120 Days of Genitorture, Genitorturers

Não é a presença do ilustre Satanista David Vincent que colocou 120 Days of Genitortures em nossa lista. Também não é o fato de todos os integrantes da banda serem integrantes de longa data da Church of Satan. Tão pouco porque as apresentações do grupo são recheadas de nudismo, bondage e sado-masoquismo. Tudo isso colabora, mas é a ideologia por trás de tudo isso que coroa Genitorture, a auto-intitulada ‘banda mais sexy de todos os tempos’ no nosso hall da fama.

Com um dedo entre os lábios da vocalista e outro na cara da sociedade, o grupo incansavelmente acusa a opressão religiosa e tradicionalista contra a sexualidade plena como um dos maiores males da nossa sociedade. O título deste  álbum já diz tudo numa referência direta ao conto “Os 120 Dias de Sodoma” do até hoje polêmico escritor e filósofo Marquês de Sadê.

A talentosa  vocalista, Gen liderando sua tropa de satanistas é o pesadelo de qualquer escola dominical e o delírio satânico que todo adolescente pediu a Deus. O que a banda faz em cada uma de suas músicas é ser absolutamente sincera sobre a sexualidade humana. É claro que isso faz parte do antigo lema do show business: sexo vende! Mas Genitorture também pode ser considerado um orgiástico representante da honestidade sexual satânica.  Quanto a isso Reverendo Obito, do Templo de Satã em uma de suas epístolas comenta: Se você apenas teve relações sexuais insonsas ou não satisfatórias deve parar para pensar. Se é capaz de citar uma relação que para você foi perfeita o que te falta então são meios de agrupar de novo os elementos dela e não repetir a receita, mas criar novas. Se é incapaz de citar uma relação sexual que pudesse ser resumida com uma frase do tipo: EU NÃO SABIA QUE ISSO ERA POSSÍVEL! MEU DEUS, AGORA POSSO IR EM PAZ! então você tem um problema.”

120 Days of Genitorture

 

Do our choosing without hesitation…Give yourself over to sin.
Your one chance for redemption shall {will} come when the spark is ignited
within.
Forced to sever the ties to this world which is bound by lies.
{Your} Free from original sin, forced to find what was hidden within.
[Pleasurable moan]
Breathe you in; lead you out.
Inflame your passions within our depravity, give yourself over to sin.
[And depravity]
You won’t emerge without transformation…Flesh our soul will win.
Forced to sever the ties to this world which is bound by lies.
You’re free from original sin, forced to find what was {is} hidden within.
[I am in command] (x2)
Forced to lay, locked away, made to serve…another 120 days.
[This will even prevent masturbation]
You rise in the presence of our libertinage, taste all the pleasures of sin.
Your one desire controlled by perversion, compelled by lust within.
Forced to sever the ties, to this world which is bound by lies.
You’re free from original sin…Release what was hidden within.
Forced to lay, locked away, made to serve…Another 120 days.
I slide a glance in your direction
Just what you need and then you’ll want to say
“fill my hole with your affection”
Conditioned to begin
10 more hours to save your flowers, or watch them wilt away
We’ll hunt you, we want you
Where forever is one day
Day! (x7)
Tradução de 120 Days of Genitortures

Faça suas escolhas sem hesitação.. Entregue-se aos pecados.
Sua única chance de redenção virá
quando a chama for acesa dentro de você.
Forçado a servir as amarras deste mundo repleto de mentiras
Liberte seu pecado orignal e se esforce para achar o que está oculto.
[Prazer Desconfortável]
Prenda a respiração e se solte.
Inflame suas paixões com sua depravação, e a si mesmo ao pecado.
[E depravação]
Você não emergirá sem se transformar… em Carne sua alma vai vencer.
Forçado a servir as amarras deste mundo repleto de mentiras
Liberte seu pecado orignal e se esforce para achar o que está oculto.
[Eu estou no comando] (x2)
Forçado a deitar, amarrado, feito para servir.. outros 120 dias.
[Isso vai até previnir a masturbação]
Você se levanta na presença de nossa libertinagem, saboreia os prazeres do pecado.
Seu desejo controlado pela perversão compelido pela luxúria.
Forçado a deitar, amarrado, feito para servir.. outros 120 dias.
Dê uma olhada em sua direção.
É o que você precisa e então você dirá:
“preencha meu buraco com sua afeição.”
Condicionado a começar
Mais 10 horas para salvar suas flores, ou assistir elas murcharem.
Nós vamos caçar você, nós queremos você
Onde para sempre é um dia.
Dia! (x7)

 

Nº 26 – Os 100 álbuns satânicos mais importantes da história

[…] 26 – 120 Days of Genitorture, Genitorturers […]

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/musica-e-ocultismo/120-days-of-genitorture-genitorturers/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/musica-e-ocultismo/120-days-of-genitorture-genitorturers/

A Alquimia Como Exemplo (Despertar dos Mágicos)

Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Um alquimista no café Procope, em 1953. – Conversa a propósito de Gurdjieff – Um homem que pretende saber que a pedra filosofal é uma realidade. – Bergáer arrasta-me a toda a velocidade para um estranho atalho. Aquilo que vejo liberta-me do imbecil desprezo pelo progresso. – O nosso pensamento secreto a respeito da alquimia: nem revelação,
nem tentativa. – Rápida meditação sobre a espiral e a esperança.

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Conhecem-se mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos. Essa imensa literatura, à qual se consagraram espíritos de categoria, homens importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua adesão a factos, a realidades experimentais, nunca foi explorada cientificamente. O pensamento reinante, católico no passado, racionalista actualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contêm alguns dos segredos da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o proclamam. Os príncipes, os reis e as repúblicas encorajaram inúmeras expedições a países longínquos, financiaram investigações científicas de todos os géneros. Nunca uma equipa de criptógrafos, historiadores, linguístas e sábios, físicos, químicos, matemáticos e biologistas se reuniu numa biblioteca alquímica completa com a missão de verificar o que há de verdadeiro e de utilizável nesses velhos tratados. Isso é que é inconcebível. Que tais limitações do espírito sejam possíveis e duradoiras, que sociedades humanas muito civilizadas e, como a nossa, aparentemente sem preconceitos de qualquer espécie, possam manter esquecidos nas suas águas-furtadas cem mil livros e manuscritos com a etiqueta de: “Tesouro,” eis o que convencerá os mais cépticos de que vivemos no fantástico.

As raras investigações sobre alquimia são feitas quer por místicos que procuram nos textos uma confirmação das suas atitudes espirituais, quer por historiadores sem o menor contacto com a ciência e as técnicas.

Os alquimistas falam da necessidade de destilar milhares de vezes a água que servirá para a preparação do Elixir. Ouvimos dizer a um historiador especializado que essa operação era demencial. Ignorava tudo a respeito da água pesada e dos métodos que se empregam para enriquecer a água simples em água pesada. Ouvimos um erudito afirmar que a refinação e a purificação indefinidamente repetidas de um metal ou de um metalóide não alteram absolutamente nada as propriedades deste; seria então necessário ver nas recomendações alquímicas uma mística aprendizagem da paciência, um gesto ritual comparável ao desfiar das contas do rosário. E, no entanto, é com essa refinação por meio de uma técnica descrita pelos alquimistas e a que hoje se chama “a fusão de zona” que se prepara o germânio e o silício puros dos transistores. Actualmente sabemos, graças a esses trabalhos sobre os transistores, que, se se purificar profundamente um metal e introduzir em seguida alguns milionésimos de grama de impurezas cuidadosamente escolhidas, concede-se ao corpo tratado novas e revolucionárias propriedades. Não desejamos multiplicar os exemplos, mas gostaríamos de fazer compreender até que ponto seria conveniente um exame verdadeiramente metódico da literatura alquímica. Seria um trabalho imenso, que exigiria dezenas de anos de trabalho e dezenas de investigadores pertencentes a todas as disciplinas. Nem Bergier nem eu pudemos sequer esboçar semelhante trabalho, mas se o nosso volumoso e desajeitado livro pudesse um dia decidir um mecenas a permitir esse trabalho, não teríamos perdido completamente o nosso tempo.

*

Ao estudarmos um pouco os textos alquímicos, constatámos que estes são geralmente modernos em relação à época em que foram escritos, ao passo que as outras obras de ocultismos estão em atraso. Por outro lado, a alquimia é a única prática pararreligiosa que, de facto, enriqueceu o nosso conhecimento real.

Alberto o Grande (1193-1280) conseguiu preparar a potassa cáustica. Foi o primeiro a descrever a composição química do cinabre, do alvaiade e do mínio.

Raimundo Lull (1235-1315) preparou o bicarbonato de potássio.

Teofrasto Paracelse (1493-1541) foi o primeiro a descrever o zinco, desconhecido até então. Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos químicos.

Giambattista della Porta (1541-1615) preparou o óxido de estanho.

Jean-Baptiste Van Helmont (1577-1644) descobriu a existência dos gases.

Basile Valentin (do qual ninguém jamais soube a verdadeira identidade) descobriu no século xvII o ácido sulfúrico e o ácido clorídrico.

Johann Rudolf Glauber (1604-1668) descobriu o sulfato de sódio.

Brandt (falecido em 1692) descobriu o fósforo.

Johann Friedrich Boetticher (1682-1719) foi o primeiro europeu a fazer a porcelana.

Blaise Vigenère (1523-1596) descobriu o ácido benzóico.

Tais são alguns dos trabalhos alquímicos que enriquecem a humanidade no momento em que a química progride. À medida que se desenvolvem outras ciências, a alquimia parece seguir e muitas vezes preceder o progresso. Le Breton, nas suas Clefs de la Philosophie Spagyrzque, em 1722, fala do magnetismo de maneira mais do que inteligente e frequentemente antecipa a respeito das descobertas modernas. O Padre Castel, em 1728, no momento em que as ideias sobre a gravitação começam a divulgar-se, fala desta e das suas relações com a luz em termos que, dois séculos mais tarde, ecoarão estranhamente ao pensamento de Einstein:

“Eu disse que, se subtraíssemos o peso do Mundo, subtrairíamos simultaneamente a luz. De resto a luz e o som, e todas as outras qualidades sensíveis, são uma consequência e como que um resultado da mecânica, e por consequência do peso dos corpos naturais que são mais ou menos luminosos ou sonoros, conforme têm maior peso e elasticidade.”

Nos tratados alquímicos do nosso século vê-se aparecer frequentemente, mais depressa do que nas produções universitárias, as últimas descobertas da física nuclear, e é provável que os tratados de amanhã mencionem as teorias físicas e matemáticas o mais abstractas possível.

É evidente a distinção entre a alquimia e as falsas ciências como a radiestesia, que introduz ondas ou raios nas suas publicações depois de a ciência oficial as ter descoberto. Tudo nos leva a pensar que a alquimia é susceptível de fornecer uma contribuição importante aos conhecimentos e às técnicas do futuro baseadas na estrutura da matéria.

*

Constatámos igualmente, na literatura alquímica, a existência de um número impressionante de textos puramente delirantes.

Pretenderam por vezes explicar esse delírio por meio da psicanálise (Jung: Psicologia e Alquimia, ou Herbert Silberer: Problemas do Misticismo). Como a alquimia contém uma doutrina metafísica e supõe uma atitude mística, a maior parte das vezes os historiadores, os curiosos e sobretudo os ocultistas obstinaram-se em interpretar esses conceitos demenciais no sentido de uma revelação supranatural, de uma profecia inspirada. Observando melhor, pareceu-nos prudente tomar, a par dos textos técnicos e dos textos de sabedoria, os textos demenciais por textos demenciais. Pareceu-nos também que essa demência do adepto experimentador podia ter uma explicação material, simples, satisfatória. O mercúrio era frequentemente utilizado pelos alquimistas. O seu valor é tóxico e o envenenamento crónico provoca o delírio. Teoricamente, os recipientes empregados eram absolutamente herméticos, mas o segredo desse encerramento não é divulgado a todos os adeptos, e a loucura pôde apossar-se de mais de um “filósofo químico”.

Por fim, ficámos impressionados com o aspecto criptogâmico da literatura alquímica. Blaise Vigenère, que citámos mais atrás, inventou códigos aperfeiçoadíssimos e métodos de cifragem dos mais engenhosos. As suas invenções nesta matéria ainda hoje são utilizadas. É provável que Blaise Vigenère tenha tomado contacto com essa ciência da cifra ao tentar interpretar os textos alquímicos. Seria conveniente acrescentar às equipas de investigadores que desejamos ver reunidas especialistas do deciframento.

“A fim de dar um exemplo mais evidente, escreve René Alleau[1], servir-nos-emos do jogo do xadrez, do qual conhecemos a relativa facilidade das regras e dos elementos, assim como a indefinida variedade das combinações. Se supusermos que o conjunto dos tratados acroamáticos da alquimia se nos apresenta como outras tantas partes anotadas numa linguagem convencional, é preciso admitir em primeiro lugar, com a maior honestidade, que ignoramos tanto as regras do jogo como a cifra utilizada. De contrário, afirmamos que a indicação criptográfica é composta por sinais directamente compreensíveis para qualquer indivíduo, o que é precisamente a ilusão imediata que deve provocar um criptograma bem composto. Portanto a prudência aconselha-nos a não nos deixarmos seduzir pela tentação de um sentido claro, e a estudarmos esses textos como se se tratasse de uma linguagem desconhecida.

“Aparentemente, tais mensagens só se dirigem a outros jogadores, a outros alquimistas que somos levados a crer que já possuem, por qualquer processo diferente da tradição escrita, chave necessária para a compreensão exacta dessa linguagem.”

*

Por muito longe que remontemos na investigação do passado, encontraremos manuscritos alquímicos. Nicolas de Valois, no século xv, deduzia por isso que as alterações, os segredos e as técnicas da libertação da energia foram descobertas pelos homens antes mesmo da escrita. A arquitectura precedeu a escrita. Por isso vemos a alquimia muito intimamente ligada à arquitectura. Um dos textos mais significativos da alquimia, cujo autor é um tal Esprit Gobineau de Montluisant, intitula-se: “Explicações muito curiosas dos enigmas e figuras hieroglíficas que existem no portal de Notre-Dame de Paris”. As obras de Fulcanelli são consagradas ao “Mistério das Catedrais” e às minuciosas descrições das “Moradas Filosofais”. Algumas construções medievais testemunhariam o hábito imemorial de transmitir por meio da arquitectura a mensagem da alquimia, que data de eras infinitamente longínquas da humanidade.

Newton acreditava na existência de uma cadeia de iniciados alastrando no tempo até uma antiguidade muito remota, e que teriam conhecido os segredos das alterações e da desintegração da matéria. O sábio atomista inglês Da Costa Andrade, num discurso pronunciado diante dos seus pares por ocasião do tricentenário de Newton, em Cambridge, em Julho de 1946, não hesitou em dar a entender que o inventor da gravitação talvez fizesse parte de uma cadeia e apenas revelara ao mundo uma pequena parte do seu saber:

“Não posso esperar, disse[2], convencer os cépticos de que Newton tinha poderes de profecia ou de visão especial que lhe possam ter revelado a energia atómica, mas direi simplesmente que as frases que vou citar ultrapassam em muito, na opinião de Newton ao falar da transmutação alquímica, o receio de um transtorno no comércio mundial depois da síntese do ouro. Eis o que Newton escreveu:

“A forma como o mercúrio pode ser assim impregnado foi mantida em segredo por aqueles que sabiam, e constitui provauelmente um acesso para qualquer coisa de mais nobre do que a fabricação do ouro e que não pode ser comunicada sem que o mundo corra um imenso perigo, caso os escritos de Hermes digam a verdade.”

“E, mais adiante, Newton escreve: “Existem outros grandes mistérios além da transmutação dos metais, se os grandes mestres não se gabam. Só eles conhecem esses segredos”.

“Reflectindo no sentido profundo desta passagem, lembrai-vos de que Newton fala com as mesmas reticências e a mesma prudência anunciadora nas suas próprias descobertas de óptica”.

De que passado viriam esses grandes mestres invocados por Newton, e de que passado teriam eles próprios extraído a sua ciência?

“Se subi tão alto, diz Newton, é porque estava sobre os ombros de gigantes.”

Atterbury, contemporâneo de Newton, escrevia:

“A modéstia ensina-nos a falar com respeito dos Antigos, sobretudo quando não conhecemos profundamente as suas obras. Newton, que quase as sabia de cor, tinha por eles o maior respeito e considerava-os como homens de profundo génio e de um espírito superior, que tinham levado muito mais longe as suas descobertas de todos os géneros do que nos possa parecer actualmente, segundo o que resta dos seus escritos. Há mais obras antigas perdidas do que conservadas e talvez as nossas novas descobertas não valham as perdas antigas.”

Para Fulcanelli, a alquimia seria o elo de ligação com as civilizações desaparecidas desde há milénios e ignoradas pelos arqueólogos. Evidentemente, nenhum arqueólogo considerado honesto e nenhum historiador de igual reputação admitirá a existência no passado de civilizações que tenham possuído uma ciência e técnicas superiores às nossas. Mas uma ciência e técnicas avançadas simplificam ao máximo a aparelhagem, e talvez os vestígios estejam sob os nossos olhos sem que sejamos capazes de os ver como tais. Nenhum arqueólogo e nenhum historiador honesto, que não tenha recebido uma formação científica em alto grau, poderá efectuar pesquisas susceptíveis de nos fornecer a esse respeito qualquer esclarecimento. A separação das disciplinas, que foi uma necessidade do fabuloso progresso contemporâneo, talvez nos dissimule qualquer coisa de fabuloso no passado.

Sabe-se que foi um engenheiro alemão, encarregado da construção dos esgotos de Bagdade, que descobriu na amálgama de objectos do museu local, sob a vaga etiqueta de “objectos de culto”, pilhas eléctricas fabricadas dez séculos antes de Volta, durante a dinastia dos Sassanides.

Enquanto a arqueologia apenas for praticada por arqueólogos, não saberemos se a “noite dos tempos” era obscura ou luminosa.

*

“Jean-Fredérich Schweitzer, dito Helvétius, violento adversário da alquimia, conta que na manhã de 27 de Dezembro de 1666 se apresentou em sua casa um estrangeiro. Era um homem de aparência honesta e séria, e de expressão autoritária, vestido com um simples capote, como um “mennonita”.

Depois de perguntar a Helvétius se acreditava na pedra filosofal (ao que o famoso médico respondeu negativamente), o estrangeiro abriu uma pequena caixa de marfim “que continha três pedaços de uma substância semelhante ao vidro ou à opala”. O seu proprietário declarou tratar-se da famosa pedra, e que com uma tão mínima quantidade podia produzir vinte toneladas de ouro. Helvétius pegou num dos fragmentos e, depois de agradecer ao visitante a sua amabilidade, pediu-lhe que lhe desse um bocado. O alquimista recusou num tom brusco, acrescentando com mais cortesia que, mesmo a troco de toda a fortuna de Helvétius, não se poderia separar da menor parcela desse mineral, por uma razão que não lhe era permitido divulgar. Instado para que desse uma prova das suas palavras, realizando uma transmutação, o estrangeiro respondeu que voltaria três semanas mais tarde e mostraria a Helvétius uma coisa susceptível de o assombrar. Voltou pontualmente no dia marcado, mas recusou executar a operação, afirmando que lhe era proibido revelar o segredo. Condescendeu no entanto em dar a Helvétius um pequeno fragmento da pedra, “não maior do que um grão de mostarda”. E como o médico emitisse a dúvida de que uma tão ínfima quantidade pudesse produzir o menor efeito, o alquimista partiu o corpúsculo em dois, deitou uma metade fora e entregou-lhe a outra dizendo: “Aqui está justamente aquilo de que precisa”.

“O nosso sábio viu-se então obrigado a confessar que durante a primeira visita do estrangeiro conseguira apoderar-se de algumas partículas da pedra, as quais tinham transformado o chumbo, não em ouro, mas-em vidro. – “Devia ter protegido a pedra com cera amarela, respondeu o alquimista, isso ajudá-la-ia a penetrar o chumbo e a transformá-lo em ouro”. O homem prometeu voltar de novo no dia seguinte de manhã, às nove horas, e realizar o milagre – mas não apareceu, e no dia a seguir também não. Posto isto, a mulher de Helvétius persuadiu-o a tentar ele próprio a transmutação:

“Helvétius procedeu de acordo com as instruções do estrangeiro. Derreteu três dracmas de chumbo, envolveu a pedra em cera, e deixou-a cair no metal líquido. E este transformou-se em ouro! “Levámo-lo imediatamente ao ourives, que declarou tratar-se do ouro mais fino que jamais vira, e propôs pagá-lo a cinquenta florins a onça”. Helvétius, ao concluir a sua narrativa, disse-nos que a barra de ouro continuava na sua mão, prova tangível da transmutação. “Possam os Santos Anjos do Senhor velar por ele (o alquimista anónimo) como sobre um manancial de bênçãos para a cristandade. Tal é a nossa prece constante, por ele e por nós”.

“A novidade espalhou-se como um rastilho de pólvora. Spinoza, que não podemos incluir no número dos ingénuos, quis saber a verdade da história. Fez uma visita ao ourives que avaliara o ouro. O relatório foi mais do que favorável: durante a fusão, a prata incorporada à mistura transformara-se igualmente em ouro. O ourives, Brechtel, era moedeiro do duque de Orange. Sabia sem dúvida do seu ofício. Parece difícil acreditar que ele possa ter sido vítima de um subterfúgio, ou que tenha pretendido enganar Spinoza. Spinoza dirigiu-se então a casa de Helvétius, que lhe mostrou o ouro e o crisol que servia para a operação. Aderiam ainda ao interior do recipiente restos do precioso metal; como os outros, Spinoza ficou convencido de que a transmutação se operara realmente.”

*

A transmutação, para o alquimista, é um fenómeno secundário, realizado apenas a título de demonstração. É difícil formar uma opinião sobre a realidade dessas transmutações, embora diversas observações, como a de Helvétius ou a de Van Helmont, por exemplo, pareçam surpreendentes. Pode alegar-se que a arte do prestidigitador não tem limites, mas será possível que tenham sido consagrados a uma aldrabice quatro mil anos de pesquisas e cem mil volumes ou manuscritos? Propomos outra coisa, como mais adiante se verá. Propomo-lo timidamente, pois o peso da opinião científica já formada é de temer. Tentaremos descrever o trabalho do alquimista que consegue a fabricação da “pedra” à “pólvora de projecção”, e veremos que a interpretação de certas operações choca o nosso actual saber sobre a estrutura da matéria. Mas não é evidente que o nosso conhecimento dos fenómenos nucleares seja perfeito, definitivo. Em especial a catálise pode intervir nestes fenómenos de uma forma ainda desconhecida para nós”.

Não é impossível que certas misturas naturais produzam, sob o efeito dos raios cósmicos, reacções nucleo-catalípticas em grande escala, susceptíveis de conduzir a uma transmutação compacta dos elementos. Seria necessário ver nisso uma das chaves da alquimia e a razão pela qual o alquimista repete indefinidamente as suas manipulações, até ao momento em que as condições cósmicas se reúnem.

A objecção é a seguinte: se tais transmutações são possíveis, que virá a ser da energia libertada? Muitos dos alquimistas deveriam então ter feito ir pelos ares a cidade que habitavam e algumas dezenas de milhares de quilómetros quadrados da sua pátria nessa mesma ocasião. Ter-se-iam produzido numerosas e imensas catástrofes.

Os alquimistas respondem: é justamente por se terem dado semelhantes catástrofes num passado longínquo que receamos a terrível energia contida na matéria e que mantemos secreta a nossa ciência. Além disso, a “Grande Obra” é atingida por fases progressivas e aquele que, ao fim de dezenas e dezenas de anos de manipulações e de ascese, aprende a desencadear as forças nucleares, aprende igualmente quais as precauções que convém tomar para evitar o perigo[3].

Argumento válido? Talvez. Os físicos de agora admitem que, em certas condições, a energia de uma transmutação nuclear poderia ser absorvida por partículas especiais a que eles chamam neutrinos e antineutrinos[4]. Parece agora comprovada a existência do neutrino. Talvez haja tipos de transmutação que libertam apenas um pouco de energia, ou nas quais a energia libertada se evola sob a forma de neutrinos. Voltaremos a este assunto.

Eugène Canseliet, discípulo de Fulcanelli e um dos melhores especialistas actuais sobre alquimia, deteve-se sobre uma passagem de um estudo que Jacques Bergier escrevera como prefácio para uma das obras clássicas da Biblioteca Mundial. Tratava-se de uma antologia da poesia do século xvI. Nesse prefácio, Bergier fazia alusão aos alquimistas e ao seu desejo de segredo. Escrevia: “Sobre este ponto especial é difícil não lhes dar razão. Se existe um processo que permite fabricar bombas de hidrogénio num fogão de cozinha, é francamente preferível que esse processo não seja revelado”.

Eugène Canseliet respondeu-nos então: “Acima de tudo seria necessário que não se tomasse isto por um gracejo. Tendes toda a razão, e eu estou em boa posição para afirmar que é possível atingir a desintegração atómica partindo de um mineral relativamente comum e barato, e isto por um processo de operações que apenas exige uma boa chaminé, um forno de fusão de carvão, alguns tubos de combustão Meker e quatro garrafas de gás butano”.

Mesmo na física nuclear, não está excluído que se possam obter resultados importantes por meio de processos simples.
É o futuro de toda a ciência e de toda a técnica.

“Podemos mais do que aquilo que sabemos”, dizia Roger Bacon. Mas acrescentava esta frase que poderia ser um adágio
alquímico: “Embora nem tudo seja permitido, tudo é possível”.

Para o alquimista, é preciso recordá-lo constantemente, poder sobre a matéria e a energia não passa de uma realidade acessória. O verdadeiro objectivo das operações alquímicas, que talvez sejam o resíduo de uma ciência muito antiga pertencente a uma civilização desaparecida, é a transformação do próprio alquimista, o seu acesso a um estado de consciência superior. Os resultados materiais são apenas as promessas do resultado final, que é espiritual. Tudo se dirige para a transmutação do próprio homem, para a sua divinização, a sua fusão com a energia divina fixa, da qual irradiam todas as energias da matéria. A alquimia é a ciência “com consciência” de que Rabelais fala. É uma ciência que hominiza, para repetir uma expressão do P.e Teilhard de Chardin, que dizia: “A verdadeira física é a que conseguir integrar o Homem total numa representação coerente do mundo”.

“Sabei, dizia um mestre alquimista, sabei vós todos, os Investigadores dessa Arte, que o Espírito é tudo, e que se nesse Espírito não está encerrado outro Espírito semelhante, esse todo para nada serve.”

1741
La Tourbe des Philosophes, in “Biblioteca dos Filósofos Químicos”,Paris.

1 Aspects de lÁlchimie Traditionnelle, Éditions de Minuit, Paris

2 Newton Tercentenary Celebrations. Universidade de Cambridge, 1947

3 Estão em curso, em vários países, trabalhos sobre a utilização de
partículas (produzidas por poderosos aceleradores) para catalisar a fusão
do hidrogénio.

4 Não se confunda com o neutrão, elemento do núcleo. (N. da T.)

Era em 1933. O pequeno estudante judeu tinha um nariz pontiagudo, encimado por uns óculos de lentes redondas atrás das quais brilhava um olhar rápido e frio. Sobre o crânio redondo começava a despontar uma cabeleira semelhante a uma penugem de pintainho. Um sotaque pavoroso, agravado por gaguejos, dava às suas frases o tom cómico e a baralhada do grasnar de patos num charco. Depois de o conhecerem um pouco melhor, dava a impressão de que bailava dentro desse homenzinho desgracioso uma inteligência bulímica, atenta, sensível, extraordinariamente rápida, de que estava cheio de malícia e de uma pueril incapacidade para viver, como um enorme balão vermelho preso por um fio ao pulso de uma criança.

“Pretende então tornar-se alquimista?”, perguntou o venerando professor ao estudante Jacques Bergier, que mantinha a cabeça baixa, sentado na beira de um cadeirão, com uma pasta cheia de papelada sobre os joelhos. O venerando era um dos maiores químicos franceses.

“Não o compreendo, senhor”, disse o estudante, vexado.

Tinha uma memória prodigiosa, e recordou-se de ter visto, aos seis anos, uma gravura alemã que representava dois alquimistas a trabalhar, no meio de uma confusão de retortas, de pincas, de crisóis, de foles. Um deles, esfarrapado, vigiava uma fogueira, de boca aberta, e outro, desgrenhado, coçava a cabeça titubeando no meio de toda aquela desordem.

O professor consultou uns documentos:

“Durante os seus dois últimos anos de trabalho interessou-se sobretudo pelo curso livre de física nuclear de Jean Thibaud. Esse curso não conduz a qualquer diploma nem certificado. Exprime o desejo de prosseguir nesse sentido ainda me seria possível compreender essa curiosidade da parte de um físico. Mas o senhor está destinado à química. Tencionará, por acaso. aprender a fabricar ouro?

– Senhor – disse o estudante judeu erguendo as pequenas mãos gordas e mal tratadas -, eu acredito no futuro da química nuclear. Penso que, num futuro próximo, serão realizadas transmutações industriais.

– Isso parece-me delirante.

– Mas, senhor. . . ”

Por vezes detinha-se no início de uma frase e começava a repetir esse início, como um gramofone avariado, não por falta de atenção, mas porque o seu espírito divagava de forma inconfessável pelo reino da poesia. Sabia de cor milhares de versos e todos os poemas de Kipling:

Copiaram tudo o que podiam entender,
Mas não podiam alcançar o meu pensamento;
Por isso deixarei-os para trás, sem fôlego,
E pensando com ano e meio de atraso…

– Mas, mesmo se V. Ex.a não acredita nas transmutações, deveria acreditar na energia nuclear. Os imensos recursos
potenciais do núcleo. . .

– Ta ta ta – exclamou o professor. – Isso é primário e infantil. Aquilo a que os físicos chamam energia nuclear é uma constante de integração nas suas equações. A consciência é o principal motor dos homens. Mas não é a consciência que faz andar as locomotivas, não é verdade? Por isso, sonha-se com uma máquina accionada pela energia nuclear… Não, meu rapaz.”

O rapaz engolia a saliva.

– Desça à Terra e pense no seu futuro. O que o incita, de momento, pois não o julgo saído da infância, é um dos mais velhos sonhos do homem: o sonho alquímico. Leia novamente Berthelot. Ele descreve muito bem essa quimera da transmutação da matéria. As suas notas não são lá muito, muito brilhantes. Dou-lhe um conselho: entre o mais depressa possível para a indústria. Faça um estágio numa refinaria de açúcar. Três meses numa fábrica pô-lo-ão de novo em contacto com a realidade. Precisa disso. Falo-lhe como um pai.”

O filho indigno agradeceu gaguejando, e saiu de nariz no ar, a enorme pasta debaixo do braço curto. Era um obstinado: pensou que era necessário tirar partido daquela conversa, mas que o mel era melhor do que o açúcar. Continuaria a estudar os problemas do núcleo atómico. E documentar-se-ia a respeito de alquimia.

*

Foi assim que o meu amigo Jacques Bergier decidiu prosseguir uns estudos considerados inúteis e completá-los com outros estudos considerados delirantes. As necessidades da vida, a guerra e os campos de concentração afastaram-no um pouco do estudo nuclear. No entanto, enriqueceu-o com algumas contribuições apreciadas pelos especialistas. Durante as suas investigações, os sonhos dos alquimistas e as realidades da física matemática misturaram-se mais de uma vez. Mas no domínio científico operaram-se grandes alterações a partir de 1933, e o meu amigo teve cada vez menos a sensação de navegar contra a corrente.

*

De 1934 a 1940, Jacques Bergier foi o colaborador de André Helbronner, um dos homens notáveis da nossa época. Helbronner, que foi assassinado pelos nazis em Buchenwald, em Março 1944, fora, em França, o primeiro professor universitário a ensinar a químico-física. Essa ciência, que é uma fronteira entre duas disciplinas, deu origem, mais tarde, a muitas outras ciências: a electrónica, a nucleónica, a estereotrónica[1]. Helbronner viria depois a receber a grande medalha de ouro do Instituto Franklin pelas suas descobertas sobre os metais coloidais. Interessou-se igualmente pela liquefação dos gases, pela aeronáutica e pelos raios ultravioletas.

Em 1934 consagrou-se à física nuclear e montou, com o auxílio de grupos industriais, um laboratório de pesquisas nucleares, no qual, até ao ano de 1940, se obtiveram resultados de interesse considerável. Além disso, Helbronner era árbitro dos tribunais em todas as questões relacionadas com a transmutação dos elementos, e por esse motivo é que Jacques Bergier teve ocasião de conhecer um certo número de falsos alquimistas, escroques ou iluminados, e um verdadeiro alquimista, um autêntico mestre.

O meu amigo nunca soube o verdadeiro nome desse alquimista, e mesmo que o soubesse evitaria dar excessivos esclarecimentos. O homem de quem vamos falar há já muito tempo que desapareceu, sem deixar rastos visíveis. Entrou em clandestinidade e cortou voluntariamente todos os contactos com a sua época. Bergier crê que se tratava simplesmente do homem que, sob o pseudónimo de Fulcanelli, escreveu por volta de 1920 dois livros estranhos e admiráveis: Les Demeures Philosophales e Le Mystère des Cathédrales[2]. Estes livros foram editados sob a vigilância de Eugène Canseliet, que nunca revelou a identidade do autor. Figuram, sem dúvida alguma, entre as obras mais importantes sobre alquimia. Exprimem um conhecimento e uma sabedoria superiores, e conhecemos mais de um espírito notável que venera o nome lendário de Fulcanelli.

“Poderia ele, escreve Eugène Canseliet, uma vez atingido o auge do conhecimento recusar obediência às ordens do Destino? Ninguém é profeta na sua terra. talvez este velho adágio dê a razão oculta da alteração que provoca, na vida solitária e estudiosa do filósofo, a chama da revelação. Sob o efeito dessa chama divina, o homem já velho é inteiramente consumido. Nome, família, pátria, todas as ilusões, todos os erros, todas as vaidades caem como pó. E dessas cinzas, como a fénix dos poetas, uma nova personalidade renasce. Pelo menos, a tradição filosófica assim o diz.

“O meu mestre sabia-o. Desapareceu quando soou a hora fatídica, quando o sinal foi dado. Quem ousaria subtrair-se à lei?

“Eu próprio, apesar do sofrimento de uma separação dolorosa mas inevitável, se de mim se apossasse a feliz exaltação que obrigou o meu mestre a fugir das homenagens do mundo, sei que não agiria de outra forma.”

Eugène Canseliet escreveu estas linhas em 1925. O homem que o encarregava de editar as suas obras ia mudar de aspecto e de ambiente. Numa tarde de Junho de 1937, Jacques Bergier julgou ter excelentes motivos para pensar que se encontrava em presença de Fulcanelli.

Foi a pedido de André Helbronner que o meu amigo se encontrou com a misteriosa personagem, no ambiente prosaico de um laboratório de experiências da Sociedade do Gás de Paris. Eis, com exactidão, a conversa que houve:

– André Helbronner, de quem V. Ex.a, segundo creio, é o assistente, anda em busca da energia nuclear. Ele teve a amabilidade de me manter ao corrente de alguns dos resultados obtidos, particularmente da aparição da radioactividade correspondente à do polónio, quando um filamento de bismuto é volatilizado por uma descarga eléctrica no deutério a alta pressão. Estão muito perto do êxito, aliás como outros sábios contemporâneos. Ser-me-á permitido pô-los de sobreaviso? Os trabalhos a que se dedicam, bem como os seus colegas, são terrivelmente perigosos. Não são apenas os senhores que correm perigo. Este é de recear para a humanidade inteira. A libertação da energia nuclear é mais fácil do que pensam. E a radioactividade artificialmente produzida pode envenenar a atmosfera do planeta dentro de poucos anos. Além disso, podem ser fabricádos explosivos atómicos a partir de alguns gramas de metal, e arrasar cidades. Posso dizer-lhe com sinceridade: há muito que os alquimistas o sabem.

Bergier tentou interromper, protestando. Os alquimistas e a física moderna! la lançar-se em sarcasmos, quando o outro o interrompeu:

– Sei o que me vai dizer, mas não interessa. Os alquimistas desconheciam a estrutura do núcleo, desconheciam a electricidade, não possuíam qualquer processo de detecção. Por isso nunca puderam realizar qualquer transmutação, nunca puderam libertar a energia nuclear. Não tentarei provar-lhes o que agora vou declarar, mas peço-lhe que o repita ao Sr. Helbronner: para desencadear as forças atómicas bastam disposições geométricas de materiais extremamente puros, sem que seja necessário utilizar a electricidade ou a técnica do vácuo. Limitar-me-ei em seguida a fazer-lhe uma pequena leitura.

O homem retirou de cima da sua secretária o livro de Frédéric Soddy, L’interprètation du Radium, abriu-o e leu:

“Penso que existiram no passado civilizações que tiveram conhecimento da energia do átomo e que uma má aplicação
dessa energia as destruiu totalmente.”

Depois continuou:

– Peço-lhe que acredite que sobreviveram algumas técnicas parciais. Peço-lhe também que medite no facto de que os alquimistas juntavam às suas pesquisas preocupações morais e religiosas, ao passo que a física moderna surgiu no século xvIII como resultado do divertimento de alguns nobres e de alguns ricos libertinos. Ciência sem consciência… Julguei meu dever avisar alguns investigadores, aqui e além, mas não tenho a menor esperança de ver esse aviso produzir efeitos. Aliás, não tenho necessidade de esperar.

Bergier nunca mais esqueceria o som daquela voz precisa, metálica e digna.

Permitiu-se fazer uma pergunta:

– Se V. Ex.a também é alquimista, não posso acreditar que passe o tempo tentando fabricar ouro, como Dunikovski ou o doutor Miethe. Há um ano que tento documentar-me sobre alquimia, e vejo-me rodeado de charlatães ou de interpretações que me parecem fantasistas. Poderá V. Ex.a dizer-me em que consistem as suas investigações?

– Pede-me para resumir, em quatro minutos, quatro mil anos de filosofia e os esforços de toda a minha vida. Pede-me, além disso, para traduzir em linguagem clara conceitos para os quais a linguagem clara não é feita. Apesar de tudo posso dizer-lhe o seguinte: não ignora que, na ciência oficial em progresso, o papel do observador se torna cada vez mais importante. A relatividade, o princípio da incerteza mostram-nos até que ponto o observador de hoje intervém nos fenómenos. O segredo da alquimia é o seguinte: existe uma forma de manipular a matéria e a energia de maneira a produzir aquilo a que os cientistas contemporâneos chamariam um “campo de força”. Esse campo de força age sobre o observador e coloca-o numa situação de privilégio em face do Universo. Desse ponto privilegiado, ele tem acesso a realidades que o espaço e o tempo, a matéria e a energia habitualmente nos dissimulam. É aquilo a que chamamos a Grande Obra.

– Mas a pedra filosofal? A fabricação do ouro?

– São apenas aplicações, casos particulares. O essencial não é a transmutação dos metais, mas a do próprio investigador. É um segredo antigo, que em cada século vários homens voltam a encontrar.

– E o que é então feito deles?

– Talvez eu um dia o venha a saber.

O meu amigo não tornaria a ver esse homem que deixou um rasto indelével sob o nome de Fulcanelli. Tudo o que dele sabemos é que sobreviveu à guerra e desapareceu completamente após a Libertação. Todas as diligências para o reencontrar foram inúteis[3].

*

Eis-nos agora numa manhã de Julho de 1945. Ainda que esquelético e triste, Jacques Bergier, com um fato de caqui, prepara-se para cortar um cofre-forte com um maçarico. É mais uma metamorfose. Durante esses últimos anos foi sucessivamente agente secreto, terrorista e deportado político. O cofre-forte está numa bela vivenda, sobre o lago de Constança, que pertenceu ao director de um grande trust alemão. Depois de cortado, o cofre-forte expõe o seu segredo: uma garrafa que contém um pó extremamente pesado. Na etiqueta lê-se: “Urânio, para aplicações atómicas”. É a primeira prova formal da existência na Alemanha de um projecto de bomba atómica suficientemente forte para exigir grandes quantidades de urânio puro. Goebbels não deixava de ter razão quando, desde o seu bunker bombardeado, fazia circular pelas ruas arruinadas de Berlim o boato de que a arma secreta estava prestes a explodir na cara dos invasores”.

Bergier participou a descoberta às autoridades aliadas. Os americanos mostraram-se cépticos e declararam que qualquer investigação sobre a energia nuclear era sem interesse. Era um disfarce. Na realidade, a primeira bomba americana explodira em segredo, em Alamogordo, e, nessa mesma ocasião, encontrava-se na Alemanha uma missão americana dirigida pelo físico Goudsmidth, em busca da pilha atómica que o professor Heisenberg elaborara antes do desmoronamento do Reich.

Em França nada se sabia de positivo, mas havia indícios. Especialmente este, para as pessoas atentas: os americanos compravam a peso de ouro todos os manuscritos e documentos alquímicos.

Bergier apresentou um relatório ao governo provisório sobre a realidade provável das investigações a respeito dos explosivos nucleares tanto na Alemanha como nos Estados Unidos. O relatório foi sem dúvida para o cesto dos papéis, e o meu amigo conservou a sua garrafa, que agitava na cara das pessoas, exclamando: “Vêem isto? Bastaria que um neutrão passasse pelo interior para que Paris fosse pelos ares!” Aquele homenzinho de sotaque cómico gostava decididamente de gracejar e era espantoso que um deportado há pouco saído de Mauthausen tivesse conservado tanto humor. Mas, bruscamente, a brincadeira deixou de ter graça, na manhã de Hiroshima. O telefone do quarto de Bergier começou a tocar sem interrupção. Diversas autoridades competentes pediam cópias do relatório. Os serviços de informação americanos pediam ao possuidor da famosa garrafa para procurar urgentemente um certo major que não queria divulgar a sua identidade. Outras autoridades exigiam o rápido afastamento da garrafa do centro de Paris. Foi em vão que Bergier explicou que essa garrafa com certeza não continha urânio 235 puro e que, mesmo se o contivesse, o urânio estava sem dúvida abaixo da massa perigosa. De contrário, há muito que teria explodido. Confiscaram-lhe o brinquedo, do qual nunca mais ouviu falar. Para o consolar, enviaram-lhe um relatório da Direcção-Geral dos Estudos e Investigações. Era tudo o que aquele organismo, pertencente aos serviços secretos franceses, sabia a respeito da energia nuclear. O relatório trazia três menções carimbadas: “Secreto”, “Confidencial,” “Para não ser divulgado”. Continha, simplesmente, recortes da revista Science et Vie.

Restava-lhe apenas, para satisfazer a sua curiosidade, procurar o famoso major anónimo de quem o professor Goudsmith
contou algumas aventuras no seu livro Alsos. Esse misterioso oficial, dotado de humorismo negro, dissimulara os seus serviços atrás de uma organização destinada à busca dos túmulos dos soldados americanos. Estava muito agitado e parecia perseguido por Washington. Em primeiro lugar quis saber tudo o que Bergier conseguira apurar ou adivinhar sobre os projectos nucleares alemães. Mas era principalmente indispensável, para a salvação do mundo, para a causa aliada e para a promoção do maior, que encontrassem com urgência Eric Edward Dutt e o alquimista conhecido sob o nome de Fulcanelli.

Dutt, sobre quem Helbronner fora encarregado de fazer investigações, era um hindu que pretendia ter consultado manuscritos muito antigos. Afirmava que deles extraíra certos processos de transmutação dos metais e que, devido a uma descarga condensada através de um condutor de boreto de tungsténio, obtinha indícios de ouro nos produtos obtidos. Muito mais tarde, os russos viriam a obter resultados análogos, mas utilizando potentes aceleradores de partículas.

Bergier não pôde prestar grandes serviços ao mundo livre, à causa aliada e à promoção do major. Eric Edward Dutt, colaboracionista, fora fuzilado pela contra-espionagem francesa na África do Norte. Quanto a Fulcanelli, desaparecera definitivamente.

No entanto, o major, como agradecimento, mandou entregar a Bergier, antes da publicação, as provas do relatório: Acerca da Utilização Militar da Energia Atómica, pelo professor H. D. Smyth. Era o primeiro documento autêntico sobre o assunto. Ora, nesse texto havia uma estranha confirmação das frases pronunciadas pelo alquimista em Junho de 1937.

A pilha atómica, peça essencial para a fabricação da bomba, era de facto apenas “uma disposição geométrica de substâncias extremamente puras”. Como Fulcanelli o dissera, esse utensílio, no início, não utilizava nem a electricidade, nem a técnica do vácuo. O relatório Smyth fazia igualmente alusão a venenos irradiantes, a gases, a poeiras radioactivas extremamente tóxicas, que era relativamente fácil preparar em grandes quantidades. O alquimista falara de um possível envenenamento de todo o planeta.

De que forma um investigador obscuro, isolado, místico pudera prever, ou ter conhecimento, de tudo aquilo? “De onde
te vem isso, alma humana, de onde te vem isso?”

Ao folhear as provas do relatório, o meu amigo recordou também esta passagem do De Alchymia, de Alberto o Grande:

“Se tens a pouca sorte de te aproximares do príncipes e dos reis, eles não cessarão de te perguntar: “Então, Mestre, como vai a Obra? Quando é que finalmente veremos qualquer coisa de positivo?” E, na sua impaciência, chamar-te-ão aldrabão e velhaco e causar-te-ão toda a espécie de aborrecimentos. E, se não obtiveres êxito, sofrerás todo o efeito da sua cólera. Se, pelo contrário, o obtiveres, conservar-te-ão em suas casas em cativeiro perpétuo, com o propósito de te fazerem trabalhar
em seu benefício.”

Seria esse o motivo por que Fulcanelli desapareceu e os alquimistas de todos os tempos mantiveram ciosamente o
segredo?

O primeiro e o último conselho dado pelo papiro Harris era: “Fechai as bocas! Cerrai as bocas!”

Anos depois de Hiroshima, a 17 de Janeiro de 1955, Oppenheimer viria a declarar: “Num sentido profundo, que nenhum gracejo de mau gosto será susceptível de extinguir, nós, os sábios, tomámos contacto com o pecado”.

E mil anos antes, um alquimista chinês escrevia: “Seria um pecado terrível desvendar aos soldados o segredo da tua arte. Toma cuidado! Que nem um insecto haja na sala em que trabalhas!”

1 A estereotrónica é uma ciência muito recente que estuda a transformação da energia nos sólidos. Uma das suas aplicações é o transistor.

2 Estas duas obras foram reeditadas pela “Omnium Littéraire” 72, Champs-Elysées, Paris. A primeira edição data de 1925. Há muito que estava esgotada e os curiosos compravam os raros exemplares em circulação por dezenas de milhares de francos.

3 A opinião dos mais cultos e dos mais qualificados é que aquele que se escondeu, ou se esconde ainda nos nossos dias, sob o famoso pseudónimo de Fulcanelli, é o mais célebre e, sem dúvida, o único alquimista autêntico (talvez o último) deste século em que o átomo é rei”. Claude d’Ygé, revista Initiation et Science, n.o 44, Paris.

O alquimista moderno é um homem que lê os tratados de física nuclear. Está convencido de que se podem obter transmutações e fenómenos ainda mais extraordinários por meio de manipulações e com um material relativamente simples. É nos alquimistas contemporâneos que se torna a encontrar o espírito do investigador isolado. A conservação de um tal espírito é preciosa para a nossa época. De facto, acabámos por acreditar que o progresso dos conhecimentos já não é possível sem equipas numerosas, sem uma enorme aparelhagem, sem um financiamento considerável. Ora as descobertas fundamentais, como, por exemplo, a radioactividade ou a mecânica ondulatória, foram realizadas por homens isolados. A América, que é o país das grandes equipas e dos grandes processos, espalha actualmente agentes pelo Mundo inteiro em busca de espíritos originais. O director da investigação científica americana, o doutor James Killian, declarou em 1958 que era prejudicial confiar-se apenas no trabalho colectivo e que achava necessário que se fizesse apelo aos homens solitários, portadores de ideias originais.

Rutheford efectuou os seus trabalhos mais importantes sobre a estrutura da matéria com latas de conserva e pedaços de guita. Jean Perrin e Madame Curie, antes da guerra, enviavam os seus colaboradores ao Marché aux Puces, ao domingo, em busca de um pouco de material. Evidentemente, os laboratórios com aparelhagem poderosa são necessários, mas seria importante organizar uma cooperação entre esses laboratórios, essas equipas, e os originais solitários. No entanto, os alquimistas furtam-se ao convite. A sua lei é o segredo. A sua ambição é a ordem espiritual. “Está fora de dúvida, escreve René Alleau, que as manipulações alquímicas servem de suporte a uma ascese interior”. Se a alquimia contém uma ciência, essa ciência é apenas um meio de atingir a consciência. Importa, portanto, que não saia para o exterior, onde se transformaria num fim.

*

Qual é o material do alquimista? O mesmo do investigador de química mineral de altas temperaturas: fornos, crisóis, balanças, instrumentos de medição, aos quais se vieram juntar os aparelhos modernos acessíveis de controlo das radiações nucleares: contador Geiger, cintilómetro, etc.

Esse material pode parecer irrisório. Um físico ortodoxo não poderia admitir que é possível fabricar um cálculo emitindo neutrões por processos simples e económicos. Se as informações que temos são autênticas, os alquimistas conseguem-no. Na altura em que o electrão era considerado o quarto estado da matéria, inventaram-se dispositivos extremamente onerosos e complicados para produzir correntes electrónicas. Após o que, em 1910, Eister e Gaitel demonstraram que bastava aquecer cal ao rubro no vácuo. Não sabemos tudo a respeito das leis da matéria. Se a alquimia é uma ciência em avanço sobre a nossa, usa processos mais simples do que os nossos.

Conhecemos vários alquimistas em França e dois nos Estados Unidos. Há-os em Inglaterra, na Alemanha e em Itália. E.J. Holmyard diz ter encontrado um em Marrocos. De Praga escreveram-nos três. A imprensa científica soviética, actualmente, parece fazer grande caso da alquimia e realiza investigações históricas.

*

E agora vamos tentar, pela primeira vez, segundo cremos, descrever com precisão o que faz um alquimista no seu laboratório. Não pretendemos revelar a totalidade do método alquímico, mas julgamos ter, a respeito desse método, alguns conhecimentos de certo interesse. Não esquecemos que a última finalidade da alquimia é a transmutação do próprio alquimista, e que as manipulações não passam de um lento caminhar em direcção à “libertação do espírito”. É sobre essas manipulações que tentamos apresentar novos esclarecimentos.

Em primeiro lugar, durante vários anos, o alquimista decifrou velhos textos onde “o leitor se deve embrenhar desprovido do fio de Ariana, mergulhado num labirinto no qual tudo foi preparado consciente e sistematicamente a fim de lançar o profano numa inextricável confusão mental”. Paciência, humildade e fé elevaram-no a um certo nível de compreensão desses textos. Nesse nível vai poder iniciar realmente a experiência alquímica. Vamos descrever essa experiência, mas falta-nos um elemento. Sabemos o que se passa no laboratório do alquimista. Mas ignoramos o que se passa no próprio alquimista, na sua alma. Pode dar-se o caso de que tudo esteja ligado. Pode ser que a energia espiritual represente um papel nas manipulações físicas e químicas da alquimia. Pode ser que uma certa forma de adquirir, concentrar e orientar a energia espiritual seja indispensável ao êxito do “trabalho” alquímico. Não é certo, mas, em questão tão delicada, não podemos deixar de reservar um lugar para a frase de Dante: “Vejo que acreditas nestas coisas porque sou eu a dizer-tas, mas não sabes porquê, de forma que por serem acreditadas nem por isso estão menos escondidas”.

O nosso alquimista começa por misturar muito bem, num almofariz de ágata, três constituintes. O primeiro, numa percentagem de 95%, é um minério: uma pirite arseniosa, por exemplo, um minério de ferro que contém especialmente, como impurezas, arsénico e antimónio. O segundo é um metal: ferro, chumbo, prata ou mercúrio. O terceiro é um ácido de origem orgânica: ácido tartárico ou cítrico. Vai moê-los e triturá-los com as mãos, depois conserva a mistura durante cinco ou seis meses. Em seguida aquece tudo num crisol. Aumenta progressivamente a temperatura e faz com que a operação dure cerca de dez dias. Deverá tomar certas precauções. Há gases tóxicos que se evolam: o vapor de mercúrio e sobretudo o hidrogénio arsenioso, que matou mais de um alquimista, logo no início dos trabalhos.

Finalmente dissolve o conteúdo do crisol com um ácido. Foi procurando um dissolvente que os alquimistas de outrora descobriram o ácido acético o ácido nítrico e o ácido sulfúrico. Essa dissolução deve efectuar-se sob uma luz polarizada: quer uma réstia de luz solar, reflectida num espelho, quer a luz da Lua. Sabe-se hoje que a luz polarizada vibra numa única direcção, ao passo que a luz normal vibra em todas as direcções em redor de um eixo. Em seguida evapora o líquido e recalcina o sólido. Recomeça essa operação milhares de vezes, durante vários anos.

Porquê? Ignoramo-lo. Talvez na expectativa do momento em que as melhores condições estejam reunidas: raios cósmicos, magnetismo terrestre, etc. Talvez a fim de obter uma “fadiga” da matéria em estruturas profundas que nós ainda ignoramos.

O alquimista fala de “paciência sagrada”, de lenta condensação do “espírito universal”. Há certamente qualquer outra coisa atrás desta linguagem pararreligiosa.

Esta forma de operar repetindo indefinidamente a mesma manipulação pode parecer demencial a um químico moderno. Ensinaram-lhe que há um único método experimental válido: o de Claude Bernard. É um método que age por meio de variações concomitantes. Repete-se milhares de vezes a mesma experiência, mas fazendo variar, de cada vez, um dos factores: proporções de um dos constituintes, temperatura, pressão, catalisador, etc. Anotam-se os resultados obtidos e deduzem-se algumas das leis que regem o fenómeno. É um método que deu as suas provas, mas não é o único. O alquimista repete a sua manipulação sem a menor alteração, até que qualquer coisa de extraordinário se produza.

No fundo, acredita numa lei natural bastante comparável ao “princípio de exclusão” formulado pelo físico Pauli, amigo de Jung. Para Pauli, num dado sistema (o átomo e as suas moléculas), não podem existir duas partículas (electrões, protões, mesões) no mesmo estado. Tudo é único na natureza: “a vossa alma não tem outra semelhante…” É por isso que se passa bruscamente, sem intermediário, do hidrogénio ao hélio, do hélio ao lítio e assim indefinidamente, como o indica, para o físico nuclear, a Tabela Periódica dos Elementos. Quando se junta uma partícula a um sistema, essa partícula não pode tomar nenhum dos estados existentes no interior desse sistema. Toma um novo estado e a combinação com as partículas já existentes cria um sistema novo e único.

Para o alquimista, da mesma forma que não existem duas almas semelhantes, dois seres semelhantes, duas plantas semelhantes (Pauli diria: dois electrões semelhantes), não há duas experiências semelhantes. Se se repetir milhares de vezes uma experiência, qualquer coisa de extraordinário acabará por se produzir. Não somos bastante competentes para lhe dar ou não
razão. Contentamo-nos em observar que uma ciência moderna, a ciência dos raios cósmicos, adoptou um método comparável ao do alquimista. Essa ciência estuda os fenómenos causados pelo aparecimento, num aparelho de detecção ou sobre uma chapa, de partículas com energia formidável, vindas de estrelas. Estes fenómenos não podem ser obtidos segundo a nossa vontade. É preciso esperar. Por vezes regista-se um fenómeno extraordinário. Foi assim que no Verão de 1957, no decorrer das
investigações feitas nos Estados Unidos pelo professor Bruno Rossi, uma partícula animada de uma energia formidável, jamais registada até ali, e vinda talvez de outra galáxia sem ser a nossa Via Láctea, impressionou 1500 calculadores ao mesmo tempo num raio de oito quilómetros quadrados, provocando, à sua passagem, um feixe enorme de destroços atómicos. Não é possível imaginar qualquer máquina capaz de produzir tal energia. Nenhum sábio tinha conhecimento de que jamais se tivesse produzido semelhante acontecimento e ignora-se se voltará a repetir-se. É também um acontecimento excepcional, de origem terrestre ou cósmica, e capaz de influenciar o seu crisol, que parece aguardar o nosso alquimista. Talvez ele pudesse abreviar a sua expectativa utilizando processos mais activos do que o fogo, aquecendo por exemplo, o crisol num forno de indução pelo método de levitação, ou ainda juntando isótopos radioactivos à sua mistura. Ele poderia então fazer e refazer a sua manipulação, não várias vezes por semana, mas milhares de vezes por segundo multiplicando desta forma as probabilidades de captar “o acontecimento” necessário ao bom êxito da experiência. Mas o alquimista actual, como o de ontem, trabalha em segredo, pobremente, e considera a expectativa uma virtude.

Prossigamos a nossa descrição: ao fim de vários anos de um trabalho sempre igual, de dia e de noite, o nosso alquimista acaba por deduzir que a primeira fase terminou. Junta então um oxidante à sua mistura: o nitrato de potássio, por exemplo. Há enxofre no crisol, proveniente da pirite, e carvão proveniente do ácido orgânico. Enxofre, carvão e nitrato: foi durante essa manipulação que os antigos alquimistas descobriram a pólvora.

Ele vai recomeçar a dissolver, depois a calcinar, sem descanso, durante meses e anos, na expectativa de um sinal. Sobre a natureza desse sinal, as obras alquímicas diferem, mas é talvez porque há vários fenómenos possíveis. Esse fenómeno produz-se no momento de uma dissolução[1]. Para certos alquimistas, trata-se da formação de cristais em forma de estrelas à superfície do banho. Para outros, uma camada de óxido surge à superfície desse banho, depois abre-se, deixando a descoberto o metal luminoso no qual parecem reflectir-se, em imagem reduzida, ora a Via Láctea, ora as constelações.[2]

Depois de receber este sinal, o alquimista retira a sua mistura do crisol e “deixa-a amadurecer”, ao abrigo do ar e da humidade, até ao primeiro dia da próxima Primavera. Quando retomar as operações, estas visarão aquilo a que se chama, nos velhos textos, “a preparação das trevas”. Recentes investigações sobre a história da química demonstraram que o monge alemão Berthold Le Noir (Berthold Schwarz), a quem vulgarmente se atribui a invenção da pólvora no Ocidente, nunca existiu. É uma figura simbólica desta “preparação das trevas”.

A mistura é colocada num recipiente transparente, em cristal de rocha, fechado de forma especial. Há poucas indicações a respeito dessa fechadura, chamada fechadura de Hermes, ou hermética. Dali em diante o trabalho consiste em aquecer o recipiente doseando, com uma infinita delicadeza, as temperaturas. No recipiente fechado, a mistura contém sempre enxofre, carvão e nitrato. Trata-se de elevar essa mistura a um certo grau de incandescência, evitando no entanto a explosão. São numerosos os casos de alquimistas gravemente queimados ou mortos. As explosões que se produzem são de particular violência e exalam temperaturas para as quais não estávamos logicamente preparados.

O fim em vista é a obtenção, no recipiente, de uma “essência”, de um “fluido”, a que os alquimistas por vezes chamam “a asa de corvo”.

Sejamos mais claros. Esta operação não tem equivalente na física e química modernas. No entanto, não deixa de ter analogias. Quando se dissolve no gás amoníaco líquido um metal como o cobre, obtém-se uma coloração azul-escuro que passa ao negro nas grandes concentrações. Produz-se o mesmo fenómeno se se dissolver no gás amoníaco liquidificado hidrogénio sob pressão ou amidas orgânicas, de forma a obter o composto instável NH4, que tem todas as propriedades de um metal alcalino e que, por esse motivo, foi chamado “amónio”. Há razões para crer que essa coloração azul-negro, que faz pensar na “asa de corvo” do fluido obtido pelos alquimistas, é justamente a cor do gás electrónico. O que é o “gás electrónico”? É para os sábios modernos, o conjunto de electrões livres que constituem um metal e lhe asseguram as propriedades mecânicas, eléctricas e térmicas. Ele corresponde, na terminologia actual, ao que o alquimista chama “a alma” ou ainda “a essência” dos metais. É essa alma ou essa “essência” que se liberta no recipiente hermeticamente fechado e pacientemente aquecido do alquimista.

Ele aquece, deixa arrefecer, aquece de novo, e isto durante meses ou anos, observando através do cristal de rocha a formação daquilo a que também se chama “o ovo alquímico”: a mistura transformada em fluido azul-negro. Abre finalmente o seu recipiente na obscuridade, apenas sob a claridade dessa espécie de líquido fluorescente. Em contacto com o ar, esse líquido fluorescente solidifica-se e separa-se.

Obterá desta forma substâncias completamente novas, desconhecidas na natureza e com todas as propriedades dos elementos químicos puros, quer dizer, inseparáveis pelos processos da química.

Os alquimistas modernos pretendem ter obtido desta forma elementos químicos novos, e isto em quantidades consideráveis. Fulcanelli teria extraído de um quilo de ferro vinte gramas de um corpo completamente novo, cujas propriedades químicas e físicas não correspondem a qualquer elemento químico conhecido. Seria aplicável a mesma operação a todos os elementos, cuja maior parte daria dois elementos novos por cada elemento tratado.

Tal afirmação é de molde a chocar o homem de laboratório. Actualmente, a teoria não permite prever outras separações além das seguintes:

– A molécula de um elemento pode alcançar vários estados: Oto-hidrogénio e para-hidrogénio, por exemplo.

– O núcleo de um elemento pode tomar um certo número de estados isotópicos caracterizados por um número de neutrões diferentes. No lítio 6 o núcleo contém três neutrões e no lítio 7 contém quatro.

Os nossos técnicos, para separar os diversos estados alotrópicos da molécula e os diversos estados isotópicos do núcleo,
exigem para isso um enorme material.

Os processos do alquimista são, em comparação, irrisórios, e ele alcançaria, não uma mudança de estado da matéria, mas a criação de uma matéria nova, ou pelo menos uma decomposição e recomposição diferente da matéria. Todo o nosso conhecimento
do átomo e do núcleo se baseia no modelo “saturniano” de Nagasoka e Rutheford: o núcleo e o seu anel de electrões. Não é impossível que, no futuro, outra teoria nos leve a realizar mudanças de estados e separações de elementos químicos por enquanto inconcebíveis.

Portanto, o nosso alquimista abriu o seu recipiente de cristal de rocha e obteve, por meio do arrefecimento do líquido fluorescente em contacto com o ar, um ou vários elementos novos. Restam as escórias. Essas escórias, vai ele lavá-las durante meses em água tridestilada. Depois manterá essa água ao abrigo da luz e das variações de temperatura.

Essa água teria propriedades químicas e medicinais extraordinárias. É o dissolvente universal e o elixir de longa vida tradicional, o elixir de Fausto[3].

Aqui, a tradição alquímica parece de acordo com a ciência de vanguarda. De facto, para a ciência ultramoderna, a água é uma mistura extremamente complexa e reagente. Os investigadores debruçados sobre a questão dos oligoelementos, especialmente o doutor Jacques Ménétrier, constataram que, praticamente, todos os metais eram solúveis na água em presença de certos catalisadores, como a glucose, e sob determinadas variações de temperatura. Além disso, a água formaria verdadeiros compostos químicos, hidratos, com gases inertes tais como o hélio e o árgon. Se se soubesse qual o constituinte da água responsável pela formação dos hidratos em contacto com um gás inerte, seria possível estimular o poder solvente da água e portanto obter um verdadeiro dissolvente universal. A revista russa Saber e Força, incontestavelmente séria escrevia no seu número 11, de 1957, que talvez um dia se obtivesse esse resultado bombardeando a água com radiações nucleares e que o dissolvente universal dos alquimistas seria uma realidade antes do final do século. E essa revista previa um certo número de aplicações, imaginava a abertura de túneis por meio de um jacto de água activada.

O nosso alquimista, portanto, encontra-se agora de posse de um certo número de corpos simples desconhecidos na natureza e de alguns frascos de uma água alquímica susceptível de lhe prolongar consideravelmente a vida, através do rejuvenescimento
dos tecidos.

Agora vai tentar combinar novamente os elementos simples que obteve. Mistura-os no seu almofariz e derrete-os a baixas temperaturas, na presença de catalisadores a respeito dos quais os textos são muito vagos. Quanto mais se avança no estudo das manipulações alquímicas, mais os textos são difíceis de compreender. Aquele trabalho irá ocupá-lo ainda durante alguns anos.

Afirmam que, desta forma, ele obteria substâncias absolutamente semelhantes aos metais conhecidos, e em especial aos metais bons condutores do calor e da electricidade. Seriam estes o cobre alquímico, a prata alquímica, o ouro alquímico. Os testes clássicos e a espectroscopia não permitiriam verificar a novidade dessas substâncias, e no entanto elas possuiriam propriedades novas, diferentes das dos metais conhecidos, e muito surpreendentes.

Se as informações que temos são exactas, o cobre alquímico, aparentemente semelhante ão cobre conhecido e no entanto muito diferente, teria uma resistência eléctrica infinitamente fraca, comparável à dos supercondutores que o físico obtém nas proximidades do zero absoluto. Este cobre, se pudesse ser utilizado, revolucionaria a electroquímica.

Outras substâncias, resultantes da manipulação alquímica, seriam mais surpreendentes ainda. Uma delas seria solúvel no vidro, a baixa temperatura e antes do momento da fusão deste. Essa substância, ao tocar o vidro ligeiramente amolecido, dispersar-se-ia no interior, dando-lhe um colorido vermelho-rubi, com fluorescência lilás na escuridão. É ao pó obtido pela trituração desse vidro, modificado no almofariz de ágata, que os textos alquímicos chamam o “pó de projecção” ou “pedra filosofal”. “Com isso, escreve Bernard, conde da Marche Trévisane, no seu tratado filosófico, se termina a elaboração dessa Pedra superior a todas as pedras preciosas, a qual é um tesouro infinito à glória de Deus que vive e reina eternamente”.

São conhecidas as maravilhosas lendas ligadas a essa pedra “pó de projecção” que seria susceptível de assegurar transmutações de metais em quantidades consideráveis. Transformaria, inclusivamente, certos metais vis em ouro, prata ou platina, mas tratar-se-ia então de um dos aspectos do seu poder. Seria uma espécie de reservatório de energia nuclear em suspensão, facilmente manejável.

Voltaremos em breve aos problemas que as manipulações do alquimista põem ao homem moderno esclarecido, mas detenhamo-nos exactamente onde se detêm os textos alquímicos. Eis a “grande obra” realizada. Produz-se no próprio alquimista uma transformação que esses textos evocam, mas que nós somos incapazes de descrever por não possuirmos a esse respeito mais do que umas poucas noções analógicas. Essa transformação seria como que a promessa, através de um ser privilegiado, daquilo que espera a humanidade inteira no termo do seu contacto inteligente com a Terra e os seus elementos: a sua fusão em Espírito, a sua concentração num ponto espiritual fixo e a sua união com outros centros de consciência através dos espaços cósmicos. Progressivamente, ou num súbito clarão, o alquimista, segundo a tradição, descobre o significado do seu longo trabalho. Os segredos da energia e da matéria são-lhe desvendados, e ao mesmo tempo tornam-se-lhe visíveis as infinitas perspectivas da vida. Ele possui a chave da mecânica do Universo. Ele próprio estabelece novas relações entre o seu espírito, dali em diante animado, e o espírito universal em eterno progresso de concentração. Serão certas radiações do pó de projecção responsáveis de uma transmutação do ser físico?

A manipulação do fogo e de certas substâncias permite, portanto, não só transmutar os elementos, como ainda transformar o próprio investigador. Este, sob a influência das forças emitidas pelo crisol (quer dizer, das radiações emitidas por núcleos a sofrerem modificações de estrutura), entra noutro estado. Nele se operam mutações. A sua vida prolonga-se, a sua inteligência e as suas percepções atingem um nível superior. A existência de tais seres, biológica e psiquicamente novos, é um dos alicerces da tradição Rosa-Cruz. O alquimista passa a outro estado do ser. É elevado a outro grau da consciência. Tem a sensação de que só ele se encontra desperto e que todos os outros homens ainda dormem. Escapa ao vulgar humano e desaparece, como Mallory sobre o Everest, depois de ter tido o seu minuto de verdade.

“A Pedra filosofal representa desta forma o primeiro degrau susceptível de auxiliar o homem a elevar-se em direcção ao Absoluto. Para além começa o mistério. Aquém não há mistério, nem esoterismo, nem outras sombras excepto as que projectam os nossos desejos e sobretudo o nosso orgulho. Mas, como é mais fácil satisfazermo-nos de ideias e de palavras do que fazer qualquer coisa com as próprias mãos, com a nossa dor e a nossa fadiga, no silêncio e na solidão, é mais cómodo procurar um refúgio no pensamento chamado “puro”, do que batermo-nos corpo a corpo contra o peso e as trevas da matéria. A alquimia proíbe qualquer evasão deste género aos seus discípulos. Deixa-os frente a frente com o grande enigma. . . Apenas nos assegura que se lutarmos até ao fim para nos libertarmos da ignorância, a própria verdade lutará por nós e vencerá finalmente todas as coisas. Talvez comece então a VERDADEIRA metafísica.”

1 Este método consiste em suspender a mistura a derreter no vácuo, fora todo o contacto com uma superfície material, por meio de um campo magnético.

2 Funde-se então por meio de uma corrente de alta frequência. O semanário americano Life, em Janeiro de 1958, publicou lindíssimas fotografias de um forno deste género em acção. Jacques Bergier declara ter assistido a esse fenómeno.

3 O professor Ralph Milne Farley, senador dos Estados Unidos e professor de física moderna na Escola Militar de West Point, chamou a atenção para o facto de certos biologistas pensarem que o envelhecimento é devido à acumulação de água pesada no organismo. O elixir de longa vida dos alquimistas seria uma substância eliminando selectivamente a água pesada. Tais substâncias existem no vapor de água. Porque não existirão na água líquida tratada de certa maneira? Mas poderia uma descoberta desta natureza ser divulgada sem perigo? O professor Farley imagina uma sociedade secreta de imortais, ou quase-imortais, existindo desde há séculos e reproduzindo-se por cooptação. Uma sociedade destas, que não se meteria em política e não se imiscuiria de forma alguma nas questões dos homens, teria todas as probabilidades de passar despercebida. . .


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[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/

‘Hiper-Sigilos

Tamosauskas

Qualquer magista maltrapilho sabe o que é um sigilo. Explorando este conceito em seu grimório Pop Magic! de 2003, Grant Morrison desenvolve essa idéia e trabalha com o conceito de Hiper-Sigilos. Segundo sua definição “o Hiper Sigilo leva o sigilo além do conceito da imagem estática e incorpora elementos como caracterização, drama e roteiro próprio. O Hiper-Sigilo é um sigilo extendido para a quarta dimensão”.  Um Hiper Sigilo, como o próprio nome indica, é portanto, um sigilo elevado a sua enésima potencialidade.

Um Hiper-Sigilo é algo tão grande e poderoso que não pode ser criado por uma única pessoa. É necessário uma instituição poderosa como uma corporação ou um governo para concebê-lo e algumas décadas ou mesmo séculos de gestação para que se forme. Hiper Sigilos dependem ainda de uma organização em escala mundial e de meios de comunicação em massa que só foram alcançados a partir do século XX.

Nos séculos anteriores Hiper Sigilos não se formavam pois tinham um alcance limitado, mas com o início da globalização, eles explodiram como uma super nova e se tornaram um advento cujo poder e alcance ainda não podem ser avaliados. Sua origem é um fato tão poderoso na história da magia que pode ser comparado ao surgimento da astrologia.

Índice:

A Dinâmica dos Hiper-Sigilos

Hiper-Sigilos e as Oito Cores da Magia

Conclusão

[…] E embora seja verdade que nenhum rabisco gozado que fizermos possa concorrer com a força de um Hiper-Sigilo, alimentado por milhões de dólares, uma infraestrutura multinacional e uma infinidade de clientes […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-do-caos/hiper-sigilos/

Método Científico, Idealismo e Materialismo

Vivemos numa época em que vigora o paradigma materialista. Atualmente a ciência possui status e credibilidade semelhante ao que possuía a Igreja na Idade Média. A visão materialista em si não é incorreta ou negativa. É apenas mais um modelo dentre tantos outros, que não possui nada de especial, fora o fato de estar em voga nos dias de hoje. Nós somos um produto do tempo em que vivemos. O fato de grande parte das pessoas da atualidade acreditarem que a matéria é tudo que existe, ou que todos os fenômenos, incluindo os mentais, podem ser explicados em termos fisiológicos (a mente como subproduto do cérebro) não é acidental.

Enxergar o mundo a partir de uma perspectiva materialista é uma prática antiga, observada em diferentes sociedades. Na Índia, essa escola de pensamento se chamava Charvaka e coexistiu com o bramanismo e o budismo. Não foi tão popular por lá. Na Grécia Antiga, pensadores como Leucipo e Demócrito defendiam ideias materialistas, como a teoria atômica. Claramente, o idealismo de Platão e o neoplatonismo de Aristóteles (como estudante da Academia Platônica, alguns estudiosos já veem traços de neoplatonismo no Estagirita) fizeram muito mais sucesso.

Pode-se dizer que o idealismo foi a doutrina mais aceita no mundo ocidental ao longo da Idade Média, propagada pela Igreja Católica (evidentemente, os católicos não chamam a si mesmos de “idealistas”), se considerarmos que o Mundo das Ideias de Platão foi uma forma de idealismo. Ironicamente, as ideias de Descartes deram brecha tanto para que o idealismo florescesse em novas formas, cores e sabores quanto para que o materialismo renascesse das cinzas com força total, para exaltar a noção de progresso do Iluminismo. O dualismo cartesiano separou mente e matéria. O ato de pensar passou a ser condição de existência (racionalismo) e o corpo passou a ser visto como uma máquina.

Tanto o materialismo quanto o idealismo são formas de monismo: ou seja, a ideia de que todas as coisas derivam de uma única substância. No materialismo, a mente é tida como derivada do corpo físico, enquanto no idealismo é o oposto: o psicológico é o fator primordial (ou a razão, mais especificamente) e dele deriva a nossa realidade. Há também o monismo neutro, que não dividiria o ser em corpo e mente, mas em elementos neutros que não se encaixariam em nenhuma das duas categorias, posição defendida por Hume e Spinoza.

No momento em que é estabelecido um dualismo, é natural do ser humano desejar criar uma hierarquia entre seus elementos, estabelecendo um reino monista que reinaria soberano: a mente é superior ao corpo (idealismo)? Ou o corpo é superior à mente (materialismo)? No período em que vivemos quem está vencendo essa guerra ideológica é o materialismo. Por isso, é natural que os defensores de ideias idealistas se manifestem para mostrar um novo modo de encarar a realidade, que no fundo seria o resgate de ideias que já estiveram em voga no passado.

É normal que os ocultistas contemporâneos se deparem com esse dilema: eles foram educados numa época que defende que o materialismo é a verdade: ou seja, que só existe matéria, não existem coisas como espírito, alma, Deus ou vida após a morte. Ao estudarem grimórios antigos, eles se deparam com conceitos que foram formulados dentro do paradigma no qual viviam seus autores, como é o caso do modelo idealista.

O resultado é que o magista iniciante pode ficar confuso e não saber como trabalhar com aquele sistema de magia. No pior dos casos, o magista pode considerar o grimório como apenas uma superstição boba e julgar seu autor como um charlatão por enganar as pessoas com esse tipo de “bobagem” ou simplesmente considerá-lo pouco instruído por acreditar “nessas coisas”.

Porém, em geral quem se interessa por ocultismo vai pelo menos experimentar um feitiço ou ritual “para ver se dá certo mesmo” antes de concluir que “realmente, era tudo uma grande invencionice, pois magia não existe”. O problema é que o magista contemporâneo, que se encontra no paradigma materialista, irá testar uma magia de um grimório medieval, que foi escrito no paradigma idealista. Resultado? Ele vai duvidar. Vai pensar coisas como: “É claro que não vai aparecer um demônio aqui, pois seres espirituais não existem, só a matéria é real. Acho que Descartes estava drogado quando falou sobre os gênios malignos. É claro que tudo isso é só uma metáfora. Ou é tudo psicológico! Já chega, vou largar essa espada e ir jogar videogame, pois os demônios do meu jogo são mais reais do que esses demônios imaginários… será que existem diferentes níveis de realidade? Deixa pra lá”.

E já que mencionamos Descartes, podemos também observar que além de toda a respeitável bagunça epistemológica que ele gerou, ainda sobrou um tempo para que ele fosse um dos fundadores do método científico. Já podemos até imaginar que tipo de metodologia foi criada em meio a todos esses dualismos, gênios malignos e especialmente da visão do corpo como mera máquina orgânica. Felizmente, Francis Bacon socorreu o bom Descartes dando uns toques de empirismo ao seu racionalismo.

O embate de racionalismo versus empirismo é antigo; é fundamentalmente o mesmo que se encontra no idealismo versus materialismo; Platão versus Aristóteles; Descartes versus Bacon. E por aí vai. Em suma, podemos explicar isso parcialmente pelo fato de Platão ter se baseado na geometria e Aristóteles na biologia, de modo que um se fundamentou mais na razão e outro mais na experiência como critério de verificação da verdade.

Bacon chama de “ídolos” os erros que se pode cometer ao longo do processo de pesquisa científica. Os ídolos da tribo são as limitações dos sentidos físicos e do intelecto. Os ídolos da caverna envolvem o aspecto subjetivo da pesquisa, em função de características individuais do estudioso. Os ídolos do foro seriam as falhas proveniente do uso da linguagem e comunicação. Os ídolos do teatro seriam teorias fruto de mera especulação, que não buscam um resultado experimental para se apoiar. Interessante que esse quarto ídolo se fundamenta no primeiro: a limitação da razão humana para bolar teorias que correspondam à verdade. No entanto, já que nossos sentidos físicos também são ídolos da tribo, por que colocar mais peso no empirismo do que no racionalismo?

Nesse ponto surge a questão do realismo científico versus experimentalismo. Enquanto o primeiro defende que a ciência descreve a realidade tal como ela é, no experimentalismo é dito que a ciência apresenta apenas modelos e não a realidade em si. Afinal, como diria Kant, a coisa em si seria incognoscível.

E já que falamos de Kant, iremos usar o exemplo de seu sistema epistemológico para demonstrar no que consistiria de fato o idealismo. Existem diferentes tipos de idealismo e Kant inaugurou um bem divertido chamado “idealismo transcendental”. Transcendente é o “sublime”; seria aquilo que é domínio da razão, conhecimentos a priori (que vem antes da experiência), para se opor a imanente, que é aquilo que é inerente ao sujeito, do domínio material ou da experiência.

Para Kant, existiam dois mundos (mais dualismo, hã?): o mundo numênico, que é o mundo real das “coisas em si” (basicamente o Mundo das Ideias de Platão) e o mundo fenomênico, que seria a realidade tal qual ela nos aparece (o mundo das cavernas de Platão). Os sentidos físicos não seriam capazes de captar o mundo real. O mais próximo que se poderia chegar disso seria através dos conhecimentos a priori: a razão pura. O racionalismo!

Interpretemos da seguinte forma: a “coisa em si” (a verdade por trás das aparências) de um indivíduo seria sua alma. E será que Deus seria a Grande Coisa Em Si? Bem, para entender o Deus kantiano devemos espiar o sistema ético que ele apoiou sobre sua metafísica.

Digamos que o materialismo encontra um pouco de base na doutrina ética utilitarista de John Stuart Mill: a ação deve conduzir ao máximo bem-estar para o número máximo de pessoas. Ou seja, o foco do materialismo é a felicidade e o bem-estar do indivíduo (e da sociedade); o conforto da mente e do corpo. É nesse paradigma ético que vivemos, que também se fundamentou em parte no materialismo histórico de Marx e Engels, para contrapor o idealismo absoluto de Hegel.

Contudo, o paradigma da felicidade como busca máxima não é o único que existe. A ontologia idealista de Kant aponta uma direção diferente. Para ele, a busca máxima é o cumprimento do dever e isso estaria acima da felicidade. E para explicar isso ele formulou o imperativo categórico: “age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através de tua vontade, uma lei universal”. Ou seja, para saber se uma ação é boa ou ruim, deve-se aplicar ao universal: se todos mentissem, seria bom ou ruim para a sociedade? Ruim, então mentir não é ético e não devemos mentir em nenhuma circunstância. Esse é o raciocínio.

Caso uma pessoa mentisse em dada ocasião tendo em vista uma felicidade temporária para si ou para outra pessoa, estaria colocando a felicidade acima do dever e isso vai contra a ética kantiana. Isso significa que para o idealismo transcendental importa mais a razão pura por trás do processo do que a razão prática que a ação irá gerar. A filosofia de Kant pode ser resumida numa frase de um imperador romano citada por ele em seu livro: “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”:

“Que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça”

Em muitas religiões existe diferença entre “ajudar o próximo” e “louvar a Deus”, sendo que em muitas delas a fé em Deus seria superior a ajudar diretamente uma pessoa. Como se traduz isso em termos kantianos? Servir a Deus seria o cumprimento do dever, do imperativo categórico, dos mandamentos.

No livro “Crítica da Razão Pura” Kant diz:

“Por mais longe que a razão prática tenha o direito de nos conduzir, não consideraremos nossas ações obrigatórias por serem mandamentos de Deus, mas as consideraremos mandamentos de Deus porque temos para com elas uma obrigação interna”

Isso tornaria a existência de Deus necessária ao sistema moral e não somente contingente (acidental). Na obra “Crítica da Razão Prática” temos esse outro trecho interessante:

“Se indagarmos pelo fim último de Deus na criação do mundo, não se deve responder que seja esse fim a felicidade dos seres racionais neste mundo, mas o sumo bem que acrescenta àquele desejo dos seres racionais ainda uma condição, a saber, a de ser digno da felicidade, isto é, a moralidade de todos esses seres racionais, que contém a única medida segundo a qual eles podem aspirar à participação da felicidade por mão de um sábio autor do mundo.”

Pode-se dizer que através dessa explicação Kant daria uma resposta à velha pergunta: “Se Deus tudo sabe, tem todo o poder e é completamente bom, por que existe mal no mundo e por que ele permite esse mal?” A resposta kantiana seria porque como Deus tudo sabe a respeito do que seja o melhor, ele coloca o imperativo categórico (cumprimento do dever moral universal) acima da felicidade humana, que seria apenas uma felicidade relativa, enquanto o agir em conformidade com a razão pura prática e moral seria o fim último da existência.

Outro tipo de idealismo curioso (o meu favorito) é o idealismo imaterialista, de Berkeley, que defende que os seres e as coisas só existem quando são percebidas (ser é ser percebido). Isso significa que não há essência nas coisas ou “coisa em si”. As coisas só não desapareceriam instantaneamente quando não as olhamos porque Deus estaria sempre observando tudo.

Evidentemente, o método científico que usamos hoje (que consiste em modificações de pensadores posteriores nas ideias de Descartes e Bacon) é baseado no materialismo. Isso não significa que ele está errado; e nem que está certo. Um método não pode ser construído fora de um paradigma e, uma vez no interior de um, ele terá que lidar com as limitações inerentes de tal paradigma.

Aqui vão algumas citações sobre ciência, extraídas do livro “Filosofia da Ciência” de Rubem Alves (curioso que o autor foi um dos fundadores da Teologia da Libertação, que seria uma interpretação do cristianismo sob uma perspectiva mais utilitarista e materialista, por assim dizer):

“O místico crê num Deus desconhecido. O pensador e o cientista creem numa ordem desconhecida. É difícil dizer qual deles sobrepuja o outro em sua devoção não racional”

L.L. Whyte

“Não será verdade que cada ciência, no fim, se reduz a um tipo de mitologia?”

De uma carta de Freud a Einstein, 1932

“Contra o positivismo, que para perante os fenômenos e diz: ‘Há apenas fatos’, eu digo: ‘Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações”

Nietzsche

“Não existe coisa alguma mais danosa ao avanço da ciência que a ilusão de que ela marcha para frente pelo acréscimo de fatos novos”

Rubem Alves

Sobre essa última colocação, poderíamos até dizer: não é verdade que os planetas giram em torno do Sol. O sistema heliocêntrico não está “mais correto” do que o geocêntrico, como se a ciência progredisse cada vez mais derrubando as ideias anteriores. São somente dois paradigmas diferentes que têm objetivos práticos. No futuro, se for criado um novo modelo que tenha resultados práticos melhores, o sistema heliocêntrico poderia vir a ser eliminado, hipoteticamente falando. Isso não significa que se descobriu alguma verdade nova, mas que a teoria simplesmente adequou-se para se encaixar a determinado pragmatismo.

E agora fiquemos com alguns trechos inspiradores do livro “A Lógica da Pesquisa Científica” de Karl Popper:

“Teorias são redes para capturar aquilo que chamamos de mundo”

“Instrumentalismo, que foi representado em Viena por Mach, Wittgenstein e Schlick é a visão de que uma teoria não é nada mais que uma ferramenta ou um instrumento para predição”

Na Magia do Caos se costuma dizer: “A crença é uma ferramenta”. Afinal, a metodologia do caoísmo tem inspiração no método científico.

Vamos a mais trechos da mesma obra:

“A ciência não é um sistema de certezas, ou afirmações bem estabelecidas; nem é um sistema que constantemente avança para um estado de finalidade. Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela nunca pode clamar ter atingido a verdade, e nem mesmo um substituto para isso, como probabilidade”.

“Como e por que nós aceitamos uma teoria em detrimento de outras? A preferência certamente não é devido a uma justificação experimental das afirmações que compõem a teoria; não é devido a uma redução lógica da teoria à experiência. Nós escolhemos a teoria que melhor se mantenha em competição com outras teorias; aquela que, por seleção natural, se mostra a mais adaptada a sobreviver. […] De um ponto de vista lógico, testar uma teoria depende de afirmações básicas cuja aceitação ou rejeição, por sua vez, depende das nossas decisões. Então são decisões que definem o destino de teorias. […] A escolha [de uma teoria] é em parte determinada por considerações de utilidade”.

O método científico é uma poderosa ferramenta; uma ferramenta viva, em constante transformação. Não estou dizendo todas essas coisas para que não se acredite nele e sim para que tenhamos consciência de suas limitações e tomemos o devido cuidado para não confundir um modelo com a verdade.

Sobre idealismo, materialismo, dualismo, monismo, etc, nenhum é melhor que outro, por natureza. Novamente, são apenas modelos. Um pode ser mais útil que outro para objetivos diferentes. É importante que todos eles coexistam e sejam debatidos, pois muitas vezes quando cristalizamos um pensamento por muito tempo (ou seja, trabalhamos dentro de somente um modelo) corremos o risco de considerá-lo a verdade e passar a julgar como errado o paradigma do outro.

Alguns defendem que para definir se uma posição é certa ou errada devemos baseá-la na ética. Contudo, devemos lembrar que até a construção do que seja ética e moral muda de tempos em tempos e a definição de moralidade é estabelecida no interior de um modelo ontológico, como foi demonstrado no caso da ética kantiana.

Uma das maiores vantagens da Magia do Caos é ter a mobilidade de poder trabalhar sob diferentes paradigmas e adquirir a habilidade de saltar de um para outro. Mais do que uma brincadeira, isso abre a mente. Você tem toda a liberdade de trabalhar usando somente um modelo e poderá ter muito sucesso seguindo esse método.

Contudo, os caoístas apreciam novas experiências e emoções em lugares inusitados de todos os mundos possíveis. E o mais divertido de tudo: após estudar e experimentar diferentes modelos, você poderá criar os seus, seja usando um caminho epistemológico semelhante ao método científico, seja baseado no idealismo, no materialismo ou em qualquer outra coisa que você optar por criar.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/m%C3%A9todo-cient%C3%ADfico-idealismo-e-materialismo

A Arte do Abraço Vampírico

No Templo de Azagthoth, a arte de beber a essência da força vital de seres humanos é denominada a Arte do Abraço Vampírico, o Abraço Vampírico é o símbolo primal da nossa ordem e representa a arte de drenar a força vital, causando o mal via contacto astral para a vítima pretendida. O símbolo não é demasiadamente complexo em aparência, mas seus usos variam de acordo com o feiticeiro (a) que usaria este sigilo e praticaria as artes que ele contém. Para aqueles familiarizados com o processo de imbuir objetos ou símbolos físicos com energia astral, você pode considerar sua aplicação quando o Abraço Vampírico (o símbolo) foi criado. É de fato o sigilo mais antigo criado pelo Templo de Azagthoth e pode ser obtido em requisição. O segundo símbolo é o Esquife, não apenas corresponde ao princípio vampírico do homem, através da metamorfose vampírica e instrução, também possui um enorme significado simbólico com referência à Comunhão de Dracul, o chamamento dos Deuses Imortais, nos quais o despertar dos sacrifícios vampíricos acumulou a força vital de suas jornadas predatórias até uma série de exaustões, então vem a renovar a força vital do não-morto que é simbolizada pelo abraço próximo ao topo do esquife pelo derramamento de sangue sobre ‘o lugar de descanso do cadáver’, desta forma possibilitando uma nova vida, os poderes mais altos através da prática do Vampirismo, metamorfose, e finalmente imortalidade entre os Deuses Imortais. Este não é um caminho fácil e precisa ser enfatizado que o Vampirismo, diferente de outras formas do Oculto, precisa ser tomado em prática constante. O vampiro enfrenta muitos testes, mas é desnecessário dizer que se você falha em sua elevação ao Trono da Besta, um destino pior do que a morte o espera.

A Arte do Abraço Vampírico envolve a força astral vital drenada de muitos modos. Há a prática do ‘mau olhado’ pelo qual o mago experimentado pode implantar pensamentos, drenar energia e instilar certos fatores que afetarão o recipiente do encantamento mais tarde. Projetando pensamentos através do uso do olhar fixo, seu corpo astral toca a vítima, e seus pensamentos são instilados em sua mente e a vítima sempre os verá como seus próprios pensamentos e atos. Por exemplo, se você esperava que uma pessoa escolhesse um livro, através desta prática você poderia usar a frase “Este livro parece interessante, eu preciso obtê-lo…”, nunca diga “Eu quero que a pessoa escolha o livro…” Isto não é o método correto, e não funcionará. Sempre implante um declaração na mente das pessoas que fará a pessoa pensar que é sua própria idéia, não pela segurança das pessoas acharem que você está implantando idéias na sua cabeça, o que é completamente ridículo, o problema em usar métodos indiretos na arte é que tende a causar muita confusão no cérebro do recipiente para colher resultados para você próprio. A vítima humana não acredita, em sua maior parte, que possam ser mentalmente influenciadas sem seu conhecimento. O Vampiro Imortal, tanto quanto o Vampiro Vivo, sempre promove literatura e ensinamentos que perduram a lavagem cerebral da sociedade humana e então a cega pelos nossos caminhos ocultos.

A força astral vital drenada através da visão envolve o uso dos seus olhos, em extensão do corpo astral (o abraço vampírico) para tocar a sua vítima e remover a energia vital dela. Movimentos pequenos, completamente indetectáveis com dedos e mãos, bem como inalação física, pode acelerar o processo de recebimento da energia da vítima. Como o Vampiro fortalece sua arte e poder, outros meios de drenar a força vital são possíveis.

A arte de drenar a força astral vital do humano enquanto você está completamente separado do seu corpo físico e uma parte do plano astral, é uma das práticas básicas do vampirismo. O humano dormindo fornece a mais pura força vital que aumentará violentamente a força vital dos vampiros. Quanto mais bela a vítima, mais pura é a sua força de vida. Assim que o humano dorme, ele não tem mais controle sobre o seu corpo astral pois eles não são praticantes da nossa arte e tem certa fraqueza, enquanto o vampiro tem muitas vantagens misteriosas sobre a presa humana. É possível, quando o corpo astral do vampiro aproximou-se da sua presa, entrar no estado de sonho do humano e implantar certas cenas no subconsciente humano. Através de poções e elixires apropriadamente preparados, é possível causar enfermidades nas vítimas, apesar disto parecer ser depois um efeito comum de um ataque vampírico. Lembre-se, quanto mais força de vida você obtém para si, menos força de vida para o humano. Então seu ser inteiro se tornará mais fraco e frágil. É sempre o prazer do vampiro ser capaz de drenar o sangue mais puro das veias de seres humanos, então medite como o mundo dos humanos externamente desintegra-se no caos e desordem diante de você, enquanto o seu mundo aumenta em experiência e você vem a conhecer o caminho do Dragão Vampiro Tiamat e o caminho do Mago Negro, AZAG-THOTH.

Copyright Emperor Norduk (C)

Por Emperor Norduk (de “The Countess Elisabeth Bathory”)

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/vampirismo-e-licantropia/a-arte-do-abraco-vampirico/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/vampirismo-e-licantropia/a-arte-do-abraco-vampirico/

5 Características Típicas de Uma Visão de OVNI

Por Warren Agius.

A humanidade tem sido fascinada pelo fenômeno dos OVNIs desde o início dos tempos. Os primeiros avistamentos de OVNIs podem ser rastreados até os tempos remotos. Desde hieróglifos egípcios no Templo de Seti I, que retratam um avião em forma de disco, até uma pintura do século XV de Domenico Ghirlandaio da Madonna com São Giovannino, que inclui um avião em forma oval ao fundo. Dado que os aviões estavam num futuro distante, pesquisadores de OVNIs argumentaram que estes artistas estavam retratando o que estavam vendo no céu.

Embora milhares de relatos de OVNIs sejam feitos a cada ano, a maioria desses avistamentos tendem a ser identificações errôneas de aeronaves convencionais ou militares, fenômenos naturais, ou simplesmente corpos celestes. Dito isto, conforme explorado em Evidência de Extraterrestres, há casos em que a única hipótese que é suficiente é a hipótese extraterrestre. O que se segue são cinco características que, quando presentes em um avistamento de OVNI, indicam que a aeronave é presumivelmente de origem extraterrestre.

Característica nº 1: Sistema de Propulsão Antigravitacional:

Toda e qualquer aeronave terrestre requer um sistema de propulsão, como um motor, bem como superfícies de voo, como asas, para operar e viajar eficientemente através do céu. Por outro lado, a maioria das descrições fornecidas por indivíduos que testemunharam OVNIs descreve a aeronave como tendo uma forma e características não convencionais. O OVNI é frequentemente descrito como tendo uma forma de disco ou charuto, sem asas e com um sistema de propulsão visível. Isto nos deixa a pensar como a aeronave é capaz de superar a gravidade da Terra e realizar manobras de alto nível.

Com um sistema de propulsão antigravidade, a aeronave produziria seu próprio campo gravitacional, permitindo que ela dobrasse o espaço-tempo. Este sistema de propulsão também explicaria a capacidade da aeronave de viajar a velocidades intransponíveis e desaparecer espontaneamente. Ao manipular a gravidade, isto também explicaria como os extraterrestres poderiam viajar a partir de galáxias distantes. Ao criar seu próprio campo gravitacional, ideias de ficção científica como os “campos de força” também estão dentro do reino das possibilidades. Se considerarmos “A Batalha de Los Angeles”, os OVNIs reportados resistiram aos projéteis antiaéreos que estavam sendo disparados pelos militares por mais de uma hora. Não apenas as aeronaves eram impermeáveis, mas permaneceram no céu, pairando silenciosamente até desaparecerem.

Este meio de propulsão ainda é inatingível e incompreensível para os humanos. No entanto, se os militares de alguma forma adquirirem esta tecnologia e conseguirem fazer engenharia reversa, ela seria usada para explorar a possibilidade de viagens interestelares, ou seria usada na guerra?

Característica nº 2: Aceleração Instantânea:

Durante o encontro do “Tic-Tac UFO”, o Tenente Comandante Jim Slaight descreveu como o OVNI estava superando sem esforço seus F/A-18F Super Hornets. O OVNI tic-tac estava alegadamente viajando a 3.600 milhas por hora, em Mach 3, o que significava que estava ultrapassando a velocidade do som em três vezes! Slaight acrescentou que a aeronave “tinha cerca de 1350 Gs”, o que teria praticamente transformado qualquer ser humano em pasta.

A capacidade de um OVNI de fazer uma aceleração intransponível e desaparecer da vista é um tema constante nos avistamentos de OVNIs. Testemunhas explicam como a aeronave estaria pairando silenciosamente no céu e então faria uma aceleração repentina e desapareceria da vista num piscar de olhos. Além disso, nos casos explorados em Evidence of Extraterrestrials (Evidências dos Extraterrestres), os pilotos militares muitas vezes explicam como o OVNI simplesmente iniciaria uma subida vertical ou faria curvas bruscas sem parar ou desacelerar. Esta habilidade me leva a pensar como a própria aeronave poderia realizar tais manobras e, em segundo lugar, como estes seres poderiam resistir a tais estresses.

Característica nº 3: Velocidade Hipersônica:

Cada vez que uma aeronave excede a velocidade do som e a barreira sonora é quebrada, é produzido um boom sônico. Em numerosos casos, os OVNIs reportados excedem significativamente a velocidade do som e ainda assim, não são produzidas assinaturas. Dado que o som viaja através de um meio, isto nos deixa a supor que estas aeronaves viajam através de um vácuo, em não-matéria. Dado que não há massa de ar em um vácuo, os sistemas de propulsão e as superfícies aerodinâmicas não podem gerar elevação. Isto apoia ainda mais a ideia de que estas aeronaves utilizam um sistema de propulsão antigravidade.

Característica #4: Baixa Observabilidade:

Talvez a característica mais frustrante dos avistamentos de OVNIs seja a falta de visibilidade que essas aeronaves têm. A maioria das testemunhas descreve os OVNIs como sendo simplesmente luzes brilhantes no céu realizando manobras erráticas, ou brilhos brilhantes. O efeito de “camuflagem” destas aeronaves é um tema constante nos relatórios de OVNIs. Mesmo considerando as fotografias que capturam OVNIs, a maioria mostra uma bola de luz brilhante. Nas imagens de OVNIs de Mariana, pode-se facilmente perceber duas luzes brilhantes viajando a uma velocidade incrível; entretanto, não se pode discernir muito mais detalhes.

Característica #5: Viagem Transmidiática:

A quinta e última característica é a viagem transmidiática: a capacidade de uma aeronave de realizar em sua maior capacidade através de diferentes meios. Se considerarmos primeiro os veículos terrestres, todo e qualquer veículo está vinculado ao meio em que viaja. Por exemplo, um submarino não pode viajar através do céu da mesma forma que um caça não pode viajar através do oceano. Por outro lado, durante o “Tic Tac Encounter”, os pilotos de caça ficaram perplexos, pois o OVNI em forma de tic-tac conseguiu ultrapassar o Super Hornet e o submarino mais rápido da Marinha no mesmo encontro.

Durante todo o encontro, o comandante Fravor e o comandante Slaight ficaram surpresos quando a aeronave caiu de 28.000 pés para o nível do mar em um instante. Tal manobra é praticamente impossível de ser realizada por qualquer aeronave terrestre. Quando o objeto alcançou então o nível do mar, a equipe de sonar a bordo do USS Louisville, que estava patrulhando logo abaixo da superfície, relatou que um alvo não identificado havia mergulhado no oceano e estava excedendo os 70 nós! Isto significa que o alvo estava viajando duas vezes mais rápido do que o submarino mais rápido da Marinha. Em apenas um encontro, a aeronave em forma de tic-tac dominou o Super Hornet da Marinha, bem como o submarino mais rápido da Marinha.

Estas cinco características desafiam todas as leis da física e da aerodinâmica pelas quais as aeronaves terrestres estão vinculadas. As leis da física fazem estas características e habilidades parecerem inatingíveis e incompreensíveis e, no entanto, há inúmeros casos em que pilotos militares perseguiram estes objetos interplanetários, testemunhando o fenômeno e estes observáveis em primeira mão. Estas características não só nos fazem tomar consciência de quão limitado é nosso conhecimento sobre o fenômeno, mas também expõem as limitações pelas quais as aeronaves terrestres estão vinculadas.

Quando um objeto em forma de disco não identificado ultrapassa os veículos mais rápidos da Marinha, isso nos deixa deduzir que as espécies dominantes não são seres humanos como somos levados a crer. Casos como o “Tic Tac Encounter” exibem não apenas o avanço tecnológico desses seres, mas também a tolice dos seres humanos. Em vez de tentar entender os extraterrestres e como operam suas aeronaves tecnologicamente avançadas, bilhões de dólares são gastos a cada ano em arsenal militar, com o único objetivo de cada nação que prospera para ser a mais poderosa.

O fenômeno OVNI não se trata simplesmente de luzes brilhantes no céu; trata-se de seres superiores que desafiam todas as leis pelas quais as aeronaves terrestres estão vinculadas, fazendo com que nosso conhecimento sobre sistemas de propulsão, aerodinâmica e física não tenha sentido. Quando entrevistei pessoalmente o falecido Stanton Friedman, perguntei-lhe por que nenhuma nação reconheceu ou divulgou qualquer informação sobre a vida extraterrestre. Sua resposta foi que, “O nacionalismo é o único jogo da cidade”. Esta resposta me pegou de surpresa e me fez pensar se esta poderia ser realmente a razão de não termos chegado a uma revelação completa. Talvez, se o governo afirmasse que temos pouco ou nenhum conhecimento sobre estes seres e suas aeronaves, mas podemos supor que eles são mais avançados do que nós, o governo estaria reconhecendo que não tem tanto poder quanto somos levados a acreditar.

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Fonte:

5 Characteristics Typical of a UFO Sighting, by Warren Agius.

https://www.llewellyn.com/journal/article/2897

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/ufologia/5-caracteristicas-tipicas-de-uma-visao-de-ovni/

A comunidade Donmeh: remanescentes do culto de Shabbethai Zebi

Rabbi Geoffrey Dennis

Shabbethai Zebi (Shabbatai Tzvi) foi um místico turco e Messias fracassado (cerca do século XVII). Inspirado pelos ensinamentos da Cabala Luriânica e encorajado por seu discípulo e publicitário, Nathan de Gaza, Tzvi afirmou ser o Messias. A notícia de suas reivindicações chegou aos confins da Europa, e um pânico messiânico se seguiu em muitas comunidades judaicas. Depois de desfrutar de um breve período de sucesso fenomenal, a carreira messiânica de Tzvi foi interrompida pelo sultão otomano, que lhe ofereceu a escolha do martírio ou da conversão ao Islã. Tzvi escolheu a conversão. Apesar disso, os crentes persistiram em sua fé, causando tremores secundários no mundo judaico nas décadas seguintes. Uma pequena seita do Shabbateanismo, o Dönmeh, sobrevive até hoje.

A Comunidade Dönmeh é uma seita herética secreta, outrora espalhada pelo Império Otomano, que surgiu dos seguidores de Shabbatai Tzvi. Mantendo externamente a prática do Islã, os  dönmeh se apegam a muitas observâncias judaicas e à crença de que Tzvi é o Messias. Eles continuaram a expor sua própria variedade sectária da Cabala. Antes virtualmente moribundo, o grupo encontrou vida renovada na Internet como “Cabala Neo-Sabática”.

A Comunidade Dönmeh
por Kaufmann Kohler e Richard Gottheil.

Dönmeh é uma seita de criptojudeus, descendentes dos seguidores de Shabbethai Ẓebi, vivendo hoje principalmente em Salônica, na Turquia europeia: o nome (turco) significa “apóstatas”. Os membros chamam a si mesmos de “Ma’aminim” (Crentes), “Ḥaberim” (Associados), ou “Ba’ale Milḥamah” (Guerreiros); mas em Adrianópolis eles são conhecidos como “Sazânicos” (Pequenas Carpas) – um nome derivado tanto do mercado de peixes, perto do qual sua primeira mesquita teria sido situada, ou por causa de uma profecia de Shabbethai de que os judeus seriam libertados sob o signo zodiacal do peixe. Diz-se que os Dönmeh se originaram com Jacob Ẓebi Querido, que se acreditava ter sido uma reencarnação de Shabbethai.

A comunidade é externamente muçulmana (seguindo o exemplo de Shabbethai); mas em segredo observa certos ritos judaicos, embora de modo algum faça causa comum com os judeus, a quem chamam de “koferim” (infiéis). Os Dönmeh são evidentemente descendentes de exilados espanhóis. Suas orações, publicadas por Danon, são parcialmente em hebraico (que poucos parecem entender) e parcialmente em ladino. Eles vivem em conjuntos de casas que são contíguas ou que estão secretamente conectadas; e para cada bloco de casas há um ponto de encontro secreto ou “kal” (“ḳahal”), onde o “payyeṭan” lê as orações. Suas casas são iluminadas por lâmpadas esverdeadas para torná-las menos visíveis. As mulheres usam o “yashmak” (véu); os homens têm dois conjuntos de nomes: um religioso, que eles mantêm em segredo, e um secular para fins de relações comerciais. Eles são assíduos em visitar a mesquita e em jejuar durante o Ramadã, e de vez em quando eles até enviam um deles na “ḥajj” (peregrinação) a Meca. Mas eles não se casam com os turcos.

Eles são todos abastados e estão prontos para ajudar qualquer irmão desafortunado. Eles fumam abertamente no dia de sábado, dia em que servem os outros judeus, acendendo suas fogueiras e cozinhando sua comida. Eles trabalham para os turcos quando uma observância religiosa impede outros judeus de fazê-lo, e para os cristãos no domingo. Eles são “katibs” ou escritores experientes, e são empregados como tais nos bazares e nos cargos inferiores do governo. Eles têm o monopólio das barbearias. Os Dönmeh são divididos em três subseitas, que, segundo Bendt, são: os Ismirlis, ou seguidores diretos de Shabbethai Ẓebi de Esmirna, totalizando 2.500; os Ya’ḳubis, ou seguidores de Jacob Querido, cunhado de Shabbethai, que somam 4.000; e os Kuniosos, ou seguidores de Othman Baba, que viveram em meados do século XVIII. A seita de sobrenome é de 3.500. Cada subseita tem seu próprio cemitério. Bendt diz que o primeiro raspa o queixo; a segunda, a cabeça; mas o terceiro permite que o cabelo cresça em ambos. Danon chama os primeiros de “Tarpushlis”, aqueles que usam uma forma especial de turbante; o segundo, “Cavalieros”, que usa um peculiar sapato pontudo; o terceiro, “Honiosos” ou “Camus”, que pode ser distinguido por seus narizes chatos.

As ordenanças que governam o Dönmeh, conforme dadas por Grätz e Bendt, número dezesseis; mas como Danon os publicou em ladino, são dezoito. Estes se referem à unidade de Deus, a Shabbethai Seu Messias, à abstenção de assassinato, à reunião no dia 16 de Kislew para estudar os mistérios do Messias; eles proíbem a fornicação, o falso testemunho, a conversão forçada, o casamento misto com os maometanos e a cobiça; e ordenar a caridade, a leitura diária dos Salmos em segredo, a observância da lua nova, os costumes maometanos e a circuncisão. Danon também dá uma lista de seus doze festivais, dos quais os mais sagrados são o Nono de Ab, o aniversário de Shabbethai; e o décimo sexto de Kislew. Este último é precedido por um dia de jejum. Durante seus festivais eles fazem seus negócios como de costume. É só à noite que, com velas acesas e portas fechadas, eles se alegram. As comunidades Dönmeh são administradas por rabinos nomeados pelo ab bet din. Esses rabinos são bem versados nas Sagradas Escrituras, sabem quase de cor o Zohar e entendem o judaico-espanhol, que consideram uma língua sagrada. As crianças são deixadas na ignorância de sua verdadeira religião, e não são iniciadas nela, entre os Ismirlis e os Kuniosos, até a idade de treze anos, e entre os Ya’ḳubis no casamento. Nem os Ismirlis nem os Ya’ḳubis acreditam na morte de seus respectivos santos e estão sempre aguardando seu retorno. Todos os sábados os Ya’ḳubis enviam uma mulher e seus filhos à praia para perguntar se o navio que deve trazer Jacó foi avistado; e todas as manhãs os anciãos examinam o horizonte com um propósito semelhante. As crianças são deixadas na ignorância de sua verdadeira religião, e não são iniciadas nela, entre os Ismirlis e os Kuniosos, até a idade de treze anos, e entre os Ya’ḳubis no casamento. Nem os Ismirlis nem os Ya’ḳubis acreditam na morte de seus respectivos santos e estão sempre aguardando seu retorno. Todos os sábados os Ya’ḳubis enviam uma mulher e seus filhos à praia para perguntar se o navio que deve trazer Jacó foi avistado; e todas as manhãs os anciãos examinam o horizonte com um propósito semelhante. As crianças são deixadas na ignorância de sua verdadeira religião, e não são iniciadas nela, entre os Ismirlis e os Kuniosos, até a idade de treze anos, e entre os Ya’ḳubis no casamento. Nem os Ismirlis nem os Ya’ḳubis acreditam na morte de seus respectivos santos e estão sempre aguardando seu retorno. Todos os sábados os Ya’ḳubis enviam uma mulher e seus filhos à praia para perguntar se o navio que deve trazer Jacó foi avistado; e todas as manhãs os anciãos examinam o horizonte com um propósito semelhante. ḳubis enviam uma mulher e seus filhos à praia para perguntar se o navio que deve trazer Jacó foi avistado; e todas as manhãs os anciãos examinam o horizonte com um propósito semelhante. ḳubis enviam uma mulher e seus filhos à praia para perguntar se o navio que deve trazer Jacó foi avistado; e todas as manhãs os anciãos examinam o horizonte com um propósito semelhante.

Bibliografia:

Grätz, Ueberbleibsel der Sabbat. Sekte in Salonichi, in Monatsschrift, xxxiii. 49 et seq.;

idem, Gesch. 3d ed., x. 306;

J. T. Bendt, Die Dönmes oder Mamin in Salonichi, in Ausland, 1888, pp. 186-190, 206-209;

E. N. A[dler], in Jew. Chron. Oct. 14, 1895, p. 15;

A. Danon, in Allg. Zeit. des Jud. 1887, pp. 538 et seq.;

idem, in Rev. Etudes Juives, xxxv. 264 et seq.;

idem, Actes du Onzie’me Congrés des Orientalists, section iii., p. 57, Paris, 1899, and in Sefer ha-Shanah, 1900, i. 154 et seq. (most fully in the last);

Revue des Ecoles de l’ Alliance Israélite, No. 5, pp. 289-323, Paris, 1902.

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Fontes:

DENNIS, Rabbi Geoffrey. “Donmeh”. “Shabbatai Tzvi”. In: The Encyclopedia of Jewish Myth, Magic, and Mysticism, second edition. Woodbury, Minnesota, USA. Llewellyn Publications, 2016, pp. 200, 668.

KOHLER, Kaufmann; MALTER, Henry. “Shabbethai Ẓebi B. Mordecai.” In: Jewish Encyclopedia. Vol. XI. New York: Funk and Wagnell, 1906, pp. 218-225.

Y. Leibes, Studies in Jewish Myth and Messianism (Albany, NY: State University of New York Press, 1995), 98-101.

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/sociedades-secretas-conspiracoes/a-comunidade-donmeh-remanescentes-do-culto-de-shabbethai-zebi/

A Deusa das Neves

Para os alpinistas ambiciosos , os altos picos da cordilheira dos Andes sempre se constituíram num desafio à coragem e perícia dos escaladores e um convite à aventura. Foram estes os motivos que levaram os japoneses Joshifuma Takeda e Iukishuga Hariuchi a virem para o Ocidente em busca das emoções da conquista de montanhas invioláveis até mesmo para o condor , a ave da cordilheira que mais alto voa.

Eles conheciam os relatos por outros andinistas sobre as dificuldades. Obstáculos que exigiriam uma técnica apurada para escalar montes que atingem 6 e 7 mil metros de altitude como os que existem na cordilheira Real que avança desde a Bolívia e estende-se por todo o oeste peruano . Aí estão os grandes monarcas do Peru, desafiadores e temíveis , como os vulcões Misti , Chacani, Pichu-Pichu e Coropuna, este tão alto quanto o Aconcágua — o Teto das Américas — que alcança 7.040 metros sobre o nível do mar . todos coroados por imensos mantos de neve eterna e geleiras que descem pelos seus flancos em direção aos estreitos vales e que tornam sua escalada ainda mais exigente e emocionante.

Antes de movimentar e seus acampamentos , os japoneses fizeram um vôo de reconhecimento. Enquanto sobrevoavam as cordilheiras , levantando em mapas os caminhos mais acessíveis para a escalada , iam fotografando os abismos , penedos , cornijas e encostas. Mais tarde , escolheram um dos dificeis picos ao lado do Coropuna para conquista-lo e registrar a façanha no livro de ouro dos alpinistas, pois essa culminância andina ainda não tinha sido palmilhada por pés humanos. Os japoneses conseguiram sucesso e regressaram para suas casas. Revelaram os filmes feitos e descobriram , surpresos, que sobre um dos cumes , a mais de 6 mil metros de altitude , haviam documentado a existência de uma cidadela de muralhas inexpugnáveis. As construções pareciam suspensas na beira do abismo , igual a cidadela de Machu Pichu, no vale do Urubambo , descoberta por Hiram Birgham no começo do século.

Levadas para o jornal Asahi , do Japão , este publicou as fotos dos dois alpinistas , junto com um texto que falava de uma nova cidade perdida dos incas encontrada por acaso. O periódico citava o inexplorado cume do Pichu-Pichu como o local da descoberta segundo descrição feita pelos fotografos. A noticia espalhou-se pelo mundo , fazendo com que uma onda de excitação percorresse arqueólogos , escaladores , aventureiros e, sobretudo, despertasse a cobiça dos huaqueiros como são conhecidos no Peru os que se dedicam à pilhagem de tesouros quase sempre existentes nestes achados espetaculares.

Os cientistas mostravam-se surpresos e incrédulos: Machu Pichu foi construída, depois de um trabalho que desafia toda a técnica arquitetônica conhecida , numa altura de 2.600 metros. As muralhas fotografadas pelos japoneses, no entanto , ao se aceitar sua localização no Pico Pichu-Pichu, deveria estar a mais de 5 mil metros de altitude . Simone Waisnbard, autora do livro Tiahuanaco, 10.000 anos de Enigmas Incas, que relata em sua obra como se processou esta descoberta , encontrava-se em Lima quando as fotos foram divulgadas . Como aconteceu com os cientistas do Peru, Waibard correu para verificar a documentação que havia chegado a uma instituição arqueológica peruana , mandada pelos dois alpinistas . Nuvens que cobriam o monte dificultavam a vegetação . Ao serem examinadas mais cuidadosamente , foi possível distinguir com clareza uma pirâmide megalítica comdegraus escalonados e voltados para os declives vertiginosos da cratera do vulcão em repouso.

Para constatar o achado , organizou-se uma expedição para tomar de assalto o Pichu-Pichu , apesar dos esforços sobre-humanos que essa tarefa exigia . Nada foi encontrado, porém , Simone Waisbard conta que o diretor do museu da cidade de Arequipa , próxima ao local indicado da descoberta , voou com o fotografo Carlos Zarate Sandoval , num velho Stinson Fawcett , por sobre a cratera e os flancos do vulcão adormecido , num dia de muito sol e pouca névoa em torno dos altos picos , retornando desconsolados : também nada tinham visto.

Soube-se depois que os japoneses enganaram-se de cume ; não era no Pichu-Pichu mas sim no Coropuna , local onde as tradições incaicas situam um magnifico templo do Sol que as fotos tinham sido feitas . Esta nova localização , contudo , também seria desmentida a seguir pelo acaso .

Em 1963 — Simone Waisbard quem relata o caso em seu livro — alguns andinistas subiram ao Coronado Grande , nas redondezas daqueles outros montes , para colocarem a efígie de San Martin de porras , santo peruano , no ponto mais alto da montanha . Durante a subida , os peregrinos começaram a avistar sinalizações estranhas , gravadas nas rochas que emergiam das duras capas de gelo. Cinco dos andinistas , ao cabo de algumas horas , deixaram num ponto abrigado das montanhas os companheiros de peregrinação que demonstravam não ter mais forças para completar a escalada e incumbiram-se de prosseguir a piedosa missão de conduzir a efígie do santo ao seu destino.

Enfrentando dificuldades sem conta e mal podendo respirar devio a extrema rarefação do ar nessa grande altitude , ao procurar o melhor caminho para conquistar o cume , eles observaram que haviam outras figuras geométricas , igualmente gravadas m pontas de rochas que se salientavam de uma compacta lamina de gelo e que pareciam ser indicações para se seguir adiante, pois este era , realmente, o melhor caminho. Intrigados , constataram que a vereda mais segura em direção ao alto era a que os sinais pareciam indicar.

Estes desenhos repetiram-se em outras pontas de rochas , na medida em que subiam , nas cotas de 4.790 metros e de vinte em vinte metros. Ao atingir os 5.350 metros , eles não puderam prosseguir pelo caminho assinalado e bem mais suave para a escalada: houve um desmoronamento que bloqueou a senda, evidentemente provocado pelos frequentes terremotos que abalam a região e sacodem estes gigantes da cordilheira.

Dando uma grande volta para transpor o obstáculo, os escaladores retomaram o mesmo caminho , um pouco acima . Repentinamente , encontraram-se defronte a uma escada de lajes trabalhadas na rocha viva, com largura de 2 metros . Compreenderam que estavam no limiar de uma grande descoberta, ou então , que uma surpresa os aguardava mais acima. Movidos por um súbito entusiasmo, prosseguiram e deram com uma pascana , denominação indígena dada a um lugar para repouso e abrigo nas montanhas . Havia , no mesmo lugar, uma pirka ou circulo de pedras empilhadas , erguidas pelos índios em louvor aos espíritos das montanhas . Carlos Zarate , o fotografo que voou com o diretor do museu de Arequipa e que participava desta outra expedição , teve a intuição de enfiar uma sonda no centro da pirka para ver qual a sua profundidade, pois suspeitava que ela emergia de uma cova muito profunda e subia acima da superfície . Poderia ser um túmulo. A sonda penetrou como ele esperava, mostrando não ter atingido o fundo . Os andinistas começaram a escavar o lugar , iniciando pela demolição da pirka e removendo suas pedras da superfície. Em pouco tempo encontraram um túmulo inca , repleto de cerâmicas , objetos de cobre e ouro , tecidos , fragmentos de conchas e madeira trabalhada com entalhes de baixo relevo.

Os jornais , mais tarde, encarregaram-se de divulgar os outros achados feitos pelos escaladores. Estes não tinham ainda se refeito da surpresa causada pela descoberta do túnel pré-colombiano naquelas alturas — o que fez com que se esquecessem das canseiras — quando , olhando para o alto , viram um mirante de sentinelas . Indo até ele , verificaram que o posto permitia controlar todas as passagens ou veredas que levavam ao lugar. Presumiram que se encontravam no umbral de uma nova descoberta ainda mais importante.

Um posto de sentinelas só podia significar que deveria existir uma cidade ou uma construção importante. Subindo , a expedição deu com um passadiço largo , com 7 metros de comprimento e cruzado por grandes portadas de pedra trabalhada . Estupefatos , olharam em redor e sentiram desolação. A cidadela em que penetravam estava recoberta de cinzas vulcânicas. Era uma pequena Pompéia dos Andes e eles compreenderam que sob suas botas seguramente estariam enterrados homens , mulheres e crianças que deviam estar naquelas alturas quando foram surpreendidos pelo súbito despertar do vulcão. Lembram-se que a região, ao longo dos anos , sempre foi sacudida por violentas erupções.

Os andinistas resolveram erguer acampamento no lugar para continuar fazendo escavações. Trabalhando com suas picaretas de escaladores , abriram grossas chapas de gelo e romperam as crostas de lava para para encontrar uma entrada. Foi assim que deram com o mausoléu da cidadela . Em seu interior, os compartimentos construídos com pedras alinhadas, segundo a tradicional engenharia incaica e que formavam as habitações para guardar múmias, tinham resistido à catástrofe. Eles avistaram em seu interior não só as múmias como uma infinidade de objetos preciosos que estavam com elas e que os focos de suas lanternas iam revelando. Durante um período relativamente longo eles se dedicaram a inventariar o achado.

A bagagem funerária das múmias era das mais variadas e em grande quantidade. Encontraram oferendas feitas aos mortos para satisfazer sua alma na vida além-túmulo, como folhas de coca e preparados de lipta — uma mistura de cal virgem e cinzas da raiz da quinoa que permitem separar a cocaína das folhas — vasos com alimentos secos e outros destinados a conter fumo e bebidas. A descoberta mais surpreendente ainda estava para ser feita.

Examinando as múmias , seguiram pelos vários compartimentos da necrópole até sair num local onde encontraram quarenta crânios humanos que se alinhavam em circulo ao redor de um ídolo de ouro puro da Deusa das Neves, para a qual tinham sido exigidos sacrifícios humanos , como vieram a saber mais tarde.

Os arqueólogos do museu de Arequipa estimam que a Deusa das Neves tenha mais de 3 mil anos de existência. Segundo eles, seu culto parece ter se originado nos rituais dos antigos povos kollas e puquinas, os quais antecederam aos incas no altiplano.

O encontro feito pelos expedicionários do Coronado Grande , porém, reavivou o interesse sobre a tradição da deusa e novas pesquisas começaram a ser feitas, principalmente devido ao fato de ter sido encontrada uma de suas mais antigas imagens, Essas pesquisas concentraram-se na coleta de informações através da tradição oral transmitida de geração em geração entre os yatiris ou chefes feiticeiros de clãs dos índios. Soube-se que naquele tempos remotos, todos os anos , em datas fixadas pelos sábios amautas que detinham vastos conhecimentos e sabiam ler os astros , organizavam-se sacrifícios humanos.

Nessas ocasiões , o povo ataviava-se com suas melhores vestes e jías e integrava uma longa procissão que partia do sopé daquela montanha dirigindo-se lentamente ao seu cume, a mais de 5 mil metros de altura. Como é de se supor , eles faziam a subida mascando a coca para aliviar a fadiga da ascensão e criar um clima de euforia que os hinos religiosos entoados pela multidão tornavam ainda mais estimulantes . Eles carregavam as suas oferendas para serem entregues ao vulcão e a Deusa das Neves , rogando aos grandes espíritos da montanha e a divindade branca para aceitarem os presentes e retribuir com os favores de melhores colheitas , proteção contra ataques de invasores e, sobretudo , dando-lhe felicidade.

Vasos de cerâmica foram examinados e neles os pesquisadores encontraram pinturas revelando detalhes dessa procissão. Nessa fila dos crentes, logo após os sacerdotes e outros altos dignitários que iam na frente , seguia a liteira carregada nos ombros pelo povo e que conduzia adolescentes que seriam sacrificados à deusa. Outro exame no local da descoberta do altar do espirito das neves e ainda por desenhos em cerâmica , encontrados em vasos religiosos, verificou-se que os adolescentes que eram sacrificados com freqüência eram colocados numa espécie de arca cavada numa pedra ou, então, encontrados numa das paredes do rochedo. Esses jovens, ao que tuo indicava , eram previamente drogados com infusões de folhas de coca e de outras ervas alucinógenas que os índios conhecem tão bem desde a mais remota antigüidade , com o propósito evidente de nada sofrerem durante o ato do sacrifício . Aos és dos que seriam sacrificados , os seguidores do culto da deusa colocavam suas mais preciosas oferendas , bem como os alimentos e as bebidas necessárias para a derradeira viagem que seria empreendida pelos jovens escolhidos para agradar a divindade.

Ao redor deles eram colocados , também , os incensórios e as pequenas vasilhas com defumadores. A vitima, dopada e adormecida, encostada num penedo ou sentada na urna megalítica , após as cerimonias religiosas das oferendas , das preces e dos rituais propiciatórios, era aí deixada sob o frio da altitude, para que a deusa a congelasse e recolhesse seu espirito para servi-la em seus domínios , como os adolescentes e as virgens eram empregados nos templos dos homens.

Em outros vulcões onde ocorreram atos de sacrifício semelhantes , encontraram-se cadáveres congelados e conservados sob duras placas de gelo. Eles foram desenterrados de suas sepulturas congeladas e levados para museus , para exames. Não demonstravam na face quaisquer rictos ou sinais de sofrimento causados pela morte pelo frio. Ao contrário; esses rostos mantém ainda com perfeição uma fisionomia serena , às vezes parecendo sorrir. Evidentemente por efeito das drogas ingeridas que os dopavam e tornavam insensíveis a qualquer dor.

De qualquer maneira, isso não descarta a possibilidade de algumas outras vitimas humanas sacrificadas à Deusa das Neves não terem sido mortas por congelamento e depois atiradas para dentro do vulcão ou até — quem sabe? — ainda vivas mas adormecidas, terem sido lançadas para a eternidade no fundo das crateras.

O culto da Deusa das Neves e os sacrifícios extremos que exigia difundiram-se entre todos os povos do altiplano andino. Na maioria dessas cerimonias , contudo , são poucos os casos de morte violenta ou de que as pequenas vitimas tenham acordado subitamente, despertadas pelo instinto de conservação e tentado escapar do terrível sacrifício, debatendo-se ou morrendo com a face crispada pelo terror . Algumas múmias das regiões de Cuzco e de Arequipa, contudo, foram achadas com sinais de violência no alto de cumes nevados.

Entre estas, relaciona-se a que foi encontrada pela missão arqueológica do alemão Dietrich Disselhof ao Pichu-Pichu. Este monte fica próximo do Coronado Grande, portanto , perto do local onde foi encontrado o primitivo ídolo da Deusa das Neves. Além de um cadáver , o arqueólogo encontrou um crânio e duas vértebras cervicais pertencentes a uma jovem de quinze anos presumíveis . Havia uma ampla perfuração no lado direito do osso parietal e, também , vestígios de glóbulos vermelhos intactos , evidencias bastante seguras de que houve um sacrifício por morte súbita e violenta.

Quando as antigas culturas do altiplano foram subjugadas pelo Império inca, no inicio deste nosso milênio, seus novos senhores impuseram sua civilização e o tipo de sociedade comunitária que utilizavam em todos os seus domínios , bem como a religião incaica que venerava o Deus Sol. Eles não conseguiram , porém, fazer com que o culto da Deusa das Neves e de outros espíritos que se encarnam nos montes, lagos , rios , arvores ou pedras e que eram seguidos por aqueles povos cessasse.

O culto, por sinal, não só sobreviveu ao Império Inca quando ele foi desmantelado por Francisco Pizarro como teria influenciado aos próprios povos incaicos , os quais viviam nos sopés de vulcões que também esculpiram ídolos da divindade, oferecendo-lhes as mesmas honrarias dos sacrificios exigidos pelos amautas. A verdade é que a tradição ainda vive entre os índios aimarás e quíchuas de hoje, embora não se tenha noticia de nenhuma oferenda humana.

O sacrifício de animais caseiros como o lhama , alpaca , vicunha ou cordeiro tomaram o lugar do homem nas aras erguidas nas altitudes nevadas. Igualmente hoje segue-se a tradição das cerimonias religiosas em honra da deusa , como a procissão que sobe aos elevados vulcões entoando cânticos sagrados acompanhados por músicos que sopram as zamponhas ou a flauta quena , dedilham as cordas de suas arpas indígenas e tocam seus tambores.

No século 20 , não há índio boliviano ou peruano que não tema e não renda homenagem ritualisticas a Pachama-ma , a deusa das alturas , que parece ser uma derivação , nos tempos atuais da Deusa das Neves.

Extraído de um texto de Durval Ferreira – 1976

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-deusa-das-neves/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/realismo-fantastico/a-deusa-das-neves/

Aprendendo a contar até 21

“Se a vida te dá limões,
cheque a estratégia básica.”                                                                                                                – LöN Plo

Como Jack Torrance deixou claro certa vez, um pouco antes de sair perseguindo sua mulher e filho com um machado pelos corredores desertos do Hotel Overlook: “Muito trabalho sem diversão faz de qualquer um, um bobão!” Assim vamos deixar os estudos e a teoria chata de lado e nos divertir um pouco.

País: Espanha.
Cidade: Alcalá de Henares – talvez.
Data: entre 29 de setembro de 1547 e 23 de Abril de 1616.

Quem?

Miguel de Cervantes Saavedra. O poeta, dramaturgo, novelista e maior gênio vivo do mundo – pelo menos de acordo com ele próprio. Cervantes como todos sabem teve uma vida muito agitada, entre uma prisão e outra geralmente estava fugindo de alguém ou sendo refém por alguém. Se você acha uma merda perder as chaves do carro, imagine o que ele achou quando, em 1571, perdeu a mão esquerda. Não que ele não a tenha visto mais, ela continuava ali, grudada no braço, só não funcionava mais. Em 1605 escreveu a primeira parte de Don Quixote, dez anos depois publicou a segunda parte da história e em 22 de abril de 1616 morreu. No dia seguinte o enterraram e acabaram marcando a data da morte como sendo o dia do enterro, um costume da época na Espanha.

Don Quixote foi uma obra fantástica, em todos os sentidos, tão grande que hoje se você pergunta para alguém “o que foi mesmo que Miguel de Cervantes escreveu?”, vão te responder: “Don Quixote” – os mais metidinhos dirão algo como Don Quixote de La Mancha ou outras variações do gênero. Isso ocorre porque Miguel de Cervantes sofria do que ficou conhecido – ou está sendo conhecido a partir de agora – como Síndrome de Camões. A Síndrome de Camões faz com que a pessoa seja escritora, perca uma parte do corpo em batalha, seja originário da Península Ibérica, tenha vivido muito tempo atrás, tenha sido constantemente preso, tenha se alistado, tenha ido para o oriente e se torne porta voz de sua língua.

Cervantes passou por tudo isso, com um bônus! Aqueles que sofrem da Síndrome de Camões também, não importam o quanto tenham escrito, ficam conhecidos por uma única obra, muitas vezes acredita-se que ele só tenha escrito essa obra. Assim como Camões não escreveu apenas os Lusiadas, Cervantes não escreveu apenas Quixote, muito pelo contrário, nas palavras do próprio:

“Minha genialidade e minha inclinação, me levam a este tipo de escrita, tanto mais que eu considero (verdadeiramente) que sou o primeiro a ter escrito novelas na língua espanhola, mesmo que até o momento muitas delas tenham surgido entre nós, todas são traduções de escritores estrangeiros. Mas estas são de minha autoria, não foram imitadas nem roubadas de ninguém; minha genialidade as engendrou, minha pena as trouxe à vida e elas estão crescendo, nos braços da prensa.”

Sendo de fato o primeiro novelista espanhol ou não, ele engendrou mesmo muitas obras. Além de Quixote ele escreveu dentre outras, Novelas Ejemplares, em 1613. Novelas ejemplares consiste de uma série de 12 contos curtos, apesar de tecnicamente poderem ser considerados contos curtos longos. Um deles nos interessa em particular: Rinconete y Cortadillo.[1]

Não há como dizer se esta história nasceu do amor que Cervantes tinha pelo jogo, ou se pelo amor que seu pai tinha pelo jogo, mas ela narra as aventuras de dois jovens trapaceiros que, vivendo em uma época de miséria em Sevilha, abandonam seus lares em busca de liberdade e aventuras sempre guiados por seu amor ao dinheiro, sendo especialistas no jogo de ventiuna. No conto, Cervantes descreve que o objetivo deste jogo é conseguir atingir 21 pontos somando-se valores atribuidos às cartas de baraja, ele também fala que o Ás vale 1 ou 11. Além de uma leitura muito agradável esse conto nos mostra que o jogo de 21 já era conhecido e praticado quase exatamente como o fazemos hoje em dia desde o século XVII; a diferença era que a baraja espanhola da época consistia do Ás, das cartas 2,3,4,5,6,7,10,11 e 12, pulando o oito e o nove e tinha o 10 como o valete. Além disso elas pareciam mais um jogo de tarô extra-awesome do que um desses maços de baralho que temos hoje.

Apesar do 21 não possuir uma origem definida, os cassinos franceses também estavam familiariazados com jogos de cartas como o “Chemin de Fer” e o “French Ferme”, e lá pelo século XVII também se tornou popular o “Vingt-et-Un”. Assim o jogo viajou pela Europa até que no século XIX chegou aos Estados Unidos, onde ficou conhecido como Twenty-One, ou Vinte Um. Para atrair mais apostadores para um jogo que não possuia o glamour do Poker muitos cassinos criaram jogadas de bônus, como por exemplo se um jogador conseguisse um Ás de espadas e um valete negro, fosse qual fosse o naipe, e ganhasse da banca, ele teria sua aposta multiplicada por dez. Essa mão em especial ficou conhecida como Black Jack (Valete Negro) e acabou re-batizando o jogo. Hoje nos Estados Unidos qualquer mão que totalize 21 composta de um Ás e qualquer carta de valor 10 é chamada de Black Jack.

Uau. Começamos com Jack Torrance e terminamos com Black Jack. Da Espanha para o Velho-Oeste, passando por alguns cabarés franceses de má reputação em alguns instantes, e nossa diversão está apenas começando.

O 21 é um jogo simples, fácil de se jogar e altamente viciante, talvez por ser bem simples e fácil de se jogar. As regras não mudaram muito desde a época de Rinconete e Cortadillo. Tecnicamente não importa quantas pessoas estejam participando do jogo, uma partida de 21 é sempre um duelo. Se houver uma pessoa na mesa ou sete, a partida será sempre entre cada indivíduo e a casa, representada pelo croupie – a pessoa que está distribuindo as cartas. Esse é um ponto importante do jogo, se lembre dele.

No jogo, que é realizado de maneira profissional com seis ou oito maços de baralho[2], cada carta tem o valor que traz estampado, a carta 2 vale dois, a carta 5 vale cinco, etc. O 10 e as cartas da corte, ou macacos como são curiosamente chamados por alguns asiáticos, valem 10 e o Ás pode valer 1 ou 11. Esse é outro ponto importante, tente se lembrar dele.

Cada jogador recebe do croupie 2 (duas) cartas, em alguns jogos as cartas são viradas para cima em outros para baixo, depende do cassino, do país, do grau de embriaguêz do croupie. O croupie então distribui duas cartas para si mesmo, uma virada para cima, outra para baixo. Esse é o ponto importante número três.

As apostas são feitas antes de você receber as cartas, e você joga antes do croupiê. Esse é o penúltimo fato importante do momento.

Em todo cassino profissional, o croupie é um robô sem vontade nenhuma. NENHUMA. Esse é o fato importante final. Agora pare para recapitular todos eles. É isso ai, chegou o momento em que você vai aprender a se tornar um campeão do 21, uma guerreira das cartas. Vai descobrir como impressionar as pessoas e ficar com tanta grana que a palavra “dinheiro” vai te enjoar. Vai aprender maneiras de ser expulso de um cassino e nunca mais poder voltar de tanto que vai ganhar. Mas antes alguns fatos:

1- Estamos no Brasil, onde esse tipo de jogo não é legalizado.

2- Esse jogo se trata de um jogo de probabilidade com memória, as cartas se lembram do que fizeram.

3- Ninguém abre um Cassino ou uma instituição semelhante por ser caridoso. Nem para ser justo com seus companheiros humanos. Quando alguém abre um Cassino ele sabe que as pessoas vão pagar dinheiro para ganhar dinheiro, ou seja, estão vendendo dinheiro e querem um lucro. Colocando isso de forma clara, quando você vai para um Cassino está indo pagar R$ 6,50 reais em uma nota de R$ 5,00 reais. E nunca pense o contrário.

4- Existe uma maneira de se contornar o sistema de forma que você peguer uma nota de R$ 5,00 reais, pague por ela R 6,50 reais e consigua um troco de R$ 23.000,00 reais; e não estou falando de roubo, trapaças ou qualquer coisa divertida do gênero. É como colocar uma cereja dentro do forno, ligar ele e tirar uma torta de cerejas quentinha de lá.

Fechem os zípere, coloquem de volta os soutiens e preparam-se para pular para dentro do abismo.

NOTA PRÉ-PULO
{Num outro dia nos aventuraremos por lugares como “Definindo uma Aposta Justa” ou “Retorno à Média” ou mesmo “Probabilidade Avançada do Caos”, mas por hora é apenas o recreio, então os termos técnicos serão quase que suprimidos e eu falarei com você como se você fosse uma criatura que sofre de algum retardo.}


Em primeiro lugar as regras básicas. Uma rodada de 21 começa com cada jogador fazendo uma aposta. O croupie então dará para cada jogador, iniciando com o primeiro à esquerda dele mesmo, e para si mesmo 2 cartas. Na grande maioria dos jogos as cartas dos jogadores ficam com os números para cima e as dos croupie sempre ficam uma à mostra e outra virada para baixo, para facilitar as coisas vamos chamar a carta que podemos ver o número como carta “Aberta” e a virada para baixo de a carta “No Buraco”. Cada jogador então pode pedir uma nova carta, pode desistir ou pode parar, de acordo com a soma dos valores mostrados. Bem simples não? Se os pontos do croupie forem mais altos do que o dos outros jogadores da mesa ele ganha.

Sempre que você ganhar dele você recebe como prêmio a mesma quantia que apostou, ou seja se você aposta R$ 10,00 e ganha, pega de volta os seus R$ 10,00 e ganha do homem mais R$10,00. Se você ganha com um 21, você tem um bônus, o prêmio geralmente é de 3 para 2, ou seja, se apostou R$10,00 e de cara tira um Ás e um Valete, por exemplo, pega seus R$10,00 de volta e recebe mais R$15,00 reais – isso se o courpie também não tiver outro Ás e uma carta 10. Alguns lugares pagam 6 para 5, sempre que virem isso saia, não vale a pena jogar nessa mesa.

Agora, como eu entendo que você tem algum tipo de retardo mental, vou te confidenciar algo que a maioria das pessoas não entende: “muita gente acha que o objetivo do jogo é chegar o mais perto de 21 sem estourar – passar de 21. BESTEIRA!!! O objetivo do jogo é simplesmente vencer do croupie, sem que para isso você ultrapasse os 21 pontos. Se você somar 18 e ele 17, você ganha. Se você somar 12 e ele estourar em 22 pontos ou mais você ganha. Lembre-se o nome do jogo engana, você pode passar uma noite vencendo não somando mais do que 12 pontos em cada mão.”

CENÁRIO MENTAL

Você está com a bunda em um banquinho incômodo. Na sua frente uma moça de uniforme distribuindo cartas. Você faz sua aposta e recebe duas cartas, um 5 e um 3. Vocêentão pede outra carta, um 6. Sua soma é de 14 pontos. Ai você pára para pensar se pede mais uma carta ou não, afinal qualquer carta com valor maior do que 7 significa que você perdeu.

FIM DO CENÁRIO MENTAL

Vamos voltar ao momento logo após ter feito sua aposta e ter recebido suas cartas. Você olha para sua mão e tem então as seguintes opções para jogar:

Parar – Se estiver satisfeito com a sua mão você pára.

Hit – Se você deseja uma nova carta, você pede, e continua pedindo até ficar satisfeito e Parar.

Dobrar – Caso você ache que com mais uma carta vai conseguir chegar a 21 ou muito próximo e resolva tirar proveito da situação, você pode dobrar sua aposta. Assim que dobrar você recebe mais uma carta e apenas uma. Isso significa que obrigatoriamente vai receber a carta. Se estiver com uma mão ótima e não quiser mais cartas não pode fazer isso. Sim a vida do jogador é injusta.

Separar – Se as suas duas primeiras cartas tiverem o mesmo valor, sejam dois 3, dois 7 ou duas cartas que valham 10, você pode separá-las e é como se estivesse jogando com duas mãos. Quando faz isso você tem que fazer uma aposta do mesmo valor que fez para começar a jogar para essa segunda mão, então se antes de jogar apostou R$50,00 e receber dois 8, pode dobrar acrescentando mais R$50,00 na banca de apostas. Você recebe duas novas cartas, uma para cada 8 que tinha e cada nova mão é compsota do 8 e de uma das duas novas cartas. Se as novas cartas formarem um novo par, por exemplo mais um ou dois 8′s, você pode dividir novamente, jogando 3 ou 4 mãos paralelas. Alguns Cassinos permitem que depois de uma separação você Dobre a aposta, outros não.

Arregar – Alguns cassinos permitem que você se acovarde e decida mostrar ao mundo como é cagão ou cagona. Nesses cassos quando desiste você acaba deixando metade da aposta que fez na mesa.

Além disso os cassinos inventaram duas coisas muito bacanas. Bacanas para eles, se chamam respectivamente Seguro (ensurance) e Dinheiro Igual (Even Money). Elas são tão legais que a única coisa que direi a respeito de tais táticas é: NUNCA CAIA NELAS. Nem perderei tempo explicando para que se algum dia você entre em um cassino e pare para pensar se eram coisas boas ou ruim. Evite, não use, ignore. Só estão lá para levar seu dinheiro, por mais que não pareça.

No final, quando você estiver satifeito e parar, se não estourar, o croupie soma os pontos dele e pára ou continua pegando novas cartas até que passe de 16 pontos ou estoure.

Agora você já conhece o básico.

Enquanto digere isso vamos falar um pouco de história.

Em 1956 quatro técnicos do exército americano, Roger Baldwin, Wilbert Cantey, Herbert Maisel e James McDermott publicaram um artigo no Journal of tha American Statistical Association. O artigo foi entitulado The optimum strategy in Blackjack[3] – A melhor estratégia em Blackjack – e se iniciava da seguinte forma:

“Este artigo discute o jogo de cartas Blackjack como ele é jogado nos cassinos de Las Vegas. As regras básicas do jogo são descritas em detalhes. Os problemas estratégicos são analizados com o objetivo de se encontrar uma estratégia que maximize suas expectativas matemáticas.”

Isso pode ser traduzido como: vamos ensinar você a não ter que pensar para jogar bem este jogo!

Com o tempo esta “melhor estratégia” ficou conhecida como Estratégia Básica – E.B.. Algo que você vai descobrir é que matemáticos tem uma atração doentia quase perversa para jogos de azar, e vário costumam devotar muito tempo de estudo se maravilhando com conjuntos de dados, gráficos estatísticos de resultados, fórmulas para calcular probabilidades e muito mais. Este talvez não tenha sido exatamente o caso dos quatro matemáticos acima, já que sua “curiosidade matemática” fez com que no ano seguinte, em 1957, publicassem o livro Playing Blackjack to Win – Jogando Blackjack para Vencer. Este livro até hoje é um clássico entre apostadores e estudiosos, mesmo que seus métodos tenham se tornado um pouco defasados e hoje existam técnicas mais precisas. Um de seus pontos altos é o capítulo sobre “partial casing” – cobertura parcial – que eu considero como sendo a primeira publicação de um sistema de contagem de cartas válido, mais para frente veremos um certo Sr. Thorp, que acabou ficando famoso como o inventor da contagem de cartas no 21, mas o quarteto que ficou conhecido como os Quatro Cavaleiros, fez um trabalho muito bom.

Este primeiro artigo e livro desenvolveram uma idéia muito interessante, eles traziam métodos não apenas para se apostar, mas para se jogar de maneira consciente, não apenas apostando na sorte. Claro que sempre houve maneiras de se trapacear, como o Pastposting[4], mas este material mostrava como se criar uma estratégia que se seguida poderia render algum lucro para o jogador, ou ao menos remediar um grande mal criado pelos cassinos.

Como dissemos acima, ninguém abre um cassino por caridade, e para aqueles que desejam simplesmente jogar dinheiro fora a opção de prostitutas viciadas em crack sempre parece mais divertida, assim ao entrar em um cassino saiba que cada nota de dinheiro que você tem, automaticamente perde parte do valor.

“Como assim?” você, minha doce criança com algum tipo de retardo, me pergunta com a saliva escorrendo pelo queixo?

O jogo de 21 foi projetado, por exemplo, para que a casa tenha uma vantagem imediata de que varia entre aproximadamente 2% e 5% sobre cada aposta feita. Isso significa que ao se sentar em uma mesa de Blackjack, cada nota de 1 dólar que você colocar na mesa vale, instantaneamente 98 ou 95 centavos de dólar. Parece mágica não? Por isso vou falar isso de um jeito diferente e me movendo bem devagar.

Um cassino normal costuma ter uma margem de lucro sobre qualquer quantia apostada de mais ou menos 5%. Esse lucro é uma média, cada jogo tem uma margem diferente de lucro mas todos tem algo em comum, essa margem de lucro é para o cassino, nunca para você. Claro que isso não significa que se você apostar 1 dólar vai receber 95 centavos de volta, e ai está a magia da matemática: se você aposta 1 dolar ou você perde 1 dólar inteiro, ou ganha mais dólares inteiros. Como acontece então esse ganho do cassino?

Imagine a seguinte cena:

Meu nome é Bond, Jeimesh Bond!

Sir Mr. Bond entra no Cassino de Monte Carlo com 100.000 euros em notas de 100. Ele as troca por fichas e joga a noite toda. Ele joga com calma, calculando cada movimento, flertando com as mulheres, bebendo martinis e na manhã seguinte sai quebrado de lá, sem um puto no bolso.

Se você estava no Cassino, não importa quanto o Sir Mr. Bond tenha ganho ou perdido durante a noite, você sai com a ilusão de que ele perdeu 100% do dinheiro. Que merda de papo é esse de lucro só de 5% pro cassino?

Essa ilusão de ganhar ou perder 100% do dinheiro apostado acontece porque a margem de lucro da casa tem a ver com a quantidade de dinheiro APOSTADA, não a quantidade de dinheiro que VOCÊ LEVOU PARA O CASSINO. Imagine agora que depois de assistir a Mr. Bond jogar você toma o lugar dele. Você tem 100 euros no bolso e resolve apostar 5 euros por partida de roleta. Um giro de roleta costuma levar mais ou menos 2 minutos, o que significa que em uma hora você apostou aproximadamente 150 euros, isso mesmo que você tenha levado apenas 100 euros com você, sabe por que? Porque eventualmente você ganha algumas partidas – ganhando ou recuperando algum dinheiro – e você torna a apostar esse dinheiro – que poderia ser originalmente seu ou não – na mesa. Suas apostas então são compostas dos 100 que você levou mais o dinheiro que você eventualmente ganha. Assim depois de 13 horas jogando direto – se você não quebrar antes -, você apostou 1950 euros (150 euros por hora x 13 horas de jogo), isso não significa que você ganhou esse dinheiro, e sim que suas apostas somam esse valor. Agora pegue a calculadora e calcule 5% de 1950. O resultado será 97.50. Que são quase os seus 100 euros iniciais. Ainda não entendeu? Vou tentar ser mais simples.

Ao invés de chegar e jogar todos os seus 100 euros no 17 e esperar a roda da fortuna parar, você vai apostando 5 euros ou na cor preta ou na vermelha – sim roletas tem essa opção. A chance da bolinha cair na cor preta é exatamente a de cair na cor vermelha, que é quase 50%, se você não esquecer que existe a opção de cair no 0, que é verde. Assim, mesmo que ignoremos o 0, as chances seriam de 50% de você ganhar e 50% de você perder. Durante uma noite de apostas, apostando-se de forma consciente, o seu dinheiro segue a probabilidade do jogo (de você ganhar 50% das vezes), se jogar por muito tempo seus ganhos e perdas vão tender a se enquadrar na probabilidade que é de você ganhar metade das vezes e perder metade das vezes. Claro que se você jogar uma moeda para o alto 4 vezes, não significa que vão cair duas caras e duas coroas, mas se você jogar uma moeda para o ar 4.000.000 de vezes vai ver que com o tempo, mesmo que consiga 38 coroas seguidas, a tendência é que a probabilidade de 50/50 fale mais alto e o resultado chegue muito próximo de 2.000.000 de caras e 2.000.000 de coroas. No cassino, isso significa que se você jogar muito no jogo que possa simplesmente escolher entre preto e vermelho, no fim de muitas partidas vai ter o dinheiro relativo ao prêmio de 50% de vitórias MENOS a taxa de 5% do cassino.

Ou seja, essa vantagem do cassino não vem de jogares individuais, mas de todo o dinheiro sendo apostado naquele momento. ou seja, esses 1950 euros apostados não querem dizer que você esteja com 1950 na carteira, você pode apostar esse valor e sair com 110 euros na carteira, assim, mesmo apostando quase 2000 euros, o seu lucro líquido foi o de 10 euros. Se da mesma forma apostar e sair da mesa com 90 euros, quer dizer que lidou, naquela noite, com quase 2000 euros e perdeu 10 para o cassino.

Assim, voltamos ao 21.

Antes de prosseguir vamos determinar uma pequena regra de comunicação: existem várias combinações de cartas que somam 21 pontos. Mas existe apenas uma que dá uma vantagem: uma carta valor 10 + Ás. Essa combinação de 21 com apenas 2 cartas recebe muitos nomes: “Blackjack”, “Natural”, “Vinte Um do Cacete”, etc. Para não haver confusões mais adiante, sempre que falarmos de um 21 desse tipo, o chamarei de “Natural“.

Se você tiver muito dinheiro e muito tempo, pode fazer um teste. Faça uma aposta constante na mesa, digamos U$10,00 dólares, e jogue umas 100.000 partidas. No final dos anos que gastar jogando, vai ver que somando o dinheiro que ganhou e subtraindo o que perdeu vai acabar se aproximando de uma perda de 2%. Se tiver U$1.000.000,00 de dólares para realizar a experiência, vai notar que após 100.000 jogadas estará com aproximadamente U$980.000,00 na conta, ou seja, depois de meses e anos jogando você acaba perdendo aproximadamente a margem de lucro do cassino.

O material desenvolvido por Baldwin & Cia mostravam como reduzir essa margem de ganho do cassino. Um jogador imbecil, que senta na mesa e sai apostando esperando a sorte lhe sorrir, em uma partida de 21, estará enfrentando uma margem que varia entre 6% e 5% a favor da casa. Um jogador que jogue a sério mas de maneira cega, usando apenas o bom senso, estará enfrentando uma margem de lucro a favor da casa de aproximadamente 2%. Agora caso você aplique a E.B. de forma correta consegue diminuir a margem de lucro da casa de 2% para 0,5%. E isso já é uma grande vantagem para o apostador, mas uma vantagem para minimizar suas perdas, ou de brecar a desvalorização instantânea do seu dinheiro.

Voltemos à história.

Alguns anos depois da publicação do livro de Baldiwn o professor Edward Oakley Thorp – lembra-se do nome? – resolveu dar uma olhada na estratégia básica descrita ali. Se utilizando de um IBM 704 e do critério de Kelly[4] ele investiu um tempo em aprender a programar em Fortran e passou a desenvolver equações que formassem um modelo teórico básico de pesquisa para probabilidades de se vencer no jogo de 21. Sua pesquisa foi cuidadosa e extensa e com o tempo ele chegou a uma conclusão lógica: se você apenas reduz sua margem de perda não quer dizer que ganhe algo, além de uma estratégia boa você precisa de uma vantagem que a casa não tenha. Ele começou a desenvolver então métodos de contagem de cartas que afetariam as chances do jogador lhe dando essa vantagem.

Lembra-se quando disse que os 4 Cavaleiros eram responsáveis por um primeiro sistema de contagem de cartas? Isso é porque como disse lá para trás, o 21 é um jogo com memória. Quando você joga uma moeda a chance de cair cara é de 50%, ou seja probabilisticamente falando, a cada duas jogadas a chance é de se ter uma cara e uma coroa. Mas vimos que na prática isso não funciona assim, isso é por causa da aleatoriedade. Mas a aleatoriedade influencia a probabilidade de um evento? Não. Se por algum motivo maluco, depois de passar a tarde jogando uma moeda você conseguir tirar 72 caras consecutivas, sabe qual a chance da sua septuagésima terceira jogada ser outra cara? Exatos 50% Isso porque a moeda não sabe que já caiu 72 vezes com a cara pra cima, ela não escolheu sair com a cara virada para cima. Assim a próxima jogada pode ser tanto cara quanto coroa. A moeda não tem memória. Mas no jogo de 21 isso muda. Muda porque o croupie pega todas as cartas, embaralha, as coloca no sapato [5] e começa a tirar carta por carta, sem parar para embaralhar tudo de novo quando acaba a partida. Assim se na primeira distribuição de cartas sai um Valete, um 7, um 5, um 8, um 9, um 4, um 2, um 8, um 3, essas cartas não voltam para o baralho. Elas não tem como voltar para a sua mão. O jogo “se lembra” das cartas que saíram. Assim, se você souber que uma carta já saiu, sabe que ela não pode sair novamente, se sabe que o jogo conta com apenas um maço de cartas e que já saíram 4 Áses, sabe que não é possível que ninguém mais faça um natural, nem você, nem o croupie. E isso dá ao jogador uma vantagem, como veremos mais para frente.

Assim, depois de muito labutar, Thorp decidiu que era hora de por a teoria em prática e munido de U$10.000,00 dólares que ganhou como investimento por parte de dois amigos milhonários, partiu para Reno para visitar os cassinos. Em um fim de semana conseguiu ganhar U$11.000,00 dólares e

não… ele não chegou com dez mil e saiu com onze mil. Ele chegou com dez mil e saiu com vinte e um mil dólares. Bem… como eu dizia

resolveu partir para outros cassinos. Em 1962 ele praticamente não podia jogar mais, os cassinos conheciam ele e não deixava que se aproximasse das mesas de 21, porque ele sempre ganhava. Como ninguém sabia como ele ganhava apenas o proibiam de jogar, e o intimidavam um pouco no processo, assim ele decidiu publicar o livro Beat the Dealer[6] – Vença o Croupie – revelendo seus métodos e sistemas. Com esse livro, o jogador não apenas reduziria a margem de lucro da casa – se utilizando das estratégias básicas – como inverteria o jogo, dando ao apostador uma margem de lucro. E assim em apenas 6 anos, 5 matemáticos literalmente foderam com os cassinos. Como se não bastasse, um ex funcionário da IBM desenvolveu um programa utilizando o mainframe da própria IBM para rodá-lo, com a única função simular cenários de E.B.; assim Julian Brown desenvolveu novas estratégias tanto para a E.B. quanto para a contagem de cartas, seu trabalho foi publicado na segunda edição do Beat the Dealer[6].

Logo após a publicação do livro de Thorp os cassinos tiveram que mudar as regras do 21 e desenvolveram métodos para dificultar a contagem de cartas. A idéia era diminiur qualquer oportunidade que o jogador tivesse de ter alguma vantagem e devolver a margem de lucro para a casa, foi nessa época que as máquinas de embaralhar automáticas entraram em cena, assim como os primeiros jogos eletrônicos de 21.

Vamos deixar de história um pouco e voltar para a matemática. O que esses primeiros “pioneiros” em tentar vencer o sistema através de estatísticas fizeram foi, de forma resumida, provar que em um jogo de 21, quando o baralho tem muitas cartas baixas – 2′s, 3′s, 4′s, 5′s, 6′s – o jogo favorece o cassino. Quando o baralho tem muitas cartas altas – Ases e cartas que valem 10 pontos – o jogo favorece o apostador. Tanto a E.B. e a contagem de cartas lidam com isso. Quando os cassinos ficaram sabendo dessas vantagens que o apostador poderia desenvolver começaram a usar mais de um maço de baralho em cada mesa, hoje variam geralmente entre 6 e 8 maços, a começaram a embaralhar as cartas antes delas chegarem no final, muitos também mudaram o pagamento, em caso de vitória do jogador com um Natural ao invés de pagarem 3 para 2, começaram a pagar 5 para 6. Além disso regras como começar a apostar em um jogo já começado era proibido, além de outras coisas.

O que torna o jogo vantajoso para a casa é o fato de você apostar antes de saber o que tem na mão e pedir cartas antes de saber que jogo o croupie tem. A mágica está ai. Agora você tem que se lembrar que o objetivo do jogo não é fazer 21 pontos e sim fazer mais pontos do que o croupie sem ultrapassar 21. Outra coisa que você deveria saber já, como ordenei lá em ciama que o fizesse, é que o corupiê não é um ser humano. Ele pode suar, ter seios, ter aquele volume nas calças justas que te fazem querer acreditar que ele tem um salame dentro da cueca. Ele conversa, xinga, chora… mas não é humano, é um robô super-avançado e qualquer imbecil hoje sabe que robôs normais agem de acordo com 3 leis bem definidas, conhecidas como as Três Leis da Robótica:

1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

2ª lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.

Um croupie, por ser super-avançado, age de acordo com 5 leis bem definidas, as Três Leis da Robótica e mais duas leis conhecidas como as Leis do Cassino para Croupies de BlackJack:

4ª lei: O Crupie pede mais cartas no 16.

5ª lei: O Crupie pára no 17.

Isso significa que se, ao se virar a carta Do Buraco, a soma dos valores for igual OU INFERIOR a 16 o croupie VAI PEDIR MAIS CARTAS até chegar a 17 ou passar. Da mesma forma se a soma das duas cartas for igual ou superior a 17 ele NUNCA VAI PEGAR MAIS CARTAS.

Na prática o croupie sempre sabe contra qual número está jogando. Você não. Se você chegar a 15 pontos e parar, o croupie vai virar cartas até ter mais do que 16 ou chegar a 17. Suponha que você está com um 7 e um 8. O croupie tinha um 3 Aberto e um Ás no Buraco. Se o baralho tiver uma sequência de cartas pequenas ele pode ir tirando cartas até passar o seu total. Por outro lado, se o baralho tiver só cartas altas, ele tem um 3 para cima e um 10 no Buraco, ele obrigatoriamente vai virar outra carta. Se for um outro 10 ele perde. Sacou a idéia geral? Imagine diferente: você tem duas cartas, um 2 e um 6, e por algum motivo secreto decide não pedir nenhuma. O croupie tem um 9 Aberto e assim que abre a carta do Buraco descobre um 6. Ele já tem mais pontos do que você, mas é obrigado a seguir a regra da casa, e VAI tirar mais uma carta. Suponha que no baralho só restaram cartas de valor 10, o que acontece assim que ele virar a próxima, MESMO JÁ TENDO UM JOGO MAIOR QUE O SEU? Eu não sei quanto a você, mas no meu livro 25 é muito além de 21, o que significa que ele estourou e perdeu. Você ganhou com um 8.

A E.B. trabalha de forma a você saber se deve pedir mais cartas, parar, dobrar o jogo, separar jogos ou mesmo arregar baseando-se nas regras da casa (quantos maços estão sendo usados, se o croupie pára em qualquer 17 ou se apenas em 17′s engessados – veremos o que é isso – se você pode dobrar depois de separar o jogo, se o Natural paga 3:2 ou 5:6, etc.), nas suas cartas e na carta Aberta do croupie. Isso faz com que você reduza a margem de lucro do cassino. A contagem de cartas faz com que você saiba qual as cartas que ainda restam no baralho. Isso combinado com um simples bom senso faz com que o jogo de 21 se transforme em um Lapdance para você.

Aposte uma mesma quantia sempre e depois de um tempo a sua perda ou ganho tende a atingir a média prevista. Se um sistema te dá uma chance de ganhar de 5% sobre a casa, isso significa que em 100.000 jogadas você pode tranformar U$10.000,00 dólares em U$10.500,00. Obvio que isso não parece muito, e na prática não é mesmo. É por isso que além da E.B. e da contagem de cartas você precisa da tática de guerrilha. Se você joga com a E.B. fazendo seu dinheiro não desvalorizar tanto e conta cartas, quando perceber que o baralho ficou favorável para você, você aposta alto, muito alto, descaradamente alto. Quando percebe que o baralho “esfriou” novamente, você volta a apostar baixo. Outro detalhe é que quanto mais no final das cartas você estiver quando a contagem ficar “Quente” melhor para você, já que uma contagem alto muito no começo do maço tende a diminuir mais para o fim, e você não tem como saber naquele momento a ordem das cartas altas e baixas, assim mesmo estando Quente, o baralho pode te dar cartas de valor baixo.

Claro que os cassinos não são bobos, nós já vimos que quando o livro do Thorp saiu ele se adaptaram tornando o 21 praticamente inganhável. E assim que perceberam que pessoas podiam contar cartas eles estudaram como elas faziam isso (afinal havia um livro publicado sobre o assunto) e passaram então a estudar os padrões de apostas dos apostadores. Se alguém só aposta alto quando ganha e aposta baixo quando perde eles sacam que você está contando cartas e te chutam para fora – contar cartas não é ilegal nem trapaça, mas como cassinos são propriedades particulares eles podem te expulsar quando você começa a ganhar muito dinheiro, isso porque eles não gostam que você ganhe muito dinheiro.

De fato a vida de um apostador realmente não é justa.

Bem, agora nossa brincadeira muda, e eu vou usar a E.B. e contagem de cartas para pessoas com algum retardo mental para te tranformar num autista que faria Dustin Hofman chorar e cagar nas cuecas boxer que ele comprava no Wallmart. Tudo o que você precisa é de pelo menos quatro maços de cartas de baralho, pode ser do bem barato, desses de 3 reais que vende em padaria da marca 1001. Se quiser investir pesado compre 8 maços, mas para começo de conversa quatro bastarão.

Antes de começar, mais uma tecnicalidade, mãos “engessadas” são as que não tem Ases, mãos “suaves” são as que contém um Ás – isso porque o Ás dá uma certa liberdade de você não estourar mais de 21 pontos de cara, um Ás e um 9 podem tanto valer 10 quanto 20.

Hoje, décadas depois das publicações de Playing Blackjack to Win e Beat the Dealer, existem centenas de tabelas com informações sobre a E.B., aparentemente qualquer pessoa que saiba usar uma calculadora descobre um E.B. que deixa todas as outras para trás; mas para facilitar no começo eu reduzi todas a três conjuntos de regra. Você deve ir para casa e durante uma hora jogar 21 com seu maço. Jogue primeiro sozinho/a, e sinta o jogo, tire duas cartas para você e então tire mais duas, uma virada para baixo e outra para cima, primeiro jogue com as suas cartas e então com as cartas do “croupie”, use feijões como fichas de aposta para notar seu desenvolvimento, no início não use qualquer estratégia básica, e se lembre que como croupie deve ir comprando sempre que tiver menos do que 16 pontos e parar sempre que tiver ou chegar a 17 ou mais. Então durante 21 dias, sem trocadilhos, pratique uma hora por dia o seguinte conjunto de regras.

1- E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. – Mão Engessada

Caso nenhuma de suas duas cartas seja um Ás, siga esta E.B.

Primeiro Passo

Olhe para a carta Aberta do Croupie.

Segundo Passo

Olhe para as suas duas cartas.

Terceiro Passo

Se você tiver 8 ou menos, SEMPRE peça outra carta.

Quarto Passo

Se VOCÊ tiver 9 e o cropie de 3 a 6 (na carta Aberta, ou seja um 3, um 4, um 5 ou um 6), Dobre.
Se VOCÊ tiver 9 e o cropie qualquer outro número (Ás, 2 ou de 7 Abertos), peça outra carta.

Quinto Passo

Se VOCÊ tiver 10 e o cropie de 2 a 9 (na carta Aberta), Dobre.
Se VOCÊ tiver 10 e o cropie qualquer outro número (Ás ou qualquer carta 10),  peça outra carta.

Sexto Passo

Se VOCÊ tiver 11 e o croupie qualquer carta menos um ÁS (de 2 a 10) Dobre.
Se VOCÊ tiver 11 e o croupie um Ás, peça outra carta.

Sétimo Passo

Se VOCÊ tiver 12 e o croupie 4 a 6, Pare.
Se VOCÊ tiver 12 e o croupie tiver qualquer outra carta (Ás, 2 ou 3 e de 7 Abertos) peça outra carta.

Oitavo Passo

Se VOCÊ tem de 13 a 16 pontos e o croupie tem um 2 ou um 3, Pare.
Se VOCÊ tem de 13 a 16 pontos e o croupie tem um Ás ou de 7 para cima, peça outra carta.

Nono Passo

Se VOCÊ tem de 17 a 21, SEMPRE pare.

Dicas:

  1. Lembre-se que nos casos de dobrar você ganhará mais 1 carta.
  2. Se não for possível Dobrar, apenas peça mais uma carta e pare.
  3. Não dê ouvidos para palpites, seus ou de quem for, siga as regras, haja como alguém que tem algum tipo de retardo.
  4. Quando estiver jogando com mais pessoas, cague e ande para a maneira como jogam.
  5. Repare que os passos começam com o seu valor para a carta. Nos casos em que você não dobra (e tem que parar obrigatoriamente) trate cada nova pontuação como a estratégia manda. Se você tem 10, por exemplo, e a carta Aberta é um 10, peça outra, caso a nova seja um 2, haja como a estratégia manda para 12 pontos.

2- E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. – Mão Suave

Caso uma de suas duas cartas seja um Ás, siga esta E.B.

Primeiro Passo

Olhe para a carta Aberta do Croupie.

Segundo Passo

Olhe para a sua mão que tem pelo menos um Ás.

Terceiro Passo

Se você tiver um Ás/2 ou um Ás/3: Dobre caso o croupie tenha um 5 ou um 6, se não tiver, peça outra carta.

Quarto Passo

Se você tiver um Ás/4 ou um Ás/5: Dobre caso o croupie tenha de 4 a 6, se não tiver, peça outra carta.

Quinto Passo

Se você tiver um Ás/6: Dobre caso o croupie tenha de 3 a 6, se não tiver, peça outra carta.

Sexto Passo

Se você tiver um Ás/7: Pare caso o croupie tenha um 2, um 7 ou um 8; Dobre caso ele tenha de 3 a 6, se tiver um Ás ou de 9 Abertos, peça outra carta.

Sétimo Passo

Se VOCÊ tem Ás/8 ou Ás/9, SEMPRE pare.

Dicas:

  1. Jogue mãos Suaves até que se tornem mãos Engessadas, lembre-se que se estourar com um Ás ele passa a valer 1, então volte para as regras de Mão Engessada e as siga.
  2. Com Mãos Suaves ou Engessadas, você só pode dobrar sua aposta quando tem duas cartas, lembrando-se que isso significa que irá ganhar uma terceira.
  3. Se tiver um Ás/10 você fez 21, se tiver Ás/Ás espere chegar na nossa E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. 3, que lida com pares.
  4. Se não puder Dobrar, peça mais uma carta.

3- E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. – Pares

Lembre-se que sempre que tiver duas cartas iguais pode tranformar o seu jogo em dois jogos e assim em diante. Vejamos como agir nestes casos.

Primeiro Passo

Olhe para a carta Aberta do Croupie.

Segundo Passo

Olhe para o par na sua mão.

Terceiro Passo

Se VOCÊ tiver um par de Ases ou 8′s, SEMPRE divida.

Quarto Passo

Se VOCÊ tiver um par de 2′s ou 3′s, Divida se o croupie tiver de 2 a 7, se não tiver, peça outra carta.

Quinto Passo

Se VOCÊ tiver um par de 4′s, Divida se o croupie tiver um 4 ou um 5, se não tiver, peça outra carta.

Sexto Passo

Se VOCÊ tiver um par de 5′s, Divida se o croupie tiver de 2 a 9, se não tiver, peça outra carta.

Sétimo Passo

Se VOCÊ tiver um par de 6′s, Divida se o croupie tiver de 2 a 6, se não tiver, peça outra carta.

Oitavo Passo

Se VOCÊ tiver um par de 7′s, Divida se o croupie tiver de 2 a 7, se não tiver, peça outra carta.

Nono Passo

Se VOCÊ tiver um par de 9′s, Divida se o croupie tiver de 2 a 6 ou um 8 ou um 9, Pare se o croupie tiver um 7, um 10 ou um Ás.

Décimo Passo

Se VOCÊ tiver um par de 10′s (ou cartas que valem 10), SEMPRE pare.

Dicas:

  1. Sempre que dividir, siga a E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. 1.
  2. Alguns cassinos permitem que se Dobre depois de se Dividir, outros não, preste atenção e aplique a E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. adequada para as novas combinações que fizer com suas novas cartas.

Então vamos recapitular, pegue seus 4 ou mais maços de baralho e jogue sozinho/a. Pratique muito sem usar a E.B., use algo como feijões, botões, fichas, moedas, o que for, para apostar. Para tornar tudo mais interessante adote uma unidade (um feijão, uma ficha, uma moeda, etc.) como unidade de aposta mínima, e 20 unidades como aposta máxima, não pode apostar mais do que a máxima.

Depois pratique uma hora por dia cada uma dessas estratégias, uma semana cada. Caso esteja na primeira semana e tenha um Ás na mão trate-o como 1.

Em algum tempo você conseguirá se familiarizar com a E.B. e verá que de fato não precisa mais pensar para jogar. Quando isso acontecer começa a fase 2.

Dica:

Uma pessoa que se dedique mesmo a algumas horas todos os dias com a E.B. apresentada aqui, em uma semana pode estar muito confortável com a jogada. Tire notas de quanto ganha e perde sem usar a E.B. e depois a utilizando. Lembre-se que até este ponto seu objetivo é conseguir jogar por reflexo, sem ter que pensar, apenas reagindo a suas cartas e à carta Aberta do croupie.

FASE 2

Cassinos possuem regras: eles não gostam de perder. Então você nunca demonstra que está contando cartas. Este é “O” pecado capital.

.                                                                                                                                  – Charlie Bobbit

Se você já assistiu Rain Man, Quebrando a Banca, Se Beber Não Case ou Jurastic Park então sabe como entreterimento barato e idiota pode abrir os olhos de nossa mente para um universo de possibilidades. Por exemplo, os três primeiros citados filmes nos mostram como pessoas desesperadas por dinheiro descobrem uma farta mina de ouro para garimpar apenas para terminar sem os seus ganhos. Outra coisa que os três filmes nos mostram é a como contar cartas. E como contar cartas por te deixar Filthy Ritch – nas palavras do professor Micky “Spacey” Rosa. Jurastic Park nos mostra que velociraptors são criaturas matreiras na hora de caçar, uma te distrai enquanto outras chegam pelos lados e te atacam sem dó.

A primeira impressão que você pode ter ao assistir esses filmes é que dinossauros são malvados pra cacete e que contar cartas é algo ao mesmo tempo fácil e impossível. Deixando os dinossauros de lado por um instante a impressão que temos é de que basta ler um livro, ser autista ou ter memória matemática fotográfica e você está feito em Vegas. Na vida real a coisa é exatamente o oposto: contar cartas é bem difícil, mas facilmente realizável. Você não precisa ser um gênio da matemática, não precisa ter memória fotográfica, nem precisa ser autista, basta saber contar até 20 e conseguir somar 1 e subtrair 1. Qualquer zé mané dedicado – de qualquer sexo – consegue se tornar um bom contador de cartas. Está se sentindo mané?

Bem, até agora, você deve ter aprendido a estratégia básica, ou pelo menos deveria estar estudando ela ou se preparando para estudá-la. Mesmo que ainda não tenha tido tempo de começar a trabalhar com ela deve, ou deveria, ter notado que ela se baseia nas cartas de valor 10. Para entender o porque disso agora vamos fazer um exercício.

EXERCÍCIO 1

Imagine agora uma pessoa que tenha um apelo sexual ao qual você jamais conseguiria resistir. Pense em cada detalhe. Trabalhe no sexo dessa pessoa, na aparência, nas proporções e na depravação, ou não, que você gostaria que ela tivesse. Pronto?

Agora imagine mais 51 variantes dessa pessoa. Podem ser de raças, tamanhos e cores diferentes. Podem ter gostos ou especialidades diferentes, podem inclusive ter sexos diferentes, a única constante é que olhando para qualquer uma dessas 52 pessoas (a primeira e essas 51 novas) você tenha um impulso irresistível de devorar ou se devorado/devorada por cada uma delas.

Vamos às regras do exercício.

O grupo todo está dividido aleatóriamente em 2 tipos de personalidade: as pessoas “saidinhas” e as “conservadoras”. Imagine que em uma semana você fique preso/a em uma ilha deserta com esse exército sedutor e sensual. A idéia é: você pode chegar para qualquer uma das pessoas e perguntar se ela quer se imiscuir com você. Se a pessoa escolhida for do tipo “saidinha”, ela vai realizar cada desejo seu por quanto tempo você aguentar. Se ela for do tipo “conservadora” ela vai sorrir para você e quebrar um dos seus dedos.

Você toparia brincar com elas? Tenha em mente que sempre que perguntar para uma se ela quer ir para as trincheiras com você, depois de ou cair de cara ou de quebrar um dos seus dedos, ela sai da ilha, deixando uma a menos.

Você toparia brincar com ela?

E se eu disser que pela proporção de personalidades, a média é de que a cada 3 pessoas que recebam o seu pedido, ao menos 1 será “saidinha”? É garantido!

Toparia brincar agora?

Se masturbe pensando nisso.

FIM DO EXERCÍCIO

Agora veja, um baralho normal, por alguma coincidência bizarra, tem o mesmo número de cartas do que haviam de pessoas na sua ilha fictícia, cinquenta e duas cartas. Essas cartas estão divididas em quatro naipes. Cada naipe tem exatamente 13 cartas: Ás, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, V(alete), D(ama) e R(ei). No jogo de 21, 4 dessas cartas tem valor 10. Façamos as contas:

13 cartas/4 cartas”10″ = 3.25

Isso significa que se você pegar um maço de baralho de 52 cartas, 16 serão cartas “10″.

52/16= 3.25

Não é louco isso? O mesmo resultado da porcentagem de 10′s que aparece em apenas um naipe! Curiasamente isso implica que a cada 3 cartas que você tire, uma será uma carta “10″! Eu sei! Por coincidência a mesma chance de uma das pessoas da sua Ilha da Perversão não quebrar um dedo seu, a menos que você peça.

Aprenda: quando trabalhamos com matemática estamos entrando em um mundo onde parcialmente tudo o que descobrirmos é uma coincidência.

Voltemos para a EB. Como um terço do baralho é compostos de 10′s, a chance de sair um 10 é maior do que a de sair qualquer outra carta. Com isso em mente basta parar para pensar: como eu jogaria sabendo que a próxima carta que eu pedir pode ser um 10 e como eu jogaria assumindo que a carta do Buraco do croupie é um 10? A partir dai a coisa fica fácil, siga a tabela e verá que ela segue esta lógica e de quebra o seu dinheiro desvalorizará apenas modestos 0,5% – o que significa que se jogar muito, MUITO tempo, você perderá apenas 0,5% do dinheiro que tinha originalmente.

Claro que isso pode fazer uma pessoa conservadora se questionar: se eu sei que vou perder, pouco, mas ainda assim perder, porque eu pararia para jogar 21?

Aqui vão as respostas:

1- Porque essa perda apenas se concretiza ao longo de um tempo longo, ou seja. Até que você atinja uma quantidade desumana de partidas essa espectativa de perda varia. E varia para os dois lados. Sabendo apostar você pode capitalizar uma maré de “sorte” e ganhar uma boa grana, e então parar de jogar. Isso fará com que você não sofra o retorno à média e perca o dinheiro de volta para casa. É como chamar alguém para brincar de “dar o murro mais forte”, e logo depois de você dar o murro falar que tem que sair e encerrar a brincadeira, isso pode parecer sacanagem, mas não existem regras que te obriguem a jogar uma certa quantidade de vezes depois de ter começado. Tire vantagem disso.

2- Porque diminuindo a margem de lucro da casa, você pode jogar por mais tempo e, dependendo de quanto estiver apostando, vai gastar menos em uma mesa de 21 em 2 horas do que gataria indo ver um filme chato e depois comendo em um restaurante sem graça, e teria muito mais emoção.

3- Porque se você souber quantas cartas de valor 10 ainda existem no baralho você pode virar o jogo e fazer a margem de lucro passar do cassino para você, e combinando isso a uma estratégia de apostas agressiva pode encher o seu cú de fichas de cassino, que mais tarde podem ser trocadas por dinheiro.

Sim, eu sei que lá atrás eu falei que por causa do livro do Thorp os cassinos mudaram as regras de forma a tornar quase impossível que você conseguisse tirar qualquer vantagem no jogo. Isso de fato aconteceu, muitos disseram que Thorp foi um retardado de publicar o livro, e como Kirk Lazarus já disse:

“Todo mundo sabe que você nunca pode ficar completamente retardado. É só dar uma olhada por ai. Dustin Hoffman, ‘Rain Man’, parecia um retardado, agia como um retardado, mas não era retardado. Contava palitos, trapaceava no jogo de cartas. Autismo puro, não um retardado. Você conhece ‘Forrest Gump’ com o Tom Hanks. Devagar, de fato. Retardado? Talvez. Aparelho nas pernas. Mas ele encantou o presidente Nixon e ganhou um campeonato de ping-pong. Isso não é retardado. ‘Muito além do Jardim’ com Peter Sellers. Infantil? Sim. Retardado? Não. […] Você não pode ficar completamente retardado. Não acredita? Pergunta pro Sean Penn. Em 2001 fez ‘Uma Lição de Amor’, se lembra? Ele ficou completamente retardado, voltou pra casa de mãos vazias…”

Exato! Ouça sempre o que Kirk tem a dizer. Você não pode NUNCA ficar completamente retardado, se não fica de mãos vazias. Quando os cassinos mudaram as regras eles ficaram completamente retardados, e as pessoas pararam de jogar, já que não conseguiam ganhar. Então Las Vegas pos os rabos entre as pernas e desfez as mudanças, ao menos a grande maioria delas, deixando apenas algumas modificações como usar de 6 a 8 maços por partida. Usar embaralhadores automáticos, embaralhar mais vezes sem deixar que o sapato chegue no fim e outras coisinhas não importantes agora.

Assim, voltando ao que eu dizia, se você souber quantos 10 já saíram e quantos estão para sair, você pode dar um belo prejuízo ao cassino. E para saber quantos 10 já saíram e quantos ainda estão no sapato você só precisa contar as cartas.

Meditemos.

Contar cartas é algo que qualquer criança não autista de 7 anos consegue fazer, e agora você conseguirá também.

Abra todas as cartas do baralho na sua frente – ou na sua mente – e as divida em três conjuntos. O primeiro tem as cartas 2,3,4,5 e 6. O segundo as cartas 7,8 e 9. O terceiro as cartas “10″ (10,V,D e R) e o Ás. Cada carta do primeiro grupo vale exatamente +1. Cada carta do segundo grupo vale 0. Cada carta do terceiro grupo vale exatamente -1. A idéia então é: assim que o croupie embaralha as cartas e vai começar a distribuir, o sapato tem um valor inicial 0. Conte o valor de cada carta que ele for distribuindo para todos na mesa e para ele mesmo.

EXEMPLO:

Existem 4 pessoas jogando, contanto com você, mais o croupie.

Pessoa 1: recebe um 3 e um 5.
Pessoa 2: recebe um 7 e uma Dama.
Você: recebe um 3 e um 9.
Pessoa 4: recebe dois 7′s.

Croupie: tem um 2 aberto e uma carta no buraco.

Até agora as cartas que sairam foram:

3, 5, 7, D, 3, 9, 7, 7, 2, !?

A contagem então está em:

+1 +1 +0 -1 +1 +0 +0 +0 +1 ?! = +3 ou um 3 positivo.

Os jogadores então começarão a jogar, pedir cartas, talvez dividir os 7′s, etc. e no final o croupie fará o jogo dele. Da mesma forma que você contou a primeira vez conte essa segunda rodada e veja o resultado. Duas coisas que neste momento você deve ter em mente:

1- Das 52 cartas de baralho:

20 valem +1
12 valem 0
20 valem -1

Então quando contar um maço inteiro, o resultado tem que ser 0. Quando contar 8 maços inteiros o resultado tem que ser 0. Isso é bom porque quando você estiver praticando se o resultado final for positivo ou negativo, você se enganou na conta.

2- De acordo com a nossa E.B.P.P.C.A.T.D.R.M. – para jogos com a mão engessada, sétimo passo, se você tem um total de 12 e o croupiê tem uma carta aberta 2, você pede mais cartas.

Treinando a contagem de cartas você pode ver se um sapato está quente ou fria, quente quanto tem uma pontuação muito alta, como 8 ou 9 positivos, ou mesmo pelando, quando está com 15 ou 16 positivos. Isso significa que saíram mais cartas baixas e que existem muitos 10 ainda para sair. Isso mostra também que quanto maior a pontuação perto do fim do sapato melhor para você, isso acontece porque se o croupie acabou de embaralhar os maços e saem 12 cartas de valor +1, a contagem está alta, mas existem ainda muito mais cartas baixas lá. Se o sapato está no fim e a contagem é alta, a chance de ainda haverem cartas baixas de valor +1 é muito pouca. Caso queira parecer inteligente e usar isso em uma conversa de bar para tentar conseguir uma “troca de óleo” – eu estou falando de sexo com alguém – use o termo correto: PENETRAÇÃO! – não, não estou falando de sexo com alguém.

PENETRAÇÃO é o quanto o croupiê usa do baralho antes de embaralhá-lo novamente. Se dos 8 maços ele joga com 7 antes de embaralhar dizemos que a mesa tem uma PENETRAÇÃO muito boa. Se com 8 maços ele embaralha a cada rodada, então ele não tem PENETRAÇÃO. E sem penetração você não consegue contar cartas. Mas a maioria dos cassinos permite um número grandes de mãos antes do re-embaralho. Vide que hoje em dia, em um jogo com 6 maços, os contadores de cartas consideram uma boa PENETRAÇÃO se apenas 1.25 maço é deixado sem uso (depois de sete maços distribuídos o croupie re-embaralha as cartas), uma PENETRAÇÃO meia boca se 1.5 maço é deixado sem uso, e uma PENETRAÇÃO de merda de dois ou mais maços são deixados sem uso.

Claro que você não pode ser completamente retardado ou retardada de decidir contar cartas em um jogo já começado. Tem SEMPRE que esperar o croupie embaralhar todas as cartas e começar a contar do começo. E também, é claro, existe uma pegadinha.

Imagine que você está contando cartas, e consegue um 17 positivo. De cara parece que só sobraram 10′s no baralho. Você aposta alto e se fode. Mas se fode e a contagem aumento, de 17 positivo, pula para 22 positivo. Você aposta ainda mais alto e se fode. Por que isso? Porque se você estiver jogando com 4, 6 ou 8 maços, toda a contagem que conseguir será uma contagem “geral”, para se ter a contagem “REAL”, você deve dividir o número pela quantidade de maços usados. Assim em um jogo com 6 maços o seu 22 positivo se torna um 3 lambão positivo. o que é uma contagem baixa ainda.

Então se prepare. Assim que estiver com a estratégia básica decorada. Pegue um maço de baralho e comece a virar as cartas para cima em uma mesa, e vá contando 0, +1, +1, -1, -1, 0, 0, -1, -1, 0, +1, +1, etc… quando chegar ao fim das cartas o resultado deve ser zero.

Quando terminar faça de novo.

Quando terminar faça de novo.

Quando terminar faça de novo.

Quando terminar faça de novo.

Quando terminar faça de novo.

Quando terminar faça de novo.

Como eu disse, contar cartas não é impossível, e a teoria é simples, mas você tem que praticar. MUITO.

Assim que estiver contando porcamente, acesse ou alugue, ou ache em algum canal de tv a cabo, um filme pornô. Tente contar cartas assistindo ao filme. Quando estiver contando porcamente, dividindo a atenção com um filme pornô, escolha uma música qualquer que você goste ou não e comece a contar ouvindo a música repetidamente. Quando estiver contando porcamente enquanto consegue cantar a música junto você estára pronto/a para parar de contar porcamente e começar a contar cartas.

Em um cassino, existem centenas de distrações. E cassinos não gostam de contadores de cartas. E para ser um bom contador você tem que lidar com todas as distrações sem parecer que está contando. Tem que conseguir conversar com alguém sem perder a conta. Tem que ser capaz de interagir com o mundo sem parecer que está contando. Quando conseguir isso você pode se considerar um contador, ou contadora de cartas.

Ai basta procurar algum site de 21 na internet, de preferência algum que te deixe jogar com dinheiro de mentirinha e comece a praticar.

E antes que me esqueça. Existem os velociraptors, não vamos nos esquecer de Jurrassic Park.

Este texto é um exercício para se aprender Estratégia Básica e a contar cartas, isso porque esses dois dons serão muito úteis mais para frente em nossa caminhada matemática. Mas claro que haverão aqueles que decidirão usar este poder para o mal. E isso é perfeitamente compreensível e louvável. Muitos ainda sonham em ser Robin Hoods modernos, tirando o dinheiro de cassinos e distribuindo para mães solteiras que tem que viver fazendo strip tease em clubes de quinta categoria mundo afora. Se esse for o seu caso lembre-se, a jogatina não é liberada no Brasil, mas em muitos países próximos ela é.

Existem cassinos na Argentina, no Perú, em Cuba, etc… e o melhor é que em alguns casos, como Argentina e Perú, você nem precisa de um passaporte para viajar, é possível entrar nesses países apenas com um r.g. nacional.

Então trace o seu plano, procure pela internet os cassinos mais próximos, e descubra de ante-mão que regras eles tem, se jogam com um maço ou oito, se pagam 3:2 no caso de um natural ou 6:5. Quando for jogar tenha em mente que a porcentagem de ganho ou perda tem a ver com as quantias apostadas e não com quanto você leva, por isso mesmo com margens baixas você pode perder todo o seu dinheiro.

Apenas decorando a estratégia básica você já jogará, automaticamente, melhor do que 80% dos jogadores da mesa. Isso é um fato. Contando cartas você pode conseguir uma margem de lucro generosa para você. Para isso você tem que ter um caixa fundo, geralmente 100x o valor da aposta que pretende fazer. Se pretende ficar na aposta mínima de 10 pesos argentinos, leve pelo menos 1000 pesos para o cassino. Com a Argentina em crise isso não é difícil, a última vez que chequei com R$400,00 reais você poderia comprar mais de 1000 pesos argentinos, mas para calcular, descubra quais as apostas mínimas nesses cassinos.

E ai, se lembre dos arqueólogos.

A grande parte dos livros de estratégia de se vencer no 21 dedicam uma parte do texto a explicar como cassinos ficam PUTOS com contadores de cartas. A estratégia básica é conhecida e aceita numa boa por eles, você pode inclusive levar impresso a sua tabelinha e ir consultando abertamente na mesa, desde que não diminua o ritmo do jogo. Mas contar cartas, apesar de não ser trapaça nem ilegal, deixa eles putos, muito putos. Assim as dicas são para aprender a se contar cartas da maneira mais casual o possível, nunca fazer apostas loucas quando o sapato está quente e voltar a apostas baixas antes das cartas baixas voltarem a sair. Uma dica é: com um baralho quente, só aumente o valor da sua aposta depois de ganhar uma mão, e só diminua depois de perder uma mão. Finja que é um ser humano normal que não entende do jogo. As apostas de um jogador refletem o que ele sabe, suas apostas indicam que você está contando ou não cartas, e você pode ser expulso do cassino. Por isso saiba procurar os velociraptors, ao entrar no lugar tente encontrar os funcionários do cassino responsáveis pela sessão onde você vai jogar. Além de jogar a estratégia básica e contar cartas de forma casual você deve ficar de olho na movimentação desse pessoal. Quando surgem pessoas muito sortudas ele tendem a começar a rodeá-las e a analisá-las por câmeras, estudando as jogadas e as apostas e então tendem a partir para o ataque. Geralmente quando um deles chega e pede para conversar com você é porque outros dois estão vindo, um de cada lado, para te cercar enquanto você está tentando se explicar com o chefão.

Nesse caso, se notar que está chamando a atenção, caia fora do cassino, troque suas fichas, troque de roupa, e parta para o cassino mais próximo, planeje com antecedência um roteiro para tirar o maior proveito do maior número de cassinos que conseguir.

—-
Notas

[1] Para aqueles que gostam de literatura, ou estão entendiados no escritório ou faculdade, o texto original em espanhol pode ser baixado aqui.

[2] Na verdade existem muitas formas nas quais é praticado de maneira “profissional”. Depois dos livros que começaram a surgir a partir da década de 1950, os cassinos começaram a praticar o jogo com mais maços. Hoje os jogos com apenas um maço pagam o prêmio de 6:5, o que é, estatísticamente uma merda. Evite a todo custo jogos que pagam 6:5. O mais comum é que se encontre jogos com 6 ou 8 maços inteiros de baralho.

[3] Caso tenha alguma curiosidade ou nostalgia em relação a isso, você pode baixar aqui o texto original em formato PDF.

[4] Past posting é também conhecido como “aposta tardia”, e se resume em fazer uma aposta quando as apostas não podem mais ser feitas. O nome past posting se originou nos hipódromos, quando uma sirene soava para chamar todos para os “postos” – call to the post. A sirene também dizia que nenhuma aposta poderia ser feita, já que a corrida iria começar. Qualquer aposta feita depois disso era uma aposta tardia, past posting. Claro que esse tipo de aposta é uma trapaça, já que as apostas são encerradas antes de qualquer informação que indique o resultado do evento apostado possa ser adquirida. Se você espera a corrida começar para ver quais os cavalos que estão na frente, tem uma vantagem enorme sobre todas as apostas feitas sem essa informação.

Em outras modalidades de apostas, o past posting segue o mesmo princípio. Suponha que você vá apostar em um jogo de roleta. Quando o girador de roleta diz que as apostas encerraram e solta a bolinha, todos tem a mesma informação sobr eo resultado, ou seja, um palpite. Se você espera a bolinha cair em um número e então aposta você apostou com a informação do resultado. Claro que isso é trapaça, mas entre os trapaceiros essa é uma ferramenta muito popular, e exige muita prática, prática que deixaria muitos mágicos de palco com inveja.

No caso do 21, suponha que você aposta U$50,00 dólares e pede as cartas, ao perceber que tem um 21 você casualmente empurra mais U$150,00 dólares em fichas para a mesa, o croupie que não fica memorizando cada aposta feita em cada mão jogada simplesmente conta as fichas e paga o prêmio proporcional de U$225,00 dólares. Claro que se pegam a pessoa fazendo isso vão sodomizar o karma dela até ela chorar pelos buracos novos que vão abrir no corpo dela.

[5] John Larry Kelly, Jr. foi um cientista que trabalhou no Bell Labs nas décadas de 1940 e 1950. Durante sua vida ele fez duas grandes contribuições para o mundo que acabaram por imortalizá-lo.

Em 1956, publicou em uma edição do The Bell SYstem Technical Journal o seu Critério de Kelly, um algorítimo criado para calcular a melhor maneira de se investir dinheiro. Logo que foi anunciado tanto investidores quanto apostadores começaram a testar o critério que, de forma simplificada, funciona da seguinte maneira para uma aposta simples com 2 possibilidades:

F* = (B x Q – Q)/ B

onde:

F* – % do seu dinheiro sendo apostado
B – quota da aposta
P – probabilidade de ganhar
Q – probabilidade de perder (ou seja, 1-P)

Assim, mediante o montante da banca em cada momento, basta usar a determinação da probabilidade para calcular o valor ótimo para a aposta.

Colocando em prática:

Saldo – R$50,00 Reais

caso: apostar na cor vencedora da roleta paga 1.90 por acerto.

Probabilidade: existem três opções, preto, vermelho e o verde (0 e 00), para simplificar vamos definir que a probabilidade é de 50% descartado o verde.

Assim:

F* = (1.90 x 0,5 -0,5) / 1.90 = 0,236842… (vamos arredondar para 0,24)

Ou seja, valor ótimo para se apostar são seus R$50,00 reais vezes o Fator descoberto, 0,24, que totaliza R$12,00 reais.

Para o uso correto do Fator de Kelly é crucial que se saiba calcular com precisão a probabilidade de ganhar, já que o restante do trabalho é feito pela fórmula. Neste caso eu aproximei de forma tosca a probabilidade da roleta, pois deixei o verde de fora.

Caso queira estudar o Critério você pode baixar aqui o PDF no original em inglês.

A outra contribuição de Kelly para o mundo ocorreu em 1962, quando usando um computador IBM 704, o mesmo usado por Thorp para fazer os cálculos que originaram o sue livro Beat The Dealer, criou o primeiro sintetizador de voz, e para testar o aparelho ele fez a máquina recriar a música Dasy Bell. Graças a um capricho da Deusa Arthur C. Clarke decidiu ir visitar um de seus amigos e colegas, John Pierce no Bell Labs em Murray Hill, e calhou de assistir à demonstração de Kelly. Ele ficou tão desconcertado com o que presenciou que transformou o sintetizador de fala de Kelly nisto!

[6] Um sapato de cartas ou o sapato do croupie é, ao contrário do que possa parecer, um aparato de jogatina, e não algo que se ponha no pé. Seu propósito é o de segurar múltiplos maços de cartas, permitindo que mais mãos sejam jogadas acelerando o ritmo do jogo.

Antes de 1961 todos os jogos de 21 jogados em Las Vegas eram jogos de apenas um maço de cartas, foi quando um sujeito de nome John Scarne, se dirigiu para o Departamento de Controle de Jogo de Nevada com uma sugestão interessante: passarem uma lei que depterminasse que todos os jogos de carta, como o 21 por exemplo, obrigatoriamente usassem um sapato de onde as cartas seriam distribuídas.

A proposta de John era interessante por vários motivos: primeiro ele era um mágico que adorava jogos de carta, e por ser um mágico ele adorava manipular cartas, então ele tinha conhecimento de causa de sugerir um aparato que dificultasse que outros jogadores, ou o croupie, trapaceassem. Além disso, ele sabia que cassinos que usassem mais de um maço em jogos como o de 21 aumentariam a seu favor a margem de lucro e um sapato poderia segurar múltiplos maços. E talvez o mais interessante é que ele tenha sido o inventor da engenhoca.

A lei em si nunca foi aprovada, mas a grande parte dos cassinos de Vegas passaram a distribuir as cartas em seus jogos de um sapato com multiplos maços. Como Scarne se tornou o conselheiro de jogos no Havana Hilto, ele também conseguiu introduzir o sapato nos cassinos de Porto Rico e Cuba.

A engenhoca foi batizada de sapato porque suas primeiras versões eram muito parecidas com um sapato feminino de salto alto, e vinha em duas cores vermelho e preto.

É comum que uma carta plástica em branco de cores vivas, seja introduzida pelo croupie em algum ponto do baralho, isso serve para dizer que assim que a carta colorida surge, este é o último jogo antes do baralho ser embaralhado. Lembre-se disso quando pensar em PENETRAÇÃO. O objetivo disso, obviamente, é complicar a vida de contadores de carta, já que uma porção do baralho não vai ser usada no jogo.

Por LöN Plo

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/aprendendo-a-contar-ate-21/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/mindfuckmatica/aprendendo-a-contar-ate-21/

A Loucura de Cthulhu

Cada deus traz sua própria loucura. Para conhecer o deus—ser aceito por ele—sentir os seus mistérios, bem, você tem que deixar que a loucura seja derramada sobre você e através de você. Isto não está nos livros de magia, por que? Por um lado, por ser muito facilmente esquecido, e por outro, por você ter que encontrar isso por si mesmo. E àqueles que esterilizariam a magia, desbotando a selvageria com explicações emprestadas da psicologia ou da ciência popular, bem, a loucura é algo que ainda tememos… o grande tabu. Então, por que eu escolhi Cthulhu? Sumo Sacerdote dos Grandes Antigos. Que repousa sonhando “sonhos mortais” na cidade submersa, esquecido através das camadas do tempo e da água. Parece muito simples apenas dizer que eu ouvi o seu “chamado”—mas eu ouvi. Deuses, geralmente, não têm muito a dizer, mas vale a pena escutar o que eles dizem.

Lembro-me de uma noite hospedado no apartamento de um amigo. Eu estava “trabalhando” com Gaia. Não a mamãe nova era com uma canalização sobre salvar as baleias ou captando risinhos. Eu senti uma pressão dentro de minha cabeça acumulando-se—algo enorme tentando derramar-se em mim. Sensações de uma era geológica—camadas caindo através de minha consciência. O calor do magma; lentamente moendo a mudança dos continentes, uma infinidade de zumbido de insetos. Nada remotamente humano. Este tipo de experiência me ajuda a esclarecer meus sentimentos acerca de Cthulhu. Alienígena, mas não extraterrestre. Uma grande massa revolvendo-se em algum lugar ao redor do poço de meu estômago. Um lento batimento cardíaco, muito lento, quebrando através das ondas. Pálpebras que se abrem completamente por detrás da escuridão, completamente por detrás do mundo, das cidades, das pessoas andando na rua, abrindo-se lentamente. Abrindo-se completamente detrás de minha vida inteira, todas as lembranças e esperanças colidem-se neste momento. Acordando deste sonho para sentir uma agitação—uma persistente inquietação; a total fragilidade de mim mesmo me empurrou de volta através do quebrar das ondas do silêncio. Este é o sentido da loucura de Cthulhu.

Caminhando através de uma floresta. Elá está alagada pela chuva. As árvores estão sem folhas, viscosas, ha lama sob os pés. Eu estou vendo-as como dedos tentando agarrar o céu, como tentáculos retorcidos. Cthulhu é tudo que nos rodeia. É uma coisa-lula, bestial, dragão-alado—uma imagem animalesca, mas tais coisas estão à nossa volta, como árvores, insetos, plantas, e dentro de nós como bactérias e vírus; nascem instantaneamente através das transformações alquímicas que tomam lugar em meu corpo à medida que escrevo. Ocultos. Sonhando. Continuando a existir sem o nosso conhecimento. Seres desconhecidos, com objetivos desconhecidos. Esse pensamento se edifica em intensidade e me joga ao lado de sua realização. Esta Natureza nos é estranha. Não há nenhuma necessidade de olhar para as dimensões ocultas, elevados planos da existência ou mitológicos mundos perdidos. Ela está aqui, se pararmos para olhar e sentir.

Os Deuses antigos estão por toda parte. Suas feições delineadas nas rochas debaixo de nossos pés. Suas assinaturas rabiscadas nas fractais curvas dos litorais. Seus pensamentos ecoando através do tempo, cada tempestade de raios uma erupção de flashes neurais. Sou tão pequeno, e ele (Cthulhu) é tão vasto. Tal ser insignificante torna-se o foco deste olho fechado, abrindo-se através dos aeons do tempo—bem, ele me põe em meu lugar, não é. Meu cuidadosamente nutrido ser-mágico (“Eu posso comandar estes seres, eu posso!”) se esgota momentaneamente e então entra em colapso, exaurido pelo influxo da eternidade. Fuja. Se esconda.

Ter tentado sair do molde, só me fez consegui rachá-lo. Eu grito internamente por minha inocência perdida. De repente, o mundo é um lugar ameaçador. As cores são muito brilhantes e eu não posso confiar nelas de forma alguma. Janelas são particularmente fascinante, mas elas também se tornam objetos a serem suspeitados por você (eu) não pode confiar no que chega através das janelas. Podemos olhar para fora delas, mas outras coisas podem olhar para dentro. Eu ponho minha mão no vidro. Que segredos são bloqueados por estas finas folhas de matéria? Eu seria como vidro, se eu pudesse, mas eu estou com medo.

Sono não traz alívio. A pálpebra começa a abrir-se, mesmo antes de eu dormir. Eu sinto como se eu estivesse caindo, como a cabeça de uma criança que esbarra em algo… Eu não sei o que é. Toda a pretensão em ser um mago falhou. Essa coisa é tão imensa. Eu não posso bani-la e mesmo que eu pudesse, tenho uma forte sensação de que eu não deveria. Eu abri a porta e não-intencionalmente entrei por ela, como caminhar deliberadamente em uma poça apenas para descobrir que eu estou me afogando repentinamente. O pulsar do coração de Cthulhu ecoa lentamente à minha volta. Cthulhu está sonhando comigo. Eu não sabia disso, e agora eu estou perfeitamente consciente disso, e desejo que o que eu não fui vá para o inferno, que afunde de volta na inconsciência. Eu não quero saber disso. Eu encontrei a mim-mesmo desenvolvendo rituais habituais. Verificando tomadas elétricas para não me concentrar em efusões de eletricidade, evitando árvores particularmente perigosas, você conhece esse tipo de coisa.

Eu pensei que era uma estrela em ascensão mas ainda estou reduzido ás quatro paredes do meu quarto. Mas mesmo elas não manterão esses sentimentos do lado de fora. Lentamente, algum mecanismo de auto-preservação entra em ação. Loucura não é uma opção. Eu não posso ficar assim para sempre—outra casualidade do que nunca é mencionado nos livros de magia. Eu começo a recolher os padrões que eu deixei escapar—comendo regularmente (mais ou menos nos momentos certos), tomando um banho, saindo para passear. Conversando com as pessoas—este tipo de coisa. Eu sinto a sensação do olho sem pálpebras espreitando fora dos abismos do tempo e da memória, e acho que posso encontrar esse olho (“eu”) continuamente. O meio-ambiente deixa de ser uma ameaça. Os rituais de auto-protecão (obsessões) esvaem-se, e depois de tudo, o que está lá para proteger? Os sonhos mudam. É como se eu tivesse passado através de algum tipo de membrana. Talvez eu tenha me tornado vidro afinal. Os pensamentos de Cthulhu revolvendo-se na escuridão já não são mais assustadores. Acho que posso, afinal de contas, cavalgar na pulsação do sonho. O que era aquele olho arregalado senão o meu próprio “eu” espelhado através do medo e das auto-identificações? Não sou mais assombrada por ângulos estranhos. Toda a resistência desmoronou, e eu achei em mim mesmo uma cota de poder em seu lugar.

É claro que este tema é familiar para um e para todos—a viagem iniciática para dentro e para fora da escuridão. Familiar por causa dos mil e um livros que a traçam, a analisam e, em alguns casos, oferecem placas de sinalização ao longo do caminho. O que me traz de volta para o motivo pelo qual eu escolhi Cthulhu, ou melhor, pelo qual escolhemos um ao outro. Há algo de muito romântico acerca de H. P. Lovecraft. O mesmo romantismo que traz as pessoas para a magia através da leitura de Dennis Wheatley. Como Lionel Snell uma vez escreveu: “Quando o ocultismo se dissociou dos piores excessos de Dennis Wheatley, ele castrou-se pois os piores excessos de Dennis Wheatley estão onde ele está.” Há algo arrasador, terrível—romântico— a cerca da magia de Lovecraft. Que a contrasta com a infinidade de livros disponíveis sobre diferentes sistemas “mágicos” que abundam em livrarias modernas. Símbolos em toda parte—todas as coisas se tornaram símbolos, e de alguma forma, (para minha mente, ao menos), menos reais. Impressionantes experiências tiveram todo o sentimento escaldado delas, em curtas descrições e catálogos—sempre mais catálogos, tabelas, e as tentativas de banir o desconhecido com explicações, equações e estruturas abstratas para outras pessoas usarem.

A magia lovecraftiana é elementar, tem um aspecto iminente, e ressoa com os medos enterrados, anseios, aspirações e sonhos.

Os Grandes Antigos e seus parentes podem ser apenas fragmentos do desconhecido, nunca codificados ou dissecados por estudiosos que estão sempre a catalogar. Sim, você pode calcular gematria à sua volta até que você tenha equacionado este deus com esse conceito, e eu sinto que gematria, se utilizada adequadamente, pode se tornar um fio com o qual você pode começar a tecer a sua própria loucura de Cthulhu, esbarrando a si mesmo em significados sub-esquizóides. Não há nenhum Necronomicon—tudo bem, vou alterar isso, existem vários necronomicons publicados, mas nenhum deles me faz juz à essa acepção de um “tomo totalmente blasfemo”, que o leva à insanidade depois de uma minuciosa leitura. Se ele existe, ele está em uma biblioteca em algum lugar onde você terá que passar pela loucura para pegar a chave, apenas para descobrir que o que funciona para você, provavelmente não fará muito sentido para todos os outros. Afinal de contas, para algumas pessoas, Fanny Hill era blasfema. O ponto central do necronomicon é que ele é uma cifra para esse tipo de experiência que torce toda a sua visão de mundo, e embora os insights desta iluminação estejam dançando ao redor de sua cabeça, ele o impele a agir sobre ele—para fazer o que “deve” ser feito no fogo da gnosis—quer seja ele o Dr. Henry Armitage expondo-se à Dunwich ou a conversão dos gregos por Saul, as chamas de sua visão na estrada de Damasco dançando em seu coração. Esta experiência, este âmago, a partir dos quais o—poder—dos magos irrompe, para mim é o cerne da magia, o mistério central, se preferir. A Gnosis da presença de um deus rasga os véus e deixa você ofegante, sem fôlego. A armadura do personagem é desintegrada (até que ela lentamente acumula-se em uma concha novamente) e momentaneamente, você toca o coração desse mistério incognoscível, vindo ao longe com um élitro incorporado. Ele cai ao longe, ele trabalha seu caminho interior, torna-se uma dor incômoda, por isso temos que fazer de novo. Na maioria dos rituais mágicos “estereotipados” que eu tenho feito ou participado, não cheguei nem sequer perto disso. No entanto, todos os atos mágicos que eu tenho feito, respondendo à circunstâncias externas, acidente de eventos ou à alguma necessidade interior sobrecarregada, têm me impulsionado ao primeiro plano do mistério. Eu ainda lembro de ter visto uma sacerdotisa bruxa “possuída” por Hécate. Os olhos … não eram humanos. Este ano, em resposta ao meu pedido de confusão e tormento, o selvagem deus Pasupati inclinou-se para baixo e olhou para para mim, uma visão de brancura resplandescente, a pós-queimadura que ainda está brilhando nas bordas.

A verdadeira magia é selvagem, à noite eu posso sentir a íntima-presença dos Grandes Antigos. Quando o vento sacode as vidraças. Quando escuto o rugido de um trovão. Quando subo uma encosta e reflito sobre a idade daquele lugar. Para senti-los perto de mim, tudo o que eu tenho que fazer é ficar lá até a noite cair. Fique longe das habitações dos homens. Longe de nossa frágil ordem e racionalidade, e dentro da selvageria da natureza, onde até os olhos de uma ovelha podem parecer sobrenaturais ao luar. Lá fora, você não precisa “chamar as coisas”—elas estão apenas a um sopro de distância. E Cthulhu está mais perto do que você pode imaginar. Novamente, é uma coisa pequena, e raramente mencionada, mas há uma diferença entre um “magista” achar que ele tem o direito de “invocar os Grandes Antigos”, e um magista que sente uma sensação de parentesco com eles, e desta forma não precisar chamá-los. Qualquer pessoa pode chamá-los, mas poucos podem fazê-lo sem um assentimento familiar nascido do parentesco. Há uma grande diferença entre realizar um rito, e ter o direito. Mas uma vez que você esteja diante de um deus, deixando sua loucura ser derramada através de você, e mudar você, então haverá um vínculo que é verdadeiro, além de toda a explicação ou racionalização humana. Nós forjamos laços com os deuses que escolhemos e com os deuses que nos escolhem. É uma troca de duas vias, cujas consequências podem demorar anos para se manifestarem em sua vida. Exatamente por isso, os deuses tendem a ser pacientes. Sonhos de Cthulhu.

Phil Hine. Tradução Lorkshem

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