A Entidade Máxima do Mal: Lúcifer, O Anjo Belo

Por Aluizio Fontenelle, Exu, Capítulo XI, 2ª Edição, 1954.

A Entidade Máxima, denomina-se “MAIORAL”, tendo ainda outros denominativos, tais como: Lúcifer, Diabo, Satanás, Capeta, Tinhoso, etc., etc., sendo que nas Umbandas é mais conhecido com o nome de “EXU-REI”.

Apresenta-se como uma figura de altos conhecimentos, tratando-nos com uma grande elevação de sociabilidade e prometendo-nos este mundo e o outro, exigindo tão somente que por nós, seja tratado por: MAJESTADE.

Raramente vem a um terreiro, preferindo apenas aproximar-se dos lugares onde se professe altos estudos de MAGIA ASTRAL, para com os poderes de que é imbuído, e usando de uma estratégia toda especial, procura abalar ou captar os que se julgam portadores da FÉ e que, não raramente leva a melhor pois, pode produzir maravilha de modo imediato.

Tem o Maioral bem como as demais Entidades, o seu ponto ou pontos riscados, sendo que o principal é de origem ESOTÉRICA, o qual a seguir, divulgarei para um perfeito conhecimento de quantos assim o desejarem. SARAVÁ POIS A SUA BANDA.

PONTO DO MAIORAL

Para que melhor se complete esta obra, na qual procurarei mostrar os meus perfeitos conhecimentos de tudo quanto encerra um perfeito estudo das LEIS DA UMBANDA, passarei a descrever no capítulo seguinte todas as atividades que deram origem à expulsão de Lúcifer (o anjo belo) da SUPREMA CORTE CELESTIAL, bem como a sua fragorosa queda dos páramos celestes, e posterior domínio do REINO DAS TREVAS, para o qual foi atirado pelo DEUS TODO PODEROSO.

Necessário se torna que todos aqueles, que de fato integram as fileiras da Umbanda, tomem perfeito conhecimento das LEIS DIVINAS, para que não naufraguem na senda tortuosa que é a completa ignorância dos fenômenos que nos rodeiam, e dos quais, se não estivermos a cavaleiro, somente nos podem prejudicar.

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/cultos-afros/a-entidade-maxima-do-mal-lucifer-o-anjo-belo/

Baba Yaga

Caminho pela floresta
e falo intimamente com os animais
Danço descalça na chuva
Danço nua
Viajo por caminhos
que eu mesma faço
e da maneira que me convém
Meus instintos e meu olfato são aguçados
Expresso livremente minha vitalidade
minha alegria pura e exuberante
para agradar a mim mesma
porque é natural
é o que tem de ser
Sou a selvagem e jubilosa energia vital
Venha e junte-se a mim

Baba-Yaga é uma velha, muito velha, que vive em uma cabana sobre pés-de-galinha. Ela se alimenta de ossos humanos moídos em seu pilão, mas há quem diga que também come criancinhas com seus dentes de ferro. E voa dentro de um almofariz de prata, muito veloz. Contam ainda que o rastro de cinzas que deixa pelo céu, rapidamente a danada vai apagando com sua vassoura.

Importante figura no imaginário do povo russo, Baba-Yaga está presente em muitos contos tradicionais, no caminho de Vassilissa, a bela, ou do destemido Príncipe Ivan, como nas bilinas (narrativas em verso) de grandes poetas românticos, entre eles, Gogol, Puchkin, Liermontov. Igualmente na música clássica daquele país, alguns compositores se dedicaram a fazer-lhe um “retrato sonoro”: temos três poemas orquestrais com Dargomíshky, Balakirev e Liadov; ela também aparece na suíte Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, e no Álbum para Crianças, de Tchaikovsky. Talvez, a primeira antologia de literatura russa de tradição oral, que o público de língua portuguesa teve acesso, fora feita por Alfredo Apell, nos idos da década de 1920. No Brasil, a bruxa aparece na história de encantamentos “A princesa-serpente”, na coletânea Contos populares russos organizada por J. Vale Moutinho (Nova Crítica, 1978 e Princípio, 1990), mas coube à escritora Tatiana Belinky o resgate mais bem divulgado como literatura para crianças: a velha Yaga e a magia das skáskas (narrativas maravilhosas) estão em Sete contos russos (Companhia das Letrinhas, 1995). Mais recentemente, foram publicados, em três volumes, os Contos de fadas russos, organizados por Aleksandr Afanas’ev, a partir de 1855, com o título Narodnye russkii skazki, base destes trabalhos e outras formas adaptadas (Landy, 2002 e 2003).

Quase sempre, Baba-Yaga é a temível bruxa, a malvada, la maliarda. Às vezes, ela parece ser apenas uma grande conselheira ou a guardiã de muitos segredos, moradora da escuridão numa densa floresta. Sob esta faceta, Baba-Yaga seria assim como a representação da Mãe-Natureza, igualando-se às antigas deusas, uma divindade com poderes sobre a vida e a morte porque rico em mistérios é seu perfil. Contudo, nossa maneira apressada de encarar as realidades imaginárias acomodou-se sobre a lógica a dividir o mundo em partes e posições irreconciliáveis. Quando se pensa em bruxas, evocam-se as fadas e uma eterna rivalidade, ou seja, a luta entre o Bem e o Mal.

Ora, a designação “bruxa” dada às velhas sábias surgiu muito antes do cristianismo lançar sua caça à elas, e referia-se a uma casta de sacerdotisas de um sistema religioso antigo e diferente, com caracteres próprios ao paganismo: uma religião de culto à Terra. Durante a baixa Idade Média (até meados de 1400), as bruxas eram tidas em consideração pelos campônios, aldeões e demais homens das vilas. A bruxaria era, para o Clero e a Coroa, uma simples superstição e, de modo algum, estava associada aos poderes do Mal. Reconhecidamente, as velhas que prestavam serviços para toda a comunidade na condição de parteiras, curandeiras, conselheiras, eram bruxas. Acreditava-se (uma tradição que ainda hoje se mantém) que essas mulheres tinham poder e influência sobre o corpo de outras pessoas e podiam curar doenças, bem como havia a crença de que sua magia e outras formas de projeção podiam favorecer a boa colheita. Com suas ervas milagreiras, a antecipação do futuro e outras simpatias, as bruxas eram respeitadas. A Medicina era ainda uma ciência incipiente, atendendo prioritariamente às camadas mais altas da sociedade medieval, como a nobreza e o clero; mesmo assim, os resultados a que chegava eram menores e mais incertos que os milagres operados pelas velhas sábias do povo.

No entanto, com a crise que a igreja medieval enfrentou junto às classes populares, as bruxas acabariam por cair em desgraça. Política e religião uniram forças e passaram a difundir novas imagens e idéias a respeito do curandeirismo e outras superstições relacionadas às velhas. Tornaram-se agentes do Mal, foram demonizadas dentro dos tribunais, em oposição a um sistema que representava a visão do Bem. Como portadoras de uma maldição divina, as bruxas se transformaram ideologicamente em consortes do próprio Diabo — ao mesmo tempo em que, na iconografia da época, o anjo soberbo ganhava novos contornos, assemelhando-se ao traçado animalesco e profano do antigo deus Pã. Fora criado igualmente o conceito de sabá, a grande festa orgíaca em que a devassidão, a gula e a beberagem tomavam a cena, gerando terror e histerismo entre o povo.

O velho conselho de uma bruxa não continha mais sabedoria, tornou-se um maledicente sussurro como um vento sequioso, frio e corruptor. E, entre os véus e alguma penumbra da fantasia, surgiram voláteis fadas, numinosas entidades, obrigando as mulheres-bruxas a esconderem-se em refúgios cada vez mais ermos. Os contos populares de magia são pródigos nas imagens do sítio abandonado, da alta torre, do castelo debaixo da montanha ou imerso no mar, como a casa perdida no meio da floresta em que ninguém ousa penetrar.

Vassilissa, a Formosa, andou e andou, e só ao entardecer do dia seguinte ela chegou à clareira onde ficava a cabana da Baba-Iagá. A cerca em volta dessa isbá era toda feita de ossos humanos, encabeçados por crânios espetados neles, com olhos humanos nas órbitas. E o trinco do portão era uma boca humana cheia de dentes aguçados. E a casinha era construída sobre grandes pés de galinha. (Belinky 1996: 25-6)
Longe do convívio humano, Baba-Yaga tem o domínio pleno e solitário da floresta, suas árvores e as sombras, revelando-se como uma das manifestações do arquétipo feminino da Grande-Mãe, com quem, em última instância, todos buscam um consolo ou ajuda. O encontro de Vassilissa com ela guarda certas semelhanças com uma versão primitiva pouco conhecida do conto de O Chapeuzinho Vermelho, que remete não apenas a um rito de passagem, mas à transmissão de poderes da mulher velha para a jovem (Kaplan, 1997).

É necessário um período de convivência naquela cabana e abandonar os temores e a curiosidade infantis, para que uma nova aprendizagem se estabeleça.
É ilustrativo o diálogo com Vassilissa, a respeito dos três cavaleiros que a menina vira passar (o branco, o rubro e o preto), quando se dirigia à cabana sobre pés-de-galinha. A velha responde que eles respectivamente são “meu dia, minha tarde, minha noite”. Não poderia se expressar de outra maneira, não fosse a verdadeira senhora da passagem do tempo. “Podemos chamá-la de Grande Deusa da Natureza”, afirma Marie-Louise von Franz, mas “obviamente, com todos esses esqueletos em volta de sua casa, ela é também a Deusa da Morte, que é um aspecto da natureza” (1985: 208). Baba-Yaga compreende igualmente os dois mistérios extremos da Vida, o nascimento (criação) e a morte (destruição).

A Grande Mãe nem sempre é Boa Mãe. Na escala grandiosa, o seu aspecto negativo, devorador e asfixiante, denomina-se a Mãe Terrível […] Nos mitos, aparece como a mãe devoradora que come os próprios filhos. Conhecemo-la como a cruel Mãe Natureza, que procura repossuir toda a vida — toda a civilização — com a finalidade de colocar tudo de novo dentro do ventre primevo. Como terremoto, abre literalmente o ventre para sugar o homem e suas criações de volta a si mesma. (Nichols 1995: 105)
Além de suas qualidades dóceis e férteis, o arquétipo da Grande-Mãe simboliza a destruição necessária para uma nova ordem. O sorriso malévolo de Baba-Yaga pode ser comparado com inúmeras representações de um tipo de mãe-fera, como é o caso da deusa Kali da tradição hindu. Sedenta de sangue, Kali pode surgir inesperadamente diante de seu expectador com a língua vermelha estirada para fora — antevendo o prazer da devoração.

Do bosque saiu a malvada Baba-Iaga. Viajava dentro de um almofariz e segurava na mão o pilão e a vassoura.

— Cheira-me aqui a carne humana! — suspeitou a terrível bruxa.

Vassilissa estava tão aterrorizada que se sentiu desmaiar. Tudo em volta era sinistro e Baba-Iaga tinha um ar ameaçador. Mas resolveu encher-se de coragem. Já que ali estava, pelos menos ia tentar a sorte e pedir ajuda àquela horrível bruxa. Assim, aproximou-se da velha, inclinou-se e disse:

— Olá, avozinha! As minhas irmãs mandaram-me vir ter contigo, para te pedir lume. (Beliayeva 1995: 81)

Quando nos depararmos com o temível, ou mesmo com o nariz e as rugas de Baba-Yaga, intimamente sabemos algo de sua força e sua ancestralidade mágica.

Tratá-la com respeito é o primeiro passo para conquistar respeito em troca. Quando Vassilissa encara a feiticeira com sinceridade, sem soberba ante o perigo, assegura as chances para uma cumplicidade e convivência pacífica com a velha. Não cair em sua ira devoradora significa ter acesso aos conhecimentos dessa potestade arquetípica. Durante a estadia na isbá da bruxa, há de recuperar essa memória, os segredos de quem sabe ouvir a música das correntezas subterrâneas. Ao mesmo tempo em que vai demonstrando sinais de afeição, a menina reconhece na outra o saber, ainda que inconsciente, na verdade é seu. Afinal, que imagem o espelho de seus olhos refletirá?

Enquanto Baba-Yaga jantava, Wassilissa ficou ali perto, silenciosa. Baba-Yaga disse: “Por que é que você está me olhando sem dizer nada? Você é muda?”
A menina respondeu: “Se pudesse, gostaria de lhe fazer algumas perguntas.”

“Pergunte”, disse Baba-Yaga, “mas lembre-se, nem todas as perguntas são boas. Saber demais envelhece!” (von Franz 1985: 206)

 

Dobras da Leitura, Ano VII – N.º 25 – jul. 2006.

Por Witch Crow e Marcelo Lycan

Achei excelente o texto sobre Baba yaga.

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/baba-yaga/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/criptozoologia/baba-yaga/

O que é Alquimia?

Texto de Spectrum

Agradecimentos à Kimberlly Almeida

O significado da Alquimia pode assumir diversas conotações de acordo com o contexto em que é aplicada e da forma como é interpretada. A alquimia pode ser considerada uma modalidade de ciência, talvez a mais antiga da história da humanidade, que originou diversas outras, inclusive a química contemporânea. Porém, não é possível classificá-la apenas como uma ciência. Isto porque, na alquimia, inclui-se diversos elementos místicos, filosóficos e metafóricos; além de uma linguagem simbólica e interpretativa. Assim, podemos classificá-la genericamente como uma antiga tradição que combina química, física, arte e ocultismo.

Por esse motivo, a alquimia também é classificada como uma ciência ou arte hermética. Neste caso, hermético é uma alusão direta ao lendário Hermes Tris- megistus e significa de difícil acesso e compreensão, reservado apenas para os Iniciados nas artes ocultas.

Esta camada de incertezas relaciona-se também quando se discute a origem da palavra. Alquimia pode ser originada no vocábulo árabe kimia, que por sua vez, deriva-se da palavra egípcia keme, que significa terra negra e era uma das formas usadas para referir-se ao Egito, país onde provavelmente surgiu a alquimia. Ainda, pode-se considerar que a palavra tenha surgido da expressão árabe al khen que tem raiz grega na palavra elkimya e significa o país negro. Também cogita-se uma origem direta no grego, na palavra chyma que se relaciona à fundição de metais.

Os preceitos da alquimia se encontram condensados na misteriosa Tábua Esmeralda. A esmeralda era considerada a pedra preciosa mais bela e com uma simbologia maior.

Uma das características principais dos tratados alquímicos é a linguagem complexa e rebuscada na qual são redigidos. Durante a Idade Média, isto poderia ser um recurso usado pelos alquimistas para que não fossem alvo da perseguição da Santa Inquisição. Porém, também é possível que os autores tentassem ocultar as fórmulas, de modo que apenas outros alquimistas compreendessem.

Símbolos e objetivos

Na linguagem alquímica encontra-se associação de símbolos astrológicos com metais. O Sol, por exemplo, é associado ao ouro; a Lua representa a prata; Marte associa-se ao ferro enquanto Saturno ao chumbo. Animais (mesmo mitológicos como o dragão) e suas características também são usados para definir os elementos e as substâncias e os processos ao qual são submetidos. O unicórnio ou o veado é usado para representar o elemento terra; o peixe representa a água; pássaros fazem referência ao ar e salamandras aludem ao fogo. Ainda, o sal é normalmente representado por um leão verde. A fase de putrefação do processo alquímico é representada por um corvo.

Esta simbologia alquímica é encontrada até mesmo mesclada com ícones do cristianismo medieval. Por exemplo, nas seculares catedrais góticas, há uma imensa combinação de imagens cristãs com animais, símbolos químicos e zodiacais.

De forma geral, pode-se definir três objetivos básicos da alquimia. O primeiro e, conseqüente- mente, mais importante é produzir a chamada Pedra Filosofal (ou mercúrio dos filósofos, entre outros diversos nomes) que seria uma substância obtida a partir de matéria-prima grosseira. Através da Pedra Filosofal seria possível atingir os outros objetivos, que seria a transmutação da matéria (metais inferiores transformados em ouro) e produzir o Elixir da longa vida, uma espécie de medicamento universal que tornaria a pessoa que fizesse uso, imune a qualquer doença. Os sábios alquimistas ocidentais afirmavam que a obtenção de ouro foi um fracasso pela falta de concen- tração e preparação espirituais dos que realizavam as experiências.

Ainda, entre os alquimistas, há uma idéia de criar vida humana de modo artificial. O homúnculo (do latim, homunculus, pequeno homem) seria uma criatura de aproximadamente 12 polegadas de altura que poderia ser criada através de sêmen humano colocado em uma retorta totalmente fechada e aquecida em esterco de cavalo durante 40 dias. Assim se formaria um embrião. Possivelmente, Paracelso foi o primeiro alquimista a divulgar este conceito.

Porém, é provável que a verdadeira intenção dos alquimistas era promover uma profunda mutação na alma e na natureza humana. Este objetivo fica camuflado sobre fórmulas químicas e simbologias complexas.

A alquimia na história

Na China, a prática da alquimia estaria associada ao Taoísmo, que é o ensinamento filosófico-religioso chinês. Além da associação à filosofia védica, na Índia, por volta do ano 1000 a.C., que apresenta semelhanças com alguns fundamentos alquímicos. No Egito antigo, era considerada obra do deus Thoth (divindade associada à Hermes Trismegistus. Ainda no Egito, na cidade de Alexandria, a alquimia recebeu influência da filosofia neoplatônica, que se baseia no conceito de que a matéria, apesar de múltiplas aparências, é formada por uma substância única. Esta seria a justificativa para a transmutação almejada pelos alquimistas através da fusão dos quatro elementos fundamentais da Antigüidade: fogo, ar, água e terra.

De qualquer forma, a alquimia floresceu realmente a partir de meados do século VII, quando os povos árabes invadiram o Egito. Assim, o acervo de escritos alquímicos foram traduzidos para os idiomas árabes e sírio. Aproximadamente 300 anos depois, em meados do século X, os mulçumanos introduziram a alquimia no continente europeu, mais precisamente, através da península ibérica, na Espanha.

No século XIII, o conceito de quatro elementos primitivos e geradores da natureza (água, fogo, terra e ar), foi substituído pela idéia de que havia apenas três elementos básicos: mercúrio, enxofre e sal. O alquimista árabe Abu Musa Jabir ibn Hayyan al Sufi (conhecido como Geber) concluiu que os metais eram gerados no interior da Terra e compostos de mercúrio e enxofre. Acreditava-se que ouro e prata eram compostos de mercúrio e enxofre em sua forma pura. Enquanto os outros metais eram formados com enxofre impuro. Dessa forma, concluiu-se que, se através de um processo adequado, fosse possível “purificar” o enxofre, este poderia facilmente ser transmutado em ouro.

No ano de 1525, surgiu uma espécie de “escola de químicos” fundada por Paracelso. A Iatroquímicos (iatros, do grego, médico) tinha como objetivo principal encontrar um meio de que a humanidade se tornasse totalmente imune às doenças naturais. Porém esta causa poderia também ocultar a intenção de encontrar o chamado Elixir da longa vida. Foi também entre Paracelso e os iatroquímicos que surgiu o conceito de quintessência, que neste caso, seria equivalente ao “elemento divino”.

Entre os alquimistas mais célebres da história, destacam-se Tomás de Aquino, Paracelso, Nostradamus, Nicolas Flamel e Francis Bacon. Além do lendário Conde de Saint Germain, que teria encontrado a Pedra Filosofal e o Elixir da longa vida.

A alquimia medieval é a responsável pelas bases da química moderna. Além disso, os alquimistas contribuíram imensamente com a medicina contemporânea e deixaram como legado de alguns procedimentos que são utilizados até hoje, como o “banho-maria” (em alusão à alquimista conhecida como Maria, a Judia). Porém, a maior influência da alquimia encontra-se nas ciências ocultas ocidentais agindo diretamente na sabedoria e natureza humana.

#Alquimia #Magia #MagiaPrática

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-que-%C3%A9-alquimia

A Igualdade é Flicts

“Em uma autocracia, uma pessoa manda nas coisas; em uma oligarquia, algumas pessoas mandam nas coisas; em uma democracia, ninguém manda em nada”. – Celia Green

Se é possível descobrir matemática avançada a partir de uma brincadeira de Sérgio Mallandro, indo de probabilidades condicionadas à teoria de jogos, adentrando mesmo em questões filosóficas sobre o Apocalipse, um dos mais populares programas da TV brasileira não poderia ficar atrás.

Nesta coluna veremos como o Big Brother Brasil pode ajudar a demonstrar um teorema pouco conhecido, provado matematicamente há algumas décadas. De forma singela, o teorema demonstra que a democracia é a rigor impossível.

Você nunca mais verá televisão da mesma forma. Incluindo o horário eleitoral.

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Preferências circulares
Comecemos pensando pequeno. Imagine uma versão do reality show em que o vencedor é decidido apenas por três diretores do programa – alguns talvez pensem que todos os programas sejam assim, mas qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência. Perto do final, sobram apenas três participantes, que podemos chamar de A(lemão), B(ambam) e C(ida).

Os três diretores votam em um papel para escolher o vencedor, dispondo os participantes por ordem de preferência. Muito bem. Ao final, descobrem que têm um grande problema. Os votos são:

Diretor 1: A > B > C
Diretor 2: B > C > A
Diretor 3: C > A > B

Nenhum dos participantes conseguiu ser o preferido de dois diretores. Pior: se você analisar o quanto cada participante é preferido em relação a outro, descobrirá que todos permanecem empatados. A situação de cada um dos três candidatos é exatamente a mesma, e este paradoxo inconveniente para sistemas de votação foi notado inicialmente pelo Marquês de Condorcet, ainda no século 18. Ainda não existia BBB naquela época.

Pode parecer improvável que essa simetria exata de preferências ocorra. Mais adiante veremos isto em mais detalhe, mas antes vale notar algo curioso aqui.

Caso um dos participantes abandone a disputa, ocorre algo inusitado. Ao invés de os dois participantes restantes continuarem empatados, como presumiríamos a princípio, como pareceria “justo”, o que ocorre é que um deles passará a ser o ganhador!

Veja o que ocorre se Bambam abandonar a disputa. Com as preferências dos três diretores inalteradas, teremos agora:

Diretor 1: A > B > C = A > C
Diretor 2: B > C > A = C > A
Diretor 3: C > A > B = C > A

Epa! Cida é claramente a ganhadora, com dois votos. Por outro lado, se Alemão abandonar a disputa, quem será o ganhador?

Diretor 1: A > B > C = B > C
Diretor 2: B > C > A = B > C
Diretor 3: C > A > B = C > B

Bambam, e não Cida, vence mais um BBB! Em nossa situação, puramente hipotética é preciso repetir, Bambam não precisou fazer nada para ganhar. E, o mais importante, a ordem de preferência dos diretores também não mudou. A simetria dos votos foi quebrada, não por um dos participantes conquistar uma maior simpatia, e sim pela mera saída de um concorrente na votação. Como na Corrida Maluca, às vezes a forma mais fácil de ganhar pode ser eliminar o concorrente certo. A menos, claro, que você seja o Dick Vigarista.

Se isso pareceu injusto, é apenas o começo. Possibilidades bizarras rondam os sistemas de votação.

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“Meu nome é Enéas”
Candidatos políticos não são, ou não deveriam ser, defensores de uma única bandeira. Se fossem, contudo, ao menos evitariam o surgimento de ainda mais paradoxos eleitorais. Porque escolher um candidato com base nas diversas posições que defenda pode levar novamente a situações desconfortáveis.

Considere que haja duas questões vitais em uma eleição na sua cidade. A primeira delas é se, para equilibrar a contas, o futuro prefeito permitirá a construção de uma Penitenciária federal ou se, ao invés, irá cortar os investimentos em Saúde. A outra questão essencial para o futuro de seus concidadãos é se o prefeito deve usar Jeans ou Terno durante o exercício de seu mandato.

Um candidato que defenda a construção da Penitenciária e o uso de Jeans bradará a bandeira PJ, e assim por diante. Há apenas quatro combinações possíveis nessas duas questões: PJ, PT, SJ e ST. Ah sim, considere também que a sua cidade tem apenas três eleitores.

Uma pesquisa de opinião descobriu que os eleitores têm as seguintes ordens de preferência:

Eleitor 1: SJ > ST > PJ > PT
Eleitor 2: ST > PT > SJ > PJ
Eleitor 3: PJ > PT > SJ > ST

Quem seria o futuro prefeito? Está claro que cada um dos três eleitores tem uma primeira preferência diferente. Mas olhando para a segunda preferência, um candidato que apóie as posições PT* parece promissor. No entanto, para dois eleitores (1 e 2), ST parece melhor PT, e bastaria defender essas posições para ganhar de um candidato que apóie PT. Ao mesmo tempo, para dois eleitores, a posição SJ é melhor que a ST. E assim por diante.

Há, como vimos no BBB hipotético antes, uma simetria, e nenhuma posição ganha de todas as outras por maioria. Além desse “empate técnico”, contudo, algo mais sinistro acontece aqui.

Para dois eleitores (1 e 2) o corte de gastos em Saúde é preferível à Penitenciária, sendo parte da primeira escolha. E também para a maioria dos eleitores (1 e 3), o Jeans é mais apropriado que o Terno. Se houvesse votos separados em cada uma dessas questões, Saúde e Jeans seriam as escolhas vencedoras, claramente. Seria assim natural esperar que o candidato que apoiar as posições S e J deva ganhar, certo?

Errado. Podemos ver que a posição SJ combinada perde para a posição PT para dois dos eleitores (2 e 3). De fato, se houvesse apenas dois candidatos, um defendendo as posições preferidas, isoladamente, pela maioria – SJ – e outro aquelas da minoria, PT, ganharia o candidato da minoria. Com voto majoritário. Mais um adorável paradoxo eleitoral.

Grosso modo, fenômenos semelhantes ocorrem em eleições bem reais. Confiando cada vez mais em pesquisas de opinião, e moldando suas posições de acordo com elas, políticos acabam freqüentemente fazendo de tudo para agradar grupos minoritários, no que pode parecer irracional frente à desaprovação da maior parte dos outros eleitores.

Mas ainda que a maior parte das pessoas discorde de uma posição política, essa preferência pode estar distribuída de forma heterogênea, fazendo com que candidatos consigam mais votos defendendo idéias impopulares, e no entanto agradáveis a pequenos grupos que lhes garantirão mais votos no saldo final.

A democracia já não deve estar parecendo tão justa assim. Mas o golpe de misericórdia seria dado em pleno século 20.

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O Teorema de Arrow
Em um trabalho com o inocente título de “Uma dificuldade no Conceito de Bem-Estar Social“, publicado em 1950, o economista Kenneth Arrow apresentava um teorema que provaria com rigor em sua tese de doutorado no ano seguinte. De fato, uma pequena “dificuldade no conceito de bem-estar social”, o teorema demonstra que nenhum sistema de votação minimamente razoável irá refletir sempre, de forma acurada e consistente, a preferência de seus eleitores.

A forma como Arrow provou seu teorema matemático de profundas implicações sociais é interessante especialmente em seu raciocínio final. Ele primeiro definiu formalmente que a escolha individual deve atender a dois requisitos: a comparabilidade (entre dois elementos, prefere-se um a outro), e a transitividade (se você prefere x > y, e y > z, então prefere x > z).

Ele então definiu claramente o que seria um “sistema de votação minimamente razoável”. Deveria atender às seguintes características:

– Liberdade de escolha individual:
Todo eleitor pode ter qualquer ordem de preferências que desejar, sem nenhuma limitação;

– Independência de alternativas irrelevantes:
Se você prefere cachorros a gatos, a criação de um macaco com quatro bundas pelo milagre da engenharia genética não deve influenciar seu amor por cachorros ao invés de gatos;

– Eficiência Pareto:
Em nome de um economista italiano que ponderou sobre essas questões sociais algumas décadas antes, diz que se todos eleitores têm uma preferência de cachorros a gatos, então a preferência social, o resultado das eleições, também deve refletir essa preferência;

– Abaixo a ditadura:
O resultado da função social deve refletir as preferências de todos os eleitores. Não pode ser apenas fruto das decisões de um único eleitor, que seria o Grande Ditador.

O economista simplesmente analisou todos os sistemas eleitorais conhecidos e mostrou que sempre levam a contradições. “Não existe método de combinar preferências individuais para produzir uma escolha coletiva que atenda a todas estas condições”, escreveu. Em particular, Arrow mostrou que as condições minimamente razoáveis só são atendidas se houver um eleitor decisivo, em outras palavras, o único sistema eleitoral livre de paradoxos seria a ditadura.

O teorema é assustador devido à sua generalidade. Poderíamos pensar que frente a paradoxos eleitorais como os abordados mais acima, bastaria tomar medidas corretivas especiais, ou que deva existir alguma forma de votação perfeita. Porém, o teorema de Arrow demonstra que o problema é mais fundamental**.

Ainda mais preocupante é que paradoxos eleitorais como o de Condorcet, abordado no BBB hipotético acima, não são tão raros assim. No caso com apenas três diretores e três concorrentes, o paradoxo surge quando a primeira, segunda e terceira escolha de cada eleitor discorda de todos os outros. As chances disto ocorrer são 12/216, ou 5,6%. Pequena, é verdade.

Aumente o número de concorrentes à escolha, contudo, e as chances de que um paradoxo eleitoral surja aumentam rapidamente. Com sete concorrentes e ainda três diretores, a chance de um paradoxo se aproxima já dos 24%. Com sete concorrentes e um número de milhões de eleitores, as chances de um paradoxo surgir aumentam e aproximam-se do limite matemático de 37%. Aumente o número de concorrentes e de eleitores, e as chances de um paradoxo eleitoral podem chegar rapidamente a 100%.

Kenneth Arrow recebeu o prêmio Nobel de economia em 1972 por seu teorema sobre essa “pequena dificuldade”, expandindo toda uma nova área do estudo econômico, a Teoria da Escolha Social.

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“E agora, quem poderá nos defender?”
Devemos buscar o Grande Irmão ditador que nos livre da mentira matematicamente comprovada da democracia, através da Verdade Única do IngSoc? Bem, não tão rápido.

Os pressupostos “minimamente razoáveis” do teorema de Arrow para sistemas de votação são sim razoáveis, mas como muitas questões matemáticas, sua aplicação na vida real não é tão simples. Pode-se, por exemplo, apontar que a escolha individual pode não ser necessariamente transitiva. Você pode preferir um cachorro a um gato, e um gato a um macaco com quatro bundas, mas talvez prefira um macaco de quatro bundas a um cachorro. A escolha é toda sua, e muitos concordariam que sua liberdade de escolha deve preceder o que nós julgaríamos como coerente.

Mais relevante, a criação de um macaco de quatro bundas pode afetar a preferência de muitas pessoas entre gatos e cachorros. Talvez este novo animal de estimação dê uma perspectiva toda nova sobre o que há para se gostar em um canino ou felino. A independência de alternativas irrelevantes, desta maneira, também não parece um critério tão rigorosamente aplicável.

E como prova matemática, o teorema de Arrow deixa de ser válido se seus pressupostos são relaxados ou deixam de valer também. Sem o veredito tumular do teorema de Arrow, descobrimos que há sim sistemas de votação que atendem bem a parte dos critérios razoáveis. Não se deve jogar fora a banheira junto com o bebê (ou alguma coisa assim), se a perfeição não é possível, ao menos aproximá-la é um objetivo plausível.

Os sistemas eleitorais a que estamos acostumados, infelizmente, estão muito distantes da perfeição – vulneráveis a todo tipo de situações incoerentes e manipulação. Votar em um único candidato entre uma série de alternativas, por exemplo, extrai o mínimo de informação possível de cada eleitor. É extremamente comum que se vote contra um candidato e não a favor de outro, principalmente quando nos são oferecidas apenas duas escolhas em um segundo turno, no qual o voto majoritário pode paradoxalmente não refletir as vontades da maioria.

Um sistema eleitoral que reflita melhor as preferências dos eleitores poderia levar em conta todas as suas opções, não?

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Kiribati Já!
Há um sistema de votação centrado justamente neste aspecto. É a chamada contagem de Borda, utilizada para escolha de candidatos presidenciais em Kiribati, uma ilha do Pacífico, e para eleição de membros do Parlamento de Nauru.

Proposta pelo matemático francês Jean-Charles Borda em 1780, é claramente superior ao sistema “um homem-um voto”, e foi adotado pela Academia de Ciências Francesa até 1800, quando foi proibido por Napoleão, um Grande… Imperador.

Na contagem de Borda, cada eleitor deve ordenar os candidatos por ordem de preferência, e aqui está o detalhe simples, cada candidato ganha pontos de acordo com sua posição em tal ordem. A primeira escolha pode valer 3 pontos, a segunda 2, a terceira apenas um ponto. O candidato com mais pontos é o vencedor. Simples assim.

Como a contagem de Borda se sairia no BBB acima? Vejamos, cada concorrente aparece uma vez em primeiro, segundo e terceiro lugar, computando seis pontos. Ainda há o empate, mas o que ocorre quando um dos concorrentes sai da disputa? Se você computar os pontos de acordo com a preferência original, os dois candidatos restantes continuam com os mesmos pontos. Preservando a “memória” da ordem de preferências, a saída de um concorrente não cria vencedores a partir de um empate. Menos mal.

E quanto à Saúde, Penitenciária, Jeans ou Terno? Computando pontos de acordo com a Contagem de Borda, temos:

PJ: 7
PT: 7
SJ: 8
ST: 8

Ainda há um empate entre duas alternativas, mas aqui a preferência da maioria em questões isoladas (S e J) claramente vence as da minoria (P e T). Bem menos mal.

Ao dar grande relevância a todas as preferências e cada eleitor, a contagem de Borda favorece a eleição de um candidato de consenso, apoiado de uma forma ou de outra pela maior parte dos eleitores, e que pode não ser necessariamente o candidato majoritário. Um candidato que seja a primeira escolha da maioria, mas muito rejeitado pelo resto, pode perder para um que seja a primeira e segunda escolha de quase todos. Vence o consenso ao invés da “tirania da maioria”.

Apesar de superior ao “um homem-um voto”, a contagem de Borda ainda é vulnerável à manipulação, a paradoxos, e o favorecimento do consenso ao invés da maioria pode desagradar a muitos, quem sabe mesmo à maioria. Não é, assim, “perfeita”. Outras alternativas em sistemas eleitorais incluem o método de Condorcet, que procura evitar justamente que surjam empates a partir de preferências circulares que o Marquês identificou há mais de dois séculos. Mas nenhuma delas será “perfeita”.

Todos sistemas eleitorais possuem seus pontos fortes e fracos, e rigorosamente, como provado por Arrow, nenhum deles será perfeitamente justo. Como ficou matematicamente claro nos anos seguintes à sua demonstração, sistemas eleitorais não só não refletem automaticamente o desejo dos eleitores, como são efetivamente jogos, sujeitos a estratégias ótimas e regidos assim pela teoria de jogos (PDF) desenvolvida por matemáticos contemporâneos de Arrow, como uma certa “mente brilhante”, John Nash.

Ter conhecimento da Terrível Verdade sobre a Democracia não deve ser nada agradável. Porém, estas questões fundamentais, encontradas não apenas na aplicação prática de sistemas eleitorais, como justamente em sua formulação matemática elementar, só ressaltam as palavras de um sujeito contemporâneo de Borda, e que nasceu no mesmo ano que o Marquês de Condorcet.

Já dizia ele que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Não se sinta livre por simplesmente votar, e se o voto direto a que temos direito é claramente uma grande conquista, não é de forma alguma o ponto final de nosso desejo de liberdade e igualdade. Ainda há muito a conquistar.

E você pode bradar com toda a segurança que isso é provado matematicamente, tão certo quanto 1+1 é igual a 2.

– – –
* Que a sigla usada no exemplo seja PT é mera coincidência. Esta coluna é largamente baseada na apresentação do teorema de Arrow no livro “Impossibility“, de John Barrow, onde a posição PT significa “Private health care” e “lower Taxes”.

** Essa coluna nem ao menos tenta apresentar uma prova formal do teorema de Arrow, mas você não só pode como deve estudar as diversas provas do teorema (PDF) oferecidas abertamente pela rede caso tenha se interessado pelo assunto.

por Kentaro Mori

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/a-igualdade-e-flicts/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/baixa-magia/a-igualdade-e-flicts/

4 Maneiras do tarot ajudar você a encontrar a realização espiritual

Por Johannes Fiebig.

Nós nos apaixonamos pelo tarô no início dos anos 80. O Tarô tornou-se então a nossa profissão e durante décadas fizemos palestras, workshops e seminários sobre o tarô. Também escrevemos muitos livros de tarô (principalmente na Europa, mas com crescente interesse nos EUA e Canadá), que foram traduzidos em vários idiomas.

Nossa História:

Em 1989, alguns anos depois de nos tornarmos profissionais do tarô, fundamos a editora Königsfurt, especializada em tarô, sonhos, contos de fadas e na interpretação desses temas com base em abordagens culturais e psicológicas, dedicando-se ao movimento do potencial humano e -a espiritualidade da terra.

Em 2007, vendemos a empresa e nos fundimos com a AGM Urania. Desde 2007, Evelin era a gerente do evento e Johannes era o gerente geral de Königsfurt-Urania e AGM Urania. Por muito tempo, tivemos três ocupações: escrever livros de tarô e fazer eventos de tarô; dirigir as editoras; e vivendo e crescendo com nossos dois filhos (que já são adultos há muito tempo, morando em Hamburgo e Paris). Continuamos morando perto de Kiel, capital do estado da Alemanha, no Mar Báltico.

A História do Tarô: O Caminho do Mindfulness:

 

Desde nossos primórdios, o tarô tem sido uma forma de mindfulness (e um caminho ao mindfulness) para nós. Quando nos aposentamos em 2018, nos perguntamos: por que nunca fizemos um livro que tivesse o mindfulness como foco principal? Assim, concebemos e escrevemos Tarot: The Way of Mindfulness (Tarô: O Caminho do Mindfulness), inicialmente uma introdução curta e de fácil leitura dos nossos fundamentos que foi publicada em alemão em 2019.

Alguns Conteúdos Centrais do Novo Livro:

Nós, os autores, estamos comprometidos com a “inteligência emocional” e a “consciência espiritual” como uma adição valiosa e inevitável a todo o conhecimento técnico e rotinas práticas que devemos aprender para nossa vida. E sabemos com certeza por experiência que uma prática mindful da leitura de cartas de tarô apoiará e treinará essas capacidades emocionais e espirituais.

Mindfulness significa uma aceitação astuta e aberta do momento. A leitura de cartas de tarô pode treinar a percepção atenta e a exploração do momento.

Você pratica para ver cada imagem de tarô (e para usuários avançados: ver cada símbolo e cada detalhe) com muito cuidado e sem preconceitos ou preconceitos, para fazer a diferença entre os primeiros olhares de uma imagem e os posteriores, entre seus entendimentos espontâneos e conscientes mesmo de motivos muito tocantes. Além disso, você treina e desenvolve seu uso criativo do acaso. Finalmente, você estuda o significado de conceitos antigos e novos de alguns grandes mistérios da vida (como nascimento, amor, morte, eternidade, autonomia, responsabilidade, liberdade, intenção, realização de talentos e muitos outros assuntos), e você pratica a criação de perguntas e respostas pessoais para esses e outros mistérios, quebra-cabeças e destaques da vida.

Por Que as Imagens do Tarô Podem Levar ao Mindfulness: Alguns Exemplos:

  1. Imagens são como portas.Waite e Smith conceberam e desenharam imagens simbólicas para as 78 cartas. Esta foi uma revolução visual em comparação com as imagens do tarô tradicional, pois todos agora podiam olhar e ver por si mesmos, e não eram mais levados a apenas acreditar em doutrinas.

Waite sabia muito bem o que eles faziam. Em seus livros acompanhantes The Key (A Chave) e The Pictorial Key to the Tarot (A Chave Pcitórica do Tarô), ele observou:

“As imagens são como portas que se abrem para câmaras inesperadas, ou como uma curva na estrada aberta com uma ampla perspectiva além.” (Londres 1911, p. 169).

Ele sabia disso e mencionou nessas frases notáveis ​​que eles iniciaram um novo capítulo no campo do simbolismo e da experiência espiritual.

  1. A percepção mindful é necessária. As imagens do tarô de Waite e Smith levam a encontros inesperados uma e outra vez, se você prestar atenção a elas. Eles exigem uma percepção cuidadosa das imagens e uma compreensão mindful de seus significados e ações solicitadas. Vejamos alguns exemplos.

Um dos exemplos mais típicos é o Seis de Copas. Inclui uma dupla face, que geralmente não é reconhecida à primeira vista.

O Seis de Copas do Tarô Waite-Smith

Uma dupla face: A pequena mulher desvia o olhar do manequim/anão (a mancha amarela é o rosto dela, com um lenço vermelho-alaranjado à esquerda e à direita). Ou ela também está olhando para ele (agora o amarelo é o cabelo dela, com o rosto para a esquerda e o lenço para a direita). A maioria das pessoas vê espontaneamente apenas uma das variantes, seja a atenção ou a evitação. E isso é por uma razão.

Esta foto é sobre um retorno aos tempos de nossa infância pessoal. O grande anão e a pequena mulher nos retratam. É um sinal de maturidade espiritual quando, como adultos, conseguimos ser crianças novamente! E isso significa dar outra olhada nas experiências que tivemos na infância. Voltamos à antiga encruzilhada (veja a cruz “X” na imagem). Isso nos dá a oportunidade de encontrar agora a parte que falta da dupla face de nossa história pessoal.

X Cruz no Seis de Copas do Tarô Waite-Smith

Aqueles que, à primeira vista, veem a versão voltada para a frente de seu rosto, em primeiro lugar, veem e buscam um “sim”, ou seja, acordo em relacionamentos e questões de sentimento. Eles acham mais difícil dizer “não”.

Mulher virada para a frente no Seis de Copas do Tarô Waite-Smith

Quem, à primeira vista, vê o rosto que está desviando o olhar tende mais para um “não”; em outras palavras: estabelecer limites nas relações e questões de sentimento. Para eles, é dizer “sim” que eles acham mais difícil.

Mulher de costas no Seis de Copas do Tarô Waite-Smith

No final, esses dois “pontos de vista” pertencem à imagem. E precisamos de ambos: estabelecer limites e estabelecer contatos, simpatia e distanciamento. Sendo livre para escolher sempre entre as duas opções Não e Sim, também em assuntos emocionais e íntimos!

Às vezes precisamos desse tipo de viagem de volta ao futuro. Este é o único cartão que mostra um copo com flores. Assim, o tema da carta é uma existência espiritual florescente. E para isso voltamos ao reino da infância e à aventura da juventude.

Cada imagem do Tarô Waite-Smith conta muitas histórias. Aqui, a dupla face da pequena mulher inclui também a referência a uma conhecida imagem de truque antigo que mostra uma pessoa que é uma jovem na frente e no verso uma velha bruxa – ou morte. O antigo nome desse tipo de imagem, que data da Idade Média, é Vanitas (vazio, vaidade).

Dupla Face no Seis de Copas do Tarô Waite-Smith

  1. Acesso a câmaras inesperadas. Outro exemplo da riqueza simbólica das imagens de Waite-Smith: O pé da mulher na Estrela é colocado na superfície da água. Na linguagem dos símbolos, “água” significa psique, alma e sentimentos. O “pé na água” novamente fornece um duplo significado: Positivo – a água sustenta (está carregando), ou seja, a psique e a fé fornecem uma base e um “ponto de vista”. Significado negativo – não há acesso aos sentimentos. Um não é capaz de entrar na água. Como se a alma estivesse congelada, incapaz de “dar o mergulho”.

Pé na Água na Estrela do Tarô Waite-Smith

  1. “Você realmente vê o que você tem hábito” (T.L.): As cartas de tarô apoiam o mindfulness, pois as imagens precisam ser consideradas com base no mindfulness. Esta é a única maneira de respeitar e reconhecer a riqueza de seu conteúdo visual existente.

Então, você experimenta o que e como você vê. Em seu tipo de visão pessoal, inclui também sua singularidade pessoal, sua diferença, sua compreensão específica do mundo, seu acesso pessoal a ele. Esta experiência, esta compreensão é uma questão central para qualquer caminho de realização espiritual. Pelo uso mindful da carta de tarô, você facilita e gosta de testar e treinar isso.

Original: https://www.llewellyn.com/journal/article/3034

Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alta-magia/taro-mindfulness-4-maneiras-pelas-quais-as-cartas-ajudam-voce-a-encontrar-a-realizacao-espiritual/

A Alquimia Como Exemplo (Despertar dos Mágicos)

Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Um alquimista no café Procope, em 1953. – Conversa a propósito de Gurdjieff – Um homem que pretende saber que a pedra filosofal é uma realidade. – Bergáer arrasta-me a toda a velocidade para um estranho atalho. Aquilo que vejo liberta-me do imbecil desprezo pelo progresso. – O nosso pensamento secreto a respeito da alquimia: nem revelação,
nem tentativa. – Rápida meditação sobre a espiral e a esperança.

Foi em Março de 1953 que encontrei pela primeira vez um alquimista. Isso passou-se no café Procope, que teve, na época, um curto período de vida. Foi um grande poeta que, na altura em que eu escrevia o meu livro sobre Gurdjieff, me preparou esse encontro e, depois disso, eu muitas vezes havia de tornar a ver esse homem singular, sem no entanto desvendar os seus segredos.

Eu tinha, a respeito da alquimia e dos alquimistas, ideias primárias, extraídas da imaginação popular, e estava longe de supor que ainda havia alquimistas. O homem que estava sentado na minha frente, na mesa de Voltaire, era jovem e elegante. Fizera profundos estudos clássicos, seguidos de estudos de química. Actualmente ganhava a vida no comércio e dava-se com muitos artistas, assim como com algumas pessoas da alta sociedade.

Não tenho diário, mas acontece-me, em determinadas ocasiões importantes, anotar as minhas impressões ou os meus sentimentos. Nessa noite, ao regressar a casa, escrevi:

“Que idade terá ele? Diz ter trinta e cinco. Isso espanta-me. A cabeleira branca, ondulada, cortada sobre o crânio como uma peruca. Inúmeras e profundas rugas numa carne rosada, num rosto cheio. Poucos gestos, e lentos, medidos, astutos. Um sorriso calmo e subtil. Olhos risonhos, mas que riem com indiferença. Tudo exprime outra idade. Nas suas frases nem a menor fenda, pausa, ou quebra de presença de espírito. Há qualquer coisa de esfinge atrás daquele rosto amável fora do tempo. Incompreensível. E não sou só eu a sentir isto. A.B., que o vê quase todos os dias há várias semanas, diz-me que jamais, nem por um segundo, o apanhou em falta de “objectividade superior”.

“O que o faz condenar Gurdjieff:

“1.o – Quem sente a necessidade de ensinar não vive inteiramente a sua doutrina e não atingiu o ponto culminante da
iniciação.

“2.a – Na escola de Gurdjieff não existe intercessão material entre o aluno a quem se persuadiu da sua inutilidade e a energia que ele deve possuir para passar ao ser real. Essa energia – “essa vontade da vontade”, diz Gurdjieff – deve o aluno encontrá-la em si próprio, apenas em si próprio. Ora tal caminhada é parcialmente falsa e só pode conduzir ao desespero. Essa energia existe fora do homem, e é preciso captá-la. O católico engole a hóstia: captação ritual dessa energia. Mas se não tiverdes fé? Se não tendes fé, arranjai uma fogueira: é o princípio de toda a alquimia. Uma autêntica fogueira. Uma fogueira material. Tudo começa, tudo acontece pelo contacto com a matéria.

“3.o – Gurdjieff não vivia só, mas sempre rodeado, sempre em falanstério. “Há um caminho na solidão, há regatos no
deserto”. Não há caminho nem regatos no homem misturado com os outros.

Faço perguntas a respeito da alquimia que devem parecer-lhe de uma assustadora estupidez. Sem o deixar transparecer
responde:

“Nada além da matéria, apenas o contacto com a matéria, o trabalho sobre a matéria, o trabalho com as mãos. Insiste
muito neste ponto.

“- Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a jardinagem.

“- Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum com a pesca.

“Trabalho de mulher e brincadeira de criança.

“Não é possível ensinar alquimia. Todas as grandes obras literárias que resistiram aos séculos têm qualquer coisa desse ensinamento. São a obra de homens adultos – verdadeiramente adultos – que falaram para as crianças, mas respeitando as leis do conhecimento adulto. Jamais se apanha uma grande obra em falta a respeito dos “princípios” . Mas o conhecimento desses princípios e o caminho que leva a esse conhecimento devem manter-se secretos. No entanto, há um dever de auxilio mútuo para os investigadores do primeiro grau.

“Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli[1], e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:

“- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos. Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…

Acrescenta:

“- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.

“Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objectivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objectivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.”

*

Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que “compreender é tão belo como cantar,” mesmo se a compreensão for apenas fugitiva 1. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés. Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atómica, tomara aquele caminho para abreviar. Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada

No seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: “Tudo o que é compreendido está certo”. É a mais bela frase que conheço.

Pela lentidão, inebriada de paciência – eu voava a uma velocidade supersónica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se aguentava. Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século xx. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.

Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exactamente como o espírito de elevada tradição.

Vi então que a oposição entre a “prudência” milenária e a “loucura” contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.

Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.

Vi finalmente que, sendo as técnicas actuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.

*

Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos “filósofos químicos” e as realidades da física actual. É preferível revelarmos imediatamente as ideias que nos guiaram.

A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma “revelação divina” caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a ideia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: “Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!”

Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atómica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direcção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.

Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.

Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu “trabalho” sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma num “homem desperto”. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico. É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a “mudar de estado”, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.

1 O autor de Le Mystère des Cathèdrales e de Les Demeures philosophales.

Conhecem-se mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos. Essa imensa literatura, à qual se consagraram espíritos de categoria, homens importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua adesão a factos, a realidades experimentais, nunca foi explorada cientificamente. O pensamento reinante, católico no passado, racionalista actualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contêm alguns dos segredos da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o proclamam. Os príncipes, os reis e as repúblicas encorajaram inúmeras expedições a países longínquos, financiaram investigações científicas de todos os géneros. Nunca uma equipa de criptógrafos, historiadores, linguístas e sábios, físicos, químicos, matemáticos e biologistas se reuniu numa biblioteca alquímica completa com a missão de verificar o que há de verdadeiro e de utilizável nesses velhos tratados. Isso é que é inconcebível. Que tais limitações do espírito sejam possíveis e duradoiras, que sociedades humanas muito civilizadas e, como a nossa, aparentemente sem preconceitos de qualquer espécie, possam manter esquecidos nas suas águas-furtadas cem mil livros e manuscritos com a etiqueta de: “Tesouro,” eis o que convencerá os mais cépticos de que vivemos no fantástico.

As raras investigações sobre alquimia são feitas quer por místicos que procuram nos textos uma confirmação das suas atitudes espirituais, quer por historiadores sem o menor contacto com a ciência e as técnicas.

Os alquimistas falam da necessidade de destilar milhares de vezes a água que servirá para a preparação do Elixir. Ouvimos dizer a um historiador especializado que essa operação era demencial. Ignorava tudo a respeito da água pesada e dos métodos que se empregam para enriquecer a água simples em água pesada. Ouvimos um erudito afirmar que a refinação e a purificação indefinidamente repetidas de um metal ou de um metalóide não alteram absolutamente nada as propriedades deste; seria então necessário ver nas recomendações alquímicas uma mística aprendizagem da paciência, um gesto ritual comparável ao desfiar das contas do rosário. E, no entanto, é com essa refinação por meio de uma técnica descrita pelos alquimistas e a que hoje se chama “a fusão de zona” que se prepara o germânio e o silício puros dos transistores. Actualmente sabemos, graças a esses trabalhos sobre os transistores, que, se se purificar profundamente um metal e introduzir em seguida alguns milionésimos de grama de impurezas cuidadosamente escolhidas, concede-se ao corpo tratado novas e revolucionárias propriedades. Não desejamos multiplicar os exemplos, mas gostaríamos de fazer compreender até que ponto seria conveniente um exame verdadeiramente metódico da literatura alquímica. Seria um trabalho imenso, que exigiria dezenas de anos de trabalho e dezenas de investigadores pertencentes a todas as disciplinas. Nem Bergier nem eu pudemos sequer esboçar semelhante trabalho, mas se o nosso volumoso e desajeitado livro pudesse um dia decidir um mecenas a permitir esse trabalho, não teríamos perdido completamente o nosso tempo.

*

Ao estudarmos um pouco os textos alquímicos, constatámos que estes são geralmente modernos em relação à época em que foram escritos, ao passo que as outras obras de ocultismos estão em atraso. Por outro lado, a alquimia é a única prática pararreligiosa que, de facto, enriqueceu o nosso conhecimento real.

Alberto o Grande (1193-1280) conseguiu preparar a potassa cáustica. Foi o primeiro a descrever a composição química do cinabre, do alvaiade e do mínio.

Raimundo Lull (1235-1315) preparou o bicarbonato de potássio.

Teofrasto Paracelse (1493-1541) foi o primeiro a descrever o zinco, desconhecido até então. Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos químicos.

Giambattista della Porta (1541-1615) preparou o óxido de estanho.

Jean-Baptiste Van Helmont (1577-1644) descobriu a existência dos gases.

Basile Valentin (do qual ninguém jamais soube a verdadeira identidade) descobriu no século xvII o ácido sulfúrico e o ácido clorídrico.

Johann Rudolf Glauber (1604-1668) descobriu o sulfato de sódio.

Brandt (falecido em 1692) descobriu o fósforo.

Johann Friedrich Boetticher (1682-1719) foi o primeiro europeu a fazer a porcelana.

Blaise Vigenère (1523-1596) descobriu o ácido benzóico.

Tais são alguns dos trabalhos alquímicos que enriquecem a humanidade no momento em que a química progride. À medida que se desenvolvem outras ciências, a alquimia parece seguir e muitas vezes preceder o progresso. Le Breton, nas suas Clefs de la Philosophie Spagyrzque, em 1722, fala do magnetismo de maneira mais do que inteligente e frequentemente antecipa a respeito das descobertas modernas. O Padre Castel, em 1728, no momento em que as ideias sobre a gravitação começam a divulgar-se, fala desta e das suas relações com a luz em termos que, dois séculos mais tarde, ecoarão estranhamente ao pensamento de Einstein:

“Eu disse que, se subtraíssemos o peso do Mundo, subtrairíamos simultaneamente a luz. De resto a luz e o som, e todas as outras qualidades sensíveis, são uma consequência e como que um resultado da mecânica, e por consequência do peso dos corpos naturais que são mais ou menos luminosos ou sonoros, conforme têm maior peso e elasticidade.”

Nos tratados alquímicos do nosso século vê-se aparecer frequentemente, mais depressa do que nas produções universitárias, as últimas descobertas da física nuclear, e é provável que os tratados de amanhã mencionem as teorias físicas e matemáticas o mais abstractas possível.

É evidente a distinção entre a alquimia e as falsas ciências como a radiestesia, que introduz ondas ou raios nas suas publicações depois de a ciência oficial as ter descoberto. Tudo nos leva a pensar que a alquimia é susceptível de fornecer uma contribuição importante aos conhecimentos e às técnicas do futuro baseadas na estrutura da matéria.

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Constatámos igualmente, na literatura alquímica, a existência de um número impressionante de textos puramente delirantes.

Pretenderam por vezes explicar esse delírio por meio da psicanálise (Jung: Psicologia e Alquimia, ou Herbert Silberer: Problemas do Misticismo). Como a alquimia contém uma doutrina metafísica e supõe uma atitude mística, a maior parte das vezes os historiadores, os curiosos e sobretudo os ocultistas obstinaram-se em interpretar esses conceitos demenciais no sentido de uma revelação supranatural, de uma profecia inspirada. Observando melhor, pareceu-nos prudente tomar, a par dos textos técnicos e dos textos de sabedoria, os textos demenciais por textos demenciais. Pareceu-nos também que essa demência do adepto experimentador podia ter uma explicação material, simples, satisfatória. O mercúrio era frequentemente utilizado pelos alquimistas. O seu valor é tóxico e o envenenamento crónico provoca o delírio. Teoricamente, os recipientes empregados eram absolutamente herméticos, mas o segredo desse encerramento não é divulgado a todos os adeptos, e a loucura pôde apossar-se de mais de um “filósofo químico”.

Por fim, ficámos impressionados com o aspecto criptogâmico da literatura alquímica. Blaise Vigenère, que citámos mais atrás, inventou códigos aperfeiçoadíssimos e métodos de cifragem dos mais engenhosos. As suas invenções nesta matéria ainda hoje são utilizadas. É provável que Blaise Vigenère tenha tomado contacto com essa ciência da cifra ao tentar interpretar os textos alquímicos. Seria conveniente acrescentar às equipas de investigadores que desejamos ver reunidas especialistas do deciframento.

“A fim de dar um exemplo mais evidente, escreve René Alleau[1], servir-nos-emos do jogo do xadrez, do qual conhecemos a relativa facilidade das regras e dos elementos, assim como a indefinida variedade das combinações. Se supusermos que o conjunto dos tratados acroamáticos da alquimia se nos apresenta como outras tantas partes anotadas numa linguagem convencional, é preciso admitir em primeiro lugar, com a maior honestidade, que ignoramos tanto as regras do jogo como a cifra utilizada. De contrário, afirmamos que a indicação criptográfica é composta por sinais directamente compreensíveis para qualquer indivíduo, o que é precisamente a ilusão imediata que deve provocar um criptograma bem composto. Portanto a prudência aconselha-nos a não nos deixarmos seduzir pela tentação de um sentido claro, e a estudarmos esses textos como se se tratasse de uma linguagem desconhecida.

“Aparentemente, tais mensagens só se dirigem a outros jogadores, a outros alquimistas que somos levados a crer que já possuem, por qualquer processo diferente da tradição escrita, chave necessária para a compreensão exacta dessa linguagem.”

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Por muito longe que remontemos na investigação do passado, encontraremos manuscritos alquímicos. Nicolas de Valois, no século xv, deduzia por isso que as alterações, os segredos e as técnicas da libertação da energia foram descobertas pelos homens antes mesmo da escrita. A arquitectura precedeu a escrita. Por isso vemos a alquimia muito intimamente ligada à arquitectura. Um dos textos mais significativos da alquimia, cujo autor é um tal Esprit Gobineau de Montluisant, intitula-se: “Explicações muito curiosas dos enigmas e figuras hieroglíficas que existem no portal de Notre-Dame de Paris”. As obras de Fulcanelli são consagradas ao “Mistério das Catedrais” e às minuciosas descrições das “Moradas Filosofais”. Algumas construções medievais testemunhariam o hábito imemorial de transmitir por meio da arquitectura a mensagem da alquimia, que data de eras infinitamente longínquas da humanidade.

Newton acreditava na existência de uma cadeia de iniciados alastrando no tempo até uma antiguidade muito remota, e que teriam conhecido os segredos das alterações e da desintegração da matéria. O sábio atomista inglês Da Costa Andrade, num discurso pronunciado diante dos seus pares por ocasião do tricentenário de Newton, em Cambridge, em Julho de 1946, não hesitou em dar a entender que o inventor da gravitação talvez fizesse parte de uma cadeia e apenas revelara ao mundo uma pequena parte do seu saber:

“Não posso esperar, disse[2], convencer os cépticos de que Newton tinha poderes de profecia ou de visão especial que lhe possam ter revelado a energia atómica, mas direi simplesmente que as frases que vou citar ultrapassam em muito, na opinião de Newton ao falar da transmutação alquímica, o receio de um transtorno no comércio mundial depois da síntese do ouro. Eis o que Newton escreveu:

“A forma como o mercúrio pode ser assim impregnado foi mantida em segredo por aqueles que sabiam, e constitui provauelmente um acesso para qualquer coisa de mais nobre do que a fabricação do ouro e que não pode ser comunicada sem que o mundo corra um imenso perigo, caso os escritos de Hermes digam a verdade.”

“E, mais adiante, Newton escreve: “Existem outros grandes mistérios além da transmutação dos metais, se os grandes mestres não se gabam. Só eles conhecem esses segredos”.

“Reflectindo no sentido profundo desta passagem, lembrai-vos de que Newton fala com as mesmas reticências e a mesma prudência anunciadora nas suas próprias descobertas de óptica”.

De que passado viriam esses grandes mestres invocados por Newton, e de que passado teriam eles próprios extraído a sua ciência?

“Se subi tão alto, diz Newton, é porque estava sobre os ombros de gigantes.”

Atterbury, contemporâneo de Newton, escrevia:

“A modéstia ensina-nos a falar com respeito dos Antigos, sobretudo quando não conhecemos profundamente as suas obras. Newton, que quase as sabia de cor, tinha por eles o maior respeito e considerava-os como homens de profundo génio e de um espírito superior, que tinham levado muito mais longe as suas descobertas de todos os géneros do que nos possa parecer actualmente, segundo o que resta dos seus escritos. Há mais obras antigas perdidas do que conservadas e talvez as nossas novas descobertas não valham as perdas antigas.”

Para Fulcanelli, a alquimia seria o elo de ligação com as civilizações desaparecidas desde há milénios e ignoradas pelos arqueólogos. Evidentemente, nenhum arqueólogo considerado honesto e nenhum historiador de igual reputação admitirá a existência no passado de civilizações que tenham possuído uma ciência e técnicas superiores às nossas. Mas uma ciência e técnicas avançadas simplificam ao máximo a aparelhagem, e talvez os vestígios estejam sob os nossos olhos sem que sejamos capazes de os ver como tais. Nenhum arqueólogo e nenhum historiador honesto, que não tenha recebido uma formação científica em alto grau, poderá efectuar pesquisas susceptíveis de nos fornecer a esse respeito qualquer esclarecimento. A separação das disciplinas, que foi uma necessidade do fabuloso progresso contemporâneo, talvez nos dissimule qualquer coisa de fabuloso no passado.

Sabe-se que foi um engenheiro alemão, encarregado da construção dos esgotos de Bagdade, que descobriu na amálgama de objectos do museu local, sob a vaga etiqueta de “objectos de culto”, pilhas eléctricas fabricadas dez séculos antes de Volta, durante a dinastia dos Sassanides.

Enquanto a arqueologia apenas for praticada por arqueólogos, não saberemos se a “noite dos tempos” era obscura ou luminosa.

*

“Jean-Fredérich Schweitzer, dito Helvétius, violento adversário da alquimia, conta que na manhã de 27 de Dezembro de 1666 se apresentou em sua casa um estrangeiro. Era um homem de aparência honesta e séria, e de expressão autoritária, vestido com um simples capote, como um “mennonita”.

Depois de perguntar a Helvétius se acreditava na pedra filosofal (ao que o famoso médico respondeu negativamente), o estrangeiro abriu uma pequena caixa de marfim “que continha três pedaços de uma substância semelhante ao vidro ou à opala”. O seu proprietário declarou tratar-se da famosa pedra, e que com uma tão mínima quantidade podia produzir vinte toneladas de ouro. Helvétius pegou num dos fragmentos e, depois de agradecer ao visitante a sua amabilidade, pediu-lhe que lhe desse um bocado. O alquimista recusou num tom brusco, acrescentando com mais cortesia que, mesmo a troco de toda a fortuna de Helvétius, não se poderia separar da menor parcela desse mineral, por uma razão que não lhe era permitido divulgar. Instado para que desse uma prova das suas palavras, realizando uma transmutação, o estrangeiro respondeu que voltaria três semanas mais tarde e mostraria a Helvétius uma coisa susceptível de o assombrar. Voltou pontualmente no dia marcado, mas recusou executar a operação, afirmando que lhe era proibido revelar o segredo. Condescendeu no entanto em dar a Helvétius um pequeno fragmento da pedra, “não maior do que um grão de mostarda”. E como o médico emitisse a dúvida de que uma tão ínfima quantidade pudesse produzir o menor efeito, o alquimista partiu o corpúsculo em dois, deitou uma metade fora e entregou-lhe a outra dizendo: “Aqui está justamente aquilo de que precisa”.

“O nosso sábio viu-se então obrigado a confessar que durante a primeira visita do estrangeiro conseguira apoderar-se de algumas partículas da pedra, as quais tinham transformado o chumbo, não em ouro, mas-em vidro. – “Devia ter protegido a pedra com cera amarela, respondeu o alquimista, isso ajudá-la-ia a penetrar o chumbo e a transformá-lo em ouro”. O homem prometeu voltar de novo no dia seguinte de manhã, às nove horas, e realizar o milagre – mas não apareceu, e no dia a seguir também não. Posto isto, a mulher de Helvétius persuadiu-o a tentar ele próprio a transmutação:

“Helvétius procedeu de acordo com as instruções do estrangeiro. Derreteu três dracmas de chumbo, envolveu a pedra em cera, e deixou-a cair no metal líquido. E este transformou-se em ouro! “Levámo-lo imediatamente ao ourives, que declarou tratar-se do ouro mais fino que jamais vira, e propôs pagá-lo a cinquenta florins a onça”. Helvétius, ao concluir a sua narrativa, disse-nos que a barra de ouro continuava na sua mão, prova tangível da transmutação. “Possam os Santos Anjos do Senhor velar por ele (o alquimista anónimo) como sobre um manancial de bênçãos para a cristandade. Tal é a nossa prece constante, por ele e por nós”.

“A novidade espalhou-se como um rastilho de pólvora. Spinoza, que não podemos incluir no número dos ingénuos, quis saber a verdade da história. Fez uma visita ao ourives que avaliara o ouro. O relatório foi mais do que favorável: durante a fusão, a prata incorporada à mistura transformara-se igualmente em ouro. O ourives, Brechtel, era moedeiro do duque de Orange. Sabia sem dúvida do seu ofício. Parece difícil acreditar que ele possa ter sido vítima de um subterfúgio, ou que tenha pretendido enganar Spinoza. Spinoza dirigiu-se então a casa de Helvétius, que lhe mostrou o ouro e o crisol que servia para a operação. Aderiam ainda ao interior do recipiente restos do precioso metal; como os outros, Spinoza ficou convencido de que a transmutação se operara realmente.”

*

A transmutação, para o alquimista, é um fenómeno secundário, realizado apenas a título de demonstração. É difícil formar uma opinião sobre a realidade dessas transmutações, embora diversas observações, como a de Helvétius ou a de Van Helmont, por exemplo, pareçam surpreendentes. Pode alegar-se que a arte do prestidigitador não tem limites, mas será possível que tenham sido consagrados a uma aldrabice quatro mil anos de pesquisas e cem mil volumes ou manuscritos? Propomos outra coisa, como mais adiante se verá. Propomo-lo timidamente, pois o peso da opinião científica já formada é de temer. Tentaremos descrever o trabalho do alquimista que consegue a fabricação da “pedra” à “pólvora de projecção”, e veremos que a interpretação de certas operações choca o nosso actual saber sobre a estrutura da matéria. Mas não é evidente que o nosso conhecimento dos fenómenos nucleares seja perfeito, definitivo. Em especial a catálise pode intervir nestes fenómenos de uma forma ainda desconhecida para nós”.

Não é impossível que certas misturas naturais produzam, sob o efeito dos raios cósmicos, reacções nucleo-catalípticas em grande escala, susceptíveis de conduzir a uma transmutação compacta dos elementos. Seria necessário ver nisso uma das chaves da alquimia e a razão pela qual o alquimista repete indefinidamente as suas manipulações, até ao momento em que as condições cósmicas se reúnem.

A objecção é a seguinte: se tais transmutações são possíveis, que virá a ser da energia libertada? Muitos dos alquimistas deveriam então ter feito ir pelos ares a cidade que habitavam e algumas dezenas de milhares de quilómetros quadrados da sua pátria nessa mesma ocasião. Ter-se-iam produzido numerosas e imensas catástrofes.

Os alquimistas respondem: é justamente por se terem dado semelhantes catástrofes num passado longínquo que receamos a terrível energia contida na matéria e que mantemos secreta a nossa ciência. Além disso, a “Grande Obra” é atingida por fases progressivas e aquele que, ao fim de dezenas e dezenas de anos de manipulações e de ascese, aprende a desencadear as forças nucleares, aprende igualmente quais as precauções que convém tomar para evitar o perigo[3].

Argumento válido? Talvez. Os físicos de agora admitem que, em certas condições, a energia de uma transmutação nuclear poderia ser absorvida por partículas especiais a que eles chamam neutrinos e antineutrinos[4]. Parece agora comprovada a existência do neutrino. Talvez haja tipos de transmutação que libertam apenas um pouco de energia, ou nas quais a energia libertada se evola sob a forma de neutrinos. Voltaremos a este assunto.

Eugène Canseliet, discípulo de Fulcanelli e um dos melhores especialistas actuais sobre alquimia, deteve-se sobre uma passagem de um estudo que Jacques Bergier escrevera como prefácio para uma das obras clássicas da Biblioteca Mundial. Tratava-se de uma antologia da poesia do século xvI. Nesse prefácio, Bergier fazia alusão aos alquimistas e ao seu desejo de segredo. Escrevia: “Sobre este ponto especial é difícil não lhes dar razão. Se existe um processo que permite fabricar bombas de hidrogénio num fogão de cozinha, é francamente preferível que esse processo não seja revelado”.

Eugène Canseliet respondeu-nos então: “Acima de tudo seria necessário que não se tomasse isto por um gracejo. Tendes toda a razão, e eu estou em boa posição para afirmar que é possível atingir a desintegração atómica partindo de um mineral relativamente comum e barato, e isto por um processo de operações que apenas exige uma boa chaminé, um forno de fusão de carvão, alguns tubos de combustão Meker e quatro garrafas de gás butano”.

Mesmo na física nuclear, não está excluído que se possam obter resultados importantes por meio de processos simples.
É o futuro de toda a ciência e de toda a técnica.

“Podemos mais do que aquilo que sabemos”, dizia Roger Bacon. Mas acrescentava esta frase que poderia ser um adágio
alquímico: “Embora nem tudo seja permitido, tudo é possível”.

Para o alquimista, é preciso recordá-lo constantemente, poder sobre a matéria e a energia não passa de uma realidade acessória. O verdadeiro objectivo das operações alquímicas, que talvez sejam o resíduo de uma ciência muito antiga pertencente a uma civilização desaparecida, é a transformação do próprio alquimista, o seu acesso a um estado de consciência superior. Os resultados materiais são apenas as promessas do resultado final, que é espiritual. Tudo se dirige para a transmutação do próprio homem, para a sua divinização, a sua fusão com a energia divina fixa, da qual irradiam todas as energias da matéria. A alquimia é a ciência “com consciência” de que Rabelais fala. É uma ciência que hominiza, para repetir uma expressão do P.e Teilhard de Chardin, que dizia: “A verdadeira física é a que conseguir integrar o Homem total numa representação coerente do mundo”.

“Sabei, dizia um mestre alquimista, sabei vós todos, os Investigadores dessa Arte, que o Espírito é tudo, e que se nesse Espírito não está encerrado outro Espírito semelhante, esse todo para nada serve.”

1741
La Tourbe des Philosophes, in “Biblioteca dos Filósofos Químicos”,Paris.

1 Aspects de lÁlchimie Traditionnelle, Éditions de Minuit, Paris

2 Newton Tercentenary Celebrations. Universidade de Cambridge, 1947

3 Estão em curso, em vários países, trabalhos sobre a utilização de
partículas (produzidas por poderosos aceleradores) para catalisar a fusão
do hidrogénio.

4 Não se confunda com o neutrão, elemento do núcleo. (N. da T.)

Era em 1933. O pequeno estudante judeu tinha um nariz pontiagudo, encimado por uns óculos de lentes redondas atrás das quais brilhava um olhar rápido e frio. Sobre o crânio redondo começava a despontar uma cabeleira semelhante a uma penugem de pintainho. Um sotaque pavoroso, agravado por gaguejos, dava às suas frases o tom cómico e a baralhada do grasnar de patos num charco. Depois de o conhecerem um pouco melhor, dava a impressão de que bailava dentro desse homenzinho desgracioso uma inteligência bulímica, atenta, sensível, extraordinariamente rápida, de que estava cheio de malícia e de uma pueril incapacidade para viver, como um enorme balão vermelho preso por um fio ao pulso de uma criança.

“Pretende então tornar-se alquimista?”, perguntou o venerando professor ao estudante Jacques Bergier, que mantinha a cabeça baixa, sentado na beira de um cadeirão, com uma pasta cheia de papelada sobre os joelhos. O venerando era um dos maiores químicos franceses.

“Não o compreendo, senhor”, disse o estudante, vexado.

Tinha uma memória prodigiosa, e recordou-se de ter visto, aos seis anos, uma gravura alemã que representava dois alquimistas a trabalhar, no meio de uma confusão de retortas, de pincas, de crisóis, de foles. Um deles, esfarrapado, vigiava uma fogueira, de boca aberta, e outro, desgrenhado, coçava a cabeça titubeando no meio de toda aquela desordem.

O professor consultou uns documentos:

“Durante os seus dois últimos anos de trabalho interessou-se sobretudo pelo curso livre de física nuclear de Jean Thibaud. Esse curso não conduz a qualquer diploma nem certificado. Exprime o desejo de prosseguir nesse sentido ainda me seria possível compreender essa curiosidade da parte de um físico. Mas o senhor está destinado à química. Tencionará, por acaso. aprender a fabricar ouro?

– Senhor – disse o estudante judeu erguendo as pequenas mãos gordas e mal tratadas -, eu acredito no futuro da química nuclear. Penso que, num futuro próximo, serão realizadas transmutações industriais.

– Isso parece-me delirante.

– Mas, senhor. . . ”

Por vezes detinha-se no início de uma frase e começava a repetir esse início, como um gramofone avariado, não por falta de atenção, mas porque o seu espírito divagava de forma inconfessável pelo reino da poesia. Sabia de cor milhares de versos e todos os poemas de Kipling:

Copiaram tudo o que podiam entender,
Mas não podiam alcançar o meu pensamento;
Por isso deixarei-os para trás, sem fôlego,
E pensando com ano e meio de atraso…

– Mas, mesmo se V. Ex.a não acredita nas transmutações, deveria acreditar na energia nuclear. Os imensos recursos
potenciais do núcleo. . .

– Ta ta ta – exclamou o professor. – Isso é primário e infantil. Aquilo a que os físicos chamam energia nuclear é uma constante de integração nas suas equações. A consciência é o principal motor dos homens. Mas não é a consciência que faz andar as locomotivas, não é verdade? Por isso, sonha-se com uma máquina accionada pela energia nuclear… Não, meu rapaz.”

O rapaz engolia a saliva.

– Desça à Terra e pense no seu futuro. O que o incita, de momento, pois não o julgo saído da infância, é um dos mais velhos sonhos do homem: o sonho alquímico. Leia novamente Berthelot. Ele descreve muito bem essa quimera da transmutação da matéria. As suas notas não são lá muito, muito brilhantes. Dou-lhe um conselho: entre o mais depressa possível para a indústria. Faça um estágio numa refinaria de açúcar. Três meses numa fábrica pô-lo-ão de novo em contacto com a realidade. Precisa disso. Falo-lhe como um pai.”

O filho indigno agradeceu gaguejando, e saiu de nariz no ar, a enorme pasta debaixo do braço curto. Era um obstinado: pensou que era necessário tirar partido daquela conversa, mas que o mel era melhor do que o açúcar. Continuaria a estudar os problemas do núcleo atómico. E documentar-se-ia a respeito de alquimia.

*

Foi assim que o meu amigo Jacques Bergier decidiu prosseguir uns estudos considerados inúteis e completá-los com outros estudos considerados delirantes. As necessidades da vida, a guerra e os campos de concentração afastaram-no um pouco do estudo nuclear. No entanto, enriqueceu-o com algumas contribuições apreciadas pelos especialistas. Durante as suas investigações, os sonhos dos alquimistas e as realidades da física matemática misturaram-se mais de uma vez. Mas no domínio científico operaram-se grandes alterações a partir de 1933, e o meu amigo teve cada vez menos a sensação de navegar contra a corrente.

*

De 1934 a 1940, Jacques Bergier foi o colaborador de André Helbronner, um dos homens notáveis da nossa época. Helbronner, que foi assassinado pelos nazis em Buchenwald, em Março 1944, fora, em França, o primeiro professor universitário a ensinar a químico-física. Essa ciência, que é uma fronteira entre duas disciplinas, deu origem, mais tarde, a muitas outras ciências: a electrónica, a nucleónica, a estereotrónica[1]. Helbronner viria depois a receber a grande medalha de ouro do Instituto Franklin pelas suas descobertas sobre os metais coloidais. Interessou-se igualmente pela liquefação dos gases, pela aeronáutica e pelos raios ultravioletas.

Em 1934 consagrou-se à física nuclear e montou, com o auxílio de grupos industriais, um laboratório de pesquisas nucleares, no qual, até ao ano de 1940, se obtiveram resultados de interesse considerável. Além disso, Helbronner era árbitro dos tribunais em todas as questões relacionadas com a transmutação dos elementos, e por esse motivo é que Jacques Bergier teve ocasião de conhecer um certo número de falsos alquimistas, escroques ou iluminados, e um verdadeiro alquimista, um autêntico mestre.

O meu amigo nunca soube o verdadeiro nome desse alquimista, e mesmo que o soubesse evitaria dar excessivos esclarecimentos. O homem de quem vamos falar há já muito tempo que desapareceu, sem deixar rastos visíveis. Entrou em clandestinidade e cortou voluntariamente todos os contactos com a sua época. Bergier crê que se tratava simplesmente do homem que, sob o pseudónimo de Fulcanelli, escreveu por volta de 1920 dois livros estranhos e admiráveis: Les Demeures Philosophales e Le Mystère des Cathédrales[2]. Estes livros foram editados sob a vigilância de Eugène Canseliet, que nunca revelou a identidade do autor. Figuram, sem dúvida alguma, entre as obras mais importantes sobre alquimia. Exprimem um conhecimento e uma sabedoria superiores, e conhecemos mais de um espírito notável que venera o nome lendário de Fulcanelli.

“Poderia ele, escreve Eugène Canseliet, uma vez atingido o auge do conhecimento recusar obediência às ordens do Destino? Ninguém é profeta na sua terra. talvez este velho adágio dê a razão oculta da alteração que provoca, na vida solitária e estudiosa do filósofo, a chama da revelação. Sob o efeito dessa chama divina, o homem já velho é inteiramente consumido. Nome, família, pátria, todas as ilusões, todos os erros, todas as vaidades caem como pó. E dessas cinzas, como a fénix dos poetas, uma nova personalidade renasce. Pelo menos, a tradição filosófica assim o diz.

“O meu mestre sabia-o. Desapareceu quando soou a hora fatídica, quando o sinal foi dado. Quem ousaria subtrair-se à lei?

“Eu próprio, apesar do sofrimento de uma separação dolorosa mas inevitável, se de mim se apossasse a feliz exaltação que obrigou o meu mestre a fugir das homenagens do mundo, sei que não agiria de outra forma.”

Eugène Canseliet escreveu estas linhas em 1925. O homem que o encarregava de editar as suas obras ia mudar de aspecto e de ambiente. Numa tarde de Junho de 1937, Jacques Bergier julgou ter excelentes motivos para pensar que se encontrava em presença de Fulcanelli.

Foi a pedido de André Helbronner que o meu amigo se encontrou com a misteriosa personagem, no ambiente prosaico de um laboratório de experiências da Sociedade do Gás de Paris. Eis, com exactidão, a conversa que houve:

– André Helbronner, de quem V. Ex.a, segundo creio, é o assistente, anda em busca da energia nuclear. Ele teve a amabilidade de me manter ao corrente de alguns dos resultados obtidos, particularmente da aparição da radioactividade correspondente à do polónio, quando um filamento de bismuto é volatilizado por uma descarga eléctrica no deutério a alta pressão. Estão muito perto do êxito, aliás como outros sábios contemporâneos. Ser-me-á permitido pô-los de sobreaviso? Os trabalhos a que se dedicam, bem como os seus colegas, são terrivelmente perigosos. Não são apenas os senhores que correm perigo. Este é de recear para a humanidade inteira. A libertação da energia nuclear é mais fácil do que pensam. E a radioactividade artificialmente produzida pode envenenar a atmosfera do planeta dentro de poucos anos. Além disso, podem ser fabricádos explosivos atómicos a partir de alguns gramas de metal, e arrasar cidades. Posso dizer-lhe com sinceridade: há muito que os alquimistas o sabem.

Bergier tentou interromper, protestando. Os alquimistas e a física moderna! la lançar-se em sarcasmos, quando o outro o interrompeu:

– Sei o que me vai dizer, mas não interessa. Os alquimistas desconheciam a estrutura do núcleo, desconheciam a electricidade, não possuíam qualquer processo de detecção. Por isso nunca puderam realizar qualquer transmutação, nunca puderam libertar a energia nuclear. Não tentarei provar-lhes o que agora vou declarar, mas peço-lhe que o repita ao Sr. Helbronner: para desencadear as forças atómicas bastam disposições geométricas de materiais extremamente puros, sem que seja necessário utilizar a electricidade ou a técnica do vácuo. Limitar-me-ei em seguida a fazer-lhe uma pequena leitura.

O homem retirou de cima da sua secretária o livro de Frédéric Soddy, L’interprètation du Radium, abriu-o e leu:

“Penso que existiram no passado civilizações que tiveram conhecimento da energia do átomo e que uma má aplicação
dessa energia as destruiu totalmente.”

Depois continuou:

– Peço-lhe que acredite que sobreviveram algumas técnicas parciais. Peço-lhe também que medite no facto de que os alquimistas juntavam às suas pesquisas preocupações morais e religiosas, ao passo que a física moderna surgiu no século xvIII como resultado do divertimento de alguns nobres e de alguns ricos libertinos. Ciência sem consciência… Julguei meu dever avisar alguns investigadores, aqui e além, mas não tenho a menor esperança de ver esse aviso produzir efeitos. Aliás, não tenho necessidade de esperar.

Bergier nunca mais esqueceria o som daquela voz precisa, metálica e digna.

Permitiu-se fazer uma pergunta:

– Se V. Ex.a também é alquimista, não posso acreditar que passe o tempo tentando fabricar ouro, como Dunikovski ou o doutor Miethe. Há um ano que tento documentar-me sobre alquimia, e vejo-me rodeado de charlatães ou de interpretações que me parecem fantasistas. Poderá V. Ex.a dizer-me em que consistem as suas investigações?

– Pede-me para resumir, em quatro minutos, quatro mil anos de filosofia e os esforços de toda a minha vida. Pede-me, além disso, para traduzir em linguagem clara conceitos para os quais a linguagem clara não é feita. Apesar de tudo posso dizer-lhe o seguinte: não ignora que, na ciência oficial em progresso, o papel do observador se torna cada vez mais importante. A relatividade, o princípio da incerteza mostram-nos até que ponto o observador de hoje intervém nos fenómenos. O segredo da alquimia é o seguinte: existe uma forma de manipular a matéria e a energia de maneira a produzir aquilo a que os cientistas contemporâneos chamariam um “campo de força”. Esse campo de força age sobre o observador e coloca-o numa situação de privilégio em face do Universo. Desse ponto privilegiado, ele tem acesso a realidades que o espaço e o tempo, a matéria e a energia habitualmente nos dissimulam. É aquilo a que chamamos a Grande Obra.

– Mas a pedra filosofal? A fabricação do ouro?

– São apenas aplicações, casos particulares. O essencial não é a transmutação dos metais, mas a do próprio investigador. É um segredo antigo, que em cada século vários homens voltam a encontrar.

– E o que é então feito deles?

– Talvez eu um dia o venha a saber.

O meu amigo não tornaria a ver esse homem que deixou um rasto indelével sob o nome de Fulcanelli. Tudo o que dele sabemos é que sobreviveu à guerra e desapareceu completamente após a Libertação. Todas as diligências para o reencontrar foram inúteis[3].

*

Eis-nos agora numa manhã de Julho de 1945. Ainda que esquelético e triste, Jacques Bergier, com um fato de caqui, prepara-se para cortar um cofre-forte com um maçarico. É mais uma metamorfose. Durante esses últimos anos foi sucessivamente agente secreto, terrorista e deportado político. O cofre-forte está numa bela vivenda, sobre o lago de Constança, que pertenceu ao director de um grande trust alemão. Depois de cortado, o cofre-forte expõe o seu segredo: uma garrafa que contém um pó extremamente pesado. Na etiqueta lê-se: “Urânio, para aplicações atómicas”. É a primeira prova formal da existência na Alemanha de um projecto de bomba atómica suficientemente forte para exigir grandes quantidades de urânio puro. Goebbels não deixava de ter razão quando, desde o seu bunker bombardeado, fazia circular pelas ruas arruinadas de Berlim o boato de que a arma secreta estava prestes a explodir na cara dos invasores”.

Bergier participou a descoberta às autoridades aliadas. Os americanos mostraram-se cépticos e declararam que qualquer investigação sobre a energia nuclear era sem interesse. Era um disfarce. Na realidade, a primeira bomba americana explodira em segredo, em Alamogordo, e, nessa mesma ocasião, encontrava-se na Alemanha uma missão americana dirigida pelo físico Goudsmidth, em busca da pilha atómica que o professor Heisenberg elaborara antes do desmoronamento do Reich.

Em França nada se sabia de positivo, mas havia indícios. Especialmente este, para as pessoas atentas: os americanos compravam a peso de ouro todos os manuscritos e documentos alquímicos.

Bergier apresentou um relatório ao governo provisório sobre a realidade provável das investigações a respeito dos explosivos nucleares tanto na Alemanha como nos Estados Unidos. O relatório foi sem dúvida para o cesto dos papéis, e o meu amigo conservou a sua garrafa, que agitava na cara das pessoas, exclamando: “Vêem isto? Bastaria que um neutrão passasse pelo interior para que Paris fosse pelos ares!” Aquele homenzinho de sotaque cómico gostava decididamente de gracejar e era espantoso que um deportado há pouco saído de Mauthausen tivesse conservado tanto humor. Mas, bruscamente, a brincadeira deixou de ter graça, na manhã de Hiroshima. O telefone do quarto de Bergier começou a tocar sem interrupção. Diversas autoridades competentes pediam cópias do relatório. Os serviços de informação americanos pediam ao possuidor da famosa garrafa para procurar urgentemente um certo major que não queria divulgar a sua identidade. Outras autoridades exigiam o rápido afastamento da garrafa do centro de Paris. Foi em vão que Bergier explicou que essa garrafa com certeza não continha urânio 235 puro e que, mesmo se o contivesse, o urânio estava sem dúvida abaixo da massa perigosa. De contrário, há muito que teria explodido. Confiscaram-lhe o brinquedo, do qual nunca mais ouviu falar. Para o consolar, enviaram-lhe um relatório da Direcção-Geral dos Estudos e Investigações. Era tudo o que aquele organismo, pertencente aos serviços secretos franceses, sabia a respeito da energia nuclear. O relatório trazia três menções carimbadas: “Secreto”, “Confidencial,” “Para não ser divulgado”. Continha, simplesmente, recortes da revista Science et Vie.

Restava-lhe apenas, para satisfazer a sua curiosidade, procurar o famoso major anónimo de quem o professor Goudsmith
contou algumas aventuras no seu livro Alsos. Esse misterioso oficial, dotado de humorismo negro, dissimulara os seus serviços atrás de uma organização destinada à busca dos túmulos dos soldados americanos. Estava muito agitado e parecia perseguido por Washington. Em primeiro lugar quis saber tudo o que Bergier conseguira apurar ou adivinhar sobre os projectos nucleares alemães. Mas era principalmente indispensável, para a salvação do mundo, para a causa aliada e para a promoção do maior, que encontrassem com urgência Eric Edward Dutt e o alquimista conhecido sob o nome de Fulcanelli.

Dutt, sobre quem Helbronner fora encarregado de fazer investigações, era um hindu que pretendia ter consultado manuscritos muito antigos. Afirmava que deles extraíra certos processos de transmutação dos metais e que, devido a uma descarga condensada através de um condutor de boreto de tungsténio, obtinha indícios de ouro nos produtos obtidos. Muito mais tarde, os russos viriam a obter resultados análogos, mas utilizando potentes aceleradores de partículas.

Bergier não pôde prestar grandes serviços ao mundo livre, à causa aliada e à promoção do major. Eric Edward Dutt, colaboracionista, fora fuzilado pela contra-espionagem francesa na África do Norte. Quanto a Fulcanelli, desaparecera definitivamente.

No entanto, o major, como agradecimento, mandou entregar a Bergier, antes da publicação, as provas do relatório: Acerca da Utilização Militar da Energia Atómica, pelo professor H. D. Smyth. Era o primeiro documento autêntico sobre o assunto. Ora, nesse texto havia uma estranha confirmação das frases pronunciadas pelo alquimista em Junho de 1937.

A pilha atómica, peça essencial para a fabricação da bomba, era de facto apenas “uma disposição geométrica de substâncias extremamente puras”. Como Fulcanelli o dissera, esse utensílio, no início, não utilizava nem a electricidade, nem a técnica do vácuo. O relatório Smyth fazia igualmente alusão a venenos irradiantes, a gases, a poeiras radioactivas extremamente tóxicas, que era relativamente fácil preparar em grandes quantidades. O alquimista falara de um possível envenenamento de todo o planeta.

De que forma um investigador obscuro, isolado, místico pudera prever, ou ter conhecimento, de tudo aquilo? “De onde
te vem isso, alma humana, de onde te vem isso?”

Ao folhear as provas do relatório, o meu amigo recordou também esta passagem do De Alchymia, de Alberto o Grande:

“Se tens a pouca sorte de te aproximares do príncipes e dos reis, eles não cessarão de te perguntar: “Então, Mestre, como vai a Obra? Quando é que finalmente veremos qualquer coisa de positivo?” E, na sua impaciência, chamar-te-ão aldrabão e velhaco e causar-te-ão toda a espécie de aborrecimentos. E, se não obtiveres êxito, sofrerás todo o efeito da sua cólera. Se, pelo contrário, o obtiveres, conservar-te-ão em suas casas em cativeiro perpétuo, com o propósito de te fazerem trabalhar
em seu benefício.”

Seria esse o motivo por que Fulcanelli desapareceu e os alquimistas de todos os tempos mantiveram ciosamente o
segredo?

O primeiro e o último conselho dado pelo papiro Harris era: “Fechai as bocas! Cerrai as bocas!”

Anos depois de Hiroshima, a 17 de Janeiro de 1955, Oppenheimer viria a declarar: “Num sentido profundo, que nenhum gracejo de mau gosto será susceptível de extinguir, nós, os sábios, tomámos contacto com o pecado”.

E mil anos antes, um alquimista chinês escrevia: “Seria um pecado terrível desvendar aos soldados o segredo da tua arte. Toma cuidado! Que nem um insecto haja na sala em que trabalhas!”

1 A estereotrónica é uma ciência muito recente que estuda a transformação da energia nos sólidos. Uma das suas aplicações é o transistor.

2 Estas duas obras foram reeditadas pela “Omnium Littéraire” 72, Champs-Elysées, Paris. A primeira edição data de 1925. Há muito que estava esgotada e os curiosos compravam os raros exemplares em circulação por dezenas de milhares de francos.

3 A opinião dos mais cultos e dos mais qualificados é que aquele que se escondeu, ou se esconde ainda nos nossos dias, sob o famoso pseudónimo de Fulcanelli, é o mais célebre e, sem dúvida, o único alquimista autêntico (talvez o último) deste século em que o átomo é rei”. Claude d’Ygé, revista Initiation et Science, n.o 44, Paris.

O alquimista moderno é um homem que lê os tratados de física nuclear. Está convencido de que se podem obter transmutações e fenómenos ainda mais extraordinários por meio de manipulações e com um material relativamente simples. É nos alquimistas contemporâneos que se torna a encontrar o espírito do investigador isolado. A conservação de um tal espírito é preciosa para a nossa época. De facto, acabámos por acreditar que o progresso dos conhecimentos já não é possível sem equipas numerosas, sem uma enorme aparelhagem, sem um financiamento considerável. Ora as descobertas fundamentais, como, por exemplo, a radioactividade ou a mecânica ondulatória, foram realizadas por homens isolados. A América, que é o país das grandes equipas e dos grandes processos, espalha actualmente agentes pelo Mundo inteiro em busca de espíritos originais. O director da investigação científica americana, o doutor James Killian, declarou em 1958 que era prejudicial confiar-se apenas no trabalho colectivo e que achava necessário que se fizesse apelo aos homens solitários, portadores de ideias originais.

Rutheford efectuou os seus trabalhos mais importantes sobre a estrutura da matéria com latas de conserva e pedaços de guita. Jean Perrin e Madame Curie, antes da guerra, enviavam os seus colaboradores ao Marché aux Puces, ao domingo, em busca de um pouco de material. Evidentemente, os laboratórios com aparelhagem poderosa são necessários, mas seria importante organizar uma cooperação entre esses laboratórios, essas equipas, e os originais solitários. No entanto, os alquimistas furtam-se ao convite. A sua lei é o segredo. A sua ambição é a ordem espiritual. “Está fora de dúvida, escreve René Alleau, que as manipulações alquímicas servem de suporte a uma ascese interior”. Se a alquimia contém uma ciência, essa ciência é apenas um meio de atingir a consciência. Importa, portanto, que não saia para o exterior, onde se transformaria num fim.

*

Qual é o material do alquimista? O mesmo do investigador de química mineral de altas temperaturas: fornos, crisóis, balanças, instrumentos de medição, aos quais se vieram juntar os aparelhos modernos acessíveis de controlo das radiações nucleares: contador Geiger, cintilómetro, etc.

Esse material pode parecer irrisório. Um físico ortodoxo não poderia admitir que é possível fabricar um cálculo emitindo neutrões por processos simples e económicos. Se as informações que temos são autênticas, os alquimistas conseguem-no. Na altura em que o electrão era considerado o quarto estado da matéria, inventaram-se dispositivos extremamente onerosos e complicados para produzir correntes electrónicas. Após o que, em 1910, Eister e Gaitel demonstraram que bastava aquecer cal ao rubro no vácuo. Não sabemos tudo a respeito das leis da matéria. Se a alquimia é uma ciência em avanço sobre a nossa, usa processos mais simples do que os nossos.

Conhecemos vários alquimistas em França e dois nos Estados Unidos. Há-os em Inglaterra, na Alemanha e em Itália. E.J. Holmyard diz ter encontrado um em Marrocos. De Praga escreveram-nos três. A imprensa científica soviética, actualmente, parece fazer grande caso da alquimia e realiza investigações históricas.

*

E agora vamos tentar, pela primeira vez, segundo cremos, descrever com precisão o que faz um alquimista no seu laboratório. Não pretendemos revelar a totalidade do método alquímico, mas julgamos ter, a respeito desse método, alguns conhecimentos de certo interesse. Não esquecemos que a última finalidade da alquimia é a transmutação do próprio alquimista, e que as manipulações não passam de um lento caminhar em direcção à “libertação do espírito”. É sobre essas manipulações que tentamos apresentar novos esclarecimentos.

Em primeiro lugar, durante vários anos, o alquimista decifrou velhos textos onde “o leitor se deve embrenhar desprovido do fio de Ariana, mergulhado num labirinto no qual tudo foi preparado consciente e sistematicamente a fim de lançar o profano numa inextricável confusão mental”. Paciência, humildade e fé elevaram-no a um certo nível de compreensão desses textos. Nesse nível vai poder iniciar realmente a experiência alquímica. Vamos descrever essa experiência, mas falta-nos um elemento. Sabemos o que se passa no laboratório do alquimista. Mas ignoramos o que se passa no próprio alquimista, na sua alma. Pode dar-se o caso de que tudo esteja ligado. Pode ser que a energia espiritual represente um papel nas manipulações físicas e químicas da alquimia. Pode ser que uma certa forma de adquirir, concentrar e orientar a energia espiritual seja indispensável ao êxito do “trabalho” alquímico. Não é certo, mas, em questão tão delicada, não podemos deixar de reservar um lugar para a frase de Dante: “Vejo que acreditas nestas coisas porque sou eu a dizer-tas, mas não sabes porquê, de forma que por serem acreditadas nem por isso estão menos escondidas”.

O nosso alquimista começa por misturar muito bem, num almofariz de ágata, três constituintes. O primeiro, numa percentagem de 95%, é um minério: uma pirite arseniosa, por exemplo, um minério de ferro que contém especialmente, como impurezas, arsénico e antimónio. O segundo é um metal: ferro, chumbo, prata ou mercúrio. O terceiro é um ácido de origem orgânica: ácido tartárico ou cítrico. Vai moê-los e triturá-los com as mãos, depois conserva a mistura durante cinco ou seis meses. Em seguida aquece tudo num crisol. Aumenta progressivamente a temperatura e faz com que a operação dure cerca de dez dias. Deverá tomar certas precauções. Há gases tóxicos que se evolam: o vapor de mercúrio e sobretudo o hidrogénio arsenioso, que matou mais de um alquimista, logo no início dos trabalhos.

Finalmente dissolve o conteúdo do crisol com um ácido. Foi procurando um dissolvente que os alquimistas de outrora descobriram o ácido acético o ácido nítrico e o ácido sulfúrico. Essa dissolução deve efectuar-se sob uma luz polarizada: quer uma réstia de luz solar, reflectida num espelho, quer a luz da Lua. Sabe-se hoje que a luz polarizada vibra numa única direcção, ao passo que a luz normal vibra em todas as direcções em redor de um eixo. Em seguida evapora o líquido e recalcina o sólido. Recomeça essa operação milhares de vezes, durante vários anos.

Porquê? Ignoramo-lo. Talvez na expectativa do momento em que as melhores condições estejam reunidas: raios cósmicos, magnetismo terrestre, etc. Talvez a fim de obter uma “fadiga” da matéria em estruturas profundas que nós ainda ignoramos.

O alquimista fala de “paciência sagrada”, de lenta condensação do “espírito universal”. Há certamente qualquer outra coisa atrás desta linguagem pararreligiosa.

Esta forma de operar repetindo indefinidamente a mesma manipulação pode parecer demencial a um químico moderno. Ensinaram-lhe que há um único método experimental válido: o de Claude Bernard. É um método que age por meio de variações concomitantes. Repete-se milhares de vezes a mesma experiência, mas fazendo variar, de cada vez, um dos factores: proporções de um dos constituintes, temperatura, pressão, catalisador, etc. Anotam-se os resultados obtidos e deduzem-se algumas das leis que regem o fenómeno. É um método que deu as suas provas, mas não é o único. O alquimista repete a sua manipulação sem a menor alteração, até que qualquer coisa de extraordinário se produza.

No fundo, acredita numa lei natural bastante comparável ao “princípio de exclusão” formulado pelo físico Pauli, amigo de Jung. Para Pauli, num dado sistema (o átomo e as suas moléculas), não podem existir duas partículas (electrões, protões, mesões) no mesmo estado. Tudo é único na natureza: “a vossa alma não tem outra semelhante…” É por isso que se passa bruscamente, sem intermediário, do hidrogénio ao hélio, do hélio ao lítio e assim indefinidamente, como o indica, para o físico nuclear, a Tabela Periódica dos Elementos. Quando se junta uma partícula a um sistema, essa partícula não pode tomar nenhum dos estados existentes no interior desse sistema. Toma um novo estado e a combinação com as partículas já existentes cria um sistema novo e único.

Para o alquimista, da mesma forma que não existem duas almas semelhantes, dois seres semelhantes, duas plantas semelhantes (Pauli diria: dois electrões semelhantes), não há duas experiências semelhantes. Se se repetir milhares de vezes uma experiência, qualquer coisa de extraordinário acabará por se produzir. Não somos bastante competentes para lhe dar ou não
razão. Contentamo-nos em observar que uma ciência moderna, a ciência dos raios cósmicos, adoptou um método comparável ao do alquimista. Essa ciência estuda os fenómenos causados pelo aparecimento, num aparelho de detecção ou sobre uma chapa, de partículas com energia formidável, vindas de estrelas. Estes fenómenos não podem ser obtidos segundo a nossa vontade. É preciso esperar. Por vezes regista-se um fenómeno extraordinário. Foi assim que no Verão de 1957, no decorrer das
investigações feitas nos Estados Unidos pelo professor Bruno Rossi, uma partícula animada de uma energia formidável, jamais registada até ali, e vinda talvez de outra galáxia sem ser a nossa Via Láctea, impressionou 1500 calculadores ao mesmo tempo num raio de oito quilómetros quadrados, provocando, à sua passagem, um feixe enorme de destroços atómicos. Não é possível imaginar qualquer máquina capaz de produzir tal energia. Nenhum sábio tinha conhecimento de que jamais se tivesse produzido semelhante acontecimento e ignora-se se voltará a repetir-se. É também um acontecimento excepcional, de origem terrestre ou cósmica, e capaz de influenciar o seu crisol, que parece aguardar o nosso alquimista. Talvez ele pudesse abreviar a sua expectativa utilizando processos mais activos do que o fogo, aquecendo por exemplo, o crisol num forno de indução pelo método de levitação, ou ainda juntando isótopos radioactivos à sua mistura. Ele poderia então fazer e refazer a sua manipulação, não várias vezes por semana, mas milhares de vezes por segundo multiplicando desta forma as probabilidades de captar “o acontecimento” necessário ao bom êxito da experiência. Mas o alquimista actual, como o de ontem, trabalha em segredo, pobremente, e considera a expectativa uma virtude.

Prossigamos a nossa descrição: ao fim de vários anos de um trabalho sempre igual, de dia e de noite, o nosso alquimista acaba por deduzir que a primeira fase terminou. Junta então um oxidante à sua mistura: o nitrato de potássio, por exemplo. Há enxofre no crisol, proveniente da pirite, e carvão proveniente do ácido orgânico. Enxofre, carvão e nitrato: foi durante essa manipulação que os antigos alquimistas descobriram a pólvora.

Ele vai recomeçar a dissolver, depois a calcinar, sem descanso, durante meses e anos, na expectativa de um sinal. Sobre a natureza desse sinal, as obras alquímicas diferem, mas é talvez porque há vários fenómenos possíveis. Esse fenómeno produz-se no momento de uma dissolução[1]. Para certos alquimistas, trata-se da formação de cristais em forma de estrelas à superfície do banho. Para outros, uma camada de óxido surge à superfície desse banho, depois abre-se, deixando a descoberto o metal luminoso no qual parecem reflectir-se, em imagem reduzida, ora a Via Láctea, ora as constelações.[2]

Depois de receber este sinal, o alquimista retira a sua mistura do crisol e “deixa-a amadurecer”, ao abrigo do ar e da humidade, até ao primeiro dia da próxima Primavera. Quando retomar as operações, estas visarão aquilo a que se chama, nos velhos textos, “a preparação das trevas”. Recentes investigações sobre a história da química demonstraram que o monge alemão Berthold Le Noir (Berthold Schwarz), a quem vulgarmente se atribui a invenção da pólvora no Ocidente, nunca existiu. É uma figura simbólica desta “preparação das trevas”.

A mistura é colocada num recipiente transparente, em cristal de rocha, fechado de forma especial. Há poucas indicações a respeito dessa fechadura, chamada fechadura de Hermes, ou hermética. Dali em diante o trabalho consiste em aquecer o recipiente doseando, com uma infinita delicadeza, as temperaturas. No recipiente fechado, a mistura contém sempre enxofre, carvão e nitrato. Trata-se de elevar essa mistura a um certo grau de incandescência, evitando no entanto a explosão. São numerosos os casos de alquimistas gravemente queimados ou mortos. As explosões que se produzem são de particular violência e exalam temperaturas para as quais não estávamos logicamente preparados.

O fim em vista é a obtenção, no recipiente, de uma “essência”, de um “fluido”, a que os alquimistas por vezes chamam “a asa de corvo”.

Sejamos mais claros. Esta operação não tem equivalente na física e química modernas. No entanto, não deixa de ter analogias. Quando se dissolve no gás amoníaco líquido um metal como o cobre, obtém-se uma coloração azul-escuro que passa ao negro nas grandes concentrações. Produz-se o mesmo fenómeno se se dissolver no gás amoníaco liquidificado hidrogénio sob pressão ou amidas orgânicas, de forma a obter o composto instável NH4, que tem todas as propriedades de um metal alcalino e que, por esse motivo, foi chamado “amónio”. Há razões para crer que essa coloração azul-negro, que faz pensar na “asa de corvo” do fluido obtido pelos alquimistas, é justamente a cor do gás electrónico. O que é o “gás electrónico”? É para os sábios modernos, o conjunto de electrões livres que constituem um metal e lhe asseguram as propriedades mecânicas, eléctricas e térmicas. Ele corresponde, na terminologia actual, ao que o alquimista chama “a alma” ou ainda “a essência” dos metais. É essa alma ou essa “essência” que se liberta no recipiente hermeticamente fechado e pacientemente aquecido do alquimista.

Ele aquece, deixa arrefecer, aquece de novo, e isto durante meses ou anos, observando através do cristal de rocha a formação daquilo a que também se chama “o ovo alquímico”: a mistura transformada em fluido azul-negro. Abre finalmente o seu recipiente na obscuridade, apenas sob a claridade dessa espécie de líquido fluorescente. Em contacto com o ar, esse líquido fluorescente solidifica-se e separa-se.

Obterá desta forma substâncias completamente novas, desconhecidas na natureza e com todas as propriedades dos elementos químicos puros, quer dizer, inseparáveis pelos processos da química.

Os alquimistas modernos pretendem ter obtido desta forma elementos químicos novos, e isto em quantidades consideráveis. Fulcanelli teria extraído de um quilo de ferro vinte gramas de um corpo completamente novo, cujas propriedades químicas e físicas não correspondem a qualquer elemento químico conhecido. Seria aplicável a mesma operação a todos os elementos, cuja maior parte daria dois elementos novos por cada elemento tratado.

Tal afirmação é de molde a chocar o homem de laboratório. Actualmente, a teoria não permite prever outras separações além das seguintes:

– A molécula de um elemento pode alcançar vários estados: Oto-hidrogénio e para-hidrogénio, por exemplo.

– O núcleo de um elemento pode tomar um certo número de estados isotópicos caracterizados por um número de neutrões diferentes. No lítio 6 o núcleo contém três neutrões e no lítio 7 contém quatro.

Os nossos técnicos, para separar os diversos estados alotrópicos da molécula e os diversos estados isotópicos do núcleo,
exigem para isso um enorme material.

Os processos do alquimista são, em comparação, irrisórios, e ele alcançaria, não uma mudança de estado da matéria, mas a criação de uma matéria nova, ou pelo menos uma decomposição e recomposição diferente da matéria. Todo o nosso conhecimento
do átomo e do núcleo se baseia no modelo “saturniano” de Nagasoka e Rutheford: o núcleo e o seu anel de electrões. Não é impossível que, no futuro, outra teoria nos leve a realizar mudanças de estados e separações de elementos químicos por enquanto inconcebíveis.

Portanto, o nosso alquimista abriu o seu recipiente de cristal de rocha e obteve, por meio do arrefecimento do líquido fluorescente em contacto com o ar, um ou vários elementos novos. Restam as escórias. Essas escórias, vai ele lavá-las durante meses em água tridestilada. Depois manterá essa água ao abrigo da luz e das variações de temperatura.

Essa água teria propriedades químicas e medicinais extraordinárias. É o dissolvente universal e o elixir de longa vida tradicional, o elixir de Fausto[3].

Aqui, a tradição alquímica parece de acordo com a ciência de vanguarda. De facto, para a ciência ultramoderna, a água é uma mistura extremamente complexa e reagente. Os investigadores debruçados sobre a questão dos oligoelementos, especialmente o doutor Jacques Ménétrier, constataram que, praticamente, todos os metais eram solúveis na água em presença de certos catalisadores, como a glucose, e sob determinadas variações de temperatura. Além disso, a água formaria verdadeiros compostos químicos, hidratos, com gases inertes tais como o hélio e o árgon. Se se soubesse qual o constituinte da água responsável pela formação dos hidratos em contacto com um gás inerte, seria possível estimular o poder solvente da água e portanto obter um verdadeiro dissolvente universal. A revista russa Saber e Força, incontestavelmente séria escrevia no seu número 11, de 1957, que talvez um dia se obtivesse esse resultado bombardeando a água com radiações nucleares e que o dissolvente universal dos alquimistas seria uma realidade antes do final do século. E essa revista previa um certo número de aplicações, imaginava a abertura de túneis por meio de um jacto de água activada.

O nosso alquimista, portanto, encontra-se agora de posse de um certo número de corpos simples desconhecidos na natureza e de alguns frascos de uma água alquímica susceptível de lhe prolongar consideravelmente a vida, através do rejuvenescimento
dos tecidos.

Agora vai tentar combinar novamente os elementos simples que obteve. Mistura-os no seu almofariz e derrete-os a baixas temperaturas, na presença de catalisadores a respeito dos quais os textos são muito vagos. Quanto mais se avança no estudo das manipulações alquímicas, mais os textos são difíceis de compreender. Aquele trabalho irá ocupá-lo ainda durante alguns anos.

Afirmam que, desta forma, ele obteria substâncias absolutamente semelhantes aos metais conhecidos, e em especial aos metais bons condutores do calor e da electricidade. Seriam estes o cobre alquímico, a prata alquímica, o ouro alquímico. Os testes clássicos e a espectroscopia não permitiriam verificar a novidade dessas substâncias, e no entanto elas possuiriam propriedades novas, diferentes das dos metais conhecidos, e muito surpreendentes.

Se as informações que temos são exactas, o cobre alquímico, aparentemente semelhante ão cobre conhecido e no entanto muito diferente, teria uma resistência eléctrica infinitamente fraca, comparável à dos supercondutores que o físico obtém nas proximidades do zero absoluto. Este cobre, se pudesse ser utilizado, revolucionaria a electroquímica.

Outras substâncias, resultantes da manipulação alquímica, seriam mais surpreendentes ainda. Uma delas seria solúvel no vidro, a baixa temperatura e antes do momento da fusão deste. Essa substância, ao tocar o vidro ligeiramente amolecido, dispersar-se-ia no interior, dando-lhe um colorido vermelho-rubi, com fluorescência lilás na escuridão. É ao pó obtido pela trituração desse vidro, modificado no almofariz de ágata, que os textos alquímicos chamam o “pó de projecção” ou “pedra filosofal”. “Com isso, escreve Bernard, conde da Marche Trévisane, no seu tratado filosófico, se termina a elaboração dessa Pedra superior a todas as pedras preciosas, a qual é um tesouro infinito à glória de Deus que vive e reina eternamente”.

São conhecidas as maravilhosas lendas ligadas a essa pedra “pó de projecção” que seria susceptível de assegurar transmutações de metais em quantidades consideráveis. Transformaria, inclusivamente, certos metais vis em ouro, prata ou platina, mas tratar-se-ia então de um dos aspectos do seu poder. Seria uma espécie de reservatório de energia nuclear em suspensão, facilmente manejável.

Voltaremos em breve aos problemas que as manipulações do alquimista põem ao homem moderno esclarecido, mas detenhamo-nos exactamente onde se detêm os textos alquímicos. Eis a “grande obra” realizada. Produz-se no próprio alquimista uma transformação que esses textos evocam, mas que nós somos incapazes de descrever por não possuirmos a esse respeito mais do que umas poucas noções analógicas. Essa transformação seria como que a promessa, através de um ser privilegiado, daquilo que espera a humanidade inteira no termo do seu contacto inteligente com a Terra e os seus elementos: a sua fusão em Espírito, a sua concentração num ponto espiritual fixo e a sua união com outros centros de consciência através dos espaços cósmicos. Progressivamente, ou num súbito clarão, o alquimista, segundo a tradição, descobre o significado do seu longo trabalho. Os segredos da energia e da matéria são-lhe desvendados, e ao mesmo tempo tornam-se-lhe visíveis as infinitas perspectivas da vida. Ele possui a chave da mecânica do Universo. Ele próprio estabelece novas relações entre o seu espírito, dali em diante animado, e o espírito universal em eterno progresso de concentração. Serão certas radiações do pó de projecção responsáveis de uma transmutação do ser físico?

A manipulação do fogo e de certas substâncias permite, portanto, não só transmutar os elementos, como ainda transformar o próprio investigador. Este, sob a influência das forças emitidas pelo crisol (quer dizer, das radiações emitidas por núcleos a sofrerem modificações de estrutura), entra noutro estado. Nele se operam mutações. A sua vida prolonga-se, a sua inteligência e as suas percepções atingem um nível superior. A existência de tais seres, biológica e psiquicamente novos, é um dos alicerces da tradição Rosa-Cruz. O alquimista passa a outro estado do ser. É elevado a outro grau da consciência. Tem a sensação de que só ele se encontra desperto e que todos os outros homens ainda dormem. Escapa ao vulgar humano e desaparece, como Mallory sobre o Everest, depois de ter tido o seu minuto de verdade.

“A Pedra filosofal representa desta forma o primeiro degrau susceptível de auxiliar o homem a elevar-se em direcção ao Absoluto. Para além começa o mistério. Aquém não há mistério, nem esoterismo, nem outras sombras excepto as que projectam os nossos desejos e sobretudo o nosso orgulho. Mas, como é mais fácil satisfazermo-nos de ideias e de palavras do que fazer qualquer coisa com as próprias mãos, com a nossa dor e a nossa fadiga, no silêncio e na solidão, é mais cómodo procurar um refúgio no pensamento chamado “puro”, do que batermo-nos corpo a corpo contra o peso e as trevas da matéria. A alquimia proíbe qualquer evasão deste género aos seus discípulos. Deixa-os frente a frente com o grande enigma. . . Apenas nos assegura que se lutarmos até ao fim para nos libertarmos da ignorância, a própria verdade lutará por nós e vencerá finalmente todas as coisas. Talvez comece então a VERDADEIRA metafísica.”

1 Este método consiste em suspender a mistura a derreter no vácuo, fora todo o contacto com uma superfície material, por meio de um campo magnético.

2 Funde-se então por meio de uma corrente de alta frequência. O semanário americano Life, em Janeiro de 1958, publicou lindíssimas fotografias de um forno deste género em acção. Jacques Bergier declara ter assistido a esse fenómeno.

3 O professor Ralph Milne Farley, senador dos Estados Unidos e professor de física moderna na Escola Militar de West Point, chamou a atenção para o facto de certos biologistas pensarem que o envelhecimento é devido à acumulação de água pesada no organismo. O elixir de longa vida dos alquimistas seria uma substância eliminando selectivamente a água pesada. Tais substâncias existem no vapor de água. Porque não existirão na água líquida tratada de certa maneira? Mas poderia uma descoberta desta natureza ser divulgada sem perigo? O professor Farley imagina uma sociedade secreta de imortais, ou quase-imortais, existindo desde há séculos e reproduzindo-se por cooptação. Uma sociedade destas, que não se meteria em política e não se imiscuiria de forma alguma nas questões dos homens, teria todas as probabilidades de passar despercebida. . .


Quer aprender alquimia do zero? Conheça o Principia Alchimica: o manual prático da alquimia.


 

[…] Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/ […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/alquimia/a-alquimia-como-exemplo/

‘Hiper-Sigilos

Tamosauskas

Qualquer magista maltrapilho sabe o que é um sigilo. Explorando este conceito em seu grimório Pop Magic! de 2003, Grant Morrison desenvolve essa idéia e trabalha com o conceito de Hiper-Sigilos. Segundo sua definição “o Hiper Sigilo leva o sigilo além do conceito da imagem estática e incorpora elementos como caracterização, drama e roteiro próprio. O Hiper-Sigilo é um sigilo extendido para a quarta dimensão”.  Um Hiper Sigilo, como o próprio nome indica, é portanto, um sigilo elevado a sua enésima potencialidade.

Um Hiper-Sigilo é algo tão grande e poderoso que não pode ser criado por uma única pessoa. É necessário uma instituição poderosa como uma corporação ou um governo para concebê-lo e algumas décadas ou mesmo séculos de gestação para que se forme. Hiper Sigilos dependem ainda de uma organização em escala mundial e de meios de comunicação em massa que só foram alcançados a partir do século XX.

Nos séculos anteriores Hiper Sigilos não se formavam pois tinham um alcance limitado, mas com o início da globalização, eles explodiram como uma super nova e se tornaram um advento cujo poder e alcance ainda não podem ser avaliados. Sua origem é um fato tão poderoso na história da magia que pode ser comparado ao surgimento da astrologia.

Índice:

A Dinâmica dos Hiper-Sigilos

Hiper-Sigilos e as Oito Cores da Magia

Conclusão

[…] E embora seja verdade que nenhum rabisco gozado que fizermos possa concorrer com a força de um Hiper-Sigilo, alimentado por milhões de dólares, uma infraestrutura multinacional e uma infinidade de clientes […]

Postagem original feita no https://mortesubita.net/magia-do-caos/hiper-sigilos/

Método Científico, Idealismo e Materialismo

Vivemos numa época em que vigora o paradigma materialista. Atualmente a ciência possui status e credibilidade semelhante ao que possuía a Igreja na Idade Média. A visão materialista em si não é incorreta ou negativa. É apenas mais um modelo dentre tantos outros, que não possui nada de especial, fora o fato de estar em voga nos dias de hoje. Nós somos um produto do tempo em que vivemos. O fato de grande parte das pessoas da atualidade acreditarem que a matéria é tudo que existe, ou que todos os fenômenos, incluindo os mentais, podem ser explicados em termos fisiológicos (a mente como subproduto do cérebro) não é acidental.

Enxergar o mundo a partir de uma perspectiva materialista é uma prática antiga, observada em diferentes sociedades. Na Índia, essa escola de pensamento se chamava Charvaka e coexistiu com o bramanismo e o budismo. Não foi tão popular por lá. Na Grécia Antiga, pensadores como Leucipo e Demócrito defendiam ideias materialistas, como a teoria atômica. Claramente, o idealismo de Platão e o neoplatonismo de Aristóteles (como estudante da Academia Platônica, alguns estudiosos já veem traços de neoplatonismo no Estagirita) fizeram muito mais sucesso.

Pode-se dizer que o idealismo foi a doutrina mais aceita no mundo ocidental ao longo da Idade Média, propagada pela Igreja Católica (evidentemente, os católicos não chamam a si mesmos de “idealistas”), se considerarmos que o Mundo das Ideias de Platão foi uma forma de idealismo. Ironicamente, as ideias de Descartes deram brecha tanto para que o idealismo florescesse em novas formas, cores e sabores quanto para que o materialismo renascesse das cinzas com força total, para exaltar a noção de progresso do Iluminismo. O dualismo cartesiano separou mente e matéria. O ato de pensar passou a ser condição de existência (racionalismo) e o corpo passou a ser visto como uma máquina.

Tanto o materialismo quanto o idealismo são formas de monismo: ou seja, a ideia de que todas as coisas derivam de uma única substância. No materialismo, a mente é tida como derivada do corpo físico, enquanto no idealismo é o oposto: o psicológico é o fator primordial (ou a razão, mais especificamente) e dele deriva a nossa realidade. Há também o monismo neutro, que não dividiria o ser em corpo e mente, mas em elementos neutros que não se encaixariam em nenhuma das duas categorias, posição defendida por Hume e Spinoza.

No momento em que é estabelecido um dualismo, é natural do ser humano desejar criar uma hierarquia entre seus elementos, estabelecendo um reino monista que reinaria soberano: a mente é superior ao corpo (idealismo)? Ou o corpo é superior à mente (materialismo)? No período em que vivemos quem está vencendo essa guerra ideológica é o materialismo. Por isso, é natural que os defensores de ideias idealistas se manifestem para mostrar um novo modo de encarar a realidade, que no fundo seria o resgate de ideias que já estiveram em voga no passado.

É normal que os ocultistas contemporâneos se deparem com esse dilema: eles foram educados numa época que defende que o materialismo é a verdade: ou seja, que só existe matéria, não existem coisas como espírito, alma, Deus ou vida após a morte. Ao estudarem grimórios antigos, eles se deparam com conceitos que foram formulados dentro do paradigma no qual viviam seus autores, como é o caso do modelo idealista.

O resultado é que o magista iniciante pode ficar confuso e não saber como trabalhar com aquele sistema de magia. No pior dos casos, o magista pode considerar o grimório como apenas uma superstição boba e julgar seu autor como um charlatão por enganar as pessoas com esse tipo de “bobagem” ou simplesmente considerá-lo pouco instruído por acreditar “nessas coisas”.

Porém, em geral quem se interessa por ocultismo vai pelo menos experimentar um feitiço ou ritual “para ver se dá certo mesmo” antes de concluir que “realmente, era tudo uma grande invencionice, pois magia não existe”. O problema é que o magista contemporâneo, que se encontra no paradigma materialista, irá testar uma magia de um grimório medieval, que foi escrito no paradigma idealista. Resultado? Ele vai duvidar. Vai pensar coisas como: “É claro que não vai aparecer um demônio aqui, pois seres espirituais não existem, só a matéria é real. Acho que Descartes estava drogado quando falou sobre os gênios malignos. É claro que tudo isso é só uma metáfora. Ou é tudo psicológico! Já chega, vou largar essa espada e ir jogar videogame, pois os demônios do meu jogo são mais reais do que esses demônios imaginários… será que existem diferentes níveis de realidade? Deixa pra lá”.

E já que mencionamos Descartes, podemos também observar que além de toda a respeitável bagunça epistemológica que ele gerou, ainda sobrou um tempo para que ele fosse um dos fundadores do método científico. Já podemos até imaginar que tipo de metodologia foi criada em meio a todos esses dualismos, gênios malignos e especialmente da visão do corpo como mera máquina orgânica. Felizmente, Francis Bacon socorreu o bom Descartes dando uns toques de empirismo ao seu racionalismo.

O embate de racionalismo versus empirismo é antigo; é fundamentalmente o mesmo que se encontra no idealismo versus materialismo; Platão versus Aristóteles; Descartes versus Bacon. E por aí vai. Em suma, podemos explicar isso parcialmente pelo fato de Platão ter se baseado na geometria e Aristóteles na biologia, de modo que um se fundamentou mais na razão e outro mais na experiência como critério de verificação da verdade.

Bacon chama de “ídolos” os erros que se pode cometer ao longo do processo de pesquisa científica. Os ídolos da tribo são as limitações dos sentidos físicos e do intelecto. Os ídolos da caverna envolvem o aspecto subjetivo da pesquisa, em função de características individuais do estudioso. Os ídolos do foro seriam as falhas proveniente do uso da linguagem e comunicação. Os ídolos do teatro seriam teorias fruto de mera especulação, que não buscam um resultado experimental para se apoiar. Interessante que esse quarto ídolo se fundamenta no primeiro: a limitação da razão humana para bolar teorias que correspondam à verdade. No entanto, já que nossos sentidos físicos também são ídolos da tribo, por que colocar mais peso no empirismo do que no racionalismo?

Nesse ponto surge a questão do realismo científico versus experimentalismo. Enquanto o primeiro defende que a ciência descreve a realidade tal como ela é, no experimentalismo é dito que a ciência apresenta apenas modelos e não a realidade em si. Afinal, como diria Kant, a coisa em si seria incognoscível.

E já que falamos de Kant, iremos usar o exemplo de seu sistema epistemológico para demonstrar no que consistiria de fato o idealismo. Existem diferentes tipos de idealismo e Kant inaugurou um bem divertido chamado “idealismo transcendental”. Transcendente é o “sublime”; seria aquilo que é domínio da razão, conhecimentos a priori (que vem antes da experiência), para se opor a imanente, que é aquilo que é inerente ao sujeito, do domínio material ou da experiência.

Para Kant, existiam dois mundos (mais dualismo, hã?): o mundo numênico, que é o mundo real das “coisas em si” (basicamente o Mundo das Ideias de Platão) e o mundo fenomênico, que seria a realidade tal qual ela nos aparece (o mundo das cavernas de Platão). Os sentidos físicos não seriam capazes de captar o mundo real. O mais próximo que se poderia chegar disso seria através dos conhecimentos a priori: a razão pura. O racionalismo!

Interpretemos da seguinte forma: a “coisa em si” (a verdade por trás das aparências) de um indivíduo seria sua alma. E será que Deus seria a Grande Coisa Em Si? Bem, para entender o Deus kantiano devemos espiar o sistema ético que ele apoiou sobre sua metafísica.

Digamos que o materialismo encontra um pouco de base na doutrina ética utilitarista de John Stuart Mill: a ação deve conduzir ao máximo bem-estar para o número máximo de pessoas. Ou seja, o foco do materialismo é a felicidade e o bem-estar do indivíduo (e da sociedade); o conforto da mente e do corpo. É nesse paradigma ético que vivemos, que também se fundamentou em parte no materialismo histórico de Marx e Engels, para contrapor o idealismo absoluto de Hegel.

Contudo, o paradigma da felicidade como busca máxima não é o único que existe. A ontologia idealista de Kant aponta uma direção diferente. Para ele, a busca máxima é o cumprimento do dever e isso estaria acima da felicidade. E para explicar isso ele formulou o imperativo categórico: “age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através de tua vontade, uma lei universal”. Ou seja, para saber se uma ação é boa ou ruim, deve-se aplicar ao universal: se todos mentissem, seria bom ou ruim para a sociedade? Ruim, então mentir não é ético e não devemos mentir em nenhuma circunstância. Esse é o raciocínio.

Caso uma pessoa mentisse em dada ocasião tendo em vista uma felicidade temporária para si ou para outra pessoa, estaria colocando a felicidade acima do dever e isso vai contra a ética kantiana. Isso significa que para o idealismo transcendental importa mais a razão pura por trás do processo do que a razão prática que a ação irá gerar. A filosofia de Kant pode ser resumida numa frase de um imperador romano citada por ele em seu livro: “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”:

“Que a justiça seja feita, ainda que o mundo pereça”

Em muitas religiões existe diferença entre “ajudar o próximo” e “louvar a Deus”, sendo que em muitas delas a fé em Deus seria superior a ajudar diretamente uma pessoa. Como se traduz isso em termos kantianos? Servir a Deus seria o cumprimento do dever, do imperativo categórico, dos mandamentos.

No livro “Crítica da Razão Pura” Kant diz:

“Por mais longe que a razão prática tenha o direito de nos conduzir, não consideraremos nossas ações obrigatórias por serem mandamentos de Deus, mas as consideraremos mandamentos de Deus porque temos para com elas uma obrigação interna”

Isso tornaria a existência de Deus necessária ao sistema moral e não somente contingente (acidental). Na obra “Crítica da Razão Prática” temos esse outro trecho interessante:

“Se indagarmos pelo fim último de Deus na criação do mundo, não se deve responder que seja esse fim a felicidade dos seres racionais neste mundo, mas o sumo bem que acrescenta àquele desejo dos seres racionais ainda uma condição, a saber, a de ser digno da felicidade, isto é, a moralidade de todos esses seres racionais, que contém a única medida segundo a qual eles podem aspirar à participação da felicidade por mão de um sábio autor do mundo.”

Pode-se dizer que através dessa explicação Kant daria uma resposta à velha pergunta: “Se Deus tudo sabe, tem todo o poder e é completamente bom, por que existe mal no mundo e por que ele permite esse mal?” A resposta kantiana seria porque como Deus tudo sabe a respeito do que seja o melhor, ele coloca o imperativo categórico (cumprimento do dever moral universal) acima da felicidade humana, que seria apenas uma felicidade relativa, enquanto o agir em conformidade com a razão pura prática e moral seria o fim último da existência.

Outro tipo de idealismo curioso (o meu favorito) é o idealismo imaterialista, de Berkeley, que defende que os seres e as coisas só existem quando são percebidas (ser é ser percebido). Isso significa que não há essência nas coisas ou “coisa em si”. As coisas só não desapareceriam instantaneamente quando não as olhamos porque Deus estaria sempre observando tudo.

Evidentemente, o método científico que usamos hoje (que consiste em modificações de pensadores posteriores nas ideias de Descartes e Bacon) é baseado no materialismo. Isso não significa que ele está errado; e nem que está certo. Um método não pode ser construído fora de um paradigma e, uma vez no interior de um, ele terá que lidar com as limitações inerentes de tal paradigma.

Aqui vão algumas citações sobre ciência, extraídas do livro “Filosofia da Ciência” de Rubem Alves (curioso que o autor foi um dos fundadores da Teologia da Libertação, que seria uma interpretação do cristianismo sob uma perspectiva mais utilitarista e materialista, por assim dizer):

“O místico crê num Deus desconhecido. O pensador e o cientista creem numa ordem desconhecida. É difícil dizer qual deles sobrepuja o outro em sua devoção não racional”

L.L. Whyte

“Não será verdade que cada ciência, no fim, se reduz a um tipo de mitologia?”

De uma carta de Freud a Einstein, 1932

“Contra o positivismo, que para perante os fenômenos e diz: ‘Há apenas fatos’, eu digo: ‘Ao contrário, fatos é o que não há; há apenas interpretações”

Nietzsche

“Não existe coisa alguma mais danosa ao avanço da ciência que a ilusão de que ela marcha para frente pelo acréscimo de fatos novos”

Rubem Alves

Sobre essa última colocação, poderíamos até dizer: não é verdade que os planetas giram em torno do Sol. O sistema heliocêntrico não está “mais correto” do que o geocêntrico, como se a ciência progredisse cada vez mais derrubando as ideias anteriores. São somente dois paradigmas diferentes que têm objetivos práticos. No futuro, se for criado um novo modelo que tenha resultados práticos melhores, o sistema heliocêntrico poderia vir a ser eliminado, hipoteticamente falando. Isso não significa que se descobriu alguma verdade nova, mas que a teoria simplesmente adequou-se para se encaixar a determinado pragmatismo.

E agora fiquemos com alguns trechos inspiradores do livro “A Lógica da Pesquisa Científica” de Karl Popper:

“Teorias são redes para capturar aquilo que chamamos de mundo”

“Instrumentalismo, que foi representado em Viena por Mach, Wittgenstein e Schlick é a visão de que uma teoria não é nada mais que uma ferramenta ou um instrumento para predição”

Na Magia do Caos se costuma dizer: “A crença é uma ferramenta”. Afinal, a metodologia do caoísmo tem inspiração no método científico.

Vamos a mais trechos da mesma obra:

“A ciência não é um sistema de certezas, ou afirmações bem estabelecidas; nem é um sistema que constantemente avança para um estado de finalidade. Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela nunca pode clamar ter atingido a verdade, e nem mesmo um substituto para isso, como probabilidade”.

“Como e por que nós aceitamos uma teoria em detrimento de outras? A preferência certamente não é devido a uma justificação experimental das afirmações que compõem a teoria; não é devido a uma redução lógica da teoria à experiência. Nós escolhemos a teoria que melhor se mantenha em competição com outras teorias; aquela que, por seleção natural, se mostra a mais adaptada a sobreviver. […] De um ponto de vista lógico, testar uma teoria depende de afirmações básicas cuja aceitação ou rejeição, por sua vez, depende das nossas decisões. Então são decisões que definem o destino de teorias. […] A escolha [de uma teoria] é em parte determinada por considerações de utilidade”.

O método científico é uma poderosa ferramenta; uma ferramenta viva, em constante transformação. Não estou dizendo todas essas coisas para que não se acredite nele e sim para que tenhamos consciência de suas limitações e tomemos o devido cuidado para não confundir um modelo com a verdade.

Sobre idealismo, materialismo, dualismo, monismo, etc, nenhum é melhor que outro, por natureza. Novamente, são apenas modelos. Um pode ser mais útil que outro para objetivos diferentes. É importante que todos eles coexistam e sejam debatidos, pois muitas vezes quando cristalizamos um pensamento por muito tempo (ou seja, trabalhamos dentro de somente um modelo) corremos o risco de considerá-lo a verdade e passar a julgar como errado o paradigma do outro.

Alguns defendem que para definir se uma posição é certa ou errada devemos baseá-la na ética. Contudo, devemos lembrar que até a construção do que seja ética e moral muda de tempos em tempos e a definição de moralidade é estabelecida no interior de um modelo ontológico, como foi demonstrado no caso da ética kantiana.

Uma das maiores vantagens da Magia do Caos é ter a mobilidade de poder trabalhar sob diferentes paradigmas e adquirir a habilidade de saltar de um para outro. Mais do que uma brincadeira, isso abre a mente. Você tem toda a liberdade de trabalhar usando somente um modelo e poderá ter muito sucesso seguindo esse método.

Contudo, os caoístas apreciam novas experiências e emoções em lugares inusitados de todos os mundos possíveis. E o mais divertido de tudo: após estudar e experimentar diferentes modelos, você poderá criar os seus, seja usando um caminho epistemológico semelhante ao método científico, seja baseado no idealismo, no materialismo ou em qualquer outra coisa que você optar por criar.

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/m%C3%A9todo-cient%C3%ADfico-idealismo-e-materialismo

A Busca do “Eu”, por Alan Moore

Texto poderoso do Alan Moore, traduzido pelo Acid.

“Quando cumprimos a vontade de nosso verdadeiro Eu, nós estamos inevitavelmente cumprindo com a vontade do universo. Na magia ambas as coisas são indistinguíveis. Cada alma humana não é, de fato, UMA alma humana: é a alma do universo inteiro. E, enquanto você cumprir a vontade do universo, é impossível fazer qualquer coisa errada.

Muitos dos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com “E” maiúsculo. Esse conhecimento vem da Grande Obra, do ouro que os alquimistas buscavam, a busca da Vontade, da Alma, a coisa que temos dentro que está por trás do intelecto, do corpo e dos sonhos. Nosso dínamo interior, se preferir assim. Agora, esta é particularmente a coisa mais importante que podemos obter: o conhecimento do verdadeiro Eu.

Assim, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm urgência por ignorar seu Eu, mas que também parecem ter a urgência por obliterarem-se a si próprias. Isto é horrível, mas ao menos vocês podem entender o desejo de simplesmente desaparecer, com essa consciência, porque é muita responsabilidade realmente possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. O que acontece se a quebra? O que acontece se a perde? Não seria melhor anestesiá-la, acalmá-la, destruí-la, para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura. Creio que é por isso que as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer dos vícios que a cultura nos faz engolir, e pode ser vista como uma tentativa deliberada de destruir qualquer conexão entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir um Eu superior, e então ter que mantê-lo.

Tenho estudado a escola da história do pensamento mágico e o ponto em que começou a dar errado. No meu entender, o ponto em que começa a dar errado é com o monoteísmo. Quero dizer, se olhar a história da magia, verá suas origens nas cavernas, verá suas origens no xamanismo, no animismo, na crença de que tudo o que te rodeia, cada árvore, cada rocha, cada animal foi habitado por algum tipo de essência, um tipo de espírito com o qual talvez possamos nos comunicar. E ao centro você tinha um xamã, um visionário, que seria o responsável por canalizar as idéias úteis para a sobrevivência. No momento em que você chega às civilizações clássicas, verá que tudo isto foi formalizado até certo grau. O xamã atuava puramente como um intermediário entre os espíritos e as pessoas. Sua posição na aldeia ou comunidade, imagino, era a de um “encanador espiritual”. Cada pessoa no grupo devia ter seu papel: A melhor pessoa durante uma caçada tornava-se o caçador, a pessoa que era melhor pra falar com os espíritos, talvez porque ele ou ela estivesse um pouco louco, um pouco separado do nosso mundo material normal, eles tornavam-se os xamãs. Eles não seriam mestres de uma arte secreta, mas sim os que simplesmente espalhariam sua informação pela comunidade, porque se acreditava que isto era últil para todo o grupo. Quando vemos o surgimento das culturas clássicas, tudo isso se formalizou para que houvesse panteões de deuses, e cada um destes deuses tinha uma casta de sacerdotes, que até certo ponto atuariam como intermediários, que te instruiriam na adoração a estes deuses. Então, a relação entre os homens e seus deuses, que pode ser vista como a relação entre os humanos e seus “Eus” superiores, não era todavia de um modo direto.

Quando chega o cristianismo, quando chega o monoteísmo, de repente tem uma casta sacerdotal movendo-se entre o adorador e o objeto de adoração. Tem uma casta sacerdotal convertendo-se em uma espécie de gerência intermediária entre a humanidade e a divindade que está se buscando. Já não se tem mais uma relação direta com os deuses. Os sacerdotes não têm necessariamente uma relação com Deus. Eles só têm um livro que fala sobre gente que viveu há muito tempo atrás que teve relação direta com a divindade. E assim está bom: Não é preciso ter visões milagrosas, não é preciso ter deuses falando contigo. Na verdade, se você tem algo disto, provavelmente está louco. No mundo moderno, essas coisas não acontecem; as únicas pessoas as quais se permite falar com os deuses, e de um modo unilateral, são os sacerdotes. E o monoteísmo é, pra mim, uma grande simplificação. Eu quero dizer, a Cabala tem uma grande variedade de deuses, mas acima da escala, da Árvore da Vida, há uma esfera que é o Deus Absoluto, a Mônada. Algo que é indivisível, você sabe. E todos os outros deuses, e, de fato, tudo mais no universo é um tipo de emanação daquele Deus. E isto está bem. Mas, quando você sugere que lá está somente esse único Deus, a uma altura inalcançável acima da humanidade, e que não há nada no meio, você está limitando e simplificando o assunto.

Eu tendo a pensar o paganismo como um tipo de alfabeto, de linguagem. É como se todos os deuses fossem letras dessa linguagem. Elas expressam nuances, sombras de uma espécie de significado ou certa sutileza de idéias, enquanto o monoteísmo é só uma vogal, onde tudo está reduzido a uma simples nota, que quem a emite nem sequer a entende”.

#AlanMoore

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/a-busca-do-eu-por-alan-moore

Como assim, Zeus nunca traiu Hera?

Zeus: o homem; a lenda. O Deus mais poderoso de todos os deuses, senhor do Olimpo e chefe do Panteão grego, capaz de fulminar qualquer mortal que desejasse com um raio. Filho do Titã Crono e da deusa Réia, Irmão de Poseidon, Rei dos Mares e de Hades, Rei do Subterrâneo. Assim como Cronos era o deus mais novo dos Titãs, assim Zeus também era o mais novo de todos os deuses olímpicos.
Hoje veremos porque, apesar de inúmeras alegações de adultério, o Zeus original nunca traiu Hera e, mais importante… Como isso explica muita coisa a respeito da história de Jesus Cristo.

Esta semana eu deveria continuar a história que comecei AQUI e AQUI sobre o Yeshua ben Yossef, mas achei melhor deixar algumas coisas melhor explicadas antes de prosseguir, pois vi que muita gente estava com dificuldades em entender as razões pelas quais a bíblia é tão confusa em alguns pontos. Semana que vem continuamos…

Zeus

Como todos vocês sabem (ou deveriam saber), Zeus foi o filho mais novo de Saturno (também chamado Cronos, filho de Urano e Gaia). Quando destronou seu pai e chegou ao poder, um oráculo o havia instruído que, assim como ele havia destronado seu pai, seu filho o destronaria também. Para impedir que isto acontecesse, ele decidiu devorar todos os seus filhos. Assim, conforme eles iam nascendo, ele ia devorando-os: Hestia, Demeter, Hera, Hades, Poseidon e Zeus. Mas quando chegou a vez de Zeus, Réia entregou a Cronos uma pedra embrulhada em trapos, que ele engoliu.
Enquanto isso, Zeus estava a salvo, sendo cuidado pelos dáctilos e alimentando-se do leite da cabra Amaltéia e de mel de abelhas até atingir a idade adulta.
Antes de enfrentar seu pai, Zeus pediu a Metis (a prudência) que lhe desenvolvesse um remédio que passaram secretamente para Cronos, fazendo com que ele vomitasse os outros 5 irmãos de Zeus. Com o auxílio de seus irmãos, Zeus ataca Cronos e os titãs em uma luta que demora dez anos. Ao final da batalha, vencedor, Zeus divide com seus irmãos o Reino das Águas, dos Céus e do Subterrâneo, tornando-se assim o Senhor do Olimpo.
Zeus casou-se sete vezes: A primeira com a Oceanida Metis, que ele acabou engolindo para evitar ter um filho com ela (pelo mesmo motivo que não queria ser destronado por um filho homem, como foram seus pai e avô). Mas ele ficou com uma tremenda dor de cabeça quando fez isso e teve de pedir a Prometeus que abrisse um talho em sua cabeça para que a dor passasse. Quando ele fez isso, Atenas nasceu do rasgo que foi feito (em versões posteriores, Hefesto é quem abre um talho em sua cabeça).
A segunda esposa foi Themis, com a qual teve as três Horas (Eunomia, Dike e Eirene) e as três Moiras (Kloto, Lachesis e Atropos).
A terceira esposa foi Eurynome, com a qual teve as três graças,
A quarta esposa foi Demeter, com a qual teve Perséfone,
A quinta esposa foi Mnemosine, com a qual teve as nove Musas (Kleio, Euterpe, Thaleia, Melpomene, Terpsikhore, Erato, Polymnia, Urânia e Calíope).
Sua sexta esposa foi Leto, com a qual teve Apolo e Ártemis,
E finalmente, sua sétima e última esposa foi Hera, com a qual teve Hebe, Ares, Enyo, Hephastios (Hefesto) e Eileithya.

E a história termina aqui. Sem amantes. Como vocês já devem ter percebido, este é um texto iniciático. Os deuses remetem aos planetas (que remetem às virtudes da Alquimia), as sucessões remetem às Eras da humanidade e os casamentos de Zeus são um texto preparatório para o Hieros Gamos. Cada uma de suas esposas remete a um dos sete Chakras que devem ser abertos, bem como cada uma das histórias de suas filhas reflete uma das características que ocorrem com o aflorar destas energias. Por isso são apenas e tão somente SETE esposas e por isso que até a sexta esposa Zeus não possui nenhum filho homem. Apenas Apolo (o Deus-Sol) é o filho que vai destrona-lo (que representa a dualidade atingida pela abertura do sexto chakra na magia sexual).
Com Hera estão abertos todos os sete chakras e montados os seis casais olimpianos do culto Dionísico, para a celebração do Hieros Gamos. Com os outros seis deuses que vão sendo introduzidos ao longo da narrativa, formam-se os 6 casais necessários para a cerimônia.
Independente de se “acreditar” ou não em chakras e Hieros Gamos, creio que todos concordam que estamos falando de uma religião e, portanto, de algo que possui uma liturgia e ritualística própria e, como tais, precisam ser ensinadas para os próximos iniciados.

Mas tio Marcelo, e o Hércules? E as amantes?
Devagar, crianças…
Para entender como tudo isso aconteceu, é muito importante levarmos em conta o TEMPO e o LOCAL em que as coisas acontecem.

As lendas de Hércules não começam com ele se chamando Hércules. Em sua origem, elas narram as histórias de Alcides (sim… não riam… o nome verdadeiro do Hércules é Alcides!) e um ciclo de histórias narrando a passagem do sol através dos doze signos (calma de novo… esses textos NÂO se chamavam “os doze trabalhos de Hércules” ainda!).
Com o tempo, Alcides (cujo nome significa “aquele que possui grande força”) tornou-se tão popular que alguns escritores (profanos) decidiram que um herói deste calibre não poderia ser filho de um mortal, e compilaram estas aventuras colocando que Alcides deveria ser filho de Zeus. Alcides era filho originalmente de Anfitrião e Alcmena. Para burlar a história original, fizeram com que Zeus se disfarçasse de Anfitrião enquanto seu marido estava fora em uma guerra. Deste modo, não iriam irritar os fãs de Alcides maculando sua pobre mãezinha. Note que estas histórias foram escritas cerca de DUZENTOS anos depois do texto sobre o casamento de Zeus e Hera ter sido escrito. Para justificar o novo nome e a nova ascendência divina, Eurípides escreveu “Herakles Furioso” em 460 AC (ou seja, DUZENTOS E QUARENTA anos depois do texto original) onde Alcides se casava com Megara, filha da rainha de Tebas, e tinham filhos, mas que quando Hera descobria da “infidelidade” de Zeus, lançava uma maldição sobre Alcides e fazia com que ele enlouquecesse e matasse sua esposa e filhos. O oráculo de Pítia diz a Alcides que a única maneira de voltar à sanidade seria pedir desculpas a Hera e dedicar-se a ela como servo. Daí o nome: HERA-KLES (ou “Glória de Hera”) e somente então ele realizava os doze trabalhos (astrológicos), conforme conhecemos hoje.
Aescius escreveu “Prometeus” no qual Herakles liberta Prometeus de suas correntes, entre outras aventuras, em cerca de 450 AC (dez anos depois) e vários e vários e vários escritores começaram a contar aventuras de Herakles. Ele se tornou mais famoso que os Beatles e todas as Cidades Estados inventavam histórias sobre ele. Herakles esteve por todas as cidades, derrotou todos os monstros, caçou todos os javalis, participou de todas as batalhas no lado vencedor, comeu todas as menininhas e foi pai de todos os Imperadores e Príncipes. Até duas histórias onde ele tem colegas gays existem… A morte de Herakles é contada por Ovídio em “Metamorfoses”, em 30 AC, ou seja, SEISCENTOS anos depois do texto original sobre o casamento de Zeus e Hera e QUATROCENTOS anos depois da própria história do Alcides!.

MAS… lembremos que estamos na Grécia Antiga… não existe internet, jornais ou televisão. O que REALMENTE acontecia era que cada escritor ou filósofo de cada vilazinha onde Judas perdeu as botas (ops, Judas não tinha nascido ainda… sorry) achava a história do Herakles o máximo e decidia inventar uma lenda local que envolvesse o herói. O ponto é que para todos os efeitos, para aquela Cidade, existia UMA aventura do Herakles, talvez uma segunda aventura narrada por algum comerciante vindo de outro local. Para se ter uma idéia, até em Barcelona existem narrativas de aventuras do herói. Mas estas narrativas NÃO circulavam…
Quando os historiadores europeus passaram a estudar a literatura grega, no século XVIII, eles fizeram o que chamamos de “Empilhamento”, que foi compactar todas as histórias de diferentes tempos e locais como se fossem uma coisa só, procurando uma cronologia coerente… MAS NÃO ERA PARA SER COERENTE !!! NUNCA FOI !!! Por isso este bando de amantes e filhos e aventuras ao redor do mundo.

O mesmo aconteceu com Zeus. Herakles se tornou famoso e, a partir dele, todo mundo queria que o seu herói da sua cidade também fosse “filho de Zeus”. Todo rei queria dizer que sua dinastia era descendente de Zeus… Até o Leônidas dos 300 de Esparta dizia que era da linhagem de Zeus, oras bolas! E ai temos a galeria de amantes: Antiope, Calisto, Danae, Egina, Electra, Europa, Io, Laodamia, Leda (cuja filha com ela foi Helena de Esparta, mais conhecida como Helena de Tróia), Maia, Niobe, Pluto, Semele e outras. Juntando tudo, Zeus deve ter tido uns 50 a 60 filhos).
Mas, assim como Herakles, na cabeça de cada escritor em cada Cidade Estado, suas histórias eram a “única” escapada de Zeus. E os estudiosos empilharam as histórias, tentando juntar algum sentido ou cronologia onde não deveria existir nenhuma.

(estão começando a entender onde eu quero chegar em relação à Bíblia?)

O que chamamos de “Bíblia” é, na verdade, uma coleção de inúmeros textos iniciáticos, históricos, narrativos e astrológicos reunidos pelo critério chamado “Interesses da Igreja Católica”. Ela inclui o Tanak judaico, que por sua vez consiste de três partes: os Ensinamentos (compostos do Pentateuco ou Torah que, como já falamos, trata-se de textos iniciáticos relacionados com a Kabbalah – Gênesis, Exodus, Leviticus, Numerus e Deuteronômio), as Profecias (que vai da chegada dos judeus à Terra Prometida até os Profetas – de Joshua até os 12 profetas) e as Escrituras (Salmos, provérbios, o livro de Jó até Crônicas). O Livro dos Salmos é praticamente um Livro de Magias… cada Salmo é parte de um ritual diferente de Magia Teúrgica, com um poder mântrico ENORME, além de invocações de anjos, proteções, ataques e defesas astrais e afins. Por isso, antes de se achar o revoltadinho e xingar a bíblia, pense duas vezes… TODO ocultista sério que se preze precisa obrigatoriamente conhecer muito bem a bíblia, porque ela traz um monte de coisas legais escondidas. Ela ensina até mesmo a montar o seu próprio deck de tarot !

Já o Novo Testamento é uma salada de frutas criada ao longo de 500 anos de “ajustes” da Igreja. Ele inclui trechos sérios, trechos inventados, trechos truncados, trechos apagados, trechos mexidos… existem até referências a capítulos de livros que NÃO EXISTEM.
Graças a isso, existem mais de DOIS MIL… isso mesmo crianças… DOIS MIL erros históricos, contradições, erros científicos, profecias que não se realizaram, absurdos e injustiças na Bíblia. Pode conferir todos eles AQUI.

Tudo isso porque a Igreja Católica dos séculos III até VIII tentou “consertar” e “encaixar” textos que foram feitos por pessoas diferentes em tempos diferentes falando sobre coisas diferentes para formar uma única história que parecesse coerente.

Só achei necessário fazer esta coluna intermediária para explicar o porquê eu cito as falhas da Bíblia usando a PRÓPRIA bíblia sem que isso seja uma contradição. Porque, por exemplo, os Salmos explicam como é o Casamento Dinástico e mais tarde, quando Constantino e seus bispos pegaram os trechos que explicavam o casamento de Yeshua e Maria Madalena nas Bodas de Caná e nos episódios do óleo e foram apagá-los, provavelmente não sabiam o que fazer com eles, porque Constantino era um SACERDOTE PAGÂO e não tinha a menor idéia das tradições hebraicas ou do que significava aquilo. Tanto que basta olhar o Novo Testamento com calma para ver como os textos das mulheres (oficialmente são duas mulheres diferentes) que lavam os pés de Jesus com óleo não fazem sentido algum… dá pra ver nitidamente que estão truncadas ou jogadas ali no meio sem nexo.

As razões pelas quais a Igreja precisou fazer estas adaptações serão explicadas tim tim por tim tim em colunas futuras. Semana que vem voltamos à nossa programação normal.

Além da Bíblia, as Histórias do REI ARTHUR sofreram o chamado “empilhamento”, mas não vou falar sobre ele agora… quero dedicar umas 2 ou 3 matérias só para Camelot e Avalon, onde explicaremos o por quê da maçã só ter se tornado o fruto proibido a partir do século XVII, porque Guinevere também não traiu Arthur e qual a ligação disto tudo com o Graal…

Marcelo Del Debbio

#Gnose #Mitologia

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/como-assim-zeus-nunca-traiu-hera