Eu era xamã e não sabia

Quando mais novo eu sempre me impressionei com a natureza. Não entendia bem o por quê, mas tudo o qual fazia parte do que eu encarava como natureza era extremamente bem pensado. Passei por vários lugares e sempre me dediquei ao máximo em ver valor aonde muitos não viam utilidade. Cheguei a carregar pedras das mais variadas para casa e sempre tive o cuidado de reservar um espaço para tudo isso.

Cheguei a viver de certo modo envolto em paradigmas esotéricos e isso facilitou ainda mais essa visão da realidade. Meditava quase sempre em busca de um mundo do qual eu era o maior escritor. Contudo o caos das informações que recebia e trabalhava me davam a certeza de que tudo aquilo ali ocorria, e de fato ocorria.

Encontrei muitos espíritos* que me confundiram mais do que auxiliaram, mas isso ocorreu devido a falta de consciência minha em minhas práticas intuitivas. Fui xamã sem perceber.

Dedicava boa parte do meu tempo a coordenar energias das mais variadas e muitas vezes as lancei com a força de minha vontade, pura e simplesmente. Intervi na realidade por meio disso e por meio disso me tornei um indivíduo de ação, não necessariamente fisicamente falando, mas em outro plano.

Em minhas incursões meditativas invadi e vivi em regiões muito além da compreensão comum. Estive boa parte do tempo lidando com elementais dos quais certas literaturas prejudicam mais do que auxiliam. Eles enfeitam demais tais forças para se tornarem mais agradáveis aos olhos e esquecem que a realidade não quer agradar ninguém. Contudo eu aceitei sem pensar muito nisso.

Fui alvo de tantas coisas que não saberia por onde começar e criei laços com lugares e plantas das quais muitos não enxergariam mais do que um terreno baldio. Eu escutei o som do vento e muitas vezes fui capaz de captar emoções e pensamentos que vinham por meio deste. Quantas e quantas vezes não antecipei circunstâncias numa sincronicidade que só eu percebia. Quantas e quantas vezes não menti para mim dizendo que era devaneio.

No sonho eu era particularmente medroso e tive dificuldade em estar lá. Curiosamente claro. Entretanto ao aprender a voar nada mais me era impossível. Quantos e quantos sonhos me fizeram ser mais atento e cauteloso e quantas e quantas vezes o que falei não vinha de mim. Os outros achavam somente que eu era um garoto sensível por demais. Eu sabia que não era isso, eram as vozes do conhecimento que a todos pertence, já que não há paredes limitadoras determinando um alguém mais capaz ou menos de receber. E minha atenção dedicada a tudo isso criava claro um diferencial que me fazia um estranho aos olhos de tantos.

Amigos meus que viveram comigo nesse período e que chegaram a buscar tais coisas também muitas vezes me olhavam céticos. Poderia alguém ter e poder fazer tantas coisas, simples, mas coisas das quais estes não conseguiam? Seria de fato verdadeiro ou pura invencionice de um garoto mimado? Eu me calava, não sabia o que falar nesses casos para ser compreendido e demorei a perceber que ser compreendido não importa. Importa somente ser verdadeiro com o que sente. E muitas vezes temi o que senti, por perceber coisas demais que minha maturidade emocional pouco auxiliava em lidar com isso.

O que mais prejudicou tudo isso foi cair nas graças de pessoas que se fizeram passar por experientes. Curiosamente estes foram os que menos me ajudaram. Não tirando o crédito que há na ação desse tipo de pessoa que permite nos fazer achar que nossas compreensões são plausíveis para eles. Isso para mim era suficiente. Essa falsa sensação de liberdade que a atuação destes criava era a melhor coisa que eu tinha, pois nunca desejei estar só. Mas na verdade eu que buscava uma comprovação. Minha mente racional se rasgava de raiva por não conseguir conter tudo o mais que me ocorria. Eu era xamã sem saber e cheguei a achar que tudo não passara de um erro.

Deixei meus espíritos de lado, larguei em outros cantos os cristais que tinha achado. Parei de entender o som das árvores e o chiado do vento. Entristecia-me ao pensar que com minhas mãos eu poderia ajudar, sem nem tocar, tantos que eu não queria mais estar perto. Parei de me lançar neste outro mundo por vergonha de continuar sendo taxado de tolo, imaturo ou criativo demais. E tranquei meu altar durante meses num silêncio que só machucou a mim. E foi por meio disto que aprendi uma das coisas mais importantes que é a confiança. Quando percebi que certas coisas não deixaram de ocorrer. Quando vi que certos vultos continuavam a passar. Quando percebi que certas palavras que eu falava continham as informações que eu intuía, mesmo quando os receptores nem ao menos se lembravam de onde tinham vindo o conselho. E isso ocorria provavelmente por que eu era somente um mediador, mas isso não me chateava, sabia bem que o bem feito era mais valioso.

Entretanto me dediquei por demais em não aceitar pura e simplesmente. Havia em tudo ali uma ciência que demorei em compreender. Para me aceitar xamã tive de ser neófito hermético. Tive de acreditar tolamente em enfeites dos contos de fadas das tradições espiritualistas incompletas que possuímos aos montes enlouquecendo os crédulos. Tive de me aventurar pela árvore da vida e falar nomes sagrados. Tive de encarar o terror dos arcanos e de suas compreensões. Tive de não me importar com opiniões chulas de pessoas fracas que encontramos aos montes por ai. Tive de rejeitar a religião para perceber que o problema não são elas e sim as pessoas e seus medos. Tive de parar no meio do mato novamente, longe de todos os olhos que me observaram eternamente descrentes para me ver livre de minha própria dúvida. Tive de escrever para muitos achando provável que estava perdendo novamente meu tempo para perceber que nada se perde nesse caso.

E foi lendo um livro e outro que percebi que todas as minhas práticas, até as mais tolas eram práticas de grandes xamãs dos quais nunca tinha ouvido falar. Que meus jogos tolos mentais e minhas práticas no quintal de casa tinham mais valor do que o que certos gurus falavam ou faziam. E que o fato de eu nunca ter encontrado respostas nas palavras deles não era por falta de capacidade minha e sim por falta de visão deles com suas próprias ciências.

Hoje em dia vejo alguns diários que escrevi. Juntando vez ou outra informações das mais variadas para alcançar a compreensão da qual necessitava para entender, abarcar aquilo tudo, tão simples. E nunca algumas informações foram tão fortes como certas passagens dos livros de Eliphas. Foi assim que aprendi a me calar pois o que sabia só a mim me importava. E testei incansavelmente tudo, por fim me libertando da dúvida que me consumia. Hoje afirmo que sou um xamã, mas não qualquer xamã. Meus passos pelo ocultismo, hinduísmo, Zen, budismo, cristianismo, oráculos, magia, meditação, espiritualismo e afins não se perderam no meio do nada. Mas o xamanismo é tão livre e tão grande que não consigo separa-lo como um objeto exclusivo. Na verdade quando me refiro ao xamanismo não consigo formaliza-lo como um ponto no espaço. Quando digo que sou xamã, digo que sou tudo isso. E os espíritos nunca os perdi, só tive de reencontra-los.

E como um Dom Juan que bem conhecemos também me visto de terno e gravata. Contudo o nó que dou é muito mais divertido.

E é por meio disto que implico que somos o que buscamos ser, curiosamente abobalhados pela impressão de nunca termos sido antes. Assim é bem provável que no meio do mato eu trace no chão um desenho hermético qualquer olhando no céu alguma ave de rapina passando, sentindo no cheiro do vento a intuição de outrora. O ritual apenas começou e se escutar um cântico qualquer vindo de mim não se assuste quando for pronunciado nomes divinos para uma fogueira. Não se envergonhe ao me ver dançando sobre um pentagrama ou flutuando nas águas claras do outro espaço. Saberei bem sacar de minha bolsa um mantra, aforisma ou qualquer outra coisa para auxiliar-me, para nos auxiliar. Pois esta ciência é viva e me regozijo com prazer ao utiliza-la. Meu templo não tem portas, contudo sei bem como fecha-las. E em qualquer lugar podes me ver recitando umas frases soltas enquanto olho para bem mais longe.

Se não compreender o meu olhar o problema não está em mim ou noutro alguém. O problema está em não compreender o seu próprio olhar. E se tudo isso aqui não passar de devaneio, como poderia tuas práticas serem diferente para ti? Contudo não afirmo que para alçar voou terás que fazer assim ou assado. Afirmo somente que se quer lançar-se no universo é preciso antes de mais nada a capacidade do psiconauta. Este que sabe que todo e qualquer mundo é válido, quando é parte do caminho que alcançamos ao respeitarmos o coração.

Silêncio… é preciso escutá-lo. Silêncio… é preciso sê-lo. Silêncio.

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leia também:

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Uno consigo e com o mundo – parte I

Uno consigo e com o mundo – parte II

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#xamanismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/eu-era-xam%C3%A3-e-n%C3%A3o-sabia

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