A Alquimia Como Exemplo (Despertar dos Mágicos)

Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Um alquimista no café Procope, em 1953. – Conversa a propósito de Gurdjieff – Um homem que pretende saber que a pedra filosofal é uma realidade. – Bergáer arrasta-me a toda a velocidade para um estranho atalho. Aquilo que vejo liberta-me do imbecil desprezo pelo progresso. – O nosso pensamento secreto a respeito da alquimia: nem revelação,
nem tentativa. – Rápida meditação sobre a espiral e a esperança.

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Conhecem-se mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos. Essa imensa literatura, à qual se consagraram espíritos de categoria, homens importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua adesão a factos, a realidades experimentais, nunca foi explorada cientificamente. O pensamento reinante, católico no passado, racionalista actualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contêm alguns dos segredos da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o proclamam. Os príncipes, os reis e as repúblicas encorajaram inúmeras expedições a países longínquos, financiaram investigações científicas de todos os géneros. Nunca uma equipa de criptógrafos, historiadores, linguístas e sábios, físicos, químicos, matemáticos e biologistas se reuniu numa biblioteca alquímica completa com a missão de verificar o que há de verdadeiro e de utilizável nesses velhos tratados. Isso é que é inconcebível. Que tais limitações do espírito sejam possíveis e duradoiras, que sociedades humanas muito civilizadas e, como a nossa, aparentemente sem preconceitos de qualquer espécie, possam manter esquecidos nas suas águas-furtadas cem mil livros e manuscritos com a etiqueta de: “Tesouro,” eis o que convencerá os mais cépticos de que vivemos no fantástico.

As raras investigações sobre alquimia são feitas quer por místicos que procuram nos textos uma confirmação das suas atitudes espirituais, quer por historiadores sem o menor contacto com a ciência e as técnicas.

Os alquimistas falam da necessidade de destilar milhares de vezes a água que servirá para a preparação do Elixir. Ouvimos dizer a um historiador especializado que essa operação era demencial. Ignorava tudo a respeito da água pesada e dos métodos que se empregam para enriquecer a água simples em água pesada. Ouvimos um erudito afirmar que a refinação e a purificação indefinidamente repetidas de um metal ou de um metalóide não alteram absolutamente nada as propriedades deste; seria então necessário ver nas recomendações alquímicas uma mística aprendizagem da paciência, um gesto ritual comparável ao desfiar das contas do rosário. E, no entanto, é com essa refinação por meio de uma técnica descrita pelos alquimistas e a que hoje se chama “a fusão de zona” que se prepara o germânio e o silício puros dos transistores. Actualmente sabemos, graças a esses trabalhos sobre os transistores, que, se se purificar profundamente um metal e introduzir em seguida alguns milionésimos de grama de impurezas cuidadosamente escolhidas, concede-se ao corpo tratado novas e revolucionárias propriedades. Não desejamos multiplicar os exemplos, mas gostaríamos de fazer compreender até que ponto seria conveniente um exame verdadeiramente metódico da literatura alquímica. Seria um trabalho imenso, que exigiria dezenas de anos de trabalho e dezenas de investigadores pertencentes a todas as disciplinas. Nem Bergier nem eu pudemos sequer esboçar semelhante trabalho, mas se o nosso volumoso e desajeitado livro pudesse um dia decidir um mecenas a permitir esse trabalho, não teríamos perdido completamente o nosso tempo.

*

Ao estudarmos um pouco os textos alquímicos, constatámos que estes são geralmente modernos em relação à época em que foram escritos, ao passo que as outras obras de ocultismos estão em atraso. Por outro lado, a alquimia é a única prática pararreligiosa que, de facto, enriqueceu o nosso conhecimento real.

Alberto o Grande (1193-1280) conseguiu preparar a potassa cáustica. Foi o primeiro a descrever a composição química do cinabre, do alvaiade e do mínio.

Raimundo Lull (1235-1315) preparou o bicarbonato de potássio.

Teofrasto Paracelse (1493-1541) foi o primeiro a descrever o zinco, desconhecido até então. Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos químicos.

Giambattista della Porta (1541-1615) preparou o óxido de estanho.

Jean-Baptiste Van Helmont (1577-1644) descobriu a existência dos gases.

Basile Valentin (do qual ninguém jamais soube a verdadeira identidade) descobriu no século xvII o ácido sulfúrico e o ácido clorídrico.

Johann Rudolf Glauber (1604-1668) descobriu o sulfato de sódio.

Brandt (falecido em 1692) descobriu o fósforo.

Johann Friedrich Boetticher (1682-1719) foi o primeiro europeu a fazer a porcelana.

Blaise Vigenère (1523-1596) descobriu o ácido benzóico.

Tais são alguns dos trabalhos alquímicos que enriquecem a humanidade no momento em que a química progride. À medida que se desenvolvem outras ciências, a alquimia parece seguir e muitas vezes preceder o progresso. Le Breton, nas suas Clefs de la Philosophie Spagyrzque, em 1722, fala do magnetismo de maneira mais do que inteligente e frequentemente antecipa a respeito das descobertas modernas. O Padre Castel, em 1728, no momento em que as ideias sobre a gravitação começam a divulgar-se, fala desta e das suas relações com a luz em termos que, dois séculos mais tarde, ecoarão estranhamente ao pensamento de Einstein:

“Eu disse que, se subtraíssemos o peso do Mundo, subtrairíamos simultaneamente a luz. De resto a luz e o som, e todas as outras qualidades sensíveis, são uma consequência e como que um resultado da mecânica, e por consequência do peso dos corpos naturais que são mais ou menos luminosos ou sonoros, conforme têm maior peso e elasticidade.”

Nos tratados alquímicos do nosso século vê-se aparecer frequentemente, mais depressa do que nas produções universitárias, as últimas descobertas da física nuclear, e é provável que os tratados de amanhã mencionem as teorias físicas e matemáticas o mais abstractas possível.

É evidente a distinção entre a alquimia e as falsas ciências como a radiestesia, que introduz ondas ou raios nas suas publicações depois de a ciência oficial as ter descoberto. Tudo nos leva a pensar que a alquimia é susceptível de fornecer uma contribuição importante aos conhecimentos e às técnicas do futuro baseadas na estrutura da matéria.

*

Constatámos igualmente, na literatura alquímica, a existência de um número impressionante de textos puramente delirantes.

Pretenderam por vezes explicar esse delírio por meio da psicanálise (Jung: Psicologia e Alquimia, ou Herbert Silberer: Problemas do Misticismo). Como a alquimia contém uma doutrina metafísica e supõe uma atitude mística, a maior parte das vezes os historiadores, os curiosos e sobretudo os ocultistas obstinaram-se em interpretar esses conceitos demenciais no sentido de uma revelação supranatural, de uma profecia inspirada. Observando melhor, pareceu-nos prudente tomar, a par dos textos técnicos e dos textos de sabedoria, os textos demenciais por textos demenciais. Pareceu-nos também que essa demência do adepto experimentador podia ter uma explicação material, simples, satisfatória. O mercúrio era frequentemente utilizado pelos alquimistas. O seu valor é tóxico e o envenenamento crónico provoca o delírio. Teoricamente, os recipientes empregados eram absolutamente herméticos, mas o segredo desse encerramento não é divulgado a todos os adeptos, e a loucura pôde apossar-se de mais de um “filósofo químico”.

Por fim, ficámos impressionados com o aspecto criptogâmico da literatura alquímica. Blaise Vigenère, que citámos mais atrás, inventou códigos aperfeiçoadíssimos e métodos de cifragem dos mais engenhosos. As suas invenções nesta matéria ainda hoje são utilizadas. É provável que Blaise Vigenère tenha tomado contacto com essa ciência da cifra ao tentar interpretar os textos alquímicos. Seria conveniente acrescentar às equipas de investigadores que desejamos ver reunidas especialistas do deciframento.

“A fim de dar um exemplo mais evidente, escreve René Alleau[1], servir-nos-emos do jogo do xadrez, do qual conhecemos a relativa facilidade das regras e dos elementos, assim como a indefinida variedade das combinações. Se supusermos que o conjunto dos tratados acroamáticos da alquimia se nos apresenta como outras tantas partes anotadas numa linguagem convencional, é preciso admitir em primeiro lugar, com a maior honestidade, que ignoramos tanto as regras do jogo como a cifra utilizada. De contrário, afirmamos que a indicação criptográfica é composta por sinais directamente compreensíveis para qualquer indivíduo, o que é precisamente a ilusão imediata que deve provocar um criptograma bem composto. Portanto a prudência aconselha-nos a não nos deixarmos seduzir pela tentação de um sentido claro, e a estudarmos esses textos como se se tratasse de uma linguagem desconhecida.

“Aparentemente, tais mensagens só se dirigem a outros jogadores, a outros alquimistas que somos levados a crer que já possuem, por qualquer processo diferente da tradição escrita, chave necessária para a compreensão exacta dessa linguagem.”

*

Por muito longe que remontemos na investigação do passado, encontraremos manuscritos alquímicos. Nicolas de Valois, no século xv, deduzia por isso que as alterações, os segredos e as técnicas da libertação da energia foram descobertas pelos homens antes mesmo da escrita. A arquitectura precedeu a escrita. Por isso vemos a alquimia muito intimamente ligada à arquitectura. Um dos textos mais significativos da alquimia, cujo autor é um tal Esprit Gobineau de Montluisant, intitula-se: “Explicações muito curiosas dos enigmas e figuras hieroglíficas que existem no portal de Notre-Dame de Paris”. As obras de Fulcanelli são consagradas ao “Mistério das Catedrais” e às minuciosas descrições das “Moradas Filosofais”. Algumas construções medievais testemunhariam o hábito imemorial de transmitir por meio da arquitectura a mensagem da alquimia, que data de eras infinitamente longínquas da humanidade.

Newton acreditava na existência de uma cadeia de iniciados alastrando no tempo até uma antiguidade muito remota, e que teriam conhecido os segredos das alterações e da desintegração da matéria. O sábio atomista inglês Da Costa Andrade, num discurso pronunciado diante dos seus pares por ocasião do tricentenário de Newton, em Cambridge, em Julho de 1946, não hesitou em dar a entender que o inventor da gravitação talvez fizesse parte de uma cadeia e apenas revelara ao mundo uma pequena parte do seu saber:

“Não posso esperar, disse[2], convencer os cépticos de que Newton tinha poderes de profecia ou de visão especial que lhe possam ter revelado a energia atómica, mas direi simplesmente que as frases que vou citar ultrapassam em muito, na opinião de Newton ao falar da transmutação alquímica, o receio de um transtorno no comércio mundial depois da síntese do ouro. Eis o que Newton escreveu:

“A forma como o mercúrio pode ser assim impregnado foi mantida em segredo por aqueles que sabiam, e constitui provauelmente um acesso para qualquer coisa de mais nobre do que a fabricação do ouro e que não pode ser comunicada sem que o mundo corra um imenso perigo, caso os escritos de Hermes digam a verdade.”

“E, mais adiante, Newton escreve: “Existem outros grandes mistérios além da transmutação dos metais, se os grandes mestres não se gabam. Só eles conhecem esses segredos”.

“Reflectindo no sentido profundo desta passagem, lembrai-vos de que Newton fala com as mesmas reticências e a mesma prudência anunciadora nas suas próprias descobertas de óptica”.

De que passado viriam esses grandes mestres invocados por Newton, e de que passado teriam eles próprios extraído a sua ciência?

“Se subi tão alto, diz Newton, é porque estava sobre os ombros de gigantes.”

Atterbury, contemporâneo de Newton, escrevia:

“A modéstia ensina-nos a falar com respeito dos Antigos, sobretudo quando não conhecemos profundamente as suas obras. Newton, que quase as sabia de cor, tinha por eles o maior respeito e considerava-os como homens de profundo génio e de um espírito superior, que tinham levado muito mais longe as suas descobertas de todos os géneros do que nos possa parecer actualmente, segundo o que resta dos seus escritos. Há mais obras antigas perdidas do que conservadas e talvez as nossas novas descobertas não valham as perdas antigas.”

Para Fulcanelli, a alquimia seria o elo de ligação com as civilizações desaparecidas desde há milénios e ignoradas pelos arqueólogos. Evidentemente, nenhum arqueólogo considerado honesto e nenhum historiador de igual reputação admitirá a existência no passado de civilizações que tenham possuído uma ciência e técnicas superiores às nossas. Mas uma ciência e técnicas avançadas simplificam ao máximo a aparelhagem, e talvez os vestígios estejam sob os nossos olhos sem que sejamos capazes de os ver como tais. Nenhum arqueólogo e nenhum historiador honesto, que não tenha recebido uma formação científica em alto grau, poderá efectuar pesquisas susceptíveis de nos fornecer a esse respeito qualquer esclarecimento. A separação das disciplinas, que foi uma necessidade do fabuloso progresso contemporâneo, talvez nos dissimule qualquer coisa de fabuloso no passado.

Sabe-se que foi um engenheiro alemão, encarregado da construção dos esgotos de Bagdade, que descobriu na amálgama de objectos do museu local, sob a vaga etiqueta de “objectos de culto”, pilhas eléctricas fabricadas dez séculos antes de Volta, durante a dinastia dos Sassanides.

Enquanto a arqueologia apenas for praticada por arqueólogos, não saberemos se a “noite dos tempos” era obscura ou luminosa.

*

“Jean-Fredérich Schweitzer, dito Helvétius, violento adversário da alquimia, conta que na manhã de 27 de Dezembro de 1666 se apresentou em sua casa um estrangeiro. Era um homem de aparência honesta e séria, e de expressão autoritária, vestido com um simples capote, como um “mennonita”.

Depois de perguntar a Helvétius se acreditava na pedra filosofal (ao que o famoso médico respondeu negativamente), o estrangeiro abriu uma pequena caixa de marfim “que continha três pedaços de uma substância semelhante ao vidro ou à opala”. O seu proprietário declarou tratar-se da famosa pedra, e que com uma tão mínima quantidade podia produzir vinte toneladas de ouro. Helvétius pegou num dos fragmentos e, depois de agradecer ao visitante a sua amabilidade, pediu-lhe que lhe desse um bocado. O alquimista recusou num tom brusco, acrescentando com mais cortesia que, mesmo a troco de toda a fortuna de Helvétius, não se poderia separar da menor parcela desse mineral, por uma razão que não lhe era permitido divulgar. Instado para que desse uma prova das suas palavras, realizando uma transmutação, o estrangeiro respondeu que voltaria três semanas mais tarde e mostraria a Helvétius uma coisa susceptível de o assombrar. Voltou pontualmente no dia marcado, mas recusou executar a operação, afirmando que lhe era proibido revelar o segredo. Condescendeu no entanto em dar a Helvétius um pequeno fragmento da pedra, “não maior do que um grão de mostarda”. E como o médico emitisse a dúvida de que uma tão ínfima quantidade pudesse produzir o menor efeito, o alquimista partiu o corpúsculo em dois, deitou uma metade fora e entregou-lhe a outra dizendo: “Aqui está justamente aquilo de que precisa”.

“O nosso sábio viu-se então obrigado a confessar que durante a primeira visita do estrangeiro conseguira apoderar-se de algumas partículas da pedra, as quais tinham transformado o chumbo, não em ouro, mas-em vidro. – “Devia ter protegido a pedra com cera amarela, respondeu o alquimista, isso ajudá-la-ia a penetrar o chumbo e a transformá-lo em ouro”. O homem prometeu voltar de novo no dia seguinte de manhã, às nove horas, e realizar o milagre – mas não apareceu, e no dia a seguir também não. Posto isto, a mulher de Helvétius persuadiu-o a tentar ele próprio a transmutação:

“Helvétius procedeu de acordo com as instruções do estrangeiro. Derreteu três dracmas de chumbo, envolveu a pedra em cera, e deixou-a cair no metal líquido. E este transformou-se em ouro! “Levámo-lo imediatamente ao ourives, que declarou tratar-se do ouro mais fino que jamais vira, e propôs pagá-lo a cinquenta florins a onça”. Helvétius, ao concluir a sua narrativa, disse-nos que a barra de ouro continuava na sua mão, prova tangível da transmutação. “Possam os Santos Anjos do Senhor velar por ele (o alquimista anónimo) como sobre um manancial de bênçãos para a cristandade. Tal é a nossa prece constante, por ele e por nós”.

“A novidade espalhou-se como um rastilho de pólvora. Spinoza, que não podemos incluir no número dos ingénuos, quis saber a verdade da história. Fez uma visita ao ourives que avaliara o ouro. O relatório foi mais do que favorável: durante a fusão, a prata incorporada à mistura transformara-se igualmente em ouro. O ourives, Brechtel, era moedeiro do duque de Orange. Sabia sem dúvida do seu ofício. Parece difícil acreditar que ele possa ter sido vítima de um subterfúgio, ou que tenha pretendido enganar Spinoza. Spinoza dirigiu-se então a casa de Helvétius, que lhe mostrou o ouro e o crisol que servia para a operação. Aderiam ainda ao interior do recipiente restos do precioso metal; como os outros, Spinoza ficou convencido de que a transmutação se operara realmente.”

*

A transmutação, para o alquimista, é um fenómeno secundário, realizado apenas a título de demonstração. É difícil formar uma opinião sobre a realidade dessas transmutações, embora diversas observações, como a de Helvétius ou a de Van Helmont, por exemplo, pareçam surpreendentes. Pode alegar-se que a arte do prestidigitador não tem limites, mas será possível que tenham sido consagrados a uma aldrabice quatro mil anos de pesquisas e cem mil volumes ou manuscritos? Propomos outra coisa, como mais adiante se verá. Propomo-lo timidamente, pois o peso da opinião científica já formada é de temer. Tentaremos descrever o trabalho do alquimista que consegue a fabricação da “pedra” à “pólvora de projecção”, e veremos que a interpretação de certas operações choca o nosso actual saber sobre a estrutura da matéria. Mas não é evidente que o nosso conhecimento dos fenómenos nucleares seja perfeito, definitivo. Em especial a catálise pode intervir nestes fenómenos de uma forma ainda desconhecida para nós”.

Não é impossível que certas misturas naturais produzam, sob o efeito dos raios cósmicos, reacções nucleo-catalípticas em grande escala, susceptíveis de conduzir a uma transmutação compacta dos elementos. Seria necessário ver nisso uma das chaves da alquimia e a razão pela qual o alquimista repete indefinidamente as suas manipulações, até ao momento em que as condições cósmicas se reúnem.

A objecção é a seguinte: se tais transmutações são possíveis, que virá a ser da energia libertada? Muitos dos alquimistas deveriam então ter feito ir pelos ares a cidade que habitavam e algumas dezenas de milhares de quilómetros quadrados da sua pátria nessa mesma ocasião. Ter-se-iam produzido numerosas e imensas catástrofes.

Os alquimistas respondem: é justamente por se terem dado semelhantes catástrofes num passado longínquo que receamos a terrível energia contida na matéria e que mantemos secreta a nossa ciência. Além disso, a “Grande Obra” é atingida por fases progressivas e aquele que, ao fim de dezenas e dezenas de anos de manipulações e de ascese, aprende a desencadear as forças nucleares, aprende igualmente quais as precauções que convém tomar para evitar o perigo[3].

Argumento válido? Talvez. Os físicos de agora admitem que, em certas condições, a energia de uma transmutação nuclear poderia ser absorvida por partículas especiais a que eles chamam neutrinos e antineutrinos[4]. Parece agora comprovada a existência do neutrino. Talvez haja tipos de transmutação que libertam apenas um pouco de energia, ou nas quais a energia libertada se evola sob a forma de neutrinos. Voltaremos a este assunto.

Eugène Canseliet, discípulo de Fulcanelli e um dos melhores especialistas actuais sobre alquimia, deteve-se sobre uma passagem de um estudo que Jacques Bergier escrevera como prefácio para uma das obras clássicas da Biblioteca Mundial. Tratava-se de uma antologia da poesia do século xvI. Nesse prefácio, Bergier fazia alusão aos alquimistas e ao seu desejo de segredo. Escrevia: “Sobre este ponto especial é difícil não lhes dar razão. Se existe um processo que permite fabricar bombas de hidrogénio num fogão de cozinha, é francamente preferível que esse processo não seja revelado”.

Eugène Canseliet respondeu-nos então: “Acima de tudo seria necessário que não se tomasse isto por um gracejo. Tendes toda a razão, e eu estou em boa posição para afirmar que é possível atingir a desintegração atómica partindo de um mineral relativamente comum e barato, e isto por um processo de operações que apenas exige uma boa chaminé, um forno de fusão de carvão, alguns tubos de combustão Meker e quatro garrafas de gás butano”.

Mesmo na física nuclear, não está excluído que se possam obter resultados importantes por meio de processos simples.
É o futuro de toda a ciência e de toda a técnica.

“Podemos mais do que aquilo que sabemos”, dizia Roger Bacon. Mas acrescentava esta frase que poderia ser um adágio
alquímico: “Embora nem tudo seja permitido, tudo é possível”.

Para o alquimista, é preciso recordá-lo constantemente, poder sobre a matéria e a energia não passa de uma realidade acessória. O verdadeiro objectivo das operações alquímicas, que talvez sejam o resíduo de uma ciência muito antiga pertencente a uma civilização desaparecida, é a transformação do próprio alquimista, o seu acesso a um estado de consciência superior. Os resultados materiais são apenas as promessas do resultado final, que é espiritual. Tudo se dirige para a transmutação do próprio homem, para a sua divinização, a sua fusão com a energia divina fixa, da qual irradiam todas as energias da matéria. A alquimia é a ciência “com consciência” de que Rabelais fala. É uma ciência que hominiza, para repetir uma expressão do P.e Teilhard de Chardin, que dizia: “A verdadeira física é a que conseguir integrar o Homem total numa representação coerente do mundo”.

“Sabei, dizia um mestre alquimista, sabei vós todos, os Investigadores dessa Arte, que o Espírito é tudo, e que se nesse Espírito não está encerrado outro Espírito semelhante, esse todo para nada serve.”

1741
La Tourbe des Philosophes, in “Biblioteca dos Filósofos Químicos”,Paris.

1 Aspects de lÁlchimie Traditionnelle, Éditions de Minuit, Paris

2 Newton Tercentenary Celebrations. Universidade de Cambridge, 1947

3 Estão em curso, em vários países, trabalhos sobre a utilização de
partículas (produzidas por poderosos aceleradores) para catalisar a fusão
do hidrogénio.

4 Não se confunda com o neutrão, elemento do núcleo. (N. da T.)

Era em 1933. O pequeno estudante judeu tinha um nariz pontiagudo, encimado por uns óculos de lentes redondas atrás das quais brilhava um olhar rápido e frio. Sobre o crânio redondo começava a despontar uma cabeleira semelhante a uma penugem de pintainho. Um sotaque pavoroso, agravado por gaguejos, dava às suas frases o tom cómico e a baralhada do grasnar de patos num charco. Depois de o conhecerem um pouco melhor, dava a impressão de que bailava dentro desse homenzinho desgracioso uma inteligência bulímica, atenta, sensível, extraordinariamente rápida, de que estava cheio de malícia e de uma pueril incapacidade para viver, como um enorme balão vermelho preso por um fio ao pulso de uma criança.

“Pretende então tornar-se alquimista?”, perguntou o venerando professor ao estudante Jacques Bergier, que mantinha a cabeça baixa, sentado na beira de um cadeirão, com uma pasta cheia de papelada sobre os joelhos. O venerando era um dos maiores químicos franceses.

“Não o compreendo, senhor”, disse o estudante, vexado.

Tinha uma memória prodigiosa, e recordou-se de ter visto, aos seis anos, uma gravura alemã que representava dois alquimistas a trabalhar, no meio de uma confusão de retortas, de pincas, de crisóis, de foles. Um deles, esfarrapado, vigiava uma fogueira, de boca aberta, e outro, desgrenhado, coçava a cabeça titubeando no meio de toda aquela desordem.

O professor consultou uns documentos:

“Durante os seus dois últimos anos de trabalho interessou-se sobretudo pelo curso livre de física nuclear de Jean Thibaud. Esse curso não conduz a qualquer diploma nem certificado. Exprime o desejo de prosseguir nesse sentido ainda me seria possível compreender essa curiosidade da parte de um físico. Mas o senhor está destinado à química. Tencionará, por acaso. aprender a fabricar ouro?

– Senhor – disse o estudante judeu erguendo as pequenas mãos gordas e mal tratadas -, eu acredito no futuro da química nuclear. Penso que, num futuro próximo, serão realizadas transmutações industriais.

– Isso parece-me delirante.

– Mas, senhor. . . ”

Por vezes detinha-se no início de uma frase e começava a repetir esse início, como um gramofone avariado, não por falta de atenção, mas porque o seu espírito divagava de forma inconfessável pelo reino da poesia. Sabia de cor milhares de versos e todos os poemas de Kipling:

Copiaram tudo o que podiam entender,
Mas não podiam alcançar o meu pensamento;
Por isso deixarei-os para trás, sem fôlego,
E pensando com ano e meio de atraso…

– Mas, mesmo se V. Ex.a não acredita nas transmutações, deveria acreditar na energia nuclear. Os imensos recursos
potenciais do núcleo. . .

– Ta ta ta – exclamou o professor. – Isso é primário e infantil. Aquilo a que os físicos chamam energia nuclear é uma constante de integração nas suas equações. A consciência é o principal motor dos homens. Mas não é a consciência que faz andar as locomotivas, não é verdade? Por isso, sonha-se com uma máquina accionada pela energia nuclear… Não, meu rapaz.”

O rapaz engolia a saliva.

– Desça à Terra e pense no seu futuro. O que o incita, de momento, pois não o julgo saído da infância, é um dos mais velhos sonhos do homem: o sonho alquímico. Leia novamente Berthelot. Ele descreve muito bem essa quimera da transmutação da matéria. As suas notas não são lá muito, muito brilhantes. Dou-lhe um conselho: entre o mais depressa possível para a indústria. Faça um estágio numa refinaria de açúcar. Três meses numa fábrica pô-lo-ão de novo em contacto com a realidade. Precisa disso. Falo-lhe como um pai.”

O filho indigno agradeceu gaguejando, e saiu de nariz no ar, a enorme pasta debaixo do braço curto. Era um obstinado: pensou que era necessário tirar partido daquela conversa, mas que o mel era melhor do que o açúcar. Continuaria a estudar os problemas do núcleo atómico. E documentar-se-ia a respeito de alquimia.

*

Foi assim que o meu amigo Jacques Bergier decidiu prosseguir uns estudos considerados inúteis e completá-los com outros estudos considerados delirantes. As necessidades da vida, a guerra e os campos de concentração afastaram-no um pouco do estudo nuclear. No entanto, enriqueceu-o com algumas contribuições apreciadas pelos especialistas. Durante as suas investigações, os sonhos dos alquimistas e as realidades da física matemática misturaram-se mais de uma vez. Mas no domínio científico operaram-se grandes alterações a partir de 1933, e o meu amigo teve cada vez menos a sensação de navegar contra a corrente.

*

De 1934 a 1940, Jacques Bergier foi o colaborador de André Helbronner, um dos homens notáveis da nossa época. Helbronner, que foi assassinado pelos nazis em Buchenwald, em Março 1944, fora, em França, o primeiro professor universitário a ensinar a químico-física. Essa ciência, que é uma fronteira entre duas disciplinas, deu origem, mais tarde, a muitas outras ciências: a electrónica, a nucleónica, a estereotrónica[1]. Helbronner viria depois a receber a grande medalha de ouro do Instituto Franklin pelas suas descobertas sobre os metais coloidais. Interessou-se igualmente pela liquefação dos gases, pela aeronáutica e pelos raios ultravioletas.

Em 1934 consagrou-se à física nuclear e montou, com o auxílio de grupos industriais, um laboratório de pesquisas nucleares, no qual, até ao ano de 1940, se obtiveram resultados de interesse considerável. Além disso, Helbronner era árbitro dos tribunais em todas as questões relacionadas com a transmutação dos elementos, e por esse motivo é que Jacques Bergier teve ocasião de conhecer um certo número de falsos alquimistas, escroques ou iluminados, e um verdadeiro alquimista, um autêntico mestre.

O meu amigo nunca soube o verdadeiro nome desse alquimista, e mesmo que o soubesse evitaria dar excessivos esclarecimentos. O homem de quem vamos falar há já muito tempo que desapareceu, sem deixar rastos visíveis. Entrou em clandestinidade e cortou voluntariamente todos os contactos com a sua época. Bergier crê que se tratava simplesmente do homem que, sob o pseudónimo de Fulcanelli, escreveu por volta de 1920 dois livros estranhos e admiráveis: Les Demeures Philosophales e Le Mystère des Cathédrales[2]. Estes livros foram editados sob a vigilância de Eugène Canseliet, que nunca revelou a identidade do autor. Figuram, sem dúvida alguma, entre as obras mais importantes sobre alquimia. Exprimem um conhecimento e uma sabedoria superiores, e conhecemos mais de um espírito notável que venera o nome lendário de Fulcanelli.

“Poderia ele, escreve Eugène Canseliet, uma vez atingido o auge do conhecimento recusar obediência às ordens do Destino? Ninguém é profeta na sua terra. talvez este velho adágio dê a razão oculta da alteração que provoca, na vida solitária e estudiosa do filósofo, a chama da revelação. Sob o efeito dessa chama divina, o homem já velho é inteiramente consumido. Nome, família, pátria, todas as ilusões, todos os erros, todas as vaidades caem como pó. E dessas cinzas, como a fénix dos poetas, uma nova personalidade renasce. Pelo menos, a tradição filosófica assim o diz.

“O meu mestre sabia-o. Desapareceu quando soou a hora fatídica, quando o sinal foi dado. Quem ousaria subtrair-se à lei?

“Eu próprio, apesar do sofrimento de uma separação dolorosa mas inevitável, se de mim se apossasse a feliz exaltação que obrigou o meu mestre a fugir das homenagens do mundo, sei que não agiria de outra forma.”

Eugène Canseliet escreveu estas linhas em 1925. O homem que o encarregava de editar as suas obras ia mudar de aspecto e de ambiente. Numa tarde de Junho de 1937, Jacques Bergier julgou ter excelentes motivos para pensar que se encontrava em presença de Fulcanelli.

Foi a pedido de André Helbronner que o meu amigo se encontrou com a misteriosa personagem, no ambiente prosaico de um laboratório de experiências da Sociedade do Gás de Paris. Eis, com exactidão, a conversa que houve:

– André Helbronner, de quem V. Ex.a, segundo creio, é o assistente, anda em busca da energia nuclear. Ele teve a amabilidade de me manter ao corrente de alguns dos resultados obtidos, particularmente da aparição da radioactividade correspondente à do polónio, quando um filamento de bismuto é volatilizado por uma descarga eléctrica no deutério a alta pressão. Estão muito perto do êxito, aliás como outros sábios contemporâneos. Ser-me-á permitido pô-los de sobreaviso? Os trabalhos a que se dedicam, bem como os seus colegas, são terrivelmente perigosos. Não são apenas os senhores que correm perigo. Este é de recear para a humanidade inteira. A libertação da energia nuclear é mais fácil do que pensam. E a radioactividade artificialmente produzida pode envenenar a atmosfera do planeta dentro de poucos anos. Além disso, podem ser fabricádos explosivos atómicos a partir de alguns gramas de metal, e arrasar cidades. Posso dizer-lhe com sinceridade: há muito que os alquimistas o sabem.

Bergier tentou interromper, protestando. Os alquimistas e a física moderna! la lançar-se em sarcasmos, quando o outro o interrompeu:

– Sei o que me vai dizer, mas não interessa. Os alquimistas desconheciam a estrutura do núcleo, desconheciam a electricidade, não possuíam qualquer processo de detecção. Por isso nunca puderam realizar qualquer transmutação, nunca puderam libertar a energia nuclear. Não tentarei provar-lhes o que agora vou declarar, mas peço-lhe que o repita ao Sr. Helbronner: para desencadear as forças atómicas bastam disposições geométricas de materiais extremamente puros, sem que seja necessário utilizar a electricidade ou a técnica do vácuo. Limitar-me-ei em seguida a fazer-lhe uma pequena leitura.

O homem retirou de cima da sua secretária o livro de Frédéric Soddy, L’interprètation du Radium, abriu-o e leu:

“Penso que existiram no passado civilizações que tiveram conhecimento da energia do átomo e que uma má aplicação
dessa energia as destruiu totalmente.”

Depois continuou:

– Peço-lhe que acredite que sobreviveram algumas técnicas parciais. Peço-lhe também que medite no facto de que os alquimistas juntavam às suas pesquisas preocupações morais e religiosas, ao passo que a física moderna surgiu no século xvIII como resultado do divertimento de alguns nobres e de alguns ricos libertinos. Ciência sem consciência… Julguei meu dever avisar alguns investigadores, aqui e além, mas não tenho a menor esperança de ver esse aviso produzir efeitos. Aliás, não tenho necessidade de esperar.

Bergier nunca mais esqueceria o som daquela voz precisa, metálica e digna.

Permitiu-se fazer uma pergunta:

– Se V. Ex.a também é alquimista, não posso acreditar que passe o tempo tentando fabricar ouro, como Dunikovski ou o doutor Miethe. Há um ano que tento documentar-me sobre alquimia, e vejo-me rodeado de charlatães ou de interpretações que me parecem fantasistas. Poderá V. Ex.a dizer-me em que consistem as suas investigações?

– Pede-me para resumir, em quatro minutos, quatro mil anos de filosofia e os esforços de toda a minha vida. Pede-me, além disso, para traduzir em linguagem clara conceitos para os quais a linguagem clara não é feita. Apesar de tudo posso dizer-lhe o seguinte: não ignora que, na ciência oficial em progresso, o papel do observador se torna cada vez mais importante. A relatividade, o princípio da incerteza mostram-nos até que ponto o observador de hoje intervém nos fenómenos. O segredo da alquimia é o seguinte: existe uma forma de manipular a matéria e a energia de maneira a produzir aquilo a que os cientistas contemporâneos chamariam um “campo de força”. Esse campo de força age sobre o observador e coloca-o numa situação de privilégio em face do Universo. Desse ponto privilegiado, ele tem acesso a realidades que o espaço e o tempo, a matéria e a energia habitualmente nos dissimulam. É aquilo a que chamamos a Grande Obra.

– Mas a pedra filosofal? A fabricação do ouro?

– São apenas aplicações, casos particulares. O essencial não é a transmutação dos metais, mas a do próprio investigador. É um segredo antigo, que em cada século vários homens voltam a encontrar.

– E o que é então feito deles?

– Talvez eu um dia o venha a saber.

O meu amigo não tornaria a ver esse homem que deixou um rasto indelével sob o nome de Fulcanelli. Tudo o que dele sabemos é que sobreviveu à guerra e desapareceu completamente após a Libertação. Todas as diligências para o reencontrar foram inúteis[3].

*

Eis-nos agora numa manhã de Julho de 1945. Ainda que esquelético e triste, Jacques Bergier, com um fato de caqui, prepara-se para cortar um cofre-forte com um maçarico. É mais uma metamorfose. Durante esses últimos anos foi sucessivamente agente secreto, terrorista e deportado político. O cofre-forte está numa bela vivenda, sobre o lago de Constança, que pertenceu ao director de um grande trust alemão. Depois de cortado, o cofre-forte expõe o seu segredo: uma garrafa que contém um pó extremamente pesado. Na etiqueta lê-se: “Urânio, para aplicações atómicas”. É a primeira prova formal da existência na Alemanha de um projecto de bomba atómica suficientemente forte para exigir grandes quantidades de urânio puro. Goebbels não deixava de ter razão quando, desde o seu bunker bombardeado, fazia circular pelas ruas arruinadas de Berlim o boato de que a arma secreta estava prestes a explodir na cara dos invasores”.

Bergier participou a descoberta às autoridades aliadas. Os americanos mostraram-se cépticos e declararam que qualquer investigação sobre a energia nuclear era sem interesse. Era um disfarce. Na realidade, a primeira bomba americana explodira em segredo, em Alamogordo, e, nessa mesma ocasião, encontrava-se na Alemanha uma missão americana dirigida pelo físico Goudsmidth, em busca da pilha atómica que o professor Heisenberg elaborara antes do desmoronamento do Reich.

Em França nada se sabia de positivo, mas havia indícios. Especialmente este, para as pessoas atentas: os americanos compravam a peso de ouro todos os manuscritos e documentos alquímicos.

Bergier apresentou um relatório ao governo provisório sobre a realidade provável das investigações a respeito dos explosivos nucleares tanto na Alemanha como nos Estados Unidos. O relatório foi sem dúvida para o cesto dos papéis, e o meu amigo conservou a sua garrafa, que agitava na cara das pessoas, exclamando: “Vêem isto? Bastaria que um neutrão passasse pelo interior para que Paris fosse pelos ares!” Aquele homenzinho de sotaque cómico gostava decididamente de gracejar e era espantoso que um deportado há pouco saído de Mauthausen tivesse conservado tanto humor. Mas, bruscamente, a brincadeira deixou de ter graça, na manhã de Hiroshima. O telefone do quarto de Bergier começou a tocar sem interrupção. Diversas autoridades competentes pediam cópias do relatório. Os serviços de informação americanos pediam ao possuidor da famosa garrafa para procurar urgentemente um certo major que não queria divulgar a sua identidade. Outras autoridades exigiam o rápido afastamento da garrafa do centro de Paris. Foi em vão que Bergier explicou que essa garrafa com certeza não continha urânio 235 puro e que, mesmo se o contivesse, o urânio estava sem dúvida abaixo da massa perigosa. De contrário, há muito que teria explodido. Confiscaram-lhe o brinquedo, do qual nunca mais ouviu falar. Para o consolar, enviaram-lhe um relatório da Direcção-Geral dos Estudos e Investigações. Era tudo o que aquele organismo, pertencente aos serviços secretos franceses, sabia a respeito da energia nuclear. O relatório trazia três menções carimbadas: “Secreto”, “Confidencial,” “Para não ser divulgado”. Continha, simplesmente, recortes da revista Science et Vie.

Restava-lhe apenas, para satisfazer a sua curiosidade, procurar o famoso major anónimo de quem o professor Goudsmith
contou algumas aventuras no seu livro Alsos. Esse misterioso oficial, dotado de humorismo negro, dissimulara os seus serviços atrás de uma organização destinada à busca dos túmulos dos soldados americanos. Estava muito agitado e parecia perseguido por Washington. Em primeiro lugar quis saber tudo o que Bergier conseguira apurar ou adivinhar sobre os projectos nucleares alemães. Mas era principalmente indispensável, para a salvação do mundo, para a causa aliada e para a promoção do maior, que encontrassem com urgência Eric Edward Dutt e o alquimista conhecido sob o nome de Fulcanelli.

Dutt, sobre quem Helbronner fora encarregado de fazer investigações, era um hindu que pretendia ter consultado manuscritos muito antigos. Afirmava que deles extraíra certos processos de transmutação dos metais e que, devido a uma descarga condensada através de um condutor de boreto de tungsténio, obtinha indícios de ouro nos produtos obtidos. Muito mais tarde, os russos viriam a obter resultados análogos, mas utilizando potentes aceleradores de partículas.

Bergier não pôde prestar grandes serviços ao mundo livre, à causa aliada e à promoção do major. Eric Edward Dutt, colaboracionista, fora fuzilado pela contra-espionagem francesa na África do Norte. Quanto a Fulcanelli, desaparecera definitivamente.

No entanto, o major, como agradecimento, mandou entregar a Bergier, antes da publicação, as provas do relatório: Acerca da Utilização Militar da Energia Atómica, pelo professor H. D. Smyth. Era o primeiro documento autêntico sobre o assunto. Ora, nesse texto havia uma estranha confirmação das frases pronunciadas pelo alquimista em Junho de 1937.

A pilha atómica, peça essencial para a fabricação da bomba, era de facto apenas “uma disposição geométrica de substâncias extremamente puras”. Como Fulcanelli o dissera, esse utensílio, no início, não utilizava nem a electricidade, nem a técnica do vácuo. O relatório Smyth fazia igualmente alusão a venenos irradiantes, a gases, a poeiras radioactivas extremamente tóxicas, que era relativamente fácil preparar em grandes quantidades. O alquimista falara de um possível envenenamento de todo o planeta.

De que forma um investigador obscuro, isolado, místico pudera prever, ou ter conhecimento, de tudo aquilo? “De onde
te vem isso, alma humana, de onde te vem isso?”

Ao folhear as provas do relatório, o meu amigo recordou também esta passagem do De Alchymia, de Alberto o Grande:

“Se tens a pouca sorte de te aproximares do príncipes e dos reis, eles não cessarão de te perguntar: “Então, Mestre, como vai a Obra? Quando é que finalmente veremos qualquer coisa de positivo?” E, na sua impaciência, chamar-te-ão aldrabão e velhaco e causar-te-ão toda a espécie de aborrecimentos. E, se não obtiveres êxito, sofrerás todo o efeito da sua cólera. Se, pelo contrário, o obtiveres, conservar-te-ão em suas casas em cativeiro perpétuo, com o propósito de te fazerem trabalhar
em seu benefício.”

Seria esse o motivo por que Fulcanelli desapareceu e os alquimistas de todos os tempos mantiveram ciosamente o
segredo?

O primeiro e o último conselho dado pelo papiro Harris era: “Fechai as bocas! Cerrai as bocas!”

Anos depois de Hiroshima, a 17 de Janeiro de 1955, Oppenheimer viria a declarar: “Num sentido profundo, que nenhum gracejo de mau gosto será susceptível de extinguir, nós, os sábios, tomámos contacto com o pecado”.

E mil anos antes, um alquimista chinês escrevia: “Seria um pecado terrível desvendar aos soldados o segredo da tua arte. Toma cuidado! Que nem um insecto haja na sala em que trabalhas!”

1 A estereotrónica é uma ciência muito recente que estuda a transformação da energia nos sólidos. Uma das suas aplicações é o transistor.

2 Estas duas obras foram reeditadas pela “Omnium Littéraire” 72, Champs-Elysées, Paris. A primeira edição data de 1925. Há muito que estava esgotada e os curiosos compravam os raros exemplares em circulação por dezenas de milhares de francos.

3 A opinião dos mais cultos e dos mais qualificados é que aquele que se escondeu, ou se esconde ainda nos nossos dias, sob o famoso pseudónimo de Fulcanelli, é o mais célebre e, sem dúvida, o único alquimista autêntico (talvez o último) deste século em que o átomo é rei”. Claude d’Ygé, revista Initiation et Science, n.o 44, Paris.

O alquimista moderno é um homem que lê os tratados de física nuclear. Está convencido de que se podem obter transmutações e fenómenos ainda mais extraordinários por meio de manipulações e com um material relativamente simples. É nos alquimistas contemporâneos que se torna a encontrar o espírito do investigador isolado. A conservação de um tal espírito é preciosa para a nossa época. De facto, acabámos por acreditar que o progresso dos conhecimentos já não é possível sem equipas numerosas, sem uma enorme aparelhagem, sem um financiamento considerável. Ora as descobertas fundamentais, como, por exemplo, a radioactividade ou a mecânica ondulatória, foram realizadas por homens isolados. A América, que é o país das grandes equipas e dos grandes processos, espalha actualmente agentes pelo Mundo inteiro em busca de espíritos originais. O director da investigação científica americana, o doutor James Killian, declarou em 1958 que era prejudicial confiar-se apenas no trabalho colectivo e que achava necessário que se fizesse apelo aos homens solitários, portadores de ideias originais.

Rutheford efectuou os seus trabalhos mais importantes sobre a estrutura da matéria com latas de conserva e pedaços de guita. Jean Perrin e Madame Curie, antes da guerra, enviavam os seus colaboradores ao Marché aux Puces, ao domingo, em busca de um pouco de material. Evidentemente, os laboratórios com aparelhagem poderosa são necessários, mas seria importante organizar uma cooperação entre esses laboratórios, essas equipas, e os originais solitários. No entanto, os alquimistas furtam-se ao convite. A sua lei é o segredo. A sua ambição é a ordem espiritual. “Está fora de dúvida, escreve René Alleau, que as manipulações alquímicas servem de suporte a uma ascese interior”. Se a alquimia contém uma ciência, essa ciência é apenas um meio de atingir a consciência. Importa, portanto, que não saia para o exterior, onde se transformaria num fim.

*

Qual é o material do alquimista? O mesmo do investigador de química mineral de altas temperaturas: fornos, crisóis, balanças, instrumentos de medição, aos quais se vieram juntar os aparelhos modernos acessíveis de controlo das radiações nucleares: contador Geiger, cintilómetro, etc.

Esse material pode parecer irrisório. Um físico ortodoxo não poderia admitir que é possível fabricar um cálculo emitindo neutrões por processos simples e económicos. Se as informações que temos são autênticas, os alquimistas conseguem-no. Na altura em que o electrão era considerado o quarto estado da matéria, inventaram-se dispositivos extremamente onerosos e complicados para produzir correntes electrónicas. Após o que, em 1910, Eister e Gaitel demonstraram que bastava aquecer cal ao rubro no vácuo. Não sabemos tudo a respeito das leis da matéria. Se a alquimia é uma ciência em avanço sobre a nossa, usa processos mais simples do que os nossos.

Conhecemos vários alquimistas em França e dois nos Estados Unidos. Há-os em Inglaterra, na Alemanha e em Itália. E.J. Holmyard diz ter encontrado um em Marrocos. De Praga escreveram-nos três. A imprensa científica soviética, actualmente, parece fazer grande caso da alquimia e realiza investigações históricas.

*

E agora vamos tentar, pela primeira vez, segundo cremos, descrever com precisão o que faz um alquimista no seu laboratório. Não pretendemos revelar a totalidade do método alquímico, mas julgamos ter, a respeito desse método, alguns conhecimentos de certo interesse. Não esquecemos que a última finalidade da alquimia é a transmutação do próprio alquimista, e que as manipulações não passam de um lento caminhar em direcção à “libertação do espírito”. É sobre essas manipulações que tentamos apresentar novos esclarecimentos.

Em primeiro lugar, durante vários anos, o alquimista decifrou velhos textos onde “o leitor se deve embrenhar desprovido do fio de Ariana, mergulhado num labirinto no qual tudo foi preparado consciente e sistematicamente a fim de lançar o profano numa inextricável confusão mental”. Paciência, humildade e fé elevaram-no a um certo nível de compreensão desses textos. Nesse nível vai poder iniciar realmente a experiência alquímica. Vamos descrever essa experiência, mas falta-nos um elemento. Sabemos o que se passa no laboratório do alquimista. Mas ignoramos o que se passa no próprio alquimista, na sua alma. Pode dar-se o caso de que tudo esteja ligado. Pode ser que a energia espiritual represente um papel nas manipulações físicas e químicas da alquimia. Pode ser que uma certa forma de adquirir, concentrar e orientar a energia espiritual seja indispensável ao êxito do “trabalho” alquímico. Não é certo, mas, em questão tão delicada, não podemos deixar de reservar um lugar para a frase de Dante: “Vejo que acreditas nestas coisas porque sou eu a dizer-tas, mas não sabes porquê, de forma que por serem acreditadas nem por isso estão menos escondidas”.

O nosso alquimista começa por misturar muito bem, num almofariz de ágata, três constituintes. O primeiro, numa percentagem de 95%, é um minério: uma pirite arseniosa, por exemplo, um minério de ferro que contém especialmente, como impurezas, arsénico e antimónio. O segundo é um metal: ferro, chumbo, prata ou mercúrio. O terceiro é um ácido de origem orgânica: ácido tartárico ou cítrico. Vai moê-los e triturá-los com as mãos, depois conserva a mistura durante cinco ou seis meses. Em seguida aquece tudo num crisol. Aumenta progressivamente a temperatura e faz com que a operação dure cerca de dez dias. Deverá tomar certas precauções. Há gases tóxicos que se evolam: o vapor de mercúrio e sobretudo o hidrogénio arsenioso, que matou mais de um alquimista, logo no início dos trabalhos.

Finalmente dissolve o conteúdo do crisol com um ácido. Foi procurando um dissolvente que os alquimistas de outrora descobriram o ácido acético o ácido nítrico e o ácido sulfúrico. Essa dissolução deve efectuar-se sob uma luz polarizada: quer uma réstia de luz solar, reflectida num espelho, quer a luz da Lua. Sabe-se hoje que a luz polarizada vibra numa única direcção, ao passo que a luz normal vibra em todas as direcções em redor de um eixo. Em seguida evapora o líquido e recalcina o sólido. Recomeça essa operação milhares de vezes, durante vários anos.

Porquê? Ignoramo-lo. Talvez na expectativa do momento em que as melhores condições estejam reunidas: raios cósmicos, magnetismo terrestre, etc. Talvez a fim de obter uma “fadiga” da matéria em estruturas profundas que nós ainda ignoramos.

O alquimista fala de “paciência sagrada”, de lenta condensação do “espírito universal”. Há certamente qualquer outra coisa atrás desta linguagem pararreligiosa.

Esta forma de operar repetindo indefinidamente a mesma manipulação pode parecer demencial a um químico moderno. Ensinaram-lhe que há um único método experimental válido: o de Claude Bernard. É um método que age por meio de variações concomitantes. Repete-se milhares de vezes a mesma experiência, mas fazendo variar, de cada vez, um dos factores: proporções de um dos constituintes, temperatura, pressão, catalisador, etc. Anotam-se os resultados obtidos e deduzem-se algumas das leis que regem o fenómeno. É um método que deu as suas provas, mas não é o único. O alquimista repete a sua manipulação sem a menor alteração, até que qualquer coisa de extraordinário se produza.

No fundo, acredita numa lei natural bastante comparável ao “princípio de exclusão” formulado pelo físico Pauli, amigo de Jung. Para Pauli, num dado sistema (o átomo e as suas moléculas), não podem existir duas partículas (electrões, protões, mesões) no mesmo estado. Tudo é único na natureza: “a vossa alma não tem outra semelhante…” É por isso que se passa bruscamente, sem intermediário, do hidrogénio ao hélio, do hélio ao lítio e assim indefinidamente, como o indica, para o físico nuclear, a Tabela Periódica dos Elementos. Quando se junta uma partícula a um sistema, essa partícula não pode tomar nenhum dos estados existentes no interior desse sistema. Toma um novo estado e a combinação com as partículas já existentes cria um sistema novo e único.

Para o alquimista, da mesma forma que não existem duas almas semelhantes, dois seres semelhantes, duas plantas semelhantes (Pauli diria: dois electrões semelhantes), não há duas experiências semelhantes. Se se repetir milhares de vezes uma experiência, qualquer coisa de extraordinário acabará por se produzir. Não somos bastante competentes para lhe dar ou não
razão. Contentamo-nos em observar que uma ciência moderna, a ciência dos raios cósmicos, adoptou um método comparável ao do alquimista. Essa ciência estuda os fenómenos causados pelo aparecimento, num aparelho de detecção ou sobre uma chapa, de partículas com energia formidável, vindas de estrelas. Estes fenómenos não podem ser obtidos segundo a nossa vontade. É preciso esperar. Por vezes regista-se um fenómeno extraordinário. Foi assim que no Verão de 1957, no decorrer das
investigações feitas nos Estados Unidos pelo professor Bruno Rossi, uma partícula animada de uma energia formidável, jamais registada até ali, e vinda talvez de outra galáxia sem ser a nossa Via Láctea, impressionou 1500 calculadores ao mesmo tempo num raio de oito quilómetros quadrados, provocando, à sua passagem, um feixe enorme de destroços atómicos. Não é possível imaginar qualquer máquina capaz de produzir tal energia. Nenhum sábio tinha conhecimento de que jamais se tivesse produzido semelhante acontecimento e ignora-se se voltará a repetir-se. É também um acontecimento excepcional, de origem terrestre ou cósmica, e capaz de influenciar o seu crisol, que parece aguardar o nosso alquimista. Talvez ele pudesse abreviar a sua expectativa utilizando processos mais activos do que o fogo, aquecendo por exemplo, o crisol num forno de indução pelo método de levitação, ou ainda juntando isótopos radioactivos à sua mistura. Ele poderia então fazer e refazer a sua manipulação, não várias vezes por semana, mas milhares de vezes por segundo multiplicando desta forma as probabilidades de captar “o acontecimento” necessário ao bom êxito da experiência. Mas o alquimista actual, como o de ontem, trabalha em segredo, pobremente, e considera a expectativa uma virtude.

Prossigamos a nossa descrição: ao fim de vários anos de um trabalho sempre igual, de dia e de noite, o nosso alquimista acaba por deduzir que a primeira fase terminou. Junta então um oxidante à sua mistura: o nitrato de potássio, por exemplo. Há enxofre no crisol, proveniente da pirite, e carvão proveniente do ácido orgânico. Enxofre, carvão e nitrato: foi durante essa manipulação que os antigos alquimistas descobriram a pólvora.

Ele vai recomeçar a dissolver, depois a calcinar, sem descanso, durante meses e anos, na expectativa de um sinal. Sobre a natureza desse sinal, as obras alquímicas diferem, mas é talvez porque há vários fenómenos possíveis. Esse fenómeno produz-se no momento de uma dissolução[1]. Para certos alquimistas, trata-se da formação de cristais em forma de estrelas à superfície do banho. Para outros, uma camada de óxido surge à superfície desse banho, depois abre-se, deixando a descoberto o metal luminoso no qual parecem reflectir-se, em imagem reduzida, ora a Via Láctea, ora as constelações.[2]

Depois de receber este sinal, o alquimista retira a sua mistura do crisol e “deixa-a amadurecer”, ao abrigo do ar e da humidade, até ao primeiro dia da próxima Primavera. Quando retomar as operações, estas visarão aquilo a que se chama, nos velhos textos, “a preparação das trevas”. Recentes investigações sobre a história da química demonstraram que o monge alemão Berthold Le Noir (Berthold Schwarz), a quem vulgarmente se atribui a invenção da pólvora no Ocidente, nunca existiu. É uma figura simbólica desta “preparação das trevas”.

A mistura é colocada num recipiente transparente, em cristal de rocha, fechado de forma especial. Há poucas indicações a respeito dessa fechadura, chamada fechadura de Hermes, ou hermética. Dali em diante o trabalho consiste em aquecer o recipiente doseando, com uma infinita delicadeza, as temperaturas. No recipiente fechado, a mistura contém sempre enxofre, carvão e nitrato. Trata-se de elevar essa mistura a um certo grau de incandescência, evitando no entanto a explosão. São numerosos os casos de alquimistas gravemente queimados ou mortos. As explosões que se produzem são de particular violência e exalam temperaturas para as quais não estávamos logicamente preparados.

O fim em vista é a obtenção, no recipiente, de uma “essência”, de um “fluido”, a que os alquimistas por vezes chamam “a asa de corvo”.

Sejamos mais claros. Esta operação não tem equivalente na física e química modernas. No entanto, não deixa de ter analogias. Quando se dissolve no gás amoníaco líquido um metal como o cobre, obtém-se uma coloração azul-escuro que passa ao negro nas grandes concentrações. Produz-se o mesmo fenómeno se se dissolver no gás amoníaco liquidificado hidrogénio sob pressão ou amidas orgânicas, de forma a obter o composto instável NH4, que tem todas as propriedades de um metal alcalino e que, por esse motivo, foi chamado “amónio”. Há razões para crer que essa coloração azul-negro, que faz pensar na “asa de corvo” do fluido obtido pelos alquimistas, é justamente a cor do gás electrónico. O que é o “gás electrónico”? É para os sábios modernos, o conjunto de electrões livres que constituem um metal e lhe asseguram as propriedades mecânicas, eléctricas e térmicas. Ele corresponde, na terminologia actual, ao que o alquimista chama “a alma” ou ainda “a essência” dos metais. É essa alma ou essa “essência” que se liberta no recipiente hermeticamente fechado e pacientemente aquecido do alquimista.

Ele aquece, deixa arrefecer, aquece de novo, e isto durante meses ou anos, observando através do cristal de rocha a formação daquilo a que também se chama “o ovo alquímico”: a mistura transformada em fluido azul-negro. Abre finalmente o seu recipiente na obscuridade, apenas sob a claridade dessa espécie de líquido fluorescente. Em contacto com o ar, esse líquido fluorescente solidifica-se e separa-se.

Obterá desta forma substâncias completamente novas, desconhecidas na natureza e com todas as propriedades dos elementos químicos puros, quer dizer, inseparáveis pelos processos da química.

Os alquimistas modernos pretendem ter obtido desta forma elementos químicos novos, e isto em quantidades consideráveis. Fulcanelli teria extraído de um quilo de ferro vinte gramas de um corpo completamente novo, cujas propriedades químicas e físicas não correspondem a qualquer elemento químico conhecido. Seria aplicável a mesma operação a todos os elementos, cuja maior parte daria dois elementos novos por cada elemento tratado.

Tal afirmação é de molde a chocar o homem de laboratório. Actualmente, a teoria não permite prever outras separações além das seguintes:

– A molécula de um elemento pode alcançar vários estados: Oto-hidrogénio e para-hidrogénio, por exemplo.

– O núcleo de um elemento pode tomar um certo número de estados isotópicos caracterizados por um número de neutrões diferentes. No lítio 6 o núcleo contém três neutrões e no lítio 7 contém quatro.

Os nossos técnicos, para separar os diversos estados alotrópicos da molécula e os diversos estados isotópicos do núcleo,
exigem para isso um enorme material.

Os processos do alquimista são, em comparação, irrisórios, e ele alcançaria, não uma mudança de estado da matéria, mas a criação de uma matéria nova, ou pelo menos uma decomposição e recomposição diferente da matéria. Todo o nosso conhecimento
do átomo e do núcleo se baseia no modelo “saturniano” de Nagasoka e Rutheford: o núcleo e o seu anel de electrões. Não é impossível que, no futuro, outra teoria nos leve a realizar mudanças de estados e separações de elementos químicos por enquanto inconcebíveis.

Portanto, o nosso alquimista abriu o seu recipiente de cristal de rocha e obteve, por meio do arrefecimento do líquido fluorescente em contacto com o ar, um ou vários elementos novos. Restam as escórias. Essas escórias, vai ele lavá-las durante meses em água tridestilada. Depois manterá essa água ao abrigo da luz e das variações de temperatura.

Essa água teria propriedades químicas e medicinais extraordinárias. É o dissolvente universal e o elixir de longa vida tradicional, o elixir de Fausto[3].

Aqui, a tradição alquímica parece de acordo com a ciência de vanguarda. De facto, para a ciência ultramoderna, a água é uma mistura extremamente complexa e reagente. Os investigadores debruçados sobre a questão dos oligoelementos, especialmente o doutor Jacques Ménétrier, constataram que, praticamente, todos os metais eram solúveis na água em presença de certos catalisadores, como a glucose, e sob determinadas variações de temperatura. Além disso, a água formaria verdadeiros compostos químicos, hidratos, com gases inertes tais como o hélio e o árgon. Se se soubesse qual o constituinte da água responsável pela formação dos hidratos em contacto com um gás inerte, seria possível estimular o poder solvente da água e portanto obter um verdadeiro dissolvente universal. A revista russa Saber e Força, incontestavelmente séria escrevia no seu número 11, de 1957, que talvez um dia se obtivesse esse resultado bombardeando a água com radiações nucleares e que o dissolvente universal dos alquimistas seria uma realidade antes do final do século. E essa revista previa um certo número de aplicações, imaginava a abertura de túneis por meio de um jacto de água activada.

O nosso alquimista, portanto, encontra-se agora de posse de um certo número de corpos simples desconhecidos na natureza e de alguns frascos de uma água alquímica susceptível de lhe prolongar consideravelmente a vida, através do rejuvenescimento
dos tecidos.

Agora vai tentar combinar novamente os elementos simples que obteve. Mistura-os no seu almofariz e derrete-os a baixas temperaturas, na presença de catalisadores a respeito dos quais os textos são muito vagos. Quanto mais se avança no estudo das manipulações alquímicas, mais os textos são difíceis de compreender. Aquele trabalho irá ocupá-lo ainda durante alguns anos.

Afirmam que, desta forma, ele obteria substâncias absolutamente semelhantes aos metais conhecidos, e em especial aos metais bons condutores do calor e da electricidade. Seriam estes o cobre alquímico, a prata alquímica, o ouro alquímico. Os testes clássicos e a espectroscopia não permitiriam verificar a novidade dessas substâncias, e no entanto elas possuiriam propriedades novas, diferentes das dos metais conhecidos, e muito surpreendentes.

Se as informações que temos são exactas, o cobre alquímico, aparentemente semelhante ão cobre conhecido e no entanto muito diferente, teria uma resistência eléctrica infinitamente fraca, comparável à dos supercondutores que o físico obtém nas proximidades do zero absoluto. Este cobre, se pudesse ser utilizado, revolucionaria a electroquímica.

Outras substâncias, resultantes da manipulação alquímica, seriam mais surpreendentes ainda. Uma delas seria solúvel no vidro, a baixa temperatura e antes do momento da fusão deste. Essa substância, ao tocar o vidro ligeiramente amolecido, dispersar-se-ia no interior, dando-lhe um colorido vermelho-rubi, com fluorescência lilás na escuridão. É ao pó obtido pela trituração desse vidro, modificado no almofariz de ágata, que os textos alquímicos chamam o “pó de projecção” ou “pedra filosofal”. “Com isso, escreve Bernard, conde da Marche Trévisane, no seu tratado filosófico, se termina a elaboração dessa Pedra superior a todas as pedras preciosas, a qual é um tesouro infinito à glória de Deus que vive e reina eternamente”.

São conhecidas as maravilhosas lendas ligadas a essa pedra “pó de projecção” que seria susceptível de assegurar transmutações de metais em quantidades consideráveis. Transformaria, inclusivamente, certos metais vis em ouro, prata ou platina, mas tratar-se-ia então de um dos aspectos do seu poder. Seria uma espécie de reservatório de energia nuclear em suspensão, facilmente manejável.

Voltaremos em breve aos problemas que as manipulações do alquimista põem ao homem moderno esclarecido, mas detenhamo-nos exactamente onde se detêm os textos alquímicos. Eis a “grande obra” realizada. Produz-se no próprio alquimista uma transformação que esses textos evocam, mas que nós somos incapazes de descrever por não possuirmos a esse respeito mais do que umas poucas noções analógicas. Essa transformação seria como que a promessa, através de um ser privilegiado, daquilo que espera a humanidade inteira no termo do seu contacto inteligente com a Terra e os seus elementos: a sua fusão em Espírito, a sua concentração num ponto espiritual fixo e a sua união com outros centros de consciência através dos espaços cósmicos. Progressivamente, ou num súbito clarão, o alquimista, segundo a tradição, descobre o significado do seu longo trabalho. Os segredos da energia e da matéria são-lhe desvendados, e ao mesmo tempo tornam-se-lhe visíveis as infinitas perspectivas da vida. Ele possui a chave da mecânica do Universo. Ele próprio estabelece novas relações entre o seu espírito, dali em diante animado, e o espírito universal em eterno progresso de concentração. Serão certas radiações do pó de projecção responsáveis de uma transmutação do ser físico?

A manipulação do fogo e de certas substâncias permite, portanto, não só transmutar os elementos, como ainda transformar o próprio investigador. Este, sob a influência das forças emitidas pelo crisol (quer dizer, das radiações emitidas por núcleos a sofrerem modificações de estrutura), entra noutro estado. Nele se operam mutações. A sua vida prolonga-se, a sua inteligência e as suas percepções atingem um nível superior. A existência de tais seres, biológica e psiquicamente novos, é um dos alicerces da tradição Rosa-Cruz. O alquimista passa a outro estado do ser. É elevado a outro grau da consciência. Tem a sensação de que só ele se encontra desperto e que todos os outros homens ainda dormem. Escapa ao vulgar humano e desaparece, como Mallory sobre o Everest, depois de ter tido o seu minuto de verdade.

“A Pedra filosofal representa desta forma o primeiro degrau susceptível de auxiliar o homem a elevar-se em direcção ao Absoluto. Para além começa o mistério. Aquém não há mistério, nem esoterismo, nem outras sombras excepto as que projectam os nossos desejos e sobretudo o nosso orgulho. Mas, como é mais fácil satisfazermo-nos de ideias e de palavras do que fazer qualquer coisa com as próprias mãos, com a nossa dor e a nossa fadiga, no silêncio e na solidão, é mais cómodo procurar um refúgio no pensamento chamado “puro”, do que batermo-nos corpo a corpo contra o peso e as trevas da matéria. A alquimia proíbe qualquer evasão deste género aos seus discípulos. Deixa-os frente a frente com o grande enigma. . . Apenas nos assegura que se lutarmos até ao fim para nos libertarmos da ignorância, a própria verdade lutará por nós e vencerá finalmente todas as coisas. Talvez comece então a VERDADEIRA metafísica.”

1 Este método consiste em suspender a mistura a derreter no vácuo, fora todo o contacto com uma superfície material, por meio de um campo magnético.

2 Funde-se então por meio de uma corrente de alta frequência. O semanário americano Life, em Janeiro de 1958, publicou lindíssimas fotografias de um forno deste género em acção. Jacques Bergier declara ter assistido a esse fenómeno.

3 O professor Ralph Milne Farley, senador dos Estados Unidos e professor de física moderna na Escola Militar de West Point, chamou a atenção para o facto de certos biologistas pensarem que o envelhecimento é devido à acumulação de água pesada no organismo. O elixir de longa vida dos alquimistas seria uma substância eliminando selectivamente a água pesada. Tais substâncias existem no vapor de água. Porque não existirão na água líquida tratada de certa maneira? Mas poderia uma descoberta desta natureza ser divulgada sem perigo? O professor Farley imagina uma sociedade secreta de imortais, ou quase-imortais, existindo desde há séculos e reproduzindo-se por cooptação. Uma sociedade destas, que não se meteria em política e não se imiscuiria de forma alguma nas questões dos homens, teria todas as probabilidades de passar despercebida. . .


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[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/

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