A submissão de Indra, o rei dos semideuses hindus

(Texto extraído em espanhol do livro Mitos de la luz: Metáforas orientales de lo eterno, de Joseph Campbell, o qual extraiu o texto de uma passagem do Brahmavaivarta Purana).

Permita-me contar uma história hindu.

Uma vez, um monstro chamado Vrtra tentou reter (seu nome significa “abrangendo”) todas as águas do universo para que houvesse uma enorme seca que durasse mil anos. Bem, Indra, o Zeus do panteão hindu, finalmente teve uma ideia. Por que não atirar um raio nesse cara e transformá-lo em pó? Então Indra pegou um raio, disparou em direção ao centro de Vrtra, e bang! Vrtra explode, as águas fluem e a Terra e o universo esfriam.

Bem, então Indra pensa: “Como sou grandioso”, então ele sobe a montanha cósmica, o Monte Meru, que é o Olimpo dos deuses hindus, e percebe que todos os palácios têm sinais de decadência. “Bem, agora vou construir uma cidade totalmente nova aqui, que faz jus à minha dignidade”, diz ele. Ele convoca Visvakarman, o artesão dos deuses, e conta a ele sobre seus planos.

Ele diz: “Olha, vamos trabalhar aqui e construir esta cidade. Acho que poderíamos ter palácios aqui e torres ali, plantas de lótus neste setor, etc.”

Então Visvakarman vai trabalhar, mas, toda vez que Indra volta, ele vem com ideias maiores e melhores sobre o palácio, de modo que Visvakarman começa a pensar: “Meu Deus, nós dois somos imortais, então o que posso fazer?”

Visvakarman decide ir reclamar perante Brahma, ou o assim chamado criador do mundo dos fenômenos. Brahma senta-se em um lótus (assim é seu trono), e Brahma e o lótus crescem do umbigo de Vishnu. Por sua vez, Vishnu está pairando sobre o oceano cósmico, reclinado sobre uma grande serpente cujo nome é Ananta (que significa “sem fim”).

Aqui está a cena. Nas águas, Vishnu dorme e Brahma está sentado no lótus. Visvakarman aparece e depois de muitas reverências diz: “Estou com problemas”. Ele então conta a história para Brahma, que responde: “Tudo bem. Vou consertar tudo”.

Na manhã seguinte, o porteiro da entrada de um dos palácios de Indra que estava em construção nota a presença de um jovem brâmane de pele azul e negra, cuja beleza surpreende muitas crianças. O porteiro procura Indra e diz: “Acho que seria auspicioso convidar este belo jovem brâmane para o palácio e dar-lhe hospitalidade.” Indra concorda que isso certamente será auspicioso, então o menino é convidado. Indra está sentado em seu trono e, após as cerimônias de hospitalidade, ele diz: “Bem, jovem, o que o traz ao palácio?”

Com uma voz como um trovão no horizonte, o menino diz: “Ouvi dizer que você está construindo o maior palácio que qualquer Indra já construiu, e agora que o verifiquei, posso lhe dizer que nenhum Indra jamais construiu tal palácio antes.”

Aturdido, Indra exclama: “Indras diante de mim? Do que você está falando?”

“Sim, Indras antes de você”, responde o menino. “Apenas pense, o lótus cresce do umbigo de Vishnu, o lótus se abre, e Brahma se senta nele. Brahma abre os olhos e o universo se manifesta, governado por um Indra. Fecha os seus olhos. Abre os seus olhos: outro universo. Fecha os seus olhos. .. e por trezentos e sessenta anos de Brahma, é isso que ele faz. Depois o lótus é removido, e após um tempo insondável outro lótus se abre, Brahma aparece, abre seus olhos, fecha seus olhos… Indras, Indras, Indras.”

“Considera agora todas as galáxias no espaço e no espaço exterior, cada um com um lótus, cada lótus com seu Brahma. Podem haver sábios em sua corte que se voluntariam para contar as gotas do oceano e os grãos de areia nas praias do mundo, mas quem contaria aqueles Brahmas, sem falar sequer dos Indras?

Enquanto ele fala, um desfile de formigas em fileiras perfeitas aparece no chão do palácio, e o menino olha para elas e ri. A barba de Indra se eriça, seus bigodes ficam tensos; ele pergunta: “E agora? Do que você está rindo?”

O menino responde: “Não me pergunte a menos que esteja preparado para ser ferido”.

Indra diz: “Eu pergunto”.

O menino aponta a sua mão para as filas de formigas e diz: “Aqui estão todos os Indras anteriores. Passarão por inúmeras encarnações e se elevam ao nível dos céus, chegam ao alto trono de Indra e matam o dragão Vrtra. Todos eles proclamam: ‘Como sou grandioso’, e então caem.

A esta altura, aparece um iogue velho e excêntrico vestido somente com um cinto, e que carrega sobre a sua cabeça um guarda-sol feito
com folhas de bananeira. Sobre seu peito tem um pequeno círculo de
cabelos, e o jovem olha para ele e faz as perguntas que fervilham na mente de Indra. ” Quem é? Qual é o seu nome? Onde vive? Onde é sua casa?

“Não tenho família, não tenho casa. A vida é curta. Este guarda-sol é suficiente para mim. Apenas adoro Vishnu. Quanto a esses pêlos, é uma coisa curiosa; cada vez que um Indra morre, um fio de cabelo cai. Metade deles já foi embora. Muito em breve todos eles irão embora. Por que construir uma casa?”

Bem, esses dois personagens eram na verdade Vishnu e Shiva. Tinham vindo para dar uma lição a Indra, e uma vez que ele os escutou, partiram. Agora Indra está destroçado, e quando entra Brhaspati, o sacerdote dos deuses, Indra diz: “Eu sairei para me tornar um iogue. Eu adorarei os pés de Vishnu.”

Então ele vai ao encontro de sua esposa, a grande rainha Indrani, e diz a ela: “Minha querida, vou deixá-la. Eu irei para a floresta para me tornar um iogue. Vou jogar fora toda essa bobagem sobre governar o mundo e vou adorar os pés de Vishnu.”

Bem, ela olha para ele por um tempo, então ela procura por Brhaspati e
conta a ele o que aconteceu. “Ele colocou essa ideia na cabeça e vai
partir para se tornar um iogue.”

Então o sacerdote a pega pela mão e eles vão se sentar juntos, diante do trono de Indra, a quem ele diz: “Você está no trono do universo. Você representa virtude e dever -dharma- e incorpora o espírito divino neste papel terreno. Já escrevi um ótimo livro para você sobre sobre a arte da política, como manter o Estado, vencer guerras, e assim por diante. Agora vou escrever para você um livro sobre a arte de amar, para que o outro aspecto de sua vida, que você compartilha com Indrani, também
também tornar-se uma revelação do espírito divino que habita em todos nós. Qualquer um pode se tornar um iogue, mas, quem pode representar na vida do mundo a imanência desse mistério da eternidade?”

Assim Indra foi salvo do problema de abandonar tudo e tornar-se um iogue. Agora ele tinha tudo dentro dele, assim como todos nós. Tudo que você tem a fazer é acordar para o fato
que você é uma manifestação do eterno.

Este conto, conhecido como “Submissão de Indra”, aparece no Brahmavaivarta Purana. Os Puranas são textos sagrados do Índia, por volta do ano 400 desta era.

O surpreendente sobre a mitologia hindu é que ela abrange o universo em que estamos falando, com os grandes ciclos de vidas estelares, as galáxias, as galáxias além das galáxias, e o aparecimento e desaparecimento da universos. Isso dilui a força do momento presente.

Quanto a todos os nossos medos sobre bombas atômicas que pulverizam o universo, o que há com isso? Antes já houveram universos
e mais universos, cada um deles explodido por uma bomba atômica. Então identifique-se agora com o eterno que está dentro de você
e dentro de todas as coisas. Isso não significa que você quer ver cair
uma bomba atômica, e sim que você não deve parar de perder seu tempo se preocupando com ela.

Uma das grandes tentações do Buda foi a tentação de luxúria. A outra tentação era o medo da morte. Este é um tema interessante para meditar, o medo da morte. A vida nos joga essas tentações, essas distrações, e o problema é encontrar dentro de nós o centro inabalável. Então você pode sobreviver a qualquer coisa. O mito irá ajudá-lo a fazê-lo. Isso não significa que você não deve sair e protestar contra as pesquisas atômicas. Faça-o, mas faça-o brincando. Lembre-se que o universo é o jogo de Deus.

***

Tradução e adaptação do espanhol para o português por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/yoga-fire/a-submissao-de-indra-o-rei-dos-semideuses-hindus/

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