitério do Haiti, quer a pessoa em vida participasse do Vodu ou não, é dedicado para o Baron (não Ghede) e uma cruz cerimonial é erigida no ponto. Em terrenos familiares no interior, uma família pode erigir uma cruz para o Baron de sua linhagem e nenhum peristilo é completo sem sua cruz para Baron. Baron pode ser invocado a qualquer momento e ele pode aparecer sem ser chamado, tão poderoso é ele. Ele bebe rum no qual vinte e uma pimentas vermelhas foram pisadas, bebida que mortal algum pode suportar. Suas comidas cerimoniais são café preto, amendoim grelhado e pão. Ele dança extraordinariamente banda improvisada e às vezes coloca seu bastão no meio das pernas, representando assim o falo. Baron é um loa muito masculino.

O Festim dos Ancestrais, Fet Ghede, é considerado o final do velho ano e o começo do novo, tal qual na tradição européia Wicca. Quaisquer débitos com Baron, Maman Brigitte ou Ghede devem ser pagos nesta festa. O Baron Criminel canta para seus devedores :

Bawon Criminel, map travay pou ve de te yo, m pa bezwenn lajan ! 2x
Bawon Criminel, Ó! Lane a bout o, map paret tan yo !

Barão Criminal, estou trabalhando para os vermes da terra (pessoas pobres), eu não preciso de dinheiro ! 2x
Barão Criminal, Ó ! O ano terminou, eu aparecerei para esperá-los (para pagarem-me) !

MAMAN BRIGITTE

Maman Brigitte, surpreendentemente para um loa de Vodu, é britânica em origem, descende de Brigid/St. Brigit, a deusa tripla celta de poesia, forjaria e cura. Ela deve ter entrado para o Haiti nos corações dos escravos deportados escoceses e irlandeses. Há uma canção que nós cantamos em cerimônias : Maman Brijit, nan anglete de soti de li, Maman Brigitte, ela é da Inglaterra…” (Eu penso que Brigid era escocesa, não inglesa, mas talvez no Haiti a palavra anglete represente todas as Ilhas britânicas.)

Hoje em dia, Maman Brigitte é considerada esposa do Baron, mestre do cemitério e chefe de todos os ancestrais, conhecidos como loa Ghede. O túmulo da primeira mulher enterrada em qualquer cemitério no Haiti é consagrado a Maman Brigitte e lá é erigida a cruz cerimonial dela. Ela, também como o Baron, é invocada para elevar o morto “, significando curar e salvar os que estão no ponto de morte por enfermidade causada por magia. Aqui está uma canção muito famosa sobre Maman Brigitte cantada em cerimônias de Vodu:

Mesye la kwa avanse pou l we yo!
Maman Brigitte malad, li kouche sou do,
Pawol anpil pa leve le mo (morts de les, Fr.)
Mare tet ou, mare vant ou, mare ren ou,
Yo prale we ki jan yap met a jenou.

Cavalheiros da cruz (os antepassados falecidos) avancem para ela vê-los!

Maman Brigitte está doente, ela se deita de costas,
Muita conversa não elevará a morta,
Amarre sua cabeça, amarre sua barriga, amarre seus rins,
Eles verão como eles ajoelharão.

(Significando, arregace as mangas para se preparar , nós faremos para as pessoas que fizeram este feitiço maléfico ajoelharem-se, implorar perdão e receber o castigo delas.)

Maman Brigitte, como o resto da constelação Ghede é um loa boca-dura que usa muitas obscenidades. Ela bebe rum com pimenta, tão quente que uma pessoa não possuída por um loa nunca poderia beber isto. Ela também é conhecida por passar pimentas haitianas quentes na pele dos órgão genitais do cavalo e este é o teste para o qual são sujeitadas as mulheres suspeitas de falsa possessão . Ela dança a banda sexualmente sugestiva e artística e seu virtuosismo na dança é legendário. Maman Brigitte e Baron são a mãe e o pai que recuperam os mortos e os transformam em loa Ghede e os removem das águas místicas onde eles estavam sem conhecimento da própria identidade, nomeando-os. Há uma canção melancólica sobre a condição das almas nas águas místicas que também é cantada quando um iniciado está preparando-se para o período de exclusão, morte ritual e renascimento do ciclo de iniciação:

Dlo kwala manyan, nan peyi sa maman pa konn petit li,
Nan peyi sa, fre pa konn se li, dlo kwala manyan.

Água manyan de kwala (palavras não creole), naquele país uma mãe não conhece a própria criança.

Naquele país um irmão não conhece sua irmã, água manyan de kwala.

O LOA GHEDE

Os loa Ghede são uma família enorme de loa, tão numerosos e variados como eram as almas das famílias das quais eles se originaram. Desde que eles são todos membros da mesma família, as crianças espirituais de Baron e Maman Brigitte, eles têm todos o mesmo sobrenome – La Croix, a cruz. Não importa outros nomes que eles possam vir a carregar, a assinatura deles sempre é La Croix.

Algum os nomes de Ghede incluem: Ghede Arapice Croix, Brav Ghede de la Croix, Ghede Secretaire de la Croix, Ghede Ti-Charles la Croix, Makaya Moscosso de la Croix; e nomes tristes e degradantes como GhedeTi-Mopyon la de Deye Croix (Ghede Pequeno Piolho de Caranguejo Atrás da Cruz), Ghede Fatra de la Croix (Lixo Ghede da Cruz), Ghede Gwo nan de Zozo CrekTone de la Croix (Ghede Pinto na Buceta Trovão da Cruz) e por aí vai.. Há uma razão para estes nomes estranhos que ficará clara mais à frente.

A vasta maioria de Ghedes é masculina. Ghede pode possuir qualquer um, a qualquer hora, até mesmo os protestantes (para enorme vergonha deles.) No Haiti eu tenho uma amiga que um dia estava observando um grupo de mulheres possuído por Ghede dançando a banda. Ela disse algo como, ” Olhe as prostitutas nojentas, elas não têm nenhum respeito por si mesmas . Naquele mesmo lugar, a Ghede possuiu minha amiga, a lançaram ao solo, prostraram-na e declararam que ela iria se juntar aos ancestrais! Súplicas e intercessões dos familiares finalmente pacificaram o Ghede que prometeu ceder – com a condição de que a mulher e tornasse Mambo! Mambo Delireuse agora pratica em uma área rural próximo del’Artibonite de Riviere Delicada, no Haiti central! Os Ghedes são figuras muito transitivas, existindo entre a vida e a morte, entre os antepassados em Guiné e entre os homens e mulheres vivos do Haiti. Talvez é por isto que eles sejam homenageados a meio caminho da plena cerimônia de Vodu ortodoxa, depois do Rada (Dahomean e Iorubá) e antes do Petro.

O Ghedes vestem-se quase como seu pai Baron – roupas negras ou púrpuras, chapéus elaborados, óculos escuros, às vezes sem uma lente, um cajado ou baton. Eles também dançam a banda, mas eles retêm mais da personalidade da pessoa de quem eles se originaram.

A família de Ghede, incluindo o pai e a mãe, o Baron e a Maman Brigitte, são absolutamente notórios no uso de baixarias e termos sexuais. Há uma razão para isto – os Ghede estão mortos, além de qualquer castigo. Nada mais pode ser feito a eles, assim o uso de profanidades normalmente entre os haitianos um pouco formais são um modo de declaração, “Eu não me preocupo! Eu passei além de todo o sofrimento, eu não posso ser ferido “. Num país onde desrespeito para com figuras de autoridade era até recentemente punido com tortura ou morte, esta é uma mensagem poderosa. Porém, esta profanidade nunca é usada de modo maligna ou abusiva, para amaldiçoar alguém. Sempre é humorístico, até mesmo quando há uma forte mensagem envolvida.

Há algumas canções muito imponentes e dignas cantadas para Ghede, particularmente o mais velho, raciais ou aspectos raiz, como Brav Ghede. Hoje em dia, entretanto, a ênfase está no humor sexual e obsceno promovido pelos loa Ghede. Aqui está uma canção popular cantada para Ghede em peristilos de Vodu e em celebrações públicas:

Si koko te gen dan li tap manje mayi griye,
Se paske li pa gen dan ki fe l manje zozo kale!

Se vagina tivesse dentes, comeria milho assado,
É porque não tem nenhum dente que come pênis descascado !

Da mesma maneira, é dito que um ghede é um ladrão. É verdade que ele se apropria do que quiser de vendedores de rua, mas uma vez que este ceda às demandas do loa, este se limita a pegar um pouco de coco ou de milho de assado. Na Fet Ghede, a maioria dos terreiros cozinham especialmente comida para as centenas de Ghedes que aparece vagando pelas ruas. Aqui está uma canção que uma multidão de Ghedes cantou enquanto iam para a casa de uma Mambo famosa e particularmente generosa da área de Port au Prince :

Ting ting ting ting kay Lamesi,
Whoi mama,
Kay la Mesi gen yon kochon griye,
Whoi mama!

Ting ting ting ting a casa de Lamesi
Mamãe de Whoi,
A casa de Lamesi tem uma porca inteira assada,
Mamãe de Whoi!

FET GHEDE NO HAITI ATUALMENTE

Dois de novembro, Dia dos Mortos, normalmente chamado de Fet Ghede (pronuncia-se guêdei)é um feriado nacional no Haiti. Católicos assistem missa de manhã e então vão para o cemitério, onde eles rezam e fazem consertos nas tumbas de familiares. A maioria dos católicos haitianos também são vodunistas, e vice-versa, de modo que no caminho para o cemitério muitas pessoas mudam de roupas, do branco que eles vestem para ir à igreja para o púrpura e negro dos loa Ghede, os espíritos de antepassados.

No meio da manhã as ruas de Port Au Prince estão atulhadas de milhares de pessoas. Dúzias já estão possessas por um Ghede e suas vozes nasais, piadas obscenas e giros da dança banda os fazem inconfundíveis. Grand Cemetiere, o cemitério principal de Port Au Prince, é lotado por pessoas. Multidões apertam-se ao redor da cruz cerimonial de 8 metros de Baron e da cruz menor de Maman Brigitte. Muitos trazem oferendas de café e rum que eles vertem ao pé das cruzes. Eles também oferecem pão, amendoim grelhado, milho assado e às vezes comida apimentada.

Ocasionalmente uma pessoa, normalmente um Houngan ou Mambo, sacrificam uma galinha ou um par de pombos. As oferendas são rapidamente consumidas pelos mendigos que se amontoam pelo cemitério. Algumas pessoas vendem velas, fitas de cera de abelha e imagens religiosas de santos para representar o Baron, Maman Brigitte e os Ghedes.

Imagine uma Mambo em saias volumosas de negro e lavanda, um babado das mesmas cores, vários lenços de seda amarrados ao redor de sua cabeça e fios de contas ao pescoço dela; ela aproxima-se da cruz de Maman Brigitte com seus hounsis (os que receberam a primeira iniciação.) Ela leva fitas de cera de abelha pegajosa que ela afixa a cada braço da cruz e ao centro. Então ela retira uma galinha preta de seu saco de palha e a passa em cima dos corpos dos hounsis, removendo todas as más influências. Depois da oração, ela mata a galinha rapidamente da mesma maneira que ela faria para uma refeição ordinária. O sangue jorra na cruz e ela doa a galinha a uma mendiga faminta que espera. A Mambo é possuída por Maman Brigitte e profetiza os eventos do próximo ano. Um do hounsis que se comportou mal é castigado com alguns tapas gentis e um que está doente recebe uma receita para um tônico de ervas. Então Maman Brigitte encharca a cruz dela com rum, canta e dança a banda com grande virtuosismo para alegria dos presentes. Alguns momentos depois ela sai da cabeça da Mambo, que ,novamente consciente, recompõe-se a e deixa o cemitério com dignidade extrema.

Pela cidade, no cemitério de Drouillard, onde é enterrado o mais pobre dos pobres, as pessoas do bairro Cite de Soleil, a adoração é ainda mais intensa. Filas de vodunistas de vários peristilos marcham cantando atrás de times de percussionistas, com cada vez mais pessoas sofrendo possessões conforme eles se aproximam do cemitério. Os que permanecem conscientes visitam os sepulcros de amigos e parentes e falam a eles como se pudessem ouvir debaixo do solo.

” Olhe, Papai, ” diz uma mulher, ” eu trouxe comida para você “.

Irmão mais velho, lamenta um homem jovem, ” o Exército o matou, nós achamos seu corpo em pedaços, mas todos eles estão aí, irmão, não estão? Você não tocará os tambores novamente para nós, querido irmão…. Mamãe sente saudades, ela quis vir mas ela está doente. Veja o rum que eu trouxe para você “!

Os loa Ghede varrem o cemitério gritando piadas obscenas e cantando canções obscenas com todo o ar de seus pulmões. Aqui está uma canção popular entre os Ghedes ano passado no cemitério de Drouillard:

Zozo, tone! A la yon bagay ingra, (repita)
Koko malad kouche, zozo pa bouyi te ba l bwe ,
Koko malad kouche, zozo pa vine we l.

Pênis, pelo trovão! Que coisa ingrata, (repita)
Vagina está doente e cansada, pênis não ferve chá para ela,
Vagina doente e cansada, pênis não vem a ver.

Ano passado eu, uma Mambo americana, deixei um peristilo com um Houngan e nossa congregação. O Houngan teve em sua cabeça um Baron poderoso chamado Secretaire de la Croix, mas Secretaire estava recusando-se a possuir o Houngan, porque o Houngan tinha pego algum dinheiro dado para o Fet Gede e tinha usado para seus próprios propósitos. O Houngan foi muito humilhado, e decidiu ir diretamente para o cemitério pedir perdão.

Eu fiz uso de um caminhão, assim nós o enchemos de membros de nosso peristilo e rumamos pelas ruas sufocadas para o cemitério. Nós ficamos presos no tráfego e como esperamos demais, Baron Secretaire de la Croix ficou impaciente e me possuiu!

Até onde me foi falado, havia um carro na pista da contramão, também parado. Secretaire abriu a janela do motorista da pickup e começou a falar com os ocupantes do carro, muito surpreendidos por ver um Baron na cabeça de uma Mambo estrangeira! Duas senhoras muito ricas sentadas na parte de trás do carro foram para quem Baron prestou honra especial.

” Boa noite, senhoras. Baron disse.

” Boa noite, Baron, Papai.” elas deram risada.

” E como estão seus clitóris hoje ? o Baron inquirindo muito seriamente.

Se seus clitóris não estiverem bem, vocês podem me falar e eu direi para esses dois grandes pênis velhos na frente do carro para entrarem em ação!

As mulheres que em qualquer outra circunstância teriam ficado furiosas, riram, como fizeram os dois homens na frente do carro. As velhas apoiaram na janela e responderam ao Baron.

” Nossos clitóris estão muito bem, Papai Baron. Muito obrigado !

E em alguns momentos cessara o trânsito intenso e o Baron me lançou da possessão e me deixou dirigir a pickup até o cemitério e lidar com a vergonha de nossos membros do peristilo rirem histericamente, relatando o incidente para mim!

À noite, cada peristilo faz uma dança em honra de Baron, Maman Brigitte, e dos Ghedes. As pessoas que vêm devem estar todas alimentadas e os loa que aparecem também são festejados com caldeiras de comida especialmente preparadas para eles. A dança segue ao longo na noite, mesmo até a alvorada. O talento artístico dos loa é incomparável e até mesmo não-vodunistas vêm assistir. Então os adoradores exaustos voltam para casa, esperar o próximo Fet Ghede do ano seguinte.

O LWA

Parte 1 – Características Gerais dos Loa

O Vodu é mal entendido freqüentemente como sendo politeísta, sincrético e animista. Estes conceitos errados serão clareados conforme nós discutirmos as características dos loa.

Vodunistas acreditam em um Deus, Gran Met, ou Grande Mestre. Este Deus é todo poderoso, onisciente, mas lamentavelmente ele é considerado algumas vezes distante e destacado de negócios humanos. Ele é não obstante presente na fala diária dos haitianos que nunca dizem “Até amanhã”, sem que somem ” se Deus quiser “.

Os loa são entidades menores, mas mais prontamente acessíveis. À parte de um amor generalizado para com os descendentes de africanos, os loa requerem uma relação mútua com o adorador. Os loa servem aqueles que os servem. Os Loa têm características bem definidas, incluindo números sagrados, cores, dias, comidas cerimoniais, maneirismos de fala e objetos rituais. Então, um loa pode ser servido usando-se roupas das cores do loa, fazendo oferendas de comidas preferidas e observando os dias sagrados para o loa.

Muitos loa são figuras arquetípicas representadas em muitas culturas. Por exemplo, Erzulie Freda é uma deusa de amor comparável a Vênus, Legba é um loa da comunicação comparável a Hermes ou Mercúrio. Estas correspondências, e às vezes pura coincidência, levou os haitianos a comparar aspectos de loa e imagens de santos católicos como eles eram representados em litografias populares. Durante os dias do colonialismo francês, quando a maioria de pessoas pretas no Haiti eram escravas que haviam nascido na África, a adoração dos santos proveu uma cobertura conveniente para os rituais de deuses africanos. Até mesmo o priere Guiné, uma oração longa recitada perto do começo de cerimônias de Vodu ortodoxas, incorporam versos sobre a Virgem Maria e vários santos.

Isto não significa, porém, que os loa foram sincretizados com os santos católicos. Ninguém confunde Ogoun Feraille com São James, o Grande, simplesmente a imagem que é usada. Se São James é invocado, ele é considerado diferente de Ogoun. Embora o priere Guiné incorpore versos sobre santos católicos, ninguém confunde uma cerimônia de Vodu realizada num peristilo com uma missa católica. John Murphy, em seu livro Santeria , propõe simbiose como um termo mais preciso que sincretismo.

Os Loa às vezes são considerados residentes em árvores, pedras ou raramente em animais. Porém, o loa na árvore não é o loa da árvore e cerimônias realizadas ao pé da árvore são dirigidas ao loa, não a qualquer princípio animista de energia vital pertencente à árvore. Os Loa do Vodu manifestam sua vontade através de sonhos, incidentes incomuns e através do mecanismo de possessão. A possessão é considerada normal, natural e desejável no contexto de uma cerimônia de Vodu e sob outras circunstâncias. Lwa que se manifestam por possessão cantam, dançam, contam piadas, curam doentes e dão conselhos.

Parte 2 – Que grupos de loa são reconhecidos ?

Em uma cerimônia de Vodu ortodoxo, seguinte ao priere Guiné e às saudações para a assembléia e à energia espiritual dos tambores e percussionistas, os loa são honrados em seqüência. A sua vez, são oferecidas canções para cada loa e em casos específicos, oferendas de comida ou sacrifícios de animais. Um iniciado tem que memorizar esta seqüência como uma parte do seu treinamento e um Houngan ou Mambo devem poder observar esta ordem quando administrando uma cerimônia. Um mínimo de três canções são cantadas para cada loa e cada canção é repetida pelo menos três vezes.

No rito de Vodu ortodoxo, há três grupos principais de loa : o Rada, o Ghede e o Petro.

Os loa do Rada são principalmente mas não exclusivamente Dahomeanos em origem. Suar cor cerimonial é branca, com a qualificação que loas individuais dentro deste grupo podem ter suas próprias cores. Eles são considerados misericordiosos e em alguns casos tão antigos por serem vagarosos e desprendidos no agir. Os ritmos dos loas de Rada são batidos em tanbou kon, tambores com tiras de madeira que seguram o couro estirado em cima da cabeça de tambor. A pele do tambor maior, o maman, é couro de vaca, o outro de couro de cabra. Os tambores são tocados com baquetas. Esta parte da cerimônia é disciplinada, concentrada, meticulosa e cerebral.

Os loa Rada, em ordem cerimonial, são como segue: Legba, Marassa, Maluco, Aizan, Damballah e Aida Wedo, Sobo, Badessy,Agassou, Silibo, Agwe e La Sirene, Erzulie, Bossu, Agarou, Azaka, o grupo Ogoun (St. Jacques de Ogoun, Ossange, Ogoun Badagri, Ogoun Feraille, Ogoun Fer, Ogoun Shango, Ogoun Balindjo, Ogoun Balizage, OgounYemsen).

Seguindo os loa Rada, vêm a família Ghede incluindo Baron e Maman Brigitte. Não há nenhuma ordem particularde aparição destes loa dentro do seu próprio grupo. Suas cores cerimoniais são o violeta e o negro. O grupo dos Ghede é obsceno e lascivo, e eles provêem boas risadas para segurar o intenso e disciplinado esforço da seção Rada. Os Barons e Brigittes são muito místicos. Os Ghede estão sempre ansiosos para contar piadas e dar conselhos.

Depois do Rada e do Ghede resta uma parte da cerimônia dedicada para os loa do grupo Petro. Estes loa são predominantemente do Congo e de origem ocidental. Sua cor cerimonial é vermelha. Eles são considerados ferozes, protetores, mágikos e agressivo para com os adversários. O ritmo dos loa Petro é batido em tanbou fey, tambores com aro de corda que segura o couro estirado em cima da cabeça do tambor. A cabeça deste tambor é exclusivamente de couro de cabra e é batido com as palmas das mãos. Esta parte da cerimônia é quente, de ritmo rápido e excitante. Os loa Petro, em ordem cerimonial, são como segue: Legba Petro, Marassa Petro, Wawangol, Ibo, Senegal, Kongo, Kaplaou, Kanga,Takya, Zoklimo, Simbi Dlo, Gran Simba, Carrefour, Cimitiere, Gran Bwa, Kongo Savanne, Erzulie Dantor (também conhecida como Erzulie Je Rouge), Marinette, Don Petro, Ti-Jean Petro, Gros Point, Simbi Andezo, Simbi Makaya.

Quando as três repetições da canção final para Simbi Makaya são terminadas, a cerimônia acaba. Às vezes participantes que são especificamente entusiasmados continuarão a cantar canções populares que, embora relacionadas aos loa, necessariamente não são parte da ordem cerimonial. Tais canções são parte da música popular haitiana, feita por artistas haitianos. Uma vez que os participantes estejam satisfeitos, os tambores são deitados e todos vão descansar em esteiras de talos de bananeira até o alvorecer.

Parte 3 – Os loa chamados Djab

A palavra djab no Crèole haitiano é derivada do francês diable (diabo), mas o termo no contexto do Vodu haitiano leva conotação diferente. Certos loa são individuais e sem igual, servidos por só um indivíduo, às vezes uma Mambo ou um Houngan e são considerados quase propriedade do indivíduo. Estes loa não se ajustam facilmente na liturgia de Vodu ortodoxo, em qualquer dos três grupos. Tais loa, e mesmo loa mais comuns, como os loa Makaya, são comumente chamados djab, mas aqui na significação arcaica de espírito, não necessariamente bom ou ruim. A função destes djab é mágika ao invés de religiosa. Um djab é freqüentemente conjurado por um Houngan, Mambo ou Bokor, em nome de um cliente, para entrar em ação agressiva contra o inimigo do cliente ou concorrente do mesmo. Um djab requer pagamento do cliente por seus serviços, normalmente na forma de sacrifício animal regularmente realizado.

Um Houngan ou Mambo que servem um djab são normalmente protegidos de possíveis atos de agressão fortuita pelo djab; geralmente por um garde, uma proteção mágika efetuada esfregando ervas secas especialmente preparadas em cortes pequenos feitos cerimonialmente na pele do indivíduo. O garde é anualmente renovado no solstício de inverno, quando os membros se reúnem para preparar ervas.

As leves cicatrizes do garde formam um padrão peculiar para a sociedade, e podem servir como uma marca identificando membros. Por exemplo, eu tenho em meu ombro esquerdo um garde conferido a mim pelo Houngan Sauvert Joseph que ajudou a minha iniciação. No encontro anual de sua sociedade, eu recebi o garde do djab Kita Maza, um djab protetor afável mas agressivo e a forma da cicatriz, uma cruz dupla semelhante em forma a um jogo-da-velha, é distinguível para Kita Maza e para a sociedade do Houngan Sauvert Joseph.

Djabs também pode ser específicos para um determinado lugar. Nas cavernas de Bodde perto de Trouin no sul do Haiti, acredita-se que resida um djab de nome Met Set Joune, Mestre Dos Sete Dias. Até mesmo se uma Mambo, Houngan ou Bokor sirva este djab em um peristilo localizado em outro lugar, as cavernas permaneceram a casa do djab.

Certos djabs particularmente amorais podem ser invocados, drenar a energia vital de uma pessoa e efetuar seu falecimento. Quando um djab é responsável pela morte de uma pessoa, o dito crèole não é o djab matou a pessoa , mas ao invés, djab la manje moun nan, o djab comeu a pessoa . Isto não significa que a carne da pessoa é comida canibalisticamente pelo Houngan, Mambo ou Bokor possuído pelo djab, somente que o djab consome a força vital da pessoa.

Um Houngan ou uma Mambo ortodoxos estão sob juramento de nunca ferir alguém, embora as invocações de djabs são mais freqüentes no caso de Bokors. Porém um iniciado de Vodu ortodoxo pode invocar um djab e até mesmo dirigi-lo para matar uma pessoa, se a pessoa é uma assassina, um ladrão profissional ou um seqüestrador profissional.

Mambo Marinette invocou uma loa Petro freqüentemente chamada de djab, Erzulie Dantor, e executou o sacrifício de um porco selvagem, à cerimônia de Bwa Caiman em 1794, o que começou a revolução haitiana. Durante a revolução, djabs haitianos eram muito importantes e acreditava-se que conferiam imunidade contra as balas desferidas pelo escravizador francês branco. Até mesmo a morte da maioria dos membros da força expedicionária do Gel. LeClerc devido a febre amarela foi devida ao resultado do trabalho de djabs.

SEU ALTAR E PRIMEIRA OFERENDA AOS ANCESTRAIS

Parte 1 – Construindo um Altar

Pessoas de muitas fés diferentes constróem altares. Até mesmo pessoas que não pertencem a qualquer fé particular podem reservar um canto de um quarto onde eles se sentam e pensam, meditam e rezam, fazem yôga ou tocam um tambor africano. Muitas vezes eles criam altares improvisados que incluem muitos destes objetos – flores, pedras e cristais, símbolos sagrados, fotografias ou imagens dos antepassados do indivíduo ou de personagens importantes, incensos, instrumentos musicais, velas, livros espiritualistas.

Conscientemente ou inconscientemente, quando nós construímos altares nos comprometemos num esforço em abrir a mais enigmática de todas as portas – a porta entre o mundo humano e o mundo espiritual. Um altar é uma representação da mesma porta em termos materiais – o altar é a porta. Quando você se senta na frente de seu altar, você está convidando as forças espirituais do outro lado desta porta para te notarem, te visitarem e agirem sobre você.

Considerando que a maioria das pessoas que moram no Brasil não podem começar a prática desta religião assistindo cerimônias de Vodu, uma das primeiras coisas que se pode fazer é construir um altar. Os altares de Vodu são tão variados quanto os indivíduos que praticam o mesmo. De certo modo, um peristilo é um altar, grande o bastante para os adoradores dançarem ao redor do centro, tocar tambor, executar sacrifícios, sofrer possessão – em resumo, representar cada aspecto do drama cósmico. Dentro do peristilo há áreas dedicadas a um loa específico – a cruz do Baron ou uma barraca de folhas de palmeira para Erzulie. Junto ao peristilo existem salas menores chamadas djevo ou bagi nas quais são mantidos os objetos cerimoniais de uma sociedade de Vodu. Porém, estes objetos que incluem chocalhos sagrados, garrafas vazias para oferendas de bebida, tetes dados durante a iniciação e potes de barro chamados govi, não têm uso algum para quem não seja iniciado. Um modelo melhor é achado no kay myste (do francês caille des mysteres, casa de mistérios). Estas são casas pequenas, freqüentemente não maiores do que 5 a 7 metros, nas quais são construídos altares individuais para cada loa que o dono da kay myste serve . Estes altares incorporam muitos materiais comuns, facilmente disponíveis em todos lugares no mundo. Eles são notáveis por sua individualidade e beleza. Frequentemente são construídos altares no Haiti num chão sujo.

Sua kay myste pode consistir em uma área pequena em seu quarto ou sala, embora o sentimento no Haiti é que não é bom dormir no mesmo lugar com objetos consagrados ao loa, especialmente com uma pessoa do sexo oposto; exceto durante a iniciação, quando o sexo é proibido de qualquer maneira. Você pode separar esta área com uma cortina ou separar um quarto inteiro para o serviço ao loa. As instruções que seguem lhe darão sugestões para construir um tipo de altar muito básico que pode ser então ser elaborado para o serviço a qualquer loa específico que você deseje.

Sugestões para construir um altar básico:

No Haiti, quando um Vodunista deseja fazer um altar em casa para um aspecto determinado de Deus, um santo, ou um loa, eles freqüentemente compram certos objetos religiosos identificados com qualquer princípio que eles queiram servir e então um Houngan ou Mambo monta e consagra o altar. Alguns são feitos por definição em um chão sujo, outros são construídos em plataformas de tábuas ou mais freqüentemente de  concreto.

Aqui está um possível método para montar um altar básico em lugar fechado, sem ser em chão sujo. Adquira um pano branco e lave em água com sua primeira urinada da manhã. Você pode substituir a urina por vinagre. Deixe o lençol secar ao ar livre, ao sol se possível. Cubra sua mesa de altar com ele e então borrife-o levemente com seu perfume favorito. Logo, consiga quatro pedras pequenas que encontre próximas à sua casa, limpe-as deixando-as de molho com sal grosso e enxaguando bem, então coloque uma pedra em cada canto de seu altar. Limpe uma garrafa de vinho, uma tigela de vidro ou outra vasilha e encha de água. Não use metal ou louça – apenas vidro ou cristal. Coloque-a no centro de seu altar e adicione três de porções de anisete ou rum branco assim que você abençoar a água.

É comum no Vodu a prática de batizar objetos rituais, quer dizer, dar nomes a eles. Você pode levar um maço de manjericão e pode ungir o batismo sobre seu vidro de água que agora será uma passagem poderosa para energia espiritual. Você pode nomear quase qualquer coisa apropriado, de maneira fantástica e positiva – Água da Vida ou Gargarejo da Mamãe Que Traz Espírito ou o que quer que seja!

Em um castiçal de vidro, coloque um pouco de terra de próximo da sua casa e uns grãos de sal grosso. Pegue uma vela branca e com algum óleo vegetal puro esfregue do meio até o topo e então do meio até a base. Enquanto você lubrifica a vela, dirija sua energia para suas mãos e ore por consciência espiritual. Ponha firmemente na frente a vela no castiçal e coloque tudo na frente da vasilha de água. Não acenda a vela ainda.

Ao redor do altar você colocará outros objetos de acordo com os princípios divinos que você deseja servir. Um santuário de ancestrais terá imagens de antepassados mortos, o altar de Ogoun terá um machete e um lenço vermelho, o santuário de Erzulie Freda terá flores e jóias, e assim por diante.

Parte 2 – Realizando um Festim Ancestral

Agora que você construiu um altar básico, você está pronto para o primeiro passo na prática do Vodu – reverência aos seus ancestrais. Não importa como tenha feito seu altar, sempre se lembre que é uma porta entre o mundo humano e o mundo dos antepassados e dos loa. Deixe-o empoeirado, deixe que a água fique escura e envelheça, use-o como um local conveniente para deixar chaves e lápis; ignore-o, e você se achará cansado, drenado, azarado e não-inspirado. Trate-o com respeito, mantenha-o imaculado, limpo, visite-o freqüentemente e você será recompensado com crescimento espiritual, energia, vitórias pessoais e coincidências notáveis.

Seus antepassados o amam. Eles virão e o visitarão, aceitarão suas oferendas. Eles o instruirão, protegerão você, lutarão por você e o curarão. Eles lhe trarão mensagens através da intuição e dos sonhos. Obtenha uma foto ou figura de um parente falecido seu cujo amor para com você está além da dúvida. Se você não tem nenhum parente falecido de quem você se lembre bem, ou de sangue ou por adoção, você pode escolher uma imagem de uma pessoa que representa a você sabedoria e amor ancestrais e dê um nome a esta pessoa. Você também pode obter imagens que lhe agradem de antepassados de todas as raças humanas.

Coloque estas imagens atrás da vasilha de água em seu altar, em qualquer tipo de porta-fotos ou prenda-as na parede atrás de seu altar.

Esta parede também pode ser coberta com um pano branco e as imagens fixadas nele. Arrume as imagens até que você sinta como elas devem estar ordenadas. Você pode escolher trabalham com uma imagem ou muitas.

Sente-se na frente de seu altar. Você pode soar um sino pequeno ou pode balançar um chocalho cerimonial para sinalizar o começo de sua meditação. Acenda a vela branca do seu altar e se possível acenda algum incenso de coco ou baunilha. Amarre um pano branco em volta de sua cabeça se quiser. Contemple a água no cálice central. Relaxe e faça qualquer exercício mágiko com o qual você está familiarizado. Respire fundo, em contagem regressiva de dez até zero ou trabalhando com os chakras, tanto faz. Pense em seu antepassado escolhido. Se possível, relembre e visualize cenas do passado no qual você viveu com aquele antepassado. Sinta o amor entre vocês, que os conecta. Imagine o amor que brilha de seu coração como um raio de luz que atravessa a água e vai para a imagem do antepassado. Convoque o nome de seu antepassado em voz alta, repetidamente. Fale para o antepassado que você o ama e que você quer trabalhar junto com ele. É um princípio básico do Vodu que o vivo e o morto trabalham juntos ajudando-se mutuamente.

Quando você sentir a presença dos antepassados, verta no chão um pouco da água três vezes para lhes dar boas-vindas. Faça freqüentemente esta meditação, até que seja uma rotina confortável. Dentro de uma semana ou duas de prática regular e eficaz, você deverá fazer um festim ancestral para oferecer a seus antepassados.

É um banquete que deve incluir comidas favoritas de seus antepassados em vida, com a exceção que a comida não deve ser salgada. Oferendas de ancestrais genéricos (aqueles que você não conheceu vivos) incluem milho grelhado, amendoim grelhado, coco fresco, comidas brancas como pudim de arroz, leite e bolos de massa com farinha.

Coloque cada tipo de comida em uma tigela e coloque uma vela branca entre as tigelas. Podem ser colocadas oferendas de líquidos em copos. Toque cada prato ou tigela na sua testa, coração e área genital e então cheire profundamente a comida (quase encoste-a no nariz). Fale com seus ancestrais, lembre-lhes que eles já foram parte do mundo dos vivos e que um dia você irá se unir a eles. Peça-lhes para afugentar todo mal como pobreza, enfermidade, desemprego, fadiga, discórdia, tristeza. Peça-lhes para trazer a você tudo aquilo é bom, inclusive amor, dinheiro, trabalho, saúde, alegria, amizade, riso.

Acenda as velas, ponha a comida no altar e deixe o quarto. Quando as velas terminarem de queimar, e de preferência na manhã seguinte, pegue a comida e jogue-a fora ao pé de uma árvore grande. Se isso não for possível, ponha-a em uma bolsa de lixo e jogue-a separadamente de qualquer outro lixo. Lave os pratos, tigelas e copos, esfregue-os com sal e separe-os. Não os use para qualquer outra coisa, nem mesmo para refeições comuns, apenas para outro trabalho de Vodu.

Parte 3 – A Experiência de uma Mambo.

Meu primeiro banquete ancestral aconteceu antes de que eu fosse ordenada como uma Mambo. Eu queria que tudo estivesse tão bonito quanto possível, assim eu limpei minha sala primeiro, então meu altar e todos os objetos do altar, cristais, panos do altar, etc. Eu borrifei o altar com perfume e pus velas novas nos castiçais.

Eu fiz tipos diferentes de comida. Havia galinha, arroz e feijão, verduras cozidas e frutas tropicais para meus antepassados africanos; salsicha, batatas cozidas, saurkraut e doces para meus antepassados europeus, amendoins tostados, milho fervido e carne de coco como comida genérica de antepassado. Havia cerveja, rum, leite, suco de fruta – em resumo, tudo eu pude pensar. Todo prato de comida teve sua própria vela. Eu apresentei as comidas e as bebidas para os antepassados, acendi as velas, meditei e deixei o quarto.

Aquela noite, eu tive alguns sonhos muito interessantes. De manhã, eu notei a condição das velas – toda vela foi queimada até o fim – nem uma gota de cera ou um fragmento de pavio permaneceu em qualquer dos pratos. Puxa , eu pensei, esses antepassados realmente deviam estar famintos! Eu recolhi a comida e coloquei tudo ao pé de uma árvore perto de um rio. Enquanto eu caminhava para casa, eu pensei, qual de meus ancestrais ou loa virá me ajudar agora ?

Era um dia bonito de primavera e eu estava caminhando só em uma estrada rural. Um pequeno fusca amarelo estava passando e buzinou. Eu pensei que a pessoa devia estar perdida e queria indicações, mas assim que olhei, não havia motorista no carro! Instintivamente eu notei a placa – 125 LOA !

Agora, você poderia pensar que alimentar e servir 125 loa deixaria minha conta do supermercado enorme. Mas de fato, a parte de cerimônias maiores, os serviços regulares para os antepassados consistem de um pouco de comida no jantar de segunda-feira, libações ocasionais e a observância correta do Festim dos Mortos (Fet Ghede) a cada 2 de novembro.

Tradução: Michelle Valentim, Autor(a) desconhecido(a)

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-pratica-vodu/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-pratica-vodu/

Uma Sinfonia para a Divina Comédia

Dante

No entanto, Richard Wagner o alertara que descrever o Paraíso não era tarefa para simples mortais. Convencido disso, Liszt decidiu não compor esta última parte, produzindo apenas uma “visão longínqua do Paraíso” a que ele chamou de “Magnificat”, o último trecho da obra. É como se nós, após enfrentarmos a dolorosa jornada do monte purgatório, tivéssemos um pequeno vislumbre do coro angélico.

A “Sinfonia para a Divina Comédia de Dante”, popularmente conhecida como “Sinfonia Dante”, foi um trabalho inovador, com inúmeros avanços harmônicos e orquestrais: efeitos de vento, harmonia progressiva, experimentos em atonalidade, tonalidades e tempos incomuns, interlúdios de música de câmara, uso de formas musicais incomuns. Foi também, uma das primeiras sinfonias a fazer uso de tonalidade progressiva, começando e terminando em tonalidades radicalmente diferentes.

Inferno: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”

O movimento de abertura retrata Dante e Virgílio iniciando sua jornada através dos nove círculos infernais. Nos primeiros temas que se prosseguem, Liszt utiliza-se de uma afinação em Ré menor, tonalidade frequentemente utilizada por outros compositores em obras associadas à morte. O tema termina em Sol sustenido, formando então o famoso trítono, intervalo associado ao diabo e conhecido na Idade Média como Diabolus in Musica.

É interessante notar, que mais à frente, na medida em que música vai mudando seu andamento (accelerando poco a poco), um motivo derivado dos primeiros temas é introduzido pelas cordas (naipe normalmente associado ao elemento fogo). Este motivo, que é praticamente uma escala cromática descendente, retrata Dante e Virgílio em sua descida ao Inferno.

Vale a pena destacar também, o momento em que Dante e Virgílio adentram no segundo círculo do Inferno, o Vale dos Ventos. É perceptível o subir e o descer de escalas cromáticas executadas pelas cordas e flautas (fogo+ar), evocando então o Vento Negro Infernal, o furacão que não para nunca, atormentando eternamente os espíritos luxuriosos.

Purgatório

O segundo movimento, intitulado Purgatório, retrata a subida de Dante e Virgílio ao Monte Purgatório. Monte este que é composto por sete círculos ascendentes, cada um correspondente a um dos sete “pecados” capitais: Orgulho, Inveja, Ira, Acídia, Avareza, Gula e Luxúria. É reservado àqueles que estão em processo de libertação dos mesmos.

Na segunda seção deste movimento, notamos a indicação Lamentoso na partitura. Suas figurações agonizantes refletem a súplica e o sofrimento dos penitentes, o quão difícil é libertar-se completamente destes defeitos.

O Vislumbre do Paraíso

“Os tesouros, porém, do reino santo,
Que arrecadar-me pôde o entendimento,
Serão matéria agora de meu canto”

Uma melodia celeste, acompanhada pelo arpejo das harpas, é entoada pelo coral feminino. Há um forte desejo para que esta melodia se prolongue ou evolua, mas Liszt encerra sua sinfonia por aqui, com com uma tranquila cadência plagal em Si maior,  três repetições de uma única palavra, Hallelujah, nos deixando com aquela vontade secreta de adentrar o Paraíso, apenas para ouvir um pouco mais este magnífico coral angélico.

Magnificat anima mea Dominum,
Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo.
Hosanna!
Hallelujah!

Link da Obra

Faça um passeio musical inesquecível  pelos círculos infernais, monte purgatório, mas não se anime, o paraíso só verás ao longe. Esta versão foi gravada em 1991 pela filarmônica de Berlim sob a batuta do maestro Daniel Barenboim. O usuário que postou esse vídeo teve o trabalho de fazer uma sincronização com as belas ilustrações de Gustave Doré, exatamente como Liszt gostaria que sua sinfonia fosse apresentada. Vale a pena pela música, pelas imagens e pela viagem. Assista >> AQUI

Franz Liszt

Fabio Almeida
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soundcloud.com/fabio_almeida

#Música #Ocultismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/uma-sinfonia-para-a-divina-com%C3%A9dia

Os Gêmeos

Quando conheci os gêmeos, John e Michael, em 1966, em um hospital psiquiátrico, eles já eram célebres. Haviam se apresentado no rádio e na televisão e haviam sido tema de minuciosos informes científicos e populares. Eu desconfiava que eles tinham inclusive penetrado na ficção científica, um tanto ”ficcionalizados” mas essencialmente conforme haviam sido retratados nas descrições publicadas.

 

Os gêmeos, que na época estavam com 26 anos, viviam em asilos desde os sete anos de idade, sob diagnósticos variados, como autistas, psicóticos ou gravemente retardados. A maioria dos informes concluía que, em se tratando de ”idiotas sábios”, nada havia de ”muito especial” neles — exceto por sua notável memória ”documental” para os mínimos detalhes de sua própria experiência e seu uso de um algoritmo inconsciente de calendário que lhes permitia dizer de imediato em que dia da semana cairia uma data no futuro ou passado distante. Essa é a opinião de Steven Smith em seu livro abrangente e imaginativo, The great mental calculators (1983). Pelo que eu saiba, não houve outros estudos sobre os gêmeos depois de meados dos anos 60, sendo o breve interesse que despertaram dissipado pela aparente ”solução” dos problemas que apresentavam.

 

Mas isso, a meu ver, é um equívoco, talvez natural considerando a abordagem estereotipada, o formato fixo das questões, a concentração em uma ou outra ”tarefa” presentes nas primeiras investigações sobre os gêmeos, que os reduziam — sua psicologia, seus métodos, sua vida — a quase nada.

 

A realidade é muito mais estranha, muito mais complexa, muito menos explicável do que sugere qualquer um desses estudos, porém é impossível até mesmo vislumbrá-la por meio de ”testes” formais dinâmicos ou pela usual entrevista dos gêmeos no estilo 60 Minutes.

 

Não que qualquer um desses estudos, ou apresentações na tevê, esteja ”errado”. Eles são muito aceitáveis, com freqüência informativos, no que se propõem a fazer, porém restringem-se à ”superfície” óbvia e passível de ser testada, não se aprofundando — e nem mesmo dando a entender, ou talvez supondo, que existe algo além.

 

De fato, não obtemos indício algum de haver algo mais profundo, a menos que deixemos de testar os gêmeos, de considerá-los “sujeitos de experiência”. É preciso pôr de lado o impulso de limitar e testar e gradualmente travar conhecimento com os gêmeos — observá-los, abertamente, com serenidade, sem pressuposições, porém com uma total e compreensiva receptividade fenomenológica, enquanto eles vivem, pensam e interagem tranqüilamente, tratando da própria vida, com espontaneidade, em sua maneira singular. Descobrimos então que existe algo extraordinariamente misterioso em ação, poderes e intensidades de um tipo talvez fundamental, os quais não fui capaz de ”desvendar” ao longo desses dezoito anos em que os conheço.

 

De fato, eles nada têm de extraordinário à primeira vista — são uma espécie de Tweedledum e Tweedledee (os gêmeos de Alice no país das maravilhas), grotescos, impossíveis de distinguir, reflexos no espelho, idênticos no rosto, nos movimentos corporais, na personalidade, na mente, idênticos também em seu estigma de dano cerebral e tecidual. Têm estatura muito baixa, cabeça e mãos tremendamente desproporcionais, palato e pés muito arqueados, voz esganiçada e monótona, uma profusão de tiques e maneirismos muito peculiares e uma fortíssima miopia degenerativa, requerendo óculos tão grossos que faz seus olhos parecerem distorcidos e lhes dá a aparência de absurdos professorzinhos, examinando de perto e apontando, com uma concentração mal dirigida, obsessiva e absurda. E essa impressão é fortalecida assim que os questionamos — ou lhes permitimos começar espontaneamente, o que tendem a fazer, como marionetes de pantomima, uma de suas ”rotinas”.

 

Esse é o quadro que tem sido apresentado nos artigos publicados e no palco—eles tendem a ser ”apresentados” no show anual do hospital em que trabalho — e em suas não raras, e muito embaraçosas, aparições na tevê.

 

Os ”fatos”, nessas circunstâncias, são demonstrados até se tornarem monótonos. Os gêmeos pedem: ”Digam-nos uma data — qualquer data nos últimos ou próximos 40 mil anos”. Uma data é mencionada e, quase instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. ”Outra data!”, bradam eles, e a proeza se repete. Eles também dizem a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos. Podemos observar, embora isso não seja normalmente mencionado nos relatórios, que seus olhos movem-se e se fixam de maneira singular quando se dedicam a essa operação — como se estivessem desenrolando, ou examinando minuciosamente, uma paisagem interior, um calendário mental. Parecem estar ”vendo”, visualizando intensamente, apesar de ter sido concluído que se tratava de puro cálculo.

 

Sua memória para algarismos é notável — e possivelmente ilimitada. Eles repetem um número de três dígitos, de trinta dígitos, de trezentos dígitos com a mesma facilidade. Também isso foi atribuído a um ”método”.

 

Mas quando alguém testa sua habilidade para calcular—a típica especialidade de prodígios em aritmética e ”calculadores mentais” — seus resultados são espantosamente ruins, tão ruins quanto seu QI de sessenta nos faria imaginar. Eles são incapazes de fazer corretamente adições ou subtrações simples, e nem sequer conseguem compreender o que significa multiplicação ou divisão. O que é isto: ”calculadores” que não sabem calcular e não têm nem mesmo as mais rudimentares habilidades aritméticas?

 

E, no entanto eles são chamados de ”calculadores de calendário” — e tem sido inferido ou aceito, praticamente sem fundamentos, que não se trata absolutamente da memória em ação, mas do uso de um algoritmo inconsciente para cálculos de calendário. Quando lembramos que até Carl Friedrich Gauss, ao mesmo tempo um dos maiores matemáticos e peritos em cálculo, teve enorme dificuldade para descobrir um algoritmo para a data da Páscoa, torna-se impossível acreditar que esses gêmeos, incapazes até mesmo dos mais simples métodos aritméticos, poderiam ter inferido, descoberto e empregado um algoritmo desses. E verdade que muitos ”calculadores” possuem um repertório mais amplo de métodos e algoritmos que descobriram para uso próprio, e talvez isso tenha predisposto W. A. Horwitz et al. a concluir que isso valia também para os gêmeos. Steven Smith, interpretando ao pé da letra esses estudos iniciais, comentou:

 

Algo misterioso, embora banal, está em ação aqui — a misteriosa habilidade humana para formar algoritmos inconscientes com base em exemplos.

 

Se isso fosse tudo, eles de fato poderiam ser vistos como banais, e não como um mistério — pois o cálculo de algoritmos, que uma máquina pode fazer com precisão, é essencialmente mecânico e pertence à esfera dos ”problemas”, mas não dos ”mistérios”.

 

Contudo, mesmo em algumas das ”apresentações” dos gêmeos, em seus ”truques” há uma qualidade que espanta. Eles são capazes de dizer como estava o tempo e quais foram os eventos de qualquer dia de suas vidas — qualquer dia a partir de seus quatro anos de idade. Sua maneira de falar — bem descrita por Robert Silverberg em seu retrato do personagem Melangio — é ao mesmo tempo infantil, detalhada e desprovida de emoção. Ao lhes ser dita uma data, eles reviram os olhos por um momento, depois os fixam, e com uma voz apática e monótona informam o tempo, enunciam superficialmente os eventos políticos de que ouviram falar e os eventos de suas próprias vidas — estes últimos incluindo, com freqüência, as dolorosas e comoventes angústias da infância, o desprezo, a zombaria, as mortificações que sofreram, mas tudo recitado em um tom uniforme, invariável, sem o menor indício de inflexão pessoal ou emoção. Aqui, claramente, trata-se de lembranças que parecem ser de um tipo ”documental”, nas quais não existem referências pessoais, relações pessoais, absolutamente nenhum centro vivo.

 

Poderíamos afirmar que o envolvimento pessoal, a emoção, foram apagados dessas lembranças, no modo defensivo que podemos observar em tipos obsessivos ou esquizóides (e os gêmeos sem dúvida devem ser considerados obsessivos e esquizóides). Mas poderíamos afirmar, igualmente, e na verdade com mais plausibilidade, que lembranças desse tipo nunca tiveram um caráter pessoal, pois isso é, de fato, uma característica fundamental de uma memória eidética como a deles.

 

Mas o que precisa ser ressaltado — e que é insuficientemente salientado por quem os estudou, embora perfeitamente óbvio para um ouvinte ingênuo disposto a se maravilhar — é a magnitude da memória dos gêmeos, sua extensão aparentemente ilimitada (ainda que infantil e banal) e, com ela, o modo como as lembranças são recuperadas. E se lhes perguntamos como é que conseguem reter tanto na mente — um número com trezentos dígitos ou os trilhões de eventos de quatro décadas—eles dizem, simplesmente: ”Nós vemos tudo isso”. E ”ver” — ”visualizar” — com extraordinária intensidade, alcance ilimitado e perfeita fidelidade, parece ser a chave de tudo. Parece ser uma capacidade fisiológica inata de suas mentes, de um modo que guarda certas analogias com a maneira como o famoso paciente de A. R. Luria, descrito em The mindofa mnemonist, ”via”, embora talvez aos gêmeos falte a rica sinestesia e organização consciente das lembranças do mnemonista. Mas não resta dúvida, pelo menos a meu ver, de que os gêmeos têm à sua disposição um prodigioso panorama, uma espécie de paisagem ou fisionomia, de tudo o que já ouviram, viram, pensaram ou fizeram, e que, num piscar de olhos, externamente óbvio quando eles os reviram brevemente e depois os fixam, eles são capazes (com os ”olhos da mente”) de recuperar e ”ver” quase qualquer coisa que esteja nessa vasta paisagem.

 

Tais poderes de memória são raríssimos, porém não únicos. Pouco ou nada sabemos das razões por que os gêmeos ou qualquer outra pessoa os têm. Haverá, então, alguma coisa nos gêmeos que seja de um interesse mais profundo, como vim insinuando? Acredito que sim.

 

Conta-se que sir Herbert Oakley, o professor oitocentista de música em Edimburgo, ao ser levado a uma fazenda e ouvir um porco guinchar, bradou no mesmo instante: ”Sol sustenido!”. Alguém correu para o piano, e era sol sustenido mesmo. Minha primeira impressão das capacidades ”naturais” e do modo ”natural” dos gêmeos veio de maneira semelhante, espontânea e (não pude deixar de sentir) bastante cômica.

 

Uma caixa de fósforos que estava em cima da mesa caiu e o conteúdo espalhou-se no chão: ”111”, gritaram os gêmeos simultaneamente; a seguir, John disse baixinho: ”37”. Michael repetiu esse número, John disse-o pela terceira vez e parou. Contei os fósforos — demorei um pouco — e havia 111.

 

”Como conseguiram contar os fósforos tão depressa?”, perguntei. ”Não contamos”, eles responderam. ”Nós vimos os 111”.

 

Histórias semelhantes contam-se a respeito de Zacharias Dase, o prodígio dos números, que declarava instantaneamente ”183” ou ”79” quando se derramava um punhado de ervilhas e indicava do melhor modo possível — ele também era deficiente mental — que não tinha contado as ervilhas, mas apenas ”visto” o número delas, num todo, de relance.

 

”E por que vocês murmuraram ’37’ e repetiram isso três vezes?”, perguntei aos gêmeos. Eles responderam em uníssono ”37,37,37,111”.

 

E isso eu achei ainda mais intrigante, se possível. O fato de eles verem 111 — a ”condição de 111” — em um lampejo era extraordinário, mas talvez não mais extraordinário que o ”sol sustenido” de Oakley — uma espécie de ”tom absoluto” para números, por assim dizer. Mas eles em seguida ”fatoraram” o número 111 — sem contar com nenhum método, sem mesmo ”conhecer” (da maneira usual) o que significavam fatores. Pois eu já não observara que eles eram incapazes de fazer os mais simples cálculos e não ”entendiam” (ou não pareciam entender) o que era multiplicação ou divisão? E no entanto, ali, espontaneamente, eles haviam dividido um número composto em três partes iguais.

 

”Como foi que vocês calcularam isso?”, perguntei, ardendo de curiosidade. Eles indicaram, do melhor modo que puderam, em termos pobres, insuficientes — mas talvez não haja palavras que correspondam a coisas assim — que não tinham ”calculado”, apenas ”visto” aquilo, num lampejo. John fez um gesto com dois dedos esticados e o polegar, o que parecia sugerir que eles haviam espontaneamente dividido o número em três partes ou que o número ”dividira-se” por conta própria nessas três partes iguais, por uma espécie de ”fissão” numérica espontânea. Eles pareciam surpresos diante de minha surpresa — como se eu fosse cego de alguma forma; e o gesto de John transmitiu um extraordinário senso de realidade imediata, sentida. Será possível, pensei comigo, que eles possam de algum modo ”ver” as propriedades, não da maneira conceitual, abstrata, mas como qualidades sentidas, sensíveis, de algum modo imediato, concreto? E não simplesmente qualidades isoladas — como a ”qualidade de 111” — mas qualidades de relações? Talvez mais ou menos do mesmo modo como sir Herbert Oakley teria dito ”uma terça” ou ”uma quinta”

 

Eu já chegara à idéia, com base na ”visão” de eventos e datas pelos gêmeos, de que eles podiam reter na mente, que haviam retido, uma imensa tapeçaria mnemónica, uma vasta (ou possivelmente infinita) paisagem na qual tudo podia ser visto, isoladamente ou em relação. Era o isolamento, em vez de um senso de relação, que era primordialmente exibido quando eles despejavam seu implacável ”documentário” desordenado. Mas não poderiam esses prodigiosos poderes de visualização — poderes essencialmente concretos e muito distintos da capacidade de conceituar — dar-lhes o potencial de ver relações, relações formais, relações de forma, arbitrárias ou significativas? Se eles podiam ”ver” a ”qualidade de 111” em um lampejo (se podiam ver toda uma ”constelação” de números), não poderiam também ”ver”, num lampejo—ver, reconhecer, relacionar e comparar, de um modo inteiramente sensitivo e não intelectual —, formações e constelações de números enormemente complexas? Uma habilidade ridícula, até mesmo incapacitante Pensei no ”Funes” de Borges

 

Nós, de relance, podemos perceber três copos em uma mesa, Funes, todas as folhas, gavinhas e frutos que compõem uma videira [ ] Um circulo desenhado no quadro-negro, um ângulo reto, um losango — todas estas são formas que podemos entender intuitivamente e por completo, Ireneo podia fazer o mesmo com a emaranhada erma de um pônei, com uma manada de gado na colma [ ] não sei quantas estrelas ele era capaz de enxergar no céu

 

Poderiam os gêmeos, que pareciam ter uma singular paixão pelos números e ”domínio” dos mesmos — poderiam eles, que tinham visto a ”qualidade de 111” num relance, talvez ver em suas mentes uma ”videira” numérica, com todas as folhas-números, gavinhas-números, frutas-números que a compunham? Uma idéia estranha, talvez absurda, quase impossível — mas o que eles já me haviam mostrado era tão estranho que quase não se prestava à compreensão E, pelo que eu soubesse, aquilo era tão-somente um indicio mínimo do que eles podiam fazer

 

Refleti sobre o assunto, mas ele quase não permitia reflexão. Depois, deixei-o de lado. Esqueci-o até que deparei, totalmente por acaso, com uma segunda cena espontânea, uma cena mágica.

 

Nessa segunda vez, eles estavam sentados juntos em um canto, com um sorriso misterioso, secreto, um sorriso que eu nunca tinha visto antes, desfrutando o estranho prazer e paz que agora pareciam ter. Furtivamente, para não os perturbar, eu me aproximei. Pareciam absortos em uma conversa singular, puramente numérica. John dizia um número — um número de seis dígitos. Michael ouvia, assentia com a cabeça, sorria e parecia saborear o número. Em seguida, ele próprio dizia um número de seis dígitos, e dessa vez era John quem o recebia e apreciava com prazer. À primeira vista, lembravam dois connoisseurs provando vinho, compartilhando gostos raros, raras apreciações. Sentei-me quieto, sem que eles me vissem, hipnotizado, perplexo.

 

O que eles estavam fazendo? Que diabos estava acontecendo? Eu não conseguia entender. Talvez se tratasse de algum tipo de jogo, mas tinha uma gravidade e intensidade, uma espécie de intensidade serena, meditativa e quase sagrada, que eu nunca vira em nenhum jogo comum e que certamente nunca vira antes nos gêmeos, normalmente tão agitados e distraídos. Contentei-me com anotar os números que eles diziam — números que manifestamente lhes proporcionavam tanto prazer e que eles ”contemplavam”, saboreavam, compartilhavam em comunhão.

 

Teriam aqueles números algum significado, perguntei-me a caminho de casa, teriam algum sentido ”real” ou universal, ou (se é que tinham algum) apenas um sentido estapafúrdio ou particular, como as ”línguas” secretas e tolas que irmãos e irmãs às vezes inventam para si mesmos? E, dirigindo na volta para casa, pensei nas gêmeas de Luria — Liosha e Yura, gêmeas idênticas com dano no cérebro e na fala—e em como elas brincavam e tagarelavam entre si em uma língua própria, primitiva, balbuciante (Luria e Yudovich, 1959). John e Michael nem sequer estavam usando palavras ou meias palavras — simplesmente jogavam números um para o outro. Seriam números ”borgenses” ou ”funesianos”, meras videiras numéricas, crinas de pônei ou constelações, formas numéricas privadas — uma espécie de jargão numérica, conhecida apenas pelos gêmeos?

 

Assim que cheguei, fui buscar tabelas de potências, fatores, logaritmos e números primos—lembranças e relíquias de um período singular e isolado de minha infância, quando eu também fora uma espécie de ruminante de números, um ”vidente” de números, nutrindo por estes uma paixão peculiar. Eu já tinha um palpite — e então o confirmei. Todos os números, os números de seis dígitos que os gêmeos tinham compartilhado, eram primos — ou seja, números que só podem ser divididos em partes iguais por eles mesmos ou por um. Teriam os gêmeos, de algum modo, visto ou possuído algum livro como o meu — ou estariam, de algum modo inimaginável, ”vendo” números primos, mais ou menos da mesma forma que tinham ”visto” a qualidade de 111 ou a triplicidade de 37? Sem dúvida não poderiam tê-los calculado — não eram capazes de fazer cálculo algum.

 

Voltei à enfermaria no dia seguinte, levando comigo o precioso livro dos números primos. Novamente os encontrei encerrados em sua comunhão numérica, mas dessa vez, sem nada dizer, juntei-me a eles de mansinho. De início ficaram surpresos, mas, vendo que eu não os interrompia, retomaram seu ”jogo” de números primos de seis dígitos. Após alguns minutos, decidi tomar parte e arrisquei dizer um número, um número primo de oito dígitos. Ambos se voltaram para mim, e subitamente ficaram quietos, com uma expressão de concentração intensa e talvez espanto. Houve uma longa pausa—a mais longa que eu já os vira fazer, deve ter durado meio minuto ou mais — e então, de súbito, simultaneamente, os dois abriram um sorriso.

 

Depois de algum inimaginável processo de teste, eles de repente haviam visto meu número de oito dígitos como um número primo — e isso manifestamente era para eles um grande prazer, um duplo prazer; primeiro, porque eu introduzira um delicioso brinquedo novo, um número primo de uma ordem que eles nunca haviam encontrado antes, e segundo porque era evidente que eu tinha visto o que eles estavam fazendo, que tinha gostado, que admirava e era capaz de participar também.

 

Os dois se afastaram ligeiramente um do outro, dando lugar para mim, um novo colega de brincadeiras numéricas, um terceiro em seu mundo. Em seguida, John, que sempre saía na frente, pensou por um tempo muito longo — deve ter sido pelo menos cinco minutos, embora eu não ousasse me mexer e mal respirasse — e enunciou um número de nove dígitos; depois de um tempo semelhante, seu irmão gêmeo, Michael, respondeu com um número do mesmo tipo.

 

E então, eu, na minha vez, depois de olhar furtivamente o livro, acrescentei minha própria e desonesta contribuição, um número primo de dez dígitos.

 

Fez-se novamente, e por um tempo ainda mais longo, um silêncio repleto de fascinação e quietude; em seguida, John, depois de uma prodigiosa contemplação interna, saiu-se com um número de doze dígitos. Esse eu não tinha como verificar, e assim não pude responder à altura, pois meu livro — que, pelo que eu sabia, era o único de seu gênero — não ia além dos números primos de dez dígitos. Mas Michael mostrou-se apto para o desafio, embora demorasse cinco minutos — e uma hora mais tarde os gêmeos estavam trocando números primos de vinte dígitos, ou pelo menos supus que fosse isso, pois não havia meio de comprovar. Também não existia uma maneira fácil, em 1966, sem ter à disposição um computador sofisticado. E, mesmo então, teria sido difícil, pois quer usemos o crivo de Erastótenes ou qualquer outro algoritmo, não existe um método simples de calcular números primos. Não existe um método simples para os números primos dessa ordem — e, no entanto os gêmeos os estavam descobrindo. (Ver, porém, o pós-escrito.)

 

Novamente pensei em Dase, sobre quem eu tinha lido anos antes, no fascinante livro Human personality, de F. W. H. Myers (l 903).

 

Sabemos que Dase (talvez o mais bem-sucedido desses prodígios) era singularmente desprovido de compreensão matemática […] Apesar disso, em doze anos ele produziu tabelas de fatores e números primos para o sétimo e quase todo o oitavo milhão — uma tarefa que poucos homens poderiam ter realizado, sem auxílio mecânico, ao longo de todo um período normal de vida.

 

Portanto, concluiu Myers, ele pode ser considerado o único homem a ter prestado um valioso serviço à matemática sem ser capaz de entender os conceitos matemáticos mais simples.

 

O que Myers não esclarece, e que talvez não estivesse claro, era se Dase possuía algum método para produzir as tabelas ou se, como sugerido por seus simples experimentos de ”ver números”, ele de algum modo ”via” aqueles grandes números primos, como aparentemente os gêmeos viam.

 

Observando-os discretamente — isso era fácil de fazer, pois eu tinha uma sala na enfermaria onde os gêmeos estavam alojados —, vi-os em inúmeros outros tipos de jogos numéricos ou comunhão numérica, cuja natureza não pude apurar ou mesmo supor.

 

Mas parece provável, ou certo, que eles estejam lidando com propriedades ou qualidades ”reais” — pois o arbitrário, como os números aleatórios, não lhes dá prazer, ou lhes dá muito pouco. Está claro que eles precisam ter ”sentido” em seus números — do mesmo modo, talvez, como um músico precisa ter harmonia. De fato, eu me surpreendi comparando-os a músicos — ou a Martin, também retardado, que encontrava na serena e magnífica arquitetônica de Bach uma manifestação sensível da suprema harmonia e ordem do inundo, inacessível para ele conceitualmente devido às suas limitações intelectuais.

 

”Todo aquele que é composto harmonicamente”, escreve sir Thomas Browne, ”deleita-se com a harmonia [ ] e uma profunda contemplação do primeiro compositor. Há nela algo da divindade mais do que descobre o ouvido, é uma hieroglífica e obscurecida lição sobre todo o mundo [ ] uma pequenina seção da harmonia que soa intelectualmente nos ouvidos de Deus […] A alma […] é harmônica e tem sua afinidade mais estreita com a música ”

 

Richard Wollheim, em The thread ofhfe (1984), faz uma distinção absoluta entre cálculos e o que ele denomina estados mentais ”icônicos”, e antevê uma possível objeção a tal distinção

 

Alguém poderia contestar o fato de que todos os cálculos são não icônicos alegando que, quando a pessoa calcula, as vezes o faz visualizando o calculo em uma pagina. Mas isso não constitui um contra exemplo. Pois o que esta representado em tais casos não é o cálculo em si, mas uma representação do mesmo, os números e que são calculados, mas o que se visualiza são os numerais, que representam números

 

Leibmz, por outro lado, apresentou uma instigante analogia entre números e música ”O prazer que obtemos da música vem de contar, mas contar inconscientemente A música nada mais é do que aritmética inconsciente”

 

Até onde podemos apurar, qual é a situação dos gêmeos, e talvez de outros? O compositor Ernst Toch — contou-me seu neto, Lawrence Weschler — conseguia prontamente reter na memória, depois de ouvir uma única vez, uma série muito longa de números, mas fazia isso ”convertendo” a série de números em uma melodia (que ele próprio criava, ”correspondendo” aos números). Jedediah Buxton, calculador dos menos elegantes, mas dos mais tenazes de todos os tempos, que tinha uma grande, até mesmo patológica, paixão por cálculos e cômputos (ele ficava, em suas próprias palavras, ”bêbado de contar”), ”convertia” música e drama em números. Segundo um relato contemporâneo sobre ele, escrito em 1754: ”Durante a dança, ele fixava a atenção no número de passos; depois de um belo trecho musical, declarava que os inúmeros sons produzidos pela música o haviam deixado imensamente perplexo, e ia até mesmo assistir às peças do sr. Garrick só para contar as palavras que este proferia, no que afirmava ter pleno êxito”.

 

Eis um belo, ainda que extremo, par de exemplos — o músico que transforma números em música e o perito em contar que transforma a música em números. Fica-se com a impressão de que é impossível encontrar tipos de mentes mais opostos ou, pelo menos, estilos mentais mais opostos.

 

A meu ver, os gêmeos, que têm uma ”sensibilidade” extraordinária para números, sem serem capazes de calcular coisa alguma, têm nesse aspecto uma afinidade não com Buxton, mas com Toch. Exceto — e isto nós, pessoas comuns, achamos dificílimo imaginar — pelo fato de que eles não ”convertem” números em música, mas realmente sentem os números, em si mesmos, como ”formas”, como ”tons”, como as numerosíssimas formas que compõem a própria natureza. Eles não são calculadores, e sua habilidade numérica é ”icônica”. Eles convocam, habitam estranhos cenários numéricos; perambulam livremente por vastas paisagens de números, criam dramaturgicamente todo um mundo feito de números. Eles têm, creio, uma imaginação extremamente singular — da qual a singularidade maior é o fato de que ela só pode imaginar números. Não parecem ”operar” com números, de um modo ”não icônico”, como um calculador; eles os ”vêem”, diretamente, como um vasto cenário natural.

 

E se nos perguntarmos ”existem analogias, pelo menos, com uma iconicidade assim?”, nós as descobriremos, acredito, em certas mentes científicas. Dmitri Mendeleev, por exemplo, carregou consigo, escritas em cartões, as propriedades numéricas dos elementos até que elas se tornaram totalmente ”familiares” para ele — tão familiares que ele não mais pensava nelas como agregados de propriedades, mas (segundo ele próprio afirmou) ”como rostos conhecidos”. Ele passou a ver os elementos, iconicamente, fisionomicamente, como ”rostos” — rostos que se relacionavam, como membros de uma família, e que compunham, in totó, periodicamente organizados, todo o rosto formal do universo. Uma mente científica assim é essencialmente ”icônica” e ”vê” toda a natureza como rostos e cenas, talvez também como música. Essa ”visão”, essa visão interna, envolta pelo fenomênico, tem ainda assim uma relação integral como físico, e devolvê-la do psíquico para o físico constitui o trabalho secundário, ou externo, dessa ciência. (”O filósofo procura ouvir dentro de si os ecos da sinfonia do mundo”, escreveu Nietzsche, ”e volta a projetá-los na forma de conceitos.”) Os gêmeos, embora deficientes mentais, ouvem a sinfonia do mundo, imagino, mas a ouvem inteiramente em forma numérica.

 

A alma é ”harmônica” seja qual for o Qi da pessoa, e para alguns, como os cientistas físicos e os matemáticos, o senso de harmonia, talvez, é primordialmente intelectual. No entanto, não consigo pensar em algo intelectual que não seja, de algum modo, também sensível — de fato, a própria palavra ”senso” tem sempre essa dupla conotação. Sensível e, de certo modo, também ”pessoal”, pois é impossível alguém sentir alguma coisa, julgar uma coisa ”sensível” sem que ela seja, de algum modo, relacionada ou passível de relacionar-se com a pessoa. Assim, a imponente arquitetônica de Bach proporciona, como fazia para Martin A., ”uma hieroglífica e obscurecida lição sobre todo o mundo”, mas ela também é, reconhecível, única e afetuosamente Bach; e isso também era sentido, comoventemente, por Martin A., e por ele relacionado ao amor que sentia pelo pai.

 

Os gêmeos, a meu ver, não possuem apenas uma estranha ”faculdade” — mas uma sensibilidade, uma sensibilidade harmônica, talvez afim à musical. Poderíamos chamá-la, com muita propriedade, de sensibilidade ”pitagórica” — e o singular não é sua existência, mas sua evidente raridade. A alma da pessoa é ”harmônica” seja qual for o seu QI, e talvez a necessidade de encontrar ou sentir alguma harmonia ou ordem suprema seja um universal da mente, independentemente das capacidades desta ou da forma que ela assuma. A matemática sempre foi considerada a ”rainha das ciências”, e os matemáticos sempre viram o número como o grande mistério e o mundo como sendo organizado, misteriosamente, pelo poder do número. Isso é expresso com primor no prólogo à autobiografia de Bertrand Russell:

 

Com igual paixão tenho buscado o conhecimento. Desejo compreender o coração dos homens. Desejo saber por que as estrelas brilham. E tento entender o poder pitagóríco pelo qual os números têm influência sobre o fluxo.

 

É estranho comparar esses gêmeos deficientes mentais a um intelecto, um espírito como o de Bertrand Russell. E, no entanto, em minha opinião, não é tão absurdo. Os gêmeos vivem exclusivamente em um mundo de pensamentos numéricos. Não têm interesse pelas estrelas que brilham nem pelos corações dos homens. Mas acredito que para eles os números não são ”apenas” números, mas significâncias, significantes cujo ”significando” é o mundo.

 

Eles não lidam com os números levianamente, como faz a maioria dos calculadores. Não estão interessados em cálculos, não têm capacidade para os mesmos e não são capazes de compreendê-los. São, antes, serenos contempladores do número — e lidam com os números com um senso de reverência e pasmo. Os números, para eles, são sagrados, repletos de significação. Essa é a sua maneira — como a música é a maneira de Martin — de entender o primeiro compositor.

 

Mas os números não são apenas impressionantes para eles, são também amigos — talvez os únicos amigos que eles já tiveram em sua vida isolada de autistas. Esse é um sentimento muito comum nas pessoas que têm um dom para os números — e Steven Smith, embora considerasse o ”método” o mais importante, fornece muitos exemplos fascinantes disso: George Parker Bidder, que escreveu sobre sua primeira infância numérica: ”Adquiri total familiaridade com os números até cem; eles se tornaram, por assim dizer, meus amigos, e eu conhecia todos os parentes e conhecidos”; ou o contemporâneo Shyam Marathe, da índia: ”Quando digo que os números são meus amigos, quero dizer que em alguma época passada lidei com aquele número específico de várias maneiras e, em muitas ocasiões, descobri novas e fascinantes qualidades nele ocultas […] Assim, se em um cálculo deparo com um número conhecido, imediatamente o vejo como um amigo”.

 

Hermann von Helmholtz, discorrendo sobre a percepção musical, afirma que, embora tons compostos possam ser analisados e divididos em seus componentes, eles são normalmente ouvidos como qualidades, qualidades únicas de tom, todos indivisíveis. Ele fala, nesse sentido, de uma ”percepção sintética” que transcende a análise e é a essência, impossível de analisar, de todo senso musical. Compara esses tons a rostos, e reflete que podemos reconhecê-los mais ou menos da mesma maneira pessoal. Em suma, parece sugerir que os tons musicais, e certamente as melodias, são de fato ”rostos” para os ouvidos e são reconhecidos, sentidos, imediatamente como ”pessoas” (ou como tendo ”qualidade de pessoa”), um reconhecimento que implica afeto, emoção, relação pessoal.

 

Isso parece ocorrer com os que amam os números. Estes também se tornam reconhecíveis como tais — em um único, intuitivo, pessoal: ”Eu conheço você!”.20 O matemático Wim Klein expressou isso muito bem: ”Os números são amigos para mim, mais ou menos. Para você, 3844 não significa o mesmo, não é? Para você, é apenas um três, um oito, um quatro e outro quatro. Mas eu digo: ’Olá, 62 ao quadrado!’”.

 

Acredito que os gêmeos, aparentemente tão isolados, vivem num mundo cheio de amigos, tendo milhões, bilhões de números aos quais dizem ”Olá!” e que, tenho certeza, respondem ”Olá!” para eles. Mas nenhum dos números é arbitrário — como 62 ao quadrado — nem (e este é o mistério) se chega a ele por algum dos métodos usuais, ou por qualquer método que eu consiga discernir. Os gêmeos parecem empregar uma cognição direta — como anjos. Eles vêem, diretamente, um universo e um céu de números. E isso, embora singular, embora bizarro — mas que direito temos de chamá-lo ”patológico”? —, proporciona uma singular auto-suficiência e serenidade às suas vidas, e poderia ser trágico interferir nelas ou destruí-las.

 

Essa serenidade foi, de fato, interrompida e destruída dez anos mais tarde, quando se julgou que os gêmeos deviam ser separados – ”para seu próprio bem”, a fim de prevenir sua ”prejudicial comunicação entre si” e que pudessem ”sair e enfrentar o mundo […] de um modo adequado, socialmente aceitável” (segundo explicado pelo jargão médico e sociológico). Assim, foram separados em 1977, com resultados que podem ser considerados tanto gratificantes como calamitosos. Ambos foram transferidos para ”semiinternatos” e executam trabalhos simples e subalternos em troca de um pagamento mínimo, sob estrita supervisão. Eles são capazes de tomar ônibus, se forem cuidadosamente orientados e receberem um passe para pagar a condução, e de se manterem moderadamente apresentáveis e limpos, embora seu caráter de retardados mentais e psicóticos ainda seja reconhecível à primeira vista.

 

Esse é o lado positivo — mas também há um lado negativo (não mencionado em suas fichas, pois antes de mais nada nunca foi reconhecido). Privados da ”comunhão” numérica entre si e de tempo e oportunidade para qualquer ”contemplação” ou ”comunhão” — sempre sendo apressados e empurrados de uma tarefa para outra — , eles parecem ter perdido sua estranha capacidade numérica e, com ela, o principal prazer e sentido de suas vidas. Mas isso é considerado um pequeno preço a ser pago, sem dúvida, por se terem tornado semi-independentes e ”socialmente aceitáveis”.

 

Isso nos lembra um pouco o tratamento dado a Nadia—criança autista com um dom fenomenal para o desenho. Nadia também foi submetida a um regime terapêutico ”para encontrar maneiras nas quais suas potencialidades em outras direções poderiam ser maximizadas”. O efeito líquido foi que ela começou a falar — e parou de desenhar. Nigel Dennis comenta: ”Ficamos com um gênio que teve seu gênio removido, nada restando além de uma deficiência generalizada. O que devemos pensar de uma cura assim tão curiosa?”.

 

Cabe acrescentar — este é um aspecto ressaltado por F. W. H. Myers, cuja reflexão sobre os prodígios numéricos abre seu capítulo sobre ”Gênios” — que essa faculdade é ”estranha” e pode desaparecer espontaneamente, embora com a mesma freqüência seja vitalícia. No caso dos gêmeos, obviamente, não se tratava apenas de uma ”faculdade”, mas do centro pessoal e emocional de suas vidas. E agora que eles estão separados, agora que ela desapareceu, já não há mais um sentido ou um centro em suas vidas

 

PÓS-ESCRITO

 

Quando Israel Rosenfield leu o original deste texto, salientou que existem outras aritméticas, superiores e mais simples do que a aritmética ”convencional” das operações, e aventou a possibilidade de as singulares capacidades (e limitações) dos gêmeos refletirem o uso, por eles, de uma aritmética ”modular” desse tipo. Em um bilhete que me escreveu, ele sugeriu que os algoritmos modulares, do tipo descrito por lan Stewart em Concepts of Modern mathematics (1975), poderiam explicar as habilidades dos gêmeos como calendário:

 

Sua habilidade para determinar os dias da semana ao longo de um período de 80 mil anos sugere um algoritmo bastante simples. Divide-se o número total de dias entre o ”agora” e o ”então” por sete Se não houver resto, a data cai no mesmo dia que ”agora”, se o resto for um, a data cairá um dia mais tarde e assim por diante Observe que a aritmética modular é cíclica- ela consiste em padrões repetitivos. Talvez os gêmeos estivessem visualizando esses padrões, seja na forma de tabelas fáceis de construir, seja na de algum tipo de ”paisagem” como a espiral de inteiros mostrada na página 30 do livro de Stewart

 

Isso não responde por que os gêmeos comunicavam-se com números primos. Mas a aritmética do calendário requer o sete, que é primo E quando se pensa em aritmética modular em geral, a divisão modular produzirá padrões cíclicos distintos apenas se forem usados números primos. Como o número primo sete ajuda os gêmeos a identificar datas e, conseqüentemente, os eventos de dias específicos de suas vidas, eles podem ter descoberto que outros números primos produzem padrões semelhantes àqueles que são tão importantes para seus atos de recordação. (Observemos que, quando a caixa de fósforos caiu e eles disseram ”111 — 37 três vezes”, eles estavam tomando o número primo 37 e multiplicando por três.) De fato, apenas os padrões de números primos podiam ser ”visualizados”. Os diferentes padrões produzidos pelos diferentes números primos (por exemplo, tabelas de multiplicação) podem ser os elementos de informação visual que eles estão comunicando um ao outro quando repetem um dado número primo. Em suma, a aritmética modular pode ajudá-los a recuperar seu passado e, em conseqüência, os padrões criados para usar esses cálculos (que só ocorrem com números primos) podem assumir uma importância particular para os gêmeos.

 

Com o uso de uma aritmética modular como essa, ressalta Stewart, pode-se chegar com rapidez a uma solução única que não se presta a nenhuma aritmética ”ordinária” — em especial visando exatamente (pelo chamado pigeon-hole principie, o princípio da classificação sistemática) números primos extremamente grandes e incomputáveis (por métodos convencionais).

 

Se tais métodos, tais visualizações, são vistos como algoritmos, eles são algoritmos de um tipo muito singular — organizados não algebricamente, mas espacialmente, como árvores, espirais, arquiteturas, ”paisagens de pensamentos”—, configurações em um espaço mental formal e contudo quase sensorial. Os comentários de Israel Rosenfíeld e as exposições de lan Stewart sobre aritmética ”superior” (e especialmente modular) empolgaram-me, pois parecem prometer, se não uma ”solução”, pelo menos uma grande chance de se chegar à compreensão de capacidades de outra forma inexplicáveis como as dos gêmeos.

 

Essas aritméticas superiores ou mais profundas foram concebidas, em princípio, por Gauss em Disquisitiones arithmeticae, em 1801, mas só receberam aplicações práticas em anos recentes. Não se pode deixar de pensar que talvez exista uma aritmética ”convencional” (ou seja, uma aritmética de operações) — muitas vezes irritante para o professor e para o aluno, ”antinatural” e difícil de aprender—e também uma aritmética íntima do tipo descrito por Gauss, que pode ser verdadeiramente inata ao cérebro, tão inata quanto a gramática sintática e gerativa ”íntima” de Chomsky. Uma aritmética dessas, em mentes como as dos gêmeos, poderia ser dinâmica e quase viva — aglomerados globulares e nebulosas de números turbilhonando e evoluindo em um céu mental sempre em expansão.

 

Como já mencionei, depois da publicação de ”Os gêmeos” recebi uma vasta correspondência, tanto pessoal como científica. Algumas cartas tratavam dos temas específicos de ”ver” ou apreender números, outras do sentido ou importância que pode haver nesse fenômeno, outras ainda do caráter geral de inclinações e sensibilidades autistas e como elas podem ser incentivadas ou inibidas, e finalmente outras da questão dos gêmeos idênticos. Especialmente interessantes foram as cartas de pais de crianças desse tipo, as mais raras e notáveis provenientes de pais que tinham sido, eles próprios, forçados a refletir e pesquisar e que haviam conseguido combinar o mais profundo sentimento e envolvimento com uma acentuada objetividade. Nessa categoria estavam os Park, pais muito inteligentes de uma criança muito talentosa, porém autista (ver C. C. Park, 1967, e D. Park, 1974, pp. 313-23). A filha dos Park, ”Ella”, era uma exímia desenhista e também muito habilidosa com números, especialmente quando bem pequena. Ella fascinava-se com a ”ordem” dos números, especialmente os primos. Esse sentimento singular pelos números primos evidentemente não é raro. C. C. Park escreveu-me sobre uma outra criança autista que ela conhecia, a qual enchia folhas de papel com números escritos ”compulsivamente”. Todos eram primos, observou ela, e acrescentou: ”São janelas para um outro mundo”. Posteriormente, ela mencionou uma experiência recente com um jovem autista que também sentia fascinação por fatores e números primos e que os percebia instantaneamente como ”especiais”. De fato, a palavra ”especial” precisava ser usada para provocar uma reação:

 

”Há alguma coisa de especial, Joe, nesse número (4875)?”

 

Joe: ”Só é divisível por 13 e 25”.

 

Sobre outro (7241): ”É divisível por 13 e 557”.

 

E sobre 8741: ”É um número primo”.

 

Park comenta: ”Ninguém na família dele incentiva seus números primos; eles são um prazer solitário”.

 

Não está claro, nesses casos, o modo como se chega às respostas quase instantaneamente: se elas são ”pensadas”, ”conhecidas” (lembradas) ou — de alguma forma — apenas ”vistas”. O que está claro é o singular senso de prazer e significação ligado aos números primos. Parte disso parece dever-se a um senso de beleza formal e simetria, mas uma outra parte, também, a um singular ”significado” ou ”potencial” associativo. Isso com freqüência foi considerado ”mágico” no caso de Ella: números, especialmente os primos, evocavam pensamentos, imagens, sentimentos, relações especiais — alguns quase ”especiais” ou ”mágicos” demais para serem mencionados. Isso é bem descrito no artigo de David Park (op. cit).

 

Kurt Gõdel, de uma maneira muito abrangente, expôs como os números, em especial os primos, podem servir como ”marcadores” — para idéias, pessoas, lugares, qualquer coisa; e esse marcador gõdeliano abriria caminho para uma ”aritmetização” ou ”numeralização” do mundo (ver E. Nagel e J. R. Newman, 1958). Se isso realmente ocorre, é possível que os gêmeos, e outros como eles, não meramente vivam em um mundo de números, mas em um mundo, no mundo, como números, sendo sua meditação ou brincadeira numérica uma espécie de meditação existencial e, se for possível alguém entendê-la, ou encontrar a chave (como David Park às vezes consegue), também uma estranha e precisa comunicação.

por Oliver Sacks

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/os-gemeos/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/os-gemeos/

A’Ano’Nin: O Diabo é uma Mulher de Vermelho

© Linda Falorio 1993.

No Tarô das Sombras, a carta de A’Ano’Nin fala com o lado negro de Atu XV, O Diabo dos tarôs tradicionais. O Diabo, conhecido nos ensinamentos esotéricos da Golden Dawn (Aurora Dourada) como O Senhor dos Portais da Matéria, e O Filho das Forças do Tempo, cai astrologicamente sob a égide do planeta Saturno, Cronos, Guardião do Tempo, a oitava superior da Lua em seu papel de significante dos ritmos lentos e inexoráveis ​da natureza. Alquimicamente, Saturno relaciona-se com as qualidades do chumbo, com a densidade e o peso da matéria, a solidez da Terra, a atração da gravidade que nos mantém no planeta, bem como o núcleo derretido do planeta.

Saturno, o planeta mais externo conhecido nos tempos antigos, definiu os limites do cosmos então conhecido e também define nossos limites e vulnerabilidades pessoais, tanto físicas quanto psicológicas. Onde a Lua, o brilhante satélite da Terra, nutre a vida terrena, o escuro e distante Saturno define as limitações inerentes à estrutura e forma da vida. Frio e escuro, Saturno nos remete ao Norte geofísico, a direção de onde a energia orgone flui para nossa teia de vida, discernível como a aurora pulsante da aurora boreal. Saturno, portanto, também está associado ao inverno, dezembro no Hemisfério Norte, quando o Sol entra em Capricórnio, o signo nativo de Saturno.

No Tarô das Sombras, O Diabo, embora na maioria das vezes pensado como tipicamente masculino, em vez disso, vira um rosto feminino para nós como Set, deus egípcio dos desertos com cabeça de burro, Shaitan dos Yezidis que moram no deserto, cujos devotos adoravam voltados para o norte. Nesta carta encontramos a alma em escravidão aos sentidos e à terra: a matéria governando o espírito. No entanto, onde no tarô tradicional a ideia da matéria dominando o espírito foi vista como má, no Tarô das Sombras experimentamos isso como uma condição a ser buscada. O feminino há muito tem sido caluniado, mas há verdade nisso, pois se a existência terrena é vista como um mal a ser suportado a caminho de algum paraíso celestial, o feminino tem apenas dois papéis possíveis: o de psicopompo virginal, guiando a alma a Deus, como Beatrice fez para o poeta Dante Alighieri, ou a de sedutora, levando a alma de Deus, ligando o homem à terra como a porta física para o mundo material da sensualidade e satisfação do desejo animal através do sutil trabalho feromonal de seu corpo. De fato, a matéria (matter) é igual à mãe (mother), pois é ela que veste todas as coisas com forma, ela que mantém o feto em desenvolvimento em seu corpo, assim ela mantém nossos limites e nos mantém na realidade.

A’Ano’Nin nos chama para a dança luxuriosa do espírito revestido de forma. A alma é puxada para a encarnação pelo desejo. Encantados pelo arrebatamento dos sentidos, a miragem lançada sobre nós por nosso adorável planeta nos liga às bênçãos da terra, caímos no Tempo para que possamos nos deleitar com a alegria da existência física.

No pentagrama – a estrela de cinco pontas – vemos um antigo selo de proteção. Representa os quatro elementos dos Antigos — fogo, água, ar e terra — cujas infinitas combinações constituem o universo manifestado coroado pelo quinto elemento do espírito ao qual a humanidade aspira. Invertido, o pentagrama torna-se o signo de Pater Pan: “Pamphage, Pangenitor, o pai de todos, o progenitor de todos”. Ele representa o espírito gerador da terra fértil, o Deus dos Pés de Bode, Cernunnos, Capricórnio, Saturno – O Diabo, se você preferir – ninguém menos que o deus que “tem uma força espiral”, o espírito de A’Ano’Nin, que nos une a todos à vida.

Na carta de A’Ano’Nin, Set, o asno ruivo que passou a representar a paixão corporal e a luxúria, aparece como a sedutora Mulher Escarlate, ou Suvasini – “mulher de aroma doce” – seu corpo exalando poderosas essências feromoniais. Estes afetam as áreas límbicas do cérebro dos mamíferos primitivos que regulam os níveis mais básicos do comportamento instintivo. Há muito se sabe que as mulheres que vivem e trabalham juntas tendem a menstruar durante o mesmo período. Isso se deve à liberação de feromônios que desencadeiam hormônios em certas fases do ciclo menstrual, a biologia de uma mulher desencadeia a de outra, tudo ocorrendo inteiramente abaixo do nível de percepção consciente.

Nesta carta, as emoções intensificadas e a intensificação dos sentidos causadas por essa estimulação do antigo rinencéfalo, ou “cérebro do nariz“, através do olfato primitivo, são representadas graficamente. Sátiros e faunos são encontrados saltitando na bem-aventurança priápica engendrada, em uma selvagem Saturnália de paixão e desejo à qual Set dá o sinal de bênção. Este carnaval pagão (do L. carnem levare, “tirar a carne”, como alimento) da Saturnália era celebrado no final de dezembro, mês de Capricórnio, durante os sete dias anteriores ao Solstício de Inverno. Este festival, geralmente começando no dia quinze de dezembro, uma ocorrência interessante em que 15 é também o número dos arcanos maiores do DiaboAtu XV – comemorado o governo de Saturno, rei etrusco beneficente na lendária Idade de Ouro da paz, prosperidade , e felicidade universal, em que a ganância era desconhecida, nem havia escravidão ou propriedade privada, pois os cidadãos tinham todas as coisas em comum. A festa da Saturnália era marcada pela festa, folia e busca louca do prazer, em que os senhores trocavam de lugar com seus escravos, e todos comiam em uma mesa comum, mantendo viva a ideia de igualdade. Além disso, a guerra não pôde ser declarada e as execuções foram adiadas. Esta temporada, então como agora, era hora de dar e receber presentes.

Mas havia um lado mais sombrio na Saturnália romana. Foi também um período de licença, quando as restrições costumeiras da lei e da moral foram deixadas de lado, quando todos se entregaram ao prazer, e as paixões mais sombrias foram liberadas nunca permitidas no curso sério e sóbrio da vida comum. A personalidade humana foi autorizada a se dissolver na loucura, alimentando-se do mundo sombrio dos sentidos enquanto as mênades (também conhecidas como as bacantes) se banqueteavam com suas vítimas, despedaçadas na adoração extática de seus deuses.

A Saturnália, embora seja um festival antigo, tem uma semelhança impressionante com as práticas nativas atuais daqueles que vivem no alto das montanhas andinas do Peru. Em certas épocas do ano, esses nativos organizam festas selvagens acompanhadas de muita mastigação de folhas de coca. Durante o festival eles tocam flautas e tambores, se envolvem em ritos eróticos públicos e se entregam a lutas sangrentas, bebendo cerveja de milho e conhaque durante a noite até atingir o estupor.

O Diabo, sempre uma carta difícil de interpretar, muitas vezes tem sido explicado como a alma ou espírito em escravidão aos sentidos e à terra. Quando esta carta está ativa em nossas vidas, estão envolvidas questões de poder e controle, escravidão e submissão. A competição entra em jogo, alimentada pela ganância material e pela ambição de chegar ao topo. Os métodos podem ser encobertos, envolvendo manipulação sutil e “jogar política” para ganhar o jogo. Assim, o Diabo, Capricórnio, pode ser visto como o homem organizacional arquetípico. Ele acredita na hierarquia, no trabalho duro e na tradição, acredita no controle das paixões e emoções animais, no autocontrole e na submissão à autoridade, no sacrifício de sua individualidade em favor do bem comum. Isso, em sua mais alta expressão, apoia a criação de uma sociedade na qual o espírito humano possa ser sustentado e nutrido.

Como cada ideia contém a semente de seu próprio oposto, o Diabo como A’Ano’nin torna-se aquele selvagem, indomável espírito animal luxurioso dentro de nós, aquela força extática cega da natureza que é uma expressão da fertilidade e abundância da terra. No entanto, essa expressão livre e alegre do espírito humano é temida como arrogância (hubris) que constitui um perigo social, ameaçando as próprias ideias de hierarquia, estrutura, autoridade e controle sobre as quais as sociedades se baseiam. Portanto, para funcionar e sobreviver, uma sociedade descobre que deve colocar limites ao comportamento individual definido como perturbador para o bem comum do grupo. Além disso, para que não se transforme em anarquia e caos, deve haver um consenso de significado, um acordo sobre o que constitui sua razão de existência, seus propósitos e planos.

O indivíduo, uma vez que se tornou um perigo para o status quo, despertando a ansiedade de que o universo humano possa desmoronar no caos e a incerteza deve ser reprimido e colocado sob controle social. A sociedade, para justificar suas ações na preservação de sua estrutura de poder, apela aos estabelecimentos combinados de igreja, estado e medicina para definir tais indivíduos como “pecadores”, como “criminosos” ou “loucos” no velho jogo de “culpe a vítima”, ou bode expiatório.

A submissão a uma hierarquia morta que deixou de fornecer pouco significado ou contexto social além do imperativo ideológico de preservar sua própria capacidade de perseguir ganância e ambição materiais, gera pobreza de espírito, desesperança, desamparo e depressão, que podem eventualmente explodir em violência, raiva e agressão, ameaçando a estrutura de poder com a própria incerteza e caos que tanto teme.

Não deveria surpreender que tal liberação de energia reprimida, como encontramos na antiga Saturnália, ou nos modernos ritos peruanos, muitas vezes degenerou em orgias selvagens de luxúria e crime, nas quais talvez possamos identificar um tipo antigo de prática corrente perturbadora conhecida como “selvageria“. No entanto, a louca onda de violência e agressão antissocial aleatória de gangues conhecida como selvageria, também pode ser vista como resultado da repressão do indivíduo por uma sociedade que dá pouco significado além da busca de ganância e ambição materiais, que, em vez de nutrir o espírito humano livre permite poucas oportunidades para sua expressão, gerando violência, raiva e agressão.

Quando nos encontramos presos a um sistema tão repressivo, em vez de seguir com o ciclo de repressão – depressão – raiva – violência, precisamos encontrar a capacidade de ver além da sabedoria convencional que nos adverte a observar silenciosamente o status quo, precisamos enxergar além das limitações sociais artificiais impostas ao comportamento. Em vez de explodir de raiva de nossos repressores, podemos então nos libertar com alegria para seguir o caminho com o coração, o ditame de nosso espírito e nossa Vontade.

Em Uma Leitura:

Quando usamos esta carta para meditação, ou quando a vemos em uma leitura, somos lembrados de viver através dos sentidos. É hora de voltar a entrar em contato com os ciclos da terra, de nos sintonizarmos com os vastos ritmos da natureza e com a sabedoria atemporal de nossos corpos. Precisamos ter tempo para voltar ao básico, perceber o mundano, apreciar e apreciar aqueles que nos rodeiam, com todas as suas falhas e falhas, na medida em que são expressões únicas das fases e ciclos que afetam a vida humana.

Às vezes, todos nos sentimos presos e estressados, frustrados pela sujeição a regras e regulamentos sem sentido. Encontramo-nos curvados à pressão social para nos conformarmos a padrões que achamos desprovidos de significado. Temos momentos em que tememos estar em perigo de nos tornarmos Mirmidões para a analidade corporativa e patriarcal, que sacrificamos obedientemente o melhor em nós, nossa vitalidade e juventude, às demandas da eficiência industrial em nossa busca por “avançar”.

Essa pressão social e excesso de trabalho tendem a bloquear as energias orgonômicas de nossos corpos, e podemos experimentar depressão, impotência sexual ou sentimentos vagos de ansiedade e culpa quando nos permitimos experimentar o prazer sensual. Ficamos nos sentindo isolados, presos, controlados, deprimidos e alienados da natureza e do corpo. Desejando escapar, podemos nos sentir atraídos por religiões ou outras visões de mundo que validam a negação do prazer sensual no aqui e agora, prometendo libertação através da transcendência do mundo material e do mundo dos sentidos. Por outro lado, quando buscamos nos libertar das sanções sociais e expressar nossa liberdade e prazer dos sentidos, podemos encontrar aqueles que, dando vazão a um senso de justiça vingativa baseada no medo, procuram impor sua moralidade sexual restritiva sobre outros — o que Wilhelm Reich chamou de “praga emocional“.

Esteja Aqui Agora“, permanecer no momento é o segredo de A’Ano’Nin, pois em sintonia com o mundo natural, encontramos a capacidade de extrair energia de cura e vitalidade do contato direto com a terra como o grego Tellus, derivou sua força. Um com a terra, somos capazes de encontrar pontos de poder e de “aterrar” forças potencialmente disruptivas, canalizando-as de volta para a terra que tudo aceita. Em nossa sintonia com a natureza, em nosso amor e aceitação da base da vida, em nossos próprios instintos naturais e humanidade, encontramos a capacidade de contatar todos os tipos de fadas, gnomos, silfos, ondinas e devas dos reinos da terra. , e se comunicar com todas as formas de vida. Sentindo-se uno com a expressão da vida, à vontade em um mundo holístico do qual a humanidade é uma parte natural, onde os instintos não são maus, onde tudo/todos/todo ato é aceitável como um desdobramento necessário da Sem Face, Hécate, La Belle Dame Sans Merci (A Bela Senhora Sem Misericórdia) – a Grande Deusa Insondável – ganhamos a capacidade de materializar o desejo no Aqui e Agora.

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A’Ano’Nin: The Devil Is A Woman Dressed In Red.

© AnandaZone 1998 – 2019. All articles and art © Linda Falorio unless otherwise noted.

Linda Falorio / Fred Fowler Pittsburgh, PA 15224 USA

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.


Participe do financiamento O Tarô das Sombras, de Linda Falorio

Postagem original feita no https://mortesubita.net/demonologia/aanonin-o-diabo-e-uma-mulher-vestida-de-vermelho/