Um livro pequeno, com apenas cem páginas, mas que trata de um grande número de tópicos, com linguagem acessível. Minha proposta foi apresentar um plano dimensional com casas de cura para diferentes males mentais. Ou seja: se em algum momento de sua vida sua mente parecer desordenada como um galho torto, basta acessar esse plano de consciência para tentar desentortá-la.
E isso dá certo? Bem, nem sempre! Nenhuma magia é 100% efetiva, e nossa solução é lidar com os fracassos mágicos com bom humor. Por isso os habitantes da Cidade Sucinta (os magos que moram nesse plano mental do qual falamos) jogam o Jogo de Agracamalas para passar o tempo. O objetivo desse jogo não é vencer, mas falhar. Em outras palavras: ganha o jogo quem envelhece, fica doente e morre mais rapidamente…
E para que serve um jogo tolo como esse? Não para te convencer a falhar, mas para te mostrar que nem sempre estamos no controle, e que isso não é realmente ruim. Quando você começa a analisar os lados bons do fracasso, passa a entender que até quando algo não dá certo, existe algo a ganhar. E mesmo quando ganha, há algo a perder.
Ou, como diriam os sucintos: “Quando você morre, você não perdeu o jogo. Apenas trocou de tabuleiro”. Que tal tentar realizar algumas formas de “magias reversas” para desafiar a sua mente? Se você falha, você vence. E se vence, ganha um brinde de consolação: um baú mágico com uma surpresa astral, que pode ser agradável ou desagradável, conforme o lado do tabuleiro no qual se encontra.
Com O Grimório das Casas você aprenderá diferentes formas de acessar a dimensão mental da Cidade Sucinta (por intermédio da visualização, evocação, divinação, dentre outros meios ainda mais improváveis) e descobrirá como realizar feitiços úteis ou completamente inúteis (dependendo do ponto de vista, ou da versão do jogo) do Jogo das Casas.
Mas não fique muito animado, pois o jogo ocorre dentro de um labirinto (a complexidade de sua mente). Como diria Peter J. Carroll: “Cada nova forma de libertação está destinada a eventualmente se tornar outra forma de escravidão”. Na Religião do Labirinto Sem Fim, praticada pelos sucintos, é impossível achar a saída do labirinto. A Casa da Saúde ou a Casa do Prazer podem parecer saídas. Até mesmo a Casa da Morte está disfarçada de libertação, mas todas elas apenas te levam a novos labirintos.
O que fazer quando sua mente está presa? Vamos pegar outra sugestão de Carroll: “Crie, destrua, aproveite, IO CAOS!”. Para quem enjoou de jogar o Jogo de Agracamalas ou o acha muito chato, há outras opções interessantes. Aprenda a criar diferentes formas de sigilos e servidores, convocar animais mágicos, montar sociedades secretas ou até transformar em magia os exercícios aparentemente mais banais (como estourar plástico-bolha). E se até isso soar entediante, te daremos uma receita simpática de como construir novos planos mentais, Deuses e mundos. E a magia mais fantástica (e mais difícil): construir uma nova mente.
Eu poderia citar dois livros que foram fontes de inspiração para a escrita de Agracamalas, embora não se pareça com eles. Quando eu li Macunaíma, de Mário de Andrade, apaixonei-me pela forma deliciosamente irreverente e genuinamente brasileira da obra (brasileira na maneira que apresenta variados aspectos de nossa multiplicidade cultural), escrita com uma linguagem repleta de informalidades e gírias. E após a leitura de O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse (Hesse conquistou o Prêmio Nobel de Literatura com essa obra), decidi que eu queria inventar um jogo com um objetivo diametralmente oposto.
O Jogo de Avelórios de Hesse é um jogo extremamente complexo realizado com contas de vidro (muito popular em mosteiros beneditinos), utilizando linguagem oculta e que exige conhecimentos avançados de diversas ciências e artes, especialmente matemática, astronomia e música. Esse livro é evidentemente uma crítica aos intelectuais alienados que se dedicam à “beleza vazia dos saberes superiores”. A seguir, alguns trechos do livro de Hermann Hesse:
“– Devemos dar importância aos sonhos? – perguntou José. – Podemos decifrar seu significado?
O Mestre fitou-o nos olhos e disse concisamente:
– Devemos dar importância a tudo, porque tudo pode ser decifrado”
“A vida em seu conjunto, tanto sob o aspecto físico quanto espiritual, é um fenômeno dinâmico de que o Jogo de Avelórios no fundo só apreende o lado estético, e aliás o apreende de preferência na imagem dos processos rítmicos”.
“Quem chegasse a ter a vivência completa do sentido do Jogo não seria mais jogador, não estaria mais dentro da multiplicidade, e não lhe seria possível sentir prazer em nenhuma descoberta, nenhuma construção e combinação, porque ele conheceria uma espécie bem diversa de prazer e de alegria”.
Sendo assim, o Jogo de Avelórios buscava uma espécie de “sabedoria superior” ou “prazer superior” que ia se distanciando tanto do corpo e do mundo que chegava ao ponto de se afastar da própria vida. Uma espécie de beleza inexistente e inalcançável.
Decidi que o Jogo de Agracamalas devia ser o exato oposto: você não pode ser inteligente demais para jogá-lo ou começará a fazer muitas perguntas e elucubrações complexas, e esse ato faz com que você perca a essência do jogo, que é o sentir, o devir. Em vez do acúmulo de conhecimentos, valorizamos o esquecer (como quem esquece um sigilo e se ocupa de outras coisas, ou quem muda constantemente de paradigma) para que cada momento seja uma nova descoberta. E, finalmente, a meta não é o conhecimento e sim uma alegria despreocupada; não a seriedade, mas o riso.
Não o encaixar das artes, mas o desmontar delas, como num labirinto sem saída, mas repleto de surpresas mágicas e possibilidades infinitas.
Há muitas magias no grimório que são obviamente piadas. Mas a piada maior é que elas são possíveis de usar, contanto que você as leve a sério o suficiente para dar certo, mas não tão a sério a ponto de… usá-las de novo ou contar para alguém que você realmente fez isso.
Esperamos que o Grimório das Casas seja de seu interesse. Enquanto isso, você pode conferir algumas histórias minhas de graça no Wattpad. Também há contos espalhados pelo grimório, para sua inspiração e reflexão.
Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/livro-brasileiro-de-magia-do-caos