O Limite do Subjetivo

» Parte 3 da série “Reflexões sobre o materialismo” ver parte 1 | ver parte 2

A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Através da nossa subjetividade construímos um espaço relacional, ou seja, nos relacionamos com o “outro”.

Há uma outra espécie de materialismo, definida por alguns como materialismo científico ou eliminativo, mas que eu opto por definir aqui como materialismo anti-subjetivo [1] – pois se trata de uma teoria que afirma que somente a matéria já conhecida explica o funcionamento da consciência humana. Trata-se de uma aposta e de um enorme paradoxo:

A aposta

Hoje se sabe que a consciência se parece mais com um processo que coordena decisões de acordo com o fluxo de informação sensorial recebido, ela é como o regente de uma “orquestra mental”. Porém, a análise qualitativa dos fenômenos conscientes complexos, como o amor e as decisões morais, ainda passam ao largo da explicação científica. Este é o famoso “problema difícil”: identificar o que exatamente interpreta informações e elabora respostas morais, em oposto a mera computação das informações.

Richard Feynman gostava de comparar a forma como os físicos modernos trabalham com a detecção das ondas de uma piscina: acaso não fosse possível ver quem mergulhou na piscina há pouco tempo, podemos ter uma boa noção de onde e quando ocorreu o mergulho, assim como o peso de quem mergulhou, apenas analisando a frequência e a amplitude das ondas na superfície da água. A ciência lida somente com o que pode detectar – se ela não detecta o amor ou a moral, ao menos pode detectar o efeito elétrico no cérebro que ocasiona as demonstrações de sentimentos complexos. O que a ciência não pode pretender, entretanto, é que tais sentimentos se resumam ao efeito, ignorando a causa… Ou postulando que a causa está além de nosso controle, que é fruto do mero agitar químico do cérebro, o que em todo caso é basicamente o mesmo que ignorar a causa.

Bahram Elahi, especialista em cirurgia e anatomia, dizia que embora a mente e o cérebro sejam separados, a mente (ou consciência) não é algo imaterial. Ao contrário, é composta de um tipo de matéria muito sutil que, embora ainda não-descoberta, é conceituamente semelhante às ondas eletromagnéticas, que são capazes de carregar sons e figuras (e mesmo videos – figuras em movimento), e são governadas por leis, axiomas e teoremas precisos. Ele teoriza que tudo relacionado a esta “entidade” deve ser considerado como uma disciplina científica não-descoberta, e estudada da mesma maneira objetiva que outras disciplinas (como química ou biologia, por exemplo). A consciência pode, portanto, ser formada por algum tipo de substância material sutil demais para ser medida ou detectada utilizando as ferramentas científicas disponíveis hoje.

Eis a aposta dos materialistas anti-subjetivos: a de que a consciência e seus fenômenos complexos, que exigem não apenas a computação de informações, mas, sobretudo, a interpretação das mesmas, pode ser compreendida apenas levando-se em consideração a matéria já detectada pela ciência.

O paradoxo

Primeiro a ciência moderna, através da neurologia, foi obrigada a aceitar o conceito e a existência da mente subjetiva, para só então tentar reduzi-la a atividades elétricas, efeitos bioquímicos, um mero agitar de partículas no cérebro… Em suma, tentar negar a existência dos qualia.

Qualia são tratados na Filosofia da Mente como sinônimos de subjetividade. Eles significam uma barreira intransponível entre objetivo e subjetivo, entre vivo e não vivo, entre humanos e máquinas. Não sabemos como o cérebro gera a subjetividade, nem se ela pode ser replicada artificialmente. Tentamos padronizar as sensações usando a linguagem, mas as características subjetivas, únicas, de cada sensação, parecem sempre escapar. Quando falamos de algo “amarelo”, por exemplo, não sabemos se essa cor é mais ou menos intensa para nós ou para o “outro”.

Essa inconveniência dos qualia levou filósofos como Daniel Dennet a tentarem negar sua importância ou até mesmo sua existência… Segundo Dennet, a subjetividade é uma ilusão persistente gerada por nosso cérebro, e não existem escolhas, nem morais nem imorais, apenas o resultado do fluxo de partículas no cérebro, de átomos dançando conforme alguma música aleatória definida por nosso meio-ambiente.

Eis o paradoxo: Dennet, ao contrário do que possam pensar, não é alguém que eu condene. De fato, ele é um dos poucos materialistas anti-subjetivos que realmente assumem sua posição enquanto materialistas – a grande maioria simplesmente ignora tal questão, e continuam a viver como se existisse a subjetividade, como se existissem escolhas, como se realmente fizesse algum sentido condenar criminosos ou condecorar heróis de guerra.

Até onde a luz pode chegar

Não há nada de errado com a ciência objetiva, o problema é quando cientistas creem que podem utilizar ciência para adentrar no campo da subjetividade… Da mesma forma que a psicologia não poderá provar que “esta pessoa está sentindo duas vezes mais dor do que aquela outra”, ou que “aquela pessoa ama aquela outra cinco vezes mais do que você ama seu cachorro”, dificilmente a ciência moderna terá sucesso nessa tentativa de equacionar a mente humana, e tratá-la como uma espécie de máquina que programou a si própria.

Já dissemos que toda a matéria é intangível, mas faltou dizer que ela é igualmente invisível em sua maior parte – pois tudo o que vemos com os olhos ou detectamos com instrumentos avançados são frequências de ondas eletromagnéticas, quantas de luz a refletir pelos átomos a dançar no vazio. Nós não vemos a lua, nem a árvore do outro lado da rua, nem mesmo nossas mãos ou as bactérias no microscópio, vemos apenas os quantas de luz, vindos da luz do Sol ou de alguma fonte de luz (tal qual lâmpadas ou vagalumes), a refletir os átomos que constituem as coisas vistas ou detectadas.

Mas mesmo esta matéria que reflete e interage com a luz é apenas uma ínfima minoria – cerca de 4% – de toda a matéria existente em nosso horizonte observável do Cosmos. Todo os resto – 96% – é composto por Matéria Escura e Energia Escura, e só pôde ser descoberto pelos cientistas através de seu efeito gravitacional no movimento das galáxias (assim como nas interações com a força eletrofraca, mas isso já daria outro artigo).

Aí está o limite do subjetivo, segundo os materialistas: 4% da matéria existente no pedaço do universo onde nossa observação alcança. É uma tremenda aposta esta que afirma que o problema difícil da consciência, que o próprio conceito de subjetividade, pode ser explicado e compreendido apenas com o tilintar dos átomos conhecidos. Para sermos materialistas anti-subjetivos, temos de ter muita fé no ínfimo que conseguimos desvelar objetivamente deste Cosmos infinito. Há que se reconhecer sua convicção.

» Em breve, o materialismo religioso e a espiritualidade materialista…

***
[1] Em filosofia da mente, o termo mais utilizado é “materialismo eliminativo”, mas eu optei por usar este outro termo neste artigo, para ficar mais simples entender o que eu quero dizer com ele.

Crédito da imagem: neurollero

#hermetismo

Postagem original feita no https://www.projetomayhem.com.br/o-limite-do-subjetivo

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