A cultura gótica

Alguém não é dito gótico por estar de preto da cabeça aos pés, ter infindável amor pela literatura gótica, “spleen”, regar suas noites em cemitérios ao vinho, ou por ser fanático pelo obnóxio Marilyn Manson; este alguém é gótico porque em seu âmago arde uma fria chama gótica. O goticismo está profundamente ligado à psique humana, às reações, ao modo de filtrar os fatos ao seu redor. Toda produção artística tenebrosa e qualquer outro aspecto ligado ao goticismo é apenas a expressão da visão e do pensamento, manifestação da essência, e não o oposto.

O goticismo não é um estado de “depressão”, “síndrome do pânico” ou qualquer outra doença; alguém que acha que é gótico porque ouve Manson, ou porque é depressivo, ou porque gosta de coisas obscuras, ou suas roupas preferidas são pretas, ou Lorde Byron é seu ídolo ou qualquer fator análogo a esses é um poser. Não devemos, nem podemos, julgar alguém por isso ou por aquilo, mas, sim, acabei de fazê-lo e não há retorno.

O gótico é uma alma corroída, um ser recluso, uma mente brilhante e tenebrosa, não alguém com um rosto amargo que incessantemente atira no esgoto de pobres mentes palavras sobre a morte, lascivas, ou clichês e outras meras “reflexões” superficiais que leu em algum lugar; goticismo é um modo de ver a vida, uma linha de pensamento, é refletir e apurar toda dor e todo riso, é olhar para si mesmo e perguntar-se o porque de cada coisa, é extrair sabedoria de onde as pessoas só extraem lágrimas, extrair das lágrimas força e consciência para não dobrar os joelhos perante toda agonia que a existência os traz e ainda assim resistir diante da consciência da sina universal. Todo pensamento extrato da essência gótica reflete a experiência pessoal de cada indivíduo e não uma generalização, de uma linha em um ponto [quanto aos pensamentos extratos, isso varia de pessoa a pessoa, por isso cada um tem sua própria visão do que é goticismo; porque ele é algo essencial e não imposto].

O gótico, em relação à sociedade, é mais dissimulado do que expressivo, principalmente quando tratamos do sofrimento consciente; o gótico é retraído e isso não quer dizer que ele não fala com ninguém, nunca ri ou sofre de algum tipo de timidez excessiva. O gótico é retraído porque ele esconde sua real natureza, ele é retraído e é tímido, porque não quer que ninguém o conheça, ele é retraído porque ele sabe que as outras pessoas não suportariam seu fardo: o sofrimento consciente, a agonia existencial, o angst – isto é – o conhecimento adquirido nas longas e frias noites regadas às lágrimas, em que todos estavam acamados em aconchegantes leitos e somente ele estava no escuro, calado e sentado na dura e fria pedra, pensando sobre a vida, o amor, a injustiça, o ódio e a morte [pode ser que um dia aquele serelepe ser que você sempre viu acompanhado de raios de sol se revele uma mente extremamente reflexiva, forte, consciente e mórbida]. Não estou falando de ser falso ou mentir, mas existem certas coisas que não devem ser mencionadas, principalmente quando não se está em meio a amigos e iguais.

Se o gótico acredita em Deus, ou Satã, ou Wicca ou Set, Lóki, Zeus? Ou se ele deve ser ateu e adverso a qualquer crença ou religião? Tudo é uma mera questão de consciência. Muitos “góticos” dizem que o gótico deve ser ateu, “se não é ateu não é gótico”, mas eles mesmos se contradizem ao dizer que o gótico é um pensador livre. Que tipo de pensador livre é este que tem seus alicerces manipulados e para ser enxertado num estereótipo deve abandonar seus pensamentos? Que tipo de gótico abandona sua consciência em nome de um estereótipo?! O gótico é uma mente livre, cabe a ele e como ele vê a vida a decisão de servir a Satã, a Deus, Gautama Buda ou qualquer outra nume ou divindade! Esses “góticos” criam inúmeras regras para o goticismo, todas refletem sua experiência pessoal e jamais regra geral; e apenas tolos e posers seguem-nas, pessoas de mente realmente fraca, e de certo modo irracionais. Se não é ateu, não é gótico?! Afirmamos, se segue regrinhas e estereótipos tolos e irracionais não é gótico!

Na realidade, os godos (góticos) foram os povos que mais rapidamente assimilaram o cristianismo a sua cultura; sabe-se que os góticos do século XVIII eram cristãos, por mais que alguns deles fizessem menção à Satã ou a Natureza, e a maior parte dos góticos de hoje em dia veio de lares cristãos, querendo ou não, o cristianismo exerce uma grande influência em sua mentalidade. Para mim, o cristianismo é a religião que mais se liga ao goticismo, sendo o sonho concreto de cada gótico, mas falo disso depois.

Quanto a só vestir preto, ouvir música gótica, e ser depressivo; tudo está ligado ao gosto, estilo e personalidade de cada um. Devemos ressaltar apenas que a cultura é um subproduto da mente, da essência gótica; um gótico real sabe ser prudente no que busca. Em outras palavras, poderíamos ditar a regra: “nada de perder tempo com coisas que não vão desenvolver seu pensamento, sua visão, seus modos, sua cultura”; mas não devemos fazê-lo, pois poderíamos esquecer de nossa essência gótica, convertendo assim o goticismo num mero conjunto de regras tolas e irracionais, apenas a fim de enxertar ou enxotar pessoas de uma “tribo urbana”, formada por mentes medíocres.

Todos os motivos pelos quais alguns góticos só vestem roupas pretas, escutam este ou aquele estilo de música, são depressivos, fumam aquela marca de cigarro, bebem vinho, fazem tatuagens, são bissexuais, são homofóbicos ou jogam rpg, são considerações pessoais e jamais devem ser vistos como regras e etc., em contra partida, se não há um motivo real, considerando o seu agrado como um, não é subproduto da essência e sim regra manipulada, e isso é ser poser…
Muitos góticos carregam horríveis cicatrizes, mas, e é aí que se encontra a ironia, são motivados a continuar a busca por algo, justamente por isso alguns externam seus sentimentos, externam marcos que devem ser memoráveis, marcos que os motivam, ou fazem tudo de modo a fugir da realidade, tudo para esquecer: fazem tatuagens, escrevem poesia, bebem vodka, ou só vestem preto…

Justamente pelos incontáveis e inimagináveis motivos que assombram a consciência de cada um, não podemos tratar ninguém com preconceito. Seja por sua religião, sexualidade, estilo de música favorito, ideologia ou qualquer outra fator. Que tipos de pensadores são os góticos que desprezam o pensamento e a consciência dos outros? Onde está o respeito pela “liberdade” [mesmo que pela liberdade de escolha de ser manipulado] pelos outros? E pela natureza de cada um? Que divirjamos, e toleremos, jamais defendamos, mas respeitemos!

O goticismo pode ser resumido em uma pequena frase: “é a essência reflexiva, consciente, trágica e mórbida que faz do gótico o real gótico” a subcultura gótica é formada pelas produções e expressões de góticos reais, sendo residual.

Quanto ao suicídio, o gótico que suicida, ao meu ver, se revela um fracassado; não foi capaz de resistir diante do negro da vida e sucumbiu ao seu outono. Esta vida jamais deve ser o mais importante, mas desfazer-se dela é desfazer-se de sua natureza gótica; suicidar é destruir a essência gótica.

A Origem do Movimento Gótico

Era o final dos anos Setenta, o cenário era extremo. De um lado encontrava-se a contestação ao sistema de extrema direita, feita pelos punks. Do outro lado uma cultura jovem alienada e psicodélica das discotecas. Neste conturbado período os jovens que procuravam pela arte e a cultura, estavam desfalcados e procurando por um espaço próprio de expressão de suas idéias. Este espaço começou a surgir com o aparecimento do estilo musical “coldwave” (onda fria, em inglês), era um som mais frio, gelado e apropriado para estes jovens que se reuniam em casas abandonadas, cemitérios para discutirem sobre cultura, realizarem saraus literários e apreciarem um bom vinho ou absinto.

O “coldwave” aos poucos começou a atrair músicos de outros estilos, algumas bandas originalmente punks e os chamados ultra-românticos, desse modo formando os primeiros Darks nos primórdios dos anos oitenta. Neste período a coldwave se espalhou pelo mundo, originando bandas como Siouxie and the Banshees, Bauhaus, Joy Division, The Cure, Xmal Deutschland, The Sisters of Mercy e tantos outros.

Na virada dos anos oitenta para noventa, os primeiros darks saíram de cena e abriram espaço para os góticos. Estes chegaram com um visual mais complexo e estiloso, buscando ainda mais por um refinamento musical e assumindo uma atitude de estilo de vida sombrio.

A cultura gótica sempre esteve ligada com a arte. Não importando qual fosse essa, música, poesia, pintura, escultura, e vem manifestando-se ora como um sentimento nostálgico, ora melancólico, ás vezes tenebroso e sempre celebrando um lado sombrio da vida e da arte. Você não se torna gótico, você nasce como um desde o primeiro dia de sua vida, encontrando a arte na escuridão.

Literatura Gótica

Na literatura o termo gótico se refere a uma forma peculiar de romance popular do século XVIII. Romances góticos continuaram a serem escritos no século XIX e reapareceram com maior intensidade no século XX. É também conhecida como a “literatura do pesadelo”.

Esse tipo de literatura emergiu como uma forma de romantismo, mas procurando mostrar o lado mais negro e obscuro do ser. A literatura gótica impõe o sentido do pavor, uma fusão entre o medo, dor e melancolia.

A literatura Gótica faz uma grande distinção entre o bem e o mal. São muito citados nos textos góticos a noite, o pessimismo, a loucura, os sonhos, as sombras, as quedas, o medo, a decomposição, a atração pelo abismo, sem se esquecer da principal a morte e a vida.

Podemos citar diversos autores, não só aqueles obvimente citados entre os autores góticos, como também aqueles mais classificados como romancistas, expressionistas, surrealistas, etc… Anne Rice, H.P Lovecraft, Álvares de Azevedo, Adous Huxley, George Orwell, Edgar Allan Poe, Lord Byron… são apenas alguns nomes da extensa lista de autores do estilo gótico.

Entre as obras mais famosas desse gênero podemos citar: Frankenstein (Mary Shellley),
As Flores do Mal, Drácula (Bram Stoker), A Rainhas dos Condenados e Entrevista com o Vampiro (Anne Rice), entre muitos outras.

No Brasil, a literatura gótica foi conhecida como Segunda Geração do Romantismo, ou Geração do Mal-do-Século. Podemos destacar nela, autores como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela, ambos influenciados por Lord Byron e Musset, chamada também de geração byroniana. Suas principais características, assim como a literatura gótica européia, era o egocentrismo, negativismo, pessimismo, dúvidas, desilusão adolescente e tédio constante. O tema preferido desses autores era a fuga da realidade, uma forma de manifesto e repúdio a sociedade da época e na exaltação da morte, outra forma de repúdio, mas através da liberdade que a morte traz em nos tirar desse mundo.

A Música Gótica

No final dos anos 70 e início dos anos 80, a raiva e a agressividde que incendiavam o movimento punk começam a ceder lugar a uma profunda depressão e um sentimento de insatisfação de um lado e falta de perspectiva do outro.

Na Inglaterra Margareth Tatcher assume o poder, triplica-se o desemprego e aumenta a inflação. Este é o cenário triste da chamada década perdida. Nas paradas musicais domina a pose e o “glamour” do pop inglês e da dance music com seus artistas poseurs e cintilantes.

Entretanto algo estava para acontecer em uma cidadezinha chamada Manchester, onde havia muita gente morando em subúrbios cinzentos recusando-se a enterrar o legado punk, e achando que aquele “pop poseur” tinha muito pouco a ver com a vida real na Inglaterra.

E é na mesma Manchester que surge o porta voz ideal destes angustiados de quarto, na figura de Ian Curtis, um dos primeiros a transformar toda essa melancolia e desilusão em música, através da sua banda Joy Division, que apesar da curta duração devido ao suicídio de Ian, seu vocalista, deixou como legado o rock mais melancólico e desesperado já feito, sendo uma das bandas mais representativas do movimento pós-punk, como ficou conhecido este substilo musical do rock, que apresentava elementos musicais do punk mas com uma dose de melancolia mais acentuada. E é dentro do pós-punk que encontramos as mais representativas bandas do chamado estilo gótico, que no Brasil também foi chamado de “dark”, devido a preferência por roupas pretas de seus adeptos.

É nos anos 80 que a morte será o tema mais recorrente nas canções, sendo igualmente comuns temas como melancolia, desespero, abandono, decepções amorosas e falta de perspectivas. Estes temas se fazem presentes nas músicas de um certo grupo suburbano de Crowley, Sussex, Inglaterra, chamado The Cure, cujo vocalista Robert Smith com seu jeito soluçante de cantar, cabelos desgrenhados e olhos pintados de preto, fez a “alegria” dos cultuadores de deprê em suas canções.

Entretanto a cristalização do gótico enquanto gênero esteve a cargo de um quarteto de Northampton (Inglaterra), que em seu primeiro single fala de um tal Bela Lugosi, famoso vampiro dos anos 30, e cujo vocalista Peter Murphy delirava pesadelos com sua voz soturna sob um baixo pesadão e efeitos macabros de guitarra, falando de temas como morte, vampiros, morcegos e rituais pagãos. O nome do grupo, Bauhaus era uma referência a escola alemã de arquitetura que na década de 1930 teve suas portas fechadas pelos nazistas devido a ligações com o expressionismo alemão, considerado por Hitler uma “arte degenerada”.

A voz igualmente soturna de Andrew Eldritch foi o selo definitivo do movimento gótico, sendo seu grupo, “The Sister of Mercy” considerado, com toda razão,um dos maiores representantes do gênero, além de possuirem até hoje uma influência marcante em tudo que diga respeito ao estilo. Dois ex-membros do SOM formaram ainda um outro grupo seminal do gótico em 1985, “The Mission”.

Não se pode também esquecer as musas, pra ser mais exata duas musas, madrinhas, divas e rainhas máximas do gótico: Siouxsie Sioux e Anja Howe.

Comecemos por Siouxsie, com seu estilo misto de diva dos anos 20 e de prostituta nos seus belos olhos extremamente maquiados. Siouxsie e seus banshees eram majestades únicas do reinado gótico. Guitarras distorcidas, batida tribal, harmonias fluidas e climas mórbidos se traduziam em pérolas como “A Kiss in the Dreamhouse”, “Kaleidoscope” e “Nocturne”. Siouxsie também foi uma das primeiras cantoras a liderar uma banda “mais pesada”. Nascidos no movimento punk,”Siouxsie & The Banshees” souberam fazer a perfeita transição para o gótico, sendo um dos precursores do estilo.

Quanto a sua majestade loira, Anja Howe, a vocalista da banda underground alemã “X-Mal Deutschland”, pode ser considerada pioneira do estilo gótico na terra de Goethe, com sua voz inconfundível, acompanhada de guitarras e baixo linha serra elétrica. Eram também comuns na banda o uso de recursos eletrônicos, criando sons viajantes que mesclados ao vocal sedutor criavam texturas delirantes num perfeito clímax lírico-depressivo, levando os “mortos vivos” à loucura através de obras primas como “Incubus Succubus”,”Tocsin” e a maravilhosa “Matador”.

Seria ainda uma grande injustiça da minha parte deixar de citar outras bandas igualmente seminais do estilo gothic e do darkwave como Clan of Xymox, Mission, Opera Multi Steel, Poesie Noire, Cult, Switchblade Symphony, Love is Colder than Death…bem são tantas que fica até difícil citar todas, em mais uma prova do quanto o estilo é prolífico.

No finalzinho da segunda metade da década de 1980 porém, o clima começa a tornar-se inóspito para morcegões e afiliados, e o estilo gótico começa a entrar em decadência, significando o fim de muitos grupos que consagraram o gênero, deixando orfãos e famintos de sangue muitos “nosferatus”, e fazendo as noites enevoadas de Londres perder muito de seu charme.

Por Beatrix Algrave

Gothic Metal

Quem disse que o gótico morreu no final da década de 80 estava muito enganado. Aqui está o gothic metal para provar o contrário.

Como uma fênix nascida das cinzas de um estilo praticamente acabado, a música gótica ganhou peso e uma nova roupagem, mas sem deixar de lado a melancolia e obscuridade que caracterizavam o estilo.

Na década de 90, várias bandas começam a fazer um som mais voltado para o lado do peso, mas ao mesmo tempo sem deixar de lado a raiz negra que caracterizava o estilo anos atrás. A melancolia, a depressão, a angústia, o clima mórbido das canções, tudo estava lá, ainda mais completo, contando com elementos da música clássica, tudo isso sem esquecer dos contrastes dos vocais líricos e os guturais.

Aliado a novos fatores agora a música gótica, em sua versão século XXI, vem acompanhada de outros estilos que completam ainda mais a sonoridade de cada banda. Podendo ser misturada ao black metal, ao death metal, ao power metal, a música gótica atual deixou de ser apenas um filho bastardo do movimento punk para ganhar seu próprio espaço dentro da música.

Uma das principais inovações do gothic metal é o famoso metal “Bela e a Fera”, que é uma característica muito comum na maioria das bandas góticas. Representando a ambivalência presente nesse estilo, é o mais perfeito contraste entre os doces e belos vocais líricos e dos nervosos vocais guturais.

After Forever, Within Temptation, Tristania, The Sins of Thy Beloved, Theatre of Tragedy, Sirenia, Epica, etc. são apenas algumas das diversas bandas que possuem os vocais “bela e fera”, claro que cada uma possui diversas outras características que tornam sua sonoridade única.

A banda sueca Therion também possui vozes masculinas e femininas, mas na fase atual da banda, esses vocais dividem-se em soprano e tenores.

A Finlândia é um dos países onde mais nascem bandas com influências góticas, talvez o clima frio seja propício para isso… Sendo a finlandesa Nightwish o mais perfeito exemplo disto. Eles fazem um metal gótico misturado ao power metal, sendo uma das mais influentes do estilo. Mas isso já era de se imaginar, a banda possui o belíssimo vocal lírico de Tarja Turunen, aliado as profundas composições de Tuomas Holopainen e ainda conta com músicos de altíssima qualidade para complementar ainda mais a sonoridade do Nightwish.

Saídos do mesmo território que o Nightwish não poderíamos deixar de lado o love metal das bandas HIM e To/Die/For.
Também não podemos esquecer do For My Pain, do tecladista do nightwish e músicos da extinta Eternal Tears of Sorrow, do Poisonblack de Ville Laihiala ex-sentenced, do próprio Sentenced, dos veteranos do The 69 Eyes, do Entwine, entre muitas outras, afinal as bandas finlandesas nunca param de aparecer…

O Brasil também possui diversas bandas que fazem um som de altíssima qualidade, apenas ainda não caíram nas graças das grandes gravadoras, mas esbanjam competência para isso. Bons exemplos de bandas góticas nacionais podemos ter com a Simphonia Nocturna e a santista Master of Darkness, que além de covers possuem trabalhos próprios e estão apenas esperando ser descobertos para compartilhar seu talento com o resto do mundo.

Portugal já contribuiu com o cenário gótico mundial com a maravilhosa Moonspell, que vem presenteando o mundo com as composições de Fernando Ribeiro desde 1989.

Dos países latinos a Itália também gerou o Lacuna Coil, que agora encanta ao mundo com a belíssima voz de Cristina Scabbia.

Recentemente temos ouvido falar muito de duas bandas, cujos líderes deixaram suas antigas bandas que já tinham conquistado seu lugar na cena gótica, para partirem para novos projetos.

É esse o caso do recém surgido Epica, do ex-After Forever Mark Jansen, com seu som inovador repleto de influências árabes, e a mais perfeita harmonia entre o vocal gutural e o lírico. Possui apenas um álbum full-length lançado, o The Phanton Agony, mas já conquistou inúmeros fãs em todos os cantos do mundo. É o caso também do Sirenia, que surgiu logo depois de Morten Veland deixar o Tristania. Morten sentiu se realizado com a banda, tanto como compositor quanto como músico. Compôs, arranjou e tocou os dois álbuns da banda, que existe deste 2001.

Por Daniele Ferreira
16 de Junho de 2004.

A arquitetura Gótica

A arquitetura gótica, em termos de estética, qualidade, estrutura e acabamento, é considerada uma das mais belas e fascinantes de todo o mundo.

O estilo gótico é identificado como o período das grandes catedrais. De fato, com suas construções começaram a ser definidos os princípios fundamentais desse estilo. O gótico teve início na França, novo centro de poder depois da queda do Sacro Império, emmeados do século XII, e terminou aproximadamente no século XIV, embora em alguns países do resto da Europa, como a Alemanha, se entendesse até bem depois de iniciado o século XV.

O gótico era uma arte imbuída da volta do refinamento e da civilização na Europa e o fim do bárbaro obscurantismo medieval. A palavra gótico, que faz referência aos godos ou povos bárbaros do norte, foi escolhida pelos italianos do renascimento para descrever essas descomunais construções que, na sua opinião, escapavam aos critérios bem proporcionados da arquitetura.

Foi nas universidades, sob o severo postulado da escolástica – Deus Como Unidade Suprema e Matemática -, que se estabeleceram as bases dessa arte eminentemente teológica. A verticalidade das formas, a pureza das linhas e o recato da ornamentação na arquitetura foram transportados também para a pintura e a escultura. O gótico implicava uma renovação das formas e técnicas de toda a arte com o objetivo de expressar a harmonia divina.

A arquitetura gótica se apoiava nos princípios de um forte simbolismo teológico, fruto do mais puro pensamento escolástico: as paredes eram a base espiritual da Igreja, os pilares representavam os santos, e os arcos e os nervos eram o caminho para Deus. Além disso, nos vitrais pintados e decorados se ensinava ao povo, por meio da mágica luminosidade de suas cores, as histórias e relatos contidos nas Sagradas Escrituras.

O século X encontra a Europa em crise. O poder real, enfraquecido, foi substituído pelo feudalismo. Invasões ameaçam a França. Desprotegidos, o povo se organiza em torno dos castelos feudais, únicas – e precárias – fortalezas. A tensão popular conttribui para que se espalhe a crença propagada pela Igreja de que se aproxima o juízo final: o mundo vai acabar no ano 1000. A arte românica, expressão estética do feudalismo, reflete o medo do povo. Esculturas anunciam o apocalipse, pinturas murais apavorantes retratam o pânico que invade não só a França mas toda a Europa Ocidental. Chega o ano 1000 e o mundo não acaba. Alguma coisa precisa acontecer.
Em 1905, surgem as primeira Cruzadas. O feudalismo ainda permanece, mas tudo indica que não poderá resistir por muito tempo. Novos pensadores fazem-se ouvir, propagando suas idéias. Fundam-se as primeiras Universidades. Subitamente, a literatura cresce em importância. Muitos europeus, até então confinados à vida nas aldeias, passam a ter uma visão mais ampla do mundo. Profunda mudança social está a caminho.

Pressentindo a queda do feudalismo, a arte antecipa-se aos acontecimentos e cria novo estilo, que irá conviver durante certo tempo com o românico, mas atendendo às novas necessidades. Verdadeiro trabalho de futuristas da época, o estilo gótico surge pela primeira vez em 1127, na arquitetura da basílica de Saint-Denis, construída na região de Ile-de-France, hoje Paris.

As Catedrais Góticas

A primeira diferença que notamos entre a igreja gótica e a românica é a fachada. Enquanto, de modo geral, a igreja românica apresenta um único portal, a igreja gótica tem três portais que dão acesso à três naves do interior da igreja a nave central e as duas naves laterais.

A arquitetura expressa a grandiosidade, a crença na existência de um Deus que vive num plano superior; tudo se volta para o alto, projetando-se na direção do céu, como se vê nas pontas agulhadas das torres de algumas igrejas góticas.

A rosácea é um elemento arquitetônico muito característico do estilo gótico e está presente em quase todas as igrejas construídas entre os séculos XII e XIV.

Outros elementos característicos da arquitetura gótica são os arcos góticos ou ogivais e os vitrais coloridíssimos que filtram a luminosidade para o interior da igreja.

As catedrais góticas mais conhecidas são Catedral de Notre Dame de Paris e a Catedral de Notre Dame de Chartres.

A Pintura Gótica

A pintura gótica desenvolveu-se nos séculos XII, XIV e no início do século XV, quando começou a ganhar novas características que prenunciam o Renascimento. Sua principal particularidade foi a procura o realismo na representação dos seres que compunham as obras pintadas, quase sempre tratando de temas religiosos, apresentava personagens de corpos pouco volumosos, cobertos por muita roupa, com o olhar voltado para cima, em direção ao plano celeste.

Os principais artistas na pintura gótica são os verdadeiros precursores da pintura do Renascimento.

Giotto é um dos maiores e melhores representantes desse estilo, a principal característica do seu trabalho foi a identificação da figura dos santos com seres humanos de aparência bem comum. E esses santos com ar de homem comum eram o ser mais importante das cenas que pintava, ocupando sempre posição de destaque na pintura. Assim, a pintura de Giotto vem ao encontro de uma visão humanista do mundo, que vai cada vez mais se firmando até ganhar plenitude no Renascimento.

Suas maiores obras são os Afrescos da Igreja de São Francisco de Assis (Itália) e Retiro de São Joaquim entre os Pastores.

O pintor Jan Van Eyck procurava registrar nas suas pinturas os aspectos da vida urbana e da sociedade de sua época. Nota-se em suas pinturas um cuidado com a perspectiva, procurando mostrar os detalhes e as paisagens.

Suas maiores obras são: O Casal Arnolfini e Nossa Senhora do Chanceler Rolin.

A ilustração gótica

Iluminura é a ilustração sobre o pergaminho de livros manuscritos (a gravura não fora ainda inventada, ou então é um privilégio da quase mítica China). O desenvolvimento de tal genero está ligado à difusão dos livros ilustrados patrimônio quase exclusivo dos mosteiros: no clima de fervor cultural que caracteriza a arte gótica, os manuscritos também eram encomendados por particulares, aristocratas e burgueses. É precisamente por esta razão que os grandes livros litúrgicos (a Bíblia e os Evangelhos) eram ilustrados pelos iluministas góticos em formatos manejáveis.

Durante o século XII e até o século XV, a arte ganhou forma de expressão também nos objetos preciosos e nos ricos manuscritos ilustrados. Os copistas dedicavam-se à transcrição dos textos sobre as páginas. Ao realizar essa tarefa, deixavam espaços para que os artistas fizessem as ilustrações, os cabeçalhos, os títulos ou as letras maiúsculas com que se iniciava um texto.

Da observação dos manuscritos ilustrados podemos tirar duas conclusões: a primeira é a compreensão do caráter individualista que a arte da ilustração ganhava, pois destinava-se aos poucos possuidores das obras copiadas, a segunda é que os artistas ilustradores do período gótico tornaram-se tão habilidosos na representação do espaço tridimensional e na compreensão analítica de uma cena, que seus trabalhos acabaram influenciando outros pintores.

Os vitraios

O efeito milagroso dos vitrais, que foram usados em quantidades cada vez maiores à medida que a nova arquitetura começava a comportar mais janelas, de dimensão cada vez maiores. No entanto, a técnica do vitral já havia sido aperfeiçoada no período românico, e os estilo dos desenhos demorou a mudar, embora a quantidade de vitrais exigida pelas novas catedrais fizesse com que as iluminuras deixassem de ser a forma principal de pintura. Criar uma figura verdadeiramente monumental com as técnicas dos escultores, em si é algo como um milagre: os primitivos métodos medievais de manufatura de vidros não permitiam a produção de grandes vidraças, de modo que essas obras não de pintavam sobre vidro, mas sim “pintura com vidro”, com exceção dos traços em preto ou marrom que delineavam os contornos das figuras. Sendo mais trabalhosa que a técnica dos mosaicistas bizantinos, a dos mestres-vidreiros envolvia a junção, por meio das tiras de vidro, dos fragmentos de formas variadas que acompanhavam os contornos de seus desenhos. Sendo bastante adequado quando ao desenho ornamental abstrato, o vitral tende a resistir a qualquer tentativa de se obter efeitos tridimensionais.

O uso do arcobotante e dos contrafortes tornou possível o emprego de grandes aberturas preenchidas com belíssimos vitrais.

A função dos vitrais não se reduz à de mero complemento decorativo da igreja gótica. O vitral – parede translúcida – adquire caráter estrutural ao contribuir decisivamente para a configuração de um determinado sentido da arquitetura; mais exatamente do espaço interior.
Após 1250, houve um declínio da atividade arquitetônica, o que reduziu as encomendas de vitrais. Nessa época, entretanto, a iluminura adaptara-se ao novo estilo, cujas origens remontavam às obras em pedra e vidro.

Giotto

Giotto di Bondone, 1267-1337. O revolucionário tratamento que dava à forma e o modo que representava realisticamente o espaço “arquitetônico” (de maneira que as dimensões das figuras eram proporcionais às das construções e paisagens circundantes) assinalaram um grande passo adiante na história da pintura. A opinião generalizada é que a pintura gótica chegou a seu ápice com Giotto, o qual veio a ordenar, abarcar e revigorar tão esplendidamente tudo que se fizera antes.Pela primeira vez temos na pintura européia o que o historiador Michael Levey denomina “uma grande personalidade criativa”. No entanto, a verdadeira era das personalidades criativas foi a Renascença, e não sem motivo que os estudiosos desse período começam sempre por Giotto.Um gigante, ele encompassa as duas épocas, sendo homem de seu tempo e, simultaneamente, estando à frente dele.As datas, porém coloca-nos firmemente no período gótico, com sua ambiência de graça espiritual e um deleite primaveril no frescor das cores e na beleza do mundo visível. A realização das artistas góticos foi representar solidez da forma, ao passo que pintores anteriores mostravam um mudo essencialmente linear, carente de volume e pobre de substância (a despeito de seu vigor espiritual).

Para Giotto, o mundo real era a base de tudo. O pintor tinha verdadeira intuição da forma natural, criando uma maravilhosa solidez escultórica e uma humanidade sem afetações, características que mudaram os rumos da arte.

A Capela degli Scrovegni, em Pádua, Itália, está adornada com a maior das obras de Giotto que chegaram até nós, um ciclo de afrescos pintado por volta de 1305 para mostrar cenas da vida da Virgem e da Paixão.Os afrescos dão volta às paredes da capela.

Outros artistas sobressaíram na pintura gótica, sendo eles: Simone Martini (discípulo de Duccio), os irmãos Lorenzetti Pietro e Ambrogio (identificaram com Giotto).

Escultura Gótica

De modo geral a escultura do período gótico estava associada à arquitetura. Nos tímpanos dos portais, nos umbrais ou no interior das grandes igrejas, os trabalhos de escultura enriqueceram artisticamente as construções e documentaram na pedra, os aspectos da vida humana.

Os portais da fachada de Saint-Denis e os admiráveis portais principais da Catedral de Chartres trata-se, provavelmente, dos mais antigos e completos exemplos da escultura gótica. A simetria e a clareza substituíram os movimentos frenéticos e as multidões; as figuras não são mais emaranhadas entre si, mas eretas e independentes, de modo que se visualiza muito melhor o conjunto a grande distância. É particularmente admirável o tratamento dado às ombreiras da porta, onde se alinham os de alinham figuras esguias adossadas a colunas. Em vez de serem tratadas essencialmente como relevos esculpidos na cantaria, ou projetando-se a partir dela, são na verdade estátuas, cada qual com seu próprio eixo; pelo menos em teoria, poderiam ser destacadas das colunas que lhes servem de suporte. As suas cabeças já possuem uma suavidade humana que evidencia a busca por uma maior realismo.

Na Alemanha a arte gótica como a conhecemos até o presente, reflete um desejo de conferir aos temas tradicionais do cristianismo, um apelo emocional cada vez mais intenso, mas destinada a devoções particulares. A escultura gótica italiana, assim como a arquitetura, ocupa um lugar a parte em toda a Europa. Iniciou-se provavelmente no extremo sul, na Apúlia e na Sicília, que tinham preferências que favoreciam ao estilo clássico.

Cinema Gótico

A sétima arte está repleta de obras-primas do gênero terror-suspense, filmes que de uma forma ou de outra expressam e exibem a face obscura e irracional da imaginação humana.

O gênero de cinema gótico nos remete as mais diversas sensações, desde o horror até os mais profundos sentimentos humanos.

Os filmes de terror nasceram praticamente junto com a cinematografia. O primeiro filme do gênero surgiu em 1896 e chamava-se “Escamotage d’Une Dame Chez Robert Houdin”, e em 1912 veio “A conquista do pólo” no qual um expedicionário era devorado pelo abominável homem das neves.

Passando por clássicos como O gabinete do Dr. Caligari de Weine e Nosferatu de Murnau, até o sádico Freddy Krueger nos anos 80, o gênero é um dos mais prolíficos já inventados.

Dentre os muitos filmes do gênero gótico famosos em todo o mundo, podemos citar entre os mais antigos “Frankenstein” e “Nosferatu”, que se transformaram em mitos do cinema gótico através dos anos. Entre os filmes mais atuais, podemos citar “A Lenda do cavaleiro sem cabeça”, “Entrevista com o vampiro”, “A Rainha dos Condenados”, entre muitos outros.

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A Verdadeira História do Necronomicon

“basta que um livro seja possível para que exista.”
– Jorge Luis Borges

Escrevendo sonhos…

 

Dentro dos contos que formam o Mito de Cthulhu, o leitor se depara com duas dimensões: o mundo humano normal e o Exterior infestado. É a tensão ontológica entre essas duas dimensões que dá poder ao Realismo Mágico Lovecraftiano. Apesar de Cthulhu e seus amigos possuírem aspectos materiais, a sua realidade é horrenda quando paramos para escutar o que ela diz a respeito do universo. Como o estudioso de Lovecraft, T.S. Joshi observa, os narradores dos contos de Lovecraft freqüentemente enlouquecem “não por causa de qualquer tipo de violência física nas mãos de entidades sobrenaturais, mas pela mera realização da existência de uma tal raça de deuses e seres”. Diante de “reinos cuja mera existência atordoa o cérebro”, eles experienciam graves dissonâncias cognitivas – precisamente os tipos de ruptura desorientadoras buscadas pelos magos do Caos.

O jogo RPG “O Chamado de Cthulhu” expressa maravilhosamente a violência desta mudança de paradigma Lovecraftiana. Em jogos de aventura como “Dungeons & Dragons”, uma das medidas mais significativas do seu personagem são seus pontos de dano – um número que determina quanto de punição física seu personagem pode receber antes de se ferir ou morrer. “O Chamado de Cthulhu” substitui esta característica física pela categoria psíquica da sanidade. Encontros face-a-face com Yog-Sothoth ou os insetos de Shaggai tira pontos de sua sanidade, e o mesmo acontece com a sua descoberta de mais informações sobre os Mito – quanto mais você descobrir a partir de livros ou cartas astrológicas, maior a chance de você acabar no Asilo de Arkham. Poder mágico também vêm com um preço irônico, um preço diante do qual os magos lovecraftianos deveria se acautelar. Se você usar qualquer um dos rituais presentes no De Vermis Mysteriis ou nos Manuscritos Pnakóticos, você necessariamente vai aprender mais sobre o Mito e, assim, perder mais um pouco da sua sanidade.

Os heróis acadêmicos de Lovecraft investigam o Mito não apenas se utilizando de leitura e pensamento mas também de movimentos através do espaço físico, e esta exploração psicológica atrai a mente do leitor diretamente para o loop. Normalmente, os leitores suspeitam que a verdade sombria do Mito enquanto o narrador ainda se apega a uma atitude cotidiana – uma técnica que sutilmente força o leitor a se identificar mais com o “Exterior” do que com a visão de mundo convencional do protagonista. Sob um ponto de vista mágico, a cegueira dos heróis de Lovecraft corresponde a um elemento crucial da teoria ocultista desenvolvida por Austin Osman Spare: o de que a magia age sobre e contra a mente consciente, que o pensamento comum deve ser silenciado, distraído, ou completamente perturbado para que a vontade ctônica possa se expressar.

Para conseguir invadir nosso plano, as entidades Lovecraftianas precisam de um portal, uma interface entre os mundos, e Lovecraft enfatiza dois: livros e sonhos. Para invadir o nosso avião, entidades de Lovecraft precisa de um portal, uma interface entre os mundos, e Lovecraft enfatiza dois: livros e sonhos. Em “Sonhos na Casa da Bruxa”, “A Sombra Fora do Tempo” e “A Sombra sobre Innsmouth”, sonhos infectam seus hospedeiros com uma virulência que se assemelha às posses psíquicas mais evidentes que ocorrem em “O Assombro Nas Trevas” e o “Caso de Charles Dexter Ward”. Como os próprios monstros, os sonhos de Lovecraft são forças autônomas rompendo do Exterior e engendrando sua própria realidade.

Mas esses sonhos também evocam um “Exterior” mais literal: a estranha vida de sonhos do prórpiro Lovecraft, uma vida que (como o fã informado sabe) inspirou diretamente alguns de seus contos. Semeando seus textos com seus próprios pesadelos, Lovecraft cria uma homologia autobiográfica entre ele e seus protagonistas. As próprias histórias começam a sonhar, o que significa que também o leitor situa-se no caminho da infecção.

Lovecraft se coloca em seus contos devárias maneiras – os protagonistas em primeira pessoa refletem aspectos de seu próprio estilo de vida recluso e livresco, a forma epistolar do “Um Sussurro nas Trevas” ecoa seu próprio compromisso com a troca regular de correspondência; nomes de personagens são tirados de amigos e a paisagem da Nova Inglaterra que é a sua própria. Esta auto-reflexão psíquica parcialmente explica por que os fãs de Lovecraft geralmente tornam-se fascinados com o próprio homem, um solitário recluso que tinha a correspondência como forma de socialização, exaltava o século XVIII e adotou a aparência e os maneirismos de um velho ranzinza. A vida de Lovecraft e, certamente, sua volumosa correspondência pessoal fazem parte de seu Mito.

Desta forma, Lovecraft solidifica assim sua realidade virtual ao adicionando elementos autobiográficos ao seu mundo compartilhado de criaturas, livros e mapas. Ele também cria uma aura de documentário ao tornar seus contos mais densos com manuscritos, recortes de jornais, citações eruditas, entradas de diário, cartas, e bibliografias que listam livros falsos ao lado de clássicos reais. Tudo isso produz a sensação de que “fora” de cada conto indivídual encontra-se um mundo meta-ficcional que paira à beira do nosso próprio, um mundo que, como os próprios monstros, está constantemente tentando romper nossa realidade para se tornar atual. E graças aos escritores que expandiram o Mito, aos RPG’s e magos sinistros, ele está conseguindo.

 

… e sonhando o Livro

 

Em “A Sombra Fora do Tempo”, Lovecraft torna explícita uma das equações fantásticas que impulsiona seu Realismo Mágico: a equivalência entre sonhos e livros. Por cinco anos o narrador, um professor de economia chamado Nathaniel Wingate Peaslee, é tomado por uma misteriosa “personalidade secundária.” Depois de recuperar sua identidade original, Peaslee é atormentado por sonhos poderosos em que ele se encontra em uma cidade estranha, habitando um enorme corpo brotando repleto de tentáculos, escrevendo a história do mundo ocidental moderno em um livro. No clímax do conto, Peaslee viagensja para o deserto australiano para explorar ruínas antigas enterradas sob as areias, lá ele descobre um livro escrito em Inglês, de próprio punho: o mesmo volume de que ele havia produzido dentro de seu corpo de sonho monstruoso.

Embora não tenhamos conhecimento de seu conteúdo, a não ser pequenos fragmentos, os grimórios diabólicos de Lovecraft são tão pestilentos que até mesmo olhar para os seus sigilos sinistros se mostra perigoso. Tal como acontece com os seus sonhos , estes textos se tornam obsessões para os protagonistas estudiosos de Lovecraft, chegando a um ponto em que os volumes, nas palavras de Christopher Frayling, “vampirizam o leitor”. Seus títulos, por si só, são palavras mágicas, os encantamentos alucinógenos de um antiquário excêntrico: os manuscritos Pnakóticos, o Papiro Ilarnet, o texto de R’lyeh, os Sete Livros Enigmáticos de Hsan. Os amigos de Lovecraft contribuiram com o De Vermis Mysteriis e o Unaussprechlichen Kulten de von Junzt, e Lovecraft batizou o autor de seu Cultes Des Goules de conde d’ Erlette, homenageando seu jovem fã August Derleth. Pairando sobre todos esses tomos sombrios está o “temível” e “proibido” Necronomicon, um livro de invocações blasfemas para acelerar o retorno dos Antigos. O fetiche intertextual supremo de Lovecraft, o Necronomicon, se destaca como um dos poucos livros míticos na literatura que tenham absorvido tanta atenção imaginativa que conseguiram se materializar, publicados, em nossa realidade.

Se os livros devem a sua vida não para os seus conteúdos individuais, mas para a rede intertextual de referências e citações dentro do qual são criados, então o temido Necronomicon claramente possui vida própria. Além de estudos literários, o Necronomicon tem gerado numerosas análises pseudo-eruditas, incluindo a “História do Necronomicon”, escrita pelo próprio Lovecraft. Uma série de perguntas frequentes podem ser encontrados na Internet – onde guerras costumam estourar periodicamente entre magos, os fãs de horror e especialistas em mitologia – sobre a realidade do livro. A entidade morta-viva à qual se refere o famoso par de versos do Necronomicon:

“Não está morto o que pode eternamente jazer,
Ainda, em eras estranhas, até a morte pode morrer”

pode ser nada mais nada menos do que o próprio texto em si, sempre à espreita nas margens da realidade.

 

A breve “História”, escrita por Lovecraft, foi aparentemente inspirada pelo primeiro Necronomicon falso: um estudo de uma edição do tomo temido, submetido ao Massachusetts Branford’s Review em 1934. Décadas mais tarde, cartões de índice para o livro começaram a aparecer em catálogos de bibliotecas universitárias .

É talvez o princípio do Realismo Mágico de Lovecraft,que torne possível que todas essas referências fantasmagóricas finalmente tenham manifestado o livro. Em 1973, uma edição de Al Azif (nome árabe do Necronomicon) apareceu, composto por oito páginas de uma imitação detexto sírio repetidas 24 vezes. Quatro anos depois Satanistas nova iorquinos da de Magickal Childe publicaram o Necronomicon de Simon, um saco de gatos repleto de mitos sumérios e quase nenhum material Lovecraftiano (embora o livro traga um aviso que porções foram “propositadamente deixadas de fora” para a “segurança do leitor” ). O Necronomicon de George Hay – também uma criança dos anos 1970, conhecido como O Livro dos Nomes Mortos, se mostrou o mais complexo, intrigante e lovecraftiano de sua época. No espírito pseudoerudito do mestre, Hay pareia as invocações fabulosas de Yog-Sothoth e Cthulhu com um conjunto de ensaios analíticos, literários e históricos.

Embora sejam comuns os magos que afirmam que mesmo o livro Simon faz maravilhas, as pseudo histórias dos vários Necronomicons são muito mais atraentes do que os próprios textos. O próprio Lovecraft ofereceu as bases sobre as quais a história do livro seria erguida: o texto foi escrito em 730 dC por um poeta, o louco árabe Abdul Al-hazred, recebendo seu nome dos sons noturnos dos insetos. Posteriormente, foi traduzido por Theodorus Philetas para o grego, por Olaus Wormius para o latim e por John Dee para o Inglês. Lovecraft lista várias bibliotecas e coleções particulares, onde fragmentos do volume residem, e insunua que o escritor de fantasia R.W. Chambers derivou o livro monstruoso e suprimido, citado em seu romance “O Rei de Amarelo” a partir de rumores do Necronomicon (Lovecraft chegou a dizer que obteve sua inspiração nos trabalhos de Chambers).

Todos os subseqüentes pseudo-histories do Necronomicon colocam e removem o livro da história real do ocultismo, com John Dee desempenhando um papel particularmente notável. Segundo Colin Wilson, a versão do texto publicado no Necronomicon de Hay fazia parte do texto cifrado em enoquiano de Dee, o Liber Logoaeth. O FAQ sobre o Necronomiconm escrito por Colin Low, afirma que Dee descobriu o livro na corte do rei Rodolfo II em Praga, e que foi sob a influência do livro que Dee e seu vidente, Edward Kelly, conseguiram seus mais poderosos encontros astrais. Nunca publicada, a tradução de Dee tornou-se parte da coleção célebre de Elias Ashmole, abrigado na Biblioteca Britânica. Foi lá que Crowley o leu, tirando livremente dele várias das passagens que usaria para escrever “O Livro da Lei”, de onde, finalmente, teria chegado até Lovecraft, graças a uma amante em comum que teria tido com Crowley: Sophia Greene – que chegou a se casar com Lovecraft. O papel de Crowley no conto de Low é apropriado, já que Crowley certamente conhecia o poder mágico de se combinar farsa com história.

A história do ocultismo é uma confabulação , ela se encontra apegada às suas genealogias, suas “verdades eternas e imutáveis”, fabricadas por revisionistas, loucos e gênios, suas tradições esotéricas são uma conspiração de influências em constante metamorfose. O Necronomicon não é a primeira ficção de gerar atividade mágica real dentro dessa zona de penumbra potente que se encontra entre a filologia e a fantasia.

Para dar um exemplo de uma época anterior, os manifestos Rosacruzes anônimos que apareceram pela primeira vez no início de do século XVII afirmavam se originar de uma irmandade secreta de Cristãos Herméticos que, finalmente, julgaram ser aquele o momento de sair da obscuridade. Muitos leitores imediatamente desejaram juntar-se ao grupo, no entanto é improvável que tal grupo tenha existido na época. Mas essa farsa trabalhou o desejo esotérico da época e inspirou uma explosão de grupos Rosacruzes “reais”. Apesar de um dos dois autores suspeitos dos manifestos, Johann Valentin Andreae, nunca ter assumido ou negado nada, ele fez referências veladas ao Rosacrucianismo como um “jogo engenhoso que uma pessoa disfarçada poderia gostar de brincar no cenário literária, especialmente em uma época apaixonada por tudo que fugisse do ordinário”. Tal como os manifestos Rosacruzes ou o Livro de Dzyan de Blavatsky, o Necronomicon de Lovecraft é o equivalente oculto da transmissão de rádio de Orson Welles da “Guerra dos Mundos”. Como o próprio Lovecraft escreveu: “Nenhuma história bizarra pode realmente causar terror se não for planejada com todo o cuidado e verossimilhança de uma farsa real”.

No “O Pêndulo de Foucault”, Umberto Eco sugere que a verdade esotérica é, talvez, nada mais do que uma teoria da conspiração semiótica, nascida de uma literatura auto-referencial infinitamente requentada – o tecido inter textual que Lovecraft tanto compreendia. Para aqueles que precisam fixar seus estados profundos de consciência em versões correspondentes objetivas, esta é uma acusação grave de “tradição”. Mas como os magos do caos continuam a nos relembrar, a magia não é nada mais do que a experiência subjetiva interagindo com uma matriz internamente consistente de sinais e efeitos. Na ausência de ortodoxia, tudo o que temos é o tantra dinâmico entre o texto e a percepção, da leitura e de sonho. Nos dias atuais a Grande Obra pode ser nada mais nada menos do que este “jogo engenhoso”, fabricando-se a si mesmo sem encerramento ou descanso, tecendo-se para fora do vazio resplandecente onde Azazoth se contorce em seu trono de Mandelbrot.

 

por Shub-Nigger, A Puta dos Mil Bodes

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Postagem original feita no https://mortesubita.net/lovecraft/a-verdadeira-historia-do-necronomicon/

Xamãs, Heróis e Dragões

Este texto é destinado principalmente a todos aqueles que sabem perfeitamente a diferença entre imaginação, fantasia e realidade, e exatamente por isso se sentiram “atraídos”, desde cedo, pelos mitos modernos – embora, talvez hoje saibam, estes sempre foram também uma parte dos mitos de outrora…

A chamada tradição oral é a preservação de histórias, lendas, usos e costumes através da fala. Origina-se do primórdio da história humana, quando ainda não havia a escrita e os materiais que pudessem manter e circular os registros históricos.

Na atualidade própria das classes iletradas, a tradição oral tem sido, contudo, muito valorizada pelos eruditos que se dedicam ao seu estudo e compilação (os contos dos Irmãos Grimm, por exemplo), ao considerarem que é na tradição oral que se fundamenta a identidade cultural mais profunda de um povo. Supõe-se, por exemplo, que a Ilíada e a Odisseia de Homero foram, inicialmente, longos poemas recitados de memória.

Joseph Campbell gostava de dizer que “o mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre”. Esse aparente paradoxo pode ser reconciliado se entendermos a tradição oral, mãe da mitologia, como a melhor forma com a qual o espírito humano pôde passar adiante suas experiências no contato com a essência das coisas, com o que há de eterno no mundo. Dessa forma, todas as variantes de um mesmo mito são, no fundo, uma mesma história. E toda mitologia é, no fundo, uma mesma mitologia, uma mitologia do espírito humano.

Mas hoje não vivemos mais em tribos e aldeias, e nem todos necessitam decorar tais histórias antigas. Além disso, não são os xamãs nem os anciãos quem nos passam os mitos, mas alguns poucos textos sagrados de outrora, que até hoje inspiram inúmeras variações na mente dos contadores de histórias modernos – a quem conhecemos, principalmente, como artistas. Existem mitos sendo recontados em todos os cantos: nos livros de vampiros adolescentes, nos filmes de Hollywood, nas séries de TV de fantasia, e até mesmo num gibi.

Desde pequeno eu fui imediatamente atraído pela mitologia dos super-heróis do século passado. E o meu predileto é Steve Rogers, o Capitão América, que era fisicamente fraco, mas ao passar pelo processo “mágico” do projeto do supersoldado, tornou-se um ser sobre-humano. No entanto, a maior força de Steve sempre foi sua honra e sua ética, sua compaixão pelos fracos – tão fracos e indefesos como ele fora um dia. Ora, essa história é um mito, e esse mito nada tem a ver com os Estados Unidos da América. Steve calhou de ter sido criado durante a Segunda Guerra, por quadrinistas americanos, e por isso serviu como um elemento patriótico na luta contra o nazismo. Mas a guerra acabou. As guerras passam, os mitos permanecem.

Por isso os heróis das histórias precisam continuar lutando suas guerras, e vivenciando suas aventuras e jornadas de heróis – tais histórias podem hoje terem se tornado superficiais, mitos “diluídos” em uma sociedade que em sua maior parte se esqueceu da espiritualidade antiga… Mas ainda continuam narrando, em essência, aquilo que está fora do tempo. Continuam se tratando de jornadas espirituais. Mesmo que não saibamos, estamos até os dias de hoje vivenciando a mitologia, apenas uma mitologia moderna, que nos chega através de gibis e filmes 3D, e não pela boca de um contador de histórias, próximo à fogueira no centro da aldeia, numa noite de céu estrelado – salpicado de super-heróis.

Essa reflexão pode não ter nada de aparentemente espiritual, mas isso é porque poucos interagem com os mitos. As histórias contadas da maneira antiga serviam principalmente para que cada homem e cada mulher se imaginassem como o herói ou heroína através de sua jornada. Não era algo para se ouvir e simplesmente decorar. Era algo para se ouvir, imaginar, experimentar, modificar, e só então passar adiante… Obviamente que as histórias foram alteradas, e seria estranho que não fossem. Mas, ainda mais estranho, é que tenham chegado aos dias atuais com sua essência inalterada – eis que são diversos modos de se abordar um mesmo mito, e o mito não se altera, pois sua essência reside fora deste mundo.

J. R. R. Tolkien foi um filólogo e escritor britânico que desde cedo se ressentiu do fato da maior parte da mitologia inglesa ter se perdido com o tempo. Ele decidiu resolver o problema criando uma nova mitologia inglesa. Claro que de nova ela não tinha nada, pois que todos os mitos são tão antigos quanto à humanidade, mas era uma mitologia moderna, uma mitologia que cativou seguidores em todo o mundo… Só para terem uma ideia, existem grupos que se reúnem para falar em quenya, um idioma fictício que existe apenas nas obras de Tolkien. Esses estão literalmente “entrando na história”, vivenciando o mito.

Mas foi através de Gary Gygax que encontramos uma forma totalmente inesperada de vivenciar mitos. Em 1974 ele adaptou, junto com seu amigo Dave Arneson, um jogo de guerra baseado no movimento de miniaturas em um tabuleiro. O tabuleiro passou a ser irrelevante, as partidas passaram a ocorrer principalmente na imaginação dos jogadores, e todos se tornaram contadores de histórias – novamente. No jogo de Gygax, o primeiro Role Playing Game da história (“Jogo de Interpretação de Personagens”), heróis enfrentavam jornadas épicas e aventuras sem fim, adentrando masmorras obscuras como labirintos de minotauros, e digladiando-se com dragões e outros seres mitológicos… Cabia ao jogador designado como mestre do jogo, um novo xamã da tribo, determinar o desenrolar da história – mas todas as escolhas dos heróis eram feitas por eles próprios, os jogadores. Todos estavam vivenciando a jornada.

Os resultados se suas ações eram determinados pelo resultado obtido em se arremessar poliedros regulares na mesa. Os famosos sólidos de Platão e Pitágoras continuavam a ser sagrados – são os rolamentos dos dados de 4, 6, 8, 12 e 20 faces que decidem o destino dos heróis (bem, existe também o dado de 10 faces, embora este não seja um poliedro regular). Todo jogo de RPG tem alguma coisa de experiência religiosa, mas foi só muito tempo depois de ter jogado a primeira vez, com cerca de 11 anos de idade, que me apercebi disso.

Cheguei a criar meu próprio mundo de fantasia e cenário de RPG. A mitologia moderna me atraiu, e não poderia ter sido de outra forma. Hoje compreendo: aquele jogo tão distinto, onde o tabuleiro existia principalmente em nossa mente, foi talvez a minha primeira experiência genuinamente espiritual.

E, se não lhes pareceu suficientemente profunda, gostaria de lembrar brevemente que quando um personagem com o qual jogamos RPG eventualmente morre na história, podemos ser ressuscitados por feitiços, mas também podemos ter de criar um novo personagem. E, não importa se este novo é um guerreiro ou ladrão, enquanto o antigo era um clérigo ou mago, nosso entendimento do jogo se desenvolveu, nosso potencial para jogar e interpretar cada vez melhor é hoje maior do que ontem. E, se tivermos de começar uma vez mais do nível 1, não significa que tenhamos perdido a experiência de um dia termos chegado, quem sabe, a um nível 13 ou 14… Um dia chegaremos finalmente ao nível 20, e depois quem sabe a semi-deuses, e depois a algum nível que nem mesmo Gygax descreveu nas regras. E teremos de criar novas regras nós mesmos.

Assim também ocorre com o espírito. Esta vida é meu mais novo personagem, e sinceramente não sei mais em que nível eu estou…

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» Poesia em quadrinhos

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Crédito das imagens: [topo] Jason Thompson; [ao longo] Divulgação (Capitão América/Marvel)

O Textos para Reflexão é um blog que fala sobre espiritualidade, filosofia, ciência e religião. Da autoria de Rafael Arrais (raph.com.br). Também faz parte do Projeto Mayhem.

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#Espiritualidade #Mitologia #Quadrinhos #RPG

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Almas Vintage

Shirlei Massapust

Em mandarim yāo (妖) significa um monstro, geralmente de origem exógena, com corpo formado de ectoplasma modelável, como o ātman (आत्म) do hinduísmo. Este termo passou para o nihongo como prefixo de palavras tais como yōkai (妖怪) ou monstro misterioso, yōma (妖魔) ou monstro mágico, yōtō (妖刀) ou kataná monstruosa, etc. Menos frequentemente yāo pode designar um humano que se tornou feiticeiro ou até um fantasma. Geralmente os imaginamos com má aparência, embora a partícula ocorra também em termos venturosos como yōen (妖艶), que designa uma personagem encantadora, sensual. A palavra utilizada para traduzir o inglês faery (fada) é geralmente yāojing (妖精), em mandarim, yojeong (요정) em hangul e yōsei (妖精) em nihongo.

Um ponto leva a outro. Pelas sílabas de yōkai (妖怪) obtemos os sinônimos yōbutsu (妖物) e kaibutsu (怪物), designando poder de mutação; algo que nos leva em trilha semântica ao bakemono (化け物), um ser com poder de metamorfose, apto a assumir ao menos duas formas distintas. Outras combinações do superlativo honorífico o (お) com bake (化け, mudando, corrompendo)[1] e o substantivo mono (物, objeto) dão-nos as variantes sinônimas obake (お化け) e obakemono (お化け物).[2]

No Japão uma casa mal assombrada é uma bakemono-yashiki (化物屋敷). No folclore oriental o ser humano tem ki (氣), uma força vital que nos sustenta e se espalha pelo meio-ambiente do mesmo modo que deixamos fios de cabelo, células mortas, fragmentos de unhas, suor, etc., para traz. Enquanto nossos restos matérias atraem ácaros que produzem fezes, nossos restos de carga atraem yōkai que, por sua vez, recarregam o ambiente com rastros de sua potência mutagênica e vivificante.

Casas repletas de mobília antiga e objetos que nunca são renovados acumulam carga até as coisas entrarem num estado de existência animista[3] indicativo da corrupção ou mudança, chamado de tamashī (魂), reikon (靈魂), konpaku (魂魄) e hakurei (魄霊)[4] em diferentes épocas. Isto que hoje conhecemos por bakemono é um corpo material (objeto, animal ou pessoa) que prodigiosamente muda daquilo que era antes para algo que vem a ser. Um exemplo: No templo budista Mannenji, localizado em Iwamizawa, Hokkaido, existe uma boneca chamada Okiku (お菊人形), antiga e já bastante erodida.

A tradição oral revela que este item foi comprado por Eikichi Suzuki, um rapaz de dezessete anos, no ano 1918, em Tanuki-Koji, na ilha Sapporo. Eikichi Suzuki deu Okiku à sua irmã de três anos, chamada Kikuko ou Kiyoko. A menina amou o presente e não se separou da boneca até morrer de virose no ano seguinte. Após a cremação do corpo da menina, Okiku foi posta no oratório da família bem ao lado da urna funerária. Com o passar do tempo o corte de cabelo em estilo okappa, antes nos ombros, alongou visivelmente. A família interpretou a mudança como sinal de que a sombra da morta penetrou naquele objeto por osmose, vivificando-o.

Em 1938 a família Suzuki se mudou para Sakhalin e doou Okiku ao templo, onde permanece exposta até hoje, junto à urna contendo as cinzas da falecida. Todos os anos romeiros participam duma cerimônia em memória de Okiku. Dizem que os olhos da boneca causam sensação de vigilância real. Dizem que sua boca abriu e que cabelos continuam a crescer. Graças à boneca, este templo acabou virando atração turística.[5]

É triste quando o bonequeiro, ningyōshi (kanji 人形師, kana にんぎょうし), fabrica o boneco, ningyō (kanji 人形, kanaにんぎょう), com propósitos artísticos e o item acaba na fogueira porque alguém julgou aquele objeto como algo capaz de absorver a moléstia e curar uma criança adoentada quando posto no leito onde ela dorme.

No Japão as bonecas não são apenas brinquedos infantis e muitas vezes representam símbolo da história dos costumes do país. Elas são chamadas de ningyō e ao longo de toda a história do Japão foram sofrendo pequenas modificações. As primeiras referências de bonecos são os haniwa, estatuetas de barro encontradas em tumbas pré-históricas, onde o que menos contava era o apelo decorativo. No período Heian (794-1185) eram usados para afastar demônios.

Inicialmente as bonecas eram muito simples, moldadas em palha ou papel sendo que as primeiras serviam para afastar epidemias e eram colocadas nas fronteiras das antigas aldeias. E para purificar corpo e alma, se usavam bonecas feitas de papel que depois eram jogadas no rio para levar embora os maus fluídos. (…) Durante o fechamento do país para o mundo, no período Edo (1603-1868), o país desenvolveu uma cultura própria. Neste período as bonecas ainda carregavam uma forte superstição pois muitas pessoas as tinham como amuleto para afastar pragas de plantações ou para garantir um bom parto. Mas foi em meio a esta mentalidade que surgiram as karakuri, bonecas que tocavam instrumentos e dançavam através de um sistema simples de cordas retorcidas, roldanas e fios.[6]

Noutro artigo já mencionamos a lenda da yōtō (妖刀), espada de uso bélico que se apega à sua função social, tem sede de sangue e induz qualquer usuário a continuar matando mesmo em tempos de paz. Outros artefatos de uso militar também podem ganhar vida, conforme narrativas folclóricas e artísticas. O abumi-guchi (鐙口) é o estribo de hipismo, utilizado por um comandante militar, que com o tempo se transforma numa criatura peluda.[7] Certa vez Ozamu Tezuka preencheu uma página do gibi Dororo (どろろ) com um único quadro onde equinos sem cabeça, de pescoços flamejantes, galopam assustando o protagonista. Parecem com a mula-sem-cabeça do folclore brasileiro.

Não é normal num gibi que o desenhista gaste uma página inteira com apenas um quadro, especialmente contendo uma cena desprovida de pertinência temática com o roteiro. Na página seguinte o menino sonha com o passado, lembrando de como ele se tornou um órfão predestinado à vida de ladrão.[8] Seriam aqueles cavalos de guerra decapitados anunciadores de pesadelos?[9] Na esperança de obter mais informações procurei pela primeira versão animada de Dororo (どろろ; 1969) cuja música da abertura e encerramento é pausada pela recitação de poemas por uma voz feminina. Na primeira interrupção ela fala sobre as posses do samurai moeru yoroini (燃えるよろいに) ou “armadura flamejante” e moeru uma (燃える馬) ou “cavalo flamejante”:

赤い夕日に照り映えて

燃えるよろいに燃える馬

天下めざしてつきすすむ

 

No crepúsculo vermelho

Armadura em chamas, cavalo em chamas

Correndo veloz, galopando pelo mundo[10]

Na abertura do remake de Dororo (どろろ; 2019) vemos a cena do quadrinho onde vários cavalos sem cabeça galopam numa fração de segundo e não tornam a aparecer no seriado em si, assim como nunca vemos a cena da putrefação do cadáver do protagonista igualmente presente naquela amostragem.

Nossa energia impregna num animal doméstico mimado em excesso do mesmo modo que entra em objetos estimados. Por isso a forma primária dum bakemono pode ser um ser vivo, como o bakeneko (化け猫, gato metamorfo). Um animal selvagem que atinge idade avançada para muito além do normal também se transforma, como o bake-danuki (化け狸, tanuki metamorfo). Isso é o contrário das lendas ocidentais de homens que viram animais (lobisomem, capelobo, etc.) pois no caso nipônico é o gato, o tanuki, a raposa, etc., que vira gente temporariamente ou reencarna como gente.

Quando itens domésticos ganham vida e senciência eles ainda estão apegados aos velhos usos e atuam de modo obsessivo compulsivo. Sendo assim, na China uma zhǒu shén (箒 神), chamada no Japão de wawakigami (ははきがみ), é uma vassoura que, descontroladamente, varre sozinha as folhas que caem em dias de vento frio.[11]

Objetos domésticos de uso regular só se tornam agressivos quando passionais, podendo buscar vingança contra pessoas que os inutilizaram ou os jogaram no lixo. Por conta disso, alguns santuários oferecem o serviço de “consolar” objetos quebrados ou que não são mais usados.[12] Muitos países como a Tailândia, por exemplo, constroem templos para alguns objetos com fama ou origem sobrenatural.[13] No Japão cerimônias de consolação são realizadas em templos budistas e xintoístas. Por exemplo, existe o festival hari kuyō (針供養), celebrado em 8 de fevereiro na região de Kanto, mas em 8 de dezembro nas regiões de Kyoto e Kansai, onde as costureiras levam suas agulhas quebradas para agradecer os préstimos antes do descarte.[14] Assim elas não as furam.

Ningyō kuyō (人形供養) é um serviço de memorial para bonecas antigas, com presença de gueixas e monges, onde as famílias agradecem os préstimos dos objetos que cumpriram sua função social fazendo companhia e protegendo suas crianças, mas que perderam a utilidade e foram entregues à cremação. Isto ocorre desde sempre no templo zen-budista Hōkyō-ji (宝慶寺), em Kyoto, conhecido como Templo dos Bonecos devido ao seu acervo de peças imperiais coletadas e acumuladas durante séculos.[15] Posteriormente o mesmo costume foi introduzido no templo Kiyomizu Kannon-dō (清水観音堂), em Tokyo, e virou matéria da revista Superinteressante (agosto de 1992).

No Japão, até hoje as duas definições (boneca e ídolo) se misturam tanto quanto se misturavam entre romanos e gregos. Há pelo menos 900 anos, todo dia 3 de março, as meninas reverenciam a casa imperial reunindo suas bonecas prediletas numa grande festa. Uma a uma, todas as bonequinhas são visitadas, apresentadas às amigas e, durante o chá, têm o privilégio de serem servidas em primeiro lugar. (…) Para os japoneses, bonecas têm espírito. (…) Ainda hoje, muitos japoneses acreditam que, colocada no leito de uma criança doente, a boneca pode levar a moléstia embora. Se presenteadas no dia do casamento, são consideradas símbolo de prosperidade e felicidade conjugal para o jovem casal. Há pouco mais de vinte anos, o sindicato dos fabricantes e comerciantes de Tóquio aproveitou a deixa dessa crença para promover um grande lance comercial chamado ningyō kuyō. Tradução: “consolo da alma das bonecas”, ritual de cremação que se tornou tradicional na capital japonesa. Todo dia 25 de setembro, as mulheres estéreis que obtiveram a graça de ter um filho levam uma boneca para ser cremada no templo Kiyomizu-Kannon-dō. A ideia é que, queimando a boneca, seu espírito carregado do desejo de maternidade vai embora com a fumaça e a criança pode crescer em paz. Vai-se o espírito infantil, fica o comercial.[16]

Na antologia de poemas Ise monogatari (伊勢物語), seção 63, datada do século IX, lemos a palavra tsukumogami (つくも髪) referente aos cabelos brancos, kami (髪), duma idosa. Setecentos anos depois o autor-ilustrador do pergaminho Tsukumogami emaki (付喪神絵巻) explicou que o intraduzível prefixo tsukumo na palavra tsukumogami (desta vez 付喪神) também poderia ser escrito com o kanji 九十九, que significa um período de noventa e nove anos. Sendo assim uma ferramenta ou utensílio doméstico desenvolveria um espírito evoluído após a passagem de noventa e nove anos. Mas há um problema: A truncagem de kami (髪, cabelo) por kami (神, divindade) sugere que ele não entendia o sentido original de tsukumogami ou formulou um homônimo homófono.            Segundo o pergaminho do século XVI, à época as pessoas descartavam objetos antes de completarem o período chamado de susu-harai (煤払い). Conforme exposto, se demorassem mais a ferramenta “mudaria e adquiriria um espírito, e enganaria o coração das pessoas”. Tal ensinamento constaria no livro Onmyō Zakki (陰陽雑記), livro que também informaria sobre a coisa vivificada que assume aparência humana, tanto masculina quanto feminina, tanto idosa quanto jovem; bem como “a semelhança de chimi akki” (aparência de oni) e “a forma de korō yakan” (forma de animais), entre outras. Seu aspecto após a mutação é referido com palavras como youbutsu (妖物).[17]

Há dúvidas sobre se o susu-harai é, de fato, um período de exatos noventa e nove anos porque tsukumo (九十九) pode se referir literalmente a um número ou, menos precisamente, a uma hipérbole no sentido de muito tempo. A boneca Okiku só precisou de um ano para adquirir uma natureza espiritual pois isso representou um terço da vida de sua dona, que a amou com intensidade, agonizou e morreu com ela. No primeiro volume do romance gráfico Tokyo Babylon (東京BABYLON), do grupo CLAMP, editado pela Shinshokan, em 1990, uma personagem adoece e apresenta comportamentos estranhos após comprar uma jaqueta numa liquidação de roupas. Subaru descobre que a jaqueta ficou carregada de energia negativa por conta da competição da clientela por aquele objeto, ao ponto de aquilo necessitar de exorcismo.[18]

Papéis encantados

No Japão, em templos da religião xintó, são vendidos ofuda (御札), que são amuletos de papel produzidos por monges para atrair o amor, a saúde, a prosperidade financeira e até proteger contra mal olhado e fantasmagorias. Do mesmo modo, no taoísmo e noutras religiões chinesas, existe o jufu (呪符) ou gofu (護符), amuleto de papel ou madeira produzido para finalidades que mudam conforma a inscrição.

Os ofuda tem efeito imediato porque o monge xintó é competente para canalizar a energia dos kami (神) aos quais ele presta culto. Porém existem métodos para o leigo carregar papel com os eflúvios energéticos de origem humana, de modo voluntário ou involuntário. Hoje há todo um ritual construído em torno da tradição de confeccionar, expor e descartar o washi ningyō (和紙人形); um ningyō (人形) ou boneco feito de washi (和紙), tipo de papel artesanal feito a partir das cascas das árvores das amoreiras.

Livro de arte com fotografias de washi ningyō produzidos pela artesã japonesa Eika Ito.[19]

Dizem que o washi ningyō teria o poder de remover a dor quando posto no leito dum enfermo que dorme. Logo depois, o boneco descartável carregado pela energia da enfermidade deve ser cremado ou levado para longe e dissolvido em água.

Fotos: 1) washi ningyō produzidos pela fábrica Kyugetsu representando Shinzo Abe, o Primeiro Ministro do Japão, e Caroline Kennedy, Embaixatriz dos Estados Unidos no Japão. (Foto © 2014, The Japan Times). 2) Monges levando um barco cheio de bonecos para o rio.

Com o passar dos séculos este rito individual originou uma festa coletiva. Hina-ningyō (雛人形) é um washi ningyō introduzido no festival Hinamatsuri (雛祭り), o “Dia das Meninas”, realizado anualmente por japoneses e italianos descendentes de japoneses. Neste festival inúmeros bonecos são expostos sobre carpete vermelho.

Bonecos de papel ou palha representando a corte imperial, com roupinhas em estilo antigo, são levados para templos onde ficam expostos ao público desde meados de fevereiro até o dia três de março. Depois o excesso é cremado pelos monges. Contudo, muitos ainda chegam ao fim do procedimento onde as pequenas figuras humanas são postas para navegar à deriva em barquinhos de madeira, empurrados pela correnteza dos rios ou pelo movimento das ondas.  Estes se tornam hina-nagashi (雛流し), bonecos flutuantes, que levam as doenças e problemas com eles para longe.

No Brasil existe um costume parecido onde, no dia do Réveillon, os umbandistas pulam sete ondas na Praia de Copacabana e enviam oferendas para Iemanjá dentro de réplicas de barcos em miniatura que podem ou não conter uma imagem da santa.

No Japão até um maço de papel pode ser imbuído de poder mágico. Kyōrinrin ( 経凛々) é um bakemono resultado da transmutação de pergaminhos, livros, etc., que foram negligenciados e deixados sem leitura[20] por bastante tempo. Antigamente o papel branco era produzido com fibras da planta chamada asa (麻) ou o (苧), conhecida em botânica como Cannabis sativa. Havia grandes campos de plantações destinadas a este fim. Na ausência de nanquim a tinta era obtida de materiais biológicos, como gema de ovo e sangue animal. Segundo Aline Ribeiro, durante o shogunato de Tokugawa (1853-1867) os samurais eram submetidos a um rito de passagem:

A lealdade tinha certos rituais muito profundos, como um “contrato” firmado entre o guerreiro e seu daimyō. O documento era escrito com o sangue do próprio samurai, assinado e, logo em seguida, queimado. As cinzas eram dissolvidas em água e bebidas, fazendo com que se criasse um laço eterno entre a linhagem do samurai e a do senhor.[21]

Coisas estranhas acontecem quando um papel impregnado de energia aleatória não é cremado nem exposto aos elementos. Muitos acreditam que o shōji – tipo de porta deslizante feita de papel de arroz, – assim como as fechaduras e outras benfeitorias necessárias do lar, se transmutam em mokumokuren (目目連) e tendem a criar muitos olhos quando deteriorados e esburacados pelo tempo ou pela má conservação.[22]

A lanterna chōchin (提灯お), feita de bambu ou papel de seda, é um objeto de grande beleza, onipresente na decoração nipônica. O yóuzhǐ sǎn (油纸伞), um guarda chuva de papel em estilo chinês, é estruturalmente semelhante ao kasa (傘), o guarda-chuva comum, porém se trata dum item decorativo que os noivos carregam na cerimônia de casamento. Se alguém decidir guardar estes apetrechos perecíveis e descartáveis, em algumas décadas eles se tornarão os monstros folclóricos chōchin-obake (提灯お化け) e kasa-obake (傘おばけ)[23]. Assim como um gato doméstico muito mimado pode se tornar um bakeneko (化け猫), um tanuki eventualmente evolui para bake-danuki (化け狸) e outros animais da fauna local se convertem nas mais variadas fantasmagorias.

Um kasa-obake não precisa necessariamente evoluir de um yóuzhǐ sǎn, mas suponhamos que assim seja. Como todo bakemono ele é um objeto imbuído da força vital projetada por alguém que congelou sentimentos experimentados à época de sua posse. Quem não deseja mudar de atitude ou de opinião faria bem em ter um bakemono amigo. As emoções impregnadas na memorabilia nupcial carregariam e vivificariam o objeto de estimação que transmuta a haste de sua alma artificial num corpo sutil e abre as asas na forma do animal que lhe é mais semelhante: Um elegante morcego.

Este quiróptero etéreo promoveria a união do casal evocando a lembrança daqueles momentos felizes. Enquanto o objeto existisse, ele faria tudo para não deixar seus proprietários se separarem, brigarem ou pararem de desejar um ao outro. Contudo, se fosse jogado fora ou acabasse nas mãos de outrem, por herança ou mero acaso, tumultuaria a vida alheia tentando controlar sua vontade para realizar sua função social. Enfim, o novo dono viraria um mulherengo, um libertino, ou se apressaria a casar.

Ilustração de Hokusai representando um chōchin-obake (1826/1837) e detalhe de uma ilustração de Yoshitoshi (1839-1892) figurando um provável kasa-obake ou morcego associado ao guarda-chuva. Ele pode ser a alma do objeto porque, em nihongo, uma das palavras sinônimas tanto de quirópteros quanto de guarda-chuvas é kōmori (コウモリ ou こうもり), por causa dos dedos e estruturas que suportam tecidos esticados. Cesar Gordon observou que em mebêngôkre, o idioma dos indígenas Kayapó, os guarda-chuvas também são chamados de morcegos (njêp).[24]

No início não havia nenhuma padronização da aparência de objetos mutantes na arte nipônica. E nem seria lógico se houvesse; afinal, eles têm poder de mutação. Hoje, contudo, a variação na aparência depende do tipo de item que os originou, assim como as condições de como o objeto estava. [25] Imagens da lanterna chōchin-obake (提灯お化け), do guarda-chuva kasa-obake (傘おばけ), do chinelo de palha bakezōri (化け草履) e doutros objetos que viram obake muitas vezes os mostram fazendo careta, com língua de fora, certamente por influência do padrão iconográfico estabelecido na era Kanei (1848-1853) pelo bonequeiro Hikoshichi Nishijinya (西陣屋彦七), natural da cidade Kumamoto, criador do boneco mecânico obake no Kinta (おばけの金太).

Arte em de papel machê: 1) Cabeças vermelhas e outros brinquedos obake no Kinta que exibem as línguas na Loja de Bonecos Atsuga (厚賀人形店), em Kumamoto, Japão.[26] 2) Máscara “O Linguarudo” representando o diabo, produzia por Dionísio (1909-2007), em Niterói, RJ, Brasil.

Este brinquedo folclórico tem aspecto duma cabeça humana ou animal de papel machê, fixada sobre haste de bambu, com engrenagens internas que permitem mover os globos oculares, abrir a boca e mostrar a língua quando puxamos uma corda.[27] Os descendentes de Hikoshichi Nishijinya ainda fabricam o brinquedo e explicam que seu nome era Kinta, porém alguém se assustou com o movimento e supôs ser um obake.

Oposição entre valores morais e pecuniários

Uma antiga lenda diz que Bodhidharma () atingiu o nirvana meditando durante nove anos numa caverna. Durante esse exercício meditativo ele permanecia imóvel, observando fixamente o vazio numa posição chamada bìguān (壁觀) ou “olhar perene” até suas pupilas ficarem reduzidas ao tamanho mínimo. Depois que o fundador do zen-budismo na China se mumificou em vida, os chineses começaram a esculpir santos e brinquedos verdadeiros sem pupilas em sua homenagem, transmitindo a tradição aos japoneses que hoje fabricam o boneco-amuleto Darumá (だるま).

Diz a lenda que Bodhidharma meditou em uma caverna por 9 anos sem nem ao menos piscar. Sua persistência foi tão forte, que ele continuou sem parar mesmo depois de seus braços, pernas e pálpebras caírem. Essa lenda (…) é a origem do formato redondo do Darumá. Os Darumás possuem mais peso na parte inferior para que fiquem de pé, não importa quantas vezes sejam derrubados.[28]

Na tradição zen-budista japonesa o devoto compra o Darumá cego, pinta uma pupila no olho esquerdo e faz um desejo. Quando o Bodhidharma atende este desejo o devoto retribui concedendo a visão do olho direito, desenhando a pupila que falta. Esses são bonecos inarticulados, humildes, feitos de materiais baratos, geralmente vendidos em feiras e festivais religiosos, mas também em lojas de souvenir. Ao fim de um ano é preciso devolver o Darumá para qualquer templo, onde ele será queimado num ritual, liberando o seu espírito. Esse ritual pode ser individual ou coletivo. Em razão da enorme demanda, desde 1954 o templo budista Nishiarai Daishi (西新井大師) promove o festival Darumá kuyō (だるま供養) onde milhares de exemplares são queimados juntos.

No Japão, China e Coréia do Sul é comum encontrar bonequeiros e vidraceiros produtores de olhos para bonecos de Resina PU com opções de íris monocromática, sem pupilas, disponíveis inclusive em cores fantasia como salmão e vermelho vivo. A artesã chinesa Heise Jin Yao (黑色禁药) é uma entre os muitos comerciantes de olhos para BJD que parodiam a iconografia do Darumá. Porém seus bonecos não são santos conservadores e ninguém os queimaria em sã consciência, pois hoje cada um chega a valer mil dólares americanos. Eles são personagens fantásticos de novelas de temática BDSM. Um deles, Huika (毁卡), teve o nome inspirado por Huìkě (慧可), discípulo de Bodhidharma, segundo patriarca da escola de zen-budismo na China, historicamente conhecido por haver sido um nobre de pouca virtude, pouca sabedoria, coração raso e mente arrogante, descendente direto de Sidarta Gautama.

O filme de horror coreano The Doll Master (인형사; 2004), dirigido por Yong-ki Jeong, foi patrocinado pela Ai Dolls, atual Custom House. Imagine como seria se a indústria estadunidense Mattel, produtora da boneca Barbie, patrocinasse um filme protagonizado por uma Bárbie assassina. Foi exatamente isto que a Custom House fez com seus preciosos produtos! Estariam decretando a obsolescência e recomendando aos proprietários que cremem todos os modelos antigos, a serem substituídos pela nova coleção? No Brasil juristas formulariam hipóteses de crime contra a economia popular; pois, se não destruir, papões com mãos geladas puxarão seus pés para baixo da cama!

Verificamos que o filme The Doll Master retrata fielmente a antiquíssima crença oriental de que certos objetos inanimados podem prejudicar seus donos quando tratados de modo irregular. Ou seja, que “se você se apegar a um objeto e andar sempre com ele a coisa pode formar uma alma”, e que objetos inanimados “como uma rocha, uma boneca ou uma casa” pela qual alguém se apega desmesuradamente, obsessivamente, acabam carregados de sentimentos deletérios que eles reproduzem e irradiam.

Esta obra de ficção apresenta vários resultados para o que acontece quando objetos feitos de Resina PU desenvolvem alma por culpa de seus donos: Damian, um boneco articulado por elásticos internos (BJD), foi adotado e transportado pela mesma pessoa durante dezenove anos, sete meses e vinte e oito dias. Esta mulher tímida se tornou ouvidora de vozes e dialogava com a coisa. Virou uma excluída social. No mesmo filme uma designer de bonecos encontrou um manequim sentado sobre um túmulo. O espírito vingativo do manequim passou para o corpo da mulher e começou a perseguir todos os descendentes do assassino do seu criador. A artesã possessa disse:

Eu acredito que meu trabalho da vida aos objetos inanimados. (…) Você nunca possuiu coisas às quais era apegado? Você já ficou triste após perder aquelas coisas? Eu penso que quando os objetos perdem seus donos, eles ficam tristes também. Você sabia que quando algo está perdido, há algumas ocasiões em que parece que ele nunca desapareceu do seu local de origem? Eles retornam para os seus antigos donos.

Mina, outra BJD, ganhou alma quando sua dona sofreu um acidente. Com o tempo a menina enjoou da boneca e jogou fora, mas a boneca não enjoou da menina. Mina passou a perseguir sua dona, inconformada com o descarte e esquecimento. A boneca era capaz de projetar seu espírito em forma humana diante da antiga proprietária, fazendo-a acreditar que dialogava com uma menina de verdade enquanto os outros a viam falar sozinha. Por isso aquela mulher deixou de ser uma modelo desinibida e bem sucedida. Ela acabou igualmente rotulada como louca.

O exemplo da BJD Mina, de The Doll Master, é idêntico ao da pequena boneca de porcelana Mary, que aparece no episódio 11 do anime Histórias de Fantasmas (学校の怪談; Japão, 2000), Mary reencontrou o caminho de casa e voltou, querendo brincar, mas só achou a filha órfã da sua falecida dona, que era bastante madura e não gostava de bonecas. O brinquedo problemático assombrou a adolescente até ser entregue a um templo budista onde um monge explicou que o certo teria sido cremar os pertences da falecida junto ao corpo na data do óbito. Enfim, nestas obras de ficção as almas dos brinquedos amados sempre requerem mais amor e as dos brinquedos maltratados devolvem a violência às pessoas. Assim todos continuam absorvendo energia alheia.

Propaganda da microempresa sul-coreana HyperManiac, onde são comercializados personagens da designer de bonecos Ka-Hyun.

No sexto episódio da série Witch Hunter Robin (2002), criada por Sunrise e pelo diretor de animação Shūkō Murase, uma jovem bruxa diagnosticada com transtorno de personalidade múltipla transfere suas personalidades para várias bonecas até restar só uma delas em sua mente.  No seriado Another (アナザー; 2012) a filha duma bonequeira extrai um olho tomado pelo câncer e equipa um olho de vidro, um olho de boneca, que transmuta e lhe dá capacidade de ver o mundo sob a perspectiva de um bakemono.

No segundo episódio da primeira versão do seriado Vampire Princess Miyu (吸血姫美夕; 1988), de Narumi Kakinouchi e Toshiki Hirano, algumas pessoas foram transformadas em bonecos articulados por uma criatura de mesma espécie que lhes prometeu beleza eterna. A energia emitida pelos embonecados sustentava o bakemono, porém a Princesa Miyu nada obteve ao mordiscar um aparentemente saboroso menino de plástico. No meio de tudo um personagem coadjuvante se recusou a comprar um brinquedo para sua filha: “Você não acha que as bonecas japonesas são assombradas? O folclore diz que o cabelo das bonecas cresce, e outras coisas deste tipo”.

No desenho animado Dantalian no Shoka (ダンタリアンの書架), sexto capítulo Funsho kan (焚書官), que foi ao ar no Japão pelo canal TV Tokyo, em 19/08/2011, os personagens protagonistas descobrem que todos os coadjuvantes moradores duma cidade misteriosa são bonecos articulados transformados por meios mágicos em shikigami (式神) para servirem de receptáculo das almas dos mortos.[29]

Isto parece uma versão em roteiro de horror da história real da aldeia Nagoro, situada na ilha de Shikoku, Japão, onde a artesã Tsukimi Ayano (月見綾乃) enfeitou áreas públicas e prédios vazios com centenas de bonecos de pano forrados com palha, jornal, etc., para combater a solidão, de modo que sua arte ocupa hoje os lugares dos mortos e dos moradores abduzidos pelo êxodo rural. Esses bonecos são mantidos limpos e substituídos quando se deterioram. Quando a quantidade de falsas pessoas superou a população humana na proporção de dez para um, agências de turismo passaram a chamar Nagoro de Kakashi No Sato (かかしの里), a Vila dos Espantalhos.[30]

Bonecos para um vampiro

Na primeira vez em que assisti ao filme Higanjima (彼岸島; Japão, 2010) pensei que Miyabi (雅) fosse um baquemono tsukumogami pois este personagem, interpretado pelo ator e modelo fashion Louis Kurihara (栗原 類), têm uma presença estética bastante diferenciada da dos demais vampiros. O seu nome significa elegância, refinamento ou cortesania, podendo designar um metrossexual, um destruidor de corações. Enfim, ele parece um boneco e foi achado num templo repleto de bonecos. Além do mais, o jogo Ragnarök Online apresenta uma versão da futa-kuchi-onna (二口女) chamada Miyabi Ningyō (雅人形) vivendo num mapa que obviamente inspirou a criação do labirinto que aparece no capítulo 295 do primeiro romance gráfico da outra franquia.

Miyabi (Louis Kurihara) em Higanjima (彼岸島; Japão, 2010).

Porém tudo se explica no capítulo 39 do romance gráfico, com roteiro e desenho de Kōji Matsumoto (松本 光司).[31] Uma mutação genética ocorrida numa família nobre criou os vampiros. Miyabi foi aprisionado num frigorífico. Durante os cinquenta e sete anos em que esteve preso os ilhéus oraram e construíram ao seu redor. Fizeram um altar para oferendas de alimentos e prosseguiram com as benfeitorias até o local virar um templo ornamentado com estantes de bonecos representando vampiros. No exterior erigiram um torii[32], uma escadaria e tudo que um templo tem direito. Enfim, tentou-se de tudo para apaziguar o vampiro exceto deixa-lo escapar do confinamento.  Foi assim até que um turista desinformado e curioso cometeu o erro de abrir a prisão.

Às vezes os seres humanos imaginam que deuses abstratos precisam de olhos e corpos para representação. O mesmo acontece com fantasmas. Em Chihuahua, México, uma loja de roupas chamada La Popular se transformou em atração turística por ostentar a mesma manequim na vitrine desde 25 de março de 1930. Esta manequim com olhos de vidro está sempre vestida de noiva e foi chamada de Pascualita por parecer com Pascuala Esparza, filha da primeira proprietária da loja, que morreu envenenada pela picada duma aranha viúva negra bem no dia do seu casamento.

Desde o início as pessoas espalharam a lenda urbana de que Pascualita observa os clientes da loja e muda de posição à noite. No Japão, a desenhista Naoko Takeucki parodiou uma lenda urbana semelhante: Até 1992 existia uma loja de vestidos de noiva num shopping de Minami Aoyama, que, para chamar atenção, posava uma manequim prestes a pular da janela do terceiro andar. Muitos transeuntes se assustaram pensando ser uma suicida e contaram estórias. Na versão fictícia do quinto ato do romance gráfico Sailor Moon esta noiva manequim[33] foi animada pela yōma (妖魔) do corpo redivivo do avatar dum shitenōu (四天王) controlado por poderes das trevas e pulava da sacada à noite procurando noivos para extrair energia (精力) e, com isso, nutrir o Dark Kingdom[34].

O sepultamento da cultura

Na vida real enquanto milhares de pessoas comparecem ao Darumá kuyō, dispondo peças para consolação e cremação, e bastante gente leva washi ningyō ao festival Hinamatsuri, como deve ser, somente poucas dezenas participam do ningyō kuyō. E mesmo assim a maioria leva washi ningyō, evitando o desapego de bens duráveis e dispendiosos que são o verdadeiro foco desta bonita cerimônia religiosa.

Fica óbvio que japoneses têm dó de entregar qualquer item superior a bichos de pelúcia. Coisas boas são revendidas, pois a maioria entende que o ideal é cremar no templo aquilo que se faz pelo templo e para o templo. Ou então os próprios monges preservam brinquedos seletos para a não-cremação conforme critérios misteriosos.

Se o problema ainda não ficou claro observem o polêmico artesão chinês Ryo Yoshida (吉田 凌) cremando duas bonecas de terracota que ele mesmo esculpiu, numa ilustração da monografia Articulated Doll, Anatomy of the Ball-Jointed Maiden (2007). Tenha em mente que seis bonecas articuladas, em tamanho humano, esculpidas por Ryo Yoshida entre os anos 1986 e 1999 constam na exposição permanente 球体関節人形展・Dolls of Innocence, do Museu Nacional do Japão.[35] Estando o artista vivo e atuante, o valor mínimo para essa categoria de arte gira em torno do equivalente a quatro mil dólares americanos. Então são pelo menos oito mil dólares em obras de arte com qualidade de museu crepitando no fogo. (Pense no Coringa queimando dinheiro).

O que acontece quando monges pedem para cremar uma categoria de bonecos que custa vários salários mínimos? O homem médio obedece ou questiona? Um artista consagrado como Ryo Yoshida pode se dar ao luxo de capitalizar a religião vendendo livro e postais com foto do rito secular, porém os colecionadores guardam itens valiosos mesmo que sejam objetos agourentos. Geralmente, quando solicitado, o colecionador leva qualquer treco dizendo “este é meu boneco”, os monges educadamente fingem que foram enganados e os bonequeiros se divertem desconstruindo o dogma.

A ideia duma dimensão espiritual intrinsecamente relacionada à produção de bonecos aparece ludicamente sugerida nos nomes-fantasia de microempresas sul-coreanas e chinesas, surgidas no século XXI, fabricantes de peças em Resina PU, a exemplo da Loong Soul (龙魂人形社; alma de dragão), Immortality of Soul (imortalidade da alma), Resin Soul (alma de resina), Souldoll (boneca com alma), Angel Studio (fábrica de anjos), Illusion Spirit (espírito ilusório), etc. No catálogo da Souldoll o nome do modelo Kagel vem de kage (影, sombra) e ele existe nas versões humano e vampiro.

O ateliê chinês ★ANother Secret★ produz cabeças para montagem de bonecos e possui uma coleção chamada Hyakki Yakō (百鬼夜行) que leva o nome duma folclórica parada onde uma centena de yōkai percorre as ruas à noite, aterrorizando os humanos.

Esses bonecos orientais de Resina PU destinados ao nicho do hobby específico já não são tão enormes e dispendiosos quanto as peças de terracota e porcelana fria em escala 1/1, mas ainda são maiores que a escala 1/6 adotada perlo padrão ocidental, custando em média de trezentos a setecentos dólares, salvo casos excepcionais.

Por que os bonequeiros do século XXI descontroem e subvertem a religiosidade popular? Quem fabrica peças para consumo em território nacional e internacional são predominantemente mulheres vivendo em países onde a lei e os costumes estabelecem salário diferenciado para o sexo masculino, a fim de assegurar a posição hierárquica do homem como arrimo de família. A existência de artistas de sexo feminino ganhando mais do que o homem médio nas indústrias de publicação de mangás shoujo e josei, nas fábricas de bonecos, etc., quebra todos os tabus. Elas chefiam os seus negócios.

A classe conservadora se mostra hostil às mulheres trabalhadoras e seus iguais, que retribuem com deboche e – no caso das bonequeiras – chegam a utilizar o ônus do folclore como propaganda indireta ao promover produções de horror, como The Doll Master (2004) e Rozen Maiden – Träumend (2005). Afinal, já dizia o velho bordão: “falem mal, mas falem de mim”. Entretanto, não podemos descartar a possibilidade de às vezes estarmos importando objetos feitos por algumas pessoas que sinceramente acreditam na tradição local e tiveram a intenção de nos vender seus receptáculos de programação energética sujeitos ao ganho de vida artificial.

Resumo geral: fluxo e refluxo energético

A queima de artefatos não é uma realidade apagada no ocidente. No Brasil, nos Estados Unidos e noutros lugares onde organizações religiosas cristãs possuem grande influência no ambiente cultural, existe uma ostensiva propaganda de “batalha espiritual” ordenando o exorcismo de pessoas e a queima de determinados objetos passíveis de canalizar a possessão demoníaca (normalmente brinquedos, revistas em quadrinhos, filmes, discos de vinil, camisetas com estampa de banda musical, livros de biologia lecionando sobre os princípios da seleção natural e da ancestralidade comum, etc.).

Isso é diferente do que acontece no oriente porque o cristão queima os objetos proscritos com desdém, em nome Jesus, lutando contra o Diabo, enquanto o zen-budista crema com respeito. O bakemono do folclore nipônico não é um objeto possuído por anjo rebelde. Ele ficou impregnado de energia desprendida por um ou mais humanos e fixou-a como uma espécie de programação, passando então a reproduzi-la e irradiá-la. Ou seja, qualquer objeto pode adquirir o poder de congelar sentimentos havidos à época de seu uso. Por isso quando qualquer coisa absorve um malefício o prejuízo se torna parte da coisa e ela precisa ser destruída, mesmo que seja uma estátua de santo.

A sabedoria oriental aconselha a consolar e cremar, como se morto fosse, quase tudo que vira bakemono porque não é possível transformar tantas coisas em artigos de devoção. Se uma coisa dessas for doada para caridade ou jogada no lixo ela continuará amando e sofrendo, ficará ressentida e retornará ao usuário, podendo expressar desejo de vingança. Depois, em caso de morte do usuário, a herança buscará os herdeiros.

O ser humano exala grandes quantidades de energia durante momentos de angústia, stress, paixão, etc. A energia exalada por um estressado, por exemplo, ficaria impregnada na casa como a poeira que se acumula atrás dos móveis. Isso faria com que os objetos inanimados se transformassem em verdadeiros depósitos de stress. Visitas que sentassem num sofá estressado perderiam a alegria e ficariam estressadas em decorrência da contaminação. Nem o proprietário da coisa conseguiria melhorar e mudar de humor, pois ele continuaria a absorver e exalar o seu próprio baixo astral.

Todos nós conhecemos contos folclóricos sobre imóveis que influenciam novos habitantes porque, no passado, houve ali algum crime violento ou alguém morreu de doença grave, em intensa agonia. Antigos hospícios enlouquecem visitantes. Antigas prisões e cemitérios geralmente são mal assombrados. Museus também. Todavia nem todos as coisas são tão grandes ou carregam experiências tão intensas. A diferença entre uma boneca carregada, uma memorabilia nupcial e uma espada de guerra é que a boneca quer brincar, a memorabilia quer presenciar o amor e a espada quer matar.

Várias narrativas descrevem coisas dotadas de pouca inteligência, emotividade excessiva e inclinação ao cometimento de crimes passionais. Quem descarta algo que foi um dia muito amado deixa a coisa saudosa, indignada, ciumenta e enraivecida.  Um bakemono criado a partir dum objeto superestimado será intensamente passional. Quando um homem vive intensamente a paixão por uma companheira ele está feliz, mas quando o sentimento acaba e a mulher rejeitada demonstra um ciúme doentio, ela o persegue e o faz infeliz. Com bakemono é a mesma situação.

Um objeto dotado de espírito precisa ser consolado em sinal de agradecimento e, depois, diluído em água corrente ou cremado para que descanse em paz após a prestação de serviços. Depois que um item não descartável promove uma cura absorvendo um malefício por osmose, a energia negativa absorvida se torna parte da coisa e o objeto precisa receber limpeza espiritual para não causar um refluxo, um efeito reverso, contaminando o ambiente.

Quem não deseja mudar de atitude ou opinião não precisa cremar o bakemono. Ele é literalmente sua alma gêmea (a menos que esteja possuído por um yōkai). Tem gente que programa cristais para catalisar a energia canalizada pelo Eu superior na intenção de auxiliar a si mesmo a manter o foco no serviço ou num objetivo a ser alcançado. Tudo bem se você se apaixonar por um brinquedo, permanecer com ele durante setenta anos e alguém depositar isto no seu túmulo. Provavelmente vocês serão felizes para sempre. O problema não existirá até que você deixe de ter prazer na interação com algo que passou a lhe causar vergonha e incômodo, que te deixa infeliz e escraviza como um vício. Desse jeito este velho amigo pode paralisar a vida do dono.

Não importa se o folclore alerta sobre a possibilidade de o espírito do vampiro de brinquedo sair do baú à noite para penetrar nos seus sonhos e mordiscar seu pescoço. As vezes a carga mitológica só agrega valor ao item de estimação, assim como histórias de fantasmas incitam a curiosidade sobre prédios históricos. Certa vez, no programa Trato Feito, o proprietário duma estátua de cavalo forjada no velho oeste estadunidense ficou feliz por encontrar nela um furo porque no que diz respeito às antiguidades do velho oeste “buracos de bala sempre deixam a coisa interessante”.

Bibliografia recomendada:

AMBROSIUS, Mario. 球体関節人形展・Dolls of Innocence. Tokyo, Nippon Television Network Corporation, 2004. 152p.

ITO, Eika (伊藤 叡香). Washi ningyō o tsukuru和紙人形を創る」. Japão, MPC (エムピーシー), 01/06/2002. 140p

YOSHIDA, Ryo. Articulated Doll, Anatomy of the Ball-Jointed Maiden.解体人形 吉田良人形作品集」. Japão, Editions Treville, 2007. 152p.

Notas:

[1] O termo bake (化け), “transformando”, é a forma ren’yōkei (連用形), correspondente ao nosso gerúndio, do verbo bakeru (化ける), “transformar” ou “mudar”.

[2] Todos os catálogos virtuais de folclore escritos em idiomas ocidentais classificam o bakemono dentro da categoria ontológica yōkai (妖怪). Porém na série Natsume Yūjinchō (夏目友人) o protagonista explica que existem diferenças entre bakemono e yōkai. “Se você conseguir beber sem se embebedar, você deve ser um bakemono…”.

[3] O animismo é a cosmovisão em que entidades não humanas possuem uma essência espiritual.

[4] WIKTIONARY, verbete 「霊魂」. URL: <https://en.wiktionary.org/wiki/%E9%9C%8A%E9%AD%82>. Acessado em 19/04/2022 14h16.

[5] TRAVI, Mauricio. A misteriosa lenda da boneca japonesa Okiku. Em: DANJOU, publicado em 08/06/2018. URL: <https://www.danjou.com.br/post/2018/06/08/a-misteriosa-lenda-da-boneca-japonesa-okiku>.

[6] NINGYOO – BONECAS. © 2003 Aliança Cultural Brasil Japão de Joinville. Texto salvo do Geocities em outubro de 2009. Acessado em 28/04/2022 às 19h. <URL: http://www.oocities.org/br/japaojoinville/ningyoo.htm>.

[7] ABUMI-GUCHI. Em: Yōkai Wiki. Acessado em 14/05/2022. URL: <https://yokai.fandom.com/wiki/Abumi-Guchi>.

[8] TEZUKA, Osamu. 無残帖Cruel. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. São Paulo, New Pop, 2011, p 07.

[9] Talvez não seja inútil mencionar o MMORPG coreano Ragnarök Online onde os avatares do jogador combatem cavalos pegando fogo chamados “pesadelos sombrios”.

[10] DORORO WIKI, verbete Dororo no Uta. URL: <https://dororo.fandom.com/wiki/Dororo_no_Uta#English>. Acessado em 18/04/2022 16h02.

[11] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado na Radio Hero em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[12] PAN. O que são os Tsukumogami: Os Objetos Possuídos. Publicado no blog Suco de Manga em 31/10/2021. URL: <https://sucodemanga.com.br/saiba-o-que-sao-os-tsukumogami-os-objetos-possuidos/>.

[13] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado na Radio Hero em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[14] TSUKUMO-GAMI: OS ESPÍRITOS ZOMBETEIROS DE ANTIGOS ARTEFATOS JAPONESES. Publicado em Caçadores De Lendas, 06/2013. URL: <https://cacadoresdelendas.com.br/japao/tsukumo-gami-espirito-de-artefato/>.

[15] DAVE, Ronin. Japanese Doll Memorial with Geisha in Kyoto – Ningyo Kuyo 人形供養. Publicado no canal do autor no Youtube em 16/10/2015. URL: <https://www.youtube.com/watch?v=JwiDg7mMU5Q>.

[16] A MAGIA DAS BONECAS. Em: Super Interessante. Publicado em 31/07/1992, 22h00. Atualizado em 31/10/2016. URL: <Leia mais em: https://super.abril.com.br/historia/a-magia-das-bonecas/>.

[17] WIKIPEDIA, verbete Tsukumogami. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Tsukumogami>. Acessado em 27/04/2022 17h06.

[18] PAN. O que são os Tsukumogami: Os Objetos Possuídos. Publicado no blog Suco de Manga em 31/10/2021. URL: <https://sucodemanga.com.br/saiba-o-que-sao-os-tsukumogami-os-objetos-possuidos/>.

[19] ITO, Eika (伊藤 叡香). Washi ningyō o tsukuru和紙人形を創る」. Japão, MPC (エムピーシー), 01/06/2002, p 30-31.

[20] Tsundoku (積ん読) é o hábito de comprar livros e deixá-los de lado sem ler.

[21] RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015, p 31.

[22] TUZI. Tsukumogami: yōkai de objetos antigos. Publicado em Rádio Hero, em 18/03/2021, 01h23. URL: <https://radiojhero.com/tsukinousagi/2021/03/tsukumogami-yokai-de-objetos-antigos/>.

[23] Um Kasa Obake (傘お化け) é também chamado Karakasa Obake (唐傘お化け) ou Karakasa Kozo (唐傘小僧).

[24] GORDON, Cesar. Economia selvagem: Ritual e mercadoria entre os índios Xikrin – Mebêngôkre. São Paulo SciELO – Editora UNESP, 2006, p 356-357.

[25] TSUKUMO-GAMI: OS ESPÍRITOS ZOMBETEIROS DE ANTIGOS ARTEFATOS JAPONESES. Publicado em Caçadores De Lendas, 06/2013. URL: <https://cacadoresdelendas.com.br/japao/tsukumo-gami-espirito-de-artefato/>.

[26] SHIRAISHI, Yuta (白石雄太). Kumamoto no kyōdo omocha “obakenokinta” (熊本の郷土玩具「おばけの金太」). Publicado em Story Nakagawa, 27/08/2019. URL: <https://story.nakagawa-masashichi.jp/104515>.

[27] OBAKE NO KINTA お化けの金太 KINTA THE GHOST. Publicado na Daruma Pedia, em 26/05/2015. URL: <https://darumapedianews.blogspot.com/2015/05/mingei-kyushu-obake-no-kinta.html>.

[28] NISISHIMA, Leandro. A surpreendente história do boneco Daruma. Em: GO! GO! NIHON, 12/01/2022. URL: <https://gogonihon.com/pt/blog/boneco-daruma/>

[29] ANIME REVIEW: DANTALIAN NO SHOKA – 6. Publicado no blog Population GO, no Tumblr, em 24/08/2011. URL: <https://populationgo.tumblr.com/post/9338032459/anime-review-dantalian-no-shoka-6>.

[30] CONHEÇA NAGORO, A VILA JAPONESA ONDE BONECOS SUBSTITUEM OS MORTOS. Publicado no portal de notícias Mega Curioso. Acessado em 18/05/2022. URL: <https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/114824-conheca-nagoro-a-vila-japonesa-onde-bonecos-substituem-os-mortos.htm>.

[31] Higanjima (彼岸島) foi originalmente publicada na antologia de quadrinhos Shukkan Young Magazine (週刊ヤングマガジン), pela editora Kōdansha (講談社), desde 04/04/2003 até 06/12/2010.

[32] Um torii (鳥居) é um portão tradicional japonês encontrado na entrada ou dentro de um santuário xintoísta, onde simbolicamente marca a transição do mundano para o sagrado.

[33] NAVOK, Jay e RUDRANATH, Sushil K. Warriors of Legend: Reflections of Japan in Sailor Moon. South Carolina, BookSurge, 2006, p 51

[34] TAKEUCHI, Naoko. コードネームはセーラーV— 1. Japão, Kodansha Comics, 1993, ato 5, p 172-173.

[35] AMBROSIUS, Mario. 球体関節人形展・Dolls of Innocence. Tokyo, Nippon Television Network Corporation, 2004, p 66-71.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/almas-vintage/

do Vampiro Histórico

Primeiro artigo de uma série sobre vampirismo, intercalado aos outros assuntos do blog, começando com uma breve história do vampirismo no imaginário popular.

O mito do Vampiro assombra e fascina a mente humana desde tempos imemoriais, estando presente em diversas culturas e em seus respectivos folclores sob as mais variadas formas, mas com certos pontos em comum, como sendo mortos-vivos que retornam de seus túmulos e alimentando-se de sangue humano, tendo sua maior expressão na mitologia da Idade Média na Europa Cristã. Apresento aqui um breve resumo, do Vampiro histórico, ao Vampiro Literário e sua presença no cinema moderno:

-Pré História – Crenças e mitos sobre vampiros emergem nas culturas do mundo inteiro.

-1047 – Primeiras aparições, na forma escrita, da palavra Upir (forma primitiva da palavra que mais tarde se tornaria “vampiro”) num documento se referindo a um príncipe russo como “Upir Lichy”, ou Vampiro Perverso.

-1190 – De Nagis Curialium, de Walter Map, inclui relatos de seres vampíricos na Inglaterra.

-1196 – Chronicles, de Willian de Newburgh, registram diversas histórias de fantasmas vampíricos na Inglaterra.

-1428/29 – Nasce Vlad Tepes, filho de Vlad Dracul.

-1436 – Vlad Tepes se torna príncinpe da Wallachia e se muda para Tirgoviste.

-1442 – Vlad Tepes é aprisionado com seu pai pelos turcos.

-1443 – Vlad Tepes se torna refém dos turcos.

-1447 – Vlad Dracul é decapitado.

-1448 – Vlad conquista brevemente o trono da Wallachia. Destronado, vai para a Moldávia e se torna amigo do príncipe Stefan.

-1451 – Vlad e Stefan fogem para a Transilvânia.

-1455 – Queda de Constantinopla.

-1456 – John Hunyadi ajuda Vlad Tepes a conquistar o trono da Wallachia. Vladislav Dan é executado.

-1458 – Mathias Corvinus sucede a John Hunyandi como rei da Hungria.

-1459 – Massacre dos boiardos na Páscoa e reconstrução do Castelo de Drácula. Bucareste é estabelecida como o segundo centro do governo.

-1460 – Ataque sobre a cidade de Brasov, na Romênia.

-1461 – Campanha bem-sucedida contra os agrupamentos turcos ao longo do Danúbio. Retirada, no verão, para Tirgoviste.

-1462 – Após a batalha no Castelo de Drácula, Vlad foge para a Transilvânia. Vlad inicia período de treze anos na prisão.

-1475 – Guerras de Verão na Sérvia contra os turcos. Novembro: Vlad retoma o trono de Wallachia.

-1476/77 – Vlad é assassinado.

-1560 – nasce Elizabeth Bathory.

-1610 – Bathory é presa por ter matado centenas de pessoas e ter nadado em seu sangue. Julgada e condenada, é sentenciada à prisão perpétua.

-1614 – Elizabeth Bathory morre.

-1645 – Leo Allatius acada de escrever o primeiro tratado moderno sobre os vampiros, De Graecorum hodie quirundam opinationabus.

-1657 – Fr. Françoise Richard escreve Relation de ce qui s’est passé à Sant-Erini Isle de l’Archipel ligando o vampirismo à bruxaria.

-1672 – Onda de histeria vampírica varre Istra.

-1679 – Philip Rohr escreve De Masticatione Mortuorum, um texto alemão sobre os vampiros.

-1710 – A histeria do vampiro varre a Prússia oriental.

-1725 – A histeria do vampiro volta à Prussia oriental.

-1725/30 – A histeria do vampiro continua na Hungria.

-1725/32 – A onda da histeria do vampiro na Sérvia austríaca produz os famosos casos de Peter Plogojowitz e Arnold Paul (Paole).

-1734 – A palavra vampyre entra para a língua inglesa traduzida de relatos alemães sobre as ondas de histeria vampíricas européias.

-1744 – O Cardeal Giuseppe Davanzati publica seu tratado Dissertazione sopre I Vampiri.

-1746 – Dom Augustin Calmet publica seu tratado sobre os vampiros, Dissertations sur les Apparitions des Anges, des Démons et des Esprits, et sur les revenants, et Vampires de Hundrie, de Bohême, de Moravie, et Silésie.

-1748 – É publicado o primeiro poema moderno de vampiros, “Der Vampir”, por Heinrich August Ossenfelder.

-1750 – Outra onda de histeria vampirica ocorre na Prússia oriental.

-1755 – A Imperatriz Maria Theresa, da Áustria, instaurou leis contra a exumação de corpos na região eslava e na Áustria.

-1756 – A histeria do vampiro atinge o pico na Wallachia.

– 1765 – O naturalista francês Louis Lecrerc de Buffon batizou uma espécie de morcego do Novo Mundo de ‘vampiro’ em seu livro Histoire Naturelle ao descobrir sua alimentação à base de sangue, e a sua habilidade de chupar o sangue de pessoas e animais sem acordá-los associando assim o morcego pela primeira vez ao mito do vampiro.

-1772 – A histeria do vampiro ocorre na Rússia.

-1797 – Publicação do poema de Goethe “Bride of Corinth” (poema concernente ao vampiro).

-1780/1800 – Samuel Taylor Coleridge escreve “Christabel”, considerado hoje como o primeiro poema sobre vampiros em inglês.

-1800 – I Vampiri, ópera de Silvestro de Palma, estréia em Milão, Itália.

-1801 – “Thalaba”, de Robert Southey, é o primeiro poema a mencionar a palavra vampiro, em inglês.

-1810 – Circulam no norte da Inglaterra reatos de ovelhas com a juguar cortada e o sangue drenado. Publicação de “The Vfampyre”, de John Stagg, um dos primeiros poemas sobre vampiros.

-1813 – O poema de Lord Byron, “The Giaour”, inclui o encontro de um herói com um vampiro.

-1819 – The Vampyre, de John Polidori, a primeira história de vampiros em inglês, é publicada na edição de Abril do New Monthly Magazine. Esta obra é considerada por muitos a origem do Vampiro na Ficção moderna. John Keats compõe “The Lamia”, um poema calcado em antigas lendas gregas.

-1820 – Lord Ruthwen, ou Les Vampires, de Cypren Berard, é publicado anonimamente em paris, em 13 de junho; Le Vampire, a peça de Charles Nodier, estréia no héatre de la Pore Saint-Martin, em Paris; agosto: The Vampire/ or The Bride os the Isles, uma tradução da peça de James R. Planché, estréia em Londres.

-1829 – Março: a ópera de Heinrich Marshner, Der Vampyr, baseada na história de Nodier, estréia em Leipzig.

-1841 – Alexey Tolstói publica seu conto, “Upyr”, quando morava em Paris. É a primeira história moderna sobre vampiros escrita por um Russo.

-1847 – Nasce Bram Stoker. Começa a longa seriação de Varney the Vampire.

-1851 – A ultima obra dramática de Alexandre Dumas, Le Vampire, estréia em Paris.

-1854 – O caso do vampiro na familia Ray, de Jewett, Connecticut, é publicado nos jornais locais.

-1872 – Sheridan Le Fanu escreve “Carmilla”. Vincenzo Verzeni, na Itália, é condenado por assassinar duas pessoas e por ebber seu sangue.

-1874 – Relatos de Ceven, na Irlanda, informam que ovelhas tiveram o pescoço cortado e o sangue drenado.

-1888 – Editado o Land Beyond the Forest, de Emily Gerard. Vai se tornar a principal fonte de informações sobre a Transilvânia para o Dracula, de Bram Stoker.

-1894 – O conto de H. G. Wells, “The Flowering of the Strange Orchild”, é o precursos das histórias de ficção científica sobre vampiros.

-1897 – Dracula, de Bram Stoker, é publicado em Londres. “The Vampire”, de Rudyard Kipling, se torna uma inspiração para a criação do vampiro como um personagem estereotipado no palco e na tela.

-1912 – The Secret of House nº 5, possivelmente o primeiro filme sobre vampiros, é produzido na Grã-Bretanha.

-1913 – É publicado Dracula’s Guest, de Stoker.

-1920 – Dracula, o primeiro filme baseado no livro, é produzido na Russia. Não há copias.

-1921 – Cineastas Húngaros produzem uma versão de Drácula.

-1922 – Nosferatu, um filme mudo alemão, é produzido pela Prana Films, é a terceira tentativa de filmar Drácula.

-1924 – A versão de Dracula para o palco, de Hamilton Deane, estréia em Derby. Fritz Haarmann, de Hanover, Alemanha, é preso, julgado e condenado por matar mais de vinte pessoas numa orgia criminal vampirica. Sherlock Holmes tem seu único encontro com um vampiro em “The Case of the Sussex Vampire”.

– 1927 – 14 de fevereiro: versão para o palco de Dracula estréia no Little Theatre de Londres. Outubro: a versão americana de Dracula, estrelando Bela Lugosi, estréia no Fulton Theatre de New York. Tod Browning dirige Lon Chaney em London After Midnight, o primeiro longa-metragem sobre vampiros.

– 1928 – A primeira edição do influente trabalho de Montague Summers, The Vampire: His Kith and Kin, aparece na Inglaterra.

-1929 – O Segundo livro de Montague Summers, The Vampire in Europe, é pulicado.

-1931 – Janeiro: avant-première da versão espanhola Dracula. Fevereiro: versão americana para o cinema, Drácula, com Bela Lugosi, estréia em Roxy Theatre, em New York. Peter Kiirten, de Diisseldorf, Alemanha, é executado após ser julgado culpado de assassinar várias pessoas numa orgia vampirica.

-1932 – Lançado o altamente aclamado filme Vampyr, dirigido por Carl Theodor Dreyer.

-1936 – Lançado o filme Dracula’s Daughter, pela Universal Pictures.

-1942 – “Asylum”, a primeira história sobre um vampiro alienígena, de A.E.Van Gogt.

-1943 – Son of Dracula (Universal Pictures) com Lon Chansey Jr., como Drácula.

-1944 – John Carradine interpreta Drácula pela primeira vez em Horror of Frankenstein.

-1953 – Dracula Istanbula, um filme turco adaptado de Dracula, é lançado. Série nº 8 inclui a primeira história em quadrinhos adaptada de Dracula.

-1954 – O Código das Histórias em Quadrinhos bane os vampiros. I Am Legend, de Richard Matheson, apresenta o vampirismo que altera o corpo.

-1956 – John Carradine interpreta Drácula na primeira adaptação para a televisão no programa Matinee Theater. Kyuketsuki Ga, o primeiro filme japonês sobre vampiros é lançado.

– 1957 – O primeiro filme Italiano sobre vampiros, I Vampiri, é lançado. O produtor americano Roger Corman faz o primeiro filme de ficção científica sobre o vampiro, Not of This Earth. El Vampiro, com German Robles, é o primeiro de uma série de filmes mexicanos sobre vampiros.

-1958 – A Hammer Films, da Grã-Bretanha, inicia uma nova onda de interesse pelos vampiros com o seu primeiro filme Dracula, lançado nos Estados Unidos como The Horror of Dracula filme que lançou Christopher Lee no papel de Drácula, interpretando o mesmo como um conde violento, dinâmico e fisicamente poderoso, apresentando a peculiaridade que se seguiria nos romances de vampiros: caninos afiados. O primeiro número de Famous Monsters of Filmland assinala um novo interesse pelos filmes de horror nos Estados Unidos.

-1959 – Plan 9 from Outer Space é o último filme de Bela Lugosi.

-1961 – The Bad Flower é a primeira adaptação coreana de Dracula.

-1962 – Fundação da Count Dracula Society, em Los Angeles, por Donald Reed.

-1964 – The Munsteers e A Familia Addams, duas comédias de horror com personagens vampiricos, abrem a temporada de outono na televisão.

-1965 – Jeanne Youngson funda The Count Dracula Fan Club. The Munsters, baseado na série de TV do memso nome, é a primeira série de histórias em quadrinhos que destaca um personagem vampirico.

-1966 – Dark Shadows estréia na rede ABC, na programação da tarde.

-1967 – Abril: no episódio 210 de Dark Shadows, o vampiro Barnabas Collins faz sua primeira aparição.

-1969 – O primeiro número de Vampirella, a história em quadrinhos de maior duração até hoje, é lançado. Denholm Elliot fazz o papel-titulo na série Dracula, produção televisiva da BBC. Does Dracula Realy Suk? (Dracula and the Boys) é lançado como o primeiro filme a apresentar um vampiro gay.

-1970 – Christopher Lee estrela em El Conde Dracula, adaptação espanhola de Drácula. Sean Manchester funda The Vampire Research Society.

-1971 – A Marvel Comics lança a primeira cópia de um livro sobre vampiros pós-Código das Histórias em Quadrinhos, The Tomb of Dracula. Morbius, o Vampiro Vivo, é o primeiro novo personagem introduzido após a revisão do Código, que permitiu o reaparecimento de vampiros em histórias de quadrinhos.

-1972 – The Night Stalker, com David McGavin, se torna o filme de TV mais visto até essa data. Vampire Kung-fu é lançaod em Hong Kong como o primeiro de uma série de filmes de artes marciais vampíricos. In Search os Dracula, de Raymond T. McNally e Radu Florescu, introduz Vlad, o Empalador, o Drácula Histórico, ao mundo dos fãs do vampiro contemporâneo. A dream of Dracula, de Leonard Wolf, complementa o trabalho de McNally e de Florescu ao chamar a atenção para a lenda do vampiro. True Vampires os History, de Donald Glut, é a primeira tentativa de juntar as histórias de todas as figuras históricas de vampiros. Stephen Kaplan funda The Vampire Research Center.

-1973 – A versão de Dracula, da Can Curtis Productions, apresenta o ator Jack Palance num filme feito para a TV. Vampires, de nancy Garden, inicia uma onda de literatura juvenil para crianças e jovens.

-1975 – Fred Saberhagen propõe que se veja Dracula mais como um herói do que como vilão em The Dracula Tape. The World of Dark Shadows é fundada como a primeira fanzine Dark Shadows.

-1976 – Publicaçãod e Interview With the Vampire, de Anne Rice. Stephen King é recomendado para o World Fantasy Award por seu romance Salem’s Lot. Shadowcon, a primeira covnenção nacional Dark Shadows, é organizada pelos fãs de Dark Shadows.

-1977 – Uma nova e dramática versão de Dracula estréia na Broadway, com Frank Langella. Louis Jordan faz o papel principal em Count Dracula, uma versão de três horas do romance de Bram Stoker, na TV BBC. Martin V. Riccardo funda o Vampire Studies Society.

-1978 – O livro Hotel Transylvania, de Chealsea Quinn Yarbro, junta-se aos voumes de Fred Saberhagen e Anne Rice como um terceiro grande esforço para iniciar uma reavaliação do mito do vampiro durante a década. Eric Held e Dorothy Nixon fundam o Vampire Information Exchange.

-1979 – Baseado no sucesso da nova produção da Broadway, a Universal Pictures refilma Dracula (1979), com Frank Langella. A gravação pela banda Bauhaus de “Bela Lugosi’s Dead” torna-se o primeiro sucesso do novo movimento de rock gótico. Shadowgram é fundada como uma fanzine Dark Shadows.

-1980 – A Bram Stoker Society é fundada em Dublin, na Irlanda. Richard Chase, conhecido como o Drácula Assassino de Sacramento, Califórnia, comete suicídio na prisão. A World Federation of Dark Shadows Clubs (atualmente Dark Shadows Official Fan Club) é fundada.

-1983 – Na edição de dezembro de Dr Strange, o ás ocultista da Marvel Comics mata todos os vampiros do mundo, banindo-os assim da shistórias em quadrinhos pelos seis anos seguintes. É fundado o Dark Shadows Festival para anfitriar a convenção anual de Dark Shadows. Hunger, filme baseado no romance de Whitley Streiber (1981).

-1985 – Publicação do livro The Vampire Lestat, de Anne Rice, que alcança a lista dos best-sellers. Lançamento do filme Fright Night (A Hora do Espanto).

-1987 – O filme Lost Boys;

-1989 – A derrubada do ditador romeno Nicolae Ceaucescu abre a Transilvânia para os fãns de Dracula. Nancy Collins ganha o Bram Stoker Award por seu romance Sunglass After Dark.

– 1991 – Lisa Jane Smith lança o livro de terror e romance Diários do Vampiro, The Vampire Diaries no original, sobre a vida de uma garota chamada Elena Gilbert que se vê ás voltas com dois irmãos vampiros. Dark Reunion, segundo livro da série, lançado em 1992, e após 16 anos lança a primeira parte dos novos títulos, intitulado The Vampire Diaries – The Return: Nightfall, publicado em 10 de feveriero de 2009. Vampire: The Masquerade, o mais bem-sucedido role-playing game, ou RPG, é lançado por White Wolf.

-1992 – Estréia Bram Stoker’s Dracula, dirigido por Francis Ford Coppola, considerado uma das melhores adaptações do filme para o cinema, com Gary Oldman no papel de Dracula e Winona Rider no papel de Mina Murray. Andrei Chikatilo, da Rússia, é condenado á morte após matar e vampirizar cerca de 55 pessoas. É lançado também o Romance Lost Souls, de Poppy Z. Bright. É Lançado também o filme Buffy, a Caça-Vampiros, dirigido por fran Rubel Kuzui.

-1994 – A versão cinematográfica de Interview With the ampire (entrevista com Vampiro), de Anne Rice, estréia com Tom Cruise no papel do Vampiro Lestat e Brad Pitt como Louis.

-1995 – Em maio, a International Transylvania Society of Dracula promove a Wrold Dracula Conference na Romênia.

-1996 – Os membros de um “culto” ao vampiro, liderados por Rod Ferrell, são presos pelo assassinato de duas pessaos na Flórida. Eles foram em seguida julgados e condenados por assassinato. Lançado Santanico Pandemonium (Um Drink no Inferno).

-1997 – O centenário de publicação do romance Dracula, de Bram Stoker, provoca um surto de atividades durante 1997 e 1998, incluindo o lançamento de diversos livros comemorativos, muitos programas para televisão e a criação de selos (no Canadá, na Irlanda, no Reino Unido e nos Estados Unidos). De 13 a 15 de junho, ocorreu em Whitby, na Inglaterra, o evento “Dracula the Centenary”, patrocinado pela Whitby Dracula Society. Em 13 de agosto, o serial killer Ali Reza Khoshruy Juran Kordiyeh, conhecido como “o vampiro de Teerã”, é executado publicamente no Irã. De 14 a 17 de agosto, ocorreu em Los Angeles a Dracula’ 97: A Centennial Celebration, o maior de todo os eventos que comemoraram o centésimo aniversário de publicação de Dracula. O evento foi patrocinado pelas divisões americana e canadense da Transylvania Society of Dracula e pelo Count Dracula Fan Club.

-1998 – Lançamento de Balde, Caçador de Vampiros, com Wesley Snipes no papel principal.

-2002 – Lançamento de Blade II, continuação da história do meio-vampiro Negro Blade.

-2004 – Blade Trinity, o terceiro filme da série é lançado.

-2005 – 5 de outubro: Stephenie Meyer publica: Twillight, adaptado ao cinema em 2008 sob o titulo Crepusculo, no Brasil;

-2006 – Lançado Blade: A nova Geração, e o seriado para TV Blade: The Series. 6 de setembro: Lança New Moon, segundo titulo da série Twillight, lançado no Brasil em 27 de setembro de 2008 e adaptado ao cinema em 20 de novembro de 2009.

-2007 – 7 de agosto: Lançado em inglês o livro Eclipse, da Saga Twillignt, em 16 de Janeiro, adaptado ao cinema em 30 de Junho de 2010, dirigido por David Slade.

-2008 – lançado em inglês o titulo breaking Dawn, da série Twillight em2 de agosto, e no Brasil em 26 de junho de 2009; a adaptação do livro será dividido em dois filmes: a primeira parte tem previsão de lançamento para 18 de novembro de 2011 e a segunda para 16 de novembro de 2012. Em 7 de Setembro estréia a Série de TV True Blood pela HBO, estreando no Brasil em 5 de Janeiro de 2010. Lançado o Filme “Deixa Ela Entrar”, onde a jovem Eli chamou a atenção do público ao mesclar tanto o lado existencial dos vampiros quanto o sanguinolento.

– 2009 – Lançado no Brasil o primeiro volume da série Vampire Diaries, chamado ‘O Despertar’, em novembro foi lançado o segundo volume, sob o nome de ‘O Confronto’, em março de 2010 foi lançado A Fúria, e em agosto de 2010 o Reunião Sombria. A nova trilogia O Retorno teve seu primeiro livro lançado em Dezembro de 2010, sob o titulo: Anoitecer.

Essa é uma breve explanação sobre a figura do Vampiro no ideário medieval, sua influência na literatura e no cinema até os dias de hoje, em breve falarei sobre poderes e fraquezas associadas ao vampiro literário, e a presença do Vampiro no Ocultismo, revisado e atualizado.

Fontes:

Wikipédia, no nomes de pesquisadores e consulta d lançamento dos livros e filmes citados

-O Livro dos Vampiros – A Enciclopédia dos Mortos-Vivos” – MELTON, J, Gordon, Makron Books, São Paulo, 1996.

-Enciclopédia dos Vampiros – Edição Compacta – MELTON, J. Gordon, M. Books do Brasil, São Paulo, 2008

#Filosofia #Mitologia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/do-vampiro-hist%C3%B3rico

Livro “As Aventuras de Lilith”

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Lilith prepara-se para enfrentar o Dragão de Saturno, Guardião do Portal da Avareza. Qualquer semelhança com alguns elementos de desenhos animados não é mera coincidência… a diferença é que, na história original, quem salva o príncipe é a princesa rsrsrss

Uma das Lendas Iniciáticas mais antigas da humanidade e ainda uma das mais belas diz respeito à Lilith, também chamada Ishtar, Inanna ou Astarte (cada tribo da Mesopotâmia tinha um nome diferente para chamá-la, mas a Deusa mantinha as mesmas características em todos os poemas).

Um livro infantil contendo elementos de Hermetismo, Alquimia e Mitologia.

A idéia deste projeto aconteceu quando estava procurando por presentes de aniversário para minha filha. Vi que, nas prateleiras, todos os brinquedos e livros legais eram “para meninos” e, para as meninas, sobravam bonecas insossas, princesas passivas e equipamentos miniaturas de limpeza da casa e cozinha. Não era isso que eu desejava para minha filha.

Não existem muitos livros infantis de aventuras voltado para meninas; a imensa maioria dos produtos feitos para o público feminino infantil trata de princesas fúteis que passam seus dias na cozinha esperando a chegada de príncipes encantados para lhes salvarem. A idéia deste livro (e dos demais que virão nesta série) é resgatar as heroínas mitológicas da História da Humanidade. Modelos de coragem, bravura e independência que gostaríamos de ver em nossas filhas.

O Projeto foi financiado com Sucesso em 2014; em 2015 fizemos também “As Aventuras de Isis” e “As Aventuras de Hércules” e agora estão de volta junto com o tarot HKT3. Serão entregues em Dezembro, como Presente de Natal! Aproveite para fazer seus pedidos da Enciclopédia de Mitologia, Tarot HKT3, RPGQuest e Pequenas Igrejas, Grandes Negócios com descontos e frete grátis!

#Mitologia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/livro-as-aventuras-de-lilith

A lenda de yōtō, as lâminas vampiras

Shirlei Massapust

Num belo dia de azar o xogum Tokugawa Ieyasu (1543-1616) conheceu um ferreiro lendário, chamado Sengo Muramasa, cuja oficina estava situada em Kuwana, na província de Ise, Japão. As pessoas falavam coisas estranhas sobre ele, que nasceu em 1341 e que foi aluno do grande Masamune[1], embora o homem estivesse ali vivo e atuante uns bons duzentos anos depois e, mais tarde, haja sumido sem registro de óbito.

O xogum ficou encantado pela qualidade das lâminas de Muramasa e comprou dele um daishō; conjunto geralmente composto por uma espada curta wakizashi e uma espada longa kataná. O ato de vestir o daishō foi um símbolo do poder da classe samurai de 1588 a 1876, quando o Ato de Abolição da Espada foi instaurado pelo regime Meiji. Mas esse ficou exposto no castelo e participou de todos os piores infortúnios recaídos sobre o clã Tokugawa. Em 29 de dezembro de 1535 um funcionário do castelo, Abe Masatoyo, usou a kataná para matar por engano Matsudaira Kiyoyasu, avô de Ieyasu.

Em 1548 um aliado e amigo da família, Iwamatsu Hachiya, totalmente bêbado, perfurou Matsudaira Hirotada, pai de Ieyasu, que sobreviveu ao atentado. Em 5 de outubro de 1579 outro aliado, Amagata Michitsuna, em sã consciência, por uma questão de tradição e respeito, usou a kataná para decapitar Matsudaira Nobuyasu, o filho primogênito de Ieyasu, na ocasião em que este foi forçado a cometer seppuku.

Arai Hakuseki, historiador oficial do xogunato, não pôde deixar de mencionar em documentos oficiais que “Muramasa está associado a muitos eventos aterrorizantes”.[2]  O próprio Ieyasu tinha dificuldade de manejar aquelas lâminas e feriu a si mesmo, acidentalmente, duas vezes. Então sua admiração se transformou em medo. Na Batalha de Sekigahara, Nagatake cortou a crista do elmo de Toda Shigemasa, e Ieyasu pediu para ver a arma que ele havia usado. Ao examinar a inscrição do nome do ferreiro na espiga oculta constatou que também aquela era um produto da oficina de Muramasa.

Mesmo sabendo que lâminas perfeitamente afiadas podem cortar seus usuários em momentos de descuido, imprudência ou imperícia, em 1787 o autor do romance histórico Kashiwazaki Monogatari (  物語) relatou uma lenda onde Ieyasu teria descoberto que, na verdade, Muramasa iniciou uma linha de produção de yōtō (妖刀); termo originário do idioma nihongo composto por kanjis que indicam uma kataná (刀) imbuída de energia yōkai (妖). Ou seja, a yōtō seria de certo modo um objeto senciente, funesto, imbuído de poderes sobrenaturais… Portanto Ieyasu finalmente teria proibido seu uso para a parcela restante de sua família.[3] Segundo Markus Sesko[4], alguns estudos históricos locais da antiga província de Ise narram outra lenda onde Masamune teria visitado o Santuário de Ise e aceito o jovem Muramasa (村正), como seu aluno.

A propósito, a lenda frequentemente citada sobre Masamune e seu suposto aluno Muramasa tendo uma competição sobre a potência de corte de suas espadas não deve passar despercebida aqui. A competição era para que cada um suspendesse suas lâminas em um pequeno riacho com a ponta virada para a corrente. A espada de Muramasa cortava tudo que passava; peixes, folhas flutuando rio abaixo. Muito impressionado com o trabalho de seu pupilo, Masamune baixou sua espada na corrente e esperou pacientemente. Nem uma folha foi cortada, o peixe nadou até ela, e o ar assobiou enquanto soprava suavemente pela lâmina. Depois de um tempo, Muramasa começou a zombar do mestre por sua aparente falta de habilidade na fabricação daquela espada. Sorrindo para si mesmo, Masamune puxou sua espada, secou-a e embainhou-a. O tempo todo, Muramasa o estava importunando pela incapacidade da lâmina de cortar qualquer coisa. Um monge, que estava assistindo a toda a provação, aproximou-se e curvou-se para os dois mestres de forja. Ele então começou a explicar o que tinha visto. “A primeira das espadas, por opinião unânime, é uma espada fina, no entanto, é sedenta de sangue, lâmina maligna (yōtō, 妖刀), pois não discrimina entre quem ou o que cortará. Pode tanto estar cortando borboletas quanto decepando cabeças. A segunda espada foi de longe a mais fina dos duas, pois não corta desnecessariamente o que é inocente e não merecedor”. Ao cortar tudo o que a tocava, a espada de Muramasa mostrava sua natureza sanguinária e maligna. Como tal, isso levou a uma tradição de que uma lâmina de Muramasa deve provar sangue antes de ser embainhada.[5]

Era esperado das armas e armaduras samurai que não fossem meros objetos inanimados, mas sim artefatos moralmente dignos. Essa atitude em relação às lâminas estava impregnada de religiosidade popular. Segundo Gilbertson, “havia as nefastas; outras que traziam felicidade e longevidade, e hinken, espadas que davam riqueza e poder”.[6] Sempre que a jovem Gō caia enferma duma febre misteriosa o seu pai, xogum Toyotomi Hideyoshi, pedia emprestada a espada mágica Ōtenta-Mitsuyo que era posta próxima à cama da moça adoentada para cortar energias negativas.[7]

Um menuki[8] japonês desmontado, em formato de morcego, animal que traz sorte.[9]

Quanto aos produtos da forja de Muramasa, todas as lâminas acabaram sendo julgadas indignas por especialistas oficiais, como Honami Kotobu, e foram removidas dos registros da guilda especializada.[10] Segundo George Cameron Stone, embora o trabalho de Muramasa seja da mais alta qualidade, seu nome é frequentemente deixado de fora das listas de fabricantes célebres por causa da reputação de produtos aziagos que desgraçam seus portadores – especialmente quando empunhadas por membros da família Tokugawa, ao ponto de seu uso ser uma vez proibido na corte do xogum. – “Há uma superstição de que suas lâminas tinham sede de sangue e não davam descanso aos seus donos, impelindo-os a matar outrem ou a cometer suicídio”.[11]

Até hoje, embora a escola Muramasa seja muito conhecida na cultura popular, nenhuma de suas espadas foi tombada ou designada como Tesouro Nacional. Porém, há quem as deseje justamente pela força da lenda. No período Bakumatsu (1853-1868), tais armas foram buscadas pela oposição política, os ativistas anti-Tokugawa, devido ao temor reverencial que inspiravam a toda a gente em favor da causa shishi.

Lâmina de espada Myōhō Muramasa (勢州桑名住村正) exposta no Museu Nacional de Tóquio.

Embora lâminas da escola Muramasa não fossem ostentadas pela família imperial em tempos de paz, uma daquelas espadas terríveis foi empunhada pelo príncipe Arisugawa Putito, comandante-chefe do Exército Imperial contra o Xogunato Tokugawa durante a Guerra Boshin (1868-1869). Para atender à demanda perene e crescente, as falsificações se tornaram comuns durante esse período histórico.[12] Ao menos, é claro, que o lendário ferreiro imortal continuasse assinando profusamente sua inigualável arte bélica aos quinhentos e vinte e sete anos de idade.

A arte imita a vida

O heroísmo samurai vem impulsionando as peças do teatro kabuki desde que essa forma teatral surgiu no século XVII como entretenimento para as classes plebeias. Contudo a própria classe militar era proibida de assistir kabuki, por questões de honra. Eles assistiam somente aos espetáculos privados do teatro . Isso criou um espaço ideal para veiculação ideológica da oposição política nos roteiros sensacionalistas do kabuki. Afinal, como diz um velho bordão, quando o gato sai os ratos fazem a festa.

Histórias estranhas e extraordinárias comumente viravam folhetos ilustrados e peças do teatro popular; cujas arquibancadas eram vistas muito mais cheias antes da invenção da televisão. Suiken Fukunaga localizou representações de lâminas yōtō saídas da forja de Muramasa em vários dramas dos séculos XVIII e XIX, especialmente Katakiuchi Tenga Jaya Mura ( 天下 茶屋 ) (1781), Hachiman Matsuri Yomiyano Nigiwai (八幡祭小望月賑) (1860), Konoma no Hoshi Hakone no Shikabue (木間星箱根鹿笛) (1880) e Kago-tsurube Sato-no-Eizame (籠釣瓶花街酔醒) (1888).[13]

A peça Hachiman Matsuri Yomiyano Nigiwai, escrita por Kawatake Mokuami, foi representada pela primeira vez no teatro Ichimura, em agosto de 1860, em Edo. Originalmente foi dividida em seis atos com temas baseados na queda duma ponte durante um festival xintoísta em 1807, no incidente do assassinato de uma gueixa em 1820, e também no episódio fictício onde o cotidiano do protagonista Kirare Yosa acaba permeado por problemas familiares causado por uma yōtōmuramasa (妖刀村正).[14]

Atores Ôtani Tomoemon IV, Arashi Rikan III, e Ichikawa Kodanii IV interpretando os papéis de Adachi Motoemon, Hayase Iori e Tôma Saburôemon no terceiro ato do drama Katakiuchi Tenga Jaya Mura (敵 討 天下 茶屋 聚), que foi encenado no 5º mês lunar de 1854 no Kawarasakiza (gravura impressa por Utagawa Kuniyoshi).

Quando, na vida real, Sano Jirōzaemon foi à zona de prostituição e matou sua amasia Yatsuhashi, as pessoas disseram que ele também portava uma yōtō. Este caso foi biografado com viés sensacionalista no drama kabuki Kago-tsurube Sato-no-Eizame, escrito por Kawatake Shinshichi III, que identificou a espada como uma das lendárias lâminas forjadas por Muramasa. No fim da peça Sano Jirōzaemon, interpretado por Ichikawa Sadanji I, surge curado duma doença de pele, usa a mulher para testar o fio de corte da sua nova arma e afirma satisfeito: “A kago-tsurube (籠釣瓶) é muito afiada”.[16]

Na vida real, quando Matsudaira Geki foi levado à loucura pelo assédio moral de seus superiores e os matou no Castelo de Edo no 6º ano de Bunsei (1823), os habitantes da localidade espalharam o boato de que o homicida usou uma espada de Muramasa, embora a perícia não haja localizado nenhuma assinatura oculta na espiga daquela lâmina em particular. Segundo Suiken Fukunaga, este incidente mostra quão grande foi a influência dos dramas kabuki sobre as pessoas comuns. [17]

Ilustração pintada por Chikashige Morikawa (守川周重), retratando uma cena de Konoma no Hoshi Hakone no Shikabue (木間星箱根鹿笛) (1880), publicada por Fukuda Kumajiro, em 1880.

Como forjar uma yōtō?

O colecionador britânico Edward Gilbertson (1813-1904) consultou documentos de fabricação de espadas japonesas que apresentavam Muramasa como “um ferreiro muito habilidoso, mas uma mente violenta e desequilibrada à beira da loucura, que supostamente havia passado para às suas lâminas”.[18] Daí a sede de sangue.

A manufatura começava com a composição de um lingote de aço de damasco chamado kawagane (皮鉄), o “coração de aço”, preparado em uma fornalha aberta chamada tatara (鑪). Depois o lingote era enrolado em torno do segundo aço, mais leve, chamado shingane (心鉄), a “pele de aço”, e ambos eram malhados juntos até adquirir o formato da kataná. Finalmente, a lâmina era aquecida ao rubro e recebia têmpera em água, para endurecer. Numa variante da lenda – provavelmente um posicionamento minoritário – este é o momento em que a forja duma yōtō difere da criação regular.

Louis Wertheimber, no romance histórico A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan (1887), descreveu os arredores do lar do ferreiro repleto de cadáveres dessangrados. O falatório na vizinhança teria levantado a suspeita de que Muramasa realizava a tempera do aço numa solução de sangue humano recém-derramado. “A época era supersticiosa o suficiente para acreditar que tal procedimento realizado corretamente traria resultados maravilhosos; e a maravilhosa excelência das produções de Muramasa favoreceu esse raciocínio”.[19]

Falando sobre a vida real e o quotidiano de todos os ferreiros laminadores do tempo dos samurais, Aline Ribeiro nos instrui: “A lâmina é o mais importante e, antigamente, o teste de qualidade chegava a ser feito em corpos de criminosos mortos e, eventualmente, vivos. Para checar se a lâmina era mesmo confiável, samurais costumavam emboscar cidadãos comuns nas vielas”.[20] Sendo assim se justifica o argumento de Louis Wertheimber, segundo quem “A vida humana era considerada barata o suficiente, enquanto boas espadas eram raras; e se fosse necessário sangue humano para fazer uma, alguns mercadores e vagabundos poderiam ser supridos”.[21]

O próprio Muramasa estaria, sem dúvida, ciente da lenda urbana criada em torno de sua pessoa e nunca a contradisse, seja por palavra ou sinal. Ele provavelmente tinha sabedoria mundana suficiente para supor que a atmosfera de mistério em que, por relato comum, ele vivia, gerava um marketing que aumentava o valor de seus produtos.

Em seu romance histórico Louis Wertheimber fantasia o encontro do famoso ferreiro com um jovem samurai avido pela obtenção duma boa espada. Muramasa fala:

“Os deuses foram gentis comigo e me recompensaram por minhas orações, concedendo-me técnica e habilidade; responderam ao meu jejum e minha devoção, meus dias e noites de labuta incansável, permitindo-me descobrir muitos segredos que são desconhecidos para os outros. Oh, os tolos, os tolos! pensam que o aço está morto porque é frio e imóvel e sem vida aparente! Três vezes dito tolos e idiotas! Eles matam a vida que existe no ferro como vem da natureza, e não dão outra em troca; e ainda assim eles sabem por seus antepassados, e aprenderam a tagarelar, que a espada é a alma viva do samurai.

“Há vida nesta lâmina que lhe dou hoje, meu rapaz, – vida melhor, mais fina e mais rica do que na maioria dos rudes que tentam fabricar uma espada. Mas lembre-se que, a menos que você a use com sabedoria e cuidado, esta espada é um presente perigoso. Nunca a desembainhe ao menos que você precise de sua ajuda; nunca a devolva à bainha sem usá-la; e nunca a deixe embainhada por mais do que um ciclo de doze anos. Se você por alguma fatalidade imprevista a tiver puxado e exposto à luz do sol, da lua ou das estrelas sem poder usá-la no inimigo que o provocou, antes de devolvê-la à sua bainha, use-a em algum animal inferior; mas nunca pense em embainhar sem que a lâmina tenha entrado em contato com o sangue de algo ainda vivo. Se você agir assim, achará nesta lâmina uma amiga devotada; ela obedecerá e até mesmo antecipará seus pensamentos e desejos; com a menor orientação, atingirá seus inimigos e oponentes em seus pontos mais fracos até a morte, independentemente da quantidade e da corarem destes, apesar da armadura e do elmo. Mas se você falhar em obedecer às instruções que lhe dei, a lâmina se voltará contra ti e o vitimará com igual certeza; e mesmo que você a enterre no oceano profundo ela não deixará de se vingar de ti.”[22]

Acreditava-se que a personalidade, muitas vezes impressionante, do ferreiro individual era refletida ou incorporada de forma animista nas lâminas que ele forjava.  Porém, noutras mídias, as espadas não precisavam ser batizadas em sangue para se tornarem yōtō. Aliás, em Dororo (どろろ; 1969) nós vemos a cena da forja de yōtōnihiru em água pura. O narrador do episódio explica a lenda corrente no modo como a tradição oral se adaptou, revelando que qualquer uso abusivo, excessivo e imoral por parte de qualquer um dos portadores de armas brancas encarnava uma sombra viva.[23]

Persistência da lenda na cultura popular japonesa do pós-guerra

Osamu Tezuka, no capítulo Yōtō no Maki (妖刀の巻) do romance gráfico Dororo (どろろ), publicado em 1967, apresentou o personagem Tanosuke (田之介), um samurai que recebeu de seu perverso daimyō a ordem de matar todos os construtores dum prédio fortificado, por medida preventiva, a fim de que nenhum deles revelasse métodos secretos de burlar a segurança daquele prédio aos inimigos do feudo.

Tanosuke titubeou, argumentando que é moralmente incorreto executar gente sem culpa, apenas por eles saberem demais. Então o daimyō lhe entregou uma kataná e insistiu que assassinasse uma dezena de inocentes. Uma vez cumprida a ordem, Tanosuke enlouqueceu, desgarrou-se e começou a vagar pelo Japão matando qualquer um que cruzasse seu caminho. Essa incessante busca por sangue tinha por objetivo alimentar o objeto. Sua espada foi chamada yōtōnihiru (妖刀似蛭) porque tal kataná era ou tornou-se o corpo verdadeiro do yōkai chamado Nihiru (似 蛭), cujo nome é composto por kanjis que o descrevem como semelhante (似, ni) à sanguessuga (蛭, hiru).

Uma yōtō influencia o usuário humano ao ponto de supressão da consciência. Por isso, no importante momento em que se apresenta para lutar contra Hyakkimaru, ele diz: “Não sou tão importante a ponto de ser nomeado. Esta espada se chama Nihiru. É uma espada que até hoje já fez jorrar o sangue de dezenas de inimigos. A guerra acabou, mas ela se acostumou com o gosto do sangue e não consegue se segurar”.[24]

Na versão televisiva, veiculada em 1969, à época em que Osamu Tezuka era vivo, Tanosuke lamenta: “Eu me tornei um escravo da espada”.[25] Guts, blogueiro geek, traduziu a cena à sua perspectiva onde Hyakkimaru enfrenta o objeto e seu usuário possesso: “Tanosuke era um bom soldado que foi corrompido pela lâmina e se transformou em uma casca sedenta de sangue de seu antigo eu. Ele é compelido pela espada a matar pessoas inocentes, algo impensável para o verdadeiro Tanosuke”.[26]

O antagonista fala aos escolhidos: “Embora eu não queira me precipitar nesta batalha, ele (Nihiru) não me dá ouvidos. Depois de sentir seu cheiro esta espada está sedenta para beber seu sangue. Sinto muito, mas estejam preparados para morrer”.

Quando Dororo furta a yōtōnihiru ele passa a ouvir uma hipnótica voz masculina repetindo: “Eu quero sangue”. Afetado, mas não totalmente fora de si, ele mata cães de rua. A voz então especifica que anseia por derramamento de sangue humano. Alguma ação acontece até que a lâmina volte às mãos de Tanosuke.[27] Este não consegue sangrar Hyakkimaru por mais que tente, pois ele não é apenas um espadachim excepcional; Hyakkimaru é praticamente um boneco com quase nada de humano. Num ato final, Tanosuke fala à yōtōnihiru: “Experimente o meu sangue! Aproveite… Esta é a sua última refeição!” Então crava a lâmina em seu próprio pescoço.[28]

Ilustração pintada por Chikashige Morikawa (守川周重), retratando uma cena de Koizumo Yawaragi Soga (1880), publicada por Fukuda Kumajiro, em 1882.

Cenas de rejuvenescimento

Na peça Kago-tsurube Sato-no-Eizame (1888) a pose da espada kago-tsurube fez com que um portador de boa índole e má aparência se transformasse num homicida de boa aparência, curado da doença de pele hereditária que o desfigurou ainda no útero. No romance gráfico Dororo (1967) e na série animada homônima (1969) a posse da espada yōtōnihiru fez com que o antagonista calvo voltasse a ter cabelo em abundância; algo que só o fez parecer ainda mais louco por perambular despenteado e esfarrapado.

Na versão de 2019 do seriado há uma inovação: a espada aparece com pontos de ferrugem quando entregue a Tanosuke e assume aparência de lâmina nova após ser molhada em sangue humano. Quando destruída, retorna à aparência de lâmina velha e enferrujada. Assim se comporta como um vampiro que rejuvenesce ao beber sangue.

Certa vez, conversando com a socióloga Daniele Aguiar a respeito do processo de envelhecimento duma espada japonesa, ela opinou que o enferrujamento de lâminas aumenta o risco de causar tétano[29] àqueles que forem feridos por elas. Antes que a erosão por ferrugem se agrave ao ponto de destruir o metal, haveria um lapso de tempo onde a presença de bacilos tetânicos potencializaria a letalidade da arma branca. Sendo assim, pode haver fundamento na lenda onde armas antigas adquirem uma capacidade de ferir para além do normal, observável por meio da relação de causa e efeito.

Espadas vivas e cura de sangue em Castlevania

Sessenta e nove espadas diferentes podem ser equipadas pelo vampiro Alucard no jogo Akumajō Dracula X: Gekka no Yasōkyoku (悪魔城ドラキュラX 月下の夜想), e em sua versão estadunidense Castlevania: Symphony of the Night, ambos produzidos pela Konami, em 1997. Quem teve a ideia de eliminar o sistema de fases presente nos treze jogos anteriores da franquia e introduzir um amplo arsenal, itens de vestuário, etc., foi o diretor Kōji Igarashi, que, por meio deste trabalho, se tornou o fundador informal dum subgênero dos jogos de ação chamado metroidvania.

A maioria das espadas imaginadas por Kōji Igarashi são relativamente comuns, porém algumas tem vida própria e sede de sangue. Após localizar e ativar a relíquia kenma no moto (剣魔の素) nosso avatar, o vampiro Alucard, começa a ser seguido por tsukaimanoken (つかい魔の剣)[30], uma espada mágica voadora que toma iniciativas para protege-lo. Inicialmente a tsukaimanoken golpeia o entorno de modo circular. O item sobe de nível conforme o número de oponentes vencidos.  Quando seu nível ultrapassa os cinquenta pontos a tsukaimanoken se torna equipável[31], com poder de ataque igual ao nível atingido, sendo uma das armas brancas mais fortes do jogo.[32] Foi essa espada que libertou Alucard das amarras da traiçoeira dupla Taka e Sumi no oitavo episódio da terceira temporada de Castlevania, o qual estreou na Netflix em 05/03/2020.

No jogo desenvolvido para o console PlayStation, o diretor Kōji Igarashi também introduziu a poderosa Crissaegrim (クリセグリム), derrubada por Schmoo[33] no mesmo mapa onde empalados utilizados como espantalhos deixam cair yōtōmuramasa (ようとうむらまさ).[34] Basta seu avatar equipar uma Crissaegrim que o jogo acaba para ele, pois tudo é destruído com facilidade e nada mais pode vencê-lo. Os cenários são atravessados com pressa, antes mesmo da conclusão de sua aclamada trilha sonora. Ao toque de um botão de ataque até os chefes de fase estouram indefesos como bolhas de sabão, sem oportunidade de exibir movimentos ou golpes especiais.

Por tudo isso houve quem se queixasse de prejuízo à jogabilidade. Ninguém vence uma guerra com honra jogando duas bombas atômicas sobre a população civil. Ninguém aprecia a sinfonia da noite correndo em enxurrada como as águas bravias dum rio durante a tempestade. Transformar a pior dentre as espadas do inventário no melhor equipamento possível foi o objetivo da parcela minoritária de jogadores que desejava tirar o máximo de proveito do jogo, passando muitas horas entretidos pela emoção da dificuldade, evoluindo Alucard por mérito, fazendo malabarismo no console para ativar seus golpes especiais e vendo tudo que os oponentes são capazes de fazer.

No início a yōtōmuramasa é uma espada de duas mãos de baixo dano, que reduz cinco pontos de ataque e quatro de defesa quando equipada. Ela rejeita um portador fraco, travando durante a luta se o ataque de Alucard for inferior a onze pontes. Ela temporariamente amaldiçoa o vampiro e foge de suas mãos até que ele encontre e ative o poder da relíquia shinzō (心臓), o coração de Vlad Ţepeş.

O jogador inexperiente prontamente rechaçará uma kataná que o atrapalha mais do que ajuda. Porém, não sem motivo, a maioria dos monstros que dropam tal item habitam o cenário da biblioteca do castelo. O jogador instruído intuirá que uma espada que leva o nome do ferreiro Muramasa não pode ser verdadeiramente fraca, por pior que pareça à primeira vista. Acontece que yōtōmuramasa possui uma habilidade oculta, que ativa o efeito estético de resplandescência duma aura vermelho-sangue em seu portador. (Assim o jogador desinformado percebe que algo de diferente aconteceu).

A espada é fortalecida sempre que Alucard, estando ferido, usa-a para sangrar um oponente e os respingos de sangue alheio caem sobre ele, curando-o. Curiosamente tal propriedade vampírica dobra quando o porte da yōtōmuramasa é combinado com uso do pingente buraddosutōn (ブラッドストーン), a “pedra de sangue”.[35]

Com o contínuo progresso do personagem sua velocidade de manejo da espada é otimizada e o tempo do efeito da maldição diminuído. Após atingir trezentos e quinze pontos seu ataque passa a subir de dois em dois pontos, ao invés de um em um. Neste jogo a yōtōmuramasa potencialmente pode evoluir até o limite de novecentos e noventa e nove pontos de ataque caso alguém tenha a infinita paciência de usá-la até Alucard receber mais de um milhão de curas de sangue.[36] Deve haver algum comando oculto de ativação da potência máxima da yōtōmuramasa, pois embora tamanho trabalho seja humanamente impraticável, na internet tem gente matando a cobra e mostrando pau.[37]

 Tanosuke portando a espada yōtōnihiru numa cena do sétimo episódio de Dororo (どろろ; 1969) e yōtōmuramasa no jogo Akumajō Dracula: Yami no Juin (悪魔城ドラキュラ 闇の呪印; 2005).

Na ocasião de lançamentos de novos jogos da franquia alguns poderiam lastimar o desperdício do trabalho após uma canseira hercúlea. Então os projetistas da Konami deram um subterfúgio aos jogadores. Na versão original de Castlevania: Symphony of the Night para PlayStation, apertar todos os quatro botões do joystick mais SELECT e START faz com que o console retenha o nível atual da yōtōmuramasa em sua memória RAM. Depois, se for carregado outro arquivo de jogo no qual o avatar do jogador também tenha uma yōtōmuramasa, o nível será passado para o item daquele jogo. Salvar o jogo definirá permanentemente o novo valor de ataque para a espada.[38]

Para não se prender somente ao folclore nipônico ao dirigir a produção de um importante item de exportação, Kōji Igarashi introduziu mais duas espadas que ativam a cura de sangue em avatares vampiros nos jogos da saga. São a nórdica Dáinsleif (ダインスレイフ)[39] e a genérica Mōnburēdo (モーンブレード), a lâmina do gemido, uma “devoradora de almas”. Porém ambas são notoriamente inferiores à yōtōmuramasa.

Espada Muramasa em Ragnarök Online

Seu avatar é atacado por hordas de mortos vivos e demônios funestos ao entrar em determinados mapas do MMORPG Ragnarök Online (라그나로크 온라인)[40], o qual é desenvolvido pela empresa sul-coreana Gravity Corp. À época do lançamento, em 2002, os melhores locais para encontra-los eram a caverna de Payon, o Navio Fantasma e as ruínas de Glast Heim. Num desses cenários (gl_cas02) brota um looping infinito de monstros “andarilhos” de modo que o mapa está sempre repleto de quarenta e um deles, não importa quantos você derrote. São mortos-vivos semidecompostos vestidos com roupas típicas nipônicas e portando espada kataná. Parecem corpos de samurais ronin.

Existe 0,10% de chance de cada andarilho derrotado deixar cair a espada de duas mãos Muramasa, equipável por avatares da classe espadachins e evoluções a partir do nível 48 da evolução do avatar. A Muramasa é uma arma de nível quatro[41] que aumenta o ataque crítico em trinta pontos e a velocidade de ataque em 8%. Sem dúvida um excelente item de jogo. Sua descrição informa ser uma “espada oriental, batizada com o nome do famoso artesão do antigo Japão”.

Segundo a descrição, ao realizar ataques físicos com a Muramasa deveria haver uma “pequena chance de infligir maldição[42] no usuário”; porém essa pequena chance é eufemista para o tempo inteiro. O que ocorre de fato? Você mira em qualquer coisa e seu avatar fica vermelho, andando lentamente na companhia da Morte, com manto e foice. Os jogadores ficam maravilhados pela estética do efeito. É impossível enjoar. Antes de causar aborrecimento ou atrapalhar a jogabilidade, a maldição da Muramasa é diversão garantida. O único problema é ter de andar com estoque de água benta produzida por noviços e evoluções para destravar a corrida em caso de urgência.

Um personagem do jogo, antigo membro da guilda dos espadachins, evoluído para a classe dos cavaleiros, um destacado guerreiro de nome Seyren Windsor, foi tão afetado pela maldição do equipamento coletado em Glast Heim que ele efetivamente se tornou um possesso chefe de mapa. Ao derrotar uma das versões de Seyren há 0,05% de dropar a Muramasa que ele presumivelmente espoliou do ronin andarilho.

Em 09/11/2005 o jogo Ragnarök Online recebeu a importante atualização que adicionou os mapas Amatsu e Kunlun, com novas missões, monstros e equipamentos. Em Amatsu o chefe de mapa Samurai Encarnado é uma criança controlada pelo espírito dum samurai adulto que, pelas vestes, parece o cadáver de um daimyō ou pelo menos alguém bem mais rico que o andarilho. Este monstro deixa cair, a 0,03% de chance, a espada de duas mãos Masamune descrita como “a grande obra-prima do maior artesão japonês”. Equipável por espadachins transclasse e evoluções a partir do nível 48, essa arma de nível quatro reduz cinco pontos de força, reduz 75% da defesa, aumenta a esquiva em trinta pontos e a velocidade de ataque em dois.

A carta do monstro Samurai Encarnado é considerada muito boa. Ela é gerada no inventário do MVP (most valuable player) a 0.01% de chance. Equipa em slot de arma. Ignora toda a defesa dos personagens e monstros, com exceção dos chefes de mapa. Impede a regeneração natural de HP. Drena 666 de HP do usuário a cada 10 segundos. Drena 999 de HP ao desequipar. Seu prefixo é Bloodlust. Isso significa que se equipada numa rara Muramasa [2] a arma se transforma em Bloodlust Muramasa.

Referências:

DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ichi (妖刀似蛭の巻 ・その一). Sétimo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 18/05/1969. (Cópia e legenda de fansub).

DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Cópia e legenda de fansub).

FUKUNAGA, Suiken. Nihontō Daihyakka Jiten (日本刀大百科事典). Japão, Yūzankaku, 1993. ISBN 4-639-01202-0.

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RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015. 98p. ISBN 978-85-432-0997-5.

SESKO, Markus. Legends and Stories Around the Japanese Sword. Alemanha, Books on Demand, 2011. 184p.

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SIMAN, Leandro Gusmão; SOUZA, Fabio Santana de; LIVRAMENTO, Gilson P.; PAULA, Donizete de; LETONAI, Homero & ARAKI, Eric. Castlevania: Symphony of the Night: Estratégia completa, mapas inteiros para o castelo normal e invertido e lista de itens. Em: ALMANAQUE WORLD GAMES. Ano I, nº 1. São Paulo, Editora Canaã, p 45-82.

STONE, George Cameron. A Glossary of the Construction, Decoration, and Use of Arms and Armor in All Countries and in All Times. New York, Dover Publications, 1999. 460p. ISBN 978-0-486-40726-5.

TEZUKA, Osamu. 妖刀の巻 Espada Demoniaca. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. São Paulo, New Pop, 2011, p 55-114.

WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887. 188p. Digitalizado e disponibilizado para download gratuito em: <https://www.google.com.br/books/edition/A_Muramasa_Blade/iz4WAAAAYAAJ?hl=pt-BR&gbpv=0>.

[1] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[2] DECHI, Bird. Review Muramasa. Em: DECHI, Bird. Hanya Seorang Penggemar Nasuverse. Indonésia, 03/01/2021. URL: <https://sehai-kun.blogspot.com/2021/01/review-muramasa.html>.

[3] Em 1849 oTokugawa Jikki (徳 川 實 記), um livro de História, endossou a obra anterior.

[4] O tradutor profissional de nihongo Markus Sesko é um colecionador de espadas japonesas, membro da Associação para a Pesquisa e Preservação dos Elmos e Armaduras Japonesas.

[5] SESKO, Markus. Masamune – His Work, His Fame and His Legacy. Morrisville, Lulu Press, 2015, p 73-74.

[6] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[7] SESKO, Markus. Legends and Stories Around the Japanese Sword. Alemanha, Books on Demand, 2011, p 34-35.

[8] Menuki (目貫) é um ornamento que fica localizado em ambos os lados da empunhadura da espada (tsuka) parcialmente coberto pela corda (ito). Originalmente o menuki foi adicionado com o propósito de esconder o mekugi (pino de bambu), mas que posteriormente foi mudado de posição para facilitar a montagem de desmontagem da espada.

[9] ALAMEDDINE, Rabih. Japanese Menuki (目貫) (sword mountings) in the shape of bats. Postado no Twitter em 13/09/2020. URL: <https://twitter.com/rabihalameddine/status/1305292304551350273?lang=cs>.

[10] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[11] STONE, George Cameron. A Glossary of the Construction, Decoration, and Use of Arms and Armor in All Countries and in All Times. New York, Dover Publications, 1999, p 460.

[12] DECHI, Bird. Review Muramasa. Em: DECHI, Bird. Hanya Seorang Penggemar Nasuverse. Indonésia, 03/01/2021. URL: <https://sehai-kun.blogspot.com/2021/01/review-muramasa.html>.

[13] FUKUNAGA, Suiken. Nihontō Daihyakka Jiten (日本刀大百科事典). Japão, Yūzankaku, 1993. Citado no verbete MURAMASSA, na WIKIPEDIA. <https://en.wikipedia.org/wiki/Muramasa>. Acessado em 23/03/2022 17h02.

[14] HACHIMAN MATSURI YOMIYANO NIGIWAI (A KABUKI PLAY) (八幡祭小望月賑). Em: JAPANESE WIKI CORPUS. URL: <https://www.japanese-wiki-corpus.org/person/Mokuami%20KAWATAKE.html>.  Acessado em 23/03/2022 20h38.

[15] TENGAJAYA. Ultima atualização em 31/10/2018. URL: <https://www.kabuki21.com/tengajaya.php>.

[16] THE HAUTED SWORD. Em: KABUKI PLAY GUIDE. Acessado em 25/03/2022 09h28. URL: < http://enmokudb.kabuki.ne.jp/repertoire_en/%E7%B1%A0%E9%87%A3%E7%93%B6%E8%8A%B1%E8%A1%97%E9%85%94%E9%86%92%EF%BC%88the-haunted-sword%EF%BC%89 >.

[17] MURAMASSA. EM: WIKIPEDIA. <https://en.wikipedia.org/wiki/Muramasa>. Acessado em 23/03/2022 17h02.

[18] RATTI, Oscar & WESTBROOK, Adele. Secretos de los Samurai: Estudio de las artes marciales del Japón feudal. Traducción: Josep Padró Umbert. Espanha, Paidotribo, 2006, p 323.

[19] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 53-54.

[20] RIBEIRO, Aline. Guia Conhecer Fantástico Extra: Samurai & Ninja. São Paulo, OnLine, 2015, p 44.

[21] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 55.

[22] WERTHEIMBER, Louis. A Muramasa Blade: A Story of Feudalism in Old Japan. Boston, Ticknor, 1887, p 85-86.

[23] O narrador fala na abertura de DORORO どろろ: Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二): “A espada não é algo para matar as pessoas, mas sim para autodefesa. Mas quando essa convicção desaparece, e também os donos das espadas, elas se tornam obcecadas como animais. Algumas espadas são espontaneamente retiradas de suas bainhas por homens com sede de sangue. Outras espadas, com desejo pela morte, matam pessoas. Outras, embora não sejam manchadas com o sangue de centenas de pessoas, brilham no campo de batalha, liderando outros. A obsessão dessas espadas só traz tristeza ao seu portador. As pessoas chamam-lhes de yōtō”.

[24] TEZUKA, Osamu. 妖刀の巻 Espada Demoníaca. Em: TEZUKA, Osamu. Dororo: Volume 2. SP, New Pop, 2011, p 57.

[25] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Tradução de fansub).

[26] GUTS. 10 Objetos em anime que corromperam seus usuários. Publicado em GEEKS IN ACTION, 06/08/2021. URL: <https://geeksinaction.com.br/index.php/2021/08/06/10-objetos-em-animea-que-corromperam-seus-usuarios/>.

[27] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ichi (妖刀似蛭の巻 ・その一). Sétimo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 18/05/1969. (Tradução de fansub).

[28] DORORO (どろろ): Yōtō Nihiru No Maki Sono ni (妖刀似蛭の巻 ・その二). Oitavo episódio da série produzida pelo estúdio Mushi Production (虫プロダクション), exibido pela TV Fuji (フジテレビ) em 25/05/1969. (Tradução de fansub).

[29] O tétano é uma infecção aguda e grave, causada pela toxina do bacilo tetânico (Clostridium tetani), que entra no organismo através de ferimentos ou lesões de pele.

[30] DRACULA X: NOCTURNE IN THE MOONLIGHT: INVENTORY TRANSLATION GUIDE. Em: GAME FAQs, 27/10/2002: <https://gamefaqs.gamespot.com/saturn/197146-akumajou-dracula-x-gekka-no-yasoukyoku/faqs/18248>.

[31] SIMAN, Leandro Gusmão; SOUZA, Fabio Santana de; LIVRAMENTO, Gilson P.; PAULA, Donizete de; LETONAI, Homero & ARAKI, Eric. Castlevania: Symphony of the Night: Estratégia completa, mapas inteiros para o castelo normal e invertido e lista de itens. Em: ALMANAQUE WORLD GAMES. Ano I, nº 1. São Paulo, Editora Canaã, p 56.

[32] BORTOLAÇO, Denis & MARQUES, Rafael. Castlevania: Warpzone Clássicos n

 º 9. São paulo, 2017, p 66.

[33] Shmoo é um personagem criado por Al Capp para as tiras de jornal de Ferdinando Buscapé. Sua primeira aparição ocorreu em 31/08/1948. Era um animal exótico, extremamente amoroso e ingênuo. Sua espécie era muito nutritiva e foi exterminada pelos capitalistas americanos a fim de evitar a falência do negócio agropecuário. Em 1979, os estúdios Hanna-Barbera relançaram o personagem em forma de desenho animado. Nesta revisão Shmoo era apenas um bichinho branco, parecido com um fantasma com aspecto de foca, porém muito carinhoso com todos seus amigos. Serviu de inspiração também para outros dois personagens do estúdio: Gloop e Gleep de Os Herculóides. Podia se transformar em qualquer coisa para ajudar seu dono e amigos, livrando-os dos perigos e facilitando trabalhos dos mesmos. Mas Hanna-Barbera abandonou a ideia dele ser nutritivo e atrair o apetite humano.

[34] As descrições da yōtōmuramasa nos jogos da franquia Castlevania informam ser “uma lâmina com vida própria, criada por um lendário espadachim ferreiro” (Order of Shadows). É também “uma espada sedenta de sangue” (Symphony of the Night), “embebida no sangue de inimigos caídos” (Encore of the Night:), “com reputação macabra” (Dawn of Sorrow). “Uma lâmina oriental mortalmente afiada; requer clareza de vontade para mantê-la sob controle” (Curse of Darkness).

[35] Sozinha a cura de sangue da yōtōmuramasa soma oito pontos à barra de vida de Alucard, mas se ele também usar buraddosutōn a cura de sangue somará dezesseis pontos todas as vezes. Este é o mesmo poder temporariamente ativado pelo feitiço do pergaminho Dark Metamorphose (ダークメタモルフォーゼ) cujo nome foi transliterado do inglês.

[36] Chegar aos 999 pontos de ataque por mérito próprio não é humanamente possível, mas jogadores dão dicas sobre como bugar um controle turbo e deixar Alucard lutando sozinho a noite inteira. A kataná Muramasa ganha um ponto de ataque conforme a equação [(ataque atual × 2) +11] curas de sangue. Por exemplo, para aumentar o atributo inicial -5 para -4 basta uma cura de sangue. Para aumentar -4 para -3 requer três curas de sangue e assim por diante.

[37] 月下の夜想曲」 999まで強化した妖刀村正で全ボス倒したい 「ゆっくり実況」. Publicado no canal T先輩, no Youtube em 03/03/2020. URL: <https://www.youtube.com/watch?v=Tk9F3Fudd9M>.

[38] CASTLEVANIA WIKI. Acessado em 30/03/2022. URL: <https://castlevania.fandom.com/wiki/Muramasa>.

[39] Na mitologia nórdica a espada Dáinsleif pertencia ao rei Hǫgni. Forjada por um anão, ela produzia feridas que nunca cicatrizavam e matava um homem sempre que desembainhada. Sua lenda é semelhante à da espada Tyrfing.

[40] Ragnarök Online foi o primeiro jogo online coreano a ser exportado com sucesso a outros países. No Brasil, foi o primeiro MMORPG traduzido oficialmente para a língua portuguesa, rodado em servidores nacionais, de 2004 a 2021.

[41] O quarto nível é o mais alto e o mais difícil dos ferreiros aprimorarem com minério oridecon para aumentar o ataque.

[42] Maldição é um efeito negativo que passa em poucos segundos. Maldição reduz o ataque do avatar em 25%, zera os pontos de sorte e reduz sua velocidade de movimento. Porém a impossibilidade de correr não atrapalha a quem não quer fugir da luta, a construção de espadachins não exige nenhum gasto de ponto em sorte e o aumento significativo na velocidade de ataque proporcionado pela espada compensa a redução do dano.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/asia-oculta/a-lenda-de-yoto-as-laminas-vampiras/